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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 98
ANO DE 1967 24 DE NOVEMBRO
IX LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N.º 98 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 23 DE NOVEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
Foram recebidos na Mesa os elementos requeridos aos Ministérios da Justiça e Comunicações, respectivamente, pelos Srs. Deputados Furtado dos Santos e Neto de Miranda na sessão de 23 de Março de 1966 e 21 de Março do ano corrente.
Foram entregues àqueles Srs. Deputados.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Cunha Araújo, sobre problemas de trânsito rodoviário; Gonçalo Mesquitela, acerca da visita de um grupo de Deputados a Moçambique, e Correia Barbosa, para se referir a aspectos respeitantes às estradas do Norte do distrito de Aveiro.
Ordem do dia. - Continuação do debate na generalidade da proposta de lei relativa à elaboração e execução do III Plano de Fomento.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Jerónimo Jorge, Marques Teixeira e Agostinho Cardoso.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António José Braz Regueiro.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro)
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Francisco José Cortes Simões.
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Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Horácio Brás da Silva.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José Pais Ribeiro.
José Pinheiro da Silva.
Júlio Dias das Neves.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Raul Satúrio Pires.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 75 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
De aplauso à intervenção do Sr. Deputado Elísio Pimenta.
De apoio às palavras dos Srs. Deputados Roseta Fino e José Vicente de Abreu.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Justiça em satisfação de requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Furtado dos Santos na sessão de 23 de Março de 1966.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Estão também na Mesa elementos fornecidos pelo Ministério das Comunicações em satisfação de requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Neto de Miranda na sessão de 21 de Março do corrente ano.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Cunha Araújo.
O Sr. Cunha Araújo: - Sr. Presidente: Os programas diariamente emitidos pela Televisão Portuguesa são, como não poderiam deixar de ser, alvo das mais variadas e desencontradas críticas.
Uns gostam e outros não gostam, segundo as suas predilecções pessoais, sendo certo que, mais do que a satisfação dos gostos individuais, importa a do comum, sem perder de vista as reais dificuldades de encontrar-se originalidade numa programação que visa sempre o mesmo público e é, indubitavelmente, impossível de satisfazer na medida geralmente pretendida. Mas, a televisão, porque espectáculo público, é do público, e, como tal, este dispõe de um livre direito de crítica sobre o que se lhe oferece e paga, circunstâncias em que, como espectáculo que, não poderá furtar-se àquele na diversidade do entendimento dos que o usam.
Mas a crítica, nos moldes em que se reconhece e no direito que a legitima, para ser justa, terá de ser objectivamente formulada e abranger indistintamente o que está bem e o que está mal, cumprindo, fora dos casos concretos deste ou daquele programa, no que toca à formação e mentalização que permitem, ao Governo orientá-la por modo que a educação moral e política que dela provém não contamine a consciência colectiva que sobretudo lhe cumpre salvaguardar...
Mas não pedimos a palavra para falar da televisão como órgão difusor de ideias e costumes a entrarem livremente nas nossas casas, onde connosco se «sentam» à mesa. No momento, apenas nos interessa salientar um seu programa que julgamos a todos os títulos digno do mais rasgado elogio, consideração e apoio que sirvam de incitamento à sua permanência cada dia mais necessária e de indiscutível interesse nacional, logo, digno de ser evidenciado e aplaudido nesta Assembleia, que não pode nem deve mostrar-se alheia nem indiferente a tudo quanto lhe diga respeito, o garanta e preserve.
Queremos referir-nos ao programa «Sangue na Estrada», em tão boa hora empreendido, tão proficientemente apresentado e tão utilmente prosseguido na meditação a que obriga sobre o uso e abuso da mais mortífera das armas, o automóvel, hoje à mercê de tantos irresponsáveis e mãos criminosas a fazerem derramar sangue nas nossas estradas e a desfalcarem a Nação de tanto potencial humano necessário ao desempenho das mais variadas tarefas exigidas pelo bem comum.
Sr. Presidente: O problema rodoviário nacional, no sempre crescente aumento da sinistralidade automóvel a provocar mortes consecutivas nas nossas estradas, é um magno problema de evidente interesse e utilidade pública. Daqui o ser um problema de âmbito e interesse nacional a impor não só a atenção desta Assembleia, como a do Governo, por modo que se morra em menor escala naquelas, mais afoitamente por elas transitemos, se não coloque à mercê de loucos aparentemente responsáveis o supremo bem da vida de cada um a correr riscos imprevisíveis e inesperados, por inconsideração e negligência dos muitíssimos que se mostram carecidos da idoneidade necessária ao manejo de tão terrífica arma.
Como?!
Não nos cumpre a nós, decerto, embora tenhamos sobre o assunto as ideias correntes do modesto homem da rua que somos, programar, apenas com base nelas, a acção e actuação a empreender, mas tão-sòmente a manifesta-
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ção do preocupado anseio geral em todos quantos, obrigados pelas mais diversas exigências, têm de utilizar sem um mínimo de segurança as nossas rodovias em estado de conservação lamentável e, o que é pior, infestadas de autênticos assassinos, contra quem urge reagir.
Isto apenas nos propomos, no reconhecimento de que há, primordialmente, uma acção imediata a desenvolver no sentido de obstar, drasticamente, ao crescente delírio das velocidades, à constatada e permanente disputa, de qualquer jeito, pelo lugar da frente, exageradamente praticada pela maioria dos utentes das nossas estradas, ultrapassando quase sempre dominados pelo feroz desejo de ultrapassar, sem embargo de, logo de seguida, corridos os riscos, se mostrarem sem pressa e obstruírem o caminho dos que prudentemente viajavam, minicarros transformados em bólides ávidos de competição com quem lha não facultou. Simultâneamente, porque é fonte de tudo o mais pugnar pelas boas maneiras e educação da maior parte dos automobilistas, a lançarem os mais reprováveis insultos sobre os que não obedecem de pronto aos seus desígnios, ou, por gestos de prudente aviso, recomendam cautela ou desaprovam determinada conduta irregular, todos pequenos «grandes tiranetes» embuídos de estranho poder e a darem provas de não merecerem a posse de máquinas que, mais do que pés e mãos, exigem cabeça para as governar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A não merecerem, e isso é facilmente possível, licença para as conduzirem, pelo perigo público que representam. Tem valido, na matéria, o «código de honra» tacitamente admitido a consentir complacência para os mais indecorosos insultos, ouvidos aqui mesmo nas ruas de Lisboa! Mas adiante...
Contemos antes, para justificar e amenizar, uma pequena história em que tudo é verdadeiro - o cenário, os factos e os personagens.
Há muito pouco tempo ainda, viajava eu numa carruagem do incómodo e anacrónico comboio do Douro, em que, numa estação do seu sinuoso percurso, entrou um rapazola a exibir descontracção, mangas de camisa, posto ao ombro um pull-over escarlate em jeito de evoluído. Apenas não tinha barbas nem o cabelo hirsuto.
A propósito de um fósforo que se pediu, cedo «metia» conversa com dois outros jovens pacatamente preocupados com o estudo das lições preparatórias dos exames que se avizinhavam. E contou, a despropósito, em tom elevado, para. que todos o ouvissem bem, desdenhando no olhar compassivo que eu próprio lhe lançava em continuado erguer de olhos do livro com que me entretinha, as desavenças com o pai, as exigências com que o obrigava a satisfazer-lhe os mais variados caprichos por via de ameaças de abandono do lar, as suas proezas automobilísticas e até a fanfarronada de um feito que alardeou para com um agente da Polícia de Viação e Trânsito que, dizia, queria tirar-lhe a carta, atitude que não teria consumado mercê do temor que lhe incutira, de que, se o fizesse, mais dia menos dia o atropelaria com o seu automóvel!
E assim sucessivamente até que, no prosseguimento de um estulto e infeliz exibicionismo, declarou aos seus jovens ouvintes forçados - honra lhes seja, manifestamente enfastiados e sempre a procurarem concentrar-se no estudo interrompido - que havia sido convidado e aceitara, mediante uma retribuição de 10 000$, dada pelos representantes de determinada marca que referiu, a missão de, ao volante de um desses carros, fazer o percurso Porto-Lisboa à média horária de 120 km! Que levara a cabo o cometimento e que havia sido o «fim do mundo», um andar indescritível, especialmente logo que passada Oliveira de Azeméis, até onde não conseguira aquela média, depois largamente ultrapassada!
Eu não sei, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se a proeza relatada se verificou ou se o feito relato não passou de fanfarronada; nem se é prática reclamativa da referida marca o arquivar proezas desta natureza com vista à angariação de clientes loucos, sugestionados pelos cometimentos de outros loucos. Não sei se é verdade, mas nada me autoriza, pelo contrário, a afirmar que seja fantasiosa mentira, e, a não ser, pergunta-se:
Será possível sujeitar a vida dos demais aos encontros com tais criminosos, loucos e irresponsáveis de posse dos meios capazes de tantos danos e tão fàcilmente matar?!
O relatado encontro incidental serve eloquentemente a tese proposta quanto a uma imediata repressão à tão divulgada mania das velocidades excessivas em estradas inadequadas, objecto corrente das conversas de tantíssimos jovens, filhos de papás por igual irresponsáveis que levianamente lhes entregam tão perigosos brinquedos, para si e para os outros, o que ainda é pior.
Ora, o que se está passando em matéria de trânsito rodoviário, porque, como se disse a propósito dos seguros automóveis, de interesse e utilidade pública, tem de ser encarado frontalmente e a sério, reprimido através de uma vasta e diversificada acção fiscalizadora das nossas estradas, não apenas nos dias de velocidade regulamentada em que aquela já se espera, mas sempre e continuamente, especialmente fora desses períodos, em que o prazer da aventura se torna mais apetecível. Mas fiscalização não significa só aquilo a que vulgarmente se chama caça à multa com agentes postados e escondidos em locais estratégicos, como, por exemplo, dentro das povoações à espera dos que transitam a 45 km em lugar de a 40 km por hora. Não. A fiscalização que se impõe e mostra necessária deverá ser muito outra, orientada no sentido de educar, recomendar e prevenir dentro de um critério simultâneamente compreensivo e enérgico, rigorosamente exercido quanto ao que se mostra imperdoável, de simples advertência no que se revele desculpável.
Mas como, perguntar-se-á, em escala eficiente com a manifesta probreza dos recursos disponíveis, agravada, ao que se diz, a verificada falta de agentes em serviço, por desentendimentos que obstam à cedência de guardas da Polícia de Segurança Pública à Polícia de Viação e Trânsito?
Há muito tempo já temos em mente a ideia do estabelecimento de uma fiscalização a exercer pelo comum dos automobilistas e que, posteriormente, já vimos referida por outros a quem, decerto, lembrou a mesma solução. Claro que, de jure constituto, o problema reveste-se de certo melindre e apresenta algumas dificuldades no pensamento que nos domina de tornar efectiva e útil a sugerida fiscalização, pois se torna indispensável outorgar uma certa autoridade a pessoas que o não são nem são seus agentes.
A participação da infracção, do delito, está no nosso direito penal sujeita a um condicionalismo legal regulador do desencadeamento da acção penal por parte da autoridade competente, reconhecendo-se o poder da possibilidade de fazerem fé em juízo, apenas aos autos de notícia levantados pela autoridade pública, agente de autoridade ou funcionário público, e estes mesmo quando os factos a que se refere «forem presenciados» pelo autuante que levantar os autos e estes o sejam nos termos e com as formalidades prescritas na lei. Põe-se, assim, quanto ao estabelecimento de uma fiscalização privada, o
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problema da fé em juízo, isto é, da atribuição de força probatória às participações por factos presenciados por indivíduos não abrangidos pela competência legalmente reconhecida a certas autoridades e seus agentes. Porém, de jure constituendo, julgo poderem ser encontradas razões suficientemente fortes para a criação de- um regime excepcional, com vista a facultar aos titulares do interesse ofendido, que a lei quis proteger e que a infracção ofendeu ou pôs em perigo, a possibilidade de participarem com força de fé em juízo os factos determinantes da ofensa ou do perigo.
Lato sensu, a acção penal pode ser exercida pelas pessoas particularmente ofendidas, isto é, a lei reconhece aos sujeitos do interesse ofendido ou posto em perigo o direito de acusarem em conjunto com o Ministério Público. O legislador, quando prevê e pune o crime, quer defender certos interesses, entre outros, o que é primordial, ou seja o supremo interesse de viver. Assim, segundo um são critério de hermenêutica jurídica, entrando fundo na mens legislatoris, não poderá deixar de reconhecer-se que os novos meios de matar postos por modo tão fácil à disposição do homem impõem mais ampla defesa por parte dos ofendidos e de todos quantos vêm posto em perigo o seu legítimo direito de viver.
Daqui o não ser descabida a preconização de um alargamento da competência referida a uma milícia a criar para o efeito, já que a evidenciada necessidade de prova para a procedência do julgamento dos factos participados o exige, sendo certo que a produção de tal prova, no que concerne, é, como todos sabem e o terão sentido, difícil de conseguir em termos de viabilidade nem sempre procedendo, mesmo aquela que resulta dos autos, com tal poder quando judicialmente apreciados e embora levantados pelas autoridades com capacidade bastante.
Este ligeiramente exposto problema da fé em juízo levanta assim certas dificuldades ao estabelecimento eficiente de uma milícia civil capaz de actuar em conjunto e subsidiariamente com os poucos agentes da autoridade ao serviço de tão relevante interesse colectivo no reconhecimento, ainda de que se não poderá atribuir discricionàriamente tal competência, dado que nem todos dispõem do senso, discernimento e idoneidade suficientes para à altura das exigências, imparcial e criteriosamente, exercerem tão melindrosa actividade. Mas se a objecção colhe quanto ao geral dos automobilistas, põe-se, no entanto, outro problema, que é o de averiguar se não haverá - e há-os, indiscutivelmente - por esse País fora muitíssimos suficientemente idóneos e insuspeitáveis sob todos os aspectos, elementos mesmo de certas classes dominantes e automobilistas responsáveis a quem fosse reconhecida a competência de participarem por infracções presenciadas, cumprindo, em tais casos e mediante rigorosa averiguação, o encargo da prova negativa aos que impunemente atropelam o Código e as pessoas num assustador crescente de criminosa actuação. O alargamento da preconizada competência, para além da sua efectivação prática, teria o mérito maior de prevenir, de obrigar a uma constante e benéfica atitude de ponderação, os loucos a mais prudência, os desatentos e negligentes sob o domínio permanente do risco de poderem encontrar com mais frequência quem contra eles pudesse agir, tanto contra os que ultrapassam em perigo como contra os que transitam fora da mão, são malcriados, marcham com excesso de velocidade,. etc. Seria, sem dúvida, uma útil acção preventiva e repressiva por via de um natural constrangimento psicológico. Seria este, ao que julgo, sem preocupações, aliás compatíveis, de legislador, um modo eficiente de remediar o mal que alastra derivado ao justo receio, sempre presente no automobilista louco, de se lhe poder deparar um desses prestimosos e voluntários coadjutores da autoridade, que muito viria obviar aos alegados prejuízos das companhias seguradoras, a quem dou por este modo uma ocasião para se mostrarem concordantes comigo, que, lamentavelmente e por muito que o estranhe o Grémio dos Seguradores, desconheço, de facto, «os fundamentos da estrutura ético-moral da actividade seguradora», que não fiquei percebendo o que seja, tal como não entendo que, no exercício de uma actividade diversificada, separadamente se considerem, para efeitos de avaliação dos seus lucros efectivos, os diferentes ramos por que se reparte. Mas isto fica para depois, se o que não descortinai, quanto ao que interessa na fugidia leitura feita na imprensa diária, resultar uma necessidade de recurso a um legítimo direito de réplica.
Como ia dizendo, poderíamos, assim, talvez alcançar ver os camiões guardarem melhor as distâncias legalmente impostas, obedecer mais de pronto aos toques de advertência pedindo a mão, mais educação dos que a não têm e dos que primam por a não mostrar, ciclistas e ciclomotoristas andariam todos mais atentos e responsáveis, seriam menos prováveis os assassínios de que, tal como aconteceu perto de Vila Pouca de Aguiar e podem pegar em moda, foi vítima um jovem chefe de família que «ousou» admoestar o camionista que na sua frente ziguezagueava para impedir-lhe a passagem que insistentemente solicitava.
E não se diga que a tarefa seria desprestigiante para quem a exercesse. Primeiro, porque assim não pode ser qualificada a nobre função de acautelar e defender o bem comum. Depois, porque se não trata de exercer propriamente funções de polícia - aliás, sempre louváveis e dignas -, mas sim do exercício de uma útil e profiláctica acção policial a todos os títulos meritória, tão digna e meritória que autoridades de polícia judiciária, por exemplo, o são os delegados do procurador da República, os presidentes das câmaras e os oficiais da Polícia de Segurança Pública e da Guarda Nacional Republicana.
Mas o que importa, sobre a provável antipatia pela denominação capaz de porventura perturbar os espíritos mais susceptíveis, são os efeitos que se pretendem com vista à segurança colectiva, preservação das muitas vidas inutilmente imoladas, compaixão por tantas famílias enlutadas em consequência de imprevisíveis e violentas mortes a tingir de sangue prodigamente derramado as estradas de Portugal.
Para estados de emergência, leis de emergência; por isso o reparo aqui fica e a sugestão também, para crítica pública, estudo e meditação superiores, sem esquecer que, tal como diz o povo, para grandes males, grandes remédios. É verdade que a tese pode parecer ousada. Mas é uma tese digna de fazer carreira num mundo em que tantas piores, como o planeamento da família, logram singrar, estando pronto a tomar a iniciativa de um projecto de lei em tal sentido se a Câmara me quiser apoiar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Gonçalo Mesquitela: - Sr. Presidente: Nas sessões dos dias 7, 8 e 10 diversos colegas, dos que nos deram o enorme prazer de visitar Moçambique no corrente ano, expuseram à Assembleia as impressões colhidas nessa viagem. E fizeram-no em termos de tanta com-
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preensão e tão gentilmente para os que tivemos o privilégio de os acompanhar no nosso portuguesíssimo Portugal do Indico que não podia deixar eu também de me referir a essa viagem, em boa hora sequente às que a outras parcelas nacionais ilustres Deputados têm podido fazer, graças à saudável e inteligente política que o Governo, pelo Ministério do Ultramar, iniciou há anos neste sentido.
Foi com alvoroço que Moçambique recebeu oç Deputados por círculos metropolitanos que constituíram a delegação parlamentar, tão dignamente chefiada pelo Sr. Conselheiro Furtado dos Santos. A começar pelo Ministro do Ultramar, pelo nosso ilustre leader, Doutor Soares da Fonseca, pelo Governo-Geral de Moçambique e passando aos altos comandos militares, aos governos de distrito e às autoridades administrativas de toda a província, para não falar já nos particulares, todos multiplicaram os cuidados e as diligências para que nada faltasse nas deslocações e em informação leal e completa sobre o que iam ver e estudar.
Até a meteorologia colaborou, Sr. Presidente.
Infelizmente só não estava na mão dos responsáveis aumentar o tempo, e esse foi curto para tanto que haveria que mostrar. Os treze dias de que a delegação dispunha na província eram escassíssimos e exigiram a opção entre o ficarem com uma visão completa, mas geral, de toda a província, aflorando só os seus mais instantes problemas ou trazerem o conhecimento detalhado de um ou outro dos sectores, limitando-se geogràficamente a visita. Escolheu-se a primeira solução, confiados no interesse de todos e na resistência física de cada Deputado.
E agora, que volto a vê-los a todos nesta sala, com ar saudável e repousado, posso confessar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que sinto a consciência aliviada da possível culpa que me caberia ao garantir ao Governo que os Deputados que nos visitariam podiam aguentar a prova de resistência a que os íamos submeter e na qual nós próprios comparticipámos. Sinto esse alívio e o prazer de poder atestar que a Assembleia tem não só altos valores intelectuais, morais e políticas, mas elementos que comprovaram ser dignos descendentes dos que, nas épocas áureas da expansão, se tornaram conhecidos como os mais resistentes andarilhos da Terra.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Da visita e das suas impressões já falaram os que nos visitaram.
Resta-me expor, rapidissimamente, o que na província ficou da sua presença, em confiança, em esperança e em certezas.
Estou certo de que desde o seu regresso Moçambique tem mantido contacto com cada um através de correspondência referente aos mais diversos problemas e originária das mais diversas classes da população e dos mais espalhados recantos da província. É que por onde passou a delegação parlamentar ficou a noção exacta de que os Deputados da Assembleia Nacional não são apenas defensores e representantes dos seus círculos, mas são-no verdadeiramente da Nação.
A alegria e o orgulho com que os transmontanos ou os alentejanos ou os ilhéus - para não citar todos - se dirigiam aos seus conterrâneos, a confiança com que os moçambicanos lhes explicaram os seus problemas, as suas aspirações e as suas certezas na Pátria, a discreta, mas constante, presença da imprensa a acompanhar os passos dados, e disso podemos ser testemunhas os que ficámos, a pena que tantos, mas tantos manifestaram de não ter sido possível demorar mais a presença da delegação ou estendê-la a muitos outros pontos, foram prova de como a Assembleia Nacional ficou mais prestigiada e a sua responsabilidade aumentada - se isso se pode dizer - naquelas terras da África viradas para o Indico, depois de cada qual ter verificado nestes contactos que os Deputados metropolitanos viviam e queriam sentir como os da província os seus problemas, os seus anseios, as suas esperanças.
Estão de parabéns os responsáveis políticos desta visita pelos seus resultados. Aproximou-nos mais a todos, iluminou de cores ainda mais brilhantes o portuguesismo de cada moçambicano. Por isso, nos felicitamos os de Moçambique e apresentamos a V. Ex.ª, Sr. Presidente, como o mais ilustre de todos nós e lídimo representante da Assembleia, as mais efusivas felicitações e agradecimentos da província.
Não queria terminar sem referir ainda alguns aspectos que me parecem essenciais e pertinentes.
O primeiro é a convicção que tenho de que a verdadeira perspectiva de Moçambique está hoje gravada na sensibilidade e no sentido político dos colegas que percorreram aquela imensidão geográfica e humana.
É ela a de que ali vivemos um mundo inteiro de problemas novos ou de aspectos inéditos dos antigos que se nos impõe a uma escala tal que provoca em cada português aquela «recuperação para uma dimensão humana que nos velhos continentes da Ásia e da Europa se vai reduzindo cada vez mais ao impulso das massas sempre crescentes» a que me referi na minha intervenção de 14 de Março.
Esta noção trouxeram-na os que contactaram com o metropolitano ali radicado, com os militares que em cada canto do Norte se batem com horizontes sempre maiores, com as escolas repletas de jovens de todas as cores e raças, os que contactaram, em português, com pretos e brancos e os que lamentaram não o poder fazer em áreas onde a nossa língua ainda não se radicou ou generalizou. Gravaram esta imensa dimensão do lusíada os que puderam viver as horas inolvidáveis das visitas aos aldeamentos situados em plena área infestada de terrorismo e na qual ouviram centenas e centenas de crianças negras falarem já o português e misturarem por igual, nas ingénuas representações escolares, as canções do Minho, do Alentejo e do folclore local moçambicano, com a mesma alegria e confiança das crianças das nossas escolas das velhas províncias da Casa-Mãe europeia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Vibraram, comovidos, ao assistirem, nesse Norte martirizado, à tenacidade e verdade com que, em aldeamentos de milhares de almas, as milícias locais lutam e defendem a sua posição portuguesa, sem que a seu lado estejam mais de dois ou três europeus - quando não é um só -, modestos guardas fiscais ou polícias.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nenhum se esquecerá - não duvido - do momento de emoção humana que a alguns de nós fez chorar quando, ao expor a situação militar de dado sector, o austero oficial superior por ele responsável nos comunicou o orgulho com que comandava aquelas tropas pretas e brancas que saudàvelmente partem, lutam e morrem em condições que o clima e o terreno torna tão adversas, que só homens verdadeiramente grandes as suportariam sem queixume.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - E estes regressam das suas missões no mato, onde têm de viver nas condições mais primitivas, com o bom humor, a ironia e até certa irreverência, que demonstra como, apesar de tudo, ali é o Portugal que defendem com saudade das suas aldeias, mas sem tristeza, porque sentem que o solo que pisam como homens para o guardar é tão nacional como o que aqui apoiou os seus primeiros passos de meninos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E é difícil, ao falarmos dos que se batem, não incluir neles, ao lado dos militares de todas as forças armadas, esse magnífico quadro administrativo formado por homens em cujos ombros repousa a representação viva e permanente da soberania portuguesa junto das populações, verdadeiros heróis que, sós ou tendo a seu lado quanta vez apenas a esposa e os filhos, são o Governo, são a Nação, são o Portugal humano, exemplo e esteio para cada autóctone que sabe que enquanto o Sr. Administrador estiver na sede da sua área Portugal continua e não cede.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em todos ficou fixada a imagem desse heroísmo magnífico da mulher portuguesa que no mato - quanta vez inóspito - é a esposa, a mãe, a companheira de todos os momentos, a inspiradora nas horas de desânimo, a enfermeira inexcedível na altura da doença ou do cansaço, a educadora e o monumento vivo e permanente a um passado arreigado na formação moral de um povo com oito séculos de ser português e à sua transmissão pelas gerações que se renovam, pelos séculos vindouros, por via da força de carácter, do carinho, da ternura da mãe portuguesa, que desde o início, a par da ave-maria e do padre-nosso em que ensina o nome de Deus aos filhos, lhes instila o respeito e o amor inexcedível pela outra palavra que lhe modela e santifica os lábios - o nome de Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para além desta perspectiva, trouxeram também - e este outro aspecto não tem menos importância do que o anterior, que radica em cada qual a noção do que podemos fazer como povo - a noção do imenso que há por fazer e que tem de ser feito.
As enormes áreas sem povoamento preto ou branco, o atraso de populações nacionais, pelas quais temos tanta responsabilidade como pelas do Douro ou do Algarve, o potencial espantoso de riqueza e de condições de desenvolvimento que se oferecem à nossa capacidade e à nossa inteligência, a escassez de meios humanos que há que multiplicar rapidamente, os muitos e enormes méritos da nossa obra e da nossa presença ao pé de erros tão patentes que espanta como se não corrigem imediatamente, o desnível entre a grandeza de certos problemas e a pequenez de certos homens que os servem, tudo isto também se lhes tornou patente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E com estas duas noções que poderemos e deveremos encarar o futuro em Moçambique: a de que somos capazes de muito, porque temos estatura humana para tanto, e a de que teremos dê a usar em toda a sua extensão, porque o desafio do destino a Portugal já se não compadece com anões nem sequer com homens normais, porque exige elementos excepcionais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por mim confio e sei que o Português pode, desde que queira, ser excepcional em Moçambique, onde por todos os lados se sente a sua marca e a necessidade de a estender cada vez mais em latitude e profundidade.
Sr. Presidente: Terminei aquela minha intervenção a que já aludi - a de 14 de Março deste ano - avisando lealmente a Assembleia de que os colegas que nos visitassem regressariam dominados pelo feitiço, por esse «chicuembo» moçambicano que a todos os portugueses instilam os tandos, os machongos, as montanhas, a cor, o mar e a gente da nossa costa do Índico.
Do que aqui já disseram esses colegas verifico, uma vez mais, a infalível regra, mas é profundamente consolador, como português, poder garantir a V. Ex.ª e a todos que esse feitiço é, no entanto, igual ao que domina os que, nascidos no. ultramar, podem conhecer a terra-mãe da pátria e que aqui, no seu solo, no seu ar, nas suas águas, na sua alma enorme, reforçam tudo o que para cada um de nós Portugal significa em Braga ou em Porto Amélia, em Quissengue ou em Lourenço Marques, em Lisboa ou Mocímboa da Praia, na alma simples do mais humilde camponês ou na universal inteligência do mais reputado mestre.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Correia Barbosa: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O nosso ilustre colega e Deputado, como eu, pelo círculo de Aveiro, Doutor Artur Alves Moreira, com a proficiência que lhe é peculiar, tratou, na sessão anterior, do problema rodoviário no Centro e no Sul do distrito que representa.
Como reputo tal problema dos mais instantes e de maior interesse para uma região e até para o País, porque sem meios de comunicação capazes e cómodos não pode haver progresso e engrandecimento, quer sob o ponto de vista material, quer sob o ponto de vista social, como do cultural, vou trazer aqui algumas considerações sobre o que se passa com relação a estradas no Norte do meu distrito de Aveiro, pletórico de movimento que expressa não só a sua potencialidade industrial e comercial, mas também a riqueza da sua inconfundível paisagem. E, antes de mais, deve notar-se que todo o Norte do distrito tem como pólo de atracção a cidade do Porto, para onde diariamente se desloca uma população de muitos milhares de pessoas à busca, uns, das suas ocupações que lhes garantem o pão de cada dia, outros, em procura do que necessitam para a sua indústria ou para o seu comércio e, muitos, para satisfação dos seus prazeres espirituais.
Mas, além disso, não só para aquela grande cidade, mas para todo o Norte do País, do Sul diàriamente convergem inúmeros veículos pesados e ligeiros, deslocando milhares e milhares de pessoas e de mercadorias. O tráfego para o Norte, principalmente de Oliveira de Azeméis e S. João da Madeira, utilizando a estrada nacional n.º 1, é de tal intensidade que chega até à entrada da auto-estrada dos Carvalhos, é das coisas mais difíceis que há, pondo constantemente à prova a perícia e os nervos dos mais experimentados volantes.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - As filas de carros são intermináveis e todo aquele que se atreve a sair da linha de trânsito para uma ultrapassagem põe logo em risco a sua vida e a das demais pessoas que circulam na estrada.
Por isso, os desastres, muitos deles mortais, sucedem-se com aflitiva frequência, com todos os inconvenientes da eliminação de vidas e desgaste e inutilização de material. Um percurso que se poderia, com toda a facilidade, fazer em meia hora leva uma hora e mais a vencer.
E nem admira que assim seja, pois foi no distrito de Aveiro que se verificou no período de 1960-1965 o maior aumento do tráfego motorizado - 94 por cento - e, com excepção de Bragança, a maior diminuição de veículos de tracção animal, cuja percentagem de diminuição é igual u de Portalegre. E este facto reflecte bem o grande desenvolvimento económico do distrito de Aveiro, que, aliás, é o terceiro distrito do País que maior volume de contribuições paga ao Estado. Toda a gente conhece os seus enormes centros industriais, que exigem diariamente deslocações de pessoas e de mercadorias que a maior parte das rodovias são hoje já quase incapazes de comportar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E está previsto que o tráfego motorizado no período de 1965-1980 deve aumentar 176 por cento, pelo que, em 1980, o tráfego médio diário na rede de estradas nacionais será de cerca de 2800 veículos.
Sendo assim, no distrito de Aveiro, o tráfego médio diário de veículos deve ser superior a 5000. Ora, como a capacidade prática de uma estrada com duas vias e uma percentagem de veículos pesados de 33 por cento é de 500 veículos/hora e a ponta horária corresponde a cerca de 9 por cento do tráfego médio diário, conclui-se que as estradas principais dos distritos de Aveiro, Porto e Lisboa deverão ser faixas de rodagem unidireccionais em 1980. Tudo isto se lê na excelente publicação da Junta Autónoma de Estradas intitulada Estatística do Tráfego 1965 - Estradas Nacionais.
Por tudo isto se impõe que providências sejam tomadas já para que não venhamos dentro de poucos anos a encontrarmo-nos naquela situação deprimente e quase sempre enervante que resulta do incómodo e prejudicial engarrafamento de veículos na estrada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Bem sei que o ilustre presidente da Junta Autónoma de Estradas, em entrevista que li há algum tempo na revista do Automóvel Clube de Portugal, diz que em 1970 deve principiar a construção do prolongamento da auto-estrada dos Carvalhos até Albergaria-a-Velha. Oxalá que tão distinto dirigente, que por forma notável vem exercendo o alto cargo que ocupa, equacionando no seu gabinete de trabalho, com a nítida consciência da gravidade, os problemas que a intensidade do trânsito de veículos motorizados cria dia a dia, não encontre obstáculos que por qualquer modo se possam opor ou embaraçar a prossecução dos seus tão necessários e utilíssimos propósitos.
Mas não só o prolongamento da referida auto-estrada resolve todos esses problemas decorrentes do aumento que a todos os instantes se vem verificando da viação motorizada, como a demora inevitável que vai ter a sua construção, se compadece com a urgência que há na resolução de vários casos que cada vez se vão tornando mais agudos e perturbadores.
Assim, na minha terra, Oliveira de Azeméis, a saída para o Norte faz-se em difíceis e precaríssimas condições, não só pela excessiva inclinação dos dois acessos à estrada nacional n.º 1, mas porque ambos vão entroncar nela perpendicularmente, o que, além da incomodidade que tal facto representa, tem dado lugar a vários acidentes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E é tão gritante esta situação que o ilustre director de Estradas de Aveiro, Sr. Eng.º Ferreira Soares, sempre atento a todos os problemas que interessam à circunscrição que com superior critério dirige, mandou estudar um desvio do lugar da Portela ao das Barrocas, prolongando-se as Ruas do Eng.º Arantes e Oliveira e do Dr. Ernesto Pinto Basto, desvio pelo qual se faria um dos trânsitos, continuando o outro pelas Buas de Bento Carqueja e de António Alegria. Esta obra, que é absolutamente indispensável que se realize, viria resolver por muitos anos a circulação de veículos em Oliveira de Azeméis, o que, aliás, foi reconhecido pelo Exmo. Presidente da Junta Autónoma de Estradas.
Situação idêntica se dá na vila de S. João da Madeira, onde a estrada nacional n.º 1, que a atravessa, é absolutamente insuficiente para comportar o trânsito de veículos nos dois sentidos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O extraordinário progresso desta terra, com a sua poderosa indústria, atrai ali imensa gente, que vai tratar dos seus negócios e, por isso, exige uma outra artéria que dê escoamento bastante ao intenso movimento que a todas as horas do dia se verifica, quer do norte para sul, quer do sul para norte.
Há anos que foram estudados e aprovados os desvios da estrada, nacional n.º 1 nas duas referidas vilas - Oliveira de Azeméis e S. João da Madeira -, mas tais estudos parece que levaram o destino de todas as coisas inúteis.
O Sr. Veiga de Macedo: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça obséquio.
O Sr. Veiga de Macedo: - Estou a ouvi-lo, como me compete, com todo o interesse, e quero felicitá-lo, antes de mais, pela oportunidade da sua intervenção, tão necessária e fundamentada.
Conheço bem o problema que V. Ex.ª levantou nesta Câmara e só posso dizer-lhe que tem razão ... carradas de razão. O congestionamento rodoviário no distrito de Aveiro, em especial nas zonas industrializadas, atinge proporções muito graves, a exigir providências imediatas e eficazes.
Oxalá o apelo de V. Ex.ª seja ouvido pelos responsáveis e pelo Sr. Ministro das Obras Públicas, a quem o problema das comunicações rodoviárias está a merecer vivo e carinhoso interesse.
Se assim se fizer - e há-de fazer-se -, o Governo terá prestado mais um relevante serviço a uma das mais importantes e progressivas regiões do País. Confiemos.
O Orador: - Agradeço as palavras de V. Ex.ª, esperando que o justo prestígio de que goza ajude a uma mais rápida solução do problema.
Mas se já há cerca de dez anos se reconheceu a necessidade de desviar o trânsito do centro daquelas povoações, porque a viação acelerada cada vez crescia e se desenvolvia mais, que fará hoje que o tráfego motorizado triplicou no período compreendido entre 1955-1965.
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Por isso, torna-se indispensável o rápido rompimento e a pavimentação desses desvios, porque assim o exige a intensidade do movimento motorizado e a real importância de tais povoações, que por mais tempo não podem continuar a suportar todos os inconvenientes de um trânsito exageradíssimo que, além do mais, põe, a todos os momentos, em risco a vida e a integridade física dos seus habitantes.
Mas há outras importantes povoações, pelo seu valor comercial, industrial e turístico que estão muito mal servidas de rodovias que as ponham em contacto com os grandes centros.
Assim, a estrada nacional n.º 109, que põe Estarreja e Ovar em ligação directa quer com a cidade de Aveiro, sede do distrito, quer com a cidade do Porto, é uma rodovia já hoje incapaz de conter o trânsito intenso que por ali se faz com dificuldade, não só pela sua reduzidíssima largura, mas também pela sua tortuosidade. E, quer Estarreja, quer Ovar, são hoje dois centros industriais e comerciais dos mais importantes e progressivos do distrito de Aveiro.
E a populosíssima Murtosa, para poder sair dos seus esteiros e canais, que tanto deleitam e encantam a nossa vista, tem de percorrer alguns quilómetros de tortuosas e estreitísimas estradas, algumas das quais dotadas de pavimentos impróprios desta época.
A velha e fidalga Vila da Feira, com o seu vetusto Castelo, cartaz turístico de indiscutível valor, que nestes últimos anos tem acusado notável desenvolvimento comercial e industrial e até cultural, enferma do mesmo mal. Quem se quiser deslocar à sede do concelho não tem uma rodovia ampla e bem pavimentada que esteja à altura da importância e do progresso daquela Vila. Urge dotar o maior e mais populoso concelho do distrito de Aveiro com uma estrada ampla e desafogada que permita não só o fácil acesso à sede dos seus hoje mais de 100 000 hitantes, mas, também, facilitar o trânsito a todas as pessoas que ali se tenham de deslocar por exigências de ordem material ou até de ordem cultural.
E a lindíssima praia de Espinho, hoje grande centro industrial e comercial, que, principalmente de Verão, atrai diariamente milhares e milhares de banhistas e turistas, que ali vão repousar depois de um ano de intenso trabalho ou espraiar a sua vista pelo seu incomparável areal, não possui presentemente uma via de acesso condigna que a ponha em contacto fácil quer com a sede do distrito, quer com a vizinha cidade do Porto.
Para o norte, a estrada por Corvo é incapaz, pela exiguidade da sua largura e pelas suas apertadíssimas curvas, de satisfazer as exigências do tráfego daquela progressiva praia. Torna-se indispensável e urgente que seja prolongada até Espinho a auto-estrada, já rasgada, de Gaia a Miramar.
Para o Sul, para a sede do distrito, a estrada pela Vila da Feira, Ovar, Estarreja e Aveiro também não oferece as condições de comodidade e de segurança que a extraordinária intensidade do trânsito motorizado hoje exige.
Bem sei que todos os problemas que aqui deixo aflorados não são, nem de rápida nem de fácil solução, não só pelas vultosas quantias que são necessárias para a sua realização, como as dificuldades que necessariamente hão-de levantar-se para o seu estudo e para a sua execução.
Mas, não obstante se reconhecer a validade e grandeza da obra rodoviária que nestes últimos 40 anos se fez no País, é indispensável que um novo plano se vá gizando, que esteja de harmonia com o incremento industrial, comercial e turístico que o Governo em boa hora vem promovendo por todos os cantos de Portugal.
E, visto que estou falando em rodovias, não terminarei sem deixar de lembrar a quem de direito que se impõe a rápida modificação das normas legais estabelecidas para a largura das estradas e caminhos municipais. Evidentemente que uma estrada municipal com 8 m de largura, sendo só 6 m de faixa de rodagem, e um caminho municipal com 5 m de largura e 3,5 ma de faixa de rodagem são absolutamente insuficientes para conter o aumento progressivo da viação acelerada, que eliminou, ou está em vias de eliminar, inexorável e irreversivelmente, o poético, mas ultrapassado, carro de tracção animal da nossa aldeia.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Quero chamar a atenção de VV. Ex.ªs para o facto de sábado dia 25 ser constitucionalmente o dia em que se inicia a sessão legislativa ordinária.
A ordem do dia para essa primeira sessão da terceira sessão legislativa da IX Legislatura é marcada pelo Regimento. VV. Ex.ªs sabem que a Assembleia não pode funcionar na ordem do dia senão estando presente a maioria dos Deputados que legalmente a compõem. De sorte que não preciso de acrescentar nada à informação que acabo de prestar-lhes. A ordem do dia é a eleição da Mesa, no que respeita a vice-presidentes e secretários. Para a eleição há um processo necessário de confronto através dos votos entrados nas urnas, relativamente à questão de saber se estava ou não presente a maioria absoluta dos Deputados. E claro que não poderá deixar de estar presente essa maioria.
Para obtemperar a quaisquer dificuldades que pudessem resultar para VV. Ex.ªs do facto de necessitarem de sair de Lisboa nesse dia, estou preparado para iniciar os trabalhos dessa primeira sessão da terceira sessão legislativa da IX Legislatura precisamente à hora regimental, isto é, às 15 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa à elaboração e execução do III Plano de Fomento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo Jorge.
O Sr. Jerónimo Jorge: - Sr. Presidente: Muitos países, particularmente os que se envolveram nas duas últimas conflagrações mundiais, ante a aceleração do desenvolvimento industrial da época em que vivemos, têm reagrupado convenientemente as diferentes zonas dos seus territórios, ordenando-as no âmbito económico regional e nacional. Nesta ordem de ideias, vários planos de fomento vêm sendo executados em diversas nações, alguns mesmo em seguimento de anteriores, como demonstração iniludível da actual tendência de se generalizar a técnica e a filosofia do planeamento. Assim, e aperfeiçoados os mecanismos do mercado que acompanham a oferta e a procura de bens de consumo, o empresário encontra-se, com reais vantagens e em ambiente de particular confiança, integrado num conjunto harmónico de projecção macroeconómica.
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Entre nós, com os objectivos de se acelerar o ritmo de acréscimo do produto nacional, de se conseguir melhor repartição do rendimento, de se corrigirem progressivamente desequilíbrios regionais de desenvolvimento e na senda do progresso do nível de vida da nossa grei, que tem sido preocupação constante da administração, apesar das circunstâncias adversas do momento presente, da guerra que nos movem de além-fronteiras e dos conconsequentes encargos que suportamos em defesa do património e das vidas do nosso povo no ultramar, o Governo decidiu prosseguir na tarefa de desenvolvimento económico-social do País, que todos ambicionamos, e, nesta conformidade, submeteu à apreciação e aprovação da Assembleia Nacional o projecto do III Plano de Fomento e a correspondente proposta de lei reguladora das bases que o devem orientar na sua execução.
Esse projecto, que beneficiou da experiência das realizações de planos anteriores (I e II Planos de Fomento e Plano Intercalar de Fomento), envolve, como os outros já abrangiam, todo o espaço territorial português. Os responsáveis pela sua elaboração recorreram ao auxílio de numerosas pessoas, como o exigia a multiplicidade dos sectores interessados, e constituíram quinze grupos de trabalho e vários subgrupos neles integrados, que o analisaram especificamente nos seus diversos aspectos. O projecto em discussão é, tanto quanto possível, uma síntese das aspirações formuladas, devidamente seleccionadas e ordenadas.
Por ser de inteira justiça, aqui presto, desde já, as minhas respeitosas homenagens ao Sr. Ministro de Estado da Presidência do Conselho, pela maneira distinta como dirigiu tão complicada tarefa e pela persistente e alta orientação que lhe imprimiu, com a assistência, a todos os títulos valiosa, do Secretariado Técnico.
O Plano de Fomento, como sabemos, não tem carácter imperativo, dado ser puramente programático para as entidades públicas e privadas. Limita-se, em parte, a enunciar as necessidades mais urgentes e justificadas, visto que de decisivo só contém aquilo em que o Governa comparticipa. Reveste-se, por isso, da maior importância, para o seu integral cumprimento, a contribuição da iniciativa privada, pela influência que esta poderá ter no tempo e no modo como se hão-de realizar os objectivos propostos. Assim, o III Plano de Fomento apresenta, como não podia deixar de ser, uma política de previsão; mostra, em antecipação, um desenrolar de factos e procedimentos, que convém se concretizem e sirvam de guia, de união de esforços, para se executarem os projectos nele enunciados.
Sr. Presidente: Por me sentir mais familiarizado com os assuntos do sector da marinha mercante, permito-me aqui deixar umas breves notas a ele relativas.
Se vou repetir uma afirmação noutras ocasiões já produzida, é porque julgo nunca ser de mais lembrar que, dadas as extensas fronteiras oceânicas que em todos os continentes limitam o espaço económico português, em face da indispensabilidade de dispormos de uma fácil e pronta ligação por mar entre as parcelas do nosso território e destas com o exterior, é de interesse essencial para a Nação a posse de um adequado potencial marítimo. Só com uma frota de navios de comércio apta a satisfazer, pelo menos em razoável percentagem, as necessidades do nosso tráfego marítimo, poderemos manter a regularidade das nossas linhas de navegação marítimas, que são imprescindíveis para a existência e o progresso do País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Todos sabemos que o transporte provoca a aceleração de muitos sectores produtivos e que, se por si só não cria riqueza, nenhuma riqueza se cria sem os transportes.
Não é concebível que uma nação pluricontinental realize um planeamento económico sem dispor de meios de transporte marítimo para o servir em quaisquer circunstâncias.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A falta desses meios viria quebrar a cadeia da actividade global do planeamento pela descontinuidade derivada da carência de um dos seus elos da mais marcante importância.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Personalidades menos conhecedoras destes assuntos poderão argumentar se não será possível, sempre que se deseje, introduzir no ciclo a utilização permanente ou acidental dos serviços de navios de pavilhões estrangeiros. Como resposta, poderíamos citar inúmeros exemplos do passado e pedir que se medite na decisão do bloqueio do canal de Moçambique, nas consequências do encerramento do canal de Suez, e em tantos outros factos do presente momento, para ficarmos certos de que não é de aceitar a ligeireza daquela solução, pois neste sector torna-se indispensável possuir recursos próprios. Deixar enfraquecer a marinha mercante nacional, na ilusão de que navios de comércio estrangeiros poderiam satisfazer em qualquer ocasião e a custos normais, ou mesmo de especulação, as nossas necessidades de transportes comerciais e militares, seria a melhor forma de nos oferecermos à traficância política e económica. Seria quase uma tentativa de suicídio nacional, dado que a nossa marinha mercante é hoje indispensável no dispositivo militar da defesa da integridade da Nação.
Discute-se se é imprescindível, além de renovar, ampliar toda a nossa frota de comércio. Até se afirma que a aviação virá a substituir quase totalmente a marinha mercante, em especial no que se refere ao transporte de passageiros, porque se prevê o aumento da sua capacidade de transporte, tornando-se, por isso, mais acessível o custo das passagens por via aérea. Argumenta-se com a capacidade dos futuros grandes aviões subsónicos e o tempo de rotação dos supersónicos. Mas omite-se que o custo de cada um dos primeiros será de cerca de 500 000 contos e que o dos segundos atingirá 1 200 000 contos. Esquece-se a previsão já anunciada de, na década de 1980, o foguetão poder destronar o jacto. E não se tem em consideração que tanto a marinha mercante como a aviação comercial têm missões específicas e são, até, complementares. Há clientela para uma e outra e, por isso, ambos os meios de transporte carecem de ser desenvolvidos e modernizados.
O Sr. Veiga de Macedo: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça obséquio.
O Sr. Veiga de Macedo: - Peço me permita uma pequena intervenção, destinada a recordar que, numa das sessões da Comissão Eventual da Assembleia incumbida de apreciar o projecto do III Plano de Fomento, pedi a V. Ex.ª me esclarecesse precisamente sobre os problemas que está agora a analisar: o da eventual importância, no futuro, dos transportes aéreos e o das repercussões que poderão vir a ter nos transportes marítimos. Então, apontando eu a razão de ser da pergunta, V. Ex.ª
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prestou-me alguns esclarecimentos muito criteriosos, mas não fiquei completamente elucidado.
Ainda bem que V. Ex.ª volta agora ao assunto com elementos mais vastos e concretos, aliás como era de esperar de quem conhece bem as questões relacionadas com os transportes marítimos.
O problema que está a apreciar reveste-se do maior interesse e oportunidade e, por isso, permita-me que o felicite pela forma como o domina e lhe agradeça os esclarecimentos relativos às possibilidades futuras dos grandes transportes aéreos.
Quanto aos aspectos gerais do notável discurso do ilustre colega, atrevo-me a acrescentar que o problema da marinha mercante merece tratamento prioritário. Pelas razões que todos conhecem, ele não é apenas um problema sectorial ... é também um problema nacional. Não é sequer apenas um problema económico ... é ainda um problema político da mais alta relevância, porque ligado, Intimamente, ao da defesa da integridade do território pátrio.
O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª
Por outro lado, surgem doutrinários a preocuparem-se com inovações de futuro mais afastado, deixando para consideração secundária problemas vitais do actual momento. Não se adverte que os planos de fomento têm prazos de vigência e que estamos planeando para um futuro imediato! Ora, se é de aceitar que a aviação virá a concorrer de maneira substancial no tráfego de passageiros, temos também de ponderar que no respeitante a cargas a sua participação ficará relativamente insignificante e limitada à carga rica. O navio é, e continuará a ser, o transporte por excelência de carga a grande distância, tanto no que respeita à capacidade como à economia. De uma maneira geral, na marinha mercante o transporte de passageiros não passa de um suplemento, secundário, como o foi sempre, dado ela servir principalmente a carga. O transporte de passageiros nada representa se não tiver o indispensável suporte logístico de abastecimentos, quer em combustível, quer noutras mercadorias, em que se utiliza o cargueiro. Para assegurar a vida económica do País e o apoio militar ao esforço de defesa, o navio é elemento indispensável, ao passo que o transporte aéreo, pelo volume, peso e género das mercadorias que poderão utilizá-lo, continuará marginal.
A despeito de no mundo se dispor de quantidade crescente de aviões, que se renovam com outros tipos de maiores possibilidades, quanto à lotação de passageiros e ao peso da carga, e de ainda se encontrarem em construção novos tipos de aparelhos a jacto, aptos a navegarem a velocidades supersónicas (2 e 3 mack), os estaleiros navais não registam qualquer enfraquecimento nos seus ritmos de trabalho e prosseguem com lançamentos à água de novos barcos mercantes com velocidades e tonelagens cada vez maiores. Uma centena de milhares de toneladas deadweight, para navios petroleiros, já hoje não é construção que mereça particular reparo, pois encomendam-se navios de 200 000 t a 300 000 t e estudam-se projectos para 500 000 t.
Como demonstração da actividade febril da construção naval, basta lembrar que no passado ano a frota mercante mundial totalizou 182,1 milhões de toneladas de arqueação bruta, distribuída por 44 375 navios de mais de 100 t de arqueação bruta, dos quais 35,3 por cento são navios-tanques e 16 por cento navios transportadores de minério ou cereais.
A Libéria, a Grã-Bretanha, os Estados Unidos da América, a Noruega, o Japão e a Rússia, cada um por si, dispõem de frotas superiores a 10 milhões de toneladas. O desenvolvimento da marinha mercante russa em poucos anos tem sido notável. De uma fraca tonelagem que possuía, atingiu já metade da frota dos Estados Unidos da América, e a continuar em idêntico ritmo de crescimento dentro de pouco alcançará posição cimeira entre as frotas de comércio mundiais.
A média anual de novas construções navais na década de 1950, de cerca de 4,5 milhões de toneladas de arqueação bruta, subiu a 7 milhões nos anos de 1960 a 1966 e, até, neste último ano, relativamente ao anterior, atingiu 10,9 milhões de toneladas de arqueação bruta.
Portugal, com 755 000 t de arqueação bruta, coloca-se em 25.º lugar na lista das nações marítimas de maiores tonelagens.
O desenvolvimento da industrialização em todo o mundo, o aumento vertiginoso das trocas comerciais, o crescimento preocupante da população, o mais elevado nível de vida, os auxílios governamentais à construção naval ou à exploração de navios (por necessidades imperiosas, como as de defesa) e tantas outras causas ou razões podem justificar este aumento de tonelagem na marinha mercante mundial, que é mais uma razão para também ampliarmos a nossa frota, pois na concorrência internacional só obteremos divisas e prestígio do pavilhão.
Em síntese: o exame da frota mercante mundial mostra-nos que o seu potencial aumenta de ano para ano, com mais navios e de maior tonelagem, apesar das dificuldades actuais das explorações portuárias, que impõem novas técnicas para as solucionar. As exageradas despesas nos portos, as grandes demoras com o embarque e o desembarque de mercadorias, congestionamento portuário e as despesas, sempre crescentes, com operações de estiva e desestiva vêm originando no mundo marítimo providências com o objectivo de se reduzirem essas demoras e encargos, donde resultam novos métodos do manuseamento das cargas e consequentes novos arranjos na estrutura, interna dos navios. Presentemente, a administração de uma empresa de navegação é tarefa complexa e árdua. Segundo noticiário de origem estrangeira, as receitas e despesas entre a presente época e a anterior à segunda guerra mundial (1938) variaram imenso. Regista-se que num dos países com maior frota mercante as taxas por passageiro e carga são agora três vezes mais elevadas, enquanto, no mesmo período, as despesas de manuseamento das cargas e as do custo das reparações subiram cinco vezes, as do custo das construções, sete, e as da manutenção do pessoal, nove.
A marinha de comércio nacional situa-se na frota mercante mundial como um dos seus elementos componentes, e neste conjunto, onde se integra e concorre com as de outros pavilhões, pratica normas e regras comuns a todos, adopta técnicas idênticas e subordina-se a procedimentos resultantes de acordos internacionais, que cada país, depois de os ratificar, integra no direito interno. Nesta conformidade, ao apreciar a nossa marinha de comércio, temos de a considerar no seu caso geral e particular.
Quanto à idade, a frota mercante nacional apresenta 25 unidades com menos de 10 anos, 85 entre 10 e 25 anos e 41 unidades superiores a 25 anos. Pode concluir-se que a frota mercante nacional, na sua maioria, atingiu, ou está prestes a atingir, as idades limites de exploração rentável, visto existirem apenas 28 navios (18,8 por cento do total) com menos de 10 anos.
Quanto a registo de inscrição (longo curso, cabotagem e costeira), a frota mercante nacional pratica em 92 por cento o longo curso, efectuando ligações regulares com as províncias ultramarinas, os Estados Unidos da América,
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a América Central, o Norte da Europa, o golfo Pérsico, o Norte de África, e demanda, quando necessário, portos de outras regiões.
No ano de 1966, o comércio externo da metrópole com as províncias ultramarinas e o estrangeiro (de 10 873 2951) foi praticado pela frota mercante nacional numa percentagem de 33,4 por cento, o que corresponde a 3641 milhões de toneladas de carga movimentada, das quais 2962 milhões de toneladas são de entrada e 678 963 t de saída.
Atendendo a que cerca de 99 por cento do nosso comércio externo se efectua por via marítima, é a navegação estrangeira que satisfaz em grande quantidade a procura de transporte. A política da marinha mercante, porém, especifica o objectivo primordial de elevar a 60 por cento a participação da nossa frota no comércio externo.
Por não possuirmos navios especializados e os que temos de carga geral não poderem atender a todos os pedidos de praça, recorre-se, quando necessário, à navegação estrangeira para o transporte de determinadas cargas (vinho, melaço a granel e frutas).
O nosso tráfego entre a metrópole e o ultramar português apresenta características especiais: nos percursos de ida, predominância de uma pulverização de carga geral, com mercadorias as mais diversas e um extraordinário número de carregadores; nos percursos de volta, domínio de cargas a granel, ensacadas ou enfardadas (como milho, açúcar, algodão, sisal, madeiras, farinha de peixe, sal, etc.). Entre as medidas adoptadas na presente conjuntura para uma melhor defesa do armamento, sobressaem as da concentração de empresas armadoras de navios, de construção de barcos especializados no transporte de determinadas cargas, de automatização dos equipamentos dos navios, que reduzem as respectivas tripulações e permitem melhor rendimento, de contenerização, de paletização, do sistema de barcaças (lash), o roll on-roll o ff, etc.
A primeira destas medidas tem já significado entre nós, pois, de 47 empresas armadoras nacionais, as seis maiores (que incluem a dos navios-tanques e duas com uniformidade de critérios, por predomínio do mesmo capital) concentram as percentagens de: 96,1 por cento da tonelagem de deadweight, 91,5 por cento dos tripulantes inscritos e 99,7 por cento da lotação da frota.
A construção de navios especializados para determinadas cargas, mais dispendiosos, do que os de carga geral, está sendo objecto de estudo e ensaio das entidades interessadas no transporte de mercadorias a granel, como o vinho, a fruta, as cargas frigoríficas ou congeladas, os cereais, os óleos, etc. Mas convém ter presente que estes barcos exigem o apoio de infra-estruturas portuárias adequadas (depósitos para vinho, armazéns fruteiros, frigoríficos, silos, depósitos de óleos, etc.).
A automatização do equipamento do navio tem-se introduzido consoante as circunstâncias. Um armador que despende dezenas ou centenas de milhares de contos na construção de uma unidade não deixa de lhe mandar montar o equipamento mais eficiente e actualizado que proporcione equilíbrio ou vantagens na concorrência. É um procedimento normal sugerido pelos serviços técnicos e perfilhado pela administração da empresa.
Quanto à contenerização (sistema de barcaça lash), paletização, roll on-roll off, como se sabe, são processos em embrião para a defesa do tremendo acréscimo de despesas no manuseamento de cargas nos portos, as quais, em países de economia rica onde os salários são altos, com frequência excedem o custo do frete marítimo. Estas tentativas de profunda mecanização, que vêm substituir o actual sistema de operações de carga e descarga de mercadorias entre mar e terra, dependem dos tráfegos, pois o que resulta num pode falhar noutro; das possibilidades de espaço nos portos; importam em investimentos vultosos, quer nas infra-estruturas, quer nos navios; requerem grandes áreas de manobra para o embarque, desembarque e parques de retenção; além da existência de centros de colecta e distribuição, de legislação aduaneira e portuária adequada, etc. O contentor sai do navio e prossegue viagem para o seu destino pela rodovia, pelo caminho de ferro e, consequentemente, as suas dimensões e peso ficam condicionados às características e limitações dos meios por onde transita.
O sistema de contentores começa a ser ensaiado no percurso Norte da América-Norte da Europa, o da paletizacão entre o armamento escandinavo, enquanto outros armadores de navios clássicos vão transformando unidades para ficarem com escotilhas amplas, aptas a receber contentores.
Estas novas modalidades, simples na sua essência e no papel, vêm demorando a pôr-se em prática pelo gasto das astronómicas importâncias que ocasionam com a construção de navios especializados, obras portuárias, jogos de contentores, consolidação de estradas, adaptação ou renovação dos vagões e camiões, etc.
É natural que entre nós também apareça quem opine pela construção imediata de uma frota de navios especializados para contentores, sem analisar qual o tráfego, o custo, a viabilidade de sucesso, a possibilidade de amortização, etc. Para tudo isto há remédio, com um estudo económico-financeiro, que está muito em voga! E se este se baseou em determinados fundamentos e eles variam, não interessa - quem paga é o armador!
Sr. Presidente: A frota que se construiu no fim da segunda guerra mundial já está envelhecida, requer substituição, e para tal depara-se-nos hoje um ambiente bem diverso do daquela época.
Tínhamos então a considerar, relativamente à escolha dos novos navios, poucos problemas e de fraca importância, as dificuldades portuárias eram insignificantes, a concorrência de candidatos à vida do mar apresentava-se suficiente, os salários do pessoal de bordo mais atraentes, a industrialização em terra ainda não absorvia numerosos profissionais da marinha de comércio, existia uma viva lembrança das dificuldades que o País atravessara durante a guerra quanto a transportes marítimos, período em que quase unicamente dispusemos do pavilhão nacional para o nosso comércio externo, pairava um forte sentimento da indispensabilidade de possuirmos uma equilibrada frota mercante nacional e, sobretudo, havia dinheiro, auferido na utilização da frota a pleno rendimento e nos lucros acumulados no período da guerra.
Hoje depara-se-nos um panorama diferente, com uma diversidade de problemas: técnicos, económicos, financeiros, sociais.
A falta de pessoal navegante, o congestionamento e o deficiente equipamento dos portos, os novos métodos de manuseamento da carga, os sucessivos aumentos de encargos e de custo dos materiais, etc., tudo são causas que contribuem para a dificuldade de previsões seguras.
Estuda-se se é de optar exclusivamente por navios de carga homogénea (para o transporte de vinho, frutas, açúcar, mercadorias frigorificadas ou congeladas, produtos químicos, etc.), ou se é de preferir a adaptação de navios de linha às novas modalidades de carga, transporte e descarga dessas mercadorias, ou ainda se é de optar pelos dois sistemas, registam-se perspectivas e ensaios em novos métodos de manuseamento e transporte de cargas, em face da carência e do custo de adequadas infra-estruturas portuárias e temos, em especial, falta de dinheiro, por o
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armador não conseguir efectuar amortizações e o Estado não poder emprestar o que desejaria, visto estar suportando enormes despesas com a defesa da integridade nacional e de, neste surto de valorização e aumento de produtividade, ter ainda de fomentar outros valiosos e inadiáveis empreendimentos indispensáveis ao progresso, à valorização e ao bem-estar do País.
Sr. Presidente: Durante a vigência do I Plano de Fomento e a do II Plano de Fomento os créditos programados para empréstimos ao armamento foram de pequena monta e, por circunstâncias de momento, nem sempre puderam ser concedidos.
No Plano Intercalar em curso essa situação manteve-se. Dos 21 navios que se esperava encomendar, apenas um se construiu, e por autofinanciamento.
Chegámos assim ao III Plano de Fomento com a viva esperança de que esta situação se modificará.
Por um lado, tendo em conta a idade dos navios da frota até ao fim do Plano (1973), apurou-se quais os navios que haveria a substituir nos próximos seis anos e os que deveriam adquirir-se para a ampliação da frota dentro da política governamental aprovada, isto é, para possuirmos disponibilidades que permitissem satisfazer em 60 por cento o transporte marítimo do nosso comércio. Concluiu-se que teriam de se construir 62 navios, no valor de cerca de 9 milhões de contos. Por outro lado, e simultaneamente, ouviram-se os armadores a quem estão atribuídos os diversos tráfegos sobre o planeamento que propunham para renovar e ampliar as suas .frotas, no sentido de manterem os seus tráfegos eficientes e actualizados. Estes, em inteira compreensão da evolução técnica no mundo marítimo e das dificuldades e condicionalismos do momento presente, apresentaram sugestões, segundo as quais seriam adquiridos 60 navios, com o custo previsto de 8120 000 contos.
Da análise e apreciação do assunto pelo Ministro da Marinha e depois pelo Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos foi aprovado o que consta do projecto em apreciação, nos termos do qual se renovarão as unidades mais indispensáveis e ficam para consideração futura as restantes, bem como as que seriam necessárias para a ampliação da frota.
Assim, o projecto do III Plano de Fomento prevê, relativamente à marinha mercante, a construção de 37 navios, com o investimento de 6 400 000 contos, sem prejuízo dos ajustamentos ou alterações a efectuar nos programas anuais. Nele se utilizarão as fontes de financiamento de 5 200 000 contos (autofinanciamento privado e crédito através dos estaleiros de construção naval), 600 000 contos (Orçamento Geral do Estado) e 600 000 contos (mercado financeiro).
Sr. Presidente: Afigura-se-me que, neste capítulo, sem o reforço e a satisfação integral dos financiamentos pelo Estado, não será fácil o integral cumprimento do Plano.
A renovação e a ampliação da nossa frota de comércio, que todos sentimos se impõe, tem de ser realista e assim requer, neste sector, com os ajustamentos e revisões anuais previstas na lei, o fiel cumprimento do III Plano de Fomento. Se formos forçados pelas circunstâncias de momento a afastarmo-nos desse rumo, o resultado, como é lógico, reflectir-se-á na economia da Nação, no potencial da marinha mercante nacional e, em especial, nas possibilidades de, em devido tempo e de modo adequado, se prestarem os serviços solicitados para a actuação das forças armadas no ultramar, até aqui felizmente satisfeitas de modo impecável.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Permito-me, a propósito, reproduzir uma parte do interessante e douto parecer da Câmara Corporativa, onde muito judiciosamente se diz:
A Câmara entende, no entanto, ser seu dever acentuar que no problema da nossa marinha mercante não intervêm apenas coordenadas económicas imediatas e que os demais aspectos envolvidos devem ser cuidadosamente pesados à luz dos superiores interesses nacionais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E, termino, dando a minha concordância na generalidade ao projecto em apreciação e manifestando a firme esperança de que todos os sectores da vida nacional, oficiais e privados, tendo em atenção as superiores razões de interesse público e económico, além da razão crucial no momento histórico que estamos atravessando, de se garantir a defesa «rápida e em força» das nossas províncias ameaçadas pela subversão estrangeira, encarem a marinha mercante com o carinho que merece e facultem os meios necessários para que ela se revigore e rejuvenesça.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Marques Teixeira: - Sr. Presidente: Ao debruçar-me sobre a análise do importantíssimo diploma legal em apreciação há dois sentimentos que me dominam: o da humildade pessoal perante o mundo de grandes problemas que se levantam e entrosam o vasto âmbito da proposta de lei e projecto do III Plano de Fomento, tão francamente promissor pela natureza e densidade das matérias constitutivas da sua substância e de tão profundo interesse e larga projecção pelas elevadas finalidades nacionais que visa; e o do imenso orgulho da minha condição de português por verificar que a Pátria de todos nós, mercê da inteligência, zelo e civismo dos responsáveis pela superior orientação dós seus históricos destinos e graças às qualidades insuperáveis do seu povo, afirma e reafirma sinais de vitalidade, de pujança e a firme determinação de continuidade e de progresso, resistindo inabalàvelmente, por um lado, ao embate do vendaval endemoninhado da tentativa falaz de aniquilamento e de destruição que sobre ela foi criminosamente desencadeado e, por outro, desbravando e rompendo novas veredas de engrandecimento colectivo, rumo a um futuro melhor na descoberta e conquista de diferentes, amplos e mais luminosos horizontes de vida económica, social e espiritual.
Mas declaro também, Sr. Presidente, que um outro sentimento brota, irrepremìvelmente, da minha alma, o qual, pela nobreza que lhe é intrínseca pela força interior que o anima, não devo nem me é possível calar. Esse é o do reconhecimento. Reconhecimento, muito especial reconhecimento, ao Sr. Ministro de Estado e ainda aos demais membros do Governo, aos seus mais directos auxiliares e a todos quantos, nos diversos sectores da actividade nacional, públicos e particulares - e totalizaram cerca de 2000 -, em estudo, em trabalho, com dedicação e com fé, constituindo elos de uma longa cadeia de esforços solícitos e coordenados, por amor e ao serviço do ideal do bem comum, deram o seu precioso contributo em ordem à elaboração do projecto do III Plano de Fomento, verdadeiramente histórico, para 1968-1973. Da mesma sorte se assinala uma palavra de apreço devida
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ao relator ilustre do notável parecer da Câmara Corporativa.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, dobrada e imperecível gratidão terá de vincar-se, impressivamente, dirigida ao homem que vai ao leme desta nossa grande nau lusitana, com atenção desperta e mão firme, fazendo-a singrar numa rota, certa e segura, por sobre os baixios e através das procelas do mar alto e revolto da desconcertante vida internacional dos nossos dias!
Bendizemos Salazar.
Sr. Presidente: A propósito do motivo determinante da minha subida a esta tribuna e como, aliás, sempre acontece logo que seja encarado um problema sério relacionado com qualquer facto ou ocorrência da vida nacional, reproduzo mais um conceito do Sr. Presidente do Conselho expresso na afirmativa de que «uma política é em si mesma um plano, e um plano, mesmo medíocre, é sempre melhor que a falta dele: porque o trabalho certo, com um fito determinado, revela-o a experiência superior mesmo aos golpes de génio esporádicos e sem sequência ...». Pois que temos uma política eminentemente nacional, dispomos de processos válidos para a cobertura do real interesse público, utilizando linhas de rumo indicativas dos meios de prospecção e de estudo atinentes à busca da melhor solução para os problemas insertos na tessitura da vida colectiva; como instrumento da sua frutuosa aplicação, ao serviço dos princípios ético-jurídico-políticos do Estado, a existência de um Governo que governa e da estrutura de um quadro de instituições adequadas cujos titulares detêm a autoridade que lhes há-de advir da ciência e consciência das suas responsabilidades e, consequentemente, do modo como as servem e as honram.
Neste comenos, mais uma vez evocamos a palavra realista e convincente de Salazar ao proclamar a necessidade de governos fortes e livres, eles mesmos, de arranjos partidários, de movimentos anárquicos e de conluios de interesses partidários e ao advogar a substituição do vinco da abstracção, de palavras vagas, de fórmulas sem conteúdo real, de mitos, por noções concretas, objectivos definidos e processos de trabalho eficientes. Mas, de harmonia com a sua inconcussa honestidade mental, acrescenta ainda que a relação de causa para efeito é tão grande, é tão directa e rigorosa, que se pode medir em sacrifícios, em lágrimas ou em miséria dos povos o que fazem ou não fazem os governantes.
Ora, no âmbito da nossa doutrina política e usando a metodologia da acção pública apontada, situando-me, agora, e apenas, no capítulo dos planos de fomento, passados e presente, é lícito, asseverar que a nossa Administração, na adaptação constante, que desejo sublinhar, às normas enquadradoras dos inalteráveis parâmetros da regularidade administrativa e estabilidade financeira, tem vindo, efectivamente, a realizar, durante estas quatro décadas trabalho meritório, digno de menção e merecedor de elogios, com manifesta incidência benfazeja nos diversos quadrantes da sociedade portuguesa, trabalho suscitador de alguns motivos de controvérsia, sem dúvida, sob ângulos de visão, no tocante a certos pormenores factuais, passivos de discussão, inquestionavelmente, todavia, sujeito em qualquer caso, racionalmente sujeito, além do mais, à prévia observância do primado do condicionamento de uma sadia disciplina no que diz respeito não só às despesas públicas, mas também ao condicionalismo dos próprios investimentos privados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Se reflectirmos na circunstância de que o Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967 e o actual, com vista ao futuro hexénio, foram, insisto, ambos concebidos, estruturados, e o primeiro até objecto de eficiente execução, sob o signo das hostilidades que nos foram cínica e barbaramente impostas, delapidando-nos a fazenda e roubando-nos vidas, quatro conclusões se destacam por si mesmas e às quais me é grato aludir, ainda que corra o risco e caia inevitavelmente debaixo do domínio de uma repetição: a sistemática e diligente acção de fomento e progresso por parte do Governo; a existência de um salutar clima não só político, financeiro e económico, como social, espiritual e psicológico da Nação; alinhamento da vontade da generalidade dos possuidores de meios instrumentais conducentes ao exercício de uma acção produtiva e recuperadora marcadamente nacional; também a existência e irradiação da capacidade actuante das múltiplas virtualidades que exornam e enobrecem o povo português.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: A este singelo discretear contido na parte introdutória da minha suscinta e modesta intervenção sobre a transcendência da matéria relativamente à qual tantos Srs. Deputados vêm exercendo, com elevação e brilho, o seu meticuloso estudo à luz diáfana do que mais pode contribuir para a grandeza e prosperidade do País, apenas aditarei, para realce de dois pontos, a glosa das palavras que evoco e inteiramente perfilho, pois são-lhe cabalmente ajustadas, traduzindo um são juízo e, mais do que uma total seriedade de intenções, um propósito deliberado e firme. São, mais uma vez, de Salazar:
Eu desejo afirmar que um plano de fomento representa por si mesmo uma afirmação de paz e um desejo de paz entre as nações, exprime a necessidade de que não se sacrifiquem as economias a incomportáveis esforços de defesa e representa, se mo permitem, um protesto contra a nevrose da guerra em que a sociedade internacional se consome.
E ainda:
Não devemos ser imodestos ao considerar, lançar, executar o nosso Plano para os próximos seis anos. Mas podemos sentir orgulho em afirmar que é filho dos nossos princípios e se integra no nobre pensamento de alcançar, não com frases literárias, mas com realidades concretas e atingíveis, para cada braço uma enxada, para cada família o seu lar, para cada boca o seu pão.
Para a concretização de tal desiderato, de tamanha magnitude e natural premência, só pode, com efeito, tender-se, mantido o ritmo de uma acção concertada que incessantemente se renove, quando se verifiquem como premissas insubstituíveis, que o passado demonstra, o presente atesta e o futuro não poderá contrariar ou desmentir, uma unidade política, uma unidade económica, uma conciliação dos espíritos e uma conjunção de vontades, que importa manter fortalecidas e a coberto da nocividade dos desígnios de perturbação, confusão ou desagragação.
Para um tipo de mentalidade esclarecida e séria a meta a alcançar afigura-se-me na realidade possível ao longo do desdobramento do tempo - e como é consolador verificar-se ser já extenso o caminho percorrido! -, dado que um forte motivo aglutinador e polarizador se evidencie, desde que se erga uma bandeira em derredor
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da qual podem e devem congregar-se todas as boas vontades: a bandeira do puro interesse nacional, sob a óptica do aproveitamento e da valorização dos recursos do nosso território e do desenvolvimento económico e social do País e, antes de tudo, o reconhecimento e o respeito pela dignidade da vida e dos direitos fundamentais do homem português.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na verdade, a despeito das campanhas de ódio, de maldade e de tentativas de rapina, que reputo de sinistras, forjadas contra nós em certos e por de mais conhecidos climas internacionais, havemos de ser, seremos, se o quisermos e não nos faltando as graças de Deus, uma grande e próspera Nação. E querê-lo-emos e não nos falta a f é. na misericórdia divina, Sr. Presidente.
Entre os três objectivos essenciais do Plano - aceleração do ritmo do crescimento do produto nacional, repartição mais equitativa dos rendimentos e correcção progressiva dos desequilíbrios regionais de desenvolvimento - ater-me-ei um pouco mais de espaço sobre a última grande finalidade mencionada.
Fazendo uma história muito breve sobre o problema do planeamento e desenvolvimento económico regional, pode afirmar-se que os estudos que lhe são inerentes remontam, entre nós, a mais de uma dezena de anos, creio, atestando o cuidado preocupante do Governo em arrecadar e equacionar os elementos compatíveis com a sua solução.
Na realidade, é do conhecimento comum não ter sido a problemática dos planos de fomento regional esquecida no conteúdo do segundo planeamento, não se ignora que foi frontalmente considerada pelo Plano Intercalar e recorda-se que foi inscrita pela primeira vez, assim o julgo, no texto da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1966, como refere, aliás, por forma explícita, o seu artigo 21.º
Foi, em boa verdade, uma inovação notável e, oportunamente, não só assinalada com o merecido relevo, mas também muito justamente comentada e aplaudida.
É bem patente a existência de assimetrias económico-sociais no território nacional. Esta situação emerge do facto de haver entre nós zonas em precário estado de desenvolvimento. Mas o mesmo se verifica fora das nossas fronteiras. É evidente que, por um acervo de razões, está bem marcado o dualismo centros urbanos-meios rurais.
Há, de facto, regiões atrasadas com pronunciada debilidade económica, sem nível social e de uma indigência impressionante no domínio da cultura, que mal conhecem o progresso ou estagnaram após os primeiros e frágeis estremecimentos do seu arranque, como que adormecidas no rotinismo de uma situação lamentável em que a maioria das suas gentes mais parece vegetar do que viver.
Perante as cores carregadas deste quadro tão sombrio, de resto, repito, com tantas cópias, até algumas correctas e aumentadas, em variadíssimas parcelas do globo, isto é, à escala mundial, como seria compreensível que nos mantivéssemos de braços cruzados, como era possível tolerar-se uma búdica posição de conformismo, de passividade, de indiferença? Em face da gravidade e agudeza do problema, reagiram as atenções e os cuidados do Poder Central, criando o sistema dos planos regionais de fomento, aos quais também não poderão manter-se alheios, por um imperativo de consciência, todos quantos sentem e vivem as grandes causas nacionais. Nenhum de nós ignora, Sr. Presidente, a soma de factores que está à raiz da mediocridade da vida de certas manchas do espaço nacional, nem desconhece a teoria imensa de desníveis humanos, espirituais, económicos e sociais, que dela resultam. Sobre a génese de uma e de outra tem-se escrito e pode ler-se uma abundante literatura, não só contendo ideias gerais, mas até impregnada do traço largo e nítido de uma profunda especialização.
Deixando para os economistas e sociólogos o estudo e concepção das grandes linhas do planeamento regional e ainda as importantes particularidades do escalonamento que dizem respeito à sua relevante parte executória, direi, Sr. Presidente, que, no tocante à sua localização, tudo deverá orientar-se, não apenas em obediência a esquemáticos e frios cálculos de natureza económica, mas também, e sobretudo, com o pensamento posto no homem, correspondendo fielmente ao objectivo primeiro de modificar, melhorar e valorizar as suas condições de existência, modificando, melhorando e valorizando o meio ambiente de que ele faz parte integrante e em que vive. Não há dúvida de que é preciso, até em função da alta finalidade apontada, desenvolver uma gama larga e multiforme de actividades que permitam um inventário copioso das potencialidades de determinadas regiões - e tem cada uma delas pormenores específicos a individualizá-las -, em ordem ao subsequente estudo das suas características agrárias, sociais, sanitárias, morais, espirituais e educacionais; ao do seu sistema de transportes e comunicações; ao das condições do seu habitat e, enfim, à observação e análise dos elementos ecológicos que conduzam ao apuramento das razões determinantes do estado de atrofiamento em que se encontram.
Conhecido o que está na base dos desequilíbrios regionais, estruturar-se-á e aplicar-se-á o adequado plano de fomento de incidência fomentadora local, mas de frutuosidade também nacional, como é evidente, percorrendo os caminhos que as técnicas da produtividade económica aconselham, mas sempre bussolados na marcha a empreender pelo norte da dimensão humana como o mais forte e o mais nobre motivo propulsor a considerar, a respeitar e a seguir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Progresso técnico, progresso económico, progresso social, progresso espiritual, os primeiros ao serviço dos últimos, constituirão a linha de rumo a trilhar e a meta do esforço a exercitar, em ordem à consciencialização e sentido de acção prática da política geral de desenvolvimento. Ao seu serviço importa ter o conhecimento e não minimizar a eficiência dos chamados fenómenos estratégicos e operacionais, estando atento à oportunidade da sua aplicação como condicionantes da abertura de novas vias que hão-de conduzir ao incremento económico e valorização social regional.
No conjunto do espaço metropolitano sabe-se ser a zona interior do País aquela que mais precisa de uma acção dinamizadora que rarefaça e elimine, se possível, as carências impeditivas da sua expansão e do seu engrandecimento.
Lògicamente, adentro dos limites geográficos referidos se localiza o distrito de Viseu. Pois, mercê da política de planeamento regional, em boa hora adoptada pelo Governo para principiar a pôr cobro aos desfasamentos zonais que se verificam e, assim, propiciar o crescimento harmónico da sociedade portuguesa, o meu coração enflora-se de esperança e um surto de euforia toma e galvaniza o meu espírito, antevendo o próximo raiar de melhores dias, dias risonhos de felicidade e maior bem-estar para os escalões mais modestos, mas laboriosos e dignos, da sua nobre população, constituída por 500 000 almas,
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que se distribuem por 24 concelhos, 366 freguesias e 670 povoações com mais de 200 habitantes.
Assim o julgo, e até me firmo, Sr. Presidente, na base de uma certeza fagueira e alentadora, desde que se estude, pondere e observe a terapêutica adequada às resultantes do diagnóstico, feito aos males de que enferma e se removam deficiências e atrasos atrofiadores.
Falando a linguagem de uma população esclarecida, da qual, para meu desvanecimento, tenho uma quota-parte da sua representação nesta Câmara, afirmarei, Sr. Presidente, que se não desiluda nem perca o arranque da iniciativa privada, se complete o conjunto das indispensáveis, das basilares, infra-estruturas em que o sistema dos transportes e das vias de comunicação têm a máxima relevância relativamente ao alargamento e robustez da vida económica e social de Viseu cidade e Viseu distrito.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Abro um parêntesis para, inclinando-me em comovida homenagem de muito apreço e de acerada saudade à memória do Prof. Doutor Amorim Girão, que tanto me distinguia com a sua bondade e que eu profundamente respeitava, extractar, na humildade desta minha fala, e só por esse modo a enriquecendo, alguns passos da sua brilhante dissertação de concurso para assistente da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, de que, sendo oriundo de Lafões, veio a ser mestre prestigioso e querido:
O termo aglomeração urbana, disse Jean Brunhes, é a expressão por excelência da conexão entre a casa e o caminho; e porque o desenvolvimento dos meios de comunicação e transporte é, em todos os casos, um factor essencial do engrandecimento das aglomerações urbanas, importa sempre determinar-lhe, no seu estudo geográfico, as relações com os diversos ciclos históricos da circulação.
Nada influi mais, com efeito, sobre a origem e destinos de uma cidade do que as transformações por que vão passando as vias de comunicações que nela se encontram. Mais do que os próprios recursos naturais do solo e clima, mais do que a situação geográfica ou topográfica, esse factor por vezes se manifesta.
As estradas fizeram as cidades, escreveu Vidal de la Blache; e assim se compreende que os Eomanos, construtores da maior e mais importante rede de comunicações da Antiguidade, tenham dado, como nenhum outro povo, um largo impulso ao desenvolvimento da vida urbana, nas diversas regiões por eles ocupadas. É, de facto, por influência das vias de comunicação que as cidades muitas vezes nascem; por meio delas sempre crescem ou decrescem; por elas ainda frequentemente se deslocam ou transformam.
São as vias de comunicação - e acrescento eu: rodoviárias e também ferroviárias - o veículo que pode tornar uma cidade em ponto de concentração dos produtos de uma determinada região, ou ainda em centro de repartição desses mesmos produtos.
E se os grandes centros urbanos, para manter-se, precisam de satisfazer a determinados requisitos relativamente ao tráfego, ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador:
... pode assegurar-se que serão tanto maiores as suas possibilidades de engrandecimento quanto mais as condições naturais favoreceram, junto deles, a construção das vias de circulação e comércio.
O desenvolvimento dos meios de comunicação e transporte alarga a esfera de acção de uma cidade e seu termo, intensificando as relações recíprocas que sempre se estabelecem entre ela e a sua região: assim se explicando, como nota Wagner, que seja maior o número de cidades nas épocas em que aqueles meios eram mais escassos.
Palavras de ontem, verdades de sempre - verdades de actual e candente aplicação em matérias de regionalização de comunicações e transportes, nomeadamente no que se refere aos de natureza ferroviária, englobando a cidade e o distrito de Viseu.
Complementarmente, quero fazer a nota a emitir o vivo desejo de que quem de direito mantenha receptiva e afervore a sua boa vontade no sentido de que venham a ser estabelecidas, quanto antes, ligações aéreas entre aquela cidade - centro polarizador de uma vasta região e dispondo já de um aeroporto funcional - e os centros urbanos de Lisboa e Porto. Tudo deixa prever, salientando evidentes razões de carácter geográfico e demográfico, que tal resolução se revestirá de assegurado êxito, correspondendo, efectivamente, aos anseios, com frequência manifestados, da população viseense. Por essa forma seriam satisfeitas as suas respeitáveis ambições de conforto e comodidade e garantida igualmente, o que não menos importa, a poupança do tempo, facto relevante e. de tamanho peso no ritmo habitual da vida moderna, no que toca às suas deslocações de trabalho, implicando contactos repetidos com as capitais do Sul e Norte do País.
Confio, Sr. Presidente, em que este meu apelo, acompanhando as diligências que têm sido activamente efectuadas pelas entidades oficiais distritais, não seja feito em vão.
Retomando o fio à meada, como sói dizer-se, às medidas de fomento apontadas junto as que refiro seguidamente: aproveitamento dos recursos existentes e sua total mobilização a adopção e a observância de medidas de reconversão e, ainda, de carácter estrutural relativamente ao sector agrícola, o que precisa de beneficiar, cada vez com mais largueza, de adequada assistência técnica; ordenamento das actividades produtivas e abundância de mão-de-obra qualificada: daí, a formação e especialização profissional e uso de processos racionais de trabalho propiciados por adequado ensino técnico, que não pode nem deve ser menos considerado e acarinhado quanto à inadiabilidade da sua incidência sobre as irrefragáveis necessidades da nossa agricultura.
E como, Sr. Presidente, não é possível erguer-se uma construção sem a firmeza dos alicerces respectivos, e como toda a viagem, ainda que longa, começa por um passo, cão é lícito, de modo algum, minimizar-se a influência da escola primária, e, dando-lhe, por isso, o realce devido pratico um acto de elementar justiça recordando também neste capítulo, com as homenagens merecidas, a precursora acção, devotada e dinâmica, do que foi muito ilustre Subsecretário de Estado da Educação Nacional, Dr. Veiga de Macedo, não só ao tomar a iniciativa e lançar a campanha nacional de educação de adultos, mas também preconizando medidas utilíssimas, ao nível do ensino primário, expressas no desenvolvimento de ciclos de estudos de formação rural, na colaboração prestada ao funcionamento de cursos práticos de aprendizagem agrícola, na organização de estágios de professores junto das estações agro-pecuárias do Ministério da Economia ou das escolas agrícolas dependentes do Ministério da Educação Nacional, na realização, através da escola primária, de demonstrações,
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ainda que simples, mas com carácter prático, de técnicas agrícolas, na adição ao recheio das bibliotecas das escolas primárias de livros alusivos à vida dos campos e assuntos de interesse económico-social para a lavoura, etc. Em nota marginal direi ser desoladora a frouxa frequência das escolas em que se ministra o ensino agrícola, elementar, médio e superior, tanto mais deplorável quanto as consideramos o alfobre donde sairão os elementos cálidos, não digo únicos, mas particularmente aptos e qualificados para aplicarem e ajudarem à utilização das técnicas contributivas para a evolução agro-pecuária de muitas regiões do País.
Impõe-se, pois, estudar seriamente o problema e proceder à busca, como convém, da sua solução, que não é difícil de descortinar e urge que se efective.
Constitui um serviço de que a população rural muito precisa e inteiramente merece, pois, de facto, deve ser-lhe prestada, com amplitude, sentido de oportunidade e por uma forma inteligente de persuasão, toda a assistência possível, a ela que é, na opinião autorizada de Rocher, a raiz da nação; as classes superiores podem perecer como os ramos, as folhas e as flores, pois outras as substituirão, mas se a raiz estiver podre, não servirá para outra coisa que não seja o lume.
Adentro da ordem de ideias enunciadas e com o pensamento posto, devotadamente posto, no meu distrito, cogitando sobre o modo como poderão criar-se-lhe condições de um desenvolvimento espacial mais equilibrado, reflito, agora, acima da actividade motora contida lios processos da industrialização. Farei, no entanto, um curto compasso de espera quanto ao tratamento desta rubrica para, honrando-me com a companhia do augusto autor da Encíclica Mater et Magistra, me reportar e enaltecer a actividade artesanal, cujos merecimentos não são despiciendos no plano económico e revestem grande relevância e significado no campo familiar e social.
Viseu exprime, mais uma vez, pela minha apagada voz, sentimentos de gratidão ao Governo por virtude da decisão de ter institucionalizado, localmente, um centro de artesanato - o Centro de Artesanato Beirão - que se explica, em boa verdade, porque as mãos hábeis de uma boa parte da sua população executam trabalhos deveras apurados e muito apreciados, verdadeiros mimos artísticos, produto de uma sensibilidade delicadíssima. Com efeito, na tapeçaria, no ferro forjado, na olaria, no mobiliário, na cestaria, nos bordados e nas rendas de bilros, Viseu atingiu igualmente um ponto alto, e têm larga e justa fama a intuição, o engenho, o sentido tradicionalista, o amor à arte e a capacidade realizadora de muitos dos seus filhos, de tal maneira que a multiforme expressão do artesanato regional, cheio de beleza, é verdadeiramente admirada e interessa não só aos nacionais, mas também aos turistas dotados de bom gosto. Por isso, também se impõe a continuidade intensificadora do estímulo e da protecção ao conjunto destas pequenas indústrias.
No que concerne ao âmbito do sector secundário, não podem assoalhar-se, infelizmente, credenciais quantitativas daquela região beiraltina, que, no entanto, está longe de haver mergulhado num estado de letargia sob a carapaça de coisa anquilosada.
Se mencionamos no campo da indústria distrital a existência e laboração de uma unidade fabril produzindo calcário, carboneto de cálcio, ligas não ferrosas, cianamida, ferro-gusa, silício e manganês, estanho, quartzo, pasta para eléctrodos, feldspato, abastecedora de mercados externos, e outras do serração, lacticínios, plásticos, substâncias alimentares, papel, ligas de estanho, rações para animais, fiação e malhas, instrumentos de precisão, metalurgia, ferramentas agrícolas, mobiliário, serralharia e ainda a linha de montagem da Citroen de automóveis ligeiros e pesados, todas elas impondo-se pela perfeição dos seus artigos, mas caracterizando-se, de uma maneira geral, pela exiguidade do seu número e pequenez das suas dimensões, é incontroverso que se impõe, por virtude de fortes imperativos humanos, sociais e económicos e à luz do que as entranhas do seu subsolo arrecadam, reveste o seu solo e é a sua rede fluvial, industrializar as zonas do distrito que oferecem as aptidões requeridas, não digo criando, em qualquer caso, centros industriais autónomos, mas, sim, regiões rurais industrializadas.
Por esta forma se logrará, como é óbvio, atingi» a elevação do poder de compra de certos grupos populacionais, se combaterão algumas perturbações verificadas nos domínios da economia e do social fora dos grandes centros, nomeadamente Lisboa e Porto, cidades cujo trem de vida, por mais sensivelmente melhorado, exercem atracção poderosa sobre os que vivem e mourejam no meio campesino, provocando um tão descontrolado êxodo, não só agrícola, mas rural, e ainda, e ao demais da parte válida da sua população, que é já manifesta a preocupante realidade dos chamados desertos demográficos. Julgo, Sr. Presidente, que todos quantos se empenham por modificar este estado de coisas cooperam numa cruzada que tem foros de nacional, e porque é nacional é instante e é prioritária, e sendo conduzida sob um critério, que tem de ser humano, mas sem deixar de ser realista, julgo, na verdade, possível a instalação de indústrias complementares da exploração agrícola, que laborem produtos agrícolas, que utilizem a matéria-prima local com vista aos mercados regionais.
Sabemos ser esse, pela leitura do contexto do diploma em apreciação, o nobre pensamento do Governo, que, exactamente por isso, não enjeitará o seu insuprível concurso e indispensável colaboração através de facilidades de crédito, isenções fiscais e prestação do seu estímulo, do seu apoio e da sua protecção inestimáveis, rasgando-se e trilhando-se a avenida larga a arejada de uma descentralização, cujas vantagens gerais são evidentes, cuja necessidade é patente, cuja concretização não pode legitimamente discutir-se.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se são necessárias, como se insinuou e estão previstas, as possibilidades de recurso ao crédito e condições de financiamento para se viabilizar a execução do Plano, por mim, também me convenço da real vantagem em que não deixe de organizar-se uma comissão local, esclarecida e activa, que, após a mentalização das pessoas a beneficiar, comportando-se em comunhão de pensamentos e afirmação de vontades, se dedique, com entusiasmo e com alma, a par dos técnicos de planeamento, à realização das tarefas correlativas que sirvam de veículo à expansão económica.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Manda a verdade dizer-se, Sr. Presidente, que são já muitas e fecundas as medidas promulgadas pelo Ministério da Economia com vista, no aspecto geral, a beneficiar o sector primário e outros e em ordem, mais particularmente, a imprimir uma eficiência maior aos serviços daquele departamento estatal.
Neste aspecto, reputo ajustada e frutuosa a actuação a exercer por parte das denominadas comissões técnicas regionais, criadas pelo notável despacho conjunto de SS. Exas. o Ministro da Economia e Secretários de Es-
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tado da Agricultura, Comércio e Indústria de 10 de Maio de 1966, e às quais está reservado um relevante papel, não digo suficiente, mas, com certeza, altamente colaborante, da maior influência e importância para a execução dos esquemas atinentes à aceleração do progresso económico e melhoria do nível social de muitas regiões do País.
Sr. Presidente: Foi-me conferido e exerço o uso da palavra, decerto abusando da benevolência de V. Ex.ª e da dos Srs. Deputados, revestido da humildade a que aludi quase no início da abertura da minha intervenção. Daí que esteja e me conserve insensível a quaisquer presunções, que seria caricato imaginar, e não me sinta toldado pelo ridículo de veleidades impossíveis de manter, até pela razão decisiva de serem totalmente incompatíveis com o meu próprio feitio moral.
Num acto de consciência - eis tudo -, fiz apenas o meu depoimento restrito, modesto, bem intencionado - com a restrição de quem, tendo lido toda a matéria da notável proposta de lei e projecto do III Plano de Fomento e muito do que com ela se correlaciona, entendeu dever circunscrever a pontos muito limitados a sua apreciação; a modéstia dos que se capacitam e não se iludem acerca da vulgaridade das suas considerações; a boa intenção, Sr. Presidente, que mora sempre no fundo da alma de todos quantos procuram pensar rectamente e agem como pensam.
Só me resta, Sr. Presidente e Srs. Deputados, pôr ponto final às singelas afirmações que venho produzindo e salientar, mais uma vez e com gosto, que este III Plano de Fomento, pelo modo como foi concebido, estudado, preparado, estruturado, e dada a forma como se espera venha a processar-se a sua execução, pela grandeza e variedade dos seus altos objectivos, pela envergadura e diversificação dos empreendimentos para que aponta e largos financiamentos que lhe estão afectos no enfeixamento da acção coordenadora e solidária, indispensável, do sector público e das entidades privadas, será instrumento válido e oportuno para a criação do condicionalismo propício à ascensão do produto interno bruto, à formação e aumento do capital fixo, à subida da taxa de capitação e, naturalmente, como cúpula final, à melhoria do nível de vida do nosso povo.
E é motivo de conforto moral e é causa compreensível de exaltação cívica poder pensar-se que, atingido o equilíbrio das contas públicas, estabilizada a moeda, mantido o crédito, aproveitando os privilégios da técnica, sob o superior primado orientador de uma política, à luz das regras consignadas no Estatuto Fundamental da Nação, na fidelidade aos princípios da civilização cristã, mobilizados o sentimento e o querer nacionais, a lúcida preocupação do Governo, a que deve corresponder a determinação consciente de todos nós, concentra-se e move-se no sentido da total valorização e felicidade plena do homem, fim, instrumento e medida de todas as coisas - o homem português, Sr. Presidente, quer viva e labute, sé sacrifique e lute, nesta faixa ocidental da Europa, no rosário das ilhas do Atlântico ou na parte ultramarina do nobre solar da Casa Lusitana!
Sr. Presidente: Por mim, dou francamente a minha concordância na generalidade ao importante diploma em discussão.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Agostinho Cardoso: - Sr. Presidente: Importa, quanto a mim, e em primeiro lugar o digo, que o País ganhe cada vez mais consciência do significado integral do III Plano de Fomento, admiravelmente sintetizado na comunicação à imprensa feita pelo Sr. Ministro da Presidência em 30 de Junho.
A sua concepção global, «como quadro orientador do desenvolvimento e progresso do País nos próximos seis anos», o seu objectivo superior da «progressiva formação de uma economia nacional em todo o espaço português» e a sua finalidade última, de ordem espiritual, a de «progressiva elevação e dignificação da pessoa humana adentro da comunidade portuguesa» - a teoria do Plano, afinal -, os investimentos programados, os problemas e óbices que ele põe, os resultados que dele se esperam e a mobilização geral da vontade colectiva a que a sua execução obriga - tudo isto em termos mais simples ou complexos, segundo os grupos humanos a que se dirija, deve ser, com efeito, insistente e persistentemente posto e exposto à gente portuguesa nos próximos tempos.
À gente portuguesa, e não apenas às suas elites, em ordem a entender-se que o Plano não é varinha mágica improvisando riquezas, mas uma etapa mais na programação e coordenação das receitas e potenciais do País, conduzindo uma economia a caminho do- futuro, na continuidade de uma concepção que veio substituir o fragmentário e descoordenado trabalho de sectores ao longo de um orçamento anual.
E no limiar desta intervenção quero prestar homenagem ao extenuante e patriótico esforço que representou o valioso trabalho de equipa dos vinte grupos que constituíram a comissão interministerial que programou e aos 2000 obreiros que, a diversos níveis, ajudaram a edificar «a carta magna do desenvolvimento económico-social da Nação nos próximos seis anos», como se diz logo ao abrir o parecer da Câmara Corporativa.
O projecto do Governo, absorvente estudo ao longo de cerca de 2300 páginas, o douto parecer da Câmara Corporativa e o que se tem dito nesta Assembleia ficarão como testemunho e índice de como um país em guerra nas fronteiras ultramarinas luta e pretende lutar pela construção do futuro através do progresso da comunidade nacional e de cada homem português.
Sr. Presidente: Localizarei esta minha intervenção em alguns aspectos políticos de três capítulos do Plano:
1) A Reforma Administrativa.
2) O turismo.
3) O planeamento regional.
Vem a Reforma Administrativa ao encontro de males contra os quais o País há muito clama e de que já me fiz eco nesta tribuna na última legislatura: a desarticulação, imobilismo e insuficiente rendimento da nossa ultrapassada máquina da administração. No capítulo do Plano referente a este sector vê-se em síntese notável, sumariados, os defeitos e males que conduziram à actual situação e as linhas gerais dos remédios que se sugere.
A Reforma Administrativa, mais do que aperfeiçoamento ou reorganização de serviços, pretende significar uma atitude e uma posição de permanente agiornamento e renovação, em face da contínua evolução dos fenómenos administrativos mediante uma também permanente prospecção através da experiência que vai sendo vivida adentro e para lá das fronteiras. Países há onde um ministério técnico é o órgão permanente de actualização deste sector da vida pública.
Há assim dois aspectos a considerar envolvendo duas espécies de realizações:
1) A longa, cuidadosa e escalonada reorganização de serviços, com a correspondente adaptação, valorização e protecção do pessoal;
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2) O conjunto de medidas, mais ou menos imediatas, significando o arranque e o rápido sacudir de certas estagnadas estruturas e de certa estagnada rotina.
Vem de longe a preocupação do Governo na solução deste complexo problema.
Já a Lei de Meios para 1959 e o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 42 046, de 23 de Agosto de 1958, que tratavam da revisão das remunerações do funcionalismo, a ele se referiram.
Em 1962, o artigo 26.º da Lei de Meios para 1962 autorizou o Governo «a promover a reorganização dos serviços públicos, a fim de melhorar a sua eficiência, aumentar as garantias dos particulares e assegurar a mais efectiva cooperação do público com a Administração».
Em 1962 também o Gabinete do Ministro das Finanças Pinto Barbosa publicou um trabalho intitulado Reforma Administrativa, o primeiro, salvo erro, onde o assunto é nitidamente equacionado.
Acaba o Governo de tomar decisões importantes, segundo vem de informar a imprensa, enviando para o Diário do Governo dois decretos que se dirigem corajosamente ao encontro dos dois aspectos que considerei que to à Reforma Administrativa: o conjunto de medidas imediatas que impõe a situação actual e o aspecto evolutivo do problema.
A criação do Secretariado de Reforma Administrativa, como órgão básico de execução e coordenação, integrado na Presidência do Conselho, apoiando-se no 14.º Grupo de Trabalho da comissão interministerial, especializado a este sector, e que preparou o respectivo capítulo do Plano de Fomento, é, sem dúvida, uma resolução importantíssima na vida nacional.
A inerência da sua chefia com a de secretário-geral da Presidência do Conselho coincide com um dos funcionários de mais alto nível e da maior competência do País. Todavia, o desenvolvimento que tomarão as funções e o seu âmbito aconselharão, certamente de futuro, o desaparecimento desta inerência e porventura a estruturação deste sector num departamento do Estado de ainda mais elevada hierarquia.
Dirige-se o decreto não só à revisão da orgânica, métodos de trabalho e técnicas de funcionamento dos serviços públicos, mas também ao funcionalismo no tríplice aspecto das suas condições económico-sociais, formação e aperfeiçoamento profissional e direitos, não esquecendo o debatido problema das relações humanas e das relações com o público.
Equaciona-se,, assim, um plano de estudo e de trabalho de grande projecção futura na eficiência e até na economia da estrutura do Estado, ou antes, da sua administração, uma vez atingida a fase executiva.
O segundo decreto, que trata da desconcentração e delegação de competências, tem características de actuação imediata e de simplificação que há muito se impunha e que deve logo traduzir-se numa maior eficácia, rapidez e disciplina dos órgãos de chefia.
Prevê ele a transferência dos Ministros para os directores-gerais de determinados actos de competência e destes para os directores de serviço, e assim sucessivamente ao longo dos escalões decrescentes da hierarquia, e até em certas condições se prevê a «delegação de assinatura».
Corresponderá isto a uma economia de tempo para os escalões superiores da Administração com funções directivas, libertando-os de trabalhos de rotina pouco compatíveis com a sua verdadeira função, criando responsabilidades a cada nível, e traduzir-se-á em rapidez e eficácia na actividade administrativa e mais fácil contacto do público com o funcionalismo que o serve.
É escusado salientar as cautelas que este progressivo investimento de responsabilidades impõe.
É pena que a Reforma Administrativa não inclua um aspecto ainda não considerado no nosso país: o da criação de um órgão específico de protecção dos cidadãos em face de erros concretos da Administração - lentidão, incúria ou insuficiência - de que resultem prejuízos pessoais de regiões ou grupos humanos.
É o caso dos projectos de diplomas legais em preparação, que se arrastam anos no imobilismo de certas repartições, de decisões durante anos adiadas por falta de conclusão de estudos, etc.
Cito, entre muitos, certo caso de os funcionários administrativos perderem o direito de continuar a descontar para a Caixa Geral de Aposentações, como o restante funcionalismo público, se entrarem em comissão de serviço noutras funções públicas.
A velha legislação que regula este caso não se referiu a «funcionários administrativos», mas só a funcionários do Estado. Há vários médicos municipais que, sendo presidentes de câmara municipal, já perderam, pelo menos, seis anos de direito à reforma como funcionários.
O projecto do decreto que reparará este lapso, já há muito preparado e do qual não resulta qualquer encargo para a Administração, dorme há mais de uma meia dúzia de anos o sono do «imobilismo administrativo», num dos sectores ministeriais do País, sem que os interessados possam reclamar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em alguns países nórdicos existe uma espécie de tribunal denominado, salvo erro, Ombundsman, em que um único juiz designado pelo parlamento e assistido pelos respectivos serviços é encarregado de ouvir as reclamações dos cidadãos acerca da administração.
Deixo aqui exarada a minha aspiração de que ao nível julgado conveniente dos diversos sectores da Administração venha um dia alguma coisa a ser feito neste sentido, não um Ombundsman sobre o qual chovam permanentemente reclamações improcedentes e impertinentes, mas qualquer coisa que defina responsabilidades neste aspecto a qualquer nível da Administração e permita pedir «justiça administrativa» onde ela faleça, ou o pareça, para aqueles que não têm fácil acesso aos serviços do Estado de elevada hierarquia.
Estas, as considerações que me sugere a Reforma Administrativa.
E passo a comentar o capítulo sobre turismo.
É incontestável que, a partir de 1961, ano em que foram traçadas as linhas gerais da nossa política de turismo, este tem alcançado um nível de crescimento que se pode considerar espectacular, se considerarmos o ponto de partida.
A experiência adquirida tem permitido que se caminhe para a selecção, diversificação e conquista de mercados turísticos, e uma propaganda bem dirigida levou-nos recentemente, em Tóquio, a obter o 1.º prémio, entre dezenas de países de variadas tendências ideológicas, no concurso de cartazes, para a comemoração do ano internacional da Organização Internacional dos Organismos Oficiais de Turismo.
Dos escassos elementos que encontramos no projecto do III Plano de Fomento sobre turismo interno parece ser de admitir que se não tem progredido nele adentro
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da metrópole, não sendo mencionados elementos estatísticos quanto ao que se realizou entre esta e o ultramar.
Parece-me de insistir, em apoio do que se diz neste capítulo - que uma forte actuação fomentadora incida nos próximos anos sobre o turismo interno, porque ele é o grande e eficaz antídoto para a perda de divisas, atribuível ao chamado turismo negativo-, aquele que os portugueses vão fazer ao estrangeiro, o qual tende a aumentar à medida que sobe o nosso nível de vida.
Como já uma vez aqui salientei, nos países para além da «cortina de ferro», a proibição de saídas para o estrangeiro, além de razões de ordem política, corresponde à anulação deste factor negativo da balança turística.
Desviar uma parte importante da corrente turística portuguesa do estrangeiro para as ilhas adjacentes e o ultramar constitui política a prosseguir com insistente firmeza e que deve merecer a maior compreensão e apoio das entidades transportadoras, hoteleiras e agências de viagens nacionais.
A planificação económica do nosso turismo interno pressupõe uma política favorável de preços de viagens marítimas e, sobretudo, aéreas, de voos fretados com tudo incluído, para viagens individuais e de grupo, de preços hoteleiros de propaganda e de uma racional ocupação dos hotéis de média categoria.
Oferece-nos o ultramar português espantosa beleza de paisagens, costumes, folclore, actividades industriais, agrícolas e desportivas, centros de interesse capazes de fixar importantes correntes turísticas.
As ilhas adjacentes, pela sua proximidade do continente, podem ser a base de turismo interno, económico, de curta duração, repousante e acolhedor, se idênticas facilidades puderem ser reunidas, já que o custo das viagens nas carreiras regulares de ligação com a metrópole é bastante elevado.
Permito-me destacar o meu arquipélago da Madeira, a pouco mais de uma hora de voo de Lisboa, desde que a T. A. P. introduziu aviões Boeing 727. O seu clima ameno, suas paisagens maravilhosas, o mar calmo, cuja temperatura é no Inverno superior à da atmosfera e oscila pelos 17ºC, os seus hotéis e residenciais confortáveis, as suas piscinas, a sua larga tradição e experiência turística fizeram dela uma das zonas prioritárias do turismo nacional. Com a alta rentabilidade do seu turismo, que apresenta elevada taxa de ocupação hoteleira durante todos os meses do ano, a Madeira, segundo um aforismo turístico, «é o lugar onde o Verão vai passar o Inverno».
A importância da Madeira para este tipo de turismo foi salientada em recente discurso pelo Sr. Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho:
Também o turismo interno português - disse este membro do Governo - pode e deve crescer rumo à Madeira, promovendo-se a vinda a esta ilha de muitos portugueses do continente e do ultramar que fazem férias no estrangeiro sem conhecerem (direi melhor, apenas porque não conhecem) a Madeira.
Viu a Madeira, com efeito, recentemente inaugurada a sua Escola Hoteleira, cuja organização se me afigura modelar e a terceira que se abre no País.
Nessa inauguração ouvimos a este Subsecretário de Estado as seguintes palavras:
Quando, em 1963, se começou a dispor dos primeiros estudos de base sobre o turismo, encomendados a peritos de reputação internacional, foi possível verificar que as grandes linhas das recomendações preconizadas nos conduziram a uma política de turismo conforme à tradição turística que, na Madeira, há muito se instituíra.
A Escola Hoteleira do Funchal, que hoje inauguramos, insere-se, como um simples marco, na constante linha de rumo desta tradição.
Mas a Madeira, com um século de turismo, em que foi única pioneira no nosso país, a sua fama mundial, a vocação turística da sua gente, zona prioritária de turismo por definição estatal, vê o seu desenvolvimento turístico efectivar-se com desoladora lentidão.
Em cinco anos o aumento de capacidade hoteleira nem atingiu 1000 camas, menos do que o Algarve conseguiu em cada um dos últimos anos, e o aceleramento e expansão da construção hoteleira constitui actualmente o seu problema crucial.
O incremento deste sector constitui o mais urgente pressuposto para que então possa reivindicar-se um alargamento da política de tráfego aéreo em relação à nossa ilha.
Do projecto do Plano de Fomento deduz-se que, em 1966, em relação ao total do País, a zona de turismo da Madeira registou apenas 10 por cento das dormidas em hotelaria, enquanto o Algarve, com meia dúzia de anos de promoção turística, registou já 13 por cento.
É grave erro pensar-se que há na Madeira capitais, portugueses ou não, de volume suficiente para base de expansão hoteleira. Têm os investimentos de ser procurados no estrangeiro e na metrópole. Fomentar esses investimentos, facilitar a entrada de capitais mediante uma propaganda bem dirigida da alta rentabilidade da indústria hoteleira na Madeira, é o primeiro passo a dar nesta estagnante fase por que passa o turismo madeirense.
E seja-me permitido, nesta tribuna, apelar para os núcleos de capital do País, alguns dos quais já contribuíram para o desenvolvimento turístico do Algarve, no sentido de se interessarem por este investimento, não só pela alta rentabilidade mencionada, mas pela fonte de divisas que constitui para o País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Simplificar e reduzir o tempo e as formalidades, que vão desde a apresentação do anteprojecto e entrada de capitais e materiais de construção até à abertura dos hotéis ao público, eis o segundo aspecto na corrida que se impõe neste domínio da construção hoteleira, a fim de que a Madeira não passe de moda - o grande perigo das estâncias turísticas em face de uma procura que nunca mais encontre oferta suficiente.
Prevê o Plano que seja de dois anos o período médio para construção e apetrechamento de uma unidade hoteleira. Em relação à Madeira pode considerar-se vantajoso o dobro desta previsão, e isto se decisões favoráveis forem tomadas quanto ao que venho dizendo.
Depois da construção hoteleira, impõe-se, como segunda prioridade, a revisão da política de tráfego aéreo em relação à Madeira, que se aproxime daquela que outros países têm em relação às suas ilhas turísticas.
Aproveito a oportunidade para prestar justiça ao esforço realizado pela T. A. P. com o aumento de frequência de viagens aéreas, a entrada ao serviço de aviões a jacto na carreira da Madeira, o número crescente de passageiros, carga e correio que vem transportando, a comodidade das viagens e a amabilidade e experiência do seu pessoal.
Esta revisão inclui, em relação aos voos irregulares fretados (chaters), uma larga propaganda das facilidades concedidas pelo Ministério das Comunicações, que permitem a qualquer empresa realizá-los regularmente durante
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todo. o ano e a criação de um automatismo que evite de longas quanto ao hendling e ao transbordo de turistas de Porto Santo para a Madeira em relação aos grandes aviões que não possam aterrar nesta última ilha e podem fazê-lo na grande pista da primeira.
A regularidade e frequência de um charter pode conduzir, no futuro, ao estabelecimento da carreira regular, com as respectivas condições de reciprocidade, como parece depreender-se do que se diz acerca de política de tráfego aéreo no capítulo «Transportes» do Plano. Ainda, por isso, são de estimular os voos fretados. A eficácia dos charters depende, todavia, de um pormenor que, pela primeira vez, refiro: é que as agências de viagens planificam, em regra, os programas dos seus voos de «tudo incluído» com antecedência superior ao ano em curso. Assim, as licenças que, em Janeiro, o Ministério das Comunicações possa conceder para voos fretados durante todo o ano, a determinada empresa, nem sempre são utilizáveis. Daqui apelo para o Sr. Ministro das Comunicações para que tais licenças possam ser concedidas com um limite que atinja o ano seguinte.
Pensa a Madeira - posso afirmá-lo validamente - que não é através da única carreira que a liga por voo directo e exclusivamente à capital do País que o seu turismo pode atingir expressão notável. E se o Algarve tem já carreiras aéreas com a Inglaterra por intermédio da B. E. A. e vai tê-lo em breve, ao que parece, através da Luftansa com a Alemanha Ocidental, a Madeira pensa, repito, que neste sentido é de caminhar-se em relação a ela, à medida que o seu desenvolvimento hoteleiro criar a necessária oportunidade.
A evolução próxima que se prevê para a aviação no sentido dos grandes aviões para algumas centenas de passageiros beneficiará o arquipélago da Madeira, mas, através do aeroporto de Porto Santo, que voltará possivelmente a ver aumentado o seu tráfego agora muito reduzido.
Com efeito, numa primeira fase, pelo menos, é de prever que estes aviões necessitarão de pista de comprimento superior à do Funchal.
Parece ser assim de aconselhar um contrato suplementar do Estado com a T. A. P. no sentido de encarar-se a obrigação, por parte desta, de um automático transporte Porto-Santo-Madeira, a preço remunerador dos passageiros dos charters, que só possam aterrar naquela ilha, mediante requisição, com determinado prazo de antecedência.
As carreiras aéreas Lisboa-Madeira permitirão facilmente a deslocação do avião que diariamente fica na Madeira.
Uma referência, Sr. Presidente, a Porto Santo e ao interesse turístico que tem como a grande praia de areia fina do arquipélago, de suave declive e mar calmo, a dez minutos de avião do Funchal, e onde a pesca desportiva seria fácil desenvolver-se.
Peço ao Sr. Subsecretário de Estado da Presidência um estudo sectorial de planificação turística de Porto Santo idêntico ao que foi feito para Câmara de Lobos, o qual se pode considerar modelar como minucioso estudo global, porque ultrapassou o plano das soluções turísticas, pondo-as ao serviço de uma mais ampla promoção económico-social.
Porto Santo, primícia das descobertas dos Portugueses, ilha pobríssima, não viu incluído no Plano de Fomento o seu porto de abrigo e aspira a que ali se institua um pequeno porto franco; bem merece, pelas suas dificuldades económicas a aridez do seu solo, que começa a ser protegido de uma secular erosão, qualquer benefício bem concreto neste Plano de Fomento.
Uma referência aos transportes marítimos, pela sua importância para o turismo da Madeira.
No capítulo «Transportes» do Plano de Fomento diz-se que, nas ilhas adjacentes, o porto de Ponta Delgada, Açores, é o de maior tráfego, representando 48 por cento do total.
Diz-se ainda que na média anual o tráfego diminuiu no Funchal, no quadriénio de 1961-1965, em relação a igual período anterior, de cerca de 47 por cento, enquanto o porto de Ponta Delgada registou o aumento de 28 por cento em igual período.
Sabemos que o incremento da navegação aérea, maior raio de acção dos navios e o facto de as vizinhas Canárias terem porto franco estão na base deste problema.
Mas sabemos também que, estando o porto do Funchal apetrechado com combustível, há navios portugueses que escalam sistematicamente as Canárias, e não a Madeira, que lhes fica na rota, e que foi revogado em 1965 um despacho que autorizava o transporte de passageiros entre Lisboa e Madeira em navios estrangeiros, o que naquele ano correspondera à entrada- no porto do Funchal de dezoito navios, sem prejuízo para as transportadoras nacionais, muitas vezes com passageiros em lista de espera, outras vezes navegando com excesso de lotação adentro das condições de segurança.
E cite-se de passagem o notável esforço feito nos últimos anos pela Empresa Insulana de Navegação, pondo ao serviço o Funchal e o Angra do Heroísmo, cujo funcionamento se deve considerar modelar.
É de aconselhar, em face da diminuição crescente do tráfego marítimo do Funchal, uma propaganda dirigida junto das empresas marítimas e agências de viagens, no sentido de a Madeira ser incluída nos cruzeiros de turismo internacionais, e a revisão do despacho referido, feito no elevado e louvável intuito de protecção à marinha nacional, mas que, actualmente, não a prejudicando, como é possível demonstrar em pormenor, tem um efeito antiturístico.
Atribui o Plano importância predominante à iniciativa privada no investimento das actividades hoteleiras e similares, encarando-se a entrada de capitais estrangeiros e a necessidade de facilitar essa entrada.
O investimento programado (11 850 milhares de contos) no Plano de Fomento, em relação ao montante total do plano para a metrópole (123 000 milhares de contos), dá posição de relevo ao sector nacional que porventura tem apresentado nos últimos anos maior incremento e maior rentabilidade.
Fazemos votos por que as verbas programadas na parte que se refere, sobretudo ao Fundo de Turismo, sejam desta vez integralmente atribuídas para que, ao contrário do que sucedeu em relação ao Plano Intercalar, o Fundo possa cumprir, também integralmente, suas funções e compromissos, tanto mais que se propõe, agora, um alargamento dessas funções.
Sr. Presidente: Pouco me demorarei sobre o apaixonante capítulo do planeamento regional «Correcção progressiva dos desequilíbrios regionais de desenvolvimento», ao qual já várias vezes me referi nesta Assembleia, insistindo nas características especiais e na urgência e prioridade que ele impõe no arquipélago da Madeira.
Os números que o projecto do Plano apresenta quanto ao desequilíbrio económico no continente entre as zonas industrializadas do litoral e as zonas agrícolas do interior, sobretudo aquelas onde predomina o minifúndio, são de arrepiar e estão na base da emigração maciça em algumas regiões, fenómeno que é de sustar com urgência e
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firmeza, criando-se condições para se estar bem na própria terra, sem procurar o pão e o trabalho na alheia. A mecanização da agricultura, que o Governo acaba de promover através do forte estímulo de disposições legais recentes, a fixação de unidades industriais em determinados pontos do interior, desconcentrando-as dos pólos de atracção de Lisboa e Porto, a melhor comercialização do produto agrícola e a valorização do seu preço, à custa de cuja degradação se procurou durante muito tempo manter estável o custo de vida, a redução do poder e número de intermediários que vão desde o pequeno agricultor até ao público das grandes cidades, a garantia de escoamento do produto a preços não avultados, eis alguns dos pressupostos do fomento agrícola que o Plano traduz.
A protecção do agricultor de minifúndio por organizações corporativas e cooperativas que o agrupe e consciencialize quanto ao seu valor, aos seus direitos e ao seu acesso ao crédito, a extensão da previdência à zona rural e o emparcelamento da pequena propriedade, eis outros pressupostos de todos conhecidos para correcção dos desequilíbrios regionais e melhor repartição da riqueza colectiva.
E, de passagem, registem-se as primeiras experiências feitas pela Junta de Colonização interna, num admirável esforço de equipa dos seus técnicos, em circunstâncias que é necessário analisar para delas depreender o real significado.
O emparcelamento de Esturãos pode considerar-se rápido em relação a idênticos trabalhos feitos noutros países.
Nesta primeira tentativa, em que teve de tactear-se uma técnica nova no nosso país, uma parte importante do tempo gasto deve atribuir-se a alguns litígios que apareceram e tiveram de aguardar sentenças de tribunal e ao período em que se aguardou as decisões finais. A duração dos trabalhos de campo e gabinete não pode considerar-se demasiado longa. O custo total foi onerado pela construção de caminhos, apeamento ou substituição de muros e vedações de propriedades, etc., o que não constitui propriamente emparcelamento, mas melhoramento rural prévio.
Uma vez realizadas as primeiras experiências, os trabalhos de campo e gabinete devem ser relativamente pouco onerosos, mas, seja como for, parece-me pouco possível, em muitos casos, a mecanização agrícola como elemento propulsor da agricultura de grupo ou certos minifúndios sem prévio emparcelamento.
Sr. Presidente: Está, sem dúvida, recheado de óbices este planeamento regional, que tanto vai apaixonando os Portugueses e que uma visão equilibrada dos pormenores irá solucionando.
Surgirá, sem dúvida, como se prevê no projecto do Plano, certo antagonismo aqui e além entre a rentabilidade industrial máxima, necessária no momento em que a nossa indústria tem de concorrer no mercado internacional e a localização de unidades industriais de empresas privadas no interior do País. Longe dos portos do litoral e das suas zonas largamente urbanizadas, torna-se mais onerosa a instalação e manutenção dos complexos industriais e o transporte do produto e da matéria-prima para o seu escoamento marítimo. Pode também surgir o perigo de fazer-se «o deserto agrícola» nas regiões já pouco povoadas ao dar-se nelas a atracção para a indústria, e há a considerar os condicionalismos da situação oposta: a mecanização da agricultura fazer correr o risco do desemprego em certos casos nas regiões onde massas populacionais excessivas trabalham na lavoura.
Seja como for, Sr. Presidente, o problema humano pode pôr-se assim:
Esboce-se um quadro da personalidade, do quotidiano, do bem-estar físico, moral e mental do operário pouco especializado de Lisboa, da sua facilidade de acesso ao domicílio, ao médico, à escola dos seus filhos, à sua igreja, ao trabalho, à segurança social e ao divertimento.
Biografe-se de idêntico modo o trabalhador agrícola de um quase inacessível lugarejo de qualquer zona pobre do interior do País, o homem que emigra para os bidonvílle da banlieue de Paris. Comparemos as suas vidas e ganhemos consciência do que as separa e até do que há de positivo dentro e em redor do homem do lugarejo distante, e que é preciso não deixar perder. Em cada sector estatal ou privado, a premência do problema imporá soluções e o equilíbrio surgirá entre o primeiro e o terceiro objectivos do Plano: a obtenção da rentabilidade máxima e a sua harmonia com a correcção dos desequilíbrios de desenvolvimento regional.
Sr. Presidente: Se quando falo de turismo sou levado a considerar o arquipélago da Madeira, o mesmo se torna inevitável quando nesta tribuna me refiro a planeamento e desenvolvimento regionais.
É que o turismo é apenas um grande capítulo do desenvolvimento regional da Madeira, zona pobre da metrópole, com direito a prioridade excepcional e que agora vê o seu turismo prejudicato com a desvalorização da libra. Esta prioridade advém-lhe do seu irremediável e duplo condicionalismo: pletora populacional - a mais alta do País, numa região insular pouco industrializável; especificidade económica tão individualizada, adentro do espaço português, que obriga irremediavelmente a uma planificação global a nível regional, a estruturação integral a nível regional, a coordenação económica integral a nível regional e a execução firme e activa também a nível regional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Estes princípios básicos que ao longo das legislaturas os Deputados pela Madeira têm posto ao Governo nesta Assembeia envolvem corolários também irremediáveis.
Na Madeira o turismo é a única indústria possível em larga escala e eixo de outras indústrias acessórias. E, ao ratificar-lhe uma prioridade turística que tem de confirmar-se na promoção e na execução, o Estado veio apenas selar os pergaminhos, a experiência e a descoberta que a ilha própria fizera ao longo de um século da sua própria vocação e potencial turísticos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Conclusão: a correcção do equilíbrio regional que aqui tem de pedir-se ao turismo para ser válida e não representar erro económico tem de ser alicerçada a tempo sobre um planeamento global, em que se sobrevalorize o sector agro-pecuário e se impulsione o produto local. E depois caminhar aceleradamente neste aspecto para uma fase executiva, paralela à que se pede em relação ao turismo. Coordenar todos os potenciais e realizações em curso no arquipélago, prospectar recursos, necessidades internas, capacidade de produção e exportação e possibilidades de apelo ao capital privado e estatal, eis o que há a fazer neste «distrito autónomo», tão específico e individualizado sob o ponto de vista económico como uma pequena
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província de além-mar mutatis mutandis. E isto para que se não crie um perigoso artifício económico. E também para que desapareça a situação paradoxal de uma população excessiva, onde os homens válidos emigram na zona rural, e ali se vejam casas a fechar-se e terras por cultivar, enquanto outras são lavradas por mulheres e velhos.
Nas páginas que a Madeira ocupa no projecto do Plano de Fomento são admiravelmente sintetizadas as suas características fundamentais, donde se tem de partir para um estudo de planificação. Todavia, nota-se as dificuldades que houve em obter elementos de informação suficientes (há actividades que são referidas até ao ano de 1960 e outras, como a produção e comércio de bananas, que nem são mencionadas).
Na verdade, há atrasos e insuficiências a suprir quanto à prospecção económica através de inquéritos e estudos objectivos que noutras regiões do País vão mais adiantados.
Salienta-se a emigração rural para o estrangeiro e a atracção da zona urbana da capital do distrito, que engloba cerca de um terço da população do arquipélago.
Refere-se a pulverização da propriedade agrícola e da exploração pecuária.
Verifica-se a pobreza da indústria, quase toda para consumo local, e a estabilidade, ou seja, o não incremento dos valores das exportações nos últimos anos.
Verificam-se taxas de analfabetismo e índices de escolaridade menos favoráveis do que no continente.
Quantas vezes tenho acentuado nesta tribuna que a Madeira necessita de providências especiais no domínio da educação?!
Reúne-se alguns elementos sobre turismo, cuja influência dominante se acentua quanto ao desenvolvimento da cidade e cuja importância se refere.
Conclui-se pela necessidade, «perante a situação actual e o seu previsível agravamento, pela necessidade de um conjunto de providências que procure harmonizar as condições económico-sociais da Madeira com a progressiva correcção das deficiências verificadas».
Justifica-se, no projecto do Plano, que a Madeira, como os Açores, apesar das suas pequenas dimensões, seja considerada uma região-plano autónoma, em virtude «do seu isolamento, peculiaridade dos seus caracteres humanos e estrutura económica».
E quanto eu disse a respeito das relações do turismo com a agricultura é sintetizado perfeitamente neste período:
Muito embora não sejam totalmente conhecidas as potencialidades deste sector (agrícola), a constituição dos solos, aliada às condições climáticas do arquipélago, indica que as mesmas não se encontram em plena utilização, tornando-se necessário o seu estudo para correcção das deficiências estruturais e modernização das técnicas no sentido de tornar a economia do arquipélago apta a apoiar o desenvolvimento turístico, que de ano para ano se acentua.
Não escapou ao projecto do Plano a situação da pesca, exigindo estudo e actuação urgentes, dada a rarefacção e a brusca subida de preço do peixe no mercado local, nem o desenvolvimento que esta indústria com seus derivados pode atingir para consumo externo e exportação.
O conjunto de potencialidades do arquipélago foi também definido com precisão.
A visão das linhas gerais do planeamento da Madeira no projecto do Plano é incontestavelmente perfeita: predominância do turismo com apoio numa estrutura agrícola modernizada, com valorização dos lacticínios e dos «primores», criação de novas indústrias para diversificação de actividades e incremento do artesanato, com base em matéria-prima local.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não fatigarei mais VV. Ex.ªs insistindo na panorâmica económico-social da Madeira.
Um apelo ao Governo quero fazer desta tribuna:
Que o grupo de trabalho que se dedica ao planeamento das ilhas adjacentes, o único que não é permanente, passe a sê-lo, e se divida em dois subgrupos convenientemente equipados com pessoal, incidindo a sua actuação sobre os arquipélagos dos Açores e da Madeira, respectivamente.
E formulo votos por que os referidos subgrupos tenham possibilidade de actuar adentro dos princípios da orgânica da actividade planeadora que se lê a pp. 30 e 31 do parecer da Câmara Corporativa:
Colaboração das autoridades regionais na elaboração e execução do plano da região respectiva;
Consulta sistemática dos interesses públicos e privados locais, coordenação regional de todos os serviços técnicos localmente competentes e coordenação dos planos regionais a nível nacional para a sua compatibilização global e sectorial.
O desenvolvimento regional da Madeira com o turismo, seu elemento primacial, tem a seguinte característica original: é nulo aqui o relativo antagonismo que referi entre o primeiro e o terceiro objectivos do Plano, antes estes se fundem e se completam.
A rentabilidade máxima da exportação invisível que é o turismo, com a respectiva entrada de divisas, é directamente proporcional ao próprio desenvolvimento regional.
E termino, Sr. Presidente:
Quanto mais aumentarmos o produto nacional nestes seis anos que aí vêm e mais alta for a rentabilidade da produção e obtivermos uma melhor distribuição do seu rendimento pelos Portugueses, quanto melhor corrigirmos os desequilíbrios que continuam a manter pobres as comunidades de certas regiões do País, maior garantia de aguentar o desgaste da guerra no ultramar em defesa das parcelas tão amorosas, tão ricas, tão genuinamente portuguesas, que só quem nunca as viu pode deixar de amá-las como ao Minho ou ao Algarve.
Isto obriga, e o País entende-o, a uma mobilização nacional feita na paz para vencer na guerra.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continuará amanhã, à hora regimental.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 25 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Calheiros Lopes.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Cândido de Medeiros.
Francisco José Roseta Fino.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
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24 DE NOVEMBRO DE 1967 1845
João Mendes da Costa Amaral.
João Ubach Chaves.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José de Mira Nunes Mexia.
José Rocha Calhorda.
José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Leonardo Augusto Coimbra.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Rui Pontífice de Sousa.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
André da Silva Campos Neves.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
António dos Santos Martins Lima.
Artur Águedo de Oliveira.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Jaime Guerreiro Rua.
James Pinto Bull.
José Fernando Nunes Barata.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Manuel Amorim Sousa Meneses.
Manuel Lopes de Almeida.
Rafael Valadão dos Santos.
Sebastião Alves.
Sebastião Garcia Ramirez.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
O REDACTOR - Luiz de Avillez
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA