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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 71
ANO DE 1967 22 DE FEVEREIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 71, EM 21 DE FEVEREIRO
Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Ex.mo Srs.
Fernando Cid de Oliveira Proença
António Moreira Longo
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
Foram recebidas na Mesa para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Planos do Governo n.ºs 40, 41, e 42, 1.ª série, que inserem os Decretos-Leis n.ºs [...]
Também foram recebidos na Mesa os elementos fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística a requerimento do Sr. Deputado Fausto Pimenta, os quais vão ser-lhes entregues.
O Sr. Presidente agradeceu o [...] de pesar [...] no Diário das Sessões, em virtude da morte trágica da sua sobrinha Sr.ª D. Maria Teresa de Figueiredo [...], ocorrido há dias.
O Sr. Deputado Duarte do Amaral falou sobre os incêndios nas matas, pedindo a criação de meios [...] luta contra os mesmos.
O Sr. Deputado [...] referiu-se às conferências realizadas no auditório da Feira Internacional de Lisboa por um especialista de problemas correlacionados com a economia das indústrias florestais, produzindo considerações sobre a matéria relativamente ao nosso país.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate na generalidade acerca da proposta de lei relativa ao regime jurídico da caça.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Gonçalves Rapa [...] e Dias das Neves.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge .
André Francisco Navarro
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António José Braz Regueiro.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Salazar Leite.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Cid de Oliveira Proença. Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Francisco José Cortes Simões.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branoo da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
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Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
Horácio Brás da Silva.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Fernando Nunes Barata.
José Janeiro Neves.
José Maria de Castro Salazar.
José Pais Ribeiro.
José Rocha Calhorda.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul Satúrio Pires.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr Presidente: - Estão presentes 78 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Da Federação dos Grémios da Lavoura da Província da Estremadura a discordar da intervenção do Sr. Deputado Pinto de Meneses sobre o transporte de vinho em barris para o ultramar.
Diversos de apoio ao discurso do Sr. Deputado Antão Santos da Cunha relativamente a abastecimento e distribuição de bacalhau.
Vários de aplauso à intervenção do Sr. Deputado Frazão quanto à necessidade de construir pontes sobre o Guadiana.
Diversos de aplauso ao discurso do Sr. Deputado Valadão Santos sobre problemas açorianos.
Cartas
Do P.e Américo Pereira Gonçalves a fazer considerações sobre a lei da caça em discussão.
De Júlio César Mendonça acerca do mesmo assunto.
O Sr Presidente: - Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição estão na Mesa os Diários do Governo n.ºs 40, 41 e 42, 1.ª série, de 16, 17 e 18 do corrente, que inserem os seguintes Decretos-Leis.
N.º 45 537, que autoriza o Governo pelo Ministério das Finanças a dar o aval do Estado aos compromissos da Companhia de Pesca e Congelação de Cabo Verde, S. A. R. L. (Congel), emergentes de fornecimento de quatro atuneiros [...] e respectivo contrato de crédito, integrado no contrato geral que celebrou em 1962 com Fred Krupp, de Esseu (República Federal Alemã),
N.º 47 538, que dá nova redaccão ao artigo 64.º do Decreto-Lei n.º 42 131, que cria a Academia Militar,
N.º 47 540, que dá nova redacção à alínea b) e ao § 2.º do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 4l 422, referidos no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 46 316 (organização da Escola Central de Sargentos),
N.º 47 541, que rectifica para 1 de Dezembro de 1964 a data referida no artigo único do Decreto-Lei n.º 46 962, que determina que os alferes-alunos do curso transitório de Engenharia Militar que terminaram em 1965 o curso da Academia Militar sujam promovidos a tenentes-alunos no início do [...],
N.º 47 542, que torna extensiva aos navios que transportem materiais radioactivos de natureza ou actividade perigosas a competência da Comissão Permanente para os Navios Nucleares,
N.º 47 547, que torna aplicável à Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho o disposto no Decreto-Lei n.º 47 182 (microfilmagem dos livros e documentos que devam ser conservados em arquivo por certo prazo)
Estão na Mesa elementos fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística a requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Elísio Pimenta na sessão de 24 de Janeiro findo. Vão ser entregues àquele Sr Deputado.
Pausa
O Sr Presidente: - Srs. Deputados: Estou-lhes muito vivamente reconhecido pelo voto de pesar mandado exarar no Diário das Sessões em consequência da trágica morte de minha sobrinha Maria Teresa. Muito obrigado.
Pausa
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr Deputado Duarte do Amaral.
O Sr. Duarte do Amaral: - Sr Presidente: Quando Agosto chega, com as terras calcinadas e os matos secos pelo sol ardente de muitos dias, começa por todo o País o inferno dos incêndios.
E a gente da nossa terra, hoje felizmente coberta de tantos pinhas e matas, começa também a ficar alarmada com as notícias desse flagelo estival que é o fogo.
Ardem áreas enormes, prejudicando os particulares ou o Estado, aniquilando uma riqueza que leva muitos anos
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a criar e, quantas vezes, afligindo as populações que abandonam os seus lares, entre os gritos das mulheres e o choro das crianças.
Hoje é um pinhal a arder no Entre Douro e Minho, amanhã é na Beira Alta que não tem sido poupada, mas depois é em Setúbal na serra de Sintra ou em Cascais.
Salvo nos incêndios junto das estradas - provocados pelos cigarros dos automobilistas que, distraídos ou sem educação, lançam as pontas para as bermas, esquecendo-se de que todos os automóveis tem cinzeiros - há sempre uma suspeita de fogo posto. Nunca se descobrem os autores e fica sempre a existir, por isso, um ambiento de dúvida, de incerteza.
É claro que muitos dos incêndios que grassam no Verão são devidos a causas fortuitas, mas outros serão provocados, pois é grande, infelizmente, a maldade dos homens e terrível o ódio que mantém vivo o espírito da vingança.
Pois no ano passado, precisamente nos primeiros dias de Setembro correu mais uma vez em todo o concelho de Sintra, em Cascais e em Lisboa, a alarmante notícia de que estava a arder a serra de Sintra.
Quem lá vive ou vivia, quem teve a curiosidade de lá ir, sabe da rapidez com que se desenvolveu o temeroso incêndio, que durou vários dias.
Arderam matas de grande valor económico, perderam-se árvores maravilhosas, estiveram em perigo verdadeiros monumentos nacionais - como os Capuchos, [...], a Penha Verde - e encontram-se fortemente ameaçados outros edifícios, entre os quais destaco apenas o magnífico palácio de Seteais.
Enfim, um horror!
Mas mais triste ainda foi a aflição das populações e sobretudo a pavorosa morte de 25 soldados que combatiam o fogo.
Foi triste, gravemente triste e provocou no País um sentimento de pasmo que se transformou em profundo sentimento de dor e tragédia horrível da morte em serviço desses valorosos rapazes que não puderam cobrir-se de glória no ultramar, para onde seguiriam em breve.
Vivi intensamente estes acontecimentos e também fui acordado, nessa ocasião a altas horas da noite, no pinhal da Marinha, aos gritos de «Fogo! Fogo!» e vi à minha volta muita gente resoluta mas aflita.
Assisti à evolução da tragédia de Sintra, que teve princípio meio e fim.
O princípio, creio que ninguém sabe se foi casual ou provocado, mas o incêndio alastrou rapidamente e logo tomou conta de grande parte da serra. O meio foi o período de grandes dedicações - dos bombeiros e dos militares da população de
Sintra e de outros lados, de senhoras, de rapazes e raparigas, de gente de todas as classes -, mas foi também o teatro de muitas hesitações e de grande desorientação no comando de tão vasta e importante batalha. O fim foi realmente o termo do incêndio mas foi também o conhecimento dos grandes prejuízos nas matas e da despesa, certamente muito grande, do ataque ao fogo, a verificação da perda de exemplares arbóreos maravilhosos e, muito mais que isso tudo da morte dos 25 soldados!
Sr. Presidente: Não pedi a palavra para solicitar cópias de possíveis inquéritos.
Não! A minha missão é muito mais breve e limita-se a pedir ao Governo que crie rapidamente comandos especiais, simples mas eficazes - constituídos, por exemplo por um oficial superior do Exército, assistido do comandante dos bombeiros, do representante dos serviços florestais e do presidente da Câmara - que entrem automaticamente em funções de forma a logo se poder iniciar uma consciente luta contra o fogo mal ele deflagre.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por intermédio dos elementos obtidos ou de outros que um estudo cuidadoso melhor indique - e aconselho a consideração do Plano O R S E [...] organizado em França depois do grande incêndio das Landes em 1940 - se assegurara uma direcção efectiva e pronta que, na realidade, em Sintra, por exemplo, não existiu.
Esse comando disporia dos elementos necessários, [...] técnica de combate ao fogo e o conhecimento topográfico da região e terá poder legal para requisitar os meios de luta apropriados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, no período crítico que vai aproximadamente do princípio de Agosto às primeiras grandes chuvadas de Setembro, deviam desviar-se para os pinhais e matas todas as possíveis patrulhas da Guarda Nacional Republicana e outros elementos de polícia e reforçar o serviço de vigias como voluntários ou contratados.
Peço providências. Peço-as em nome dos que têm tido grandes prejuízos, das crianças e mulheres que tanto se afligem nestas ocasiões, e também Sr. Presidente, em memória dos valentes rapazes queimados vivos na serra de Sintra.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. André Navarro: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Realizou-se recentemente, no auditório da Feira Internacional de Lisboa, por iniciativa da Corporação da Lavoura e sob os auspícios da F. A. O., uma série de conferências feitas por um notável especialista de problemas correlacionados com a economia das indústrias florestais no mundo moderno - o Dr. [...]
Entre as conclusões desses oportunos colóquios de economia florestal é mister realçar dois aspectos que julgo serem de flagrante actualidade para o fomento silvícola nacional. É claro que quando uso a palavra «nacional», contrariamente ao que está com frequência em uso, digo em mau uso, em certos sectores responsáveis, é o «todo nacional» a que me refiro pluricontinental quanto ao habitat e [...] quanto à constituição étnica da população dos vastos territórios que constituem a Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - São assim de realçar, ia dizendo as afirmações do referido especialista de que, no estado de subdesenvolvimento que se verifica em extensos territórios do globo, digamos dois terços desse espaço, a floresta e as industrias que nela se apoiam, constituem um dos ramos mais seguros para obter um progressivo desenvolvimento económico desses espaços e ainda de que a implantação racional da floresta e das correlacionadas actividades secundárias só será possível na escala desejável, se for devidamente aproveitada a actual conjuntura económica em que os produtos florestais, além de terem uma enorme gama de usos, é ainda assaz remuneradora a sua colocação em mercados consumidores de elevada capacidade de compra.
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Assim na florestação dos países mediterrâneos, com dificuldades compensáveis quanto à concorrência em relação a produtos tradicionais da manufactura baseada nas actividades, indústrias metalomecânicas e noutras similares bem como de certos produtos alimentares agrícolas e pecuários oriundos dos países novos, pode a florestação destinada ao fabrico de produtos celulósicos representar na realidade, estímulo de excepcional valor para a constituição de novos núcleos de desenvolvimento económico. E estes poderão como convém para [...] zonas montanhosas que até hoje pelas características de [...] e outros aspectos de mesologia, não puderam acompanhar com igual ritmo de crescimento dos territórios planos, profusamente interligados por redes de comunicação rodoviárias, ferroviárias e outras.
Eis porque os aspectos que destaco julgo terem enorme interesse de serem considerados na fase preparatória que estamos actualmente percorrendo de planeamentos de florestação, a incluir no III Plano de Fomento nacional. E digo e repito planeamentos à escala nacional pois reveste o mesmo interesse para o País o fomento florestal com o devido equilíbrio paisagístico nas encostas áridas e agrestes de Cabo Verde, como nas zonas montanhosas da Madeira e dos Açores submetidas, em épocas não muito remotas, a desarborização desiquilibrante da da paisagem, ou ainda no reflorestar com espécies apropriadas as extensas áreas florestais de Angola e de Moçambique, especialmente onde dominam madeiras preciosas e cuja conservação se impõe como forma de preservar uma importante potencial de riqueza dessas duas províncias africanas.
Porém, para conseguir todo este importante desiderato que poderá vir a representar, dentro de algumas décadas, muitos milhões de contos a pesar fortemente na balança comercial do espaço português, é necessário cuidar também, e sem demora, de estruturar em bases racionais todo o ensino técnico florestal desde o grau superior às actividades profissionais mais elementares.
A situação actual, que, de resto, todos VV. Ex.ªs, Sr. Presidente e Srs. Deputados, bem conhecem, é que teremos quase de parte do zero em alguns graus do ensino para constituir uma adequada pirâmide profissional silvícula.
Não temos, de facto, ainda hoje, verdadeiros [...] florestais e não temos também regentes florestais, e quanto a técnicos de grau superior, contam-se pelos dedos de uma das mãos o número dos que anualmente terminam o curso respectivo.
Se a falta de frequência no ensino superior e a ausência total de possibilidades de preparação nos ensinos de grau médio e elementar, é de criar nos espíritos menos pessimistas, uma atitude de franco desalento sobre as possibilidades de conseguir ritmo [...] no fomento florestal do País, não são mais optimistas as condições em que actualmente se efectiva o ensino universitário de silvicultura.
Este ensino, como o de agronomia e de medicina veterinária, não se coaduna com a [...] de uma cidade, sendo assim de preconizar que a totalidade dos cursos respectivos, ou pelo menos, uma vez terminada, a preparação nas [...] de índole não agrícola, florestal ou veterinária, se efectue num meio diferente e , tanto quanto possível, similar ao que os técnicos não encontram no exercício das suas nobres profissões. E este não será certamente o ambiente urbano da capital do império.
Em relação ao caso que estamos focando, mais particularmente o do ensino florestal, esse então é praticamente impossível efectivá-lo numa exploração de área muito restrita e com reduzida superfície florestal de que hoje dispõe a Tapada da Ajuda o que pela sua própria composição florística, não pode facultar a realização de práticas com o horizonte extenso e profundo que é hoje de exigir aos futuros diplomados em Sivicultura.
Porque não aproveitar assim, pelo menos transitoriamente as instalações dos serviços florestais na vizinha serra de Sintra até que seja viável instalar estes estudos, pelo menos a partir de certa fase do ensino profissional, perto de qualquer das [...] florestais do Centro ou do Norte do País.
Dizia o técnico a que fizemos referência no início desta intervenção que Portugal se encontra presentemente num estádio de desenvolvimento económico muito propício à expansão das indústrias florestais e que este fomento não poderá deixar de ser enquadrado na actual conjuntura económica, que se mostra de resto, extraordinariamente propícia para a constituição de novos núcleos de expansão à base da produção e industrialização da matéria-prima celulósica.
São assim os meus votos para que o Governo da Nação, que tem realizado, através de vários departamentos, obra grandiosa no estímulo do desenvolvimento da economia nacional, não deixe de considerar com a necessária urgência, nestes múltiplos aspectos, a valorização do território pátrio, chamando para a terra que foi criadora de muitas das qualidades que destacam o povo português, aqueles que procuram hoje em terra estranha empregar a sua valiosa energia criadora.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre o regime jurídico da caça.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - Sr. Presidente: Creio que devem merecer alguma atenção desta Assembleia os problemas que [...] uma definição de princípios e muito particularmente aqueles que podem tocar as raízes da nossa ordem jurídica ou apurar a organização política e económica da Nação.
O projecto do Sr. Deputado Águedo de Oliveira sobre a lei da caça e do repovoamento cinegético, a reacção que sofreu da parte do Governo e o parecer da Câmara Corporativa contêm matéria para larga meditação e saudável confronto de posições.
Parece desejável apalpar, a propósito dos princípios informadores deste projecto de lei, todo o dispositivo de determinada orientação que se afasta sensivelmente da órbita do sistema que nós temos empenhado em servir.
Pela minha parte, venho confirmar uma posição de sempre na análise que me proponho fazer da opção do Governo e da Câmara Corporativa quanto aos princípios informadores da lei.
Não quero afastar-me deste terreno, mas darei os precisos passos para tentar chegar timidamente ao pé da caça e dos caçadores ao lado do Sr. Deputado Águedo de Oliveira, correndo o risco que esta aproximação comporta, nomeadamente o do confronto da minha inocente
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mas infalível espingarda de espantar pardais com o seu esplêndido atavio de experimentado caçador de caça grossa.
Uma voz que há acordo geral - admirável concordia - quanto à triste realidade da falta de caça e considerando que as práticas correntes abrem caminho para o chamado deserto cinegético, os caçadores podem preparar-se para limpar e arrumar as espingardas e, com elas, todos os problemas que ora nos afligem.
Entretanto, vão-se queixando dos coutos, e os couteiros dos caçadores e os ralhos crescendo dia a dia, serão tanto mais vivos quanto mais faltar a caça.
Nestas circunstâncias a mim me parece que não devemos esconder as mais duras verdades e que devemos tentar os remédios mais amargos.
Prouvera a Deus que ainda produzissem algum efeito.
Entro na coutada da caça pràticamente sem armas mas também sem preconceitos, apostado em procurar o melhor caminho e disposto a segui-lo, andando, suando e sofrendo para ir de encontro à caça e fixar a sua relação com a terra e os direitos do caçador.
A criação de caca e o repovoamento cinegético deve considerar-se hoje como um problema económico, e um problema económico sério. O valor da caça de algumas herdades do Alentejo já é superior a um quarto do seu rendimento total.
Ora estes problemas económicos trazem-me sempre à lembrança aquele eminentíssimo professor americano que abria o seu curso com esta pergunta muito pertinente "Que é que um economista deve economizar?" E respondia, respondia Srs. Deputados, ensinando aquilo de que andamos muito esquecidos um vários sectores económicos "O economista deve economizar apelos a actos desinteressados, àquilo que algumas religiões chamam caridade e, em linguagem corrente, fraternidade e amor."
O romantismo político, que é responsável pelos maiores estragos do século passado abriu os coutos e transformou a caça em dadiva pura da Natureza, dádiva que todo o homem recolhera livremente sem trabalhos e sem indústria.
Os caçadores antigos, mais realistas, sabendo que a caça sempre escasseia, tinham chamado sua a toda a caça, tinham-se privilegiado, não consentiam que os outros caçassem nas suas terras, e iam mais longe, caçavam eles na terra alheia.
A terra, o homem da terra - e é dessa cepa que eu venho - foi sempre a grande vítima dos sistemas. Primeiro viu o seu direito de caça expropriado pelo rei e pelos senhores, pelos grandes caçadores do tempo, e tinha de suportar os prejuízos da caça - da caça que não era sua - e, depois passou a sofrer a legião dos caçadores.
A reivindicação do direito de caça por parte do proprietário da terra tem realmente o seu fundamento no antigo direito germâmico, direito que sofreu pesado enxovalho dos costumes e do poder dos caçadores.
Por isso a reconquista desse direito foi um dos postulados da Revolução, encontrando-se formulado sobre a forma de supressão do direito de caçar em terra alheia.
Essa reconquista processou-se na França em 1789 o na Alemanha em 1848, fazendo parte dos direitos fundamentais do povo alemão a declaração de que "o direito de caçar estava contido na propriedade e os direitos gratuitos de caça em terra alheia ficavam suprimidos".
Julgo indispensável recordar estes factos históricos para não amarrar a mascara feudal ao conteúdo de um direito que é essencialmente popular.
A Revolução também tem algumas tradições respeitáveis nesta materia do direito de caçar.
A caça não deve ser do caçador, mas da terra.
O conteúdo do direito feudal que a Revolução afrontou era outro, consistindo no exclusivo da caça, incluindo o direito de caçar em terra alheia.
Ora, foi precisamente este direito de caçar em terra alheia, que o nosso legislador transferiu do rei e dos senhores para toda a gente.
Assim os actuais caçadores, agora com a burocracia venatória ao seu serviço, são os herdeiros dos senhores feudais e os lavradores continuam a ser as vítimas do sistema.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Penso que chegou a hora do trazerem as suas reivindicações, protestando em coro - os pequenos, os médios e os grandes -, os do Norte, do Centro e do Sul, contra indesejáveis privilégios.
E protestarem com quanta força tenham não só para que os ouça a burocracia venatória, responsável nestes últimos quarenta anos por uma centena de inúteis regulamentos e providências, mas sobretudo para que os ouçam os próprios caçadores, iludidos e enganados com o direito de caçar em terra alheia pelo preço - pesado preço - do total desaparecimento das espécies.
Ensina o douto parecer da Câmara Corporativa que as Cortes Gerais, extraordinárias e constituintes, de 1821, fizeram votar e publicar o decreto de Fevereiro do mesmo ano pelo qual D. João VI determinou que fossem devassadas e abolidas todas as coutadas um aberto.
Anos depois seriam extintos os cargos de monteiro-mor do reino, monteiros maiores e menores caudéis e todos os demais que constituíam a burocracia venatória inerente aos coutos de caça.
Estava instituída a liberdade de caçar e estava aberto o caminho por onde se chegou à situação do extermínio que todos os projectos e pareceres que me foi dado conhecer exuberantemente documentam.
A discussão do regime jurídico da caça abre-se, portanto diante de um património cinegético empobrecido e de uma tradição de século e meio de relativa liberdade de caçar.
E digo relativa porque sempre escaparam algumas reservas logo impostas pela força das circunstâncias e transformadas em refúgio de caça por via do privilégio concedido aos seus proprietários.
Parece indiscutível que a liberdade de caçar só teve conteúdo em longínquas eras paleolíticas quando a caça era abundante.
A própria abundância de caça desmente o prazer de caçar que desde o começo das idades supõe uma certa escassez que a torna privilégio do caçador.
Quando a caça acabar poderão os caçadores forçar as suas liberdades, poderá a burocracia venatória proclamar os seus inúteis direitos, mas caçar, caçar a perdiz vermelha será o privilégio daqueles raros cidadãos a quem a fortuna permita chegar onde houver caça e pelo preço que ela custar, será, repetimos, um privilégio - e um privilégio de gente afortunada.
Os outros podem persistir em correr montes e vales, invadir campos e culturas munidos de licença de caça, mas hão-de regalar-se gozando o maravilhoso sol de Inverno ou divertir-se na Primavera com o balanceado cantar do cuco a marcar o tempo das suas desilusões.
É neste pendor da desgraça venatória que eu me rendo e me entrego mais uma vez à contemplação das boas re-
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gras das únicas que podem trazer a saúde física e moral aos povos, calma e serenidade às almas, bom entendimento de lavradores e caçadores e proveito económico à Nação.
Um grupo de caçadores do Alentejo, em carta dirigida à Assembleia Nacional - "motivo de caça" - queixava-se das vedadas de Castro Verde e Almodôvar, que não guardavam convenientemente as lebres e as perdizes, tanto que perturbadas no seu santuário, se viam obrigadas a fazer criação fora das vedadas.
As lebres e as perdizes emigravam - e emigravam sem tirar passaporte.
Os porcos destruíam tudo, as vacas, as bestas e as ovelhas pisavam os ovos e dos ninhos feitos nas searas poucos escapavam aos tractores e às [...]
Os senhores das vedadas nem sequer retiravam a tempo os seus rebanhos, descuidando deste modo, a defesa da caça.
As autoridades confundidas, de nada serviam e os guardas não guardavam coisa nenhuma.
[...], caçadores que criavam cá fora a caça para os senhores das vedadas a venderem depois morta ou viva.
E o mesmo grupo, muito aborrecido com todas estas coisas, pensava em entrar nas vedadas para ver o que acontecera.
Pelo mesmo tempo, lavradores donos de coutos podiam informar-nos que tratavam das perdizes, cuidando da vida no montado e dispensado-lhes tantos [...] como à criação das galinhas ou à das malhadas das porcas.
Este singelo apontamento de pequenos factos mostra como é difícil planear uma protecção da caça para um dono que é incerto por um tratador certo.
Mostra ainda que este apontamento, que as reservas são fonte de conflitos e ao mesmo tempo instrumento indispensáveis da criação de caça.
A carta dos caçadores alentejanos mostra ainda como o caçador [...], subordinando toda a economia da terra à defesa da caça.
Os gados haviam de ser retirados, as ceifeira não deveriam ceifar, os porcos, as vacas e as ovelhas são animais indesejáveis, para eles só conta a saúde dos ninhos, as lebres e as perdizes.
Invertem-se os valores, altera-se a ordem dos direitos, subordina-se a vedada ao essencial serviço da criação da caça, pode-se matar na terra livre a caça do couto, não se pode vender no couto a caça que ali entra da terra livre!
Torna-se evidente, aos meus olhos, que a caça tem de ter dono, e o dono só pode ser o dono da terra.
Esse dono da caça não será apenas o malfadado, invejado ou odioso dono da vedada, mas hão-de ser todos os lavradores, grandes, médios e pequenos, que a queiram agasalhar, que a possam agasalhar nas suas terras, sós ou em grupo, por si ou por suas comunidades naturais - o município e a freguesia.
É este o sentido prático das coisas.
A caça tem de ser protegida, defendida, acarinhada e só será objecto de particular [...] por parte de quem tenha relações com ela.
Sei que são relações [...] algo distantes, essas relações com animais bravos que não gostam de conviver com os brancos - nisso têm fortes e bem documentadas razões -, mas relações que se estreitam, reservando-lhe [...]
A caça vive na terra e a terra pode estar na posse de um hospedeiro ou de um inimigo.
O hóspede há-de cobrar o preço da pousada enquanto o inimigo procurará afastá-la do seu terreno.
Afastá-la pode apenas querer dizer que pretende poupar [...]às porcas e às ovelhas, assegurando o usual rendimento da terra, ou até comer os ovos antes que os outros comam as perdizes.
Há, portanto, interesses [...] e então tudo será "consoante e conforme" na [...] linguagem da velha serva de D. Miguel [...]
Os interesse compõem-se sempre e as paixões são [...] a todas as composições.
Mas as paixões não resolvem o problema da caça e temos de procurar pacientemente a fórmula da justa composição sem esquemas feitos, sem sistemas complicados, sem regulamentos compridos, sem batalhões de fiscais fardados e ajuramentados.
Para fazer coincidir o interesse do lavrador com o da propagação da fauna cinegética é indispensável que esta propagação lhe assegure qualquer utilidade.
A utilidade que se lhe tenha encontrado até há pouco, confundia-se com o prestígio social que mergulhava as raízes nas velhas tradições dos grandes senhores da terra.
Com o empobrecimento da agricultura e a transferência do poder económico para a indústria, para o comércio e para o Estado, e, finalmente, com o desenvolvimento do turismo, os coutos passavam a ser também objecto [...] rendimento e até de substancial valorização das terra pobres.
Quando chegamos a esta realidade, vamo-nos distanciando dos [...] quadros, vamos reduzindo a importância da liberdade do caçador e do chamado privilégio dos grandes lavradores, donos de terras coutadas, visto como a mesma liberdade se esteriliza perante o extermínio da caça e aqueles privilégios se vão consumindo na [...] das posições sociais ou na cedência à própria pressão das espingardas e do [...] pelo prestígio do direito romano.
Permanecerá a liberdade, mas vai acabar a caça, permanecerão alguns privilégios, mas mudarão de [...] os privilegiados
Já inscrevi no meu calendário o dia, muito próximo, em que teremos caçadores sem caça e lavradores sem coutos.
A prosápia da liberdade enlouquecida, a ostentação desenfreada e a propriedade [...], acumulando erros, terão de ceder a passo e regras conformes à natureza das coisas, capazes de afrontar os caprichos das leis e o desvario das gentes.
É sabido e consabido que certas formas mais requintadas da caça continuarão a ser relíquias das classe privilegiadas e seus acostados, pois são delicado desporto que requer tempo, dinheiro, organização e bom gosto.
Só a demagogia pode ver grande mal em que se conserve esse bom gosto.
Por mim, receio que a onda turística [...]
O mercadejar dos faisões será o final de toda a graça natural e soberana da ave apontada nas suas tradições.
Os homens não são iguais, os seus direitos e lazeres conquistam-se, e não se distribuem per capita mas por estirpes.
Com isto pretendo dizer - não se [...] que me queiram contraditar - que a caça é um desporto aristocrático que nos impõe a necessidade de criar ao lado dos privilegiados da fortuna uma aristocracia aberta a todos os caçadores igualmente distinguida com menos dinheiro, mas decerto com o mesmo ardor desportivo e o mesmo vigor.
Nessa aristocracia há-de caber quem tenha uma espingarda e um cão e seja capaz de cumprir rigorosamente
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— com recta consciência — o regimento da sua corporação.
Consagrado o princípio de que a caça pertence à terra onde vive c cresce ou à terra que a sustenta e a protege, o problema venatório tem outra equação.
A solução decorre, logicamente, das técnicas de criação, que se exercitam e se pagam, e da pura vontade contratual .
Contratos entre couteiros c técnicos e entre proprietários e caçadores para assegurar o repovoamento cinegético e o exercício efectivo do direito de caçar, duas realidades muito concretas que o romantismo político nunca entendeu.
O Estado tem de conservar, nesta matéria, o bastão da indispensável tutela dos interesses gerais, pois deve ocupar no risco do plano de repovoamento uma posição eminente.
O Sr. António Santos da Cunha: — Muito bem!
O Orador: — Assim, em lugar de estimular a multiplicação dos coutos — confirmando privilégios que não poderão resistir à pressão social desencadeada pela liberdade de caçar —, é preciso reservar todo o espaço português, dividindo-o em reservas privadas e públicas dos proprietários, das sociedades de proprietários e caçadores, das autarquias e dos serviços, enfrentando corajosamente os aperfeiçoados processos de destruição sistemática — que são a negação da caça— e criando, com base no interesse directo, da defesa e valorização das espécies e do direito de propriedade, os verdadeiros incentivos do repovoamento cinegético.
A reserva, mas a reserva total, sem concessões nem privilégios, será a única forma de obter espécies e de assegurar o regular exercício da caça.
Em lugar da democracia venatória estabelecida sobre a liberdade de caçar, pretendo uma aristocracia de caçadores, em que 150 000 espingardas e cartucheiras saibam tirar o chapéu de plumas e pedir licença para entrar e matar caça nas terras de um milhão de proprietários que precisam da protecção e do respeito que é devido ao seu direito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: — Esses aristocratas têm efectivamente o direito de caçar e os lavradores estrita obrigação de estabelecer os meios próprios para que tenham variada caça.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Aqui se põe o problema crucial da função social da propriedade, que, protegida no seu eminente direito, deve sofrer as injunções necessárias quando o seu uxercício se não mostrar conforme ao bem comum.
Há-de, portanto, a propriedade assegurar a criação da caça e o exercício do direito de caçar aos 150 000 caçadores que nessa actividade sadia encontram a realização das suas mais íntimas vivências.
E agora nos cumpre demarcar melhor os termos da questão no próprio terreno em que nos colocamos.
O Sr. António Santos da Cunha: — Muito bem!
O Orador: — Fala-se muito da função social da propriedade e pouco se tem feito para assegurar a execução desse princípio constitucional.
O que Lemos de saber do legislador e de considerar nos nossos debates, enquanto legisladores ou fiscais do legislador, é se essa função se exercita pondo o proprietário ao serviço dos funcionários — funcionalizando-o — ou colocando-o realmente ao serviço da comunidade e obrigando, portanto, a propriedade a realizar determinados objectivos que coincidem com as necessidades do homem.
Vale a pena repousar sobre o problema para não precipitar juízos ou embarcar no recoveiro de uma socialização a prestações.
O nosso desporto corporativo deve exercitar-se noutros moldes, conduzindo à sadia competição, no mar agitado dos interesses, sem nunca perder a crista da onda/do bem comum.
Se a caça não é do dono da terra, é evidente que o regime legal —meramente administrativo— tem de supor a organização dos serviços — a burocracia venatória — que há-de autorizar, regular e superintender. Decidirá sobre a concessão, a reserva, o posto de criação artificial, a carta de caçador, a licença de caça e, depois, organizará a fiscalização das reservas e dos caçadores e, finalmente, há-de levantar e inventariar os autos, repartir e digerir as multas, tudo com a lentidão e a carestia -do costume.
Se a caça é do dono da terra, o problema fica reduzido a estabelecer o modo de conduzir a propriedade ao cumprimento da função socirtl dj criai1 onça. c dcíer.tUr e assegurar o gozo do direito de caçar àqueles que reúnam os requisitos mínimos de idoneidade para ser caçador, para ter o privilégio e o brasão de caçador.
Se os animais bravios pertencem ao dono da terra, o regime legal compreenderá as regras conducentes à definição da protecção devida às diversas espéciuib. à demarcação dos espaços que lhe são reservados, à dimensão e caracterização das respectivas reservas.
Eesumindo: um plano nacional de repovoamento e de caça, um estatuto das reservas e o estatuto do caçador.
A execução da função social a que a propriedade está adstrita pertence ao proprietário e, dentro do nosso sistema, deve ser condicionada, regulamentada e fiscalizada pela organização corporativa.
Os testes da função social são conferidos pelo Estado, mas são elaborados, preparados e executados pelas corporações.
Se a propriedade não cumpre a sua função social, prejudicando ou atrofiando, pela irregular e precária, execução do respectivo direito, o bem comum, a organização corporativa tem o dever de estimular e valorizar esse mesmo exercício, propondo e impondo as medidas convenientes.
Sabemos que a propriedade só é intangível como instituição, mas todos e cada um dos poderes em que se desdobra podem ser limitados ou expropriados quando isso convenha ao interesse geral.
O Doutor Teixeira Ribeiro analisou com muita segurança o s.istema corporativo português e ensina «que a nossa economia — tirando os serviços públicos e as indústrias excepcionalmente atribuídas ao Estado — mdve-se, primeiro, pelo interesse dos indivíduos; onde estes falharem,.intervém a disciplina das corpo rações; onde as corporações são insuficientes, aparece o Estado». Doutrina seguidamente deste modo:
Já sabíamos o fim económico do sistema corporativo — máximo de produção e riqueza- socialmente útil — (no nosso caso, máximo de perdizes), conhecemos agora os obreiros de quem se fia alcançá-lo — são os indivíduos, com o seu interesse pessoal (logo, os lavradores); u corporação, com a ssua regra (logo, lavradores e caçadores organizados e discipli-
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nados); o Estado, com a sua coordenação e direcção superior (logo, plano nacional de caça e de repovoamento cinegético, estatuto das reservas e estatuto do caçador).
Convém ainda que. tenhamos presente o salutar princípio, contido no n.º 5.º do artigo 7.º do Estatuto do Trabalho Nacional, de que ao Estado cumpre «reduzir ao mínimo indispensável a esfera do seu funcionalismo privativo no campo da economia nacional».
Agora se torna evidente como, à medida que aumentam os serviços encarregados de realizar o fim económico inscrito na nossa lei fundamental (no caso vertente, máximo de perdizes para o máximo de caçadores), vamos navegando fora do rumo do Estado unitário e corporativo que nos propusemos realizar.
Sempre que o fim económico possa ser realizado pela propriedade e vigiado pelas corporações, deve ser subtraído ao elefautismo do Estado.
Nunca me cansarei de reagir, nesta Assembleia Nacional, com a maior veemência, contra a constante criação de novos serviços, novos quadros, novas funções, que o Estado corporativo deveria desejar fossem realizados no seio das corporações.
O Sr. António Santos da Cunha: — Muito bem!
O Orador: — Como seria útil, por exemplo, que as decantadas dificuldades do funcionamento do sistema bancário, tanto na ordem do dia das assembleias gerais, os grandes problemas da hidráulica agrícola, do álcool, da acção social, da educação e da cultura, da imprensa, fossem apreciados, em primeira leitura, no seio das respectivas corporações, em lugar de serem logo açambarcados pelo Estado, remexidos pelos serviços e disciplinados pela actividade policial.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — A soberania tem o seu indiscutível assento nos respectivos órgãos e o Governo detém os poderes bastantes para tanger a marcha das corporações para o terreno da acção, despertando novos costumes políticos.
Parece que não deveria temer-se delas — seria a própria demissão do Poder e a ausência de força «é pecado mortal do Estado»— mas não deverá também anemizá-las, domesticá-las, criando-as para ficarem no papel ou para florir as grandes manifestações cívicas e tornando-as mais decorativas que operantes.
Ora, a minha reivindicação e a minha tese conduzem grande parte dos problemas da caça — nomeadamente os que respeitam à criação de caça indígena — para o foro do direito privado e do direito corporativo, com particular afectaçfto íi? Corporações da Lavoura e dos Desportos.
Anda estudado e ensinado nos livros dos melhores mestres que os lavradores, libertados da tutela do senhor feudal, ficaram sucessivamente entregues ao padre-cura, ao médico e, finalmente, ao cacique e à organização administrativa.
Os funcionários de todos os serviços encarnam a nova feudalidade com muito mais força e me-.nores responsa-bilidades.
A única defesa dos lavradores — bem precária defesa — concretizou-se -na depauperada força dos parlamentos.
A indiístia e o comércio tem outros meios e outro dinamismo.
Pois é evidente que a nossa constante reacção parlamentar contra todas as extorsões, materiais e morais, do mundo rural — outros diriam alienações — não é instrumento próprio para assegurar a posse de uma posição política que nunca chegou a ser conquistada pela natural fraqueza da lavoura.
Foi Marx — o pontífice máximo — quem, analisando as implicações políticas da pequena e média propriedade rural, fez o seguinte diagnóstico:
As famílias rurais isoladas umas das outras «em condições económicas que as separam» não constituem uma classe na medida em que não existe entre os proprietários das grandes parcelas mais do que uma relação local e a similitude dos seus interesses não criou entre elas nenhuma comunidade, nenhuma ligação nacional, nenhuma organização política. E por isso que elas são incapazes de defender os seus interesses de classe em seu próprio nome.
Não podem representar-se elas próprias, devem ser representadas.
Mas os seus representantes devem, ao mesmo tempo, ser seus condutores, com uma autoridade superior, com um poder absoluto que as proteja contra us outras classes e lhes mande a chuva e o bom tempo.
A influência política dos pequenos proprietários encontra, por isso, a sua expressão mais acabada na subordinação da sociedade ao poder executivo.
Não pode negar-se clareza e lucidez a esta análise marxista.
A emancipação económica e política da terra há-de também inserir-se na reconversão a que se procede pela força das circunstâncias.
A acção descontínua, desordenada, batida dos conflitos próprios da actividade parlamentar e desarticulada pela separação dos grandes e dos pequenos lavradores, que falam diferentes dialectos, precisa de ser rapidamente ultrapassada.
(Perdida, a tutela feudal, destruído o cacique, institucionalizado o funcionalismo político do Ministério do Interior, o único meio de defeca dos lavradores está na organização corporativa.
Temos, no entanto, de leconhecer que, 30 anos passados, ainda não conseguimos que essa organização atingisse o mínimo de eficiência e de força que tornasse impossível a apresentação de um projecto de diploma que assenta no princípio de que é permitido caçar em terra alheia.
E a própria Câmara Corporativa qut> se divide na discussão deste princípio, do mais alto interesse para o mundo rural, mas divide-se decidindo contra a terra.
Efectivamente, reconhecendo que nenhum dos sistemas — germânico ou românico — «contém em si a virtuali-1 dade de solucionar convenientemente o problema vena-tório se não lhe introduzirmos desvios e correcções», a Câmara Corporativa, «embora cheia de hesitações, acabou por eleger, por maioria, o princípio romanista», escolhendo, portanto, a fórmula que despoja a terra da caça.
Elegeu o s:stema que é reconhecidamente responsável pela situação actual e, apesar das correcções, sabiamente doseadas, que a Câmara lhe introduziu, creio bem que não alcançará o objectivo essencial — interessar a terra na- criação e defesa da caça, porque a má estrela das muitas burocracias não deixará frutificar a sementeira das reservas.
Se esta Assembleia aprovar a proposta do Governo, teremos mais serviços, um inspector-chefe de caça um
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fundo especial, o conselho nacional e as comissões venatórias regionais e concelhias, laboratórios, estabelecimentos de investigação, museus de interesse cinegético, missões de estudo, congressos, exposições, prémios aos agentes de fiscalização, trabalhos e estudos - muitos estudos -, taxas e multas, mas não teremos mais perdizes vermelhas nem mas perdizes cinzentas, que essas não se criam no meio dos papéis, são destruídas pelos caçadores furtivos e só podem ser protegidas e convenientemente guardadas por quem tenha interesse directo no povoamento.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Tenha interesse directo e seja capaz de correr os riscos da criação e da guarda, riscos económicos, qualidade natural do empresário que todos os regulamentos degradam e anatemizam e se projecta em verdadeira grandeza nas contas de ganhos e perdas.
Os serviços sustentados por fundos especiais parece que não existem para fazer contas, mas para gastar a verba orçamentada e disponível.
Nós, ainda poderíamos entender - e por mim entendo - o projecto do Sr. Deputado Águedo de Oliveira, o princípio para que tende e onde realmente assuma "coragem reformadora".
Não entendo, porém, a Câmara Corporativa a estimular reservas de caça através de uma burocracia venatória, mais senhora das concessões e dos alvarás, mais, vigiadora, mais fiscalizadora, o que quer dizer mais destruidora da iniciativa particular.
O sistema que preconizo não concede graças nem privilégios.
As reservas nasceram naturalmente em todas as propriedades aptas à criação de caça como forma acabada da sua valorização económica.
O problema não seria, então de escolher os eleitos, mas da execução generalizada dos deveres inerentes à função social da propriedade.
O que é necessário é criar caça e contratar a sua colocação com as associações de caçadores.
Teria de haver, repetimos, um estatuto das reservas um estatuto do caçador um plano nacional de caça e de repovoamento.
Todo o proprietário que não pudesse preencher as condições das reservas particulares de caça ou não quisesse sujeitar-se as obrigações desse regime veria o seu direito incorporado nas grandes reservas comunitárias, administradas pelos municípios proprietários e caçadores pela forma institucional que fosse declarada.
Se a nossa coragem reformadora não foi tão longe - eu tenho pena da que não vá pela razão de que deve caber a esta Assembleia fazer as grandes opções ou mudanças de rumo - e quiser ficar no sistema de compromisso que vem sendo preconizado pela Câmara Corporativa, guardarei a minha simpatia pelo projecto do Sr. Deputado Águedo de Oliveira, a quem devemos uma franca abertura de horizontes novos - a caça como actividade do social o repovoamento e a valorização integral do solo os refúgios e as aldeias-coutos as empresas de produção de caça viva as sociedades de caça e a transição para o novo regime jurídico da caça.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Voltarei portanto, a rejeição na generalidade do projecto de diploma da Câmara Corporativa.
Não vingando esta orientação proponho-me a acompanhar as propostas de emenda que corrijam o princípio sobre o qual foi moldado este projecto.
O meu voto tem o particular significado de confirmar a segurança em que estou de por este modo defender a terra e com ela a caça e os legítimos direitos dos caçadores.
A terra para que a crie e a guarde, os caçadores, para que a tenham e a possam caçar.
Ao mesmo tempo que voto a proibição de caçar em terra alheia, pretendo libertar o proprietário de concessões e privilégios, denuncio direitos irreais de caçar onde não há caça e crio obrigações concretas para o proprietário e garantias sérias para o caçador.
Não voto taxas nem serviços, mas produção de caça e contratos com objecto definido.
Em lugar de proclamar enfaticamente o direito de caçar, quero assegurar, primeiro, a existência da caça e garantir, depois o seu exercício.
Não quero encontrar o Estado a chorar perdizes nas privilegiadas terras de escolhidos lavradores, pois desejo que o Governo se demita de funções que lhe não cabem e estimule a acção daqueles que podem e devem assegurar as criações e defender a caça. Desejo oferecer aos caçadores um estatuto e uma organização válida e responsável dentro da Corporação dos Desportos.
Defendo uma boa guarda rural assegurada pelo fortalecimento dos quadros da [...] Guarda Nacional Republicana, mas não gosto das fiscalizações pequenas, desde os fiscais da caça, aos fiscais do trabalho miúdo. Interessa-me exaltar a fiscalização pessoal [...] dos direitos de caça um e de cada comunidade excitar as fiscalizações de alto porte de funcionamento dos organismos e ao comportamento das actividades.
Entendo que da economia caseira, de pequena economia, conhecem menos mal as donas de casa, e da economia nacional conhecem muito poucos.
Em resumo desejaria que a reivindicação que faço da caça para a terra fosse o alicerce de uma nova aristocracia de caçadores - atleta, desportiva, generosa, sadia e de consciência recta para cumprir as regras da respectiva corporação cujas tradições se podem amarrar ao [...] do primeiro homem.
Não quero descer desta tribuna sem fazer alguma penitência, como é próprio do tempo.
O meu propósito, foi demolir, e a técnica da destruição está muito afeiçoada ao jeito da picareta.
A lógica da posição que tomei a este processo legislativo não me permitia manobrar na construção cuidadosa e serena de uma peça útil e a rudeza das palavras com que traduzi algumas ideias simples, queria apenas que se ajustasse ao carácter reivindicativo da minha intervenção.
Perdoe-me, Sr. Presidente, o desafio de comentar tão desembaraçadamente e pelo lado menos aliciante - o económico - uma matéria da sua muito particular afeição cujo tratamento eu sei, devia ser repousado e meditado para corresponder à grandeza de um tema tão rico e apaixonante.
O Sr. Deputado Águedo de Oliveira, quero que me desculpe a encruzilhada em que fiquei e a generosidade com que me compreendeu, e decerto me desculpará, porque bem sabe como eu gostaria de o ver sagrar pelas suas boas regras [...] da minha nova aristocracia de caçadores, lá em cima à vista da garganta da Burga, no alto da serra de Bornes.
E agora posso descer contrito e em paz.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Calapez Garcia: - Sr. Presidente e Srs. Deputados Na presente altura do debate e depois de tão brilhante intervenção dos ilustres Deputados que me antecederam parece difícil encontrar algo ainda de útil a dizer sobre caça.
Se nos decidimos trazer a consideração de VV. Exas. a nossa modesta contribuição e porque aflorou na discussão uma luta de conceitos que consideramos ultrapassada pela permanência do problema.
Talvez por carência de formação jurídica ou por sentirmos o problema no aspecto no aspecto pratico como caçador de «salto» que somos confessamos a nossa surpresa ao ouvirmos citar o ocorrido em épocas anteriores - quando o condicionalismo sinergético era exactamente oposto - e procurar encontrar a sua luz as soluções que hoje se impõem.
Não nos parece caminho eficaz esta fidelidade a utopias embora com tradição quando urge promulgar as medidas salutares necessárias á salvação rápida da nossa depredada fauna venatória.
Não vamos detender gregos ou trocarmos mas sim opinar pela solução que servindo dentro do possível os divergentes interesses em causa garanta a continuidade de uma riqueza que o Pais não pode dispensar
A falta de fiscalização e aumento do numero de caçadores [...] poder mortífero das armas e o advento da [...] do automóvel foram certamente as causas próximas da desesperada situação que atravessamos mas por isso não explicam a díspar formação do panorama energético metropolitano. Basta fazermos um rápido bosquejo a confrontação entre o Norte e o Sul para verificarmos a potência da afirmação e atribuir a determinação encontrada a outras causas onde avulta com grande relevância a diferente estrutura agraria.
Assim a divisão da propriedade e o tipo cultural arrastam mais rapidamente a zona norte para o zelo cinegético.
No Sul tudo se processava inversamente devido a condicionalismos culturais opostos á menor densidade populacional e á ausência de vias de acesso. É verdade que as agriculturas nada fazem conscientemente pela protecção da caça esta existe porque tudo aparecia naturalmente realizado.
Mas o progresso tudo transformou. A mecanização trouxe a modificação do tradicional sistema de rotações alterou a exploração precária e forçou a abertura de vias de comunicação rompendo-se assim o precário equilíbrio naturalmente estabelecido. E também aqui caminhamos a passos agigantados para situação inaloga á da zona norte.
Só encontramos como factores positivos as reservas de caça umas a funcionarem como meios refúgios e outras por adequada mentalização dos seus proprietários dando já importante contributo para o desejado repovoamento constituindo autenticas zonas-piloto do problema venatório.
Queremos deixar aqui uma palavra de louvor para estas pioneiras que por sua iniciativa fizeram verdadeiro fomento energético. A administração regida pela obsoleta legislação que vamos substituir limitava-se a exigir a florestação mas esquecendo-se de que por vezes aquela é inimiga do desenvolvimento de certas espécies. Parece-nos pois termos demonstrado a impossibilidade de fazermos repovoamento cinegético se por ele não tiver interesse o possuidor da terra. E ao referirmos estas comezinhas realidades pensamos que o exemplo alentejano constitui uma base séria e deve ser considerado como ponto de partida numa reforma de estrutura do nosso direito energético.
Sr. Presidente e Srs. Deputados. Partindo deste pressuposto queremos atenuar desde já que consideramos como a melhor solução para o problema o justo equilíbrio entre reservas de caça e áreas livres. E por conhecimentos as potencialidades energéticas de uma grande parte do território metropolitano acreditamos na rápida reconstituição da fauna legislamos correctamente. É evidente que só aplicamos o conceito de reserva de caça aos coutos que façam protecção defesa e repovoamento das espécies.
Aceitando a necessidade da existência das reservas temos de nos referir ao que consideramos justo equilíbrio portanto passaremos a tratar da taxa de reserva concelhia.
Pensamos que nesta matéria e tendo em vista o fim a que es destina a referida taxa - possibilitar o repovoamento das zonas livres - deveremos ter maior preocupação com a sua aptidão energética e boa distribuição pela área concelhia do que com a fixação de um limite para a mesma. Para atingirmos este desígnio temos de dar aos serviços técnicos maior parte da responsabilidade e uma grande mobilidade por isso não nos repugna aceitar como limite máximo os 40 por cento proposto pela Câmara Corporativa.
Já ouvimos aqui pedir a eliminação deste limite máximo mas não consideramos o argumento pela sua unilateralidade além do mais achamos necessária a sua existência porque facilitará a missão dos serviços.
Sr. Presidente e Srs. Deputados. Vamos analisar o grave [...] problema do arrendamento das reservas de caça.
Antes permitam-me relembrar o que se passa nos coutos existentes.
Por não existir regulamentação apropriada cada qual procede como quer e assim uns fazem arrendamentos por época outros mais cautelosos por varias épocas e ainda há os que cobram por caçada. Nesta última modalidade o pagamento tanto se pode [...] ao dia de cada como a por peça abatida.
Para que terminem estes anacronismo temos de encarar de frente o problema e promulgar apropriada legislação.
Como vamos então fazer? Por um lado temos de procurar garantir a existência das reservas como fulcro do repovoamento das áreas [...] por outro compreendemos que os seus possuidores necessitam de receber certa compensação pelos investimentos feitos em defesa as caça.
Aceitamos portanto o seu arrendamento. Mas não nos parece moral permitir a obtenção de lucros elevados por uma benesse quase gratuitamente cedida se possibilitarmos o aparecimento desse rendimento a sua obtenção modificará completamente o estado de espirito dos futuros requerentes de contos em ralação ao alinejado repovoamento venatório. Porque se os donos dos coutos só pensaram no lucro pessoal aqueles perderão a sua função no repovoamento geral por diminuição da densidade da caça. As reservas só serão úteis para o interesse geral se possuírem uma alta densidade cinegética que obrigará naturalmente a saída de muitas unidades.
Penso que a resposta da Câmara Corporativa não e seguro travão para as questões representadas e que a sua total aceitação condenara ao fracasso o diploma em discussão.
Em nossa opinião os arrendamentos devem ser previamente autorizados e regulamentados pela Secretaria do Estado da Agricultura e não posteriormente sancionados. Também nos parece importante a fixação da taxa de 5 por cento do n.º 3 base XXXVII achamo-la baixa e deverá ser fixada pela regulamentação especial a criar. Também aqui só uma rigorosa disciplina governativa poderá evitar abusos.
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Queremos fazer ainda, em relação aos «corredores» e à ordem de prioridade na concessão de reservas, algumas objecções.
Quanto ao primeiro assunto achamos o limite de 3000 ha exagerado e prejudicial a uma racional distribuição dos coutos e vamos por isso propor a sua eliminação.
Em relação às prioridades a conceder entendemos que os pedidos das comissões venatórias devem ser colocados imediatamente aos interesse turístico na alínea b) do n.º 1 da base XXXIIII.
Sr Presidente e Srs Deputados. Saudamos com alvoroço a criação da carta de caçador, porque a julgamos ultíssima. Se é já imenso o seu valor prático, consideramo-la ainda mais pela sua futura função moral e educativa. Ela dignificará o caçador, como hoje sucede em relação à caderneta militar. O preenchimento desta lacuna foi uma das mais positivas aquisições do novo regimento.
Relativamente ao tipo de licença de [...] sem espingarda nas modalidades gerais. Trata-se de um tipo de licença que para o seu exercício, exige regulamentação especial, ainda variável conforme o tipo da espécie cinegética e o modo usado para caçar julgamos, portanto, que seu lugar será no diploma que trata das licenças secundárias, conceder-se-ia, assim, como sucede para a licença de caça com furão aos serviços a possibilidade de determinar onde, como e quando se deve praticar.
Também não achamos útil a proibição de [...]quatro dias da semana em alternância com os restantes três. Favorecendo-se concentração dos caçadores aumentam, como no dia da abertura geral da caça, as possibilidades de morticínios de acidentes, como, além disso os períodos de três das depauperam a caça, por carências alimentares e falta de repouso, o último deles seria muitas vezes assinalado por verdadeiras[...] energéticas começadas pelo homem e completadas pelos seus inimigos naturais. Quiçá como o proibido [...] o apetite, tivéssemos no fim da época, paradoxalmente em menos tempo de caça mais dias de caça por caçador. Este aspecto prático e as implicações que a base XV pode Ter, já brilhantemente levantadas nesta tribuna, levamo-nos a propor a sua eliminação.
Relativamente às responsabilidades a sanções aprovamos a proposta de alteração da Câmara, porque só com um forte agravamento poderemos sustar o desrespeito existente no exercício da caça e, assim, proteger os interesses da maioria dos caçadores.
No capítulo da fiscalização, estamos em completo acordo com a doutrina do parecer mas ainda achamos indispensável a participação nas multas dos agentes autuantes.
O Sr António Santos da Cunha:- Muito bem!
O Orador:- Embora mais rigorista, é seguramente de cisão mais eficaz e, como o problema é de emergência temos de aplicar medidas de excepção.
Sr Presidente e Srs Deputados. [...] a minha aprovação na generalidade ao projecto de diploma proposto pela Câmara Corporativa não quero deixar de realçar o alto valor do seu [...] parecer e de agradecer aos seus autores os ensinamentos que nele colhi.
Quero ainda apresentar ao ilustre Deputado Dr. Águedo de Oliveira as minhas respostas homenagens tanto pela oportunidade como pela decisiva contribuição que o seu projecto de [...]à aprovação dos valores em causa e também pela [...] espiritual sentido ao ouvi-lo tratar, com a sua habitual elegância literária estes árduos problemas venatórios.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- Ao terminar, resta-me pedir desculpa a VV Exas. Por me Ter alongado na análise dos assuntos que considerei essenciais.
Fi-lo intencionalmente, porque, dado o interesse deste debate e a importância do problema, senti-me obrigado a dar a minha quota-parte, e, como ela provém da prática, foi desta que m ocupei.
Desejo que a ler a aprovar traga verdadeiros benefícios para os caçadores, porque para nada servirá a [...] de uma liberdade que não se possa exercer.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador foi muito cumprimentado
O Sr dias das Neves:- Sr Presidente. Não sou um apaixonado das actividades cinegéticas. Porém, não quis deixar da trazer a este debate a minha modesta e desinteressada contribuição para a resolução de um problema que é urgente, se não quisermos ver desaparecer uma grande riqueza do nosso país.
Na sua evolução nos tempos, caça tornou-se um instrumento desportivo, já como meio de treinamento das forças armadas, já como passatempo de reis príncipes e senhores, ricos pobres, que na prática desta actividade encontravam um meio de alegre convívio social e um poderoso exercício de recuperação das suas forças esgotadas pela vida interna de gabinete ou de trabalhos diários.
É assim que, nos tempos modernos é praticado no nosso país, como desporto que atrai centenas de milhares de portugueses.
Um desporto assim, que exige resistência física, prudência, espírito de observação, saber conviver com a Natureza, destreza habilidade seria e é, com certeza, [...]para a natureza humana, pois põe à prova as suas qualidades mais nobres.
Toda a actividade desportiva tem, todavia, uma ética que os desportistas acertam e acatam como condição do exercício da mesma. Assim, também a caça, como desporto, tem uma ética que impõe ao verdadeiro caçador uma disciplina nobre, plena e viva, que há-de permita-lhe ver em cada animal bravio não inimigo a abater mas um bem como Deus quis alegrar a Natureza, que cada dia que passa mais se impõe astimar, cuidar e respeitar como única razão de ser do seu próprio desporto. Neste entender das coisas e no seu cumprimento reside o primeiro dever do caçador desportista, que deve até antepor-se ao próprio prazer de caçar.
Sem este prazer do desporto o caçador transforma-se num «magarefe de caça», que, não podendo sentir o prazer espiritual de caçar, realiza apenas a matança e a [...] de todas as espécies que passam ao seu alcance.
Aqui podemos incluir os «profissionais», que, na sua mentalidade mercantil, são incapazes de sentir o prazer espiritual da caça matam por negócio, porque lhes pagam para matar, não importa onde e como.
Pois esta actividade, que foi só desporto no nosso país, acentuou-se em todas as regiões de norte a sul desenvolveu-se e deteriorou-se, e hoje, mesmo regulamentada legalmente e estabelecida uma fiscalização que era nula ou inoperante e sempre ineficaz chegou-se a um estado de pobreza quase total da caça e ao perigo do desaparecimento de algumas espécies cinegéticas indígenas, que vão fazer companhia à cabra do Gerês uma das seis espécies de mamíferos desaparecidas na Europa nestes últimos 2000 anos se não forem tomadas medidas rigorosas por meio de uma legislação adequada enérgicas, corajosa e actual.
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É hoje lugar-comum a afirmação de que a caça no nosso país está a desaparecer e, num clamor cada vez mais forte pedem-se medidas para pôr termo a este estado de coisas. Os que mais clamam são os caçadores os verdadeiros responsáveis por esta situação pois que, na sua ânsia de matar destroem massacram (...) todo o animal nem sempre bravio que passa ao alcance das suas cada vez mais aperfeiçoadas armas de fogo. Clama e acusa que paga as suas licenças e não são salvaguardados os seus interesses, esquecendo-se de fazer exame de consciência para verificar se tem feito algo para evitar esta situação.
Aceitamos que o empobrecimento da nossa riqueza cinegética seja resultado do acréscimo do número de caçadores - no ano de 1965 foram passadas 150 000 licenças (ficam de fora os clandestinos) -, do aperfeiçoamento dos transportes das armas de fogo e das pólvoras e da redução das áreas de reprodução das espécies, mas acrescento que para esse empobrecimento contribuem a fúria assassina que se apodera de alguns caçadores por razões do recordismo ou pela mira de lucros de um profissionalismo exagerado que importa combater, pois tudo destrói à sua passagem na ânsia de mais sangue uns e mais dinheiro outros.
Existe nos nossos dias como que um «refinado a bárbaro instinto de massacre» não importando onde e como, pois o que interessa é fazer quantidade, ser campeão do sangue e da morte sem qualquer beleza desportiva. Porém, acreditamos que a paixão profunda do caçador, que é abater a caça, pode e deve manter-se num nível que poderá classificar-se de decente. Aqui estamos no campo da educação e da espiritualidade - cada caçador deveria educar-se e vencer-se a si próprio no respeito que deve à Natureza, que lhe proporcionou esta dádiva e na sua contemplação e compreensão, encontrar a beleza de espírito necessária para compreender verdadeiramente a função da caça.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: -Qualquer caçador deixaria então de se gabar de façanhas que nem sempre pratica, mas com as quais aguça apetites, sentiria acanhamento em exibir grandes quantidades de caça verdadeiramente chocantes para o nosso meio e sensibilidade e sentaria mesmo vergonha se a caça não foi feita segundo as regras de um código de honra que deve existir dentro de cada caçador.
Importa, portanto conseguir uma renovação da mentalidade dos caçadores pela educação limitando o número de peças que cada um pode abater até que desapareça esta campeonite aguda - e terá assim desaparecido o espectáculo deprimente e vergonhoso da exibição de montes de peças de caça abatidas pendurados nas janelas dos automóveis como trofeus ganhos - nem sempre com gloria - e um dos maiores inimigos da caça.
O Sr António Santos da Cunha: -Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, o nosso país não tem dimensão nem caça em quantidade que comporte a actividade de «profissionais» que sem quaisquer escrúpulos, massacram e chacinam sem piedade, contrariamente a todas as regras, as pobres espécies que têm a desgraça de passar sob os seus olhos. A caça tal como é praticada por estes profissionais não é um desporto mas uma maldade.
Atento o programa presente da nossa actividade cinegética, atento o elevado valor económico desportivo social, turístico e fiscal da caça, importa criar um clima venatório bem mais saudável e límpido do que aquele que se criou e vive no momento actual, bem como a salvaguarda da fauna cinegética nacional contra os atentados de que tem sido vítima pelo que considero da maior oportunidade a discussão da presente proposta de lei.
A evolução dos tempos, se, porém, alterou a mentalidade desportiva dos caçadores, alterou igualmente a mentalidade dos proprietários dos terrenos que, perante os desmandos dos caçadores e o lucro dos profissionais, mas especialmente pelo conhecimento de novas técnicas de aproveitamento agro-pecuário, encontram na caça um complemento das suas explorações agrícolas e uma importante fonte de receita das suas propriedades que entendem não dever desperdiçar.
Assim, entramos num terreno de competição de interesses que há necessidade de ter em conta e que a proposta de lei ora em discussão não pode desconhecer, antes terá de harmonizar. O problema comporta duas situações antagónicas que a proposta tem de contemplar com vista a harmonizar os interesses de ambos de forma a educar os caçadores no respeito à propriedade e no retorno à mentalidade desportiva na pureza da sua ética e permitir aos proprietários poderem usufruir de uma riqueza que lhes é devida, mas - e principalmente -, em benefício dos dois, a proposta deverá estabelecer um instrumento de protecção às espécies cinegéticas nacionais.
Este propósito final não o pode conseguir já, está provado, a actual legislação, que, para além de defeituosa, não contempla situações actuais, decorrentes da evolução do conceito de caça, e só o pode conseguir um regime jurídico que seja aceite por todos os que têm os seus interesses em jogo.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - A proposta em discussão ao ser aprovada e convertida em lei há-de estabelecer um regime jurídico que, buscando embora as suas raízes em regimes anteriores, esteja de acordo com as realidades actuais e constitua instrumento eficaz de protecção e desenvolvimento do património (...) nacional, sem, contudo descurar os direitos das pessoas que intervêm neste processo da caça.
Assim dou a minha inteira concordância ao excelente parecer da Câmara Corporativa quando preconiza um regime assente no sistema tradicional com algumas correcções que conterão, «além da limitação de lugares em que é proibido caçar, do estabelecimento de um sistema de reservas de caça do estabelecimento de um sistema de reservas de caça suficientemente equilibrado que não tolha em medida insuportável os direitos dos caçadores de limitados recursos económicos, mas que sejam meio eficaz de protecção e desenvolvimento das espécies, em primeiro lugar, que proporcione maior rentabilidade das terras, principalmente daquelas que não têm ou têm pouca aptidão para a exploração agrícola ou florestal, e que satisfaçam finalmente as necessidades de um turismo exigente como é o turismo venatório».
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Em relação ao articulado da lei, há, porém, algumas considerações que desejo fazer e que enquadro especialmente no campo de educação de que falei atrás.
A lei terá de resolver com isenção e equilíbrio, olhar para a verdade dos problemas e afastar razões meramente particulares e secundárias, pois o problema que
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pretende resolver não permite considerações com interesses particulares, nem tibiezas que deturpem e alterem a sua finalidade essencial.
Não creio que possa ser considerada com fundamento válido a afirmação da Câmara corporativa a respeito da base XIV, de que entende ser possível abrir a caça antes do dia 1 de Outubro só porque isso iria ao encontro das legítimas aspirações de alguns milhares de caçadores, estudantes, professores, advogados, magistrados, etc, que terminam as suas férias em 30 de Setembro! Que se quer proteger?!
Não são aceitáveis, quanto a mim as considerações feitas pela Câmara Corporativa, referentes à base XIV, quanto a uma data geral - 15 de Setembro - para abertura da caça, pois que existem no nosso país acentuadas diferenças climáticas que condicionam o desenvolvimento das espécies indígenas que não é igual de norte a sul do País. Na área com centro em Troinal - cidade do distrito que tenho a honra de representar nesta Câmara -, pode a essa data - 15 de Setembro - observar-se muitos exemplares de perdizes com deficiência de desenvolvimento. Muitas delas não completaram ainda a "mudança da pena" e as remiges, comuns à criação nova. Estas espécies não dispõem ainda de meios suficientes de defesa.
Igualmente se chama a atenção para o crime biológico de se abrir actualmente a caça às codornizes e rolas - aves de arribação - com datas impróprias que terão de ser corrigidas no regulamento da nova lei. Em 15 de Agosto, por campos das lezírias do Ribatejo abundam os exemplares de codornizes do tamanho de pardais implumes e em meia criação, que são vítimas inocentes da avidez de caçadores menos esclarecidos e menos escrupulosos.
Antes de 1 a 15 de Setembro - algumas destas espécies já ficam entre nós todo o ano - é autêntica barbaridade fazer a sua caça.
Outro tanto acontece com as rolas, que na região do centro, a essa data, ainda se encontram em meia criação.
Na base XV faz-se a limitação do número de dias de caça, durante três anos certamente com uma bela intenção, mas cujos resultados serão verdadeiramente catastróficos se atendermos ao estado de indisciplina da actividade cinegética neste momento e a campeonite aguda existente.
Esta medida não terá qualquer valor de protecção do desenvolvimento das espécies, pois que a multidão de caçadores promoverá a chacina das espécies no fim-de-semana.
Ou se quer proteger a caça tendo em atenção a pobreza já existente ou não se quer. Se sim, há que cucinscrever os dias autorizados para a caça às espécies indígenas (perdizes, lebres, coelhos, abetardas) apenas a dois dias por semana - três dias seguidos a catar, pisar amassar, repisar é destruir.
Se se deseja salvar o que resta entendemos que as quintas-feiras, domingos e feriados nacionais - sem o jeitinho do fim-de-semana - chegam para o caçador desportista praticar o seu desporto favorito. Para quê os feriados municipais? Só para os caçadores munícipes? Ou veremos uma autêntica corrida em massa aos feriados municipais a praticar verdadeiros massacres de destruição total?
Não temos que nos preocupar com o fim-de-semana de A ou B. temos que nos preocupar com a extrema escassez de caça a que chegou o nosso país e obter as medidas capazes de evitar que seja reduzida a zero e de fazer subir o nível da densidade das espécies nos terrenos de caça.
Mas os dois dias por semana, mesmo assim, serão medidas insuficientes se não forem acompanhadas de outras medidas educativas e restritas.
Actualmente, passados 15 dias da abertura geral da caça, a maior parte dos terrenos de caça estão dizimados. Com 2 dias, apenas prolongaríamos o estado de coisas, por 60 dias - com o mesmo resultado de destruição até da semente necessária para a procriação -, ao estado actual há que imediatamente no período dos três anos previsto, efectivar outra medida - a limitação das espécies indígenas a abater (limite baixo) por caçador e por dia autorizado. Assim se acabaria com a campeonite, pois a grande maioria dos caçadores se não puder gabar-se das suas façanhas nas tertúlias e nos cafés, criará um espírito comedido com resultados práticos até antes.
Outra medida que se impõe é uma fiscalização efectiva, séria e (...) das actividades com penas rigorosas.
Eu creio que os Caçadores - com maiúscula - reclamam isto mesmo: medidas eficazes, fiscalização rigorosa e legislação corajosa.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Também em relação às considerações que antecedem a base XXIII me proponho fazer alguns comentários.
Por cultura biológica e em face de conhecimentos científicos - não do empirismo de caçadores - não há animais nocivos que não sejam também benéficos, pois mesmo os animais classificados de nocivos desempenham funções úteis.
Esta classificação de animais em duas classes - nocivos e benéficos - segundo os prejuízos que causam ao homem está hoje ultrapassada, pois tem de se chegar à conclusão de que tudo na natureza tem a sua razão de ser para conservação da harmonia existente.
A harmonia que Deus imprimiu à Natureza estabelece um equilíbrio que tem de se manter e respeitar. A destruição maciça de uma espécie pode destruir esse equilíbrio, com graves prejuízos.
Paul Gerourdet - no seu livro Les Rapoces - ao falar da águia, considerada nociva afirma:
A águia raramente ataca um animal doméstico e quando o faz toma os mais jovens doentes ou perdidos em lugares perigosos onde viriam igualmente a morrer breve. Apesar do que se possa pensar, a águia não importuna a caça, mas desempenha muitas vezes um papel de "polícia sanitária". E assim é que no departamento francês de Karpfstock, na Suíça, as marmotas eram tão numerosas que foi necessário destruir uma trintena.
O professor Galli-Valério, da Universidade de Lausana exprimia assim o seu parecer:
A terrível sarna que dizima desde há anos o cabrito montês na Áustria, na Baviera e no Tirol, é devida a um pequeno parasita, a traça chamada Sarcoptes communis.
Ali coma na Síria, em Corinto e no distrito de Salisburgo, onde a caça é admiravelmente regulamentada e guardas fazem uma perseguição encarniçada a todos os carnívoros, também a águia, uma das aves de rapina mais perigosa, foi completamente exterminada. Com o seu desaparecimento a doença
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(...) mencionada fez a sua aparição no cabrito montês e não desapareceria possivelmente nunca mais.
O Steminler em (...) der (...) afirma:
Na Suíça, onde temos águias temos cabritos de montanha de boa saúde. Logo que um deles adoece, é presa da águia. A águia pode naturalmente, conduzir melhor um cabrito que se separa do rebanho e não se pode defender do que um cabrito de boa saúde.
Onde a águia (...) destruída a caça grossa aumentou rapidamente em número, durante alguns anos, sem selecção. Depois surge uma epidemia que a destrói. Isto é uma lei natural, precisa, inexorável que não conhece nenhuma excepção, e desde que o homem se mete a fazer uma selecção entre os factores naturais, destinada a regulamentar o aumento da caça, a espécie de que se trata suporta as consequências funestas e não tarda a desaparecer quase completamente.
O mesmo afirma em relação ao açor e ao falcão, aves de rapina que capturam caça e aves de capoeira, mas não atacam (...) ou corvídeos de todas as espécies, que causam, pela destruição dos ninhos e dos jovens, devastações bem maiores que as próprias aves de rapina.
Ver o sapo e a osga espetados numa vara é espectáculo deprimente a revelar desumanidade e desconhecimento desses animais, mas a consagração deste princípio de destruição de animais nocivos na proposta de lei deve ser formulado com o máximo cuidado.
Nesta base XXIII a Câmara Corporativa faz ainda estas considerações:
Refere-se à regulamentação do uso dos meios adequados para defender as culturas da acção dos pássaros. Mas uma vez que estes ou são nocivos por natureza ou em razão da sua abundância, não haverá que contemplá-los automaticamente.
Na linha de pensamento atrás exposta, não poderia dar a minha concordância a estas considerações e penso que a lei, no seu regulamento, deve consignar uma protecção especial, eficiente e rigorosa à pequena fauna avícola.
A este respeito, cito um verdadeiro grito de alarme, feito num artigo da revista Diana n.º 210, de Dezembro de 1966, da autoria do Dr. Fernando Araújo Ferreira intitulado «Olhai as Aves do campo», que põe a nu todos os desmandos praticados por meninos, jovens, homens novos e velhos, que, numa cegueira total, matam todo o ser alado e com bico que passa ao alcance das suas fisgas, fundas, espingardas de pressão de ar, espingardas de 6 mm e 9 mm e - pasmar! - espingardas automáticas de oito chumbos com mira telescópica, e dos bebedouros, das redes, dos ramos com visco, lanternas eléctricas e outros meios usados pelos passarinheiros, que chegaram à perfeição do trigo envenenado e ultimamente siblimaram com um pesticida, o E-606, utilizado na agricultura, altamente tóxico para o género humano, com os mais sérios riscos para aqueles que comem pássaros apanhados por esses processo, vendidos sabe-se lá para onde.
São todos os seres alados que passam ao seu alcance sem distinção de cores, tamanhos ou fértios, desde que tenham bico - o rouxinol, a milheirinha, a felosa, o pisco, a toutinegra, tudo serve sem pensarem na maldade da sua acção, apenas para satisfação dos seus instintos e sem cuidarem dos prejuízos que advêm do desaparecimento dessa fauna que tantos serviços presta à agricultura.
Lá algures que, num país onde chacinaram todos os pardais com fundamento nos prejuízos que causavam à agricultura, tiveram necessidade de fazer importação dessas (...) aves, pois os prejuízos causados pelos insectos de que também se alimentavam foram muitas superiores.
Na França, na Suíça, na Alemanha, etc., (...) no Inverno, (...) ás pequenas aves. Nas colheitas ficam propositadamente alguns frutos para alimentação destes pequenos seres, fazem-se abrigos e caixinhas com comida nos quintais e nas árvores. Agradece-se assim o bem que fazem à agricultura e o encanto que emprestam aos campos. E em Portugal consigna-se na lei que podem ser exterminados à vontade?
Eu penso que há também um trabalho de educação a fazer-se nos jovens através dos livros escolares, por (...) de (...) relativos aos pássaros e ás actividades nos adultos, por outros meios de modo a provocar neles o respeito por esses seres que não só completam a Natureza, enfeitando-a com as cores variadas das suas penas como também com as cantigas das suas vozes e gorjeios que despertam musas e inspiram poetas e constituem (...) riqueza nacional, económica e turística que importa aproveitar, proteger e valorizar.
Há, quanto a mim que fazer um regulamento rigoroso que:
1) Não autorize espingardas de chumbo e (...) que tantos desastres tem causado a crianças e adultos, como armas de caça e se determine que só possam ser usadas em carreiras de tiro para podermos estar nos jardins e parques públicos e particulares sem o risco de ficarmos com um ou mais chumbos no nossos corpo.
1) Proíba o fabrico, venda e uso desse trigo e outros alimentos envenenados.
1) Interdite a venda de exemplares, vivos ou mortos, da fauna avícola continental, muito em especial dos pássaros abrangidos na convenção internacional de que Portugal faz parte.
Em resumo, que se proíba clara e terminantemente a morte ou apanha das pequenas aves.
Sr. Presidente: Já me alonguei demasiado nas considerações que me propus fazer e vou terminar, mas antes desejava manifestar a minha concordância com as afirmações do Sr. Deputado Águedo de Oliveira, que não terá a eficiência desejada - e isso mais se acentuou no meu espírito quando, ao examinar uma licença de cerca de 1967 (antes de aprovada a lei), verifiquei que do seu custo 86,3 por cento da receita é destinada à Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquicolas, 66 por cento para as câmaras municipais, 47 por cento para as comissões venatórias regionais, 24 por cento para as comissões venatórias concelhias.
E se como previsto se impõe uma fiscalização rigorosa e essa, para ser eficiente tem de ser feita pelas comissões venatórias concelhias, não creio que estas o possam fazer com tão magros recursos.
Assim quero deixar expressa a esperança de que este assunto será revisto ou que o Fundo nacional da caça e pesca não seja tão fundo que não possam lá chegar as comissões venatórias concelhias, para defesa e protecção.
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eficaz da espécie cinegética e de num desporto que interessa tantos praticantes.
Ao dar a minha aprovação na generalidade a esta proposta de lei, faço-o convencido de que não está tudo perdido e de que a caça será no nosso país, se a regulamentação da lei o quiser, uma riqueza de que todos aproveitaremos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a cessão.
O debate continuará amanhã à hora regimental, sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando José Perdigão.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Fernando Alberto de Oliveira.
Francisco José Roseta Fino.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Hirondino da Paixão Fernandes.
José Alberto de Carvalho.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Manuel da Costa.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel Nunes Fernandes.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Srs Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André da Silva Campos Neves.
Antão Santos da Cunha.
António Magro Borges de Araújo.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando de Matos.
Jaime Guerreiro Rua.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Henriques Mouta.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Marques Teixeira.
Mário Bento Martins Soares.
O REDACTOR - António Manuel Pereira.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA