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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 93
ANO DE 1967 16 DE NOVEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
IX LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N.º 93, EM 15 DE NOVEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Fórum aprovados os Diários das Sessões n.ºs 88 e 89.
Deu-se conta do expediente.
Foi recebido na Mesa, para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Diário do Governo que insere os Decretos-Leis n.ºs 48 031 e 48 032.
Foram entregues ao Sr. Deputado Neto de Miranda os elementos que requereu na sessão de 21 de Março do ano corrente.
O Sr. Deputado Rocha Calhorda falou sobre o problema dos seguros do ramo automóvel.
O Sr. Deputado Lopes Frazão referiu-se à inauguração, em Beja, de uma estátua ao bandeirante António Raposo Tavares, tecendo a propósito considerações sobre a comunidade luso-brasileira.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate na generalidade sobre a proposta de lei relativa à elaboração e execução do III Plano de Fomento.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Nunes de Oliveira, Rocha Calhorda e Henriques Mouta.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
André da Silva Campos Neves.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António José Braz Regueiro.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Magro Borges dê Araújo.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
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Fernando Cid de Oliveira Proença.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Jaime Guerreiro Rua.
James Pinto Buli.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José Pinheiro da Silva.
José Rocha Calhorda.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente:- Estão presentes 84 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas 30 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os Diários das Sessões n.ºs 88 e 89, que já foram distribuídos há dias, e ainda os Diários n.º 90, 91 e 92, só hoje distribuídos.
Hoje porei em reclamação apenas os dois primeiros. Os outros três pô-los-ei em reclamação na próxima sessão, para dar ensejo a VV. Exas de tornarem contacto com eles antes disso. Estão, portanto, um reclamação os Diários n.ºs 88 e 89.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como ninguém deseja fazer qualquer reclamação, considero-os aprovados.
Deu-se conta, do seguinte
Expediente
Telegramas
Do Grémio da Lavoura de Lousada a apoiar uma intervenção do Sr. Deputado José Alberto de Carvalho sobre a criação da escola de regentes agrícolas local.
Do Automóvel Clube de Portugal a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Cunha Araújo sobre os seguros de automóveis.
Vários a aplaudir uma- intervenção do Sr. Deputado Calheiros Lopes em defesa da lavoura ribatejana e da abolição da portagem na ponte de Vila Franca de Xira.
O Sr. Presidente: -Para efeitos do disposto 710 ? .V do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 202, 1.ª série, de 10 do corrente, que insere; os seguintes Decretos-Leis n.º 48 031, que autoriza a Companhia das Aguas de Lisboa. S. A. R. L., a emitir 120 000 obrigações, de cupão, do valor nominal de 1000$ cada uma às quais é concedido o aval do Estado; e n.º 48 032, que determina que a taxa cobrada nos termos estabelecidos no Deoreto-Lei n.º 47 470 constitua receita da Junta Nacional do Vinho e permite, quando as circunstanciai; o aconselharem, que o Secretário de Estado do Comércio, mediante despacho, determine que na região demarcada dos vinhos verdes fique suspensa a acção de intervenção daquela Junta, bem como que seja restituído à comissão de viticultura daquela região o produto da cobrança da taxa que, nos termos legais, constitui receita da Junta com vista às despesas de intervenção.
Estão ainda na Mesa os elementos pedidos pelo Sr. Deputado Neto de Miranda em requerimento apresentado em sessão de 21 de Março do ano corrente. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Rocha Calhorda.
O Sr. Rocha Calhorda: - Sr. Presidente, Não me encontro nesta Câmara como representante ou mandatário da indústria seguradora, e nem sequer tenho a qualidade, mesmo pequena, de accionista de qualquer companhia de seguros. A minha intervenção resulta apenas da circunstância de, por um lado, a actividade seguradora constituir o sector em que a minha ignorância é menor, dado que é nele que tenho aplicado a maior parte da minha vida profissional, e por outro, de ter sentido na penúltima sessão desta Assembleia que se justificava uma pequena palavra de esclarecimento.
Esse esclarecimento pareceu-me ter suficiente interesse para ir além de simples aparte que. estou certo, o nosso ilustre colega Dr. Cunha Araújo me teria permitido fazer aquando da sua intervenção sobre o que se tem passado com os seguros do ramo «Automóveis».
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Efectivamente, as considerações então produzidas, associadas às que soube terem sido anteriormente feitas nesta Assembleia sobre o mesmo assunto, mas em sessão a que não assisti, e as que li na imprensa no princípio deste ano fizeram-me nascer a ideia da oportunidade de uma intervenção para desfazer algumas ideias erradas e corrigir conceitos defeituosos, apenas com o único intuito de tentar esclarecer melhor uma situação que tem sido fortemente atacada e por vezes através de linguagem puramente demagógica.
É evidente que para o consumidor, seja de que artigo for, é sempre, bastante, desagradável verificar um aumento no preço do que compra, e bom seria que essa situação não tivesse de se registar, como se regista, com os mais diversos e variados produtos. Quer se trate de comércio, de indústria, ou de simples prestação de serviços, sempre que há alteração, ou pelo menos alteração sensível, nas componentes que formam o preço de custo, só por milagre o correspondente preço de venda não teria de vir proporcionalmente alterado.
É uma verdade evidente que não deixa de se aplicar à actividade seguradora, seja ela considerada como comércio, indústria ou prestação de serviços, pois em qualquer desses grupos a sua inclusão encontra razões defensáveis. E não parece de forma alguma aceitável uma discriminação colocando o negócio da venda de segurança em pé diferente do das restantes actividades.
Dentro do caso específico dos seguros de automóveis, que tanta celeuma levantou neste ano de 1967, parece pretender ignorar-se que constituem uma autêntica tragédia para os seguradores, tomados mesmo ao nível internacional, e em consequência do maior peso das incidências que provocam a sinistralidade como, por exemplo, a crescente graduação das indemnizações de responsabilidade civil, o aumento da densidade de tráfego, a construção de melhores estradas convidativas às altas velocidades, a construção de carros cada vez mais velozes e mais leves, o alargamento da utilização das viaturas automóveis às mais diversas camadas da população sem contrapartida num aumento sensível da sua educação cívica, além, quando se trata da fase das reparações, do aumento que tem incidido no custo da mão-de-obra das oficinas, dos materiais a utilizar e dos acessórios a substituir.
A ideia generalizada de que as seguradoras são ricas e que a exploração dos ramos lucrativos pode ou deve contrabalançar a exploração do ramos deficitários é inteiramente errada, e o que na realidade se verifica é que as mesmas se encontram até a trabalhar em condições marginais insustentáveis. Para documentar esta afirmação bastará referir que na província de Angola, onde a rentabilidade tem sido melhor do que na metrópole, no exercício de 1965 os resultados líquidos, tomado o conjunto das 30 seguradoras ali existentes, significaram apenas 6 por cento das receitas global do prémios, enquanto no ano seguinte, em ]966 não ultrapassaram 3.9 por cento.
Em valor absoluto, posso referir que a situação se traduziu, números redondos, pelo lucro líquido de 9000 contos numa venda global de 225 000 contos, números altamente desencorajantes para qualquer comércio, indústria ou prestação de serviços. Sei que mi metrópole os resultados industriais da actividade seguradora geral foram de 0,47 por cento no ano de 1965 e negativos em 1966.
Suponho que aquela ideia de as sociedades de seguros arrecadarem grandes lucros provém, em grande parte, da confusão existente entre liquidez financeira e lucros propriamente ditos.
Pela natureza especial da sua actividade, as seguradoras têm grande movimento de tesouraria, podendo acumular fortes valores financeiros, os quais, porém, não são lucros de que possam dispor, mas apenas representam um elemento patrimonial activo. E através do mesmo que mantêm o indispensável desafogo de caixa e podem constituir, ano sobre ano, as necessárias reservas técnicas para garantir o futuro pagamento de obrigações contratualmente diferidas no tempo.
Acontece, por isso, frequentemente, uma seguradora dispor no seu activo de milhares de contos e, no entanto, se ver impossibilitada de distribuir qualquer dividendo aos seus accionistas por não ter lucros na conta de resultados.
Ainda por idêntico erro de interpretação, a maioria das pessoas que, a cada passo, encontram por Lisboa fora placas assinalando grandes prédios como propriedade das diversas 80 companhias de seguros que actuam no escasso mercado nacional formam a mesma errada ideia de enorme prosperidade dessas companhias. E que essas pessoas não se lembram ou ignoram as enormes responsabilidades que as sociedades de seguros contraem diariamente sobre o futuro, no que, respeita em especial ao pagamento de capitais de seguros de vida, rendas vitalícias, e pensões. Poderá, assim, fundamentalmente, dizer-se que tais prédios não são património das seguradoras, mas sim dos segurados, pois significam a representação material das reservas constituídas precisamente para salvaguardar a solvência e possibilidade futura de, no prazo marcado, as sociedades de seguros cumprirem o pagamento devido aos beneficiários indicados nas respectivas apólices.
Por isso essas reservas são do constituição obrigatória e aplicação determinada, não lhes servindo quaisquer valores e ficando sujeitas à prévia aprovação do Governo, através da Inspeccão-Geral de Crédito e Seguros. E assim, como se pode até verificar através da leitura do III Plano de Fomento, em apreciação nesta Câmara, que as companhias de seguros se manifestam como elemento muito válido no crescimento económico do País, pela subscrição de títulos de crédito e tomada de obrigações da dívida pública do Estado. Provavelmente, o conhecimento generalizado de que são compradores habituais destes títulos tem também contribuído para a formação da errada ideia sobre a sua prosperidade, não se atentando que tais compras não são feitas em função de lucros, mas da constituição obrigatória de reservas a caucionar responsabilidades assumidas.
Por todas estas razões, a actividade seguradora está envolvida por diversos condicionalismos legais, apresentando a característica extraordinária de os seus preços de venda serem tabelados oficialmente como preços mínimos, como preços que a própria lei condena se forem diminuídos. Trata-se de uma actividade tão específica que o legislador, na defesa dos segurados, não permite que uma concorrência desregrada leve as seguradoras a praticar preços inferiores a um mínimo tecnicamente estabelecido, evitando, assim, que uma ânsia de procura de negócios a qualquer preço conduza afinal à impossibilidade futura, quando os prazos dos contratos findarem, de os beneficiários poderem receber o que lhes foi garantido aquando da emissão das correspondentes apólices de seguro.
No que respeita aos seguros do ramo "Automóveis", embora bastante diferentes, não deixam de actuar as mesmas características e condicionalismos que apontei, em especial, para os seguros pessoais, e que têm aqui também inteira justificação.
Não se pode assim dizer que as seguradoras gozam de protecção, pois a única protecção que existe respeita
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aos interesses e direitos dos segurados e, dos beneficiários das apólices. A existência de 80 sociedades de seguros no território europeu de Portugal é a própria negação de qualquer protecção, e também é nina das causas principais das dificuldades que a actividade atravessa. Aquele número excessivo de empresas, a explorar um negócio que se baseia afinal na chamada «lei dos grandes números», levou à existência de muitas seguradoras sem a dimensão necessária, com todos os inconvenientes daí resultantes, e deve estar até na base das preocupações que motivaram o artigo 23.º da Lei de Meios aprovada por esta Assembleia para o ano decorrente.
Da mesma forma, não é lícito dizer-se, como se tem dito que as seguradoras, ao agravarem os prémios dos seguros, procederam ou procedem arbitrariamente e violam unilateralmente um contrato. Sendo o contrato, como é, estabelecido por períodos anuais, tanto o segurador como o segurado ficam libertos do mesmo no seu termo, podendo não ser renovado por desejo de qualquer das partem ou sê-lo em novas condições que sejam aceites de ambos os lados.
Não pode haver justificação, dentro da nossa ordem constitucional de respeito pela iniciativa, privada, para que uma empresa fique amarrada a manter um negócio quis se mostra ruinoso por razões que não tom uma característica acidental ou transitória, mas sim de permanência e com ritmo de agravamento constante.
Dada a impossibilidade de conter e dominar as razões agravantes, não pode haver outra solução que não seja a cessação pura e simples da actividade ou a sua manutenção em diferentes condições. Pedir o contrário é negar a realidade; é pretender o impossível.
Terá sido certamente por isso que os serviços técnicos que há anos começaram a estudar uma nova tarifa de prémios o unias novas condi coes gerais da apólice do ramo «Automóveis» chegaram a conclusões que importavam um aumento dos prémios fixados até então como mínimos. E se se atentar que esses trabalhos foram assistidos e acompanhados pela Inspecção-Geral de Crédito e Seguros serviço oficial especial e tecnicamente dotado para orientar e fiscalizar a vida das sociedades de seguros, como meio de salvaguardar os interesses dos segurados, e que as conclusões mereceram o seu acordo e aprovação para homologação superior, não parece admissível duvidar-se da necessidade e justiça, do agravamento dos prémios.
Sr. Presidente: Como referi no início desta minha intervenção, a mesma não pretende defender interesses ou critérios das partes em causa, nem sequer solicitar quaisquer providências ao Governo num ou noutro sentido, mas tão--sòmente tentar contribuir para um melhor esclarecimento de nina situação e de um caso que me parecem sempre terem sido tratados com a devida realidade.
Deixo, portanto, à consideração do VV. Ex.ªs as conclusões e juízos a tirar.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Lopes Frazão: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: A nossa Assembleia. Nacional findou a sua 2.º sessão legislativa com a maior ufania, aprovando por votação unânime depois referendada no Decreto-Lei n.º 47 647, a instituição do dia 22 de Abril, essa quinta-feira bendita, do ano de 1000, em que Alvares Cabral teve encontro com as terras de Santa Cruz, consagrando-o à comunidade luso-brasileira, num estreitamento magnífico do amizade fraterna, que os quatro séculos e meio de apertada convivência só radicaram, e com que fortidão e poder.
Não podia a voz de Beja, que tanto se fez ouvir, em tempos atrás, nas regiões sertanejas do meridião além-Atlântioo silenciar-se perante a imensidade do acto de tanta transcendência no viver dos dois povos irmãos, que querem seguir os seus destinos a par.
E é que nesse dia memorável de 22 de Abril comungaram as duas pátrias, o Brasil e Portugal, no proclame do seu ideário firmado de viverem absolutamente concertadas, para engrandecimento seu e também do Mundo de que são parcelas vivas e bem capazes de contribuírem para a sua contextura mais perfeita.
Que exemplo extraordinário, nestes tempos de ideias perturbadas e de apaixonamentos transviados, o de uma comunidade, que arrecada em si acrisoladamente, o espírito e a moral, e os tem por valor mais altos e reais na vivência, dos povos.
E com que aprazimento nós outros estamos assistindo ao caminhar avante da nação irmã, consolidando a sua posição de extremada grandeza no concerto do Mundo.
Não; Beja não podia calar-se na exaltação do momento culminar da comunidade, tanto mais (manto é certo que ao Brasil está ligada não só espiritualmente, mas ainda polo sangue desses bejenses do passado, que tiveram por figuração máxima o vulto enorme de António Raposo Tavares, o grande construtor da pátria brasileira.
Uma armada do Brasil demandou, não há muito tempo, as nossas terras de Angola, numa afirmação plena de que a razão de querermos ser um povo de etnias absolutamente integradas,, que alguns teimosamente nos negam, está por inteiro do nosso lado. Ou não seja o Brasil o exemplo vívido, por nós criado, de cores diferenciadas, todas em amplexo numa alma um enorme no querer, e bem clarificada nos sentimentos, por isso tamanha no respeito por um passado que igualmente herdou dos nossos homens de antanho, de coragem indómita e solidez de formação.
Estes atributos são os esteios maiores da revolução que o Brasil tem em marcha, na procura das coordenadas que o hão-de fazer retornar ao cortejo do Mundo evoluído e consciente das responsabilidade que o sopeiam, ocupando nele lugar de dianteira e de que ultimamente, num desconcerto momentâneo, se havia afastado.
Estamos convictos de que os homens da revolução, iniciada com a figura ínclita do marechal Castelo Branco, do memória tão saudosa pelo seu acaloramento de autêntico e são portuguesismo e continuada pela pessoa insigne do Presidente Costa e Silva, a hão-de conduzir a bom termo, tudo fazendo para levantar o seu país a lugar cimeiro, o que a nós nos enche de contentamento, pois o temos igualmente por nosso, irmanado no coração, sentindo-o no pulsar da sua vida daquela, vida que conheci; o mesmo sangue que corria nas veias dos nossos avoengos. e foi derramado a par na defesa- das terras africanas, a que tanto queremos, e na devassa dos sertões brasilenses, aos quais votamos igual interesso como se nossos fossem.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Foi aí nesses lugares sertanejos, sujeitos às condições mais hostis de um meio eivado de adversidade, que homens os mais diversificados na sua origem, índios tupis e mamelucos, portugueses e brasileiros, unidos pela força do mesmo ideal, em vida aventurosa, obstaram antes à rapina, dás terras que consideravam suas e do seu rei, e depois as foram dilatando até ao limite onde hoje se situam, sofrendo e morrendo por elas. Assim se lançaram pouco a pouco os caboucos fortes dessa construtura extraordinariamente
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agrandada, de compreensão e entendimento entre os dois povos, que é a comunidade luso-brasileira, bem marcada de validez e absolutamente indestrutível, por antes dos tratados, só aparecidos mais tarde para lhe darem forma jurídica, ter sido gerada no sangue das suas gentes, e aí, sim, é que está a sua expressão verdadeira.
Essa comunidade é. portanto, como bem o disse Salazar, «um produto histórico, que não necessitava de definição».
Contudo, esta vem a ser dada e confirmada através de múltiplos convénios, que desde 1825 e até Setembro do ano passado, data em que os últimos foram assinados, têm tido ratificação, no intento da melhoria, porque se anseia e se pretende com maior acrescente, das relações luso-brasileiras. querendo-as por mais efectivas, mais ajustadas, mais sólidas e mais fraternas.
Esses tratados, que já muitos são, tão-só têm por finalidade, no proclame do Deputado Adroaldo de Mesquita, «tornar lei aquilo que está no coração do povo brasileiro», ajuntando nós que por igual o está no nosso sentir do Portugueses, que a esse povo tanto estimamos, muito naturalmente por o termos moldado à nossa imagem, emprestando-lhe a cultura e a civilização, de que muito nos orgulhamos, e por tantas partes espalhámos, «dando novos mundos ao Mundo». Mas mais ainda: «jogámos na sua alma - no dizer de Juracy de Magalhães - as sementes da democracia racial», que fizemos frutificar por muitas paragens e com malsão propósito tão incompreendida vem sendo. Mas dias melhores hão-de vir, mantemos bem viva essa fé, pois continuamos a acreditar nas algo subvertidas virtudes humanas, e com elas outra. vez ao de cirna, o bom senso há-de voltar aos espíritos ora em revolta.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Beja envaidece-se, e muito, de ser a terra do maior cabouqueiro da «luso-brasilidade», e por si mesma um elo de grande forteza dessa amálgama de sentimentos de valor transcendental no viver harmónico dos dois povos irmãos.
A cidade que aqui modestamente representamos foi berço de António Raposo Tavares, o maior dos bandeirantes, figura de colosso, toda temperada na adustez de uma vida de intenso nomadismo, que outra não podia ser a daquele que pelo Brasil distante, e então fortemente convulsionado, tão-sòmente ansiava ser útil ao País e ao donatário que servia. Foi este homem, de alma rude, mas aberta e violento na acção, quem mais contribuiu para a grandeza imensa do Brasil de ontem, ciosamente arrecadada no Brasil de hoje.
Foi ele «nacionalista apaixonado, como bom alentejano, por tudo o que significasse independência, homem de altos espíritos, nascido para comandar grandes empresas», na afirmação de Jaime Cortesão, historiador que teve o enorme mérito de «levantar a pesada tampa de granito do sepulcro onde dormia o gigante» e dar-lhe a «visão mais correcta».
Neste momento em que o Brasil se ergue e a comunidade mais se estreita, recordar a gesta deste heróico português de nobres e puros ideais, de grandes e preclaras acções, que à nação irmã deu tudo quanto tinha e até a sua vida em holocausto ao seu engrandecimento, e que por tal bem mereceu ser «libertado da morte», é dever que justamente nos cabe.
Em Agosto do ano passado, na presença de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, teve memória em Beja este vulto lendário e alevantada a sua estátua em praça pública, que de seu nome o tomou.
A figuração de Raposo Tavares assenta em alto pedestal rochoso, «recordando às gerações vindouras a rudeza e a energia indomável de um alentejano, patriota insigne e incansável caminhante, que forjou as fronteiras do Brasil para glória das duas pátrias e da amorável e altaneira cidade que ostenta o nome de Beja», assim o ditou o Dr. António Howorth, um dos mais esforçados obreiros da memoração. Nele se lê a inscrição seguinte: «Rei de bandeirismo - criador da unidade sóeio-geográfica e geopolítica do Brasil. A sua grandeza mede-se por dois dos maiores padrões naturais do Mundo: os Andes e o Amazonas, por ele navegados, passo a passo, no espigão do século XVII.» E no soco do monumento há estoutra legenda: «Ao alentejano e maior bandeirante António Raposo Tavares - Homenagem da comunidade luso-brasileira- S. Paulo -1966.»
A estátua, da autoria do escultor Luís Morrone, foi oferecida a Beja por um grupo de destacadas individualidades de S. Paulo, brasileiras e portuguesas, encabeçado pelas figuras proeminentes do importante industrial e senador Eng.º Ermírio de Morais e do grande benemérito comendador Brenha da Fontoura, digno presidente da Sociedade Portuguesa de Beneficência daquela cidade.
O oferecimento do bronze,, a exaltação do bandeirante e as galas de que a cidade se vestiu u o dia memorável da comemoração, tudo isto valeu ao Prof. Doutor Vitorino Nemésio estas palavras sentidas: «Ainda há felizmente gente lembrada no Mundo: em S. Paulo, que mandou fazer a estátua, e em Beja, que a pôs no seu coração.»
Num bosquejo muito breve diremos que António Raposo Tavares, nascido em Beja, supõe-se que em 1598, na antiga freguesia de S. Miguel, foi para o Brasil em 1618, acompanhando seu pai, Fernão Vieira Tavares, nomeado governador da Capitania de S. Vicente, e que tinha como donatário o conde de Monsanto.
Por esse tempo, os espanhóis, vindos do Paraguai, iam capciosamente alastrando a sua influência, através das «reduções de índios», tentando atingir o mar, e assim procederem à ocupação das terras que hoje são pertença dos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, tomando-as para si e seu reino.
Os homens de S. Paulo, constituídos em «bandeiras», tendo Raposo Tavares como seu chefe indiscutido, travam esses propósitos de expansão, promovendo duas incursões, a primeira, em 1628, contra as «reduções» do Guairá, e a segunda, em 1086, contra as de Tape, conservando assim o domínio de todos os territórios marginais e ao sul do rio Paranapanema.
Depois, por 1637, no comando da Companhia Paulista, Raposo Tavares integra-se na esquadra do conde da Torre, com a qual é pretendida a restauração de Pernambuco, que os holandeses dominavam. Com o destroço da esquadra, Raposo Tavares, levando as suas hostes, desembarca na baía dos Touros, e daí percorre, em marcha forçada, sempre pisando território na posse do inimigo, 400 léguas, tanta é a distância até à Baía. A esta cidade chegou exausto, tendo suportado as maiores vicissitudes, conseguindo, no entanto, com vantagem, superai-os holandeses, aos quais deu guerra sem quartel, infligindo-lhes pesadas derrotas.
Referindo-se a esta extraordinária proeza, o P.e António Vieira, que não tinha por Raposo Tavares grande estima, todavia obrigou-se a afirmar: «Tenho para mim que não há soldados no Mundo, nem que mais valentes sejam, nem que mais sirvam, nem que mais trabalhem, nem que mais mereçam.»
Logo após este desmedido feito de armas, dá-se a aclamação de D. João IV, e em 1641 S. Paulo tem a notícia. Esboça-se, da parte dos espanhóis radicados na cidade,
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um movimento de autonomia, logo feito gorar por Raposo Tavares, e este que a seguir ao lugar-tenente do conde de Monsanto assina o auto de aclamação do nosso rei, o que teve lugar em 8 de Abril de 1641.
A sua tão destacada, acção a favor de D. João IV faz que soja por ele promovido a mestre de campo-general.
Vindo depois à metrópole, como procurador da Câmara de Parnaíba. aqui, por mandado real e a instigação do P.e António Vieira, que entendia deverem ser conquistadas algumas cidades espanholas do Peru argentífero, prepara a «3.a bandeira, que durou três longos anos e foi considerada verdadeiramente epopeica - «homérica», na opinião de Afonso Tauney.
Para ela Raposo Tavares é nomeado mestre de campo e autorizado a servir-se de artilharia.
A «bandeira» sai de S. Paulo, atinge o Paraná, o Paraguai, o território do Chaco, escala os Andes, chega ao Peru, entra nas águas do Pacífico, e, aí, Raposo Tavares, avançando por elas dentro, «com a espada nua levantada, diz que avassala terra, o mar para o seu rei»; depois segue o curso do Mamoré, do Madeira e finalmente, do Amazonas, até á sua foz.
Tantos e tamanhos foram os estorvos encontrados e os dolos sofrido que, tendo partido milhares, só regressaram dezenas! O P.e Sousa Ferreira referencia que «os bandeirantes ai K 1 aram dias inteiros com a roupa pela cabeça e a água pela barba».
Jaime Cortesão considerou esta façanha «como a maior e mais épica imo só do bandeirismo brasileiro, mas de todos os pioneiros do Novo Mundo»: e a Raposo Tavares uma «figura heróica, tendo realizado, por vastíssimos caminhos, totalmente ignorados, uma empresa sobre-humana».
«Foi um périplo triunfal que praticamente delineou as fronteiras do Brasil, constituindo uma das mais extraordinárias expedições jamais realizadas em qualquer continente.»
E o P.e António Vieira, absolutamente insuspeito, apelidou o cometimento «como uma das mais notáveis viagens (pie até hoje se tem feito no Mundo».
«A figura máxima do bandeirismo, que passou a ter e maior importância na história do Brasil», era alentejana.
No dizer de Jaime Cortesão, «nenhuma outra província portuguesa como o Alentejo, e nenhuma outra cidade como Beja posta a meio da charneca imensa entre a raia e o mar, dominando vastos e solenes horizontes, reunia tantas condições para ser o berço de um grande cheio do bandeira. O Alentejano possui, por estilo de vida e por cultura herdada, as grandes capacidades dos nómadas, resistência de andarilho, sentidos agudíssimos e poder excepcional de orientação; é, além disso, extremamente cioso da sua dignidade de homem. Foi, recorde-se também, no Alentejo que Nuno Alvares recrutou a maior parte dos soldados da sua hoste, a que venceu na luta pela independência da Nação, em Atoleiros, Aljubarrota e Valverde».
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Beja orgulha-se, e com bem fundada razão, em ter sido a pátria de António Raposo Tavares, «um dos mais altos e lídimos representantes do português do século XVII», e moldador incontestado do grande e fraterno Brasil.
Beja orgulha-se mais ainda de ser um elo, e muito sólido na cadeia da comunidade, que, em amplexo forte, há-de levar o Brasil e Portugal a grandes cometimentos.
Disse.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa à elaboração e execução do III Plano de Fomento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nunes de Oliveira.
O Sr. Nunes de Oliveira: - Sr. Presidente: Tendo sido designado para tornar parte nos trabalhos da Comissão Eventual, no âmbito da Assembleia Nacional, que se debruçou numa apreciação ampla, serena, persistente e útil sobre o III Plano de Fomento, impunha-se-me vir a esta tribuna exprimir as impressões colhidas através dos estudos do projecto da proposta de lei e do parecer subsidiário da Câmara Corporativa sobre o capítulo relativo à educação e à investigação ligada ou não ligada ao ensino. E na palavra «educação» consubstancio o ensino B instrução, pois que ambas inter-reagem e não é na verdade, fácil dissociá-las.
Estamos, como é evidente, na presença de problemas cuja dimensão, gravidade e- repercussão condicionam o desenvolvimento de todos os sectores da vida pública e privada. Por isso menino no Plano se insere este sector como um dos prioritários, a confirmar o que se antevia no Plano Intercalar de Fomento e de que hoje ninguém considera os gastos dirigidos neste sentido como supérfluos, mas sim investimentos largamente rentáveis. E só assim, com um apoio financeiro como o que agora se prevê e que se deseja cada vez maior, nós poderemos olhar o futuro com confiança, por forma a acorrermos à chamada que nos é feita frente às necessidades sempre crescentes da metrópole, como ainda para prosseguirmos, como se impõe, na valorização e engrandecimento das províncias ultramarinas. Não resta a menor dúvida de que sem educação e sem instrução, como tantas vexes tem sido acentuado, todo o desenvolvimento económico e social estará travado e nenhum dos planos de educação até hoje previstos poderá ter real efectivação.
Vou procurar nesta breve exposição, se atendermos à vastidão do tema. produzir algumas considerações, animado do melhor espírito construtivo, sobre o muito que vem sendo realizado e carências que me parecem mais prementes, a necessitarem de uma solução tão rápida quanto possível. Devo entretanto, esclarecer que o presente capítulo se ocupa, apenas dos problemas da metrópole, dado que os respeitantes ao ultramar são especificamente relatados em capítulo próprios. Todavia, no relatório do projecto não deixa de se acentuar - e com todo o sentido de verdade- que «se torna cada vez mais necessário um esforço de coordenação entre as realidades metropolitanas e ultramarinas nestes domínios» da educação e da investigação. E a propósito, também eu, após a visita que fiz u Angola na companhia de outros ilustres colegas desta Assembleia e tendo bem gravado na memória o que pude observar neste sector, não poderia ficar insensível e algumas palavras lhe consagrarei na sequência, desta exposição.
Pode afirmar-se que de uma maneira geral a concordância do parecer subsidiário da Câmara Corporativa, com o projecto do Plano é evidente, apontando-se como ponto discordante principal o não estabelecimento de prioridades, mas, se nos detivermos na análise do parecer, também aí elas não. se encontram realmente estabelecidas. Indicam-se apenas, e bem os objectivos que entende deverem atingir-se, colocando nos planos das medidas de maior interesse as que conduzam aos seguinte? resultados: «mais
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alunos, mais professores, melhor ensino, escolas suficientes, mais investigação», para logo (lê seguida evidenciar uma das grandes preocupações, que são afinal também de todos nós e que o próprio projecto do Plano igualmente manifesta, a- da formação dos professores, situando-a num plano superior das prioridades, por eles constituírem a base de toda a política do ensino.
Ora, o que se verifica é que para atingir esta e outras finalidades nada mais haverá a fazer que não seja dar execução ao conjunto das medidas previstas no projecto do Plano. No sector de que nos estamos a ocupar, como aliás se verifica em todos os capítulos sectoriais, nós vamos encontrar enunciadas as linhas mais gerais, que depois serão completadas e concretizadas nos programas anuais de execução, aos quais, como no caso concreto da educação e da investigação ligada ou não ligada ao ensino, pela sua delicadeza e complexidade, acrescem ainda planos mais pormenorizados de instalações, rea-petrechamento e actividades extraordinárias de formação pedagógica, cultural e científica. Neste aspecto sei, por conhecimento pessoal, que em todos os estabelecimentos de ensino se tem procedido a inquérito minais para melhor e mais fundamentado conhecimento das realidades e necessidades.
Não se estabelecem planos de prioridades no projecto em discussão, mas não duvido de que a distribuição dos dinheiros procure atingir os pontos que possam contribuir mais energicamente para o desenvolvimento do todo. E surgirá então, de entre outros aspectos relativos a instalações e reapetrecharnento, a preocupação dominante e merecedora de especial atenção, como todos desejam, no que se refere a formação de professores em qualidade e quantidade, de investigadores e a actividade científica.
As exigências da época que atravessamos só poderão ser satisfeitas produzindo mais e melhor, dispondo de indivíduos convenientemente preparados, de modo a corresponderem às solicitações da rápida evolução que *e vem operando em todos os sectores da vida nacional. Compreendem-no assim, nos tempos que correm, as populações, que, ávidas de instrução, anuem cada vez em maior número aos centros de ensino, a originar um crescimento escolar verdadeiramente explosivo. E daí o termos de encarar a extrema complexidade do sistema educacional no seu conjunto, importando cuidar seriamente da base. da pirâmide que lhe serve de suporte.
Quando se insiste na necessidade de melhorar a qualidade e a quantidade dos professores, é preciso, antes demais, dar-lhes um novo estatuto, o qual está em preparação, como já foi anunciado pelo Sr. Ministro da Educação Nacional. Por outro lado, para se poderem seleccionar bons professores, torna-se necessário aumentar as possibilidades de recrutamento, sem desperdício dos alunos que revelem real capacidade e que tantas vezes se perdem por carência de meios que lhes permitam a continuação dos estudos, e daí a importância que, paru o efeito, pode vir a ter a acção social escolar nos seus múltiplos aspectos assistencial, pedagógico, formativo, como vem sendo já preocupação do Ministério da Educação Nacional. E bem merecerá a acção social escolar, em qualquer oportunidade, uma palavra mais expressiva nesta Assembleia.
Perante as exigências requeridas e sempre crescentes, imperioso se torna relembrar a urgência de revisão de todo o plano de estudos das escolas do magistério primário, por anacrónico, trazendo como consequência uma insuficiente preparação das crianças para a sua entrada na vida e como preparação para os estudos subsequentes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ainda outra deficiência de graves repercussões, e pelas mesmas palavras aqui foi por mim referida na sessão de 21 de Janeiro de 1964 é a falta de um serviço de orientação profissional, à semelhança do que existe em França, com o chamado «ciclo de observação». Não possuímos estatística - e é pena! - que nos permita avaliar o elevado número de alunos que seguem cursos que de forma alguma se enquadram nas suas tendências a aptidões. Se com a permanência no liceu ou numa escola técnica se suscita já um problema, ele agrava-se, sobretudo, no final do 2.º ciclo, quando o aluno tem de optar por uma das alíneas correspondentes ao 3.º ciclo. E mais se agrava ainda, tornando-se em situação dramática, ao frequentar determinado curso superior para o qual não possui vocação, o que, em número razoável, se traduz em perdas consecutivas de anos, por andarem a saltitar de curso para curso à procura do seu verdadeiro lugar.
É de desejar também uma reforma dos planos de estudo nos restantes graus do ensino. No secundário pode apontar-se como exemplo a falta de ordenação progressiva e metódica das matérias afins, sendo indispensável que ao ministrarem-se conhecimentos de uma disciplina, haja articulação com matéria já ensinada noutra disciplina, o que se solucionará com uma revisão cuidadosa dos programas, dentro de um espírito de coordenação e de sincronização das matérias.
No ensino superior existem ainda Faculdades cujos cursos têm pia-nos de estudo com mais de 30 anos a impedir, como é evidente, que aos alunos seja proporcionada uma preparação compatível com a evolução actual da ciência.
Tudo isto se prende, em grande parte, com o recrutamento e formação dos professores, mas, para além desta circunstância de base, outras surgem depois, e que residem no aspecto, a todos os títulos humano e legítimo, de darem preferência às profissões em que o seu esforço e o seu trabalho sejam mais convenientes e justamente remunerados. Além disto, como várias vezes se tem acentuado, surge ainda um agravamento da situação com a exiguidade dos quadros dos professores nos vários graus do ensino, tornando-se extraordinariamente difíceis os acessos.
Outro aspecto para o qual não será demasiado chamar a atenção, e para isso bastará repetir palavras já por mim proferidas, prende-se com o estágio pedagógico do ensino secundário, que tem de se alicerçar em novas bases. O actual sistema, pelo modo como opera a selecção, pela índole das matérias e pelos métodos que utiliza, não satisfaz.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Por outro lado, a ideia de que, após o Exame de Estado, raros encontrarão possibilidade de obter uma vaga de professor efectivo ou simplesmente auxiliar, dada a exiguidade dos respectivos quadros, não constitui estímulo para suportar o sacrifício dos dois anos de preparação sem qualquer vencimento.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: -Com a reorganização do estágio -englobando professores e professoras- deveria proceder-se ao estudo de uma remuneração a atribuir durante esse período de trabalho, de modo a garantir uma situação económica que permitisse ocorrer às despesas que os oneram.
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Vi anotado como uma das deficiências do ensino secundário a elevadíssima percentagem de professores eventuais, mas os motivos estão bem à vista. Quem irá sujeitar-se, após tantas exigências e sacrifícios, a permanecer na situação de agregado - e durante quantas vezes muitos anos -, com vencimento apenas durante dez meses no ano?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -Um outro aspecto ainda enquadrado nesta linha de pensamento, e que eu, com a responsabilidade de professor universitário, entendo não dever omitir, é o que se passa no ensino superior. Acontece que, numa grande maioria, todos os que se encontram neste ramo de ensino se vêem forcados a dedicar parte do tempo a actividades que se desenvolvem fora da Universidade, com os reflexos mais prejudiciais sobre o ensino e a investigação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Urge que se encare a sério este problema, se desejarmos que os investimentos que vão ser efectuados, e representam não só um elevado sacrifício para o País. como uma premente necessidade de que depende, em grande parte, o futuro da Nação, concorram, na verdade, para o próprio êxito do presente e dos futuros planos de fomento. Nas circunstâncias actuais, como podem criar-se condições para a indispensável fixação de assistentes e selecção de professores se não se tomarem medidas enérgicas e urgentes? A não se proceder assim, podemos ter a certeza de que. dentro de pouco tempo, professores e assistentes virão a ter de ser seleccionados não entre os melhores, mas entre os piores ou, na melhor das hipóteses, entre os medíocres.
Tenhamos, entretanto, bem presente que para a efectivação de alguns aspectos que aqui deixamos apontados é necessário criar as infra-estruturas técnicas e administrativas adequadas, o nessa linha de rumo, segundo penso, se insere a reestruturação do Ministério da Educação Nacional e a criação de novos serviços e reforma de outros, por forma a uma integração na remodelação geral em estudo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Assim, o Gabinete de Estudos e Planeamento da Acção Educativa, criado em Janeiro de 1965, como «organismo votado ao estudo e esclarecimento sistemático e permanente dos problemas educacionais»; o Instituto de Meios Audiovisuais, criado em Dezembro de 1964. do maior interesse como «via de acção educativa e escolar»; o Fundo de Fomento do Desporto, criado em Julho de 1965, com o fim de promover as actividades gimnodesportivas, «promovendo a formação e aperfeiçoamento de agentes do ensino, a organização de assistência médico-especializada, o desenvolvimento de actividades competitivas», tanto no domínio do desporto federado como no do desporto escolar; a Direcção dos Serviços do Ciclo Preparatório, criada em Janeiro de 1967, que irá superintender «nas actividades relativas a esse novo ciclo do ensino secundário»; a reestruturação da Junta Nacional da Educação, feita em Maio de 1965, com o fim de tornar mais amplas a sua composição e funções como órgão consultivo da mais alta importância para os problemas do ordem educacional u cultural; a reestruturação do Instituto de Alta Cultura, em Novembro do 1964: a reestruturação da Mocidade Portuguesa, em Novembro de 1966 - são exemplos de vivas realizações, e não meros estudos, a traduzir uma política com expressão directa no que acaba de se descrever.
Por outro lado, a criação de novos estabelecimentos de ensino ou secções de estabelecimentos de ensino, a construção e apetrechamento de instalações, o reapetrechamento dos estabelecimentos já existentes, as actividades extraordinárias do fomento pedagógico, cultural e científico, têm sido objecto da mais devotada atenção, e enorme foi nestes últimos anos o esforço material desenvolvido.
Apenas um reparo se impõe, e que se relaciona com o ritmo de construções no ensino primário. Se em dada altura correspondeu ao aumento da frequência escolar, nota-se agora um afrouxamento a causar algumas preocupações no momento em que a extensão da escolaridade obrigatória exige uma intensificação que importa não descurar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, como afirmei já na efectivação do «aviso prévio» sobre educação nacional, existem classes com 40 e mais alunos. Os melhores princípios pedagógicos são assim traídos, com reflexos profundos no aproveitamento escolar, sabendo-se que a capacidade intelectual difere entre os alunos e não permite um trabalho individual que por vezes é aconselhável.
Para além dos problemas inerentes à organização e difusão do ensino no plano nacional, a criação de estabelecimentos de ensino mais de acordo com as características locais é, igualmente, uma aspiração que tem de proclamar-se e que de forma alguma poderei esquecer neste momento. Estão neste caso os que se dirigem no sentido das necessidades agrárias de certas regiões e do elevado grau de industrialização de determinadas zonas. Quanto ao primeiro caso, e porque o Minho é uma região essencialmente agrícola, a situação é deveras delicada, ao verificarmos apenas a existência da Escola Prática de Agricultura do Conde de S. Bento, localizada na ridente vila de Santo Tirso. Impõe-se, por tal motivo, que se crie, sem demora, uma escola de regentes agrícolas no coração do Minho, dado que apenas dispomos das de Évora, Santarém e Coimbra.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No que respeita ao segundo aspecto que referimos, analisando o número de diplomados por sectores, logo ressalta que o País está carecido de pessoal técnico especializado, destacando-se, como muito bem é evidenciado no parecer subsidiário da Câmara Corporativa, a insuficiência confrangedora de agentes técnicos de engenharia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E aponta-se que «no ano de 1963-1964 concluíram os seus cursos 261 engenheiros e 46 agentes técnicos».
Existindo actualmente apenas os Institutos Comerciais e Industriais de Lisboa, Coimbra e Porto, estaria indicada a criação de um novo instituto em Braga, porquanto neste distrito, além de outras indústrias da maior importância, está situada a grande força da indústria têxtil, o que justifica plenamente, uma decisão nosso sentido.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Tal facto, no mesmo tempo que facilita o acesso de muitos alunos a esse grau de ensino, que pelas suas condições sociais ou económicas nunca o poderiam frequentar, possibilita ainda a criação, num meio onde a indústria têxtil atinge, repito, o expoente máximo, de um curso têxtil do mais alto interesse prático.
Embora compreenda que seja o ramo profissional - industrial, comercial e agrícola - o que mais importa difundir, também entendo que se torna necessário descentralizar, como vem sendo feito, o ensino liceal, facultando assim o acesso dos que não dispõem de possibilidades materiais de a ele recorrerem através do ensino particular, a não ser que a este se prodigalizem os indispensáveis auxílios, aliás previstos no discurso do Sr. Ministro, Prof. Doutor Galvão Teles, ao anunciar o projecto do Estatuto da Educação Nacional, e expressos neste Plano de Fomento, quando se marca como objectivo «fomentar o ensino particular dentro da preocupação de o integrar ou assimilar verdadeiramente num sistema nacional do educação».
Está anunciada a entrada em, funcionamento no próximo ano lectivo de 1968-1969 da nova fase da escolaridade obrigatória, que se efectivará através do ciclo complementar do ensino primário e do ciclo preparatório do ensino secundário, para o que se trabalha intensamente no sentido de que essa determinação se cumpra. De resto, as mais de 1100 salas do ciclo complementar já criadas e o ciclo preparatório ministrado através da telescola. em ligação com 425 postos de recepção, são a confirmação das disposições inseridas nos diplomas para tal fim. publicados (Decreto-Lei n.º 45 810, de 9 de. Julho de 1964, artigo 4.º, e Decreto-Lei n.º 47 480, de 2 de Janeiro de 1967, artigo 26.º).
Finalmente, mais uma palavra sobre o ensino superior e a investigação científica. Quanto ao primeiro, interessa, sobremaneira, olhá-lo com redobrada atenção, sendo bem elucidativos os relatórios anuais dos Magníficos Reitores das Universidades, a traduzirem as inquietações mais instantes que lhes são postas pelos directores das respectivas Faculdades. É, na verdade, de fundamental importância, como já tenho afirmado, promover a reorganização do ensino superior, em ordem a torná-lo apto à chamada que o progresso técnico, científico e espiritual do País hoje, e cada vez mais acentuadamente, lhe faz. Muito haveria mais a referir, pela relevância dos múltiplos problemas que o envolvem, mas que me absterei de o fazer por agora.
Entretanto, e porque as circunstâncias a que aludi eliminam naturalmente os exames de admissão ao liceu, logo surge no meu espírito o não encontrar justificação de se persistir nos exames de admissão à Universidade, resultando apenas numa duplicação de exames, porque versando as mesmas matérias, com perda de tempo para professores e alunos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Além disso, como todos sabem, são dispensados desse exame os que consigam a média de 14 valores, indispensável nas disciplinas consideradas nucleares, ressaltando desde logo uma injustiça relativa que se verifica se atendermos à diferença de critérios de classificação, pois que, se já ocorrem no mesmo liceu, com mais razão os encontraremos quando os alunos provêm de liceus diferentes. Aqui, do mesmo modo, é preciso dispor de uma suficiente base de recrutamento, e não é com o sistema em vigor que o conseguiremos, não falando já da falta de confiança e de certo desprestígio para o professorado liceal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E não devo prosseguir sem. abrir um parêntese nestas considerações gerais que venho produzindo em relação ao ensino superior, para uma referência no que concerne à, Faculdade de Economia do Porto. Ao encararem-se as verbas destinadas às instalações universitárias, sem menosprezo por aquilo que a outras Universidades diz respeito, é de inteira justiça olhar urgentemente para as condições deficientes e clamorosas um que funciona a citada Faculdade. Contando no presente ano lectivo com uma frequência de cerca de 1500 alunos - só no 1.º ano andam à volta de 500 -, continua situada num recanto do último piso do edifício onde está instalada a Reitoria e a Faculdade de Ciências, sem dignidade para o ensino e para o prestígio da própria Faculdade.
Com o elevado número de alunos que a frequentam, apenas dispõem de quatro salas de aula, de uma pequena sala de leitura e de uma biblioteca, que, pelo seu já valioso recheio, confrange ver dispersa por diversas estantes colocadas ao longo de um corredor onde se desenvolve a vida da Faculdade. Uma visita das entidades que superintendem no estabelecimento das prioridades a adoptar quanto a construções seria o suficiente para os impressionar de forma desoladora.
Por fim, um vibrante aceno de simpatia pela inauguração recente, em Braga, da nova Faculdade de Filosofia, integrada na Universidade Católica Portuguesa. já em construção, cujo labor intensíssimo nos seus 30 anos de actividade, quer como instituto de formação superior universitária, de- investigação e de intercâmbio cultural e científico, quer pelas suas valiosas edições filosóficas e como centro de obras apostólicas para o continente e ultramar, constitui não só uma certeza dos nossos tempos, como um farol que indubitàvelmente iluminará toda a cultura portuguesa e projectará os melhores valores morais e a sua pujante doutrinação num mundo um que tanto se deturpa a verdade e que tão carecido anda que se evite seja postergada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E, fechado este parêntese, entrarei na apreciação de outro aspecto ligado com o III Plano de Fomento e que respeita à investigação.
Neste III Plano de Fomento fala-se em investigação ligada ao ensino e investigação não ligada ao ensino, sendo levado à conclusão, pela leitura atenta do relatório, que à primeira está essencialmente ligada a investigação pura ou fundamental, sem pretender significar que em relação com o ensino não se possa fazer, porque se deve e faz, na realidade, investigação aplicada.
Afirma-se, e com todo o sentido de profunda compreensão, que «a investigação associada ao ensino superior, constitui seu imprescindível esteio e alimento».
É objecto de palavras pertinentes o que se relaciona com a carreira de investigador, fazendo-se menção ao projecto do Estatuto da Educação Nacional, «que procede à referida institucionalização e declara ter o investigador direito a remuneração que lhe permita dedicar-se inteiramente ao trabalho científico, embora reconhecendo a possibilidade de cumulação dessas funções com as docentes», merecendo ainda devido realce o facto de serem protegidas, no campo da investigação, não só as denominadas ciências exactas, mas também as ciências sociais.
Não quero deixar de sublinhar a importância extraordinária que essa possibilidade apresenta para a solução do problema mais grave do nosso ensino superior e que se encontra directamente relacionado com a selecção do
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pessoal docente e concentração das actividades dos professores e assistentes no âmbito da Universidade. Já atrás fiz alusão ao facto de muitos elementos do corpo docente da Universidade, com sacrifício próprio e com prejuízo das suas funções docentes, ter de procurar fora da Universidade uma compensação complementar para o baixo nível das remunerações. Pois, se não se quiser ir abertamente para uma dualidade de situações - prestação de serviço em regime de tempo inteiro ou de meio tempo -, poderia muito bem encontrar-se nesta fórmula - remuneração do trabalho de investigação - uma maneira de dar aos elementos do corpo docente que quisessem dedicar-se inteiramente à Universidade uma remuneração suplementar com a condição, evidentemente, de essa remuneração não ser simbólica, embora para isso se exigisse um sério compromisso. Desta maneira, não só se conseguiria robustecer a investigação científica no âmbito da Universidade, como seria talvez possível prender de uma forma mais completa o pessoal docente à vida da Universidade.
No projecto do Plano foca-se um aspecto da mais alta importância e que eu, num aviso prévio apresentado em 1964, além de outro discurso proferido anteriormente, havia debatido como um dos problemas de alto interesse: a coordenação da investigação científica. Surge agora claramente, posta essa fundamental linha de rumo, ficando a cargo do Instituto de Alta Cultura, em colaboração com a Direcção-Geral do Ensino Superior, a coordenação no âmbito do Ministério da Educação Nacional, e a coordenação da investigação no seu conjunto, tanto no plano nacional como internacional, a cargo da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, recentemente criada, e que «dará parecer sobre as bases em que deve assentar a definição da política científica nacional».
Louvo plenamente as medidas agora tomadas e confio nos efectivos resultados práticos que daí advirão, pois que, se «é imprescindível que os investigadores tenham ao seu alcance os meios de trabalho de que necessitam», também é de avisada política evitar «o desperdício de duplicações inúteis ou de aquisição de material que acaso fique imobilizado por negligência».
Vivemos num momento em que se impõe obter um máximo de rendimento com um mínimo de dispêndio, razão por que as verbas destinadas à investigação hão-de convergir por forma a alcançar naturalmente aquele objectivo. Mas nunca será demasiado pôr em evidência, e no decreto que criou a Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica com satisfação o vejo referido, palavras que nesta tribuna pronunciei em Fevereiro de 1964: «A investigação científica tem de ser orientada e coordenada com o apoio e colaboração das Universidades para que a rentabilidade atinja o seu expoente máximo.»
O futuro investigador, como já uma vez afirmámos, deve possuir formação científica suficiente para ser capaz de assimilar, com maior ou menor facilidade, os ensinamentos de outrem ou, por si só, lançar-se na busca de novos horizontes das matérias que ocupam a sua atenção. Portanto, a aprendizagem prévia que, fornecendo-lhe os necessários conhecimentos, lhe desenvolva o desejo de encarar problemas mais transcendentes e a criação da mentalidade de investigador é função da Universidade.
O desenvolvimento da investigação no nosso país tem de obedecer a um trabalho perseverante e bem orientado. Para isso se vai recorrer à sua coordenação através de organismos altamente qualificados; mas, como parece indiscutível, e tantas vezes tem sido afirmado por pessoas responsáveis, que a missão de investigar e a missão de ensinar não devem ser- dissociadas, essa concentração
de esforços deve ser feita principalmente nas Universidades.
A par disso, suponho que a própria indústria nacional compreende que é imprescindível para o seu desenvolvimento uma investigação científica de elevado nível. E, assim, a exemplo do que se verifica noutros países e a exemplo mesmo de algumas iniciativas que entre nós se vêm manifestando, era necessário que as bolsas ou subsídios originários da indústria e destinados às Universidades pudessem constituir estímulo bastante para que estas, através da investigação aí realizada, lhes facultassem um apoio em tantos casos decisivo.
Neste, como noutros aspectos, seria feio pecado de omissão se não exaltasse o auxílio notável que a Fundação Calouste Gulbenkian tem dedicado à investigação cientifica, impulsionando-a de uma maneira extraordinária.
Ocupa-se ainda o projecto do Plano da investigação não ligada ao ensino, e aqui se põem os mesmos problemas relacionados com a investigação pura. Na base do desenvolvimento tecnológico de certos sectores produtivos estarão as prioridades da investigação não ligada ao ensino, passando a ser consideradas nos programas anuais de execução segundo as conveniências mais em evidência no desenvolvimento económico. Entre os objectivos previstos coloca-se a estatística, a programação económica, a agricultura (visando especìficamente o fomento da pecuária, das forragens, da horto-fruti-floricultura e da cerealicultura), as indústrias extractivas e transformadoras, construção e obras públicas, electricidade e energia nuclear, pesca, saúde pública, meteorologia e geofísica, cartografia, urbanização e habitação.
E enunciam-se as providências que se consideram necessárias para que a investigação aplicada possa florescer, sobressaindo, por exemplo, a melhoria das condições do pessoal investigador, a ampla colaboração com as Universidades e o «fomento da investigação a realizar ou patrocinar pelo sector privado, mediante disposições apropriadas».
No que toca a investimentos para o sector da «educação e da investigação ligada ao ensino», prevê o projecto do Plano 4 000 000 de contos, enquanto no parecer subsidiário da Câmara Corporativa a verba para o mesmo fim se eleva para 4 800 00 contos. Por sua vez, a investigação não ligada ao ensino é contemplada com 594 000 contos.
Parece que este projecto ainda não constitui a forma definitiva, pelo que o Governo virá a fazer as necessárias revisões de acordo com os pareceres da Câmara Corporativa e a discussão na Assembleia Nacional. Isso coloca-nos numa posição de absoluta confiança quanto à maneira como será orientada a execução do III Plano de Fomento, pois os elementos válidos que possam ser fornecidos terão a devida receptividade para os ajustamentos mais convenientes do Plano em referência.
A extensão da escolaridade obrigatória na instrução primária; a revisão dos programas; a formação dos professores, do ponto de vista pedagógico, científico e moral; a revisão dos quadros dos professores; a assistência social escolar; o problema das instalações e do reapetrechamento; a preparação da juventude como potencial humano dos mais valiosos para o futuro da Nação; a coordenação de há muito aguardada da investigação científica; enfim, a reforma técnica e administrativa que permita a solução dos mais instantes problemas que nos inquietam, todos eles - com satisfação se afirma - estão no espírito e enquadrados no Plano.
Ao concluir, portanto, um capítulo da mais alta importância, mas sobre o qual dissertei de maneira tão fastidiosa para os que tiveram a paciência de me ouvir, cum-
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pre-me deixar aqui um voto de sincera homenagem ao ilustre Ministro da Educação Nacional, voto que gostosamente torno extensivo aos seus mais íntimos colaboradores, pelo esforço e pela acção esclarecida neste surto renovador a que assistimos.
E agora não é sem uma bem sentida emoção que vou dedicar algumas palavras à visita feita há pouco mais de um ano a Angola, integrando-as no tema que procurai desenvolver nesta intervenção.
Essa emoção veio a avolumar-se cada vez mais intensamente ao longo dessa inesquecível caminhada, para deixar finalmente evidenciada uma bela realidade: o esforço e a tenacidade com que os portugueses aí desenvolvem a sua acção, e que se traduz num surto de desenvolvimento que nos honra e enche de orgulho. Esse progresso, cujo ritmo ultrapassa de longe a grande maioria dos países africanos, verifica-se em todos os sectores da vida nacional, quer no aspecto cultural, quer nos aspectos social o económico.
Na impossibilidade de pormenorizar motivos variadíssimos que tanto me deliciaram, situar-me-ei no sector dó ensino e da investigação, embora numa sucinta análise. Em Angola, pelo que me foi dado observar, tem sido dedicado o maior cuidado à alfabetização das grandes massas, e daí a difusão das escolas e postos de ensino pelos diferentes núcleos populacionais, atingindo a frequência, em alguns distritos, percentagens que levam a supor enorme êxito nos anos que se avizinham. Para o recrutamento dos agentes de ensino, sem levar em linha de conta os que se deslocam da metrópole, existem escolas com vista à preparação dos chamados «professores de posto escolar» e escolas do magistério primário para à formação dos professores primários.
Dispõe também a província de excelentes liceus, com elevadíssima frequência, além do ensino particular, em que VI colégios que pela sua gradiosidade fariam inveja a qualquer dos da metrópole.
O enriquecimento desta belíssima parcela do território português certamente impõe exigências noutros sectores do ensino, como seja o ensino técnico, secundário e médio, cujos estabelecimentos se encontram distribuídos por todo o território angolano, com uma frequência de muitos milhares de alunos e dispondo das mais modernas instalações.
No plano do ensino superior - há poucos anos foram criados os Estudos Gerais Universitários, com sede em Luanda -, pode afirmar-se que a obra que se vem a processar é já uma promissora realidade. Alguns departamentos ligados aos Estudos Gerais encontram-se instalados em Sá da Bandeira - preparação de professores para o curso pedagógico e para os 8.º e 11.º grupos -, e em Nova Lisboa as Escolas Superiores de Agronomia e de Medicina Veterinária, em estreita ligação com os Institutos de Investigação Agronómica e Veterinária.
Devo dizer que excedeu toda a minha expectativa e que deveras me impressionou a visita efectuada e orientada pelos respectivos directores dos dois departamentos de investigação, onde tive também o prazer de encontrar alguns antigos alunos.
O Instituto de Investigação Agronómica constitui, sem dúvida, forte baluarte de apoio à agricultura de Angola, quer promovendo o estudo do solo, quer assentando nos fertilizantes mais adequados a cada caso, quer desenvolvendo o estudo da fitopatologia, etc., numa acção verdadeiramente notável, se atendermos às dificuldades inerentes a explorações agrícolas diversificadas, de acordo com as variadas regiões climáticas e solos. Sobre o Instituto de Investigação Veterinária, a ele se deve uma eficaz assistência oficial à pecuária, em algumas regiões já altamente desenvolvidas, como na profilaxia e combate à tuberculose, carbúnculo, peripneumonia contagiosa, raiva, etc.
Neste Instituto funciona uma secção de bromatologia, orientada sobretudo no sentido do estudo dos alimentos destinados ao gado e à verificação das características químicas e estado sanitário do leite, lacticínios e outros produtos alimentares, e uma secção de toxicologia, que estava a ser organizada aquando da minha visita, a que se atribuía a maior importância, dados os progressos de uma agricultura cientìficamente orientada, quer utilizando produtos no ataque a certas doenças das plantas e à acção nociva dos insectos, quer utilizando outros para favorecer o aumento da produção agrícola, quer lançando mão de todos aqueles susceptíveis de facilitar a conservação dos produtos alimentares, particularmente das substâncias químicas, algumas das quais, pela sua natureza, podem produzir efeitos de acumulação.
O estudo, portanto, do grau de toxicidade, as precauções a tomar na utilização de uma gama imensa de produtos, etc., são problemas, como é fácil de depreender, do mais significativo interesse e que o novo departamento a que me referi irá satisfazer.
Mas nestas fugazes considerações pretendi fazer crer que nada mais há a fazer? Seria estultícia da minha parte se tal afirmasse. Apenas quis, sem fantasias condenáveis, mas com optimismo plenamente justificado, embora prudente, transmitir algo do que está efectivado e das vastas perspectivas que se antevêem frente às grandes possibilidades e potencialidades desta terra tão portuguesa. O que não há dúvida - e por experiência o afirmo - é que Angola tem qualquer coisa que enfeitiça e prende irremediàvalmente todos os que com ela tomam contacto.
Por um dever de gratidão e de justiça, quero dirigir o meu pensamento a todos os portugueses radicados no nosso ultramar, lídimos sucessores dos velhos pioneiros da ocupação, e aos valentes soldados de Portugal, que, firmemente, defendem aquilo que só a nós, Portugueses, qualquer que seja a cor da pele, pertence.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Rocha Calhorda: - Sr. Presidente: Desde sempre a evolução das doutrinas e teorias económicas constituiu uma consequência da preocupação de obter mais riqueza. Consoante o pensamento dominante na altura, ora se pugnava pela supremacia das trocas comerciais, com desprezo pela agricultura, ora se considerava a terra como a verdadeira fonte de riqueza dos povos. Da mesma forma como se entendeu legítimo não haver quaisquer embaraços à livre troca de produtos entre todos os países se passou depois a defender a ideia da protecção aos mercados nacionais pelo pagamento de direitos na entrada de mercadorias estrangeiras. As diferenças de pensamento e de métodos sucessivamente seguidos não deixaram, porém, de ter um objectivo comum: aumento de riqueza através de desenvolvimento económico.
Na verdade, é a situação económica que, ontem como hoje, constitui a espinha dorsal para as realizações de ordem social, para o progresso e bem-estar das populações e para a segurança e até estabilidade política de qual quer país. Compreende-se, assim, a preocupação e o estudo que os problemas de ordem económica merecem, hoje mais do que nunca, aos governos das diferentes nações. E por isso se explica o aparecimento, como sector bem destacado dentro da economia política, como ciência,
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e da política económica de cada país, como realização processual, do chamado «desenvolvimento económico», quase como matéria autónoma e com existência independente.
No entanto, é relativamente recente a sua aparição, pràticamente desde que pasmámos a ouvir em discursos, ou a ler em notícias de jornais ou em artigos de doutrina, as palavras: «economia, subdesenvolvida», «territórios subdesenvolvidos», «subdesenvolvimento».
Dentro do pensamento actual, o desenvolvimento ou crescimento económico não é viável sem o estudo e aplicação de um plano.
Portugal não ficou indiferente a esta corrente doutrinária, o desde 1953, ao conceber o I Plano de Fomento, para os seis anos de 1953 a 1958, alinhou deliberadamente na aceitarão das novas ideias que acabavam de agitar o mundo económico. Assim nos encontramos, neste momento e nesta Câmara, a apreciar o projecto da proposta de lei do Governo para elaboração e execução do III Plano de fomento, para o sexénio de 1968-1973, depois de cumprido o II Plano de Fomento, relativo ao período de 1950 a 1964, e prestes a findar o prazo especial de três anos em que decorre o chamado Plano Intercalar de Fomento.
Sr. Presidente: Como Deputado eleito pelo círculo de Angola, é, evidentemente, em relação à parte do Plano dedicada, àquela província que irei em especial referir-me.
Como nota muito saliente que importa destacar, é o extraordinário vulto da dotação programada para Angola - 25 044 960 contos -, que corresponde a uma quota-parte de 14,9 por cento da totalidade do Plano. Tanto aquela importância como o seu significado percentual constituem os valores maiores de sempre relativamente aos planos anteriores.
Dada, porém, a natureza mista do Plano, pela existência de investimentos, com característica imperativa, a executar pelo sector público, e de empreendimentos assinalados para a iniciativa privada, que têm apenas, uma característica indicativa, o programa financeiro pode subdividir-se em 7 791 700 contos, a aplicar pelo Estado, 17 253 300 contos previstos como utilização do sector particular através de investimento directo, autofinanciamento, obtenção de empréstimos e tomada de títulos de crédito diversos.
Esta importante expectativa de aplicação financeira reparte-se por todos os sectores da actividade, desde- a agricultura, silvicultura e pecuária até à saúde, e assistência, passando pela pesca, indústrias extractivas e transformadoras, energia, circuitos de distribuição, transportes e comunicações, habitação e melhoramentos locais, turismo, educação e investigação.
É no sector das indústrias extractivas e transformadoras que o Plano faz incidir a maior dotação - cerca de 15 milhões de contos -, cuja maior parte respeita à indústria extractiva e a financiamento do sector particular. Nele se consideram as prometedoras esperanças do aproveitamento dos jazigos já conhecidos de minérios de ferro, petróleo, fosfatos e sais de potássio.
Dois dos sectores que em Angola mais destacadamente têm progredido, cujo crescimento muito sensível não pode passar despercebido e que justo é não deixar de assinalar - a construção de estradas asfaltadas e a expansão do ensino -, têm também neste Plano de Fomento um lugar de realce no programa a continuar no futuro. Tudo quanto puder ser feito no campo dos transportes e comunicações não deve sofrer de qualquer atraso ou hesitação, tão grande é a sua importância nos reflexos de ordem económica, de ocupação e vivência do território, o até nos que respeitem à própria segurança e integridade.
Igualmente no que respeita ao ensino e promoção económico-social, não é preciso realçar a sua importância e projecção futura, tão evidente a mesma se mostra. Há, todavia, que procurar um certo equilíbrio com o progresso dos restantes sectores e com a solução dos problemas que afectam a província. Da mesma forma como é indesejável uma economia com uma população de nível baixo, também não é conveniente um desequilíbrio e choque provocado por uma acelerada subida de, nível sem que a economia do meio tenha evoluído de forma a mostrar-se apta a receber e enquadrar condignamente o afluxo dos novos elementos com preparação.
O entusiasmo e nível de sucessos registados nas realizações do sector da instrução e promoção, que só têm que ser aplaudidas, deverão ser, porém, acompanhados por idêntico entusiasmo e sucesso nas realizações dos restantes e diversos sectores da vida pública de Angola.
O Plano de Fomento em apreço tem a característica de concepção global, abrangendo a generalidade dos sectores de actividade económica e social.
O programa de investimentos é, assim, bastante ambiciono no considerar todos os sectores de actividade, não se limitando a um campo restrito a incidência do esforço a efectuar através do Plano de Fomento. Esta é, quanto a mim, uma das directrizes que se não harmoniza com o que parece ser mais aconselhável para aquela província.
Efectivamente, há que considerar neste III Plano de Fomento, como em qualquer outro, a parte do planeamento propriamente dito, muito teórica, muito subjectiva, e a parte que corresponde à sua execução prática. E se a primeira fase tem uma importância muito grande, não é com certeza menor a importância da fase dinâmica das realizações.
Por muito bem concebido que seja um Plano, por melhor que tenha sido estudado nas suas bases e por mais atraente que se mostre na sua fase estática, o seu sucesso depende fundamentalmente da forma como for executado.
Por isso me inclui mais para uma concepção limitada, abrangendo um número restrito de sectores, pois que dessa limitação resulta seguramente um melhor aproveitamento dos recursos financeiros. Por um lado, permite um mais rápido e firme desenvolvimento nos sectores contemplados, dada a centralização da incidência do esforço financeiro e da execução. Por outro lado, a Administração fica com a possibilidade de actuar mais profunda e seguramente do que numa excessiva dispersão, que lhe prejudica a capacidade de acompanhamento e fiscalização, com péssimo reflexo no aproveitamento e rendimento dos dinheiros utilizados.
Compreender-se-á, assim, que seja para este aspecto que vão todas as minhas preocupações e receios, dado que a envergadura do que se projecta não se harmoniza com a capacidade actual da máquina da administração pública de Angola. Mais do que a possível existência de vagas nos diversos quadros, é já um problema a crescente desqualificação que nos mesmos se vem notando. O problema tem de ser atacado frontalmente e com urgência, não se compadecendo com o recurso a soluções provisórias ou de emergência.
Baixar o nível das habilitações exigidas, como já foi feito para atrair candidatos aos concursos para desempenho de funções públicas, não só desqualifica e prejudica o bom exercício do necessário expediente, como nem sequer fica mais barato ao Estado. A insuficiência em qualidade, de tais servidores acaba por ser suprida, mas mal, através do aumento da sua quantidade.
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Por isso se notam alguns serviços públicos em Angola com um verdadeiro batalhão de funcionários, mas nem por isso o seu expediente decorre como os seus responsáveis certamente gostariam, nem como o público tem o direito de exigir.
A execução deste Plano de Fomento, que tanta importância poderá trazer para o crescimento económico de Angola, não pode ser dissociada da estrutura e funcionamento da administração pública, sob pena de não vir a corresponder, nem de longe, ao que dele se espera.
Essa estrutura não costuma, sor incluída, efectivamente, dentro das necessidades básicas que permitem e facilitam o crescimento económico, tal como a construção de uma boa rede de estradas e ferrovias, o fornecimento de energia a preço acessível ou o apetrechamento eficiente dos portos, mas parece-me que a capacidade da administração pública, tal como aquelas necessidades, constitui uma autêntica infra-estrutura, cuja falta prejudicará seguramente o bom ritmo dos empreendimentos, públicos ou privados, e até a sua viabilidade.
É, portanto, enorme a influência que o comportamento e, actividade da administração pública, tornada na generalidade, desempenham na execução de um plano de fomento, actuando como factor determinante para o sucesso ou fracasso daquele.
Independentemente dos reflexos que a projecção deste III Plano de Fomento irá provocar em Angola, já hoje é muito sensível a necessidade e conveniência de modificar o ritmo e valor de actuação da maioria dos serviços públicos, cheios de carências para ocorrer a uma economia, que cresceu bastante e cuja próxima expansão ainda mais avivará e fará sentir a sua insuficiência.
É imperioso que se proceda urgentemente a um aumento de vencimentos, tal como já tem sido ventilado e como já defendi nesta Câmara em anterior intervenção. Mas o que se impõe não é um aumento de vencimentos feito simplistamente, mas sim um ajustamento às realidades, quer no campo da remuneração, quer no campo da mentalização e da formação bem nítida dos deveres e obrigações profissionais. O aumento de vencimentos ficará antecipadamente condenado, como razão útil para melhorar a situação, se não for acompanhado de um trabalho paralelo para construir aquela formação e mentalização, o que só pode partir das funções mais cimeiras e responsáveis, através do exemplo pessoal, do pulso necessário para exigir e da cabeça para saber orientar e ensinar.
Para ilustrar e confirmar que o divórcio entre o funcionalismo em geral e o dever bem cumprido é uma verdade existente e aceite basta salientar o aparecimento que de vez em quando todos verificamos de louvores exarados na folha oficial por virtude de funções desempenhadas com zelo, interesse e dedicação. Procede-se e actua-se já como se aquilo fosse anormal e merecedor de pôr em realce! Está esquecido que o zelo, interesse e dedicação não significam afinal mais do que a conduta que deve corresponder ao desempenho normal de funções remuneradas. A sua inexistência, essa sim, é que deveria ser posta em realce como nota negativa.
Sei que o Sr. Governador-Geral de Angola conhece bem todas as carências o insuficiências existentes nos quadros públicos da província que governa e que é grande o seu desejo de conseguir a melhoria de vencimentos, encontrando-se, porém, em dificuldade para o fazer em face do considerável aumento de encargos que essa melhoria irá provocar.
Não me parece, todavia, que. a dificuldade, principal resida na falta de disponibilidades financeiras do orçamento, irias sim em conseguir a alteração radical que conviria fazer a alguns sistemas e situações a que lamentàvelmente se deixou chegar. Não creio que seja um problema de insuficiência das receitas públicas, mas sim da sua má distribuição nas despegas públicas.
Uma actuação caracterizada por autenticidade e interesse lia função a obter de cada servidor, público, e que não custará dinheiro, mas apenas resultará da política de mentalização e formação a realizar pelos elementos de direcção e chefia, desde os mais elevados da hierarquia pública até aos mais modestos, proporcionará um maior grau de produtividade, com economia imediata na formação dos quadros, da mesma forma como a eliminação de abusos em prolongamentos de licenças não deixaria de contribuir para aquela mesma, economia, pela maior frequência ao serviço e menor encargo com situações improdutivas. Efectivamente, depende dos próprios funcionários públicos, em grande, parte, a possibilidade de ganharem adequadamente. Tal como nas empresas privadas, que pagam melhor, mas que não podem accionar a seu bel-prazer a alavanca das receitas, o recebimento de vencimento adequado só pode provir de um exercício de funções adequado e da inexistência de situações abusivas. É inconciliável nas empresas particulares conseguir pagar bem a quem as servis pouco e mal, da mesma maneira como ao Estado será difícil remunerar em bom nível quem lhe presta poucos e maus serviços. É com o trabalho interessado, leal e eficiente dos seus componentes que a administração pública pode ganhar uma parte muito substancial da margem necessária para puder remunerar condignamente os seus servidores.
Outra parte poderá ser obtida com a eliminação de duplicações e sobreposições de serviços e organismos.
Efectivamente, tem sido impressionante em Angola a proliferação de institutos (de investigação agronómica, de investigação médica, de investigação científica, de investigação veterinária), missões, brigadas, fundos, não se chegando quase a saber o que fica para os serviços públicos clássicos e tradicionais. Aceita-se a sua utilidade, mas não sei se essa utilidade pode equilibrar o dispêndio com a sua manutenção à margem das direcções de serviços, com duplicação de encargos administrativos de instalação o de funcionamento, dada a sua existência como serviços independentes com necessidade de mais quadros burocratas.
Parece-me que bastaria incluir nos serviços clássicos um gabinete ou departamento de investigação puramente técnico, apenas para os técnicos, correndo a parte burocrática pelos serviços já existentes e instalados.
Desta disseminação de serviços, em que cada um se rodeia logo do apoio de instalações próprias, meios de transporte privativos, mobiliário e quadros de pessoal meramente administrativo, além do já assinalado aumento de encargos que envolve o seu funcionamento, sem qualquer benefício para o aspecto técnico ou de investigação da maior parte desses serviços novos, resulta ainda um alargamento na ocupação de cadeiras administrativas, certamente mais cómodas e reverenciadas, por parte de técnicos que depois não chegam para as necessidades pròpriamente de assistência técnica e de investigação dentro da sua especialidade. Faltam, assim, técnicos na resolução de problemas técnicos para que estudaram e sobram como burocratas administrativos, para que muitas vezes não têm nem preparação nem formação pessoal.
Tem-se adensado desta maneira a máquina da administração pública, cada vez mais pesada e mais cara, sem que em contrapartida permita resultados práticos
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compensadores. Será uma das formas de fazer povoamento; mas também muito cara e inconveniente.
Trata-se, porém, de situações criadas, e por, isso é que referi que considero que o problema não é de falta de receitas suficientes, mas sim de conseguir agora alterar a sua aplicação. Haja a coragem de mentalizar e dignificar devidamente as funções públicas, eliminar o sistema excessivamente generalizado de senhas de presença, gratificações e subsídios, que toca apenas a alguns, evitar a dispendiosa dispersão de serviços que bem podiam abrigar-se sob o mesmo tecto e viver sob o mesmo expediente administrativo, exercer uma severa e rigorosa, administração quanto a despesas e gastos inúteis ou exagerados, e o orçamento de Angola, estou certo, suportará sem dificuldade uma mais equilibrada e justa remuneração a todos os servidores públicos, classe que tem de constituir na província de Angola elemento prestigiante e prestigiado.
Sr. Presidente: Antes de terminar não quero deixar de referir uma palavra para. um aspecto que não figura na proposta de lei nem no projecto do Plano, mas que me parece muito conveniente realçar.
Trata-se da estreita colaboração e coordenação que deve existir entre o Governo e as instituições de crédito, para além do que a estas respeita como fontes de financiamento directamente ligadas à execução do Plano, ou seja, na sua actividade normal de vendedores de crédito.
Esta função, pelos reflexos de interesse público que a caracterizam, é um dos factores mais altamente valiosos na orientação e rumo de qualquer economia. Por isso é muito desejável em Angola uma política de crédito harmoniosa e orientada no melhor sentido da sua economia geral, para o que teria extraordinário interesse uma regularidade de contactos entre a administração provincial e os dirigentes das instituições de crédito.
Favorecendo na importação de bens de equipamento e nos investimentos de produção, dificultando na importação de bens de consumo e nos investimentos não reprodutivos, facilitando mais um sector, facilitando menos noutro, a concessão do crédito pode determinar o crescimento económico das actividades sectoriais que forem julgadas mais convenientes para a economia do conjunto, actuando no tempo e no espaço, sem prejuízo dos legítimos interesses das instituições de crédito, consoante o que for mais útil para o progresso e bem-estar da grande realidade, a ter sempre bem presente, que é a Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Henriques Mouta: - Sr. Presidente: Suponho que hoje ninguém discute a importância nem a necessidade da planificação da economia. Os planos de fomento entram nas actividades normais de todos os povos que se, esforçam por avançar. A improvisação caiu no descrédito e a sua impotência para dinamizar uma economia é mais que evidente. Por isso, Paulo VI, na Populorum Progessio, fazendo-se eco da Mater et Magistra, acentua:
São necessários programas para encorajar, estimular, coordenar, suprir e integrar a acção dos indivíduos e dos organismos intermediários.
Por este caminho, como lembra o projecto do III Plano de Fomento, ora em discussão, se enveredou entre nós já em 1985, pela chamada Lei da Restauração Económica, ou Lei n.º 1914, muito antes de os países do Ocidente europeu terem iniciado as suas experiências de planeamento. Entre 1935 u 1950, foi-se executando uma série de reformas parciais: remodelação dos CTT, fomento hidroagrícola, povoamento florestal, fomento mineiro, abastecimento de água às sedes dos concelhos, apetrechamento de portos, estradas, marinha mercante, etc.
As planificações, porém, deixam margem para medidas de emergência, impostas pela evolução conjuntural e capazes de pôr à prova a inteligência dos responsáveis. Nesta linha de pensamento, estabelece o III Plano uma revisão no fim do primeiro triénio, reforçada na sua motivação pela dificuldade de programar, com inteira segurança, na especial conjuntura que o País vem enfrentando.
A planificação económica, com seus programas cíclicos, é reconhecida como uma das atribuições do Estado. Assim, doutrina a Populorum Progressio:
Pertence aos poderes públicos escolher, e mesmo impor, os objectivos a atingir, os fins a alcançar e os meios para os conseguir, o é a eles que compete estimular todas as forças conjugadas nesta acção comum.
Aquele ... mesmo impor ... sublinha a firmeza na acção do Instado; porém, não se, conforma com o monstruoso colectivismo, advertindo:
Tenham, porém, cuidado de associar a esta obra as iniciativas privadas e os organismos intermediários. Assim evitarão o perigo de uma colectivização integral ou de uma planificação arbitrária, que, privando os homens da liberdade, poriam de parte o exercício dos direitos fundamentais da pessoa humana ...
Sr. Presidente: Corri esta doutrina acordam-se as declarações do Ministro de Estado e as orientações consignadas no Plano. Este atribui «papel de grande importância às corporações, organismos patronais e sindicatos na realização dos seus objectivos, considerando-os meios prestimosos que urge aproveitar». Mas para que se não frustrem essas esperanças de eficiente colaboração, importa revitalizar alguns organismos corporativos, impedindo que se transformem em cogumelos agarrados ao tronco, quando deveriam ser células ricas e tonificantes do tronco e ramos de toda a árvore.
Nas suas declarações, o Sr. Ministro de Estado esclareceu e acentuou:
O carácter global do Plano de forma alguma podo interpretar-se como um programa imperativo que. durante o período da sua. vigência, regula- toda a actividade económica.
E nos preceitos constitucionais fundamenta esta posição pragmática, observando:
A tal se oporiam os princípios informadores da nossa ordem constitucional, que reconhecem a iniciativa privada e na sua liberdade o principal motor do processo de desenvolvimento económico e social, e reservam para o Estado o papel de orientar superiormente e de completar ou suprir essa iniciativa.
Na própria elaboração do Plano se descobre esta linha de pensamento, pois naquela participaram cerca de duas mil pessoas, distribuídas por dezenas de grupos, subgrupos e comissões de trabalho.
Foi seguidamente, posto à apreciação da opinião pública, através dos órgãos de informação, e submetido ao
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estudo da Câmara Corporativa, que se pronunciou mediante parecer geral, (pie integra os pontos de vista de várias comissões que representam os diversos interesses em causa. Esta agora, nesta Câmara para ser discutido. E se assim, na elaboração, não foi um simples acto de governo, como o próprio Governo não queria que fosse, também a sua execução, no pensamento do Governo, deve ser uma «tarefa comum - do Governo, dos serviços públicos, das actividades privadas: obra colectiva que directa ou indirectamente, interessa a todos os portugueses; um instrumento de ordem, de equilíbrio, de colaboração activa entre governantes e governados».
Sem essa colaboração de todos os portugueses, que é autêntica e das mais válidas participações no governo do Pais serão prejudicados, se não mesmo frustrados, os objectivos do Plano. O volume dos investimentos revela muita confiança e até audácia, não desacompanhadas de prudência. O Plano teve de levar em linha de conta um amplo complexo de condicionantes: defesa nacional e defesa do equilíbrio do mercado de emprego, da estabilidade financeira interna e da solvabilidade externa da moeda e preparação progressiva da economia portuguesa para a sua integrarão nos mercados de âmbito europeu e nos intercontinentais. Só com estas prevenções, que são limitações, se evitará, que se frustrem os grandes objectivos do Plano.
São eles como consta da base III da proposta de lei: aceleração do ritmo de crescimento do produto nacional à media anual de 7 por cento; repartição mais equitativa, dos rendimentos: correcção progressiva dos desequilíbrios regionais de desenvolvimento, estruturando uma economia nacional no espaço português e realizando os fins superiores da comunidade, como se declara na base n.
O aperfeiçoamento progressivo e firme da repartição dos rendimentos é de importância capital e não pode perder-se de vista. Bem o sublinha a Populorum Progressio, quando se ocupa do problema, que é universal, com estas palavras:
Não é lícito aumentar a riqueza dos ricos e o poder dos fortes, confirmando a miséria dos pobres e tornando maior a escravidão dos oprimidos.
Não queremos, não podemos, seguir por este caminho, temos de fugir dele sempre e cautelosamente, porque é marginado de injustiças e de ódios e conduz à catástrofe. Como observa Paulo V f. o desenvolvimento não está só no «crescimento económico», também no «progresso social». Evidentemente que não se pode fazer distribuição equitativa se não houver que distribuir, é preciso produzir mais como recomenda insistentemente a Populorum Progressio. Mas não se esqueça:
Não basta aumentar a riqueza comum, para que ela seja repartida equitativamente. Não basta promover a técnica, para que a terra possa ser habitada de maneira mais humana. Nos erros dos predecessores reconheçam os povos que se encontram em desenvolvimento um aviso dos perigos que hão-de evitar neste domínio. A tecnocrafia de amanhã pode gerar ainda piores inales que o liberalismo de ontem.
São advertências salutares da Populorun Progressio. O desenvolvimento é hoje o nome da paz, na frase de Paulo VI. Porém, esclarece o pontífice que «o verdadeiro desenvolvimento não consiste na riqueza egoísta e amada por si mesma, mas na economia do serviço do homem, no pão quotidiano distribuído a todos como fonte de fraternidade e sinal da Providência».
Semelhantemente, acentua-se, no projecto do III Plano, que o homem está no princípio e no fim do todo este processo de desenvolvimento. E Paulo VI previne contra os riscos da ambição, observando:
A avareza pessoal, familiar e nacional pode entrar tanto nos mais desprovidos como nos mais ricos.
E não haverá também uma avareza regional? O regionalismo é um valor e uma escola de sadio nacionalismo, mas não pode degenerar em egoísmo, uma certa avareza regional. Cada província (e até concelho, freguesia e aldeia) pede, solicita, insiste, clama, chora e grita ... por mais, sempre mais, sem atender aos vizinhos. Vilas e aldeias, freguesias e concelhos, cidades ... tudo puxam, arrastam e tentam absorver na sede,, como se os outros não tivessem direitos e necessidades. As vezes, interesses muito particulares e de legitimidade muito discutível ocultam-se sob a aparência de iniciativas generosas e a bandeira do bem comum.
Enquanto, dentro do mesmo distrito, concelho e até freguesia, numa zona se tomam iniciativas e sucedem os melhoramentos - fontes, estradas e ruas -, as populações das restantes zonas da jurisdição da mesma entidade social, administrativa ou autárquica continuam encurraladas no gheto dos sem direitos. A sede com ruas cruzadas e as outras terras com quelhas apertadas, aonde não chega o carro do médico em condições de segurança. Se a cabeça regorgita de tráfico, com perigo de congestão cerebral, nem por isso se tolera a ideia de lançar novas artérias que vão levar sangue e vida - desenvolvimento - a outras zonas, paralíticas, do corpo social.
Não será isto egoísmo desumano e avareza regional? A justiça social não regula só as relações individuais ou empresariais no âmbito do binómio
trabalho-salário. De qualquer modo, ficam sempre ao Estado as sérias obrigações da justiça distributiva. Carecem, por isso, os Poderes Públicos de estar muito alerta, para não consentirem, distraindo-se, que os ratos assaltem o queijo do orçamento. Se todos convimos em que o País não é a capital, embora lhe queiramos todos muito, não deixemos multiplicar as capitais, por maior que seja a sua forca centrípeta e o poder de manobra dos seus capitães.
Regista-se grande tendência para criar satélites e até satélites de satélites em cadeia que lembra a dependência feudal dos servos da gleba em relação aos detentores dos direitos senhoriais. E ainda não cheguei a entender certas fugas, se não drenagens, de capitais de uma zonas para outras.
Compreendo que tenham a sua fábrica do pasta celulósica cidades ou províncias, como Aveiro, Figueira da Foz Minho, Vila Velha de Ródão e Trás-os-Montes. Só não alcanço os motivos por que a não tenha a Beira Alta, matriz do pinheiro, que é o ex-líbris da província, como poderia dizer Silva Gaio apesar de ninguém ignorar como os transportes e as distâncias agravam os preços das matérias-primas e dos produtos.
Manifesto é que a Beira Alta, neste ponto, continua a não poder beber a água que nasce na província e vê conduzir para longe ... Mas há outras potencial idades económicas que esperam planeamento, coordenação e apoio na Beira Alta, além de material lenhoso e mão-de-obra: estanho, volfrâmio, urânio, feldspato, quartzo, etc. Nada de desperdício de capitais com sobre investimentos e sobre equipamentos. capitais tão necessários em posições ainda não exploradas. Nem se defendem monopólios, nem mesmo proteccionismos a eventuais caçadores de privilégios. Condicionalismo para fechar e não para abrir a
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porta a disparates. Factor de orientação e de equilíbrio, mas não clube de poderosos ou seguro de preguiçosos.
E quando se olhará para os aproveitamentos do Vouga? Está fadado pela natureza para mais alguma coisa que berço de poetas e viveiro de trutas. Todo o distrito de Viseu, e particularmente a zona do Norte, está a pedir providências no capítulo das infra-estruturas, comunicações e novas actividades.
Por isso tudo, sublinho com aplauso, como um passo em frente, que. um dos objectivos deste III Plano de Fomento seja a correcção progressiva dos desequilíbrios regionais de desenvolvimento.
Sr. Presidente: Não se ignoram as dificuldades deste objectivo, até porque dependente e subordinado, naturalmente, ao primeiro (aceleração do ritmo de crescimento) relacionado com o segundo (repartição mais equitativa dos rendimentos), de que é corolário ou simples prolongamento. As unidades industriais não podem distribuir-se como os jogadores num relvado, segundo austeras regras de jogo, por cuja integridade vela o árbitro.
Se dependem de investimentos privados, podem fugir de uma rigidez geométrica que não se ajuste aos seus razoáveis interesses e os seus cálculos não suportem. Sobretudo quando estão em causa, capital, estrangeiros.
São várias as condicionantes da fixação das indústrias. Ninguém pense em descongestionamento industrial ou em distribuição racional das unidades industriais sem vias de comunicação, fontes de matéria-prima e disponibilidades de mão-de-obra. Ninguém sonhe em deter a onda do êxodo rural sem assentar o paredão defensivo, complexo do medidas convergentes que não exclui a acção do tempo rectificador, no cimento da industrialização das zonas provincianas e rurais, não apenas no sector da produção agrícola, mas também nos outros.
As dificuldades, porém, não são insuperáveis e não se deve permitir que elas se transformem em impossibilidades: importa, isso sim, que sejam um teste da capacidade realizadora dos Portugueses. E não faltam estímulos aliciantes. Na verdade, a linha dos três objectivos do Plano - crescimento, equidade na distribuição e correcção de desequilíbrios regionais - conduz naturalmente e progressivamente à «formação de uma economia nacional no espaço português», harmónico, solidário e interdependente nos elementos componentes do todo, a reforçar e tornar plenamente efectiva a unidade política de uma nação pluricontinental e multirracial.
Nesta, caminhada tão cheia de promessas e de certezas tudo se perderia se a bandeira da justiça fosse substituída pela do egoísmo, que nos levaria para uma frustração ignominiosa. Sufocados numa atmosfera de materialismo e cegos pela treva da avareza, com todos os nossos esforços, técnicas e recursos, só fabricaríamos uma dramática, desagregação nacional e cairíamos 7.10 mais rasteiro dos subdesenvolvimento que advertidamente a Popularum Progressio previne, nos termos seguintes:
Tanto para as nações como para as pessoas, a avareza é a forma mais evidente de subdesenvolvimento moral.
Sempre me chocou a tendência para fazer desenvolvido sinónimo de rico, como se um carneiro deixasse de o ser se a vossa velo de ouro ... e como se todos os valores se reduzissem ao económico. Ocorre-me, a propósito, a «barbaria das elites», de Rostenne. Remando contra essa tendência materialista, o Concílio Vaticano II, reforçado por Paulo VI na Populorum Progressio, adverte:
O futuro do mundo está ameaçado se na nossa época não surgirem sábios.
E ajunta:
Numerosas países, pobres em bens materiais, mas ricos em sabedoria, podem trazer aos outros inapreciável contribuição.
E, como lembra o P.º Lebret, há povos ricos que são pobres de amor. E acentua que o materialismo contemporâneo constitui o grande problema do nosso tempo e provoca incompreensões, conflitos e lutas.
Outro simplismo inaceitável é a divisão de todos os povos do planeta em desenvolvidos e subdesenvolvidos, que, além de identificar desenvolvimento com dinheiro, colocava os povos de civilização milenária e civilizadores no mesmo pé dos que ainda gatinham na pré-história.
Tal simplismo, com que alguns novos ricos pretendiam humilhar quem lhes ensinara o á-bê-cê da vida, está sendo rejeitado na linguagem dos técnicos responsáveis. Jacques Lambert, em 1963 e reportando-se às estruturas sociais e instituições políticas da América Latina, distingue entro países: relativamente desenvolvidos, desigualmente desenvolvidos, micro desenvolvidos, em posição diferente dos países que ele diz em situações aberrantes.
Sem aquela sabedoria a que alude Paulo VI, a prosperidade económica pode conduzir ao empobrecimento espiritual, defraudar e até destruir o nosso património do humanidade. Significativo é que a mesma Populorum Progressio, que faz dramático apelo ao desenvolvimento, acautela, contra o que se poderia chamar «temporalismo» que ameaça o espírito de pobreza, todas as
bem-aventuranças e outros valores.
Na linha de combate à avareza o rasgando a estrada de uma justiça mais perfeita e de uma colaboração mais ampla como João XXIII, sugere Paulo VI que «deve-se. tender a que a empresa se transforme numa comunidade de pessoas, nas relações humanas, funções t situações». Até por isso, registo com satisfação que o III Plano insiste no objectivo de facultar aos trabalhadores crescente participação no rendimento nacional e de estimular a participação dos trabalhadores no autofinanciamento das empresas em que trabalham.
Anotando que a crescente participação dos trabalhadores no rendimento nacional tem de ser compatível com a intensificação do ritmo de acréscimo do produto, logo aponta os caminhos para tornar efectiva aquela participação: o aperfeiçoamento da política salarial e uma política de rendimentos não salariais que mantenha as taxas de remuneração dos factores terra, capital e empresa e facilite a difusão da propriedade e o acesso à habitação própria. E a participação dos trabalhadores no autofinanciamento das empresas em que trabalham será realizada mediante a tomada de títulos emitidos pelas próprias empresas e sem prejuízo da melhoria dos salários, orientada pelo acréscimo da produtividade.
Este é com efeito, o caminho para transformar a empresa numa comunidade e aumentar a produção na justiça, na ordem e na paz.
E para ocorrer as necessidades de muitos urge economizar, salienta Paulo VI, considerando «escândalo intolerável qualquer esbanjamento público ou privado, qualquer gosto de ostentação nacional ou pessoal».
Não creio que entre nós se verifiquem tais casos de ostentação nacional. Mas não haverá casos de ostentação pessoal? Na hora em que os nossos soldados sacrificam exemplarmente todas as comodidades, são mutilado» e até imolam em glória a vida pela Pátria, tal ostentação seria afrontosa o intolerável.
Vozes: - Muito bem à
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16 DE NOVEMBRO DE 1967 1741
O Orador: - Quando o País ia/anais uma arrancada para o desenvolvimento económico, desenvolvimento imprescindível para se ganhar a batalha da integridade de Portugal, todas as economias são sagradas, tanto no sector público como no privado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não se pode faltar com os meios às forças militares, que seria traição, mas esta permanente e indispensável solicitude continuará a sor acompanhada do empenho de tudo se fazer num clima de austeridade compatível com a eficiência. E este critério tem de prevalecer, com maioria de razão, nos serviços públicos e particulares, de carácter civil e administrativo, até na simples correspondência. A qualidade do papel estará, sem dúvida, à altura da dignidade dos serviços ou instituições, mas que não cheire a luxo. Fugir do luxo e também do supérfluo, evitando despesas com papéis desnecessários à eficiência dos serviços e à elucidação dos interessados.
Sr. Presidente: Já se lembrou que o económico é apenas uma. das dimensões, condicionante e condicionada, indiscutivelmente subordinada à «visão global do homem e da humanidade». Outra dimensão é a cultura, por sua vez condicionada e condicionante.
Por isso, recordando a sua mensagem ao Congresso da UNESCO, reunido em Teerão em 1965, mensagem onde considerou a alfabetização «factor primordial de integração social e de enriquecimento da pessoa e, para a sociedade, instrumento privilegiado de progresso económico e desenvolvimento», Paulo VI. na Populorum Progressio insiste:
A fome de instrução não é menos deprimente do que a fome de alimentos.
E acentua:
Pode mesmo afirmar-se que o crescimento económico depende, em primeiro lugar, do progresso social.
E mais vincadamente ainda:
Por isso, a educação de base é o primeiro objectivo de um plano de desenvolvimento.
A alfabetização é batalha recentemente ganha na metrópole e nas ilhas e em vitorioso desenvolvimento no ultramar. Mas as exigências e necessidades crescem. E o êxito pleno deste Plano e dos futuros depende do que agora se fizer, avançando no sector da educação em todos os graus ou escalões.
Aceito, pois, e sem reticências, a opinião expendida, em La promoción professional em Colombia, publicado um Bogotá já este ano:
É muito mais grave o prejudicial o subdesenvolvimento mental de alguns sectores pouco progressivos das classes dirigentes do que o subdesenvolvimento económico suportado por vezes pelas classes dirigidas.
Um plano de fomento carece de homens capazes não apenas de o estruturar, mas também de o realizar. E realizá-lo é tarefa de toda a comunidade. Por isso, consideram-se de rentabilidade máxima os investimentos na educação, se criteriosamente aplicados o acompanhados das providências necessárias para evitar desvios ou malogros e para a escola se não transformar em fábrica de técnicos desumanizados. peritos na sua profissão, mas ignorantes, da Pátria, do homem e do próprio Deus. Há tendências para esquecer, o até desprezar, aquelas providências com certo ar de superioridade; e de segurança que lembra a avestruz a enterrar a- cabeça- na areia para os olhos não verem o inimigo.
Há que preparar o futuro. E o futuro é a juventude. E penso, de modo particular, na juventude dos meios rurais. Também ela tem direito à cultura. E, como lembra Paulo VI. «também os camponeses tomam consciência da sua imerecida miséria» em muitos lugares da Terra. E em toda a parte eles suportam um confronto desfavorável e chocante relativamente aos outros homens, vendo-se numa situação de gente de segunda classe, quando apeteceria classificá-los de primeira, ao menos entro nós.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Dos meios rurais procedo a grande massa dos que morrem para que a Pátria não morra; dos que se batem e não olham a riscos para que a Nação se não desintegre; dos que regressam prontos a voltar, se necessário, calmos e modestos, admirados no Mundo pela sua coragem e valor e ainda mais pela sua simplicidade. Ali teremos fiéis guardiões do património nacional, ali poderemos recrutar inteligências e braços para construir uma «grande, e próspera nação».
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continuará amanhã à hora regimental. Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 50 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
António Augusto Ferreira da Cruz.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Correia Barbosa.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
João Duarte de Oliveira.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Rogério Noel Peres Claro.
Tito de Castelo Branco Ar antes.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
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1742 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 93
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Horácio Brás da Silva.
José Guilherme Bato de Melo e Castro.
José Pais Ribeiro.
José dos Santos Bessa.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Correia.
Manuel Lopes de Almeida.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul Satúrio Pires.
Sebastião Alves.
Simeão Pinto de Mesquita de Carvalho Magalhães.
O REDACTOR - Januário Pinto
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA