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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 67
ANO DE 1967 15 DE FEVEREIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 67, EM 14 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos Srs.
Fernando Cid de Oliveira Proença
António Moreira Longo
SUMARIO: - O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-to conta do expediente.
Para cumprimento do disposto no §3º do artigo 109º da, Constituição, foram recebidos na Mesa os Diários do Governo n.ºs e 35, l.º série, inserindo diversos decretos-leis.
O Sr. Presidente anunciou o falecimento do antigo Deputado João Cunha Valença, proferindo um voto de pesar, unanimemente aprovado pela assembleia.
O Sr Presidente deu conhecimento da vinda a Assembleia, amanhã, do Sr Ministro do Ultramar, o qual fará uma exposição, exclusivamente dedicada aos Srs Deputados, nobre problemas do ultramar.
Usaram da palavra os Srs Deputados Fernando de Oliveira, para solicitar do Governo a criação da escola industrial de Alverca do Ribatejo, André Navarro, que se congratulou com os progressos no Plano de rega do Alentejo António Santos da Cunha, acerca da actividade das casas regionais, e Correia Barbosa, sobre problemas do leite, nomeadamente na região de Aveiro.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei sobre o regime jurídico da caça.
Usaram da palavra os Srs Deputados Cunha Araújo e Augusto Simões.
O Sr Presidente encerrou a sessão as 18 horas e 30 minutos
O Sr Presidente: -Vai fazer-se a chamada
Eram 16 horas e 10 minutos
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso
Alberto Henriques de Araújo
Alberto Pacheco Jorge
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
André Francisco Navarro
André da Silva Campos Neves
António Dias Fernão Castelo Branco
António Furtado dos Santos
António José Braz Regueiro
António Maria Santos da Cunha
António Morena [...]
António dos Santos Martins Lima
Armando Acácio de Sousa Magalhães
Armando Cândido de Medeiros
Artur Águedo de Oliveira
Artur Correia Barbosa
Artur Proença Duarte
Augusto Duarte Henriques Simões
Augusto Salazar Leite
Aulácio Rodrigues de Almeida
Avelino [...] Figueiredo Baptista Cardoso
D Custódia Lopes
Deodato Chaves de Magalhães Sousa
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa
Fernando Alberto de Oliveira
Fernando Cid de Oliveira Proença
Fernando de Matos
Filomeno da Silva Cartaxo
Francisco António da Silva
Francisco José Roseta Fino.
Gabriel Maurício Teixeira
Gonçalo Castelo-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela
Gustavo Neto de Miranda
Henrique Veiga de Macedo
Hirondino da Paixão Fernandes
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Horácio Brás da Silva
James Pinto Buli
Jerónimo Henriques Jorge
João Mendes da Costa Amaral
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Joaquim de Jesus Santos
Jorge Barros Duarte
José Fernando Nunes Barata
José Gonçalves de Araújo Novo
José Henriques Mouta
José Janeiro Neves
José Manuel da Costa
José Maria de Castro Salazar
José Rocha Calhorda
José Soares da Fonseca
José Vicente de Abreu
Júlio Alberto da Costa Evangelista
Luciano Machado Soares
Luís Arriaga de Sá Linhares
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira
Manuel João Correia
Manuel João Cutileiro Feirara
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral
Manuel Nunes Fernandes
Manuel de Sousa Rosal Júnior
D Mana de Lurdes Filomena Figueiredo de Albuquerque
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo
Mário de Figueiredo
Martinho Cândido Vaz Pires
Miguel Augusto Pinto de Meneses
Paulo Cancella do Abreu
Rafael Valadão dos Santos
Raul Satúrio Pires
Raul da Silva e Cunha Araújo
Rogério Noel Peres Claro
Rui Manuel da Silva Vieira
Rui Pontífice de Sousa
Sebastião Alves
Sebastião Garcia Ramirez
Sérgio Lecerdo [...]
D Sinclética Soares Santos Torres
Teófilo Lopes Frazão
Tito de Castelo Branco Arantes
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz
O Si Presidente: - Estão presentes 80 Srs Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia.
Deu-se, conta do seguinte.
Expediente
Telegramas
De congratulações com a intervenção dos Srs. Deputados Santos da Cunha e Duarte do Amaral, acerca do regime jurídico da caça.
Idem, com a intervenção do Sr. Deputado Sousa Magalhães sobre o mesmo assunto.
A apoiara as palavras do Sr. Deputado Amaral Neto na defesa dos bombeiros voluntários.
A aplaudir a intervenção do Sr. Deputado Nunes Barata na sessão de 10 do corrente.
O Sr. Presidente:- Para efeitos do disposto no § 3º do artigo 109º da Constituição, estão na Mesa os Diários do Governo nos. 34 e 35, 1ª série, de 9 e 10 do corrente mês, que inserem os Decretos-Leis nos. 47 529, que adita um parágrafo ao artigo 53º da Reforma Aduaneira, aprovada pelo Decreto-Lei nº. 46 311, 47 530, que permite que o lugar de auditório da Inspecção-Geral de Crédito e Seguros seja provado num juiz [...], que desempenhará em comissão de serviço por períodos renováveis dos três anos e 47 532, que reduz para 9$50 por quilograma os direitos devidos pela importação de 230 t de leite em pó já realizada ou a realizar pela Sociedade de Produtos Lácteos, S.A.R.L.
Pausa
O Sr. Presidente:- Faleceu o Sr. João da Assunção da Cunha Valença que foi Deputado a esta Assembleia nas VI e VII Legislaturas. Interpreto o sentimento da Assembleia mandando [...] na acta um voto de profundo pesar.
Srs. Deputados Informo VV Exas. De que o Sr. Ministro do Ultramar vem amanhã às 10 horas e 30 minutos precisas, fazer uma exposição, exclusivamente para VV Exas, sobre problemas do ultramar português. Espero, portanto, que não deixem de vir tomar contacto mais imediato com esses problemas. A sessão far-se-á na sala da biblioteca.
Pausa
O sr, Presidente:- Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Oliveira.
O Sr. Fernando de Oliveira:- Sr. Presidente. Tem sido uma constante da Lei de Meios, nos últimos anos, a prioridade conferida aos encargos com a defesa nacional.
Essa constante traduz sempre o propósito firme do Governo em salvaguardar a integridade territorial da Nação.
Se, das suas receitas, O País dá assim prioridade às despesas militares, sendo estas crescentes teremos de fomentar réditos novos para lhes fazer face. Daqui a preocupação em investimentos cada vez mais rentáveis, mesmo que sejam a longo prazo.
Na política de investimentos, ao fixarem-se orientações sobre alguns problemas capitais, abriu-se uma alínea intitulada «Intensificação dos investimentos intelectuais», a qual se desdobra nos sectores da investigação do ensino e da formação profissional.
Acho muito importante que se relembro permanentemente este aspecto, que, no fundo, traduz a linha de rumo do Governo primeiro a defesa, sem dúvida, mas o fomento da Nação logo em seguida, como necessidade imperativa de suporte à primeira, como garantia do progresso para o futuro.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- Há dirigentes- aliás bem intencionados - para quem só uma coisa conta a guerra em África todo o resto minimizando.
Conceito limitado este. É indispensável urge desfazer a ilusão de que para fazer a guerra há sempre dinheiro na subversão prolongada, o aspecto financeiro é, sem dúvida, o de incidência mais critica.
Para que uns possam continuar a combater, outros terão de trabalhar e de pensar.
Neste quadro se inserem os problemas da investigação, do ensino e do fomento económico cuja importância nunca é exagero encarecer.
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Continuo a insistir na tese que defendo desde há muitos anos a indústria representa para Portugal a esperança melhor e de mais próxima realização para elevar o nível de vida português.
Porém, depois da nossa guerra de África, a indústria surge com um valor maior ainda a única probabilidade de assegurar o nosso equilíbrio financeiro.
Nem tudo é mau nesta guerra, eu o tenho afirmado repetidas vezes. Nelas se encontram muitos factores positivos.
Não iludamos, porem a realidade de que as despesas militares, com poucas excepções, não são reprodutivas, isto é, de que toda uma actividade económica revitalizada pela guerra não há compensação para parte importante dos bens consumidos.
Há que gerar novas fontes de receita, há que aumentar a produtividade nacional para que se compensem as perdas que, se indiscutíveis e prioritárias, se traduzem no orçamento geral da Nação como despesa sem contrapartida.
Novas melhores e maiores indústrias. Lembram-se da [...] com que se falava do turismo há dez ou quinze anos? Pois bem os homens do Palácio Foz conseguiram o milagre e a nossa balança de pagamentos está-lhes hoje bem reconhecida.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- Novas indústrias as para aumentar exportações e diminuir importações, algumas destas tão facilmente elimináveis.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- Temos chefes de empresa experimentados e os nossos técnicos têm demonstrado bem o que são capazes de realizar. Novas indústrias estão perfeitamente ao nosso alcance.
Cada um de nós tem de produzir mais. Não só pela vontade própria, que essa é naturalmente limitada, mas pela técnica, que ao homem confere potência quase inconfinada.
O homem rende, o homem produz pelo que se sabe «Saber é poder» era o lema de uma admirável escola de engenharia aeronáutica que me foi dado frequentar. Lema que toda a minha vida influenciou, no sentido de que os conhecimentos podem ser sempre aumentados pelo estudo e o valor do homem proporcionalmente multiplicado.
Talvez daí a minha devoção ao termo do pessoal que tem trabalhado debaixo das minhas ordens.
Em estabelecimento fabril do Estado, sem o estímulo da promoção proporcionada ao rendimento no trabalho ou da recompensa eventual e oportuna que a industria privada permite e faculta, dois milhares de jovens comportam-se como gente grande na disciplina consentida, no interesse pelo cumprimento da missão, descontraídamente- como hoje é [...] dizer-se, mas com um sentido nítido do dever que se auto-impõem.
E é da instrução que essa juventude tem recebido que eu queria vir hoje falar.
Nas Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, no final de 1966, trabalhavam 3103 empregados. Destes 2753 eram pessoal técnico e fabril, entre os quais se contavam mais de 40 por cento habilitados com os cursos das escolas industriais.
É massa trabalhada que essas escolas nos entregam com preparação tarefa prática.
Ingénuo ou sonhador o industrial que esperasse da escola executadas treinados e aptos pata a sua indústria fosse ela qual fosse.
A escola dá cultura e treino de base. A cada indústria compete o trino especializado.
O sr. André Navarro:- Muito bem!
O Orador :- Em Alverca, estamos presentemente a admitir para treinar como mecânicos dos aviões [...], os F- 101 tão falados nos jornais, rapazes vindos directamente das escolas os resultados obtidos excedem de longe os [...], quando se lançou mão de operários com experiência prévia, mas sem os cursos dessas escolas.
De mais de dois milhares de diplomados pelas escolas técnicas que a industria aeronáutica nacional tem recebido nos últimos dez anos, os resultados são francamente satisfatórios.
Indústria de ponta, a aeronáutica, de requisitos mais exigentes que qualquer outra, dela partem depois para indústrias mais compensadoras monetariamente, levando consigo novas técnicas e procedimentos, em alvoradas de juventude e conhecimentos contagiantes, para o progresso dessas industrias contribuindo de forma decisiva. Eu poderia documentar com exemplos concretos a minha afirmação.
Escolas industriais muito longe de serem tão más como se diz para aí frequentemente.
São todas das do mesmo nível, em professorados e em equipamento oficial, de Norte a Sul, do litoral para o interior do País? Claro que não. Eu diria que há até uma certa influência ou coincidência geográfica no [...] dos seus valores.
Há escolas utilizando ainda tornos mecânicos com mais de 60 anos de serviço, com professores sem estágio, ou até indiplomados. Claro que há.
Negar, porém, o esforço admirável- eu repito admirável- que nos últimos quinze anos se tem realizado no campo de ensino técnico profissional e o progresso verificado, não seria apenas injustiça seria apreciação grossena para, sem perda de tempo, se descartar.
Recordo-me sempre de quando, em 1964, os representantes técnicos de catorze nações presentes ao XIV Concurso Internacional de Formação Profissional entraram pela primeira vez na Escola do Marques de Pombal, recordo-me do impacte da sensação de surpresa por encontrarem no Portugal Industrialmente desconhecido para eles uma escola com instalações, equipamento e organização educativa de tal nível.
Neste ramo de ensino, estamos, pois, ao nível internacional em qualidade, infelizmente que não em quantidade.
Afirmei há anos- e por escrito- num congresso da indústria nacional, que o operário português era o mais ordinário e perigoso do meu conhecimento [...] e atrevido- o habilidoso, a tudo se abalançando, crente na impunidade que lhe advém natural falta de conhecimentos do cliente.
Mas acrescentava porém depois de treinado, o operário português é dos melhores do Mundo.
Tal como o dramante, que, ao ser encontrado no fundo da [...], não tem o brilho que a lapidagem lhe confere- brilho que, no entanto, só adquire se a gema for de boa água, o homem português é de uma alta qualidade para que espera apenas o lapidor do treino e da cultura para brilhar em pleno.
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Precisamos, pois, de mais escolas! Louvor aos dirigentes que a esse problema têm estado bem atentos, ao máximo se esforçando para o resolver.
Depois das considerações que venho de tecer na generalidade, como Deputado pelo círculo de Lisboa, gostaria agora de abordar o problema do ensino técnico no concelho de Vila Franca de Xira cujo lugar [...] na industria portuguesa é bem notório.
O plano da citação de escolas industriais tem vindo a desenvolver-se nos últimos anos um ritmo de que o grande público geral se apercebe. Recordo-me de uma estatística que fiz há tempos e já hoje largamente desactualizada em dez anos, o numero de escolas técnicas tinha aumentado de 55,5 por cento e a sua frequência de 222 por cento o que traduzia bem a maior capacidade das novas escolas e a ampliação a que muitas das antigas tinham sido sujeitas.
Dentro desse plano, foi natural e muito justamente criada a Escola Industrial e Comercial de Vila Franca de Xira, em 1938, e nesse mesmo ano começou a funcionar em instalações improvisadas.
A sua frequência actual é de 2270 alunos dos quais cerca de 80 empregados das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, que se esforçam, para além das horas do serviço por se valorizarem. O mesmo sucede com muitos outros empregados de fábricas da região.
Embora a funcionar em instalações precárias, é já escola muito rentável para o País. É exemplo de que se não pode esperar pelo perfeito, pelo completo, para [...] corre-se o risco de se perder o comboio, a oportunidade.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- São conhecidas as dificuldades surgiram para a implantação do edifício que a escola de Vila Franca de Xira requer e bem merece. Conhecem-se, porem os esforços contínuos, incansáveis, do presidente daquele município para ajudar a resolve-las a sua têmpera de homem publica, [...] dedicado à missão que lhe foi confiada, dá-nos a garantia de que tal consiga em breve.
Quanto à execução da obra, a Junta de Construções para o Ensino Técnico e Superior tem os seus créditos tão largamente [...] que nada há que recear na celeridade com que o projecto se concretizará.
O S. António Santos da Cunha:- Muito bem!
O Orador:- A escola de Vila Franca de Xira serve a parte norte do concelho e está já superlotada.
O grosso da indústria tem-se desenvolvido a sul a zona de Alverca do Ribatejo sendo hoje uma das mais importantes no complexo industrial do País.
A freguesia de Alverca tem cerca de 12 000 habitantes, Vialonga 6000 Póvoa de Santa Iria outros 6000.
Em Indústrias dos ramos aeronáuticos, metalomecanico, químico, construção naval e outros, ocupam-se cerca de 9000 pessoas, número que será aumentado com cerca de 2500 com as novas indústrias têxteis, de cervejaria e outras em curso de instalação.
De tal evolução se apercebeu argutamente e ilustre Ministro das Corporações e Previdência Social ao resolver instituir em Alverca do Ribatejo o maior centro comum de aprendizagem do País, destinado a dar um prévio ensinamento aos jovens que não trabalhar nas indústrias locais. Certamente que esta possibilidade estimulará os aprendizes a prosseguirem na sua promoção técnica, e que só lhes será possível através frequência de uma escola industrial.
O terreno para a implantação do centro comum de aprendizagem foi inteligentemente e generosamente transaccionado por um homem de vistas largas e grande coração. Parcela para a escola industrial de Alverca também a sua [...] reservou já.
O conjunto das duas grandes escolas- o centro comum de aprendizagem e a escola industrial- pode bem constituir a nossa primeira Universidade Profissional, exemplo que nos vem da nação irmã e amiga, a gloriosa Espanha, ao instituir a Universidade Laboral de Gijon com o fim de nivelar as classes sociais por meio da cultura.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- Em Gijon um milhar de alunos em regime de internato e outro milhar como externos filhos de trabalhadores manuais e com preferência para órfãos destes, estudam dos 10 aos 18 anos diversos [...].
Os que reúnem condições acima da média prosseguem os seus estudos em escolas superiores do Estado debaixo da protecção e patronato da Universidade Laboral.
Na base do desenvolvimento espectacular que a indústria espanhola conseguiu após uma guerra duríssima e no alto nível hoje atingida esta certamente o cuidado posto na preparação profissional da sua juventude. Segundo tal exemplo, estamos com segurança no bom caminho.
As circunstancias [...] para que em Alverca centro demográfico importante centro de gravidade de um volume industrial máximo no País, se requeresse, natural e logicamente a maior unidade de ensino técnico profissional.
Além de se preparar pessoal para industrias básicas na economia nacional, não podem esquecer-se as necessidades em mão-de-obra das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico. Oficinas que são [...] básico funcionamento da nossa Força Aérea. Força Aérea que e trave mestra na movimentação, na logística e no apoio no combate das nossas tropas em África.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- a criação do centro comum de aprendizagem é já um facto.
Ao ilustre Ministro da educação Nacional, em quem tenho notado sempre um interesse muito particular por tudo quanto se refere ao ensino técnico profissional, daqui apresento a minha solicitação muito empenhada para que, o mais urgentemente possível, se lhe dê o complemento indispensável a escola industrial de Alverca do Ribatejo.
Solicitação que representa o anseio das autoridades locais e das grandes indústrias da região, sequiosas de pessoal com boa formação profissional.
Para esta solicitação me atrevo a pedir o apoio da Assembleia Nacional, se ela for considerada justa e oportuna, como disso estou muito convicto.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr. André Navarro:- Sr. Presidente Srs. Deputados. Atingida a fase final da constituição da barragem do Caia, que permitirá o regado cerca de 7000 ha de escaldante teria alentejana, aproxima-se, assim, o início
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dos grandes aproveitamentos lugroagrícolas das vastas áreas previstas na 1ª fase do notável. Plano de rega do Alentejo.
É de inteira justiça que se realce, neste momento e neste lugar, a obra monumental de valorização da infra-estrutura da economia portuguesa devida à inteligência, de [...], bom senso político e são critério técnico do ilustre titular da pasta das Obras Públicas- o Eng. Eduardo de Arantes de oliveira que figurará certamente, na galeria dos grandes Ministros das obras Públicas, num lugar de destacado relevo.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- É meu desejo neste momento, salientar também o admirável espirito de colaboração que emana do prestigio departamento das Obras Publicas reflectindo, com justeza, a inteligente política construtiva, dominantemente cooperadora do seu Ministro.
O Sr. António Santos da Cunha:- Muito bem!
O Orador:- Foi assim que este notável Plano elaborado por uma comissão dependente da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, teve largo apoio técnico nos estudos de prosperação agrológica levados já a cabo por especialistas- pedologistas e outros- dependentes do Plano de Fomento Agrário destacado e operoso de partamento da Secretaria de Estado da Agricultura.
Além da rega de muitos milhares de hectares que permitirão larga difusão da cultura hortícola de carácter industrial, outras culturas serão certamente ampliadas e convenientemente dimensionadas, como as culturas arbustivas, e entre elas é de realçar pelo seu valor, a viticultura à base de castas de mesa e ainda a cultura de pequenos arbustos produtores de matérias-primas para as fábricas de conversa como framboesas groselhas e outros. É também de prever largo acréscimo de uma moderna pecuária o que permitir reduzir o alarmante déficit de hoje da ementa maioral no tocante a proteínas de origem animal.
Alem do fomento agrícola, muitas outras virtualidades resultarão ainda da execução do Plano a que estou fazendo referência, como o fomento da electrificação da rede de comunicações rodoviárias abastecimento de água de algumas importantes cidades e vilas alentejanas etc.
Podem-se resumir assim os resultados previstos para este importante planeamento agrário e industrial já em plena execução na sua 1º fase nos seguintes presumíveis resultados mais significantes que o Diário da Manhã com toda a objectividade, sintetizava.
Aumento substancial da produção agrícola e pecuária e do emprego da população rural pela transformação cultural do sequeiro para regadio de vários blocos com uma área total de 170 000 ha .
Fornecimento de água para novas indústrias a criar e para abastecimento de muitos aglomerados urbanos e rurais, conta do porto de 600 000 habitantes ou seja, cerca de dois terços da população total do Alentejo.
Ordenamento hidráulico efectuado pela exploração das 23 albufeiras e canais de rega dos grandes aproveitamentos hidroagrícolas e, embora era menor escala, das 73 albufeiras dos pequenos aproveitamentos traduzindo-se em redução das cheias e dos [...] sólidos com a consequente diminuição das áreas inundadas e degradadas e aumento dos caudais de estiagem, que ficarão assegurados em quase todas as linhas de água- anteriormente secas durante vário meses por ano, de que resultarão apreciáveis benefícios de ordem agrícola pecuária, industria e sanitária.
Incremento da electrificação, facilitado pela construção de centrais hidroeléctricas e das linhas de transporte de energia a elas ligadas e de outras necessárias para abastecimento dos estaleiros das obras e das estações elevatórias da água para rega.
Repovoamento florestal de grandes áreas de solos pobres e dos degradados pela erosão em 1ª fase cerca de 300 000 ha .
Desenvolvimento da rede de vias de comunicação pela aceleração da construção das novas estradas constantes de planos rodoviários e pela execução das indispensáveis para a realização das barragens- que servirão de pontes- e das outras obras e para a exploração dos regadios e o transporte dos produtos agrícolas, pecuários e florestais. Admite ainda o Plano que o grande aumento de transportes que se prevê possa justificar a ampliação da rede ferroviária.
Desejo ainda fazer mais uma referencia ao grande apoio que há prestar a esta obra de valorização agrária do Sul do País outro departamento da Secretaria de Estado da Agricultura- a Estação de Culturas Regadas de Alvalade, que, sob a notabilíssima orientação do engenheiro agrónomo Castelo Branco, realizou, durante muitos anos os necessários estudos técnicos preparatórios em que se poderá hoje apoio com a maior segurança o fomento hidroagrícola regional previsto neste rasgado plano de fomento. É, por exemplo, o caso da viticultura a base do cultivo das castas de mesa especialmente das variedades mais precoces, entre as quais se destaca hoje, como valor excepcional a forma [...] de origem [...] Cardinal que poderá, só por si alimentar um largo e frutuoso comércio de exportação para os mercados norte-europeus e sul-americanos.
Está pois de parabéns essa grande província que tem dado a Nação desde os princípios tempos da nossa Industria fartos exemplos de bom senso perseverança e amor pelo torrão [...], lutando contra os elementos desfavoráveis do clima e até contra a crítica derrotista de alguns que por ignorância ou até por maldade olvidam ou fazem por ignorar o que a Nação deve ao seminário território que se estende para o Sul do Tejo até às doces e [...] paragens algarvias.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O sr. António Santos da Cunha:- sr Presidente. Na última sessão desta assembleia o Sr. Deputado Dr. Augusto Simões referiu-se larga e proficientemente ao papel que as casas regionais desempenham na vida nacional e à necessidade de o Estado as proteger e acarinhar, enaltecendo a acção que as mesmas tem desenvolvido. Apesar disso e porque estava já dentro do meu pensamento abordar o assunto não [...]deixa de reforçar essas considerações, tendo acima de tudo em mento comentar o excelente editorial do Diário de Noticias de 5 de Fevereiro, editorial que transcendo o âmbito restrito, situando-se num plano de tão grande interesse geral que atinge mesmo os princípios básicos da nossa vida social.
Presta assim o grande jornal mais um louvável serviço à Nação, a juntar a tantos outros que ao longo da sua existência centenária tem prestado com assinalável acerto.
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e boa vontade, com a consciência perfeita do papel que a imprensa cabe na construção de um amplo edifício onde todos os portugueses, quaisquer que sejam os seus credos e as suas origens, tenham um lugar digno, justo e livre, para que cada vez sintam com maior satisfação o orgulho de percentagem a uma comunidade que se mostra em plena pujança e vitalidade na tranquilidade do seu labor progressivo em terras metropolitanas.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- Só à base desta tranquilidade que tem de ser fruto natural que flui da liberdade do indivíduo dentro das suas associações naturais e da acção dessas associações como limitadores do poder do Estado e consequente estabelecimento do equilíbrio binário Estado-indivíduo, poderemos conscientemente utilizar e coordenar os esforços para mantermos a nossa posição no concerto internacional de modo a permitir-nos o prosseguimento da cruzada de defesa da integridade do nossos territórios ultramarinos e defendendo ao mesmo tempo os interesses humanos das suas populações, que não é de mais repetir sem a nossa protecção, seriam lançadas no caos.
A defesa de instituições públicas ou privadas que constituem núcleos de interesses materiais ou morais de grupos que têm pontos comuns é a base da nossa organização corporativa. E a constituição desses grupos corresponde à aplicação de um princípio de direito natural reconhecido na nossa Constituição Política e defendido na doutrina social da Igreja.
De facto, algo de novo se passa no Mundo. O crescimento do poder do Estado, a cedência que o indivíduo tem feito de parte das suas liberdades em troca da segurança necessária para poder desenvolver-se e viver com mais comodidade material, a estabilidade quase universal dos governos que caracteriza a nova era, tudo isto criou uma necessidade premente do estabelecimento de órgãos intermédios que dêem conhecimento ao Governo de necessidades individuais ou colectivas em todos os sectores de actividade pessoal ou no âmbito das necessidades regionais com o fim de fazer desaparecer desequilíbrios prejudiciais ao desenvolvimento da Nação.
Por isso, a existência das casas regionais constitui uma necessidade que se justifica política e socialmente, mesmo para além daquilo que representam como factor sentimental, constituindo agrupamentos de pessoas que nascidas na mesma região, conseguem um intercâmbio espiritual mais frutuoso e mais simples por semelhança de sentimentos próprios de origem comum que exerce forte influência sobre a formação espiritual e sentimental de cada um.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador:- A socialização, no sentido etimológico da palavra, constitui uma das grandes necessidades do nosso tempo. Se, por um lado, como disse pode constituir o fiel no equilíbrio social entre o Estado e o indivíduo ou entre o Poder Central e as autarquias locais, constitui eminentemente um traço de união entre indivíduos que tem pontos comuns de interesses materiais ou espirituais, com incidências sociais importantes no sector de relações.
O Sr. Cunha Araújo:- V. Exa. entende que o que está a dizer é factor de socialização ou de sociabilização?
É que me parece que esta última palavra define melhor o concerto que V. Exa. está a defender.
O Orador:- O significado que quero dar ao termo «socialização» não se assuste V. Exa. é de comunhão entre os homens. E emprego a palavra porque foi já empregada pelos sumos pontífices. É só por isso.
A própria actividade das diferentes casas regionais focada no oportusíssimo artigo do Diário de Noticias parece ser suficiente elucidativa e clara, não deixando dúvidas sobre a função múltipla dessas associações quer na satisfação de interesses de ordem material das regiões que abrangem promovendo ou acelerando soluções de problemas, apoiando iniciativas das regiões de origem , quer na promoção de propaganda de ordem turística do seu torrão natal, quer estudando problemas variados em congressos organizados, quer na nota de sentimentalismo que constitui o culto das tradições das suas terras funcionando como ponto de encontro de amigos e conterrâneos transformando horas de ócio em satisfação de necessidades espirituais.
A utilidade que foi focada justificada exuberantemente a sua existência. Mais ainda justificada e impões que o Governo da Nação tome uma posição clara e definida amparando eficazmente instituições deste género existentes promovendo a criação de novas, pois elas são verdadeiramente instituições de utilidade pública e de interesse nacional, e reconhecendo de uma maneira insofismável a sua função benéfica.
A própria reacção pública de simpatia e apoio feita perante o Diário de Noticias, posteriormente à publicação do artigo exercida através de individualidades do maior relevo e algumas de destaque na vida pública, demonstra à evidencia que o problema é de tornem as necessárias providências para que organismos vivos como a Casa das Beiras e seus satélites, a Casa dos Açores e todas as casas regionais congéneres instaladas em Lisboa, de que destaco a do Minho, por bem conhecer a sua acção, sejam acarinhadas com a compreensão clara do seu valor social e político. O Estado, na sua verdadeira e única função de servir , servirá o País e os seus mais lídinios interesses defendendo estas instituições de carácter regionalista, dando-lhes o lugar que lhes compete no panorama social português, na certeza de que o faz a bom da Nação.
De facto a existência de agrupamentos regionais em Lisboa cérebro e fonte de vida do império e onde pulsa o coração da [...] perto das fontes donde dimanam as forças de ordem material e espiritual para todos os pontos do País constitui ou poderá constituir, a presença dos diferentes pedaços da Pátria juntos dos poderes centrais se as Cortes Gerais, no tempo dos primórdios da Nacionalidade, se reuniam em diferentes cidades de Portugal que seja agora possível constituírem-se naturalmente na capital do império.
Funcionando como grupos de pressão e equilíbrio, poderão elas constituir grupos informativos, que tão úteis se podem tornar para o Governo como fornecedores de elementos capazes de permitir traçar planos de desenvolvimento e desenhar programas em que o estabelecimento de prioridades contribua para um nivelamento inter-regional indispensável ao desenvolvimento de País com a harmonia necessária.
O problema que era se levantar com o desaparecimento das sedes das Casas dos Açores e das Beiras julgamos, vem dar acuidade a uma questão que urge ser encarada pelo Governo com um sentido de larga visão e de modo que instituições similares mereçam um auxílio que lhes permite uma estabilidade de vida a que está intimamente ligada a estabilidade das suas sedes sociais.
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A experiência demonstrou que a actividade destes organismos tem contribuído eficazmente para- o desenvolvimento material das legiões que representam, para o desenvolvimento comunitário indispensável à vida da Nação, para a concretização de estudos sociais ou económicos indispensáveis á vida do País e também para centro de convivência de indivíduos ligados entre si por laços indissolúveis de origem comum.
A existência das organizações que abrigam os portugueses em várias cidades estrangeiras, nomeadamente no Brasil, o desvelo e o carinho que têm presidido ao seu funcionamento- e de cuja existência e actividades tanto o emigrante como o visitante português tão largos proveitos tem tirado, constituem exemplo justificativo para um olhar de bom senso e de justiça do Governo para com estas casas regionais com sede em Lisboa protegendo-as, acarinhado-as e criando-lhes ambiente em que possam desenvolver-se e progredir sem [...] de nenhuma espécie e evitando factos lamentáveis como os que recentemente se deram.
Merecem, pois, o Diário de Noticias e o seu articulista uma palavra de louvor por terem levantado este problema e por terem acarinhado tanto desvelo, demais a mais com a autoridade verdadeiramente valiosa do seu egrégio director.
A Casa do Minho, a que actualmente preside o distinto jornalista e escritor Artur Maciel, tem desenvolvido uma tarefa que quero disso tenho obrigação especial destacar.
Ainda há poucos dias me foi dado tomar parte numa reunião, a que assistiram pessoas do maior valor, que serviu não só para denunciar mais uma vez as delícias da cozinha minhota, como para que convivessem os naturais da região das mais variadas classes e fossem discutidos problemas de grande interesse para a mesma.
Será que a sua esforçada e dinâmica direcção pensa em organizar uma semana de estudos na capital, semana em que os mais candentes problemas regionais serão abordados por autoridades competentes nas diferentes matérias, o que será contributo apreciável para a resolução dos mesmos, e ainda, o que muito é de Ter em conta, poderosa alavanca para a mentalização dos responsáveis quanto á necessidade de esses problemas serem encarados de frente.
O Governo tem, pois, de promulgar medidas que assegurem destacada posição dentro dos quadros do País a tão úteis instituições, que têm na verdade, um papel representativo digno de estímulo e podem, além dos mais contribuir, através de uma propaganda bem orientada, para um melhor conhecimento por parte dos grandes centros das necessidades vitais a um harmónico desenvolvimento nacional que tem de Ter em conta um desenvolvimento simultâneo das diferentes regiões do País.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- A constituição de um grupo de trabalho que pudesse propor ao Governo a natureza dessas medidas e a entrega de uma representação colectiva das casas regionais ao Sr. Presidente do Concelho seria, sem dúvida maneira eficiente de passarmos da apresentação de ideias à concretização das mesmas.
O Chefe do Governo tão [...] às suas terras de origem, amante como poucos do seu cantinho natal, não deixará de Ter em devida conta a legítima aspiração dos naturais da província que, perdidos nesta Lisboa de muitas e desvairadas gentes não esquecem o caminho da sua aldeia a rua da vida ou cidade onde nasceriam e passaram, possivelmente, os seus melhores dias e procuram fazer desse justo sentimento motivo de progresso e de bem-estar para as suas regiões.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr. Correia Barbosa:- Sr. Presidente. O assunto de que embora fugidiamente, vou tratar, tem a meu ver, um grande interesse para a economia nacional e, por isso, é meu convencimento de que com muito maior amplitude de virá a ser posto nesta Assembleia.
O muito ilustre Deputado Dr. Cancela de Abreu ainda há pouco tempo tratou dele com grande oportunidade e conhecimento de causa. No entanto, como sou Deputado pelo circulo de Aveiro e residente no norte do distrito que é, como muito bem acentuou o Dr. Cancela de Abreu, a maior região produtora de leite do País e eu acrescentarei onde se situam as maiores organizações fabris para a industrialização do leite -, e dadas as dificuldades em que o País se debate para o abastecimento público do precioso alimento, entendo de meu dever trazer aqui algumas considerações sobre o magno problema.
Noticiaram há dias os jornais que para abastecimento público vamos principiar a importar do Leste da Europa algumas toneladas de manteiga e de outros produtos lacteos. Não me choca que tenhamos de ir buscar aos países do Leste aquilo de que necessitamos e é indispensável para a alimentação do nosso povo Primovivere.
O que me preocupa, e entristece até, é que num período relativamente curto tenhamos passado de um país superabastecido de manteiga, queijo e leite para um país absolutamente deficitário destes produtos, que hoje constituem elemento indispensável da alimentação humana.
São várias no meu entendimento, as causas que conduziram a este lamentável estado de coisas. O aumento populacional, a indiscutível melhoria das condições de vida do povo, o turismo, que para o País arrasta grande número de pessoas habituadas a tomar leite e aqui intensificam esse uso como medida económica tão peculiar às pessoas que saiam em digressão, e até a própria ciência médica que cada vez mais vem aconselhando o uso do leite, são, entre outros, os factores primordiais que tem conduzido a um maior uso do leite e a sua consequente [...].
Assim, quando tudo indicava que cada vez se produzisse mais leite, intensificado a criação de vacas e valorizando o seu poder de produção, eis que o leite principia a [...] e o abastecimento, principalmente dos grandes centros urbanos, se faz através de grandes dificuldades, não sendo raro verificar-se - facto que não se pode deixar de lamentar - a falta do precioso alimento para crianças e doentes.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador:- A lavoura, que durante anos e anos reclamou, expôs por todas as formas a sua situação sobre vários problemas que a afligiam e afligem, denunciando incisivamente o problema do preço do leite, ninguém a ouviu ou não a quis ouvir.
Vazes:- Muito bem!
O Orador:- As consequências dessa surdez acidental ou propositada estão a reflectir-se desastrosamente não só na economia do País, que tem de suportar um exodo.
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enorme de divisas para o estrangeiro, mas também no bem-estar e na comodidade do povo, que nunca acerta de bom grado, como é compreensível, que lhe falte aquilo de que necessita para a sua vida normal.
E, a par o público reage também a indústria, que, aliás não está isenta de pecado no problema leiteiro em que se debate o País, mas reage, com razão neste momento porque lhe falta a matéria-prima que lhe possa dar rentabilidade para os enormes capitais investidos em maquinismos, edifícios, etc.
E a situação dos industriais de lacticínios, que não fabricam a manteiga nem o queijo indispensáveis para o abastecimento do País por falta do leite necessário para tal, não pode ser menosprezada nem esquecida pelos responsáveis neste assunto pois não podem deixar também de Ter presente que é na industrialização do leite que, em grande parte, reside a defesa e a valorização da lavoura.
E, enquanto as nossas fábricas de lacticínios têm reduzidíssima a sua produção de queijo e manteiga, vemos as montras das mercearias a abarrotar de queijo francês e holandês a 65$ e 68$ o quilo quando o nosso delicioso queijo amarelo era vendido por cerca de metade do preço.
O Sr António Santos da Cunha:- V Exa. dá-me licença?
O Orador:- Faça favor.
O Sr António Santos da Cunha:- Estou um bocadinho dentro do assunto e queria dizer que o problema tem duas faces. Uma, agradável para todos nós é que, indiscutivelmente, o consumo de queijo e manteiga neste país eleva-se constantemente, sendo daí que resulta, em grande parte a falta de queijo e de manteiga no mercado.
Quanto ao leite, pelo menos no Norte, verifica-se que muitas freguesias consomem já aquilo que produzem.
Quer dizer o nosso homem do campo o nosso operário que não beba leite, que se contentava com uma sopa e um bocado de pão, hoje já consome leite.
O Orador:- Foi precisamente isso que eu disse a elevação do nível de vida.
O Sr António Santos da Cunha:- Indiscutivelmente é pena que as nossas estruturas agrárias não tenham podido acompanhar esse desenvolvimento. O problema é de preços. E desde já posso dizer a V Exa. que o aumento ultimamente anunciado pelo Ministério da Economia é absolutamente insuficiente para resolver o problema.
O Orador:- Estou inteiramente de acordo. É precisamente essa a minha tese que o nível de vida do povo subir extraordinariamente e por consequências, há hoje maior consumo de leite, entre outros factores. A questão do elite esta toda a volta do preço, como adiante direi, e as medidas recentemente tomadas são insuficientes.
O sr António Santos da Cunha:- Estão já ultrapassadas.
O Orador:- Bem sei -e isso e justo - que havendo falta de leite para ser consumido em natureza, não é natural que a industria possa dispor dele em quantidades tais que possa abastecer regularmente o mercado de queijo e manteiga e outros produtos lácteos. Mas o que é necessário é procurar o justo entre a produção e o consumo, quer em natureza, quer na industrialização do precioso e indispensável alimento, para que este não falte a uns nem a outros trazendo perturbações graves ao abastecimento público e à economia nacional.
A mim, afigura-se que o problema da escassez do leite e seus derivados ainda todo à volta do preço porque ele é pago ao produtor.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- se o preço fosse compensador, o lavrador não seria tentado a enviar as suas vacas para o matadouro, atraído pela valorização que dia a dia vem sofrendo a carne para consumo público. Antes pelo contrário, esforçar-se-ia por aumentar a sua manada, quer em número de cabeças, quer em quantidade de produção seleccionando cuidadosamente os seus animais.
Sou natural e vivo num conselho que é o maior produtor de leite da Beira Litoral, e não sei se do País, e estou informado de que, depois que ali se fundou a cooperativa Agrícola de Oliveira de Azeméis que de maneira notável concorreu para a valorização do leite elevando substancialmente o seu preço, não só a produção aumentou, mas também a qualidade melhorou muitíssimo. E assim, graças a essa admirável organização, que no género, é, sem dúvida, a maior e vem sendo criteriosamente orientada é possível ela envia diariamente para Lisboa para a Figueira da Foz, para Viseu, Santarém Setúbal para o Algarve 36 0000 1 de leite.
Isto vem demonstra claramente que toda a questão do aumento de produção de leite reside substancialmente na sua valorização.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- E é essa valorização, valorização compensadora e estimulado que a lavoura espera do Ministério da Economia pois abertamente contra no alto espírito e na compreensão do Sr Ministro que, com decisão saber e elevado critério de justiça, vem estudando e solucionando os problemas que afligem a lavoura sector primário da economia nacional.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr Presidente:- Vias passar-se à
Ordem do dia
O Sr Presidente:- Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre o regime juridico da caça.
Tem a palavra o Sr Deputado Cunha Araújo.
O Sr Cunha Araújo:- Sr Presidente. Como declaração prévia, devo começar por dizer que não sou caçador.
Melhor, não me dedico entusiasticamente ao que se chama o desporto da caça.
O facto porém não me retira qualidade para intervir na presente discussão, tanto mais que, afirmando-se a corrente dominante no sentido de ser a caça uma [...], «coisa de ninguém» logo«coisa de toda a gente», de toda a gente igualmente me parece dever ser, tal como o de caça o direito de sobre a caça falar. A complexidade do assunto, se eu a não tivera já em mente, claramente viria a impor-se-me com a leitura do parecer da Exma. Câmara Corporativa sobre o projecto de lei nº 2/IX, ora
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submetido à nossa apreciação, produto de um longo e exaustivo trabalho, cuja linha de rumo dificilmente se encontra no desenvolvimento das considerações em que procura assentar
O problema é realmente complexo e complicado Não constitui, longe disso, preocupação dos nosso dias pois o é de há muito e de sempre E que a caça, de fonte de sobrevivência, quando, para sobreviver, o homem do passado sobraçando a aljava empunhava o arco e a flecha, foi-se transformando com o evoluir dos tempos, em actividade lucrativa, em entretenimento dos ociosos ou em desporto para regalo dos mais prósperos
Sem querermos reportar-nos ao longínquo passado em que o exercício da caca e a destreza nesta eram elementos qualitativos dos homens que por via das aptidões reveladas ascendiam ao comando e predomínio dos clãs em que se integravam, coloquemo-nos preferentemente naquela época em que como restrição ao direito de propriedade, começou a gerar conflitos entre caçadores e proprietários dos solos
Recuarei, assim, até uma época menos remota ao século XVII, precisamente ao ano de 1776 em que no alvará de l de Julho, assinado pelo marquês de Pombal o conflito entre caçadores e proprietários se põe no ,aspecto que particularmente nos interessa e revestido de uma flagrante actualidade, pois perduram aliás com maior relevância as razões que o motivaram.
No referido alvará se poderá ler.
me foi representado por grande número de Donos e Procuradores de Quitas, Fazendas e Vinhas e Terras que de alguns anos a esta parte muitos ociosos vadros e de mais viver uns entregando-se à preguiça, outros deixando as artes fabris, que aprenderam e fazendo vida de caçadores, infestam armados as sobreditas Quantas Fazendas e Vinhas e Terras invadindo todas por força e violência abusando dos frutos que nela se achavam como se foram próprios pisando no agro os que se acham verdes nos campos e arvoredos.
Do transcrito se verifica que na problemática da raça se enxerta uma questão de base que tal como nos distantes tempos referidos se enraíza na manifesta incompatibilidade do exercício dos direitos, em presença.
De um lado o direito de propriedade direito fundamental com toda a indiscutível importância de que se reveste.
Do outro o direito de caçar nos tempos de hoje e nos moldes em que geralmente se deseja de discutível exercício, já que como aquele se não mostra impregnado de um tão fundo sentido social nem se destina à realização de uma necessidade de sobrevivência dos homens que, como tal, no passado o impôs como direito natural e lhe outorgou por isso, uma protecção especial.
De facto nos nossos tempos a caça, de fonte de abastecimento necessária à sustentação do homem que felizmente deixou de ser transformou-se essencialmente num desporto aliás caro em fonte de receitas consideráveis aspecto em que mereceu as atenções dos estados através de regulamentações jurídicas apropriadas no aproveitamento do valor que representava Sob o ponto de vista turístico, como atractivo e consequente aumento do comércio de divisas sob o ponto de vista fiscal, como objecto de tributação através das l licenças, impostos sobre venda de armas, munições, etc.
E assim, de rc8 nulhas, de coisa do ninguém, justamente porque era susceptível de apropriação geral como sempre acontece dela se apropriaram os mais fortes, os
estados, em nome do interesse nacional que lhes cumpre defender, oficializando o que parecia oficioso.
Mas o certo é que, no que ora nos interessa, ver fica-se estar aberto, na matéria, o problema da compatibilidade do exercício de dois direitos de execução prática pouco concilidável, tendo em atenção não ser legítimo o exercício de um sem a competente salvaguarda do outro Nas dificuldades deparadas aos legislados para se conseguir um justo equilíbrio na efectuação daqueles exercícios, tem-se ido fundo na averiguação das razões que respectivamente os legitimam E, na impossibilidade de se encontrar uma solução original satisfatória, por mal impossibilidade ou por «falta de engenho e arte» várias legislações se socorrem, entre elas a nossa, das velhas e já ultrapassadas concepções românica e germânica, a meu ver cada uma delas, nem sempre bem afeiçoadas aos condicionalismos dos nossos tempos.
Reconhecido que a caça deixou de constituir meio de satisfação das necessidades materiais do homem forçoso será reconhecer também que não poderá continuar a usufruir da fundamentação que a impôs como pus naturalis Outras razões de legitimidade se haverão de descobrir e estas existem por certo, sem necessidade e, aliás sem sentido actual de tão distante se nem buscar as razões justificativas do direito que só pretende regular.
Convirá não esquecer que a caça só deixou de ser fonte primária de alimentação do homem quando este passar a dispor de outros recursos, pôde encontrar noutras actividades, sobretudo no amanho das terras, o seu mais poderoso e eficaz meio de subsistência Contudo, o homem continuou a caçar pelo prazer do desporto, da competição que com o aperfeiçoamento dos apetrechos necessários, se for transformando de competição que ora para alguns em profissionalismo, morticínio e ânsia de matar
Tenho para mim que foi o progressivo desenvolvimento da agricultura e consequente desbravação das terras para o desabrochar do pão necessário à vida humana a defesa daquelas profundamente afectadas no seu destino pelos estragos causados com o crescente e incontrolado aumento das espécies cinegéticas, que determinou a intervenção da prática da caça com vista a sua preservação o que já longe da influencia de um jus naturais gerou um interesse de protecção que haveria de permitir o estabelecimento do velho conceito de rc8 (...) transformando a caça num direito do povo.
Assim o conceito se arreigou fez (...) e se tonou em fonte do direito regulador, ao mesmo tempo que satisfez um anseio de propriedade colectiva da caça.
Nos nossos dias mesmo no fundo e sentido das legislações, ele se opõe às correntes restritivas procura impor-se erga omnc8, longe contendendo com o direito de propriedade. A invasão desta proibida por lei abre exceções, submete--se, obedece à longa, conservadora (...) É o costume, na matéria a pretender afirmar-se como fonte do direito.
Tal conceito, porém, paradoxalmente, surge-nos no rigor da sua aceitação prática, de difícil procedência, já que na sua execução, se mostra incompatível contrário mesmo à própria e pretendida defesa da caça como valor nacional, transformada no seu principal fundamento de satisfação das necessidades primarias do homem de desporto em manancial de receitas públicas e fonte de enriquecimento do erário nacional.
E assim, podemos verificai que um conceito estabelecido para defesa de valores essenciais está em risco de ser atraiçoado em nome da mesma. defesa de valores.
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novos embora mas por igual relevantes no que sobretudo importa - a defesa do interesse nacional
Rasgam-se os horizontes para a aceitação da corrente germânica, a ganhar em possibilidades, pois na terra reside a maior segurança daquele interesse.
No entanto, a Câmara Corporativa vacila, indecisa no caminho a percorrer com vista a alcançar o fim desejado E, se a Câmara Corporativa vacila ao cabo de tantos meses de trabalho, que dizer de nós, que em tão curto espaço teremos de definir as nossas opções, sugerir correcções, apontar soluções.
Reconhecendo que "este problema da caça é justamente um daqueles em que a atenção e o interesse atingem frequentemente as fronteiras da paixão" e depois do fugidio apontamento quanto à evolução dos diferentes conceitos de caça, Câmara Corporativa rápido chega, na sua apreciação na generalidade, à conclusão de que "nenhum dos sistemas em presença contém em si a actualidade de solucionar convenientemente o problema venatório" circunstâncias em que se inclina para o sistema tradicional, "corrigido de harmonia com a realidade dos tempos de hoje"
Sr Presidente Creio ter chegado a altura de fazer uma declaração complementar da que previamente fiz no sentido de declarar que não era caçador, esta a de que sou proprietário, consequentemente naturalmente interessado na regulamentação jurídica da caça pelo que o direito do seu livre exercício afecta o direito de propriedade na exclusividade da posse que é essência da sua detenção e da qual seu partidário por aversão natural aos jus [...] altura em que, ao fim e ao cabo, viria a converter o direito de caçar se viesse a ser institucionalizado nos termos mais geralmente desejados pelos delirantes do social
Estando o direito de caçar, nos nossos dias, longe, muito longe, de ser um direito essencial, torna-se axiomático que o seu exercício não pode contender nem contrariar o fim eminentemente social daquele, tanto mais que, importa, salientá-lo não estamos discutindo o presente projecto de lei com uns demagógicos mas, determinados por imperativos de interesse nacional em que os direitos e seus destinatários terão de ser objectivamente apreciados.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: -Sim, não poderemos transformar num problema social, como agora se chama a tudo que brigue com os interesses do povo, o que apenas é um anseio de estruturação de princípios concorrentes embora à caça, mas de funda interdependência com direitos de âmbito mais vasto e relevantes Não se trata de opor 1 milhão de proprietários rústicos a 150 000 caçadores, nem de opor 150 000 caçadores a 1 milhão de proprietários rústicos O que importa é escalonados e graduados os interesses em jogo, conciliá-los na defesa do interesse comum.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Julgo não ser demasiado insistir-se nestas verdades, para que, claramente, sem rivais e à margem de falsos conceitos ultrapassados, possamos contribuir para a conclusão no exercício dos dois direitos, tendo em atenção que para utilmente se caminhar será necessário esquecer as inibições de direito natural - direito de personalidade, como lhe chama o parecer - e outros com que se pretende a defesa de uma liberdade que não sabe nos condicionalismo dos nossos dias.
Ao conceito de res nulhus da caça terá de, logicamente, opor-se a protecção do cultivo da terra, fonte principal de sobrevivência que não poderá subordinar-se a um outro direito, face aquele, de indiscutível secundariedade O gozo de um direito e o direito da satisfação de um gozo (prazer) são coisas diversas, não devendo, como é obvio sobrepor-se este àquele.
O direito de caçar terá de necessariamente existir, porém, onde a questão se levanta é se esse direito, dados os outros direitos que se arroga de invadir a propriedade alheia, maltratá-la quase sempre com manifesto desrespeito pelas culturas existentes no que concorrem caçadores e cães, deverá e poderá impor-se sobre os da conservação e defesa daquela, na pacífica e sossegada usufruição dos seus detentores legítimos
Expostas as concernentes considerações, vai sendo tempo reconhecemo-lo, de começarmos a definir a nossa posição no problema sem que nos preocupemos na análise. dos sistemas tradicionais, românico e germânico, e passando do mesmo por cima do sistema francês, em que talvez descobríssemos sérias razões de adesão, naturalmente pelo fundo germânico que o influencia, hoje de difícil defesa mercê da influência das modernas tendências de sentido comunitário palavra de que não gosto, mas que, como a "socialização", uso para não destoar, vencendo a alergia pelas suas raízes que muitos hoje tem em mente para satisfação dos anseios sociais, não sei se inspirados em sentimentos humanitários, se como panaceia com vista a um legitimo anseio de sobreviver
Ora, devo declará-lo, só depois de uma segunda leitura o parecer da Câmara Corporativa, que, na primeira, me desagradara teve o condão de tocar-me por forma que me impõe [...] elogio ao modo como, salvo num ponto ou noutro do somenos importância, dá satisfação aos interesses em jogo no que sobretudo importa - defesa da propriedade, defesa da caça, direito de caçar, responsabilidade penal e civil dos caçadores, tudo orientado com vista a superior defesa do interesse nacional
O Sr António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Considerando decerto e aliás muito bem que não seria possível estabelecer um critério uniforme de regulamentação legal dirigida a regiões absolutamente diferentes, sem esquecer que a dimensão das propriedades e a natureza das culturas influem decisivamente na matéria pôde a Câmara Corporativa encontrar, se não a solução perfeita pelo menos a solução conciliatória que mais convinha para meu gosto, claro está
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: -O Estado ao conceder o direito de reserva, [...] pelo [...] de interesse publico da caça o que convém salientar para esclarecimento de alguns que continuam a criticar a concessão das reservas como privilégio de classe, esquecidos ou ignorantes dos encargos zelo e devoção que o cultivo das espécies exige em despesas trabalhos e canseiras e é, geralmente o único rendimento que o proprietário pode tirar de terras, vastas é verdade mas por vezes, do reduzido valor como rendimento por deficiência dos solos que as formam E só por isto se outras razões não houvesse - e existem - , se justificara a instituição das reservas pela possibilidade de conservação que permitem
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Além do mais, num país como o nosso, de reduzidas possibilidades de caça, não só pela afectação da maior parte do território à agricultura, mas também pela indisciplina até agora reinante, em que se não caçava, mas se matava, com um, desenfreado desejo de extermínio, seria ridículo estar a pretender uma remodelação de fundo na lei da caça sem que, em primeiro lugar, se fomentasse o seu desenvolvimento, a sua protecção e o cuidado na sua conservação, tudo o que só através das reservas se poderá conseguir.
Pois é evidente que sem caça não há caçadores e sem proprietários de terra que a mantenham e preservem não haverá caça, o que só por si legitima um direito dos proprietários para que os estimule a guardarem-na como um valor em que também comparticipem e não lhes sugira, pelo contrário, um desejo do seu extermínio pelos danos que a caça e caçadores lhes causam.
A defesa da propriedade, elemento fundamental na que concerne à caca, e que no ordenamento enunciado deveria merecer as minhas primeiras reflexões, de igual modo se mostrou considerado em termos satisfatórios, não só na grande, mas sobretudo na pequena propriedade, a que a base XIII fornece uma larga possibilidade de defesa e que por isso merece o meu inteiro aplauso já que facilmente se reconhece ser realmente difícil na conciliação do exercício dos dois direitos, a mais além do que se foi. No entanto quanto às proibições de caçar numa área de 300 m nos terrenos que circundam as casas de habitação referida na alínea a) da base XIII, eu preconizaria que se definisse com mais precisão qual o centro do raio dos 300 metros que se proíbe a caça, pois todos nós sabemos que grande parte das caças de habitação, situadas dentro de quintas grandes ou pequenas, têm anexos logradouros que as completam, são um seu prolongamento e exigem que a sua função seja pacificamente gozada, sem poder suceder que qualquer, até por curiosidade e sem que realmente vá caçar entre na intimidade de cada um, ou, melhor na zona mais íntima de cada um. O tal direito do povo não pode a tão longe e isto para que não aconteça o que já me sucedeu de ter ido surpreender a cerca de 20 m da minha casa, dentro da minha quinta um pseudocaçador de arma aperrada à espera de que saísse um coelho que, dizia, se metera num buraco de determinado muro.
Julgo, por isso, que seria prudente dilatar talvez um pouco mais o raio dentro do qual se pode caçar junto das casas de habitação, não só para evitar os perigos possíveis como os incómodos daqueles que sobre o direito de caçar têm um indiscutível e mais que respeitável direito de exigirem o sossego e a tranquilidade dos seus lares. De resto, tão perto das casas de habitação não há caça. Há, às vezes, apenas um motivo de curiosidade e também, é verdade, alguns inocentes pombos ou frangos, tantas vezes caídos na nunca satisfeita fúria de dar o gosto ao dedo dos que, em vão, nas regiões muito povoadas procuram sacar o seu desejo do cheiro a pólvora.
Quanto a mim no que sobretudo está influindo no meu espirito ao tratar do problema da caça a base XIII, no pensamento que a informa constitui um ponto essencial no ordenamento de um sistema jurídico que para regular o exercício da caça e defende-la tinha de, necessariamente começar por defender a propriedade que a todos sustenta, inclusivamente aquela que nela se cria e vive.
A protecção da agricultura teria, assim de assumir primordial preocupação e decisivamente influir na legislação especial para que está contribuindo o nosso trabalho.
Os estrénuos defensores da caça como direito natural com todos os direitos de livre apropriação etc., haverão de concordar na insubsistência das razões em que pretendem fazer assentar aqueles seus direitos e em que o seu prazer de caçar a preservação desse objecto do seu brinquedo, não pode, nem deve, contender com o que é produto de suor, de esforços e canseiras. A preservação dos «pássaros» não poderá ir tão longe.
Ainda neste fim-de-semana no Alentejo, ouvi amarguradamente referir a proibição, que se não entende e agora se verifica no concelho de Beja, onde se impediu a caça aos pardais e calhardras, a prejudicarem, como eu próprio o vi e verifiquei, em escala incalculável, as sementeiras do trigo, ervilhas, etc, sem consideração pelos que semeiam e trabalham com outros fins, igualmente ouvindo preconizar, com o que não pude deixar de concordar, que os proprietários das reservas, como alguns o fazem, fossem obrigados a semear gramineas para sustento das espécies que, como muito bem sucede, vêm alimentar-se no que é dos outros e são fonte de receita dos proprietários dos coutos.
Mas dir-se-á e a defesa da caça?
Aos que assim me interrogarem eu responderei que a defesa daquela não cabe porque simultâneamente não proteger a agricultura, no tipo de propriedade que sobretudo tenho em vista. Ela se defenderá, e deve defender-se, através das reservas, através, consequentemente, de uma mais ampla protecção da propriedade contra a desenfreada invasão dos que de posse de uma simples licença fazem não só da caça propriedade sua, mas também dos terrenos onde julgam poder encontrá-la postando-se dos terrenos onde julgam poder encontrá-la postando-se mesmo junto das casas de habitação, onde, junto das próprias medas de lenha, esquadrinham em sua busca insultando tantas vezes os proprietários que os admoestam.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- E, já que falo da defesa da caça, tão considerada no projecto de lei em discussão, pergunto porque se não atentou nos prejuízos provocados pelos cães soltos nas vilas e aldeias cães vadios para quem não existe o defeso e que, viciados na caça, porque a maior parte dos seus donos os não sustenta sem qualquer licença, permanentemente caçam por conta própria e natural instinto de sobrevivência?
Igualmente porque se não estudam e se não combatem os perniciosos efeitos dos muito usados insecticidas nas hortas, pomares, batatais, etc., ao que ouço causa de muitos perdigotos mortos porque comem insectos e bebem aguas infestadas por aqueles?
Julgo serem inteiramente procedentes, quando estamos a pensar na defesa da caça as interrogações feitas pois do modo como se lhes der resposta depende a eficiência daquela. Porém, um dos grandes males da caça está no aturado profissionalismo que se pratica através de autênticos atiradores especializados, que, conhecedores dos pontos que hão-de bater, causam em todas as épocas danos irreparáveis, sem que nada façam para o reprovamento e defesa das espécies. Estou, por isso com o que tem mostrado ser pensamento unânime desta Câmara no sentido de limitar uma actividade que se não mostra merecedora do regime proteccionista que se preconiza da instituição de uma licença com fins lucrativos. O público não sairá prejudicado pois a caça lhe chegará sempre, e talvez mais barata com a ausência da especulação do intermediário profissional, que nada justifica possa fazer profissionalismo com prejuízo de tantos outros interesses.
Com vista a pretendida defesa da caça há que considerar todos estes aspectos, sem esquecer que para aquela também não contribui a projectada permissão de apenas
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se poder caçar em três dias de cada semana, já que tal concessão iria permitir a concentração de linhas aqui e além, as, quais, na táctica muito usada de cansar as perdizes, acabariam por não as caçar numa competição leal e realmente desportiva. A já sugerida modalidade da permissão em dias alternados serve infinitamente melhor os fins desejados.
De outro modo, não vejo como se poderá utilmente defender a caça.
Do que exposto e referido fica resulta que as restrições ao exercício da caça consignadas no parecer da Câmara Corporativa tiveram em vista o essencial - conciliar os direitos de propriedade e de caçar, evitar o extermínio das espécies, proteger a agricultura, favorecer o fomento da caça, tutelar a segurança das pessoas e proteger obras ou actividades de interesse publico.
A própria ordem no enunciado está perfeita e abrange toda a problemática a que respeita.
Na base VIII que não tenho ouvido comentar grandemente, está, quanto a mim, o essencial de toda a questão, tanto no que toca a protecção do direito de propriedade e respeito pelas, culturas como, igualmente, no que respeita à protecção das espécies, pois, com as restrições sugeridas, se criaram, de facto e de direito, mais reservas, mais possibilidades, de caça. Que assim é, basta-nos meditar no quanto no Douro e Minho, largamente povoados, vai ser difícil a prática da caça, dada a multiplicidade e vizinhança das habitações existentes, no que só lucra aquela e a propriedade rústica, o quo se apresenta como certo e justo.
Há um ponto a que não queria deixar de referir-me, pela importância que reveste e muito contribuirá para a criação do uma mentalidade mais respeitosa na prática da modalidade, carecida, como aqui já foi salientado, de educação cívica. Trata-se da actualização das sanções penais previstas para a punição das infracções e a distinção dos danos de que emergirá a responsabilidade civil umas e outra consideradas à luz de um critério de justiça que não poderia deixar de ser devidamente realçado na uniformidade de regulamentação que preconiza.
Sabemos que a eficiência da sua aplicação resultará em muito da fiscalização a criar.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: -Porém, tal como se estruturaram os princípios básicos, estou em crer que iremos passar a dispor da mais útil de todas as fiscalizações, e que será aquela que a cada um dos interessados na condenação do agro vai competir no paralelo exercício de um direito de legitima defesa. Será um milhão de proprietários rústicos e muitos mais que dependem do seu labor a fiscalizarem e a defenderem-se de 130 000 caçadores que não podem respeitar o único interesse a proteger. Na Nação somos muitos mais.
Sr Presidente Sinto que não tratei sensacionalmente o assunto controvertido e que, por carência de tempo, fui mais prolixo do que seria para desejar mais superficial do que queria, neste aspecto talvez mais consentâneo com o trato na generalidade que tinha em vista e melhor se adapta as circunstâncias.
Dominado por aquilo que julgo serem, na matéria os princípios essenciais, à sua luz deduzi o meu pensamento descurando o muito mais que no acessório poderia dizei, de qualquer modo à margem de preocupações demagógicas e sem cuidar de saber a que pessoas ou a que lado agradaria na apresentação de um ponto de vista exposto com inteira liberdade.
Outros terão ideias diferentes. Outros se lhe referiram e mais se lhe referirão com melhor conhecimento de causa. Por mim, falei como sentia, apenas me ficando um pouco de pena por me não ter sido possível, para além do que ouvi, mais penetrar no pensamento do ilustre Deputado Dr. Águedo de Oliveira, cujo sentido principal não consegui apreender quando ouvi a sua intervenção. Isto para poder aproveitar do seu labor e conhecimento num problema que tão empenhadamente tem estudado.
O sr. Águedo de Oliveira:- V. Exa. dá-me licença?
O Orador:- faça favor.
O Sr. Águedo de Oliveira:- Também estou a supor que a V Exa. escapou o sentido de uma distinção fundamental, porque é nítida, para além do esquema da Câmara Corporativa, uma distinção, que foi tirada da teoria e da prática legal estrangeira, entre «vedações» e «coutadas». Suponho que é essa a base XIII. E V. Exa. andou em volta do assunto, trocou-o ligeiramente, mas deixou-o escapar. E portanto compreendo muito bem que V. Exa. não tivesse apreendido o sentido da minha intervenção neste particular.
O Orador:- Tive pena não porque tivesse ido na cola de V. Exa., mas pela autoridade que tem nesta matéria de caça.
O Sr. Águedo de Oliveira:- Também tenho de repelir a ideia de que sou apologista do sistema germanista.
O Orador:- Eu sou.
O Sr. Águedo de Oliveira:- Mas lamento que V. Exa. não o tenha posto claramente.
O Orador:- Posso ser apologista do sistema germanista na matéria e entender que o interesse nacional não é compatível com o meu ponto de vista.
O Sr. Águedo de Oliveira:- V. Exa. sabe que a questão não é só de direito administrativo, é até de direito penal.
O Orador:- Pois evidentemente. Muito obrigado.
Mas se tiver podido conseguir deixar transparecer, através do superficial conhecimento de homem da rua, o palpitar da questão no sentir de duas regiões diferentes, o Douro e o Alentejo, terei dado inteira satisfação aos sentimentos que me dominaram e, simultâneamente, aos anseios que me chegaram. E, como já me manifestei de um modo geral, satisfeito com o parecer da Câmara Corporativa segue-se que lhe não recusarei na generalidade o meu voto favorável, reservando-me para discutir o pormenor na apreciação que na especialidade se seguirá.
Entretanto, finalizarei perguntando.
Por que modo se processa, quais os requisitos de procedência das reservas de caça?
Porque se não concedem mais dentro dos limites que se julgam apropriados ao maior fomento e defesa da caça?
Porque se retarda a concessão dos muitos pedidos feitos?
Porque foram dadas concessões a pedidos feitos posteriormente a outros mais cedo formulados?
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Qual o critério a que obedece o regime das concessões?
Nisto de caça, como em tudo, pro bono publico, cuique suuni.
Tenho dito.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr. Augusto Simões:- Sr. Presidente, Srs. Deputados. O conjunto dos grandes problemas a dam ligados à caça sempre interessou vivamente os componentes de numerosos sectores da vida nacional.
Não admira, por isso, que no momento em que essa vasta problemática foi trazida ao debate desta Câmara para fixação de normativo apto a conceder-lhe as soluções tão desejadas e há tanto esperadas esse interesse se manifeste por forma a cientificar-nos de que nos encontramos perante problemas de transcendente valor nacional.
Ao debruçar-se sobre eles para os enquadrar nas bases de um relevante serviço ao País, pelo qual o felicito muito vivamente. E felicito também a Câmara Corporativa pelo empenho com que estudou toda essa problemática, empenho que se traduz na elaboração de doutíssimo parecer especialmente valioso, do qual resultou a apresentação de um novo projecto de diploma, que tem, alem do mais, a grande virtude de estar na linha de rumo do pensamento dos organismos da caça.
Sr. Presidente. Como é bem sabido e conhecido há muito que neste país se espera baldadamente por uma legislação que traga aos portugueses mais interessados no exercício venatório e nas actividades que o servem um equilíbrio sistema de direitos e obrigações escalado nos melhores mandamentos do interesse nacional.
Não é que haja falta de legislação específica, todavia, a que vem definindo e condicionando o regime da caça, a despeito de ser vasta e complexa, não se tem creditado pelo mercennento de resolver os principais problemas que a natural evolução do fenómeno venatório tem feito nascer na reflexa evolução do viver dos nossos dias.
Daqui que o avultado número de interessados na caça e suas actividades afins siga com toda a atenção o decorrer deste debate e aguarde com muita ansiedade os seus resultados finais na esperança de que dele saía o conjunto de bases definidoras de um equilíbrio e justo regime jurídico da caça, como o exigem os mandamentos [...] interesse nacional que domina esta actividade.
Tal ansiedade justifica-se, de resto, até pela frustração na Câmara Corporativa nunca convincentemente explicada à opinião publica do projecto de reforma da legislação sobre a caça doutamente elaborada pelo Digno Procurador Dr. João Maria Bravo e apresentado em Fevereiro de 1959 àquela Câmara e também do parecer que sobre a mesma recaiu, cuidadosamente deduzido pelo também Digno Procurador Dr. António Garcês, que deu origem a uma nova proposta de lei sobre os mesmos temas, que teve a mesma sorte.
Todas estas propostas se haviam tornado conhecidas do público e das entidades oficiais e particulares da caça, que sobre elas emitiram ponderadas sugestões e ajustadas criticas, pelo que se viveu na legítima expectativa do aparecimento da nova lei que tão auspiciosamente se anunciará.
Sem embargo tudo se frustrou, como se disse, e, ficando tudo na mesma, passou-se de mal a pior.
Novamente a reforma da lei da caça entrou agora [...]minios de uma franca possibilidade, dinamizada pela oportuníssima intervenção do Sr. Deputado Águedo de Oliveira.
Repetida a oportunidade, novamente as entidades ligadas a caça se debruçaram sobre os normativos propostos e emitiram as suas valiosas opiniões e sugestões.
Cumpre então, encontrar as soluções mais objectivas e mais válidas dos muitos problemas postos, sem desprezar as lições do saber e da experiência dessas entidades que apenas se norteiam pelo bem comum, sem olharem a particularismos degradantes, e afastando tudo quanto possa comprometer essa indispensável objectividade, editar um regime prídico da caça que não desiluda aqueles que estão de boa fé.
Sr. Presidente e Srs. Deputados. O alto valor da caça e de tudo quanto a ela anda ligado não sofre qualquer contestação em nossos dias como nunca a sofreu em qualquer época deste tempos já memoriais.
Ligada inicialmente à própria sobrevivência da pessoa humana que garantia em larga medida foi acompanhando a sua evolução e chegou a actualidade cotada como pujante manancial de importantes actividades que se projectam nos mais variados quadrantes da vida nacional.
Desta sorte e sem qualquer sombra de descabimento pode-se afirmar que a caça, pelas suas poderosas [...]dências nos sectores desportivo, económico, social turístico e fiscal, é potencialmente uma das mais valiosas riquezas nacionais.
Assim sendo, terá de ser tratada como tal na legislação em que se procure fixar-se o seu regime jurídico.
Daqui que me não seduza o fatalismo dos dois sistemas ou concepções que se tem proposto como únicas orientações plaúsiveis para encontrar a fundamentação dos regimes jurídicos da caça, ou sejam, as concepções romanista e germânica.
A tais concepções prefiro decididamente aquela a que as comissões venatórias chegaram, observando com íntegra propriedade o que se passa no nosso direito positivo.
Bem vistas as coisas, a caça não pode deixar de ser considerada entre nós - concluíram essas entidades - como um bem comum do povo português e assim, como uma res nationis segundo a sua definição.
Efectivamente se me não parece lícito no sistema jurídico-político que nos rege, considerar a caça como urna res nullins como o faziam os Romanos dado que este conceito se não corduna com as qualidades específicas de uma grande riqueza nacional que só pode ser usufruída por que respeite determinado condicionalismo e não indiscriminadamente por qualquer pessoa, também me não convence de nenhuma maneira o conceito de que a caça pertence ao dono da terra como entendia o feudalismo germânico precisamente pela já apontada razão de considerar a caça, pelo seu grande valor, integrada no património racional primeiramente, antes de o poder estar no domínio do património dos particulares, por lícita apreensão.
Vozes:- Muito bem!
O orador:- Considerada como um bem comum do povo português, torna-se muito mais fácil ao Estado definir e resolver toda a problemática do regime jurídico da caça, como é óbvio.
Aceitando este postulado, basearei os meus raciocínios no dominante pensamento de que, no Norte ou no Sul, ou em qualquer latitude da terra portuguesa, a caça será sempre uma parcela da riqueza nacional que a todos pertence e que ao Estado compete acautelar para que
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não se diminua, antes se aumento, a sua utilidade, que se projecta nos mais variados sectores da vida racional.
Sr Presidente- Está amplamente demonstrado e aceite que de dia para dia a nossa riqueza venatória diminui numa progressão arrepiante, com o progressivo rareamento das espécies cinegéticas.
São bem conhecidos os factores determinantes do depredamento, que se resume, afinal, em acentuado desnível entre o descontrolado abate e a difícil reprodução dessas mesmas espécies.
Todos, ou quase todos, esses factores já aqui foram denunciados e caracterizados com verdadeira nitidez, pelo que não valerá a pena insistir muito mais nas generalidades, que me parecem definitivamente fixadas.
Importa no entanto, referir e reforçar ainda a acção por demais perniciosa de alguns desses factores, contra os quais é forçoso lutar denodadamente.
Aparece em primeiro lugar, ou actua, pelo menos, a par dos malefícios que mais fomentam o desaparecimento da caca, o profissionalismo na actividade energética.
Este profissionalismo tem suscitado a veemente reprovação das mais autorizadas entidades ligadas à caça, mas as suas vozes nunca foram ouvidas.
Aqueles a quem se deve a sobrevivência do caçador profissional esquecem-se -ou não se querem lembrar - de que o exercício venatório não pode deixar de ser encarado como a prática de um desporto e tratado como tal.
O Sr António Santos da Cunha: -Muito bem!
O Orador:-Efectivamente, sendo, como é, um exercício físico dos mais salutares, destinado a contribuir para a higienização mental, e até, de certo modo, para a formação de equilibrada personalidade dos seus praticantes, a caça nunca pode constituir uma profissão por si mesma, porque, como actividade lucrativa, elimina ou compromete inteiramente todos os princípios éticos que, pelo desporto, favorecem o indivíduo.
Não pode, por isso, conceber-se sem um sentimento de certa repugnância a figura sinistra do caçador-magarefe, que, dia após dia, desde o alvorecer até a noite -e até durante ela- insensível às intempéries e às fadigas - que são meios animais de defesa da caça-, persegue esta implacavelmente, dizimando peça sobre peça apenas com a ideia do aumentar os réditos da jorna.
Habituado à ideia do lucro certo desvendará metódicamente os lugares em que as espécies mais se refugiam e aí as exterminara pouco lhe importando que tenha de pagar tributos pesados, uma vez que a sua profissão de caçador-magarefe encontra sempre ressarcimento para todas as despesas, pelo menos enquanto houver que caçar.
Não se justifica de nenhuma maneira esta actividade aberrativa, e muito menos a sua permanência com a permissão de uma lei entre nós, dado que essa lei tem de defender a riqueza nacional, estatuindo medidas de protecção às espécies cinegéticas que são cada vez mais raras para mal de todos nós e, não de facilitar o seu abate desordenado.
Por outro lado também semelhante profissão se não justifica perante os imperativos que dominam n trabalho entre nós -e isto já foi aqui devidamente acentuado - sendo, como é, legalmente restrito o período venatório e, portanto, restrito também o tempo de ocupação.
Banindo o caçador-magarefe estou certo de que se eliminará uma das causas do desequilíbrio do repovoamento cinegético e que muito o tem favorecido.
Poderá parecer que, sem os profissionais do extermínio da caça, se perderá o alto valor económico que ela representa no comércio interno e externo, por deixarem de ser convenientemente abastecidos os mercados em que as várias espécies transaccionam.
A inconveniência é apenas aparente e não existe na prática.
Na verdade, prevendo-se - como se prevê - a instalação de posto de criação artificial da caça para fins da sua exploração industrial (base XII), será através deles que deve fazer-se o abastecimento dos mercados nas alturas próprias e mais económicas condições evitando-se até o desordenamento das vendas ocasionais, totalmente descontroladas.
De resto, essa criação já não é coisa nova entre nós, pois já se esta a processar com as codornizes, e, segundo creio, com bons resultados.
De tudo isto resulta, Sr. Presidente, a meu ver e no ponto de vista da generalidade dos que se dedicam à caça, que esta só deve ser exercida como um desporto salutar e indispensável para a recuperação do nosso equilíbrio funcional, e nunca como uma profissão gananciosa, em que as virtudes tem tendência para se diluírem no entrechoque com os interesses materiais que adornam, naturalmente, uma profissão deste género tão especial.
O Sr. Virgílio Cruz:- Muito bem!
O Orador:- Tudo o que deixo dito toca e [...] à reprovação de qualquer fim lucrativo do exercício venatório que parece ser a designação preferida para a continuação do profissionalismo na caça.
Demonstrada a inteira desnecessidade, e até a inconveniência do caçador profissional e da caça em terreno livre com fins lucrativos, deverá ser eliminado o normativo que da guarida a esta última modalidade e consta das bases IX e X da proposta da Câmara Corporativa ou qualquer outra que consinta e legalize tal actividade.
Sr. Presidente: O regime de licenças que é proposto pela Câmara Corporativa parece-me inteiramente razoável.
Suponho que tenha escapado a situação dos batedores, para os quais se não prevê qualquer licença, que julgo ser absurdamente necessária.
Por outro lado, não se me afigura muito clara a parte final da base XI da mesma proposta.
Na verdade, se a dispensa da carta de caçador e das licenças legalmente exigidas se compreende, em certa medida para os estrangeiros, já se não compreende da mesma forma em relação aos nacionais não residentes na metrópole.
É que esta isenção tal como está prevista tem o perigo de ampla generalização aos nossos numerosos emigrantes que, residindo no estrangeiro, se deslocam às suas terras natais e ali praticam despreocupadamente o exercício venatório, alias de maneira inconveniente.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- Deverá atentar-se, por isso, nos abusos que predita generalização pode ocasionar evitando-os na medida do possível com outra redacção da base referida.
Quando se considera a grande penúria das espécies cinegéticas entre nós e se reconhece a imperiosa necessidade de um repovoamento adequado às crescentes solicitações do sempre crescente número de caçadores, tem evidentemente, de se concordar com as medidas racionais destinadas a favorecer esse indispensável repovoamento.
Entre essas medidas, figura a da restrição dos dias em que pode ser exercida a actividade venatória.
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Estatuída com carácter transitório, para durar apenas em três anos só não se afigura muito conveniente a escolha da três dias seguidos, um dos quais a segunda-feira.
A razão das distâncias especialmente alegada e invocada como justificação da aludida sequência não chega para cobrir os inconvenientes que dela resultarão
Além de a perseguição da caça ser talvez mais violenta no prolongado fim-de-semana, o que privará as espécies de se defenderem como normalmente o fazem, por se encontrarem verdadeiramente desorientadas, também os caçadores ficam em certa desigualdade, porque nem todos podem aproveitar esse continuado período.
Daqui que se julgue preferível fixar, em vez do dia de segunda-feira, o de quinta-feira, criando assim um período interpolado para satisfação do prazer venatório.
Pelo que respeita à concessão de coutadas ou de reservas de caça, entendo que não poderá deixar de se ter em conta que elas representam uma utilização privada dos bens comuns que são as espécies cinegéticas, pelo que se deverá equacionar ajustadamente o conjunto de vantagens que delas seguramente resultam para os seus titulares com as que podem reverter para a colectividade, para a formação do justo preço do seu custo.
Não pode esquecer-se que tais reservas ou coutadas restringem direitos em benefício de interesses, o que também não pode deixar de pesar no preço da concessão
Finalmente e neste importante capítulo, também entendo que não podem ser obliterados os interesses do turismo nacional ou regional, pelo que deve ficar assegurado, além do muito mais que facilmente se desvenda, o direito de expropriação por justo preço dos direitos sobre as reservas de caça que venham a ser declaradas de interesse turístico por parte dos organismos a que incumbe fomentar esta rendosa indústria nacional.
Sr. Presidente Ao tratar da responsabilidade civil pelos danos relacionados com a caça e ao encarar especialmente os «danos da caça», isto é os prejuízos causados pelas espécies cinegéticas nos prédios onde se acolhem e constituem terrenos livres, mas integrados no património dos particulares, a proposta da Câmara Corporativa apenas considera os danos produzidos nos terrenos vizinhos pelos animais das coutadas ou reservas que lhes ficam próximas.
Deixou, assim, de considerar expressamente o caso, que tantas vezes se observa nas zonas onde a caça tem melhores condições de vida, dos danos, por vezes avultados, que ela produz nos prédios dessa zona.
Este aspecto do magno problema da responsabilidade civil tem um interesse substancial e as suas dificuldades.
É que, tratando-se de caça livre, que tem o seu habitat nos terrenos livres, não há qualquer responsável a quem os lesados se possam dirigir procurando o ressarcimento dos danos sofridos.
Ora, não é justo que tais prejuízos se deixem impiedosamente a cargo dos proprietários que os sofrem, como até agora tem sucedido.
Se tal sistema perdurar, sem a conveniente solução, bem pode suceder que a defesa legítima dos seus prédios infestados pela caça leve os proprietários atingidos a tomar em medidas que contrariam afrontosamente os repovoamentos cinegéticos em que tanto empenhados estamos, ou afugentando as espécies por qualquer meio violento, ou até destruindo-as ou tentando faze-lo o que sempre constitui perturbação no processo de reprodução e mantença das ditas espécies.
Para obviar a tão grandes inconvenientes e estabelecer a indispensável harmonia entre os direitos dos proprietários e os interesses gerais dos caçadores e da colectividade, entendo que se deve deixar estatuído que esproprietários aos quais as espécies cinegéticas causam prejuízos terão direito a serem indemnizados pelo organismo oficial da caça do respectivo concelho pelo valor dos danos sofridos, os quais, se não houver acordo quanto ao seu montante, serão fixados por arbitragem de três peritos indicados pelo proprietário, pelo organismo oricial da caça do concelho e pelos serviços florestais do distrito.
Desta maneira simples se equilibrarão todos os direitos e interesses em jogo, protegendo-se outrossim as próprias espécies cinegéticas por forma eficaz e pratica, uma vez que não mais interessará perturbar-lhes o viver e a reprodução para evitar danos [...].
Sr. Presidente e Srs. Deputados Já aqui se afirmou, com muito cabimento, que uma grande parte dos nossos caçadores releva uma falta muito acentuada de educação cívica.
O fenómeno, que não atinge apenas os caçadores infelizmente, sugere algumas breves considerações.
Demonstrando as deficiências, de educação acumuladas em muitas gerações, impõe que se procurem corrigir esses males mudando o estado de coisas que os tornou possíveis.
Para tanto, interessará empreender sucessivas campanhas, tentando desenvolver e excitar os sentimentos de respeito pelos valores do património comum entre os quais se conta a caça em lugar de destaque, agindo junto das gerações mais adiantadas na vida e educar as gerações que despontam, começando na escola primária.
Há, porém, que considerar que os resultados destas campanhas não serão imediatos já que os maus hábitos são difíceis de perder.
Por isso, no sector da caça, não pode ser descurada a intensa e operante fiscalização do cumprimentos das disposições da lei que venha a ser promulgada e dos regulamentos que lhe completem os imperativos.
Isso implicará necessariamente a criação de um corpo de fiscais que possa cobrir convenientemente o espaço metropolitano e dotar esse corpo com os meios indispensáveis ao integral cumprimento das suas importantes missões.
Não são para tanto suficientes os 14 fiscais da Comissão Venatória Regional do Norte os 17 da do Centro e os 60 da do Sul, são precisos muitos mais, como é obvio.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Por outro lado, tem de interessar-se na fiscalização das actividades venatórias todos os agentes da autoridade, concedendo-lhes substancial participação nas multas que aplicarem.
E vem a propósito, Sr Presidente, referir que, no sistema actual, o pessoal administrativo das comissões venatórias regionais e os fiscais das mesmas não têm garantido o direito à reforma nem acesso às medidas de previdência de que gozam os servidores de outros sectores semelhantes.
Vozes: -Muito bem!
O Orador:-O facto é de certa maneira chocante, mas facilmente remediável dentro do espírito de justiça social que tanto se apregoa por aí.
É que há funcionários servindo já há várias dezenas de anos e com uma notável folha de serviços cuja situação merece ser devidamente considerada.
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Há então que acautelar-lhes os direitos segundo os mandamentos da étnica dos nossos dias.
E, Sr. Presidente, vou pôr termo as minhas modestas considerações sem ter referido alguns capítulos que me propunha tratar, não tenho, porém, coragem para prosseguir, dado que já me alonguei demasiadamente.
Vozes: - Não apoiado!
O Orador: - Procurei fazer uma apreciação objectiva dos, normativos propostos, como me cumpria.
Quando se contemplam os problemas que uma lei da caça deve resolver, topamos com situações de certo melindre por estarem em jogo interesses que perduram há muito tempo, criando situações que custam a reduzir até limites convenientes.
Mas a força da lei, se se basear, como agora deve suceder, nos mandamentos éticos específicos respeitando-os como cumpre, levará de vencida os obstáculos que se oponham a qualquer indispensável limitação.
Com as propostas, em debate, temos um único escopo a atingir, que é o de garantirmos, custe o que custar a sobrevivência da nossa riqueza cinegética com um normativo adequado e tão elevado desígnio.
A Câmara Corporativa depois, de exaustivo estudo, apresentou uma proposta de diploma que se revela uma séria tentativa nesse elevado sentido. Dar-lhe-ei o meu voto na generalidade.
Disse
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate, continuará amanhã, à hora regimental sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão
Eram 18 horas e 10 minutos
Srs Deputados que entraram durante a sessão
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Morena.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Francisco José Cortes Simões.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
João Duarte de Oliveira.
João Ubach Chaves.
José Alberto de Carvalho.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José de Mira Nunes Mexia.
Manuel Henriques, Nazaré.
Simeão Pinto de Mesquita de Carvalho Magalhães.
Srs Deputados que faltaram à sessão
Álvaro Santa Rita Vaz
António Júlio da Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
Arlindo Gonçalves Soares.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro)
Francisco Elmano Martins da Cruz Alves.
Jaime Guerreiro Rua
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Pais Ribeiro.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Mário Bento Martins.
O REDACTOR - Luiz de Avillez
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA