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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 84
ANO DE 1967 18 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 84, EM 17 DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid de Oliveira Proença
Mário Bento Martins Soares
SUMARIO: - O Sr. Deu-se conta do expediente.
Foram recebidos na Mesa e serão entregues aos requerentes os elementos solicitados pelos Srs. Deputados Nunes Barata e Sousa Magalhães nas sessões de 8 e [...] de Março corrente, respectivamente.
Foi lida na Mesa a nota de perguntas apresentada em [...]deste mês pelo Sr. Deputado Borges de Araújo.
O Sr. Deputado Filomeno Caetano requereu vários elementos a fornecer pelo Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo.
O Sr. Deputado Agostinho Cardoso anunciou as bases de um aviso prévio sobre problemas da população idosa no nosso país, do fenómeno moderno do envelhecimento da população e da política da velhice
O Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu fez considerações sobre problemas de turismo relativos ao Centro do País e aplaudiu a intervenção do Sr. Deputado Elísio Pimenta sobre turismo na zona norte.
O Sr Tito [...] [...]pediu a adopção de medidas tendentes a estimular a indústria de citracção das pozolanas em em Cabo Verde.
O Sr. Deputado Braomcamp Sobral falou da necessidade de se actualizar a legislação sobre afilamento de pesos e medidas.
O Sr. Deputado Sousa Rosal apelou para o Sr. Ministro das Comunicações no sentido de [...] passadas cartas de condução a favor de surdos e surdos-mudos.
Ordem do dia.- Prosseguiu a descrição das Contas Gerais do Estado (metropole e ultramar) e da Junta de Crédito Publico relativas a 1965.
Usam-se da palavra os Srs. Deputados Alberto de Araújo e Mário Galo.
Durante a sessão foi recebido na Mesa um requerimento em que o Sr. Deputado Borges de Araújo solicita alguns elementos a fornecer pelo Ministro do Ultramar.
O Sr. Presidente encerrou a sessão as 19 horas.
O Sr. Presidente:- Vai fazer-se a chamada
Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso
Alberto Henriques de Araújo
Alberto Pacheco Jorge
André Francisco Navarro
André da Silva Campos Neves
Antão Santos da Cunha
António Calapez Gomes Garcia
António Dias Ferrão Castelo Branco
António Furtado dos Santos
António Magro Borges de Araújo
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo
António dos Santos Martins Lima
Armando José Perdigão
Artur Águedo de Oliveira
Artur Alves Moreira
Artur Proença Duarte
Augusto Salazar Leite
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Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amai ai Neto
Deodato Chaves de Magalhães Sousa
Elísio de Oliveira Alves Pimenta
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa
Fernando Afonso de Melo Giraldes
Fernando Cid de Oliveira Proença
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro)
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves
Francisco José Cortes Simões
Francisco José Roseta Fino
Gabriel Maurício Teixeira
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela
Gustavo Neto de Miranda
Hirondino da Paixão Fernandes
Horácio Brás da Silva
Jerónimo Henriques Jorge
João Mendes da Costa Amaral
Joaquim José Nunes de Oliveira
Jorge Banos Duarte
José Alberto de Carvalho
José Janeiro Neves
José Manuel da Costa
José Pais Ribeiro
José Pinheiro da Silva
José Soares da Fonseca
José Vicente de Abreu
Júlio Dias das Neves
Leonardo Augusto Coimbra
Luciano Machado Soares
Luís Arriaga de Sá Linhares
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira
Manuel Colares Pereira
Manuel João Cutileiro Ferreira
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral
Manuel Marques Teixeira
Manuel de Sousa Rosal Júnior
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo
Mário Bento Martins Soares
Mário de Figueiredo Martinho Cândido Vaz Pires
Miguel Augusto Pinto de Meneses
Paulo Cancella de Abreu
Raul da Silva e Cunha Araújo
Rui Manuel da Silva Vieira
Sebastião Garcia Ramirez
Tito Lívio Marra Feijòo
Virgílio David Pereira e Cruz
O Sr Presidente: - Estão presentes 68 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Vários telegramas de aplauso ao discurso do Sr Deputado Elmano Alves em que preconizava a abolição da taxa de portagem na ponte de Vila Franca de Xira.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos pedidos polo Sr. Deputado Nunes, Barata na sessão de 8 de Março de 1966. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado
Estão ainda na Mesa os elementos pedidos pelo Sr. Deputado Sousa Magalhães na sessão de 23 de Março de 1966. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Vai ser lida a nota de perguntas apresentada em 2 de Março de 1967 pelo Sr. Deputado Borges de Araújo.
Foi lida. È a seguinte.
Nota de perguntas
Considerando que a Lei n.º 2129 de 21 de Setembro de 1966 ( preferencia dos cônjuges no provimento de lugares do ensino primário), que entrou em vigor no dia 1 de Outubro seguinte foi largamente debatida e cuidadosamente estudada na Assembleia Nacional com vista á concessão de justas regalias aos professores primários.
Tendo em atenção que a falta de excussão integral dessa lei suspende praticamente as regalias concedidas podendo criar ambiente favorável a falsa ideia de que a lei votada nesta Câmara só veio trazer prejuízo aos professores.
Pergunto com urgência ao Governo pelo Ministro da Faculdade Nacional no uso da faculdade que me confere o Regimento.
1.º qual a razão por que aguarda provimento mais de um milhar de requerentes desde o mês de Outubro do ano findo?
2.º Existe qualquer fundamento para não se dar integral execução á Lei n.º 2129?
3.º Não existindo quais as providencias tomadas e as que o Ministério da Educação Nacional pensa tomar para que a lei seja cumprida?
Sala das Sessões 2 de Março de 1967 - O Deputado, António Magro de Araújo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Filomeno Cartaxo.
O Sr. Filomeno Cartaxo: - Sr. Presidente. Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte.
Requerimento
Nós termos regulamentares e com vista á possível elaboração de um estudo pretendia que com a urgência possível pela Presidência do Conselho através dos competentes serviços do Secretariado Nacional da Informação no fossem fornecidos os seguintes elementos.
1) Número e montante dos subsídios e empréstimos concedidos pelo Fundo do Cinema Nacional
a) Para a fortuna de filmes de longa e curta metragem com indicação dos títulos e nomes dos produtos e realizadores,
b) Para bolsas de estudo, com indicação do nome dos bolseiros e escolas e especialidades frequentadas,
c) Para outros fins.
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2) Os dados consignados, no número anterior, mas, mutatis mutandis referentes, ao Fundo de Teatro Nacional fornecendo-se-me, se possível os títulos e os nomes dos autores das peças levadas à cena pelas empresas beneficiadas.
3) Dados estatísticos referentes, no movimento da Biblioteca e Cinemateca Nacionais.
Os elementos requeridos devem abranger o período de 1960 a 1966, inclusive.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para anunciar um aviso prévio, o Sr. Deputado Agostinho Cardoso.
O Sr. Agostinho Cardoso: - Sr. Presidente: Ao abrigo do artigo 50.º do Regimento, pretendo tratar no aviso prévio dos problemas da população idosa do nosso país, do fenómeno moderno do envelhecimento da população e da política da velhice.
Ao progresso da medicina e da higiene e à subida do nível de vida nos países civilizados vem correspondendo o aumento crescente da população idosa.
Este aumento da percentagem de gente idosa na demografia do nosso século representou um fenómeno relativamente recente que tem constituído preocupação dos responsáveis noutros países e cujas incidências no nosso interessa estudar. Tal fenómeno que engloba aspectos políticos morais, económicos e psicossociais necessita que acerca dele se tome consciência e se equacione, programa e preveja a problemática que vem criar.
O envelhecimento da população, que se acentua nesta segunda metade do século XX, provém menos da longevidade de muitos do que da subida da média de vida que cada homem hoje pode esperar.
A previsão do seu evoluir, as dificuldades do urbanismo com a insuficiente superfície habitacional, a crise moral da família com o enfraquecimento dos laços, familiares o síndroma da desadaptação social, a ocupação e rendimento da gente idosa para que pese economicamente menos sobre os outros grupos etários que trabalham, o clima psicossocial que é necessário criar-lhes - constituem os principais, condicionalismos de um problema que ganhará cada vez maior amplitude nos próximos decénios até que se estabilize.
Paralelamente aos problemas da educação da juventude e da assistência materno-infantil que foram ou vão ser objecto de avisos prévios nesta Assembleia a problemática da população idosa de Portugal, os seus direitos, a sua situação social, o aumento da percentagem que é de prever em relação à população total do País - justificam o aviso prévio que estou anunciando.
Pretende-se com ele contribuir para consciencializar a Nação e os Poderes Públicos acerca deste problema, historiá-lo resumidamente, estudar as suas incidências actuais, tentar avaliar e valorizar devidamente o que se fez, o que se está fazendo e o que se projecta fazer no nosso país e defender uma «política de velhice», que não pode ser senão fomentar o enquadramento da ancião na família a que pertence em condições de dignidade da sua pessoa, de suficiência económica e de conveniente adaptação psicossocial. Uma tal «política de velhice» combaterá a tendência para, a «segregação» da gente idosa, mas exige simultaneamente uma orgânica de cobertura dos numerosos casos, a considerar de excepção em que o ancião isolado da família, porque a não tenha ou esta não o comporte veja atenuadas as suas condições de isolamento ou abandono, antes as veja substituir por outras de sociabilidade e protecção material e afectiva.
Procurar-se-á resumir a posição actual do problema noutros países e no nosso e as perspectivas que neste são do prever.
Procurar-se-á, também analisar o equipamento e a orgânica existentes, o que há a programar neste sector tão vasto, transformações que devem sugerir-se e relações com os sectores afins.
Finalmente não se deixará de salientar a valorização pelo trabalho da gente idosa do País, as razões dos seus direitos e o respeito que a todos deve merecer.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: Breves palavras que valem pouco por quem as profere muito pelo que contêm.
Numa das recentes sessões, o ilustre Deputado Sr. Doutor Elísio Pimenta fez, com verdade e com razão, uma brilhante apologia das belezas do Norte do País e das suas incontestáveis condições turísticas, bem dignas de maior atenção dos Poderes Públicos sem prejuízo do muito que já se fez e faça em favor do Algarve e das outras regiões.
Também eu procedi do mesmo modo numa das sessões da anterior legislatura mas fi-lo em referência à parte do Centro do País, a propósito das comemorações do chamado «Abril em Portugal», que se anunciavam, e, depois de enaltecer as suas grandes belezas naturais, também bem dignas de serem conhecidas e divulgadas, advoguei a vantagem de tornar extensíveis a essas regiões, comemorações apropriadas aos fins de propaganda semelhantes às que estavam a ser ou iam ser levadas a efeito mais para o Sul do País.
Agora que Abril se aproxima tiveram flagrante oportunidade as considerações do nosso distinto colega e não deixam de ser apropriadas as que eu faça dentro da mesma ordem de ideias e das mesmas razões o para o mesmo fim.
Aproxima-se Abril que foi adoptado para arriscado cartaz da nossa propaganda turística. Bem escolhido? Mal escolhido? É claro que sim e não conforme as circunstâncias. Sim quando o Abril brilha com todo o esplendor, floresce, é ameno e temperado como, em geral nenhum outro mês do ano. Mas não, quando encharcar até aos ossos com as suas «águas mil» ou venta desabridamente com as nortadas rijas. E frequentemente agreste o mês de Abril.
Independentemente disto, tem-se dito, e é verdade que o mês do Abril não é recomendável para realizações turísticas nas regiões do Centro e do Norte, pois sucede apresentar-se frequentemente de mau cariz e também agreste e frio.
Maio ou Setembro, antes do equinócio seriam, certamente, preferíveis para as realizações em vista.
Não vou descrever as belezas paisagísticas e panorâmicas do Centro do País, especialmente na parte constituída pelos distritos do Aveiro, Coimbra e Viseu. Já repetidamente o tenho feito.
Não quero porém deixar de pôr em destaque as que culminam na formosura e na originalidade, ali e em toda a terra portuguesa, e que são o Buçaco «majestosa» catedral de verdura, afamada no Mundo mas que a maioria dos portugueses conhece de passagem, e a na de Aveiro onde até perder de vista se espelham as alvas pirâmides de sal.
Acresce que todos aqueles distritos estão largamente preparados e apetrechados para o maior desenvolvimento do turismo.
Hotéis há-os dos melhores do País, em número de cerca de 10 ou sejam um em Aveiro, dois em Coimbra, um ou dois na Figueira da Foz, dois na Cúria, um
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no Buçaco, um no Luso e um em Viseu Acrescem muitos hotéis também de boa categoria por toda a parte, pousadas, estalagens, pensões, numerosos centros de campismo, etc. E tudo ligado por uma vasta rede de estradas.
Todavia, depara-se um sério problema em relação à maioria dos hotéis, problema que em muito deriva do abandono a que está votado ali o turismo, especialmente fora dos três meses de Verão.
Refiro-me a ausência total de hóspedes no resto do ano, com a agravante de os hoteleiros terem de suportar todos os encargos anuais, e especialmente o da conservação do pessoal durante todo o resto do ano, sob pena de não o terem nos meses de maior afluência, visto que vai servir noutros hotéis e restaurantes, cafés, etc. que o ocupe com garantia de permanência.
Estou esperançado em que o nosso colega e Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho e o Sr. Comissário do Turismo, que tão dedicada e proficientemente se têm consagrado a este importante problema e contribuído para o seu notável desenvolvimento nos últimos anos, não deixem de tomar na merecida consideração as pertinentes palavras do Sr. Dr. Elísio Pimenta e as que acabo do proferir em relação ao turismo do Noite e do Centro do País, respectivamente certo como estou de que todos conhecem bem a justiça desta causa, cuja solução em nada afecta, antes, pelo contrario, beneficiará também, pela frequência as restantes regiões, a partir do Algarve à qual não regateio grande beleza a valor turístico, especialmente como estação de Inverno.
Há lugar para todos.
O Sr Elísio Pimenta: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz favor
O Sr. Elísio Pimenta: - Antes de V. Exa. terminar as suas brilhantes considerações, eu desejava cumprir um dever que certamente calará fundo no coração de todos os nossos colegas prestar a minha homenagem ao parlamentar ilustre que é o Dr. Paulo Cancella de Abreu.
Vozes: - Muito bem!
O Sr Elísio Pimenta: - mestre de parlamentares, dos humildes, parlamentares como eu, e que nesta Câmara tem dado lições de oportunidade na maneira como trata os problemas nacionais e, mais ainda, pela maneira como consegue enquadrar os problemas da região que o elegeu com os problemas gerais do País.
Vozes: - Muito bem!
O Si Elísio Pimenta: - Agradeço a V. Exa. as referências que me fez à minha modestíssima intervenção. E com esta minha homenagem queria acentuar esta pequena circunstância, que aliás é grande circunstância para V Exa. e para todos nós, que temos o gosto de o ouvir é que em problemas de turismo, como em muitos outros, V. Exa. nunca deixa de ter uma palavra em todas as legislaturas, dando uma lição de nacionalismo autêntico, pondo em relevo não só o desejo de valorização da sua região, mas de todo o País.
Vozes: - Muito bem!
O Sr Agostinho Cardoso: - Glosando as palavras do Sr Deputado Elísio Pimenta, queria lembrar o aviso prévio que o Sr Deputado Paulo Cancella de Abreu aqui efectivou há muitos anos e que foi fundamental para o estudo das condições do turismo em Portugal.
O Orador: - Sr. Presidente: Deveras confundido e consciente de que apenas a benevolência e generosidade dos meus colegas podem levá-los a referir-se deste modo no merecimento de um octogenário pela sua actuação nesta Assembleia, sinto-me amarrado ainda mais às minhas responsabilidades. Muito e muito obrigado a VV. Exas.
Compete ao Comissariado do Turismo a escolha das épocas mais apropriadas para o fim em vista em cada zona do País, mas prevendo as surpresas e incertezas de um clima com que é difícil acertarem os rumos dos anticiclones, a ciência da meteorologia e as próprias «certezas» do «[...]-d agua». A tal ponto que por justificado este comentário de um categorizado estrangeiro, em conversa com um nosso colega «Vocês têm a particularidade de concentrar num só dia as quatro estações do ano»!
Tenho dito
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Tito Lívio Feijóo: - Sr Presidente. Desde 1932 que vêm sendo feitos sucessivos apelos nesta Assembleia pelos, pelos ilustres Deputados que nos antecederam, no sentido de serem tomadas medidas que possam estimular a indústria de extracção das pozolanas que existem abundantemente em Cabo Verde na ilha de Santo Antão, especialmente nos lugares de Gamboesas, Ribeira Fria, Fundão e brejo.
Não venho repetir todas as considerações aliás muito pertinentes, que aqui têm sido feitas acerca das qualidades tecnológicas das pozolanas naturais, e em especial das de Cabo Verde. No entanto, não posso deixar de esclarecer que as vantagens técnicas da utilização das pozolanas de Santo Antão estão hoje suficientemente comprovadas como atestam inúmeros trabalhos do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, alguns dos quais tive a oportunidade de consultar, nomeadamente os seguintes: Estudo das Pozolanas de Cabo Verde, Estudo das Pozolanas de Cabo Verde como Elemento de Adição ao Cimento para Barragens, Relatório da Reunião sobre as Vantagens da Utilização de Pozolanas em Portugal Memória n.º 136 do Laboratório de Engenharia Civil e a Nota sobre as Vantagens da Utilização, da autoria do Sr. Eng.º A de Sousa Coutinho, apresentada, como comunicação, ao 11 Congresso da Indústria Portuguesa.
Apenas para vincar certas características francamente favoráveis das pozolanas de Cabo Verde, direi que, segundo análises e ensaios feitos no referido Laboratório se verificou que embora a conveniência da aplicação de pozolanas no betão em grandes massas dependa dos tipos de pozolana e de cimento aplicados a pozolana de Santo Antão mostrou sempre um comportamento excelente em todos os cimentos com os quais foi ensaiada. Além disso, também se coclui que ela é, de todas as nacionais, a que reúne melhores condições para ser utilizada com o cimento portland.
Para finalizar as minhas considerações sobre as qualidades das pozolanas naturais existentes em Cabo Verde, esclareço VV. Exas. De que o Laboratório Nacional de En-
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genharia Civil deu a seu respeito, em 1962, o seguinte parecer:
À fabricação de cimento pozolânico, feita numa fábrica de cimento, com base na pozolana natural de Cabo Verde conduziu à obtenção de um cimento pozolânico com resistências (mesmo aos sete dias) superiores às do cimento portiland normal e um calor de hidratação cerca de 15 por cento inferior ao do cimento portland. Todas estas razões levam a encarar com optimismo a utilização da pozolana de Cabo Verde na fabricação de cimentos pozolânicos de alto valor, provavelmente com características de resistências mecânicas superiores às do cimento portland, e certamente com uma resistência química muito melhorada.
Sob o ponto de vista da economia da utilização da pozolana, pode-se dizer que, em regra, o seu emprego dá uma importante redução no custo do betão, dado que, na maior parte das vezes, o seu preço é inferior ao do cimento.
As possibilidades das jazidas pozolânicas de Santo Antão são bastante grandes e avaliam-se em 10 milhões de toneladas exploráveis a céu aberto, sendo de admitir, em face dos trabalhos de L. Derthois e de Bacelar Bebiano, que existem grandes reservas em todo o arquipélago.
Tanto o Governo Central como o de Cabo Verde têm procurado, através de despachos, ou mesmo de medidas legislativas, fomentar, à escala de que a província bem necessita para o seu desenvolvimento económico, a indústria de extracção de pozolanas.
Já em 1954, o Ministro do Ultramar mandou incluir no contrato de adjudicação das obras do porto do Lobito uma cláusula determinando o emprego da pozolana de Santo Antão. No entanto, não foi aplicado nelas um só grama. No mesmo ano, o Ministério das Obras Públicas recomendou o emprego do referido material nas obras hidráulicas da metrópole, sem que também tal recomendação tivesse dado lugar ao emprego de qualquer quantidade. Em 1957, os Ministérios referidos fizeram novas recomendações no mesmo sentido, sem qualquer efeito positivo. Em 15 de Fevereiro de 1959, o Conselho do Governo da província, em sessão plenária, resolveu solicitar do Governo Central que fosse tornado obrigatório nas obras públicas de todo o País o uso da pozolana de Cabo Verde e que fosse considerado o enquadramento da exploração de pozolanas por meio de reforço do Plano de Fomento então em vigor, e de forma a não ser diminuída a verba atribuída à província. No mesmo ano, foi publicada em Cabo Verde a Portaria n.º 5741, que tornou obrigatória a utilização da pozolana da ilha de Santo Antão em todas as obras do Estado, dos municípios, da Provedoria de Assistência Pública, dos organismos de coordenação económica e de outros orientados e fiscalizados pelo Estado em que fosse utilizado o cimento portland. A mesma portaria consigna que, havendo falta de cimento pozolânico nos mercados, ou quando disso resultar vantagem, a adição da pozolana ao cimento será feita no estaleiro das obras, na proporção de 70 por cento de cimento para 30 por cento de pozolana, em peso. Em 1961, os Ministérios das Obras Públicas e do Ultramar determinaram a obrigatoriedade do emprego da pozolana em todas as obras hidráulicas do Estado ou sujeitas à sua fiscalização.
Não tem faltado, pois, o necessário apoio das entidades oficiais, não só através de medidas de natureza legislativa tendentes a garantirem a estabilidade económica do empreendimento, como até .mesmo solucionando, ou contribuindo para solucionar, certos problemas que, por quaisquer circunstâncias, impossibilitem, técnica e economicamente, a viabilidade da indústria. Dentro desta linha de orientação se construíram as obras portuárias do Porto Novo, na ilha de Santo Antão, que custaram 20 000 contos e que foram inauguradas em 1962, cujo cais acostável gradualmente vai sendo apetrechado de forma a bem desempenhar a sua missão. Em Novembro desse ano passou o Estado a dispor de 500 acções da companhia concessionária da exploração das pozolanas e a ter um vogal no respectivo conselho de administração.
O falecido Deputado Dr. Adriano Duarte Silva, ao referir-se, nesta Câmara, em 1959, ao apoio que já então o Governo vinha concedendo ao desenvolvimento da exploração da pozolana, dizia:
Por despachos de 26 de Abril de 1957 e de 24 de Setembro do mesmo ano, respectivamente dos Ministérios do Ultramar e das Obras Públicas, foi recomendado o emprego da pozolana natural de Cabo Verde, e desde então em todos os cadernos de encarcargos se tem, geralmente, incluído a obrigatoriedade da sua utilização. Mostraram assim os referidos Ministérios o louvável propósito de obter um melhor resultado nas obras a seu cargo e, ao mesmo tempo, favorecer a economia de Cabo Verde.
Infelizmente, porém, o mesmo espírito não anima todos quantos intervêm no assunto, e assim é que os adjudicatários das obras não tem, em regra, mostrado interesse no emprego dessa pozolana, que lhes permitiria até uma certa economia. Ao contrário, movidos por uma estranha influência, parece que lançam mão de todos os pretextos para iludir tal obrigatoriedade, e, segundo consta, em várias obras realizadas ou em curso, a pozolana de Cabo Verde tem sido substituída por pozolana artificial. Se esta não apresenta as mesmas qualidades, se não há os mesmos resultados, fazer tal substituição é, não só comprometer, a perfeição da obra, como prejudicar a economia de Cabo Verde. E esta não pode estar à mercê do capricho de qualquer empresa, grande que seja e que, não satisfeita com os benefícios que já usufruiu, pretende arruinar as indústrias menos poderosas, para mais livremente dar largas ao seu insaciável apetite.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Volvidos que são oito anos, infelizmente o panorama não se alterou, a despeito de todo o interesse que o Governo e a concessionária têm posto no prosseguimento da indústria.
Dificuldades de vária ordem tem obstado à utilização da pozolana de Cabo Verde, dentro dos níveis que tudo fazia indicar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em 1961 existiam na metrópole, ao que parece, 103 obras hidráulicas do Estado abrangidas pela obrigatoriedade do emprego da pozolana, nos termos do que foi estabelecido pelo Ministério das Obras Públicas, como há pouco referi. Só nas barragens do Caia, Mira e Roxo, poderiam ser gastas 80 000 t de pozolana, o que corresponderia para a economia de Cabo Verde a cerca de 12 000 contos! Pelo incremento que vem sendo dado nos aproveitamentos hidráulicos, tanto na metrópole como no ultramar, tudo fazia prever uma fase de notável produção e exportação do produto, o que, infelizmente, não sucedeu, por dificuldades surgidas, e fundamentalmente
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pela falta de ligação das duas indústrias - a das pozolanas e a dos cimentos. O facto de os empreiteiros não estarem habituados a utilizar o material de que me venho ocupando terá sido também uma circunstancial negativa e sem duvida bastante relevante. A acrescer a tudo isto outras dificuldades surgiram resultantes da falta de transporte e em relação ao custo dos fretes que no entanto, honra lhe seja feita foram resolvidas com a oportuna e inteligente intervenção da Junta Nacional da Marinha Mercante.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A medida que os empreiteiros embora lentamente se familiarizavam com a utilização das pozolanas, ia-se esboçando também uma certa cooperação entre as empresas cimentadas e a concessionária da exploração das pozolanas de Cabo Verde.
Em fins de 1963 chegou-se a anunciar que algumas daquelas iriam iniciar no principio de 1964 a utilização mensal de 1000 a 1200 t de pozolana de santo Antão e mais tarde já em 1964 até se falou que nesse ano seriam utilizadas 40 000 t. De facto pouco tempo depois foi assinado pela Empresa dos Cimentos de Leiria e pela Companha da Pozolana de Cabo Verde um contrato de fornecimento do produto em bruto e a granel. Segundo então ficou estabelecido a empresa cimentaria comprometia-se a fabricar cimento pozolânico nas suas próprias fabricas ou na da Companhia de Cimento Tejo e por outro lado a Companhia de pozolana comprometia-se a vender a referida empresa em regime de exclusivo, a
Pozolana de Cabo Verde ficando a primeira com a obrigação de assegurar o abastecimento de pozolana ás obras hidráulicas do Estado ou por ele fiscalizados sempre que necessário e a preço não superior ao do cimento portland. Em face do contrato que em linhas gerais acabei de indicar uma nova esperança surgiu para todos os que directamente estão ligados ao desenvolvimento económico de Cabo Verde pois admitiu-se e com certa lógica que a curva de produção de pozolanas iria finalmente tomar o caminho ascensional à escala de há muito sonhada.
Infelizmente Sr. Presidente e Srs. Deputados contra todas as expectativas em 1965 a produção que no ano anterior tinha sido de 11 093 t, passou para 7036t. Até agora a pozolana utilizada entre nós representa apenas 0,5 por cento da produção total de cimento que em 1963 atingiu 1 779 447 t, das quais 346 639 t foram produzidas pelas fabricas instaladas nas nossas províncias de Angola e Moçambique. Em Itália produziram-se em 1959, por exemplo metade era pozolânico e continha 2 milhões de toneladas de pozolana. Quer dizer a pozolana utilizada representou nesse ano 17 por cento do volume total do cimento produzido naquele país.
A despeito de todas as medidas legislativas tomadas não se tem conseguido estimular o desenvolvimento de extracção de pozolanas da qual poderiam advir substancias rendimentos para a província além de trabalho para centenas ou mesmo milhares de pessoas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na minha modesta opinião a situação a que chegamos em relação ao emprego obrigatório das pozolanas em igualdade de preço continuará a seguir o mesmo calamitoso caminho até a cessação completa da exploração por antieconómica dados os baixos índices de venda desde que não se adoptem urgentemente medidas eficazes que permitam uma fiscalização rigorosa quanto ao cumprimento das normas legalmente estabelecidas sobre a obrigatoriedade da aplicação do produto nas obras hidráulicas do Estado ou por ele fiscalizadas.
Com o emprego das pozolanas de Cabo verde cujas jazidas são de um extraordinário volume poderíamos aumentar substancialmente a nossa produção de cimento, sem necessidade de vultosos investimentos na construção de novas fabricas e com manifesta economia quanto ao consumo de combustíveis. Se adoptássemos medidas que nos garantissem um grande aumento de consumo da pozolana melhoraríamos á face dos pareceres técnicos que já hoje tive ocasião de aqui referir consideravelmente, a qualidade dos latões aplicados pelo menos nas obras do Estado ou por ele fiscalizadas, e, por outro lado, dar-se-ia um valioso impulso no desenvolvimento económico, para já, de uma das maiores ilhas do arquipélago.
Cabo Verde, cuja situação económica é de há muitos anos, motivo de constante preocupação do Governo da Nação no ano de 1965 exportou 120 519 t de mercadorias, no valor de 22 361 contos, sendo de esclarecer que nessa exportação estão incluídas 77 118 t de água, fornecida à navegação no Porto Grande de S. Vicente.
Se a indústria da extracção de pozolanas fosse elevada, como ansiosamente todos esperam, aos índices de produção que resultariam do integral cumprimento das determinações legais sobre a aplicação do produto, teríamos produzido e exportado no ano de 1963, não 12 646 t como ai aconteceu mas sim acerca de 170 000 t, no valor de 23 000 contos.
O contributo que as pozolanas poderiam dar à economia da província seria, sem dúvida, relevante à face dos números que acabei de apresentar e que nos dizem que, se a produção de pozolanas tivesse correspondido a 10 por cento da produção cimento nacional- na Itália, como disse, representa 17 por cento -, em 1963 teríamos tido, só com a pozolana um volume de exportação ligeiramente superior à exportação total que se verificou em 1963. Por outro lado, os rendimentos próprios do Estado teriam sido aumentados de mais de um milhar de contos, o que seria muito importante, sobretudo para uma província, como a de Cabo Verde, onde as receitas ordinárias previstas para o correntes ano se cifram em 96 460 contos.
Além das vantagens que já indiquei, há a acrescentar o favorável reflexo que a exportação maciça de pozolanas da nossa ilha de Santo Antão viria a ter na exploração das carreiras marítimas que a Sociedade Geral mantém para a Guiné e cabo Verde e que, ao que parece, têm dado muitas vezes prejuízo.
Recuso-me a acreditar que se pense fabricar pozolanas artificiais em Portugal, dispondo nós de fontes pràticamente inesgotáveis de pozolana natural e que se situam precisamente no território económicamente mais débil de todo o espaço português! Segundo a opinião dos técnicos, tais pozolanas além de jamais poderem atingir as qualidades da pozolana natural de Cabo Verde- que para ser utilizada bastaria sofrer uma simples operação de moenda -, teriam de ser fabricadas à custa de combustíveis importados, com manifesto prejuízo para a economia nacional.
O Sr. Salazar Leite:- V. Exa. dá-me licença?
O Orador:- Faça favor.
O Sr. Salazar Leite:- As considerações que V. Exa. vem produzindo não podem deixar de forçar, de alguma
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maneira, aqueles que se interessam pelos problemas de Cabo Verde a fazer alguns considerandos sobre o assunto que V. Ex.ª está focando. Assim, quando há poucos dias me referi, nesta sala, às Contas Gerais do Estado, toquei ao de leve no problema da pozolana, porque não tinha os elementos necessários para sobre ele ter opinião mais segura. Porém, agora verifico, pela intervenção do Sr. Deputado Tito Lívio Feijóo, que o problema das pozolanas, uma vez resolvido, pode constituir uma das mais importantes fontes de receita de Cabo Verde e que, além disso, incidirá favoravelmente sobre a balança de comércio, a que fiz referência nas minhas considerações sobre as Contas Gerais do Estado. E um pouco triste sermos obrigados a verificar que, tendo sido Cabo Verde tantas vezes citado por vários Srs. Deputados como sendo uma parte do nosso Portugal com potencialidades ricas em diversos aspectos da economia nacional, as possibilidades a que se referiam ainda não tenham sido convenientemente aproveitadas para fazer com que Cabo Verde se baste á si próprio, como parece fácil que venha a acontecer.
Além de na minha aludida intervenção me ter referido, além do turismo, aos problemas do peixe, do sal e do café, verifico agora que o Sr. Deputado Tito Lívio Feijóo acaba de referir-se também ao da pozolana. Se juntarmos estes problemas àquele que incide sobre a agricultura e citado aqui pelo Sr. Deputado André Navarro, creio bem que as potencialidades de Cabo Verde são um facto, sendo pena que o País se não debruce mais atentamente sobre essa pequeníssima parte do nosso território, que bem merece todo o nosso carinho, porque em Cabo Verde encontramos a próxima continuidade do nosso Portugal europeu.
O Orador: - Agradeço as palavras de V. Ex.ª, até porque as minhas, no fundo, mais não representam do que uma continuidade das considerações feitas muito judiciosamente por V. Ex.ª na intervenção na discussão das Contas Gerais do Estado.
Por todas as considerações feitas, chamo a esclarecida atenção do Governo no sentido de serem urgentemente tomadas as medidas que se reputem necessárias ao real cumprimento das determinações dos Ministérios do Ultramar e das Obras Públicas quanto à obrigatoriedade do emprego da pozolana, e não só isso, como também apelo para o Sr. Ministro das Comunicações no sentido de o seu Ministério adoptar em relação às pozolanas de Cabo Verde a mesma orientação dos outros dois Ministérios já referidos, de forma que em todas as obras hidráulicas a seu cargo ou sujeitas à sua fiscalização se empregue a pozolana de Cabo Verde, nomeadamente nas dos portos de Lisboa e Leixões.
Torna-se absolutamente necessária para que se concretize na prática a protecção que o Governo vem dando por via legislativa, uma rigorosa fiscalização, e de tal forma que as disposições legais existentes deixem de ser puramente platónicas, como infelizmente até agora tem acontecido, para passarem a suficientemente eficientes.
Antes de mais, há que determinar por diploma legal as percentagens de pozolana que as empresas cimenteiras ficarão obrigadas a utilizar no cimento portland, de harmonia com o parecer técnico do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, e há também que fixar o preço de venda da pozolana, tendo em linha de conta os legítimos interesses das empresas produtoras de cimento e da companhia concessionária da exploração das pozolanas de Cabo Verde e, acima de tudo, o interesse nacional.
Já mostrei a repercussão relevantemente favorável que a produção de pozolanas, à dimensão que é possível atingir por medidas tempestiva e equilibradamente tomadas, poderá ter na economia de Cabo Verde. Assim, mais uma vez apelo para que tais medidas sejam urgentemente adoptadas, tendo sempre em vista que os interesses nacionais, neste caso os da província que aqui represento, não poderão continuar ao sabor de interesses privados, venham eles donde vierem. Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Braamcamp Sobral: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um dos aspectos da luta contra o aumento do custo de vida, na qual todos estamos naturalmente interessados, é, com certeza, a repressão do desrespeito pelos preços oficialmente tabelados e dos abusos por vezes cometidos na fixação ou atribuição de preços de venda nos casos em que não há limites legalmente fixados.
Dão-nos os jornais conhecimento, diariamente ou quase, da actividade exercida pelo Ministério da Economia e pelos tribunais, com vista àquela repressão e, embora tenha de considerar-se ainda insuficiente a actividade que vem sendo desenvolvida, não podemos deixar de congratular-nos com os resultados que têm podido obter-se, com uma palavra de justo louvor para os responsáveis e serviços que àquela actividade se têm zelosamente dedicado em favor do bem comum, e também com uma palavra da justo pesar para a má colaboração de alguns consumidores, que estimulam com a sua aceitação e silêncio a prática e o progresso de condenáveis delitos antieconómicos.
Parece-me,- contudo, da maior importância fazer realçar um grave e acentuado desequilíbrio que se vem verificando nesta repressão, pois contrapõe-se ao desvelado e profícuo cuidado na verificação dos preços o desinteresse e a ineficiência quase gerais na verificação dos pesos e medidas.
Tem, assim, por exemplo, acontecido, e não poucas vezes, que, ao lado de um comerciante justamente castigado por vender a 24$ o quilo um produto cujo preço de tabela é de 22$, outro comerciante prossiga tranquilo e incólume na sua actividade, vendendo o mesmo produto, aparentemente ao preço tabelado, mas fornecendo efectivamente ao consumidor pelos 22$ não o quilo, mas apenas 900 g.
Ao tomar conhecimento de algumas causas que tornam menos eficientes no nosso país o afilamento de pesos e medidas, e daí resultou esta minha intervenção, recordei-me da resposta de um velho amigo .meu quando há anos com ele comentei o último aumento de preço da gasolina.
Com uma admirável filosofia pretendeu tranquilizar-me dizendo: «Para mim não aumentou, eu meto sempre 100$.»
Conscientes ou inconscientes nesta filosofia, que não traz riscos naquele combustível, pois as bombas são felizmente aferidas periodicamente, creio não haver dúvida de que a maioria dos consumidores, na generalidade dos casos, não pensa, quando paga aquilo que adquiriu, se os pesos ou as medidas indicados são efectivamente exactos.
E note-se que as divergências que em muito larga escala existem não são forçosamente consequência de fraudes conscientes do vendedor.
Resultam também, como se compreenderá, da desrectificação e deterioração que o tempo e o uso provocara nos instrumentos e objectos de pesar e medir.
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Vejamos então o numa análise não profunda o que se vem passando entre nós quanto à legislação sobre atilamentos e ao cumprimento da mesma.
Foi em 1832 que se estabeleceu em Portugal o primeiro sistema legal de pesos e medidas, adoptando o sistema francês.
Ainda então se definia o metro como a décima milionésima parte do quarto do meridiano terrestre, compreendido entre o pólo boreal ao equador.
Oito anos mais tarde em 1860 portanto, após a publicação do primeiro regulamento provisório do Serviço de Obras Públicas foi criada na dependência do Ministério das Obras Públicas a Repartição de Pesos e Medidas determinando-se que a mesma seria chefiada por um engenheiro-inspector.
No mesmo diploma, que tem a data de 29 de Dezembro, se estabelece que os padrões legais de pesos e medidas (um metro, um quilograma e um litro) ficarão depositados naquele Ministério em uma caixa com três chaves ficando uma nas mãos do Ministro, outra nas mãos do director-geral das Obras Públicas e a terceira nas mãos do engenheiro chefe da Repartição de Pesos e Medidas.
Também logo ficou estabelecido que haveria padrões de 1.ª, de 2.ª e de 3.ª, os primeiros anualmente comparados com os padrões legais, e os segundos e terceiros comparados de dois em dois anos respectivamente, com os primeiros e segundos padrões.
Só por estas curtas notas se valia o cuidado que este assunto mereceu ao legislador e a importância que fora dada ao significado das expressões medida-padrão e peso-padrão.
Em 1861 publicou-se o primeiro regulamento do serviço de aferição e fiscalização e impôs-se às câmaras municipais a aquisição dos padrões de 3.ª que ficaram à sua guarda.
Ver-se-á adiante que esta pequena efeméride tem o seu interesse.
Em 1889 reuniu-se em Paris a Conferência Internacional de Pesos e Medidas, na qual o nosso país participou tendo aderido às conclusões da Conferência, pelo que passámos a adoptar os novos protótipos internacionais de pesos e medidas.
Decorreram em todo o caso 22 anos sobre a data da Conferência de Paris até à aprovação oficial dos novos protótipos, cabendo-nos com se sabe, as duas cópias com o n.º 10.
Efectivamente, só em 19 e 20 de Abril de 1911 se publicaram os diplomas que definiam os novos protótipos padrões de pesos e medidas se aprova o quadro das medidas legais que deve aferir-se, se estabelecem taxas e prazos de aferição, revogando o diploma de 13 de Dezembro de 1852 e demais legislação em contrário.
Completaram-se estas medidas legislativas com o diploma de 1 de Julho do mesmo ano de 1911 que ainda hoje regula alguma matéria da que vem sendo objecto das minhas considerações.
Após a publicação de vários decretos e portarias modificando os prazos de aferição e conferição e as taxas e completando ou esclarecendo as disposições em vigor, só em 11 de Agosto de 1923, pelo Decreto n.º 9031, se estabelece que só podem ser utilizados em transacções comerciais os pesos e medidas ou quaisquer outros utensílios ou aparelhos de pesar e medir cujo uso tenha sido autorizado pelo Ministério do Trabalho ouvida a Inspecção de Pesos e Medidas.
Foi dado um prazo de 60 dias para todos legalizarem a sua situação e fixada a multa de 50$ para os que não cumprissem e o dobro para os reincidentes.
E peço a vossa atenção para a distribuição então fixada para o produto destas multas.
20 por cento para o fiscal que descobre a infracção
20 por cento para a entidade que fazia a cobrança
20 por cento para a câmara municipal
´20 por cento para a Direcção-Geral do Trabalho
20 por cento para os funcionários da Direcção-Geral, distribuídos proporcionalmente aos seus vencimentos e aos tempos afectivos de serviço
Não sei se deu resultado este generoso sistema e, embora me não tenha apercebido da revogação desta disposição creio bem que ele hoje, se está em vigor não estará em uso. E talvez por isso ou talvez não, pelo manos no que diz respeito a balanças sei que por aí em serviço algumas que não estão autorizadas.
Vária legislação foi publicada depois de 1923, mas nenhuma pode dizer-se, reformada das normas básicas às quais obedece o trabalho dos aferidores.
Além de muito dispersa está, portanto, em variadíssimos aspectos, desactualizada e inadequada a legislação em vigor sobre afilamento e fiscalização de pesos e medidas.
Apontarei alguns exemplos, que, de caricatos que são quase fazem esquecer as consequências.
O Decreto n.º 16 958, de 14 de Junho de 1929 torna obrigatória de uma colecção de copos aferidos nos estabelecimentos de bebidas ao balcão e estabelece multa para quem não possua a respectiva colecção ou que a tenha incompleta e ainda se recuse a servir o cliente por aqueles copos quando este o exija.
Abrangidos por esta disposição estão todos os bares, mesmo naturalmente os que se integram nos melhores hotéis.
Nunca se deu nem é de crer que possa vir a dar-se, a hipótese de alguém pedir, por exemplo, no bar do Hotel Tivoli 1 dl aferido de conhaque ou 3 dl aferidos de gin tónico. Contudo, todos os anos um aferido se tem de deslocar àquele bar para ver se lá estão os copos aferidos e cobrar a correspondente taxa de conferição.
E ainda mais incongruente em relação a esta obrigação é a situação das leitarias, que por outra disposição legal, que não anulou aquela estão proibidas de vender leite por medida aberta, isto é, sem ser engarrafado.
Outro caso curioso que merece relatar-se é o dos taxímetros.
A lei já referida de 1 de Julho de 1911 determinava que as câmaras municipais estabelecessem uma carreira para verificação dos taxímetros das carruagens e dos automóveis mediante a aprovação de Pesos e Medidas.
Diz-se, contudo, no preâmbulo do Decreto n.º 15 090, de 29 de Fevereiro de 1928, que até àquela data (e tinham decorrido apenas dezassete anos) nenhum pedido da aprovação da carreira tinha sido apresentado, e, porque (também no preâmbulo se afirmava) mais de 50 por cento dos taxímetros em uso estavam viciados, o dito decreto estabelece medidas mais apertadas para o cumprimento do que se fixara em 1911 e novas multas, cujo produto teria aquela distribuição estimulante, tipo bodo que fora indicada no diploma de 1923.
Foi então que a Câmara Municipal de Lisboa requereu o estabelecimento da sua carreira legal para aferição dos taxímetros, carreira que se mantém em vigor e se situa precisamente na Avenida de 24 de Julho.
Não é necessário qualquer esforço de imaginação para nos apercebermos da forma como está sendo feita esta
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aferição, que, claro está, decorre durante o horário normal dos serviços públicos.
Era bem desejável que novos processos fossem adoptados quando chegassem os novos táxis que já sabemos virão independentes das andorinhas.
E, já que estamos a falar em taxímetros vem a propósito lembrar que a aferição e fiscalização dos conta quilómetros dos automóveis de aluguer, que é também e òbviamente obrigatória por lei, está, pelo menos em Lisboa, totalmente esquecida.
~E falemos agora um pouco nas taxas.
Completaram-se há poucos dias 43 anos sobre a data em que foram fixadas as taxas em vigor, cuja escala de valores vai de $10 a 3$.
Para aferição, por exemplo, de um peso de 50 Kg, cujo trabalho e esforço fàcilmente se avalia pela série de operações sucessivas de pesagem que importa efectuar, paga-se a taxa de $90.
E pelo de 23 Kg paga-se $83 conforme consta amais do verbete em vigor e aprovado em 1933, não obstante se não poder liquidar aquela quantia, uma vez que está há muito fora de uso a moeda de $05.
Para além da desactualização notória da tabela, é de notar ainda que muitas taxas se deixam de cobrar.
E este facto é muito importante porque se reflecte nos aferidos, dos quais passo agora a ocupar-me.
Para além da troça, indirecta ou directa, a que estão sujeitos pelas incongruências da legislação em vigor que nos casos apontados e noutros dão motivo a situações perfeitamente ridículas outras dificuldades rodeiam a sua actividade.
Creio, aqui e agora conveniente esclarecer que a maioria das câmaras municipais tem um só aferidor há contudo alguns casos com dois ou três e como casos especiais, o Porto com oito e Lisboa com dezasseis.
Todos têm as mesmas funções. Todos têm de possuir o diploma de aferidor obtido em exame feito na Inspecção de Pesos e Medidas ou em qualquer das delegações desta Inspecção onde fazem o estágio preparatório.
Mas aos aferidos de Lisboa e Porto exigem o curso industrial ou o 5.º ano do liceu e aos restantes apenas a instrução primária.
E pagam-lhes diferentemente.
Durante muitos anos tinha os aferidos um vencimento base e percentagem nas taxas de aferição a conferição.
A partir de 1940 foi estabelecido que os aferidores de Lisboa e Porto teriam o vencimento base letra S (1750$) e como complemento fruto das taxas cobradas uma importância não superior a 1150$, para que no total não auferissem vencimento superior a 2900$ (segundo-oficial).
Os aferidores dos outros concelhos têm o vencimento base letra Z (800$) e como complemento, fruto das taxas cobradas, uma importância não superior a 1400$, para que, no total, não auferissem vencimento superior a 2200$ (terceiro-oficial).
É já um lugar-comum dizer-se que os vencimentos são baixos mas não posso naturalmente deixar de o repetir agora ao mencionar os aferidores de pesos e medidas, cujas meritórias funções e responsabilidades se não coadunam de forma alguma com as remunerações que auferem.
A circunstância ainda de terem as suas remunerações divididas em duas partes acarreta dificuldades que merecem ser apontadas e removidas.
Nos concelhos de menor desenvolvimento e devido sobretudo às taxas baixas em vigor não podem as câmaras obter a receita necessária para se atingirem no complemento dos vencimentos, os limites preconizados na lei e atrás referidos, ficando, portanto, os aferidores com pouco mas do que o vencimento base.
E daqui nasce naturalmente a razão por que se encontram por prover nalgumas câmaras os lugares de aferidor sendo as suas funções quando são exercidas por outros funcionários, em regime precário de interinidade e acumulação o que constitui, com certeza, prática pouco desejável.
Em Lisboa as taxas são suficientes para pagar os complementos previstos, mas como as receitas delas provenientes são precisamente mais baixas nos primeiros meses do ano devido às épocas fixadas na lei para a aferição e conferição os conferidores de Lisboa só recebem normalmente em Março ou Abril os complementos de Janeiro e só em meados do ano começa a ser possível eliminar aquele desfasamento.
Tenho conhecimento de que isto não acontece no Porto, e, portanto, se há forma de resolver este assunto no Porto não se compreende por que se não resolve em Lisboa e se impõe aos aferidores deste concelho que recebam aquilo a que têm direito (e que é pouco), ainda por cima com alguns meses de atraso.
Outro grave prejuízo tem acarretado aos aferidores esta circunstância de auferirem dois vencimentos ou melhor, um vencimento partido por força de orçamentos diferentes, e quando tem cabimento no orçamento.
É o que lhes advém quando são aposentados.
É estranho o que vou referir mas parece estar a condizer com outras incongruências já apontadas.
Não obstante ao aferidores descontarem para a Caixa geral de Aposentações na base do total das suas remunerações e não obstante também se ter sempre intendido que os aumentos de vencimento concedidos aos funcionários do Estado são no caso destes servidores calculados com base no total das suas remunerações, a Caixa Geral de Aposentações considera no calculo das respectivas pensões o vencimento base.
Õ Supremo Tribunal Administrativo não tem estado de acordo com esta interpretação da Caixa pelo que em dois casos já julgados de que tenho conhecimento os seus acórdãos foram inteiramente favoráveis aos aferidores recorrentes.
Num outro caso, também do meu conhecimento em que o aferidor tinha ainda e apenas recorrido a S. Exa. o Ministro das Finanças a solução foi inteiramente favorável ao recorrente, que por ela teve em todo o caso de aguardar cinco anos.
Como nenhum destes argumentos parece ter convencido a Caixa Geral de Aposentações os aferidores continuam a ter de recorrer superiormente da decisão da dita Caixa sempre que chegue a hora da sua aposentação.
Que me conste estão por isso neste momento pendentes de resolução ministral ou de decisão judicial cinco processos.
Oxalá a decisão que certamente virá favorável aos requerentes chegue ao menos em vida dos mesmos.
Destes cinco, três são por sinal do círculo que me elegeu para esta Câmara.
Em Lisboa sem dúvida a zona em que por vários aspectos, têm muito particular importância os serviços de afilamento, parece haver uma certa predilecção para excepções.
Já apontei umas e vou apontar outras.
Muito embora a lei dê a todos os aferidores a necessária autoridade para a fiscalização e todos tenham de se mostrar aptos no seu exame e levantar outros [...] de entendido que os aferidores deste concelho de Lisboa não podem por si sós tomar as providências legais,
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que naturalmente resultam das suas funções do aferidores e conferidores , quando se lhes doparam faltas ou transgressões
Esta tarefa está entregue à policia municipal, que é pouca e não está convenientemente preparada para o exercício destas missões, pois são muitos os, conhecimentos que se exigem e a legislação, vasta e dispersa , não facilita
Em certa ocasião até Ter levantado um auto a um comerciante de Lisboa por não Ter apresentado á fiscalização a medidas de me o decilitro que constava dos documentos legais e que pretendeu , em seu lugar que fosse verificada uma medida de 51
É claro que depois lhe não veio ser aplicada a multas mas não se liviou de maçadas o trabalhos
Como o prazo de conferição em Lisboa está fixado paia os meses de Novembro, Dezembro e Janeiro e o prazo do aferição só começa em Março, os aferidores de Lisboa dedicam o mês do Fevereiro todos os anos, e por determinação superior, à fiscalização, mas fazem-no acompanhados da polícia municipal
Também no Porto o sistema adoptado é mais prestigiante para os aferidores, mais profícuo para a fiscalização mais de acordo com a lei
As épocas estabelecidas para a aferição têm também trazido alguns inconvenientes para os comerciantes por um lado, todos aqueles que iniciam o seu comércio nos primeiros dos meses de cada ano ficam obrigados a pagar duas afeições, uma quando iniciam a sua actividade e outra no período legal (às vezes com um ou dois meses do intervalo apenas) e, por outro, quando os aferidores não têm tempo de terminar no prazo legal as afeições é lhes cobrada tava suplementar por um atraso de que não são culpados
É uma situação que cicio bem também deve ser revista
E para finalizar duas indicações curiosas
Os aferidores dependem administrativamente das câmaras municipais o tecnicamente da Repartição de Pesos e Medidas assim foi determinado em 1911 e assim continua a ser
Parece, contudo, que aos aferidores de Lisboa , e sem que sejam conhecidos os motivos de mais esta excepção se dificulta - direi mesmo que se impede - o contacto indispensável com aquela Repartição, o que está em oposição à lei e até as disposições, do Manual do Aferido do qual copiei os seguintes parágrafos de um capítulo que se intitula «Primeiros serviços a efectuar», cujo conteúdo e forma têm especial sabor
Ao tomar conta do lugar, deverá o aferidor fazer o seu primeiro ofício, dirigido ao engenheiro chefe da 5ª Repartição da Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais , apresentando-lhes os seus os seus cargos que acaba de lhe sei confiado
Fará uma pasta com o rótulo «Correspondência com a 5ª Repartição da Inspecção Geral , dos Produtos Agrícolas na qual arquivará a cópia deste ofício, que terá o n º l
Chegou até aos nossos dias a disposição legal de 1860 que manda comparar os padrões de 1ª anualmente e os de 2ª e 3ª de dois em dois anos
A justeza da disposição e a sua idade (107 anos) bem mereciam o respeito dos servidores aos quais compete cumpri-la
Mas verifico que os padrões da Câmara Municipal de Lisboa foram comparados pela última vez em 1944
Será esta mais uma excepção de Lisboa em relação ao que se passa no resto do País em matéria do pesos e medidas ' Deus queira do mal o menos.
Sr Presidente Srs. Deputados . Não pedi a palavra para contar a VV Exª algumas anedotas verídicas sobre pesos e medidas, que poderiam talvez fazei sorrir, se não fosse a séria matéria de fundo das minhas considerações
Pretendi simplesmente, em lápida síntese, dar a conhecer a lamentável situação em que se encontram os aferidores , pelo o que sendo apenas no continente e ilhas umas escassas centenas, têm por missão defender os interesses de todos nós, pois, como escreveu um antigo inspector de pesos e medidas, «o serviço ,o de aferição é destinado a garantir o escrúpulo nas medições, a correcção nas compras e vendas, a moralidade no comércio»
Aqui deixei pois, o meu apelo a SS Exª os Ministros da Economia e do Interior para que com a urgência que o caso requer se actualize o adapte a legislação sobre afilamento de pesos e medidas e se atenda à situação dos afe1 dores em todos, os seus aspectos
São actos de justiça e medidas de defesa do bem comum que &c solicitam e que ficamos aguardando
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr Sousa Rosal: - Sr Presidente. Desde há muitos anos que vários países da Europa e na América do Norte são passadas canas do condução de veículos automóveis a surdos o a surdos - mudos. Ultimamente, aderiu a esta concessão a nossa vizinha Espanha
As cartas são passadas depois de um meticuloso exame e mediante a obrigação de se introduzir no equipamento e na carroçaria dos automóveis que desejem guiar alterações bem simples, como sejam a colocação de espelhos retrovisores com maiores dimensões e suplementares e janelas traseiras largas
O reconhecimento da aptidão para conduzir viaturas automóveis a pessoas que têm estes defeitos físicos em países de intenso trânsito e onde e se pratica uma rigorosa disciplina de condução tal como em França , na Grã-Bretanha na Alemanha nos Estados- Unidos da América e leva ao conhecimento de que não há razões físicas impeditivas para dar satisfação aos desejos instintivamente interessados pelos surdos e pelos os surdos mudos para que em Portugal lhes sejam concebidos os mesmos directos e possam usufruir as mesmas regalias.
É sabido que a perda de um sentido torna mais apurados os restantes . Está provado que , em geral os surdos e os surdos- mudos se avantajam sobre as pessoas normais no que se refere ao sentido da visão , que é o sentido mais válido para bem conduzir
Milita ainda a seu favor o facto de estarem livres das distracções motivadas por conversais entre e com companheiros de viatura no acto de guiar
É a normalidade das condições psíquicas que constitui a mais importante qualidade de um bom condutor de automóvel.
Os «testes clínicos dos exames de coordenação - olhos e mãos , olhos e pés , acuidade visual , calma e rapidez - provam que os surdos alcançam os melhores pontos»Isto segundo o departamento de um experiente examinador de motoristas
O Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos da América declarou que os surdos norte-americanos são
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os, mais prudentes na rodagem das estradas e dentro das povoações
Já em 1948 havia no estado de Pensilvána cerca de 3000 surdos-mudos com carta de condução de automóvel e entre os acidentes que naquele ano ali tiveram lugar, em número aproximado de 400, não se registou sequer um atribuído a surdos-mudos
A maioria dos desastres que ilustram todos os dias as páginas dos jornais, dando conta das vidas que se sacrificam e das distinções que os provocam, suo, tantas vezes, devidos à falta de atenção e de prudência, qualidades que os surdos e os surdos-mudos possuam no mais elevado grau.
Procura-se por toda a parte e por todas as maneiras trazer u vida de trabalho e de relações os, deficientes físicos, aproveitando e educando as, suas qualidades válidas.
Assim tantos recuperam a alegria de viver, cientes das suas possibilidades e da sua utilidade social
O uso de viaturas automóveis não constitui apenas um prazer, é, sobretudo, uma necessidade dos dias de hoje
Por que razão havemos de privar do privilégio de conduzem automóveis os surdos e os surdos-mudos, se nos nigumentos em contrário que porventura ainda possam existir entre nós responde cabalmente aquilo que está acontecendo lá foi a neste particular, onde os problemas de trânsito são ti atados com a maior atenção e rigor.
Porque havemos de lhes tomar mais doloroso o seu infortúnio com o desgosto de se sentirem inferiorizados perante os seus iguais de distintos países?
Estas dúvidas que se põem à consciência de quantos estão debruçados sobre os problemas de trânsito e têm obrigação de contribuir para que as leis que os contemplam sejam não só eficientes, mas também justas solicitam fundamentada resposta que tenha podei de decisão.
E com este intuito que me abalancei a fazer neste lugar este ligeiro apontamento, mas que julgo ser suficiente paia chamar a atenção de quem tem competência paia apreciai e autoridade para resolver a questão que se põe.
Este apelo, ditado por um sentimento de solidariedade, é dirigido, de maneira particular, ao Sr. Ministro das Comunicações, que não deixará de o considerar com a simpatia e o caminho que merece
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr Presidente: -Continuam em discussão as Contas Gerais do listado (metrópole e ultramar) e da Junta do Crédito Publico relativas a 1965
Tem a palavra o Sr Deputado Alberto do Araújo
O Sr Alberto de Araújo: - Sr. Presidente Como é sua norma e do acordo com os preceitos constitucionais, aprecia a Assembleia. Nacional a Conta Geral do Estado relativa ao ano de 1965, sobre a qual incide um parecer da Comissão do Contas Públicas desta Assembleia, feito com o sabei, a competência e a minúcia que o seu relator, o Sr. Deputado Eng.º Araújo Coreia, põe sempre nos seus trabalhos.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Nunca é de mais acentuar o cuidado e a preocupação do Ministro das Finanças de se manter fiel aos princípios de sanidade financeira e monetária instruídos por Salazar e que dominado a organização e a execução do Orçamento Geral do Estado , vem depois a Ter reflexo nas contas de exercício.
As receitas cobradas no ano de 1965 totalizaram 18 157 000 contos e as despesas globais efectivamente pagas no mesmo período 18 033 000 contos, pelo que for de 102 000 contos o saldo positivo da Gerência.
É de toda a justiça dirigir ao Sr. Ministro das Finanças uma palavra de louvor pela forma como em período tão difícil em que o Estado for Imposto o cumprimento de pesadas tarefas e responsabilidades, assegurando a defesa Militar da Nação em três frentes de batalha sem afrouxar a sua participação no ritmo do tormento económico da metrópole e do ultramar , conseguiu obter resultados que fortalecem o clima de tranquilidade e de confiança mais do que nunca necessário na hora presente.
Dos quadros e números da Conta Geral do Estado em apreciação verifica-se que entre 1961 e 1965 as despesas subiram em números redondos de 18 milhões e meio de contos por 18 milhões de contos . Pois a apesar disso a relação baixou de 18 por cento em 1961 para 17,6 por cento em 1964 e para 16,3 por cento em 1964 e para 16,3 por cento em 1965.
Digno de registo é também o facto de as despesas extraordinárias efectivamente pagas em 1965 e que ascenderam a 7 630 000 contos - dos quais 66,3 por cento com defesa nacional - terem sido cobertas , na sua maior parte - 4 748 000 contos -, por receitas ordinárias.
A dívida publica aumentou em 1965 em cerca de 2 milhões de contos, ou seja, um acréscimo muito inferior ao dos anos de 1963 e 1964 e corresponde a metade do que se deu em 1962, o que, como diz no relatório que precede a Conta mostra o propósito de conter o recurso ao crédito público e de limitar o crescimento da dívida.
Do produto dos empréstimos emitidos estavam por aplicar, no fim de 1965, 2 636 000 contos, ou seja também uma cifra muito superior á verificada nos exercícios, os anteriores.
Em 1965 o total das receitas ordinárias arrancadas elevou-se a 15 172 000 contos, o que corresponde a um aumento de 2 061 000 contos relativamente ao ano antética. Os impostos directos e indirectos contribuíram com cerca de dois terços para a receita ordinária do Estado .
Os impostos directos renderam ao Estado , em 1965, 4 642 000 contos, dos quais 1 419 000 contos cabem à contribuição industrial 812 000 contos ao imposto complementar e 671 000 contos à contribuição predial. Nos impostos indirectos destacam-se os direitos de importação, com 1 338 000 contos, e a taxa de salvação nacional com 1 093 000 contos
Para se fazer uma ideia da previsão de cobrança de alguns dos nossos mais importantes impostos , feita sempre com maior cautela , bastará dizer que no Orçamento Geral do Estado para o corrente ano a receita dos impostos directos em 5 297 000 contos, ou seja respectivamente, mais 281 000 contos e 1 203 000 contos do que a prevista no Orçamento Geral do Estado relativamente ao ano de 1966.
A contribuição industrial está calculada no mesmo montante de 1966 - 1 450 000 contos . No imposto profissional prevê-se um aumento de 55 000 contos, no imposto de
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capitais um aumento de 40 000 contos no imposto complementar 35 000 contos, na contribuição predial, 20 000 contos. Nos impostos indirectos, o aumento previsto de 1 203 000 contos deve-se fundamentalmente à criação do imposto das transacções cuja receita total está orçamentada em 1 300 000 contos.
Os números que acabo de citar são bem demonstrativos da importância que as grandes actividades económicas - a industria o comércio e a agricultura - desempenham na vida do País não só pela riqueza que criam e fomentam mas também pela contribuição decisiva que dão ao Estado através das receitas que lhes asseguram.
Sem recursos o Estado não pode cumprir as suas missões e trinetas. E sem actividades que tenham vida desafogada não é possível arquitectar um sistema tributário eficiente e estável.
Faço estas alucinações porque ouço com frequência enunciar aspirações e planos obras a executar anseios a satisfazer a necessidade premente de uma mais larga intervenção dos Poderes Públicos na defesa dos interesses gerais. Todos perfilhamos destes clamores mas raramente nos lembramos de que, antes de tudo, urge criar fontes de riqueza, auxiliar a iniciativa privada, proteger a empresa e o trabalho mantermos matérias colectáveis fortes e estruturadas sobre as quais o Estado possa fazer lançar as contribuições e impostos de que necessita para fazer face aos seus encargos crescentes.
E aqui não quero deixar de fazer um reparo. Nem sempre se reconhece e nem sempre se pensa que toda a vida do Estado e o alargamento da sua acção nos, diversa sectores da economia, da educarão, da assistência, e tantos outros dependem de recursos financeiros, que por sua vez estão na dependência de um certo grau de prosperidade geral.
A importância da agricultura, do comércio e da indústria na contribuição que dão para as receitas gerais do Estado pode bem ser avaliada através do número dos contribuintes e do volume dos impostos directos que recaem sobre estas actividades.
E pode ainda dizer-se que, quando estão prósperos e florescentes estes sectores fundamentais da economia nacional, a vida financeira do Estado é mais fácil e mais fáceis também as soluções de outros problemas, como sejam os do investimento do crédito e do emprego.
Em 1965 os rendimentos colectáveis da propriedade turística atingiram 2 256 904 contos o que dava uma capitação de 260$ por habitante e 3288$ por contribuinte.
Excluindo os adicionais a contribuição predial rústica rendeu em 1965 a verba de 180 228 contos. Numa população de 9 228 000 habitantes, o número de contribuintes da contribuição predial, rústica e urbana era em 1965, de 2 257 000 e o número de prédios de 10 870 000.
O número de colectas relativas à propriedade rústica for de 1 694 000 - um pouco superior ao número de colectas referentes, à propriedade urbana -, dos quais
689 000 relativas a valores que não excedem 30$.
A medida que se vai avançando nos escalões, vai diminuindo o número de contribuintes. Assim no escalão das colectas entre 2 e 5 contos figuram 12 723 contribuintes de 20 a 50 contos, 581 de 100 a 200 contos 39 de 200 a 500 contos, 14, superior a 500 contos, 1.
Para se trazer uma ideia da importância da actividade comercial e industrial no nosso país bastará dizer que, em 1965 o número de contribuintes abrangidos pela contribuição industrial era de 319 856 que a matéria colectável sobre que medida a contribuição era de 9 517 000 contos e que a liquidação atingiu 1 682 000 contos. A capitação da contribuição liquidada equivale a 181$ por habitante e 3260$ por contribuinte.
As colectas até 200$ abrangem 70 000 contribuintes de 1 até 5 contos, 70 000, de 10 até 20 contos, perto de 9000, de 50 até 100 contos, cerca de 3000, de 2000 até 5000 contos, 83 e superior a 5000 contos, 16.
O imposto complementar que interessa directamente as actividades industriais comerciais e agrícolas abrangem, em 1965, 72 401 contribuintes, sendo 44 000 individuais e 28 000 colectivos. A sua liquidação em 1965 atingiu 824 000 contos e a sua cobrança 812 000 contos.
Os números que citei são apenas para por em relevo a parte directa e decisiva que as actividades comerciais e industriais da Nação têm na vida financeira do Estado, sem fala de outros impostos, como sejam o imposto de transacções e os direitos de importação que, embora sendo impostos indirectos são directamente cobradas das actividades comerciais e industriais do País.
Tem a agricultura, o comercio e a industria as suas dificuldades. Eu pergunto serão as actividades comerciais do País, as iniciativas privadas, o médio e o pequeno comerciante o médio e o pequeno industrial, que lutam numerosas vezes com grandes obstáculos para manter o equilíbrio dos seus estabelecimentos ou das suas unidades e pagar ao Estado pontualmente os impostos e taxas que lhes são exigidos, objecto do cuidado e da assistência por parte dos poderes e organismos públicos correspondentes à contribuição que dão para o conjunto dos recursos financeiros do Estado.
Não quero responder directamente a esta pergunta, mas creio sei da maior oportunidade olhar aos problemas dos diversos sectores económicos do País, estudá-los com compreensão, estabelecer relações de convivência diminuindo a barreira que separa o Estado, com a sua complicada rede burocrática de todos quantos trabalham e produzem e que são, afinal a fonte da riqueza da Nação e o servo vital das próprias finanças publicas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente. No relatório do Sr. Ministro das finanças que procede a Conta Geral do Estado para 1965 foca-se com largueza a posição do comércio externo português e, embora referindo-se as causas fundamentais que contribuíram para um vultoso aumento das importações naquele ano, nomeadamente de matérias-primas e bens de equipamento, em consequência do processo de industrialização em curso, não deixa em todo o caso de se destacar a importância do problema e a necessidade de se atenuar o desequilíbrio entre o que o País compra e o que o País vende, através de um aumento da produção e da diversificação e intensificação das exportações.
O deficit da balança comercial da metrópole com o estrangeiro, que em 1964 havia sido de 7 928 000 contos subiu em 1965 paia 9 923 000 contos, ou seja um agravamento de 2 milhões de contos relativamente ao ano anterior. Compreende-se que o facto seja motivo de atenção pelos seus reflexos gerais e pelas repercussões que possa vir eventualmente a ter, em face do comportamento de outros factores de natureza aleatória da balança de pagamentos nas próprias estruturas monetárias do País.
Em 1966, acentuou-se o desequilíbrio da balança comercial metropolitana. As importações do ultramar e de países estrangeiros totalizaram 29 095 000 contos e as exportações 18 023 000 contos. O saldo negativo da balança comercial com o estrangeiro elevou-se de 9 923 000 contos em 1963 para 11 448 000 contos em 1966. Não
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for um aumento tão grande como o verificado em 1965 mas representou, em todo o caso uma agravamento de 1 500 000 contos.
O comércio da metrópole com o ultramar quase atingiu uma situação de equilíbrio em 1966. As importações atingiram 3 910 000 e as exportações 4 186 000 contos. Com o estrangeiro porem como já disse, o saldo foi fortemente negativo.
Só com a Alemanha, a balança comercial portuguesa apresenta um deficit de
286 000 contos, com a França de 1 278 000 contos com a Itália de 1 020 000 contos com a Suíça de 700 000 contos, com a Bélgica, de 900 000 contos, e mesmo com a Espanha, de 305 000 contos.
Com a Inglaterra e com os Estados Unidos que são, dos países estrangeiros, os dois principais mercados de produtos portugueses não é tão volumoso o desequilíbrio da balança comercial. Da Inglaterra importunos no último ano mercadorias no valor de 3 992 000 contos e para ali exportámos produtos num montante de 3446 000 contos pelo que o saldo negativo foi de 546 000 contos.
A nossa importação dos Estados Unidos atingiu 2 279 000 contos, mas como a exportação de produtos portugueses para aquele país atingiu 2 033 000 contos o saldo negativo foi de 246 000 contos, ou seja um saldo inferior ao que temos com a vizinha Espanha.
Não chegaram, em 1966, a 400 000 contos as importações portuguesas dos países para além da Cortina de Ferro. E não atingiram os 200 000 contos as nossas exportações para aquela zona. Foi-nos favorável a nossa balança de comércio com a Alemanha Oriental, a Hungria e a Roménia. E desfavorável com a Checoslováquia e a Polónia.
Como já acontecera nos anos anteriores, continua ser muito reduzido o comércio entre Portugal e o Brasil. No último ano, comprámos àquele país 212 000 contos de produtos tendo-lhe vendido 110 000 contos.
Em 1966 continua a verificar-se um equilíbrio muito maior entre o comércio externo de Portugal com os países da F. F. T. A. do que com os países do Mercado Comum. Efectivamente os países do Mercado Comum contribuindo com uma com uma percentagem de 34,6 por cento para o nosso comercio de importação, só nos absorveram 19,4 por cento das nossas exportações. Ao contrário os países da F. F. T. A. figuram com 23,4 por cento na nossa estatística de importação e com
29,7 por cento na estatística de exportação. Dos países do Mercado Comum importa-mos produtos no valor de 10 038 000 contos, tendo-lhe apenas vendido
3 497 000 contos de mercadorias.
As importações dos países da F. T. A. totalizaram 6 804 000 contos e as exportações para aquela área 5 358 000 contos. Com os países do Mercado Comum registou a balança comercial portuguesa um saldo negativo de cerca de 6 500 000 contos, enquanto com os países da F. F. T. A. , esse saldo não atingiu 1 500 000 contos.
É longa e extensa a nossa estatística de importação e alguns números impressionam pela sua grandeza. Assim de máquinas e aparelhos industriais não eléctricos importaram-se em 1966, 4 332 000 contos, de máquinas e aparelhos eléctricos 1 338 000 contos de ferro bruto semi-trabalhado, 1 531 000 contos de algodão em rama, 1 491 000 contos de óleos e gasolina mais de 1 milhão de contos, de automóveis, 500 000 contos, de partes e pecas de automóveis para ser em montados pela indústria nacional, cerca de 1 500 000 contos.
Necessidades de substância impõem também importações vultosas. Assim, no ano último importaram-se 781 000 contos do trigo, 561 000 contos de milho, 559 000 contos de açúcar 346 000 contos de bacalhau, 148 000 contos de arroz 200 00 contos de carne.
O Sr. Proença Duarte: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faça favor
O Sr. Proença Duarte: - No arroz por exemplo, é lamentável que isso se verifique, quando já temos um país auto-abastecido e até exportador.
O Sr. Elmano Alves: - Acaba de ser aqui referido o problema do arroz. Eu queria chamar também a atenção para o caso do milho, que, dentro do novo regime cercalítero beneficia de preços de garantia e em relação ao qual se promove uma política do fomento.
Mas acontece que se por um lado o Governo toma medidas para fomentar a produção do milho, o facto e que, por outra via, autoriza importações maciças que arrumam os preços no produtor.
No ano passado, a lavoura vendeu milho na era a 2$90, a 3$ e até a 3$20. Este ano, o mesmo lavrador que se arriscou a plantar mais, não encontra colocação para o seu produto e só por favor as moagens e a industria de rações para lhe compram a 2$20 e a 2$30.
Informam-me de que a importação do milho de Angola veio suprir as necessidades do mercado e a mais baixo custo. E eu aceito e congratulo-me em sabe-lo embora lamente estarem ocupando terras de regadio para produzir milho que nos pode ser fornecido por Angola a preço sem ocorrência, quando poderia aplicar essas mesmas terras em produção mais rentáveis e que não sofressem as quebras de cotação que o milho experimenta.
Mas o que não posso admitir é que, sendo a produção deste cercal no continente, somada com a de Angola, comprovadamente excedentária, a Federação tenha ainda recorrido a importação de milho do estrangeiro que, portanto não veio beneficiar a economia de Angola e contribuiu para desvalorizar o stock do lavrador do continente, que se ve obrigado a mendigar junto das fabricas que lhe aceitem o milho pelo preço que muito bem entender em pagar.
Era esta a achega que queria dar a brilhante intervenção de V. Exa., fazendo ouvir mais uma vez a voz da lavoura nesta Casa aliás navegando nas mesmas aguas das justíssimas considerações que V. Exa. Vem expendendo.
O Sr. Amaral Neto: - Não tencionava interromper V. Exa. dado o interesse da sua oração. Mas como já foi interrompido, pelo licença para entrar na brecha para me associar às considerações de V. Exa. sobre o deficit da balança comercial.
Entre nós há um pouco a mania de importar. Um exemplo pequenino mas elucidativo foi o da importação de maça de França no fim do ano passado, que nem veio mais barata do que a produzida entre nós. E como o mercado estava abastecido de laranjas baratas e bananas ao preço corrente, esses 6 milhões de escudos de maça comprados ao estrangeiro só serviam para desorientar os que entre nos se disporiam a plantar de fomento frutícola.
O Orador: - Muito obrigado pelas intervenções de VV. Exa.
Ao citar estes números que tão profundamente pesam no comércio externo metropolitano, ocorre-me perguntar se se terão adoptado as providências oportunas e necessá-
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rias para proteger a produção agrícola e pecuária do País, atenuando a nossa dependência do estrangeiro quanto a produtos de interesse fundamental para a alimentação e subsistência da população portuguesa. Creio bem que não.
Muitos dos que fazem parte desta Assembleia lembram se dos discursos aqui proferidos há poucos anos por ilustres Deputados transmontanos pedindo a adopção de medidas destinadas a proteger o lavrador, assegurando-lhe a colocação dos grandes quantitativos de batata que então existiam no Norte do País a fim de manter o seu interesse futuro pela cultura de um produto tão necessário à alimentação pública. Não sei o que seu passou posteriormente e se estes clamores foram ou não ouvidos. O que verifico é que no ano último o País teve de importar 203 000 contos de batatas, dos quais 32 000 contos da Polónia.
Sr. Presidente. Apesar do aumento verificado em determinados sectores da nossa produção, da substituição gradual de muitos produtos estrangeiros por produtos de origem nacional, a verdade é que não foi possível travar o aumento do deficit comercial, e nem sequer estabilizá-lo. A industrialização implica a importação de matérias-primas e de equipamentos. Por outro lado, melhores níveis de vida originam maiores consumos, e tudo isso contribui para agravar um desequilíbrio que o interesse nacional manda reduzir a proporções mais modestas e razoáveis.
Em 1966, a um aumento de cerca de 3 327 000 contos de importações, incluindo as importações das províncias ultramarinas, só foi possível contrapor um acréscimo de l 660 000 contos de exportações. Os produtos tradicionais da nossa economia continuaram a manter a sua posição no comércio externo do País as cortiças, com l 743 000 contos os vinhos, com 1 349 000 contos, as conservas, com l 286 000 contos as madeiras, com 715 000 contos. A exportação de tecidos de algodão excedeu 1 milhão de contos.
Mas, apesar destas cifras e do que elas representam de perseverança e de trabalho honesto na conquista e manutenção dos grandes e pequenos mercados que se espalham por todos os quadrantes do Mundo, como se Portugal quisesse manter a sua velha tradição de país de mercadores, nada foi bastante para justapor à onda crescente e avassaladora das importações.
Todavia, nem tudo deve ser motivo de desânimo. Pelo contrário nas estatísticas do nosso comércio externo começaram a aparecer números bastante expressivos do esforço feito pelo País no sentido de aumentar a sua produção, tendo em vista não só o abastecimento interno mas também conquistar mercados e clientela além-fronteiras, afrontando a concorrência internacional na qualidade e preço dos produtos.
Assim, no ano passado exportaram-se já 532 000 contos de sumo concentrado de tomate, 429 999 contos de pasta para o fabrico de papel, 231 000 contos de ferro ou aço em obra, 167 000 contos de pneumáticos e 186 000 contos de medicamentos e antibióticos. E um país que sempre importou máquinas e equipamentos exportou no ano passado 375 000 contos de máquinas e aparelhos industriais não eléctricos e 268 000 contos de máquinas e aparelhos eléctricos parte dos quais se destinaram a países industrializados e dispondo de técnicas altamente aperfeiçoadas como sejam a Alemanha a Itália, a Inglaterra, a Espanha e os próprios Estados Unidos.
E, como já aqui acentuei, tudo pesa e tudo tem o seu valor nas nossas estatísticas de exportação o calçado, os azulejos, os mármores e as cantarias, as faianças, as rendas e os tecidos, as louças e os vidros tudo, afinal, que o braço humano anima com o seu esforço produtivo e criador.
E não posso furtar-me, como em anos anteriores, a uma referência aos bordados da Madeira, trabalho de arte e também de paciência que em 1966 contribuíram em
148 000 contos para a valorização da balança do comércio externo do País.
Está presente o Sr. Eng.º Sebastião Ramires, que, como Ministro do Comércio, criou o Grémio dos Industriais de Bordados da Madeira e a quem dirijo a expressão do meu maior apreço.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É preocupação do Governo e de todas as pessoas responsáveis dos sectores económicos do País o incremento das exportações nacionais, e nessa orientação se criou o Fundo de Fomento de Exportação, que, juntamente com as Casas de Portugal, tão bons serviços tem prestado no estudo e prospecção nos mercados e à colocação e defesa dos produtos portugueses lá fora.
No sentido de proteger e fomentar as exportações dois importantes diplomas se publicaram em 1965 o Decreto n.º 46 303 de 27 de Abril, que promulga o sistema de crédito e seguro à exportação, e o Decreto n.º 46 494, de 18 de Agosto que isentou a partir de 1 de Janeiro de 1966, de direitos de exportação todas as mercadorias constantes da respectiva pauta.
É evidente que este objectivo económico de verdadeiro interesse racional, de se obter um volume maior de exportações que atenue e diminua o grande déficit da balança de comércio, exige um concurso simultâneo dos organismos públicos e das entidades privadas. O Estado, que tão corajosamente avança por vezes para a compra de produtos destinados ao abastecimento público, invadindo a esfera de acção das entidades privadas mostra-se por vezes receoso na ordenação e disciplina da concorrência. Alem disso, pratica ainda um intervencionismo excessivo na continuidade de uma orientação que se explicava na época do pós-guerra, mas que não tem agora justificação.
Se se quer que a indústria produza em condições de exportar e de concorrer em preço e em qualidade com os produtos estrangeiros congéneres, não se lhe pode
Negar a aquisição de matérias-primas que, pelo seu preço e pela sua qualidade lhe assegurem esse poder competitivo.
Por outro lado os exportadores têm de prosseguir os seus esforços no sentido da melhoria de técnicas, da qualidade e da identidade dos produtos, pondo termo a uma disparidade de tipos e marcas que só lhe são prejudiciais.
O problema foi ainda ontem aqui brilhantemente tratado pelo ilustre Deputado Sr. Prof. André Navarro.
Seria da maior vantagem que se estabelecesse uma certa solidariedade entre determinados grupos de exportadores. A concorrência que por vezes se estabelece entre estes a ninguém aproveita e só prejudica os interesses do País. As nações que possuem grandes valores de exportação praticam a concorrência. Mas limitam-na. E, assim, não é possível comprar um tecido inglês ou um relógio suíço abaixo de um certo preço. Há os acordos expressos ou tácitos a noção de que não vale a pena vender quando não há lucro e, muito menos, quando há prejuízo.
Aí está uma vasta tarefa a empreender. Por parte do Estado, no sentido de disciplinar a concorrência. Da parte das entidades privadas no sentido de adquirirem a consciência dos seus limites.
São numerosos e compreensíveis os apelos ao aumento da produtividade das empresas como condição fundamen-
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tal de progresso económico. Além disso sendo necessário assegurar aos trabalhadores condições mínimas de vida e de bem-estar para que não cedam a solicitações exteriores e procurem outros países para exercer a sua actividade- o que tem acontecido em larga escala -, toda a alta de salários que não tenha compensação num aumento de produtividade origina um aumento de custo de produção que é uma causa médita e directa de inflação.
É frequente, na imprensa financeira, explicar-se uma inflação precisamente por se Ter concedido um aumento de salários superior à taxa de crescimento da produtividade.
Sr. Presidente. Vivemos numa época em que as relações comerciais se efectuam mais entre grupos de nações do que entre nações isoladas. Do outro lado do Atlântico, os Estados Unidos, que vêem baixar o seu comércio com a Europa, procuram um bloco com o Canadá e outras nações americanas. A Inglaterra, embora ressentindo-se da dispersão geográfica que caracteriza a Commonwealt, esforça-se por manter com grandes dificuldades os vínculos que a ligam aos seus antigos domínios e colónias na Europa, o Mercado Comum e a E F T A discutem as possibilidades da sua fusão.
Esta tendência para substituir as trocas internacionais por trocas intercontinentais foi recentemente analisada por André Marchal num estudo a que deu o título de A Regionalização do Mercado Mundial.
Segundo o ilustre autor e economista a causa fundamental desta regionalização reside na aspiração legítima de todos os povos, sob o estímulo do progresso técnico, a desenvolverem-se e a industrializarem-se. A ideia do equilíbrio que, no século XIX e no começo do século XX conduziu a um determinado de estrutura baseado na especialização territorial das nações e a um mercado de carácter e de vocação mundial, substituiu-se hoje a ideia do desenvolvimento industrial, complexo e harmónico através de pólos de crescimento que, contribuindo para pôr face a face economias nacionais concorrentes- e não complementares -, suscitam o alargamento do círculo da colaboração e das trocas e a formação de blocos económicos regionais.
A experiência demonstrou efectivamente que, na medida em que a economia de uma nação pretende industrializar-se, tem de ter o apoio de um mercado de grande dimensão. A indústria aeronáutica e indústria electrónica e tantas outras exigem investimentos consideráveis e mercados que assegurem os consumos indispensáveis à sua rentabilidade.
Daí a constituição de blocos associando economias mais concorrentes que complementares, com carácter mais económico que político, visando um desenvolvimento acelerado e a formação de grupos integrados à imagem dos Estados Unidos da América tornados o modelo de crescimento económico.
Entre 1933 e 1961, a produção mundial aumentou 33 por cento, enquanto o volume do comércio internacional acusou um aumento de 73 por cento. As estatísticas revelam que as trocas se efectuam cada vez mais entre países desenvolvidos e industrializados e cada vez menos entre países industrializados e países de produções primárias. Por isso, a grande expansão do comércio mundial respeitou sobretudo a países e a regiões industriais que na classificação da G A T T compreendem os Estados Unidos, o Canadá, os países da Europa ocidental, a Finlândia, a Jugoslávia e o Japão e cujas exportações corresponderam a 63 por cento do comércio mundial em 1961.
Segundo o autor que há pouco mencionei e do qual reproduzo os elementos que acabo de referir, do facto de as trocas entre os países do Mercado Comum aumentarem mais rápida e fortemente do que o comércio mundial pode concluir-se que, em matéria de trocas internacionais, o efeito do rendimento tem mais influência que o efeito do curto, dado que o que limita a procura não são as necessidades, mas o poder de compra e, por isso, as trocas são mais intensas entre países desenvolvidos e ricos.
E pode concluir-se também que a contiguidade territorial, a vizinhança e a proximidade constituem factores importantes de desenvolvimento do comércio. E isto porque sendo limitada a área de difusão dos pólos de crescimento a intensidade e a influência destes vai diminuindo à medida que aumenta a distância.
Estas considerações explicam em parte, as dificuldades que a Inglaterra tem encontrado em manter a coesão económica dos países que constituem a Commonwealth e o seu desejo de associar-se às nações ocidentais suas vizinhas mais próximas.
No trabalho que citei diz-se que os impérios da Antiguidade e os grandes estados da Idade Média constituíram-se sob a influência de factores principalmente de ordem política e desagregaram-se sob a influência de factores extra-económicos. A sua fragilidade provinha precisamente do facto de nenhuma solidariedade económica assegurar a coesão do conjunto.
Sr. Presidente: Foi certamente tendo em vista a necessidade de constituir um mercado de maior dimensão e de desenvolver a solidariedade económica, como condição indispensável do fortalecimento da unidade política da Nação que se publicaram os diplomas e se adoptaram as providências necessárias à criação do espaço económico português.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- Dois diplomas fundamentais, o Decreto-Lei n.º 44 016, de 8 de Novembro de 1961, e o Decreto-Lei n.º 44 632, de 27 de Outubro de 1962, complementados depois por outros diplomas legislativos, estabeleceram os princípios básicos da integração económica nacional, cujo processo deverá ser a combinação tão perfeita quanto possível de um desenvolvimento territorial planeado e executado semelhantemente, com a livre circulação das pessoas, dos capitais e dos bens e serviços em todo o território português.
De acordo com estes princípios estabeleceu-se um calendário de desmobilização aduaneira e de abolição de restrições quantitativas no comércio entre a metrópole e o ultramar, efectuando em ritmos diferentes e na consideração do diverso grau de desenvolvimento da metrópole e das províncias ultramarinas. Mas ao mesmo tempo que se estabeleciam os prazos dentro dos quais deviam estar abolidas todas as restrições à livre circulação de mercadorias, pessoas e capitais entre as parcelas do território nacional, formulavam-se princípios e adoptavam-se providencias destinados a assegurar um desenvolvimento harmónico de todas essas parcelas, de maneira que as menos desenvolvidas beneficiassem da melhoria geral e ascendessem também a mais altos níveis de progresso e de bem-estar.
São passados mais de cinco anos sobre a publicação do decreto n.º 44 016 e, embora não se tenha cumprido integralmente o vasto programa de providências enunciados para dar execução e esse imperativo nacional que é a formação do espaço económico português, muito se realizou já no sentido de se atingir esse objectivo.
Quanto à unificação dos mercados em 13 de Agosto de 1962 foram totalmente eliminados os direitos de exportação relativos a todas as mercadorias nacionais destinadas às províncias ultramarinas e em 1 de Janeiro
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de 1964 passou a existir isenção total de direitos aduaneiros de importação para todas as mercadorias nacionais originadas daquelas províncias.
No ultramar começou também a cumprir-se o programa de gradual redução de direitos quanto às mercadorias importadas de metrópole, embora não se tenha dado cumprimento a esse programa relativamente a mercadorias que deviam ser isentas em 1 de Janeiro de 1967 e cujas listas deviam ser publicadas em 30 de Junho de 1966.
Segundo o plano primitivamente traçado, os direitos aduaneiros sobre produtos originais da metrópole devem estar eliminados até 31 de Dezembro de 1971, podendo esse prazo ser prorrogado até fins de 1973, e isto para atender às dificuldades que podem advir para alguns territórios da eliminação total desses direitos.
E é ainda dentro da ideia de considerar a situação particular das actividades do ultramar que no preâmbulo do Decreto n.º 46 660, que promulgou o regime do condicionamento industrial no espaço português, no Ministério da Economia exprime a possibilidade de as províncias ultramarinas criaram direitos aduaneiros temporários para incentivo à protecção inicial de certas indústrias que, existindo já no continente e devendo continuar a existir desde que estejam em condições de trabalhar aos melhores preços as matérias-primas, tenham, no entanto possibilidade de ser também instaladas no ultramar.
Este pensamento do Ministério da Economia em nada contraria o processo de integração economia nacional.
Portugal ao aderir à E F T A, também condicionou a sua adesão ao Tratado de Estocolmo pela inclusão de determinadas clausulas destinadas a proteger certas industrias nascentes ou mais débeis.
Com algumas excepções estão abolidas também as restrições quantitativas à importação de produtos metropolitanos no ultramar e produtos ultramarinos na metrópole.
Tive há dias oportunidade de ler, por amável deferência do Sr. Ministro de Estado, o notável relatório elaborado pela Direcção dos Serviços de Integração Económica, para efeitos da elaboração do III Plano de Fomento e no qual se afirma.
Mau grado a progressiva supressão dos entraves ao comércio internacional ter sido substancialmente adiantada- é genèriacmente concluída- no continente e ilhas adjacentes por comparação com as províncias ultramarinas, o certo é que os efeitos benéficos daí advenientes não foram ainda suficientemente amplos para permitir, no conjunto, um crescimento das importações metropolitanas provenientes do ultramar a ritmo igual ou superior ao que se verifica no aumento das exportações da metrópole para as províncias. Daqui poder concluir-se que comparativamente à metrópole o ultramar não tem aproveitar suficientemente das vantagens que lhes foram abertas com o alagamento do mercado nacional levantando-se o problema de saber se a entrada em vigor das novas fases da redução de direitos nas provinciais de acordo com o calendário estabelecido na lei, não virá acentuar o desequilíbrio notado se, entretanto, não foram tornadas as efectivas medidas que compensem ou corrijam a tendência verificada.
Efectivamente, as estatísticas demonstram que entre 1960 e 1965 as exportações da metrópole para o ultramar cresceram de 72,1 por cento e as importações apenas aumentaram 621 por cento e que só se excluir a parte relativa às importações de diamantes de Angola essa
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parece poder encontrar-se unicamente no âmbito dos mecanismos monetário-cambiais, pelo que terá de fazer-se apelo à tomada e aplicação efectua e coordenada de todo um conjunto de medidas de política financeira e económica, que vão desde a canalização e incentivação de aplicação de capitais exteriores (em condições adequadas às necessidades do desenvolvimento económico e social desses territórios e à mobilização de poupanças internas para o investimento) até à adopção de amplos e efectivos programas de fomento das actividades produtivas internas, nomeadamente das com reflexos sensíveis no nível e estrutura das exportações, e à condução de uma acção tendente a facilitar as importações de material e equipamento necessário ao apetrechamento das províncias, desencorajando com severas medidas fiscais e outras a importação de bens sumptuários ou de utilidade secundária».
Neste problema das transferências e das dificuldades cambiais das províncias ultramarinas, há que analisar a verdadeira situação da balança de pagamentos de cada uma. Não parece correcto avaliar dos excedentes ou deficits da balança de pagamentos de uma província apenas pelo movimento do Fundo Cambial. Isso pode levar a erros importantes.
Assim, para se avaliar da verdadeira situação da balança de pagamentos de Angola, devem tomar-se em consideração, além das contas do Fundo Cambial, as contas da Agência Militar, as contas do sistema bancário e ainda as operações das empresas que têm privilégio cambial ou beneficiaram de deferimento ou antecipação em determinados pagamentos.
Averiguada a verdadeira situação da balança de pagamentos da província, parece assente a necessidade de um maior controle de operações cambiais e a certificação dos preços das importações e das exportações. E isto para evitar que pela atribuição de um maior valor às importações se consigam transferências que excedam o valor real das transacções e, pelo menor valor dado às exportações, deixem de entrar na província cambiais e divisas que são necessários ao equilíbrio e ao desenvolvimento da sua própria economia.
Para o estudo destas e outras questões, bastante complexas e respeitantes ao problema das transferências, está construído um grupo de trabalho formado por representantes do banco central e dos Ministérios das Finanças e do Ultramar, que, com a colaboração dos sei viços oficiais, apreciará uma série de projectos que formalizam as providências a adoptar para a solução daquele problema.
E, se esta Câmara dele se tem ocupado, é natural que formule o voto por que se atinjam resultados e conclusões que possam facultar a criação de um mercado nacional e, com este, a formação de um verdadeiro espaço económico português.
Os anseios do Governo e da Assembleia Nacional, da metrópole e do ultramar são absolutamente coincidentes nesta matéria.
Sr. Presidente: Foi distribuído na corrente semana o relatório do Banco de Portugal relativo ao ano último Como sempre, trata-se de uma publicação verdadeiramente notável pelos precisos elementos de informação que contém e pela análise objectiva e documentada da conjuntura económico-financeira interna e externa.
Além dos dados e dos números que comprovam a solidez do nosso banco central e o valor - sempre acrescido - das reservas que garantem o crédito e a estabilidade da nossa moeda, o relatório fornece-nos informações do maior interesse sobre a balança de pagamentos da zona do escudo.
Assim, a balança de pagamentos das províncias ultramarinas com o estrangeiro apresentou em 1906 um novo excedente de 2 044 000 contos, embora inferior em 410 000 contos ao obtido em 1963, e isto devido principalmente ao deficit na balança de mercadorias.
Quanto à metrópole, apesar do grande saldo negativo da balança comercial, a balança de pagamentos acusa um saldo positivo de l 982 000 contos, ou seja, um resultado que o próprio relatório do Banco classifica de excepcional.
Esse excedente derivou de o superavit por invisíveis correntes ter compensado em cerca de 93 por cento o déficit comercial e de se ter constituído um novo e vultoso saldo na balança de capitais.
O Sr. Araújo Correia: - V Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Araújo Correia: - Já depois de publicado o parecer da metrópole foram publicadas as cifras da balança de pagamentos do ano de 1965. A revisão destas cifras modifica os quadros das pp. XXII e XXIII.
P XXII
[ver tabela na imagem]
P XXIII
[ver tabela na imagem]
1963
Transações correntes........ - 3 608
Operações de Capital........ + 3 061
Déficit.......... - 547
Erros ou omissões 62
485
O Orador: - Muito obrigado.
As receitas líquidas do turismo ascenderam a 5 118 000 contos e o saldo das transferências privadas a 4 537 000 contos
Em consequência de se ter elevado a l 929 000 o número de turistas entrados em Portugal em 1966, as receitas líquidas do turismo registaram um aumento de 2 774 000 contos relativamente ao ano de 1963.
Compreende-se, por isso, a vantagem de valorizar os recursos turísticos do País como meio de aumentar a entrada de invisíveis, que tão fortemente pesam na balança geral de pagamentos.
Desde que se reconheceu que o turismo constitui uma verdadeira indústria de exportação, todos os países procuram desenvolver uma actividade que é fonte de enriquecimento interno, com efeito directo nas balanças de pagamentos, e, ao mesmo tempo, um instrumento de
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educação e de cultura que se reflecte na aproximação e melhor compreensão entre os povos.
Segundo as últimas estatísticas publicadas pela O. C. D. E , as receitas turísticas de divisas em 1965, no conjunto dos países membros europeus da organização, elevaram-se a 7 biliões de dólares, ou seja, o correspondente a quase 6 por cento das suas exportações visíveis e invisíveis. Para alguns desses países, a percentagem é muito mais alta e tende a aumentar. Em 1964, elevava-se a 42 por cento para a Espanha, 24 por cento para a Áustria, 18 por cento para a Irlanda, 14 por cento para a Grécia, 13 por cento para Portugal, 12 por cento para a Itália e a Suíça. Em 1965, das receitas do turismo auferidas pelos países europeus da O C. D E. 50 por cento couberam à Itália e à Espanha, aquela com 26 por cento e esta com 24 por cento do total.
Com a democratização do turismo internacional, as despesas turísticas deixaram de ter o seu carácter de despesas de luxo. Todavia, não deixam de estar dependentes de um certo grau de prosperidade geral e de reflectir a situação económica interna dos diversos países.
E se é motivo de enriquecimento para as nações que recebem mais do que gastam em despesas de turismo, não deixa de constituir motivo de apreensão para os governos dos países que vêem as suas balanças de pagamentos acusar os efeitos dos gastos avultados feitos pelos seus nacionais no estrangeiro. A Alemanha registou em 1965, na balança de pagamentos e na parte referente a entrada e saída de divisas relativas a turismo, um saldo negativo de 812 milhões de dólares e os Estados Unidos de 1188 milhões de dólares.
Como se diz no ]á citado relatório da O C D. E , sendo de toda a vantagem o desenvolvimento do comércio e dos pagamentos internacionais, seria de desejar que todas as medidas destinadas a corrigir o desequilíbrio dos pagamentos fossem feitas através de acréscimos de receitas, de preferência a diminuições de despesas.
Infelizmente, nem sempre isso acontece. E, assim, a Inglaterra, que teve em 1965 um excesso de gastos sobre receitas de turismo no montante de 272 milhões de dólares, reduziu, a partir de l de Novembro de 1966 e por um período dei doze meses, o limite de despesas de viagens no estrangeiro a 50 libras por pessoa. Esta medida é natural que venha a ter algum reflexo no balanço das nossas contas turísticas e demonstra a necessidade de possuirmos uma diversificação de mercados turísticos que garanta, tanto quanto possível, saldos estáveis e aproximados em face das restrições ao livre movimento de divisas que um ou outro país, por pressões monetárias internas, se veja obrigado a adoptar.
Sr. Presidente: Quando se lança um olhar retrospectivo para o esforço feito pelo País nos últimos anos procurando salvaguardar os princípios básicos da Administração em face das pesadas tarefas da hora presente, temos de reconhecer que Portugal tem sido digno de si próprio e tem estado à altura das responsabilidades que voluntariamente assumiu num dos momentos mais graves e difíceis da sua história.
Como nos tempos heróicos, passou à África uma grande parte da fina flor das nossas forças armadas, a juventude foi chamada a quartéis para exprimir a fé e empunhar o guião da Pátria.
E toda esta mobilização de recursos militares que quotidianamente se renova, como se a Nação fosse inesgotável em homens e em espírito de sacrifício para guardar o mais sagrado dos seus patrimónios, tem sido suportada e mantida com o que o País paga regularmente ao Estado em consequência- do exercício das suas actividades normais, deixando os recursos extraordinários para obras de engrandecimento que possam valorizar o Portugal de amanhã.
Nesta regra da administração financeira está consubstanciado um alto princípio de ética política que se confunde com as razões transcendentes de idealismo e de desinteresse que sempre animaram a nação portuguesa em todas as suas grandes cruzadas no Mundo.
Podiam empenhar-se esses recursos normais em empreendimentos de maior conforto individual, de maior bem-estar, de maior número de regalias materiais. Podia mesmo diminuir-se e atenuar-se o próprio sofrimento humano. Mas de que serviria tudo isso se não pudéssemos preservar a integridade da Pátria. Que maior sofrimento podia haver para a alma e para o coração de todos os portugueses?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente Quando se estudam e ficam conhecendo as providências adoptadas nos últimos anos tendentes à valorização do ultramar, as verbas gastas através dos planos de fomento, os investimentos feitos, as obras realizadas, os empréstimos que só concederam, os avales que o Estado deu para atrair capitais, as melhorias obtidas no crédito e em outros serviços, temos de reconhecer a grandeza- de um esforço que visa o desenvolvimento harmónico de todas as parcelas do território nacional. Poucos poderiam ter feito tanto. E certamente nenhuns poderiam ter feito mais e melhor.
Todavia, quando se compulsam os relatórios oficiais e se toma contacto com os anseios das províncias ultramarinas - tão brilhante e frequentemente expostos pelos seus ilustres representantes nesta Câmara - logo se verifica o muito que há a fazer, as largas tarefas a realizar no povoamento, no lançamento de estruturas e infra-estruturas, na assistência técnica, na valorização de recursos, na educação, na cultura, na promoção social e sanitária das populações
São obras vastas, próprias de uma nação construtora de nações e que através dos séculos sempre surpreendeu o Mundo pelo anojo e pela grandeza dos seus empreendimentos.
Saibamos, conservando bem nítido o sentido das realidades e das responsabilidades, manter a força de ânimo, o optimismo sadio, o vigor de espírito e de vontade com que se vencem as grandes batalhas. Saibamos, numa palavra, Sr. Presidente e Srs. Deputados, celebrando o passado, construir o futuro.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr. Mário Galo: - Sr Presidente, prezados colegas Com datas de 14 e 24 de Fevereiro último, foram, como sabemos, emitidos os pareceres sobre as Contas Gerais do Estado de 1965 - com referência, respectivamente, ao ultramar e à metrópole.
Qualquer dos dois pareceres é uma peça de excelente valia - honrando a Comissão das Contas Públicas desta Assembleia Nacional, formada, tal Comissão, pelos nossos ilustres Colegas (aos quais são devidas as melhores homenagens) Dr. José Fernando Nunes Batata, tenente-coronel Manuel Amorim de Sousa Meneses, Dr. Manuel João Correia, Dr. Luís Folhadela de Oliveira e, na condição de relator, Eng. º José Dias de Araújo Correia.
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Esta Comissão, havendo-se honrado pela outorga à nossa apreciação de tão valiosas peças- onde, a par da preciosa visão do pormenor, surge, imponente, a visão panorâmica, tudo num serviço informativo e desejando (sem a preocupação, aliás, de se dar ao arrependimento por não alcançar o fim, quando não o alcança) promover bom impulso de formação -, honra-nos a nós todos os que temos assento nesta Casa da Representação Nacional.
Bem hajam os prezados e ilustres Colegas por tão prestimoso e desassombrado trabalho que doíam de presente ao País.
Actuou a Comissão como um conjunto de sábios peritos, não somente em função técnica, senão também que em função política (a do tal impulso de foi mação) - esta última função se inferindo de magníficos - aliás, diga-se, já habituais- comentários que pena é que muitos não sejam sistemàticamente e firmemente aproveitados ou seguidos nas suas expressões indicativas, orientativas e, já o fui dizendo, formativas, quando não eminentemente imperativas.
Visto que a um subjectivismo ecléctico na temática que se põe nos pareceres sobre as Contas Gerais do Estado - uma temática bem aceite ou não para projecções políticas, consoante as camadas diligentes dos nossos destinos tenham ou não tenham opiniões coincidentes o, portanto, se disponham ou não a seguir as de tais pareceres-, visto que, dizia eu, a tal subjectivismo (em que, aqui o declaro, muito medito, porque nele muito aprendo) corresponde o objectivismo relevante e por ninguém contestado de um exame profundo das contas de execução em si, na conexão com as disposições orçamentais, nos contextos legal e técnico-previsional, eis que me resta apenas, e com satisfação o digo, um só caminho de resolução pessoal o de, desde já - antes, pois, de quaisquer outras considerações -, aprovar, pura e simplesmente, as Contas Gerais do listado de 1963. E nisso presto também homenagem à circunstância de a Comissão das Contas Publicas haver dado o seu acordo às mesmas Contas de 1965.
Prezados Colegas Continuo fiel à ideia -já expendida e acarinhada por mim, aqui e noutros locais, onde a oportunidade surja- de que o tempo da discussão das propostas de leis de meios e da apreciação das Contas Gerais é bem o tempo de se falar sobre tudo quanto julguemos poder servir, próxima ou remotamente, os interesses da Nação, nos seus aspectos globais ou seccionais, materiais ou morais e espirituais e políticos Interesses que tão desde os direitos às obrigações na contemplação de coisas e gentes, mesmo quando qualquer âmbito contemplado mais pareça aplicar-se ao interesse de poucas coisas ou poucas gentes, que não o âmbito geral. Porque, pensando-se assim, dir-se-ia que olhar pelo interesse lê um homem só - desde que tal constitua obrigação da Nação - o mesmo é que olhar pelo interesse de toda a gente nacional, naquele jeito do célebre moleiro de Sans-Souci, que lançou o fulminante grito «Ainda há juizes em Berlim!», perante o qual se curvou um poderoso rei da Prússia respeitando, não apenas os interesses de um moleiro, de um homem só, mas, sobretudo, o sentido de dever de uma nação diante de direitos estabelecidos.
Assim sendo, sentir-me-ia tentado a tratar mais de uma vez dos agudos problemas que ao País traz -não se sabe ainda por quanto tempo - a vida difícil, quanto a meios humanos executivos e alguns diligentes e quanto a meios materiais, por que tem passado o nosso Instituto Nacional de Estatística, para cujo bom e atempado serviço não chega a circunstância de ter à sua frente uma personalidade que, no seu oficio, é «mestre de muito sabor». O caso de havei estatísticas nacionais das de primordial importância e referentes a 1963 que só foram distribuídas em princípios de 1967 - isso, em boa verdade, revela bom as dificuldades que o Instituto Nacional de Estatística tem atravessado Dificuldades que bom será que desapareçam agora de uma vez para sempre, com a remodelação que foi há pouco tempo anunciada pelo Sr. Ministro de Estado Dr. Mota Veiga, em discurso que causou a maior satisfação em todos aqueles que, de qualquer modo e em qualquer intensidade, vêem as suas possibilidades de observação, de estudo, de discernimento e de proclamação de princípios ou meras ideias subordinadas às próprias possibilidades do Instituto Nacional de Estatística, no já apontado conspecto de bom e atempado serviço. Até porque, como se diz no parecer dedicado às contas da metrópole, as funções do Instituto são altamente rendosas - para a Nação, muito naturalmente.
Tentar-me-ia também voltar a tratar do caso do assimétrico desenvolvimento económico regional entre nós - disparidades que não há meio de as vermos erradicadas das nossas preocupações maiores. E não porque la me vai parecendo que não há aquele conjunto de pessoas qualificadas, técnica e legalmente, que se decidam, em termos de índole ditatorial -diga-se a palavra porque é palavra que se aceita bem às circunstâncias que se requerem-, a sentar-se a uma mesa e a dar não arrancarem sem que ao País dêem um esquema de resolução dessas disparidades que, pelo menos, as dissipem em boa parte - para bem do País e até das industrias já instaladas, já que, como também se diz no referido parecer.
Os efeitos da concentração industrial em torno dos dois grandes pólos de atracção (Lisboa e Porto) implicam atrasos nos consumos do interior, onde reside alta percentagem da população, até há poucos anos a viver, em grande parte, do rendimentos de origem agrícola de muito baixo nível. Ora o produto nacional funda-se nos consumos, desenvolve-se nos consumos.
Poderia, pois, é bem de ver, carrear para a minha intervenção do agora novas achegas (tantas que podiam sei, santo Deus ) com que lamentasse os males das estatísticas não suficientes nem dadas a lume em tempo útil e oportuno, e com que lamentasse as consequências tremendas para o presente e para o futuro do nosso país advindas da indecisão ou da não-querença de se promover, de uma vez para sempre, a grande marcha para o interior do País do ponto do vista económico-social.
Porém, limitar-me-ei, hoje, a voltar ao tratamento de um outro problema, aliás, escaldante, sem duvida nenhuma. Refiro-me ao problema das remunerações atribuídas ao funcionalismo público, civil e militar, no activo e na reforma, e também aos beneficiários de pensões de qualquer outra espécie que delas têm de viver - se isso é viver já que melhor se diria que delas, pensões, têm de ir deixando de viver , nessa terrível luta dos rendimentos teimosamente fixos contra os preços das coisas sempre em marcha ascensional, teimosamente ascensional.
Prezados Colegas: Não me parece, de resto, que seja de mais falai-se em assuntos que se prendem com remunerações - isto é, como o que constitui o meio de manutenção - atribuídas ao funcionalismo público, activo e reformado. E, naturalmente, porque as dificuldades andam no mesmo tom, em assuntos que também se prendem
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com as remunerações atribuídas aos pensionistas quer viúvas, quer ascendentes ou descendentes de quem formou ou originou a pensão.
Porque, em boa verdade, a vida continua a ir má para quem, activos, outros meios não têm para além dos proventos únicos dos ordenados ou das pensões que auferem.
Como bem sabemos, o Sr. Ministro das Finanças, na emissão do Decreto-Lei n.º 47 137, de Agosto do ano último- com que se estabeleceu um suplemento (a título provisório) de remuneração ao funcionalismo público activo -, serviu-se da variação dos índices dos preços no consumidor entre 1938 e 1963. Uma variação que computou na ordem dos 20 por cento, já que, segundo o Instituto Nacional de Estatística, a variação fora de 18,4 por cento, e, segundo o Banco de Portugal, de 20,9 por cento- aliás, coisa com que nenhuma dona de casa concorda, e lá sabem porquê.
O carácter de provisório não poderá de maneira nenhuma prolongar-se, pelo que o aumento de remuneração ao funcionalismo já contemplado desde Setembro último com o seu suplemento de remuneração estabelecido tem de ser encarado de novo. É sim porque, não só o suplemento foi insuficiente, mas também porque o custo de vida continua a subir- e já subira muito desde a média oficialmente considerada para 1965 até ao mês de Setembro de 1966, mês em que começou o funcionalismo activo a receber o suplemento decretado. O que, evidentemente, quer dizer que o cálculo pecou por defeito (defeito imediato e de previsão), mesmo partindo-se do princípio de que a posição de 1965 relativamente a 1958 era aceitável pacìficamente na variação já referida 18,4 por cento pelo Instituto Nacional de Estatística ou 20,9 por cento dados por Banco de Portugal.
Aliás, tudo foi feito no decreto-Lei n.º 47 137 tendo em consideração apenas o funcionalismo público activo- em nada considerando os reformados e outros pensionistas.
Num sentido de graduação das dificuldades actuais para as classes remuneradas pelo Estado e pelas forças privadas, diremos que, crescentemente, tais dificuldades se põem no seguinte esquema.
a) Empregados nas empresas privadas,
b) Empregados em funções públicas na situação activa,
c) Empregados nas empresas privadas e em funções públicas na situação de reforma e pensionistas de outras espécies.
Isto é as maiores dificuldades sentem-nas os titulares do direito às remunerações designadas na alínea c), descendo as dificuldades com a subida nas alíneas.
E falarei, neste meu apelo de agora somente nos casos dos indivíduos que auferem as suas remunerações pelas vias apontadas nas alíneas b) e c) isto é, dos casos dos empregados em funções públicas na situação activa e dos empregados em quaisquer funções (públicas e privadas, portanto) na situação de reforma e pensionistas de várias espécies.
Nas classes activas, quaisquer que sejam veremos naturalmente, a possibilidade das remunerações em forma de complemento por empregos que se arranjam paralelamente ao que constitui a ocupação principal- ainda que nem toda a gente dessas classes o possa fazer por incompatibilidade de tempos e/ou funções até porque não aparecer o segundo emprego. Aliás muitos empregados estão já em idade de não poderem suportar esforços para além do que lhes exige a função activa principal.
Em certos casos os reformados também conseguem novos empregos- e desde já se diga que muitos o fazem a medo, porque certos «conselheiros» lhes vão dizendo que se arriscam a perder a remuneração da reforma. Mas isto é apenas conseguido por pequena parte dos reformados, pois há, por parte de quase todos os empregadores, a exigência de idades ainda que pagando pouco.
E acontece que os actuais reformados e os pensionistas viram a sua remuneração preparada ou reservada ao longo da sua vida funcional por dinheiro descontado quando tal dinheiro tinha valor aquisitivo mais ou muito mais elevado do que o
Actual- valor aquisitivo que, ainda por cima, continua a baixar.
Admitindo que o único designo do Estado, ao formar o quadro das remunerações de reforma do seu funcionalismo- e as próprias pensões para outros beneficiários- ara (e é, claro) de estripo moral, não vermos que tal remuneração estacione ao longo dos tempos, perante o galgar do custo de vida e até perante a subida, pequena que seja, das remunerações atribuídas aos funcionários públicos activos dado que tudo, no início, terá sido considerado na base de um mínimo de manutenção vital.
É, por isso mesmo, repito o que disse noutra intervenção em que pus claramente a intenção de agora «O Estado não pode ser ingrato para quem o servir durante a sua vida activa.»
Naturalmente quando defendo os interesses dos empregados públicos quer activos, quer não activos, e dos demais pensionistas- com isso não se queria dizer que não considero de todos o ponto desejável que se forme a defesa de iguais activos e não activos quando considera a função privada. As considerações que terei de fazer a seguir respeitam. As considerações que terei de fazer a seguir respeitam a todos os indivíduos remunerados, activos e não activos- gente dependente do Estado e gente dependente de entidades privadas, neste último caso, gente beneficiária que principalmente não esteja em função activa reformados e pensionistas não estejam em função activa reformados e pensionistas também.
Prezados Colegas: Os números absolutos, indiciais e percentuais, que iremos ver adiante serão, na medida do possível e sempre que interessando as circunstâncias de exposição comparados com o ano de 1958- um ano que, como já vimos, o sr. Ministro das Finanças tomou como primeiro termo de relação para a outorga do suplemento de remuneração ao funcionalismo público activo.
Comecemos por ver como se comportou a classe dos trabalhadores rurais do continente português, em matéria dos salários. Teremos:
Índices ponderados dos resultados dos trabalhadores rurais no continente
[ver tabela na imagem]
Isto é: quer nos homens quer nas mulheres a remuneração desde 1938 mais do que dobrou- havendo em apenas 12 meses (Setembro de 1963 para Setembro de 1966) uma subida à volta de 30 pontos (de 73,8 e 77,2 por cento sobre 1938 para 103,4 por cento.
Se passarmos para os salários profissionais da indústria e dos transportes a cidade do Porto (para tomarmos desde já uma localidade expressiva em que o ano de 1958
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for tomado directamente como ano base da consideração desses salários), teremos:
Índice global de salários profissionais da industria e dos transportes (Porto)
Base (100) 1958 100
Setembro de 1963 153,5
Dezembro de 1963 137,4
Setembro de 1966 (último indicador publicado Pelo Instituto Nacional de Estatística) 172,2
Isto é de 1938 para Setembro de 1966, o aumento foi de 72.2 por cento.
A cidade de Lisboa apresenta nas estatísticas oficiais recentes um quadro em que o ano de base é o de 1961- e dá a seguinte subida dos mesmos salários.
Índice global de salários profissionais da indústria e dos transportes (Lisboa)
Base (100) 1961 100
Setembro de 1965 124,7
Dezembro de 1963 127,4
Setembro de 1966 (último indicador publicado
pelo Instituto Nacional de Estatística) 136,9
Isto é de 1961 para Setembro de 1966, o aumento desses salários em terras de Lisboa foi de 36,9 por cento. Se quisermos, porém, tomar números que nos levem, quanto à cidade de Lisboa a comparações entre Setembro de 1938 e Setembro de 1966, basta-nos fazer os cálculos de transição de um quadro mais antigo, em que o ano de base for o de 1948 para o quadro que tomou para base foi o de 1961. Contudo, como não foi, no quadro com base em 1948, calculado o índice global, mas apenas o índice de cada uma das profissões mais conhecidas, irei apresentar a seguir o quadro de variação dos salários referentes a algumas das mais conhecidas e significativas profissões. Teremos, então
Salários profissionais da indústria e dos transportes (Lisboa)- em valores e em índices
[ver tabela na imagem]
Os aumentos- de Setembro de 1958 para Setembro de 1966- são também notáveis, comparados com os tais 20 por cento que moveram o Sr. Ministro das Finanças.
Considerando, prezados colegas estes aumentos salariais (dos trabalhadores rurais e dos profissionais da indústria e dos transportes), daí chegamos à conclusão de que eles, aumentos, são mais indicativos de caminhos a seguir do que o aumento do custo de vida oficialmente dado pelas estatísticas oficiais (números, estes últimos- os do custo de vida -, que, repito, as donas de casa se recusam a aceitar). Porque, no jogo livre do mercado do trabalho, não se compreenderia, nem se aceitaria da parte patronal (nem o Ministério das Corporações e Previdência Social o admitiria), que houvesse grandes aumentos salariais sem a justificação do correspondente aumento real do custo de vida, mesmo para além da consideração dos aumentos que se justificam pela simples circunstância de o trabalhador rarear neste ou naquele ofício ou de, mesmo, desejar subir nos escalões das necessidades novas- que terão de ser satisfeitas progressivamente na senda da civilização.
Os índices dados pelas entidades oficiais (através das publicações do Instituto Nacional de Estatística- a fonte única de que tenho socorrido nesta minha intervenção), esses índices possibilitam-nos, por exemplo, o seguinte quadro para o capítulo da alimentação, o grande termo do custo de vida.
Índices de preços no consumidor em várias cidades (alimentação)
[ver tabela na imagem]
(a) Base 1 de Julho de 1918 a 30 de Junho de 1919
(b) Base 1 de Julho de 1930 a 30 de Junho de 19[...]1
(c) Base 1 de Julho de 19[...]3 a 30 de Junho de 19[...]1
(d) Base 1 de Julho de 19[...] a 30 de Junho de 1936
(e) Base 13 de Julho de 19[...] a [...] de Julho de 1936
(f) Base 1 de Julho de 1961 a 30 de Junho de 1962
(g) Para a cidade de Faro a coluna [...] muda se para «1961».
Trata-se de um quadro que não pode facilmente ser lido, dada a variedade dos períodos tomados pelo Instituto Nacional de Estatística para base- pelo que tenho a honra de chamar para ele a fineza da atenção dos prezados Colegas, quando vier publicado no Diário das Sessões. De resto, estou pronto a mostrá-lo a quem desejar vê-lo imediatamente. Verão então a variação do custo de vida no capítulo da alimentação- que, repito, é o grande termo (de resto, todos o sabem) o termo mais vultoso de quantos integram o quadro do custo da alimentação de 1958 para 1966 (Setembro ou Novembro) é pràtivamente superior a 30 por cento- mais portanto, do que os 20 por cento que serviram de fundamento às considerações que levaram à emissão do Decreto-Lei n.º 47 137. Sem embargo nenhuma dona de casa- lá continuo a teimar em trazer para aqui esta respeitável entidade dos nossos lares- acredita em tais índices, pois os considera baixos de mais para as realidades que sempre tiveram de enfrentar!
E em abono dessas grandes (embora suaves, quase sempre) ditadoras dos orçamentos domésticos irei apontar preços e diferenças enorme nos mesmos com referência a vários artigos alimentares- preços e diferenças no âmbito geográfico do distrito de Leiria e portanto dos preços praticados em 1938, em 1965 e em 1966. Torno para apreciação o distrito de Leiria apenas por seu o meu- sem portanto qualquer intuito reservado, até porque nos demais distritos as coisas apresentam pràticamente o mesmo tom. Vejamos, pois,pre-
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ços em 1958, em 1965 e em 1966 no distrito de Leiria - preços recolhidos e publicados pelo Instituto Nacional de Estatística (preços, estes que, na sua latitude geral, já merecem alguma aprovação das donas de casa leirienses )
Variação do preço do retalho de vários artigos alimentares em Leiria
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Quilograma
Os preços constantes deste quadro - preços e suas variações - também indicariam que o aumento tomado pelo Sr Ministro das finanças para a outorga do suplemento de remuneração ao funcionalismo público activo ficou muito e muito aquém das necessidades E, se os preços médios de 1965 já impressionam quanto ao aumento relativamente aos preços médios de 1958, se considerarmos os preços de 15 de Novembro de 1966 (últimos números publicados pelo Instituto Nacional de Estatística), então as coisas pioram no conceito dos observadores. É o que diz o quadro que acabo de inscrever nesta minha exposição Diferenças estas últimas a criarem, sem duvida, novas preocupações ao Governo, em cima das que já tinha quando pretendeu dar aquele «algum acerto aos vencimentos do funcionalismo activo» - o que quer dizer que a assimetria que existe entre vencimentos e custo de vida se acentua cada vez mais.
Prezados Colegas Pois bem se se confia no Governo em materia da defesa das condições de vida - na dualidade antinómica preços-recursos nas utilidades indispensaveis, não digo a uma subida de nivel, mas pelo menos, a uma manutenção do nivel se o governo consente que os salários e outras remunerações nas empresas privadas subam em forma quase espectacular em muitos sectores - com isso querendo-se dizer que não se considera tal subida incompatível com as reais necessidades dos aumentos se consente que os preços subam também, mesmo nas indicações oficiais, que pouca gente tem em conta - e os que o Instituto Nacional de Estatística se propõe realizar um inquérito para se repor (ou pô-la) a verdade estatística (não se fala já na própria metodologia, coisa que, desde que seja adoptada como princípio, só deve ser afastada pela adopção de outra), se assim é, bem ficará ao Governo que promova desde já providencias no sentido de os seus dependentes activos e reformados e os pensionistas que de qualquer modo dependam, quanto à sua remuneração do Estado serem contemplados com os aumentos dos, seus proventos que os coloquem a coberto dos aumentos do custo de vida E não apenas, considerando o que terá subido a partir desta ou daquela data - mas, sim, tendo em conta, pura e simplesmente, a adequação dessas remunerações às necessidades postas pela elevação do custo de vida, e tendo-se também em conta que tudo deve ser feito no sentido de esse mesmo custo de vida parar na escalada que está a fazer, para desespero de todos nós
Façamo-nos, aqui e em todos os pontos onde alguma influência se possa construir no bom sentido, eco dos próprios clamores da digna imprensa do País que os tem lançado a este respeito - em especial quando se trata dos reformados e dos pensionistas, dessa gente toda que vive (ou não vive!) dos rendimentos que repito, são teimosamente fixos perante a subida constante, teimosamente constante do custo de vida
Prezados Colegas Vou terminar, dizendo que todos os remunerados, activos e não activos - que, pràticamente todos eles, não têm mais donde lhes venha rendimento a juntar ao fixo das suas remunerações de origem pública ou privada -, todos esses remunerados esperam. Esperam confiados ainda - mas sem que se possa dizer que não virão a perder essa confiança, com todas as consequências que disso poderão advir
Tenho dito
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
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18 DE MARÇO DE 1967 1559
O Sr Presidente: - Vou encerrar a sessão O debate continuará na teiça-feira dia 21, à hora regimental sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão
Eram 19 horas
Srs Deputados que entraram durante a sessão
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães
Aníbal Rodrigues Dias Correia
António Augusto Ferieira da Cruz
António Barbosa Abranches de Soveral
António Calheiros Lopes
António Manuel Gonçalves Rapazote
Arlindo Gonçalves Soares
Armando Acácio de Sousa Magalhães
Armando Cândido de Medeiros
Artur Correia Barbosa
Augusto César Cerqueira Gomes
D Custódia Lopes
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral
Fernando Alberto de Oliveira
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro
Henrique Veiga de Macedo
Jaime Guerreiro Rua
João Duarte de Oliveira
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
João Ubach Chaves
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia
José Fernando Nunes Barata
José Gonçalves de Araújo Novo
José Henriques Mouta
José Maria de Castro Salazar
José de Maria Nunes Mexia
Júlio Alberto da Costa Evangelista
Manuel Amorim de Sousa Meneses
Manuel João Correia
Manuel Nunes Fernandes
D Mana Ester Guerne Garcia de Lemos
D Marra de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Raul Satúrio Pires.
Rogério Noel Peres Claro
Rui Pontífice de Sousa Sebastião Alves.
Sérgio Lecercle Sirvoicar
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães
D Sinclética Soares Santos Torres
Teófilo Lopes Frazão
Tito de Castelo Branco Arantes
Srs Deputados que faltaram a sessão
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Álvaro Santa Rita Vaz
António José Braz Regueiro.
António Júlio de Castro Fernandes
Augusto Duarte Henriques Simões
Aulácio Rodrigues de Almeida
Fernando de Matos
James Pinto Bull
Joaquim de Jesus Santos
José Guilherme Rato de Melo e Castro
José Rocha Calhorda
José dos Santos Bessa
Manuel Henriques Nazaré
Manuel Lopes de Almeida.
Rafael Valadão dos Santos
O REDACTOR - António Manuel Pereira
Requerimento cintado para a Mesa durante a sessão pelo Sr. Deputado Borges de Araújo
Possuindo apenas, dos estudos publicados pela Junta de Investigações do Ultramar - Centro de Estudos Políticos e Sociais, os volumes n.ºs 3, 4, 5, 13, 15, 16, 17, 21, 22, 27 29 e 40, requeiro que pela referida Junta me sejam fornecidos os restantes volumes por ela publicados
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA