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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 101

ANO DE 1967 29 DE NOVEMBRO

IX LEGISLATURA

SESSÃO N.º 1O1 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 28 DE NOVEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs. Fernando Gid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira

Nota. - Foram publicados quatro suplementos ao Diário das Sessões n.º 87, inserindo: o 1.º, o texto, aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção, do decreto da Assembleia Nacional sobre o regime jurídico da caça; o. 2.º, os textos, aprovados pela Comissão de Legislação e Redacção, dos decretos da Assembleia Nacional, sob a forma de resolução, acerca das contas da Junta do Crédito Público relativos ao ano de 1965 e da Conta Geral do Estado e das contas das provincias ultramarinas referentes ao mesmo ano; o 3.º, um despacho que designa a comissão eventual para estudar o projecto do III Plano de Fomento e a proposta de lei que lhe diz respeito, e o 4.º, um aviso convocatório para a abertura, extraordinária da Assembleia Nacional no dia 24 de Outubro.

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta, a sessão às 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente informou estarem na Mexa, para os efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Diários do Governo n.ºs 273 e274, inserindo diversos decretos-leis.
Foi lida, na Mesa, a nota de perguntas apresentada, em sessão de 15 do corrente, pelo Sr. Deputado Amaral Neto.
O Sr. Presidente referiu-se às calamitosas inundações registadas em Lisboa c arredores na noite de 25 do corrente e mandou exarar um voto de profundo pesar pelou falecidos.
O Sr. Deputado André Navarro fez considerações acerca dos desastrosos efeitos do temporal da noite de 25 do corrente, apelando para as autoridades administrativas no sentido de não autorizarem construções para habitação sem que satisfaçam a todas as condições; o Sr. Deputado Cazal Ribeiro falou sobre problemas do seguro automóvel.

Ordem do dia. - Continuou o debate na generalidade da proposta de lei relativa à elaboração e execução do III Plano de Fomento.

Usaram da palavra os Srs. Deputados Santos Bessa, Manuel João Correia, António Cruz e Augusto Simões. O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente:- Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Moreira Longo.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.

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Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Henrique Veiga de Macedo.
Horácio Brás da Silva.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
José Vicente de Abreu.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
D. Marra de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Raul Satúrio Pires.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito Lívio Marra Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 68 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

De aplauso à intervenção do Sr. Deputado Elísio Pimenta.
De apoio às palavras do Sr. Deputado Henrique Tenreiro.
Dando o seu acordo às considerações produzidas pelo Sr. Deputado Jerónimo Jorge.

O Sr. Presidente: - Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa os Diários do Governo n.ºs 273 e 274, respectivamente de 23 e 24 do corrente mês, que inserem os Decretos-Leis:
N.º 48 058, que cria na Presidência do Conselho o Secretariado da Reforma Administrativa, cuja incumbência e atribuições são definidas no presente diploma;
N.º 48 059, que define os casos em que é atribuída aos directores-gerais, directores de serviços, chefes de repartição e chefes de serviços externos de categoria igual ou superior à letra H delegação ou subdelegação de competências para a prática de determinados actos;
N.º 48 060, que autoriza a Liga dos Combatentes a emitir, sem encargos para o Estado, estampilhas nos valores de 100$, 200$, 500$ e 2000$:
N.º 48 061, que abre um crédito no Ministério das Finanças a favor do Ministério dos Negócios Estrangeiros destinado a reforçar a verba inscrita no n.º 3) do artigo 21.º, capítulo 3.º, do actual orçamento do segundo dos mencionados Ministérios;
N.º 48 068, que autoriza o Governo, pelo Ministro da Educação Nacional, a aceitar uma importância para fundo de manutenção da Cantina Escolar de João Nuno de Sousa Fernandes Lima, anexa à escola do núcleo de Montedor, freguesia de Carreço, concelho de Viana do Castelo;
N.º 48 073, que revoga a artigo 121.º do Regulamento das Contrastarias, aprovado pelo Decreto com força de lei n.º 20 740:
N.º 48 074. que autoriza o Ministro da Marinha a contratar, em regime de acumulação e com a concordância do Ministro da Educação Nacional, professores universitários para ministrarem cursos do Instituto Superior Naval de Guerra, bem como a nomear dois professores de entre oficiais superiores do Exército e da Força Aérea, um de cada ramo - Inscreve uma importância no orçamento do Ministério da Marinha para fazer face no corrente ano aos encargos resultantes com a execução do presente decreto-lei.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se a nota de perguntas apresentada em 15 do corrente pelo Sr. Deputado Amaral Neto.
Foi lida. É a seguinte:

Nota de perguntas

Considerando a resposta do Governo à nota de perguntas formulada pelo Sr. Deputado Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves no tocante à amortização do custo da Ponte do Marechal Carmona, em Vila Franca de Xira, resposta esta publicada no Diário das Sessões n.º 88, de 7 do corrente mês, a p. 1651, nos termos constitucionais e regimentais, por minha parte pergunto ao Governo, pelo Ministério das Obras Públicas:

1.º Qual a taxa de juro do capital investido e mais condições arbitradas à amortização daquela obra?
2.º Como é contabilizada a amortização do custo da referida ponte?
3.º Há outras obras custeadas por força do Orçamento Geral do Estado, designadamente obras rodoviárias, a que estejam imputa-

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dos encargos de juros do capital investido? Quais são? Em que termos são feitas estas imputações? E as respectivas contabilizações?

Lisboa e Sala da Assembleia Nacional, 15 de Novembro de 1967. - O Deputado, Carlos Monteiro do Amaral Netto.

O Sr. Presidente: - A desgraça da noite de sábado para domingo assumiu as proporções trágicas que todos conhecemos, sofremos e continuamos a sofrer.
O Governo tomou as disposições que julgou mais adequadas na emergência.
As autoridades administrativas, militares e sanitárias, as instituições públicas e privadas, os bombeiros e todos - os do povo - fizeram o que podiam para salvar os irmãos que ainda viviam ou minorar o sofrimento das famílias dos que tinham morrido ou iam morrer.
A estes, aos mortos, devemos uma palavra de piedade; àqueles, uma palavra de agradecimento da Nação.
É a exprimir aquela palavra de piedade que mando exarar no Diário um voto de profundo pesar pela morte dos nossos irmãos que a fúria dos elementos nos roubou, certo de que assim interpreto o sentimento da Assembleia e da Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado André Navarro.

O Sr. André Navarro: - Sr. Presidente: Estão já regelados os corpos dos desditosos mortos da fatídica noite de 23 de Novembro.
Não é, porém, ainda o momento para recriminar e assim para não atribuir só ao imprevisto de uma depressão atmosférica as responsabilidades de tão grande catástrofe.
Lisboa, no seu distrito, perdeu mais de três centenas de preciosas vidas; vidas, muitas delas moças, ainda, na plenitude da esperança de viver, todas elas de actuais ou futuros obreiros, nos mais variados sectores da actividade nacional - nos campos, nas indústrias e nos serviços -, dezenas de braços e dezenas de cérebros roubados à Nação.
E altura, assim, apenas, neste momento, de orar pelas almas dos mortos, de cuidar dos feridos e de dar novos alentos a tantos e tantos lares que caíram na miséria material e em profunda desdita espiritual.
Pela voz do ilustre Ministro do Interior a Nação tomou conhecimento das necessárias e justas providências tomadas pelo Governo para minorar os efeitos de tão grave desastre nacional.
Os movimentos particulares de solidariedade estão também, a cada passo, a mostrar, nos mais variados aspectos, o amor que une todos os portugueses, de qualquer raça ou condição, nos tristes momentos de desdita.
Não é altura de recriminar, disse. Neste momento e dentro deste espírito direi, assim, apenas aproveitem-se, sem perda de tempo e dentro de conveniente orgânica, os meios de comunicação e de informação que o País já hoje dispõe em alto grau, nas cidades e nos campos, para informar e actuar com presteza e com apurado sentido de previsão, usando a rede administrativa e outras para tomar, em devido tempo, as necessárias medidas cautelares.
Que os municípios cuidem também, por sua vez e com a maior urgência, de acabar, sem dó nem piedade, com os negócios de arrendamento e todas as permissões da construir ou levantar, em parcelas ou fazendas, mais barracas e outros frágeis abrigos, pois de vivendas humanas não se trata, decerto. Custa, fora de dúvida, mais ao coração dos dirigentes responsáveis assistir a uma tragédia desta monta, com todo o seu negrume, do que não consentir, rigidamente e em quaisquer circunstâncias, à sua génese.
E julgo que não recrimino, ainda, dizendo que tão grave exemplo - o da desolada noite de 25 de Novembro - foi mais um sério aviso aos planeadores regionais, urbanísticos e outros, de que é muito perigoso desconhecer ou olvidar perigos potenciais ocasionados pelo homem imprevidente e imprudente. E isto nos mais variados graus da hierarquia da responsabilidade pública.
Rezemos assim pelos mortos; façamos votos pelo rápido restabelecimento dos feridos; ajudemos os necessitados e cuidemos, com ciência e consciência, dos vivos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Gazal Ribeiro: - Sr. Presidente: Quando em princípios de Janeiro do ano corrente - estávamos então em pleno 2.º período legislativo da actual legislatura - fazendo-me eco do imenso clamor que provocara a alteração inesperada (inesperada para o grande público, claro está) das tarifas mínimas do seguro automóvel então em vigor, longe estava eu - embora o julgasse de utilidade - da repercussão que nesta Assembleia o caso viria a ter.
Com efeito, em princípios deste mês, o Sr. Deputado Cunha Araújo voltava ao assunto e ilustrando-o com um flagrante exemplo passado consigo próprio, lamentava que tudo estivesse a processar-se como fora previsto para além de 1 de Janeiro de 1967, isto apesar da nota do Ministério das Finanças, através da qual se suspendia oficialmente a entrada em vigor das novas tarifas mínimas e das demais novidades no seguro automóvel, criando-se para o efeito uma comissão que deveria rever o assunto a fim de este voltar novamente à indispensável sanção ministerial.
Realmente, após isto, pensou-se, ou melhor, pensaram aqueles que sobre a matéria não são especialistas, que só depois de a referida comissão se pronunciar, e sobre o seu parecer se obter novo despacho do Ministério das Finanças, entrariam em vigor as novas tabelas.
Mas como as tarifas vigentes eram as mínimas, as companhias seguradoras devem, ter acordado entre si a aplicação de outras, pelo menos para os novos segurados. O assunto pode parecer de enorme simplicidade, mas não o seria tanto que não obrigasse o Grémio dos Seguradores a fazer a consulta ao Ministério, para modificação dos mínimos então em vigor, facto de que, aliás, não restam quaisquer dúvidas.
Quanto ao regime a aplicar àqueles cujos seguros eram renovados, como de costume, tacitamente, julgo terem sido muito poucos os que viram alterar unilateralmente o contrato em vigor.
Não foi, porém, o que aconteceu com o nosso ilustre colega Cunha Araújo, e por isso ele entendeu dever, nesta Câmara, referir o assunto com pormenores técnico-jurídicos, que na minha santa ignorância na matéria, me escapam, mas que são, com certeza, muito pertinentes. Ao fim e ao cabo, o que aquele Sr. Deputado desejava era que o assunto ficasse definido, isto é, que se soubesse quais os resultados a que chegara a comissão nomeada para o efeito e, sobretudo, qual o despacho que dera sobre o seu parecer S. Ex.ª o Ministro. Em suma: queria

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saber, e com justificada razão, a lei em que vivemos quanto às tabelas referentes ao seguro automóvel.
Posteriormente, e com singular limpidez de ideias e de intenções, pronunciou-se o ilustre Deputado Rocha Calhorda, afirmando, como se tal fosse necessário para garantir o significado da sua intervenção, não ser accionista de nenhuma companhia de seguros, embora tivesse a sua actividade profissional ligada, em Angola, a uma delas. E justificou o seu ponto de vista sobre a matéria, versando, entro outros factos apontados, a impossibilidade de as companhias, dado o aumento constante de encargos resultantes não só da sua actividade, como do crescimento assustador do número de sinistros e do custo cada vez maior das reparações dos veículos acidentados (e outros de toda a ordem), continuarem a cobrar as tarifas mínimas oficialmente em vigor, mas que deveriam ter sido alteradas, por conveniência das empresas seguradoras, a partir de 31 de Dezembro de 1966: o que afinal parece ter vindo a suceder, apesar da intervenção ministerial já referida.
Há dias, outro ilustre Deputado, o Doutor Tito Arantes, num exaustivo trabalho primorosamente circunstanciado, demonstrou, por seu turno, a impossibilidade de as companhias seguradoras, cujo lucro global (global entre si mesmas e abrangendo todos os ramos) era muito inferior àquele que obtém certo número de bancos de per si; se me não falha a memória, referiu-se a cerca de meia dúzia.
Depois de ouvir atentamente mais este valioso e claro testemunho sobre a matéria, fiquei convencido daquilo que, aliás, admitira quando da minha primeira intervenção: a indispensabilidade de serem revistas, ou melhor, actualizadas, as já célebres tarifas mínimas para o seguro automóvel.
Acrescentou ainda, porém, aquele ilustre Deputado que a comissão nomeada para o efeito entregara o seu relatório a S. Ex.ª o Ministro das Finanças no dia 17 de Abril próximo passado, isto é, há mais de sete meses, e que no meio segurador se aguardava, a todo o momento, que fosse conhecida a decisão final.
Entretanto, o problema fora entregue no Ministério das Comunicações, que sobre ele teria qualquer palavra a dizer.
Pois, como acima afirmei, e uma vez que a teimosia não é o meu maior defeito, tenho de admitir que, realmente, as tarifas em vigor desde 1927 tenham de ser revistas, mas continuo a não compreender, e a lamentar (sobre certos pormenores não fiquei esclarecido), que o Grémio dos Seguradores não tenha incluído na revisão, tão cautelosamente estudada e, em princípio, aceite pelo Ministério das Finanças, algumas condições que tornassem menos duras as outras que se pretendia pôr em vigor e que poderiam dar aos automobilistas, por exemplo, a certeza, de se julgarem protegidos quando os seus carros, parados ou em marcha, são abalroados por outros cujos condutores não têm seguro (porque não é obrigatório), nem possibilidades de pagarem seja o que for, e que, no primeiro caso, são muitas vezes desconhecidos. É claro que quando um automobilista bate num carro parado e depois foge não ficaria identificado pelo facto de ter seguro obrigatório contra terceiros; o que é muito possível, porém, é que fugissem menos, uma vez que haveria quem por eles pagasse. E não me parece de admitir que entre nós. especialmente, exista tendência para a «fraudezinha» de que há dias ouvi aqui falar. E quando assim fosse, pergunto: serão só os segurados a praticá-la? Não há memória de que alguma entidade seguradora o tenha feito? Julgo que em todos os sectores há de tudo, tanto cá como lá fora ... Mas, adiante.
Talvez que na altura própria, como acima referi, ao Grémio tivesse sido possível obter aquilo que nesta Assembleia não foi aprovado em 1936, segundo creio ter ouvido dizer: o seguro obrigatório contra terceiros.
É crível, assim me foi afirmado, que o aumento do valor global dos prémios do ramo automóvel resultante do seguro obrigatório não desse às companhias seguradoras compensação relevante, uma vez que, aumentando o volume dos riscos e naturalmente o volume dos pagamentos por acidente, estes não cobrissem aqueles, mas o que me parece que poderia suceder, através do benefício que da obrigatoriedade desejada resultaria para o público, seria a justificação, até certo ponto, dos maiores encargos que pelas novas tarifas se lhe exige.
Quanto à franquia, se fosse facultativa, nada teria a objectar, porque então seria resultante de um acordo previamente estabelecido entre o segurador e o segurado, e este, se a adoptasse, pagaria certamente menos, como, aliás, sucede nos outros países. Eu, por mim, aceitá-la-ia, se a diferença de prémios fosse razoável, porque, com a mesma franqueza e lealdade com que os ilustres Deputados Cunha Araújo, Rocha Calhorda e Tito Arantes se referiram, um no seu caso pessoalíssimo outro à sua condição de director de uma seguradora, e. finalmente, o último à sua situação, de advogado e presidente da assembleia geral de uma outra seguradora, eu devo dizer que, embora como os três ilustres colegas não tivesse sido o interesse pessoal o motivo da intervenção verificada, possuo um carro de desporto (resto de verduras de uma mocidade já distante), e teria o seu seguro agravado, segundo creio, em cerca de 80 por cento. Se tal suceder, desistirei do seguro ou, quem sabe, talvez do carro ...
Há uma coisa, contudo, de que me permito discordar no discurso brilhantíssimo do Doutor Tito Arantes e que muito me ajudou a apreender melhor o problema: é pretender dissociar-se, na actividade seguradora de uma empresa, os lucros obtidos em determinados ramos dos eventuais prejuízos verificados noutros! Em qualquer indústria ou actividade comercial existem produtos mais lucrativos que outros. Há mesmo casos em que se perde deliberadamente no fabrico ou na venda de alguns produtos indispensáveis, embora possa ganhar-se mais noutros; e não me parece que os compradores destes possam ser considerados as grandes vítimas dos compradores dos outros.
Ninguém se estabelece para perder dinheiro, é certo, e vão longe os tempos das «queijeiras de cristal» que o nosso Jacinto de A Cidade e as Serras queria mandar construir em Tormes ...
Admito que os lucros nos seguros dos ramos «Vida», «Incêndio», «Marítimo» e outros lhe cheguem, em muitos casos, para cobrir os prejuízos do ramo «Automóvel» (e daí a minha aceitação ao princípio do aumento de tarifas), mas dissociar, repito, aquilo que constitui um todo na actividade de uma empresa parece-me um pouco difícil de sustentar ...
Seja como for, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que é indispensável é que conheçamos a lei em que vivemos e haja coragem de definir posições para bem das empresas seguradoras, se for justo o pedido formulado, mas nunca em prejuízo do público, se algo estiver errado, ou sequer exagerado, nas novas tarifas reclamadas.
É necessário que tudo se esclareça e o público, aquele que constitui a grande maioria e possui carros utilitários (os outros que se governem! ...), possa, a par de um prémio mais elevado, contar, como defesa, com a obrigatoriedade do seguro contra terceiros e lhe seja facultativa a franquia, o tal sistema de defesa (das seguradoras) tão antipático quando é imposto.

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Isto para não falar noutros benefícios, para os segurados, que são agora anulados ou diminuídos. Refiro-me ao bónus de frota (para o qual passam apenas a contar os veículos pesados) e ao prémio resultante de não se terem registado acidentes, e que passa a receber-se apenas ao segundo ano ... de sorte.
Resta-me apenas, ao terminar, juntar mais uma vez u minha humilde voz à dos ilustres Deputados que na matéria intervieram, pedindo a rápida resolução de um assunto cujo protelamento não prestigia ninguém.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa à elaboração e execução do III Plano de Fomento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Santos Bessa.

O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: Depois de me debruçar sobre o projecto do III Plano de Fomento, enviado pelo Governo a esta Assembleia, sobre alguns dos pareceres subsidiários e sobre o parecer definitivo da Câmara Corporativa, também eu, como muitos dos Srs. Deputados que me precederam na sua análise, trago ao Governo as minhas felicitações e os meus agradecimentos.
Tal como os demais planos que o antecederam, este vem demonstrar, sem sombra de dúvida, a continuidade de uma política de restauração económica feita sem sobressaltos, nem eclipses, e vem abrir novas perspectivas para um Portugal melhor. Sem tolher a economia privada, que é, como ali se afirma, o verdadeiro motor do nosso desenvolvimento, o Plano é simples orientador do desenvolvimento e progresso do País inteiro, a caminho da estruturação de uma economia cada vez mais progressiva em todo o espaço português e que visa, simultaneamente, uma repartição do rendimento mais equilibrada e uma progressiva correcção dos desequilíbrios de desenvolvimento verificados em várias regiões.
Temos de recebê-lo com júbilo, pelo que demonstra e pelo que promete.
Seis anos desta guerra que somos forçados a suportar, em defesa da nossa história, da nossa civilização, dos nossos direitos e da nossa honra, têm servido, por um lado, para reforçar ainda mais a união dos portugueses de aquém e de além-mar e, por outro, não foram capazes de abalar a nossa economia, nem de nos impedir de prosseguir no mesmo ritmo as nossas obras de fomento, de impulsionar fortemente o desenvolvimento das nossas províncias ultramarinas e metropolitanas, de melhorar continuamente as condições de vida dos Portugueses e de criar novas fontes de riqueza.
Este III Plano de Fomento vem mostrar exuberantemente a solidez da nossa economia e a clara previsão da nossa política.
Estão justificadas, portanto, as felicitações e os agradecimentos a que me referi e que lhe respeitam:
Felicitações pela amplitude dos problemas encarados; pela clareza com que são expostos; pela marcante representação e valorização do factor humano; pela demonstração do valor de uma política de enriquecimento contínuo da Nação, estruturada de maneira a poder resistir às incidências das injustiças, das incompreensões e das ambições de tantos povos e aos desgastes das guerras que nos movem;
Agradecimentos pelo esforço que a sua elaboração representa e pelos benefícios que forçosamente hão-de resultar da sua integral aplicação e que se traduzirão em mais riqueza, melhores condições de vida e ainda mais sorte coesão nacional.
Sr. Presidente: Por causa das limitações do tempo e das minhas próprias, não analisarei aqui senão alguns reflexos do que no Plano consta acerca da saúde e do planeamento regional, e, neste, não sairei do Mondego, essa região natural que domina económicamente os povos que aqui represento.
Médico como sou, não posso deixar de afirmar o prazer que senti ao verificar como neste III Plano de Fomento se salienta a preocupação de defender e de valorizar o elemento humano. Tanto pelo que respeita à saúde como pelo que toca à educação, ele tem uma posição relevante.
O homem é, como já o afirmaram o Dr. Nunes Barata e tantos outros economistas, «um capital acumulado». Os investimentos consagrados à sua protecção e à sua valorização não terão rendimento imediato, como o de tantas indústrias, porque são investimentos a longo prazo, mas são de resultados seguros e com certeza dos mais reprodutivos. A valorização do elemento humano é problema essencial na vida das nações, seja qual for o ângulo por que ela se analise. Está na consciência de toda a gente o que representa a valorização integral do homem, em obediência a princípios morais superiores, e também a influência que tem a saúde da grei no desenvolvimento da nossa economia.
Já em 1950, no programa da Organização Mundial de Saúde, se assinalou que:

Os técnicos da saúde afirmam, desde há muito, que o desenvolvimento económico e a saúde pública são inseparáveis e complementares e que o desenvolvimento cultural, social e económico de uma comunidade e o estado de saúde são interdependentes.

O direito à saúde é hoje reconhecido universalmente, e a nossa Constituição também o inclui nos direitos dos Portugueses e nos deveres do Estado. No Plano, afirma-se claramente que a «saúde constitui um dos aspectos fundamentais do bem comum e nela reside um direito que entrou de facto na consciência dos povos».
Por tudo isto, o Estado tem de garantir as condições necessárias para que o indivíduo possa «atingir, manter ou recuperar um estado de saúde que se traduza em bem-estar físico e mental».
Estamos numa época em que podemos falar não só de manter e recuperar a saúde, mas até de melhorá-la, pois desde há anos que se tem, não um conceito negativo de saúde, mas um conceito positivo - a saúde deixou de ser ausência da doença para ser um estado positivo de bem-estar físico, mental e social.
Por isso mesmo ela se pode concretizar por graus, quer dizer: haver mais ou menos saúde, mesmo sem sê estar doente.
Pelas mesmas razões, em vez de nos limitarmos a combater a doença, podemos hoje promover a saúde.
Foi com o Plano Intercalar de Fomento que a saúde surgiu, pela primeira vez, considerada como factor de fomento.
Volta agora, novamente, o Governo, dentro de uma louvável linha de orientação de política sanitária, a incluir a saúde neste III Plano de Fomento, mas, desta vez, com notável alargamento de horizontes em relação ao dê

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1965-1967. E, mais do que isso, pretende garantir que agora está assegurada, quanto aos projectos previstos, «a sua inserção na orgânica coordenadora da programação do desenvolvimento económico e social». Graças a «uma preparação mais eficaz e que, sem dúvida, se fez em moldes mais compreensivos e sistematizados».
E é bom que assim seja, para ver se se evita o que aconteceu com a aplicação do Plano anterior. O próprio Governo o reconhece quando escreve que se espera que a execução deste III Plano marque progresso sensível, nos métodos e realizações, em relação ao que se pôde conseguir no triénio de 1965-1967.
Temo-nos sempre batido, nesta Câmara e em outros locais, por que os problemas de saúde pública sejam considerados como sérios problemas políticos nacionais. No nosso país, graças a Deus, a saúde pública vai interessando cada vez maior número de indivíduos nos vários sectores nacionais -médicos e não médicos- para quem, até aqui, os seus problemas eram indiferentes.
As novas gerações deixaram de ver na saúde pública a sua feição exclusivamente burocrática e na medicina, não apenas a medicina curativa, mas também a medicina preventiva e a medicina social. O relatório das carreiras médicas, apresentado em 1961 e defendido intransigentemente pela Ordem dos Módicos desde então, é a demonstração irrefutável do que acabo de afirmar.
O acesso dos problemas de saúde aos planos de fomento é produto do labor e da visão do actual Ministro da Saúde, e, por isso mesmo, aqui lhe rendo as minhas homenagens.
Reconhecemos com prazer, no que toca a investimentos previstos neste sector da saúde, que saltamos dos 380 000 contos do Plano Intercalar para os 2 337 500 contos deste III Plano. É certo que o primeiro dizia respeito a três anos e que este se destina a seis. Mas, mesmo assim, se duplicarmos os 380 000 contos, temos 760 000 contos, e, portanto, há ainda a favor do actual uma diferença de 1 500 000 contos, que representam bem o esforço do Governo para impulsionar os problemas da saúde nacional.
No entanto, a despeito destes 1 500 000 coutos a mais, podemos recordar, como, aliás, se repete no douto parecer da Câmara Corporativa, que as medidas que se propõem traduzem mais «uma decisão deliberada para a progressiva resolução das carências ainda existentes» do que, propriamente, uma resultante directa da aceleração do nosso ritmo geral de desenvolvimento.
Não encontramos no projecto do Governo uma pormenorização da política de saúde, mas sómente a enumeração dos pontos essenciais. Não a encontramos, nem seria de esperar tal coisa.
Seria erro copiar textualmente o padrão do que se faz quer nos países desenvolvidos, quer nos que se encontram em vias de desenvolvimento, e sê-lo-ia também apresentar qualquer plano de linhas rígidas para seis anos. Cada país há-de adaptar os seus planos de saúde pública às suas próprias condições e conforme as doenças que nele são dominantes, as características de vida da sua população - desde a habitação à higiene e ao nível económico, etc. -, o seu nível de instrução, a sua necessidade de educação sanitária, etc. E eles hão-de ter a mobilidade necessária para se irem adaptando às flutuações que se vão registando de ano para ano.
O padrão dominante das doenças e das causas de morte já não é hoje o mesmo que possuíamos ainda há poucos anos. Podemos afirmar que estamos numa época de viragem e ninguém nos poderá dizer quais são os problemas sanitários mais prementes daqui a pouco tempo.
As doenças infecto-contagiosas, que dominavam o nosso panorama sanitário e eram a nossa maior preocupação, passaram a segundo plano, mercê dos antibióticos e de outras drogas e por via de um melhor nível sanitário da preparação, de vacinas mais bem toleradas e mais eficazes. Estes meios fizeram baixar espectacularmente as taxas que as representavam.
Pelo contrário, outras, como, por exemplo, as que correspondem às doenças cardiovasculares, ao cancro e às doenças do colagénio, sobem assustadoramente.
À compita com estas e a levar-lhes a palma estão aí, em crescendo assustador, os acidentes da mais diversa natureza, as intoxicações da mais variada índole e hábitos perniciosos já intensamente radicados.
A este cortejo, e em jeito de lhe tomar a dianteira, juntam-se as perturbações mentais.
A prevenção torna-se cada vez mais necessária, mais ampla e mais difícil. A educação sanitária há-de ter uma representação cada vez mais importante em saúde pública.
Para levar a cabo em boas condições o que está contido neste Plano há que garantir aos serviços de saúde uma estrutura conveniente. E têm os nossos serviços, actualmente, a estrutura capaz de pôr em marcha, com a necessária amplitude e o indispensável ritmo, o que aqui se promete?
Sem a mais ligeira alusão a quantos são responsáveis pelos nossos serviços de saúde, graças a Deus em bom nível, a despeito da modéstia das suas dotações e da escassez numérica do seu pessoal, julgo dever dizer que a, moderna saúde pública não se faz exclusivamente com médicos burocratas, tem largos horizontes e neles cabem os mais variados problemas, a exigir a colaboração activa de médicos sanitaristas, de engenheiros sanitários, de biologistas, de toxicologistas, de bioestatistas, de bacteriologistas, de virulogistas, de parasitologistas, de sociólogos e ainda da colaboração activa e consciente dos clínicos. Estes problemas não se resolvem com a simples atribuição de recursos financeiros. São os homens que contam, com a sua preparação técnica adequada, como se diz no parecer.
Na reorganização que há a fazer, há que conciliar as nossas possiblidades económicas com as nossas extraordinárias carências nesse sector, mas há também que realizá-la à luz dos modernos conceitos de saúde pública, adaptados já há cerca de quinze anos pela Organização Mundial de Saúde e que são uma adaptação da antiga definição de Winslow.
O Instituto do Dr. Ricardo Jorge e a Escola de Saúde Pública e de Medicina Tropical podem constituir dois magníficos pilares do edifício com que há que dotar o País.
Quanto ao primeiro, o Governo confessa que está a preparar-se o respectivo projecto, em execução do Plano Intercalar de Fomento, «não tendo sido possível caminhar mais rapidamente em virtude de dificuldades surgidas quanto à sua localização e da necessidade de preparar um programa cuidado ...º. Por mim, não faço comentários; limito-me a recordar perante a Câmara o próprio texto do Governo.
Quanto à Escola de Saúde Pública, tal como ao Instituto do Dr. Ricardo Jorge, temos o direito de esperar que ela seja valioso elemento para a investigação e para o ensino, para o aperfeiçoamento dos técnicos, para o esclarecimento de muitos problemas sanitários.
A Escola pode ser também um elemento valioso para o esclarecimento e para a radicação dos nossos conceitos de saúde pública, preparando pessoal que venha a ser colaborador activo e consciente na solução dos nossos problemas sanitários. Para tanto, é preciso que ela se não

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isole e LU torre de marfim, que se abra de par em par pura a colaboração com as demais instituições e que ela não seja «um arremedo de instituição universitária», como já se avisou no parecer do Plano Intercalar de Fomento. Felizmente para nós, estas instituições estão dirigidas por sanitaristas esclarecidos, experimentados, actualizados. Ponto é que a burocracia lhes não tolha os movimentos!

Apoiados.

Há anos que esperamos pela lei orgânica do Ministério da Saúde, pelo estatuto hospitalar e enfim, pela execução de várias bases aprovadas por esta Assembleia e que foram transformadas na Lei n.º 2120. Talvez porque ainda se não publicaram esses textos, se tenha atrasado a solução de muitos dos nossos problemas sanitários e se não tenham aproveitado convenientemente as possibilidades do Plano anterior.
Porque se espera? Qual a razão por que se não faz essa publicação ? Sei que a culpa imo é do Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Salazar Leite: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça o obséquio.

O Sr. Salazar Leite: - Peco-lhe, Sr. Deputado, que me desculpe a pergunta que desejaria fazer-lhe, mas ela baila de há muito no meu espírito e aproveito a oportunidade e os conhecimentos de V. Ex.ª para me procurar esclarecer.
Não crê V. Ex.ª que na existência conjunta da Escola Nacional de Saúde Pública e de Medicina Tropical e do Instituto do Dr. Ricardo Jorge, a que se referiu, possa advir uma duplicação de serviços, acarretando um aumento de despesas para atingir idêntica finalidade? Julgo que a coexistência dos dois organismos pode acarretar dificuldades, tanto mais que, dependendo eles de três Ministérios, surge uma possibilidade de choque entre as respectivas burocracias, que pode ser prejudicial.
Esta a observação que me permito apresentar, esperando que um esclarecimento seja possível.

O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª a sua intervenção, mas, em vez de lhe dar uma resposta, pergunto se V. Ex.ª, por ser um distinto professor do Instituto de Medicina Tropical, onde se instalou a Escola de Saúde Pública, não estará em melhores condições do que eu para dar a resposta a essa pergunta.
Um requerimento que aqui fiz há muitos meses pedindo ao Ministério das Finanças várias informações ainda não teve resposta.
E nesse requerimento já eu perguntava quais as razões por que se não publicavam a tal lei orgânica e os diplomas complementares. Aproveito agora o ensejo para dizer que desta atitude resultam, com certeza, atrasos deploráveis da nossa organização sanitária, os quais se podem traduzir em graves prejuízos para a Nação.
O Ministério da Saúde e Assistência, para executar o necessário, não pode continuar tolhido à espera de uma autorização que se protela excessivamente, porque tem de contar com o tempo necessário para o recrutamento e a preparação de pessoal e para criar as condições indispensáveis à sua estabilidade.
Este pessoal tem de ter uma preparação técnica longa e delicada e não se improvisa como o das secretarias e o da Administração. Além disso. não é com o baixo nível da sua remuneração, como até aqui tem acontecido, que se recruta e retém pessoal técnico capaz.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O Governo sente as dificuldades no que toca a médicos e a pessoal de enfermagem e corajosamente o afirma no Plano. Mas procura tranquilizar-nos, dizendo que o problema tem merecido a melhor atenção e que confia na execução de medidas a curto prazo e em «providências de outra ordem que hão-de permitir ultrapassar as dificuldades actuais». Não no-las disse. Aguardemo-las, confiadamente.
De entre os elementos considerados no Plano quero ainda focar particularmente o que respeita à tuberculose, à assistência materno-infantil e às carreiras médicas.
No capítulo da luta contra a tuberculose, tenho receio de que se tenham criado ilusões no seio do Governo. Esse receio justifica-se pelo confronto dos investimentos destinados à luta: em vez dos 52 000 contos que o Plano Intercalar lhe atribuiu para três anos, temos agora, neste III Plano de Fomento, 33 450 contos para seis anos. Receio que a baixa da taxa da mortalidade pela tuberculose e o facto de podermos dispensar a outros serviços algumas das camas destinadas a receber tuberculosos tenham originado uma mudança substancial de atitude na luta que temos de continuar a travar contra esse flagelo social. O que é verdade é que, a despeito das conquistas realizadas, a doença não está vencida! Ainda há pouco, o ilustre director do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos escreveu, com inteira verdade:

Só com esforços conjugados de quantos abnegadamente se dedicam a proteger a saúde dos Portugueses será possível atingir a meta que pretendemos alcançar: conseguir que o nosso índice de tuberculose, que actualmente (1966 - números provisórios) se encontra em 27, baixe a valores de 3 ou 4, como se verifica ma Holanda, Canadá ou Israel.

Subscrevo esta afirmação porque considero que a tuberculose é, ainda hoje, entre nós, como em muitos países do Mundo, um grave problema de saúde pública. Em muitos deles foi, durante muitos anos, flagelo social.
No conceito de um grande tisiologista, a quem a luta antituberculosa no Mundo tanto deve - Étienne Bernard -, a tuberculose só deixa de ser flagelo social quando a sua taxa de mortalidade atingir 2 por cento da mortalidade geral.
A Dinamarca, desde há dezassete anos, pode vangloriar-se de o ter conseguido. Outros lhe seguiram no encalço. Portugal vai em bom caminho para o conseguir, e consegui-lo-á, se nós quisermos.
O objectivo da luta é a erradicação da doença. Há poucos anos, depois do Congresso de Toronto, já aqui defendi as vantagens e a necessidade da instituição de uma política de erradicação da tuberculose. Continuo fiel às mesmas ideias.
A luta que iniciámos há alguns anos, e que tem sido coroada de tão bons resultados, tem de prosseguir no mesmo ritmo e com o mesmo entusiasmo. Abrandá-la ou abondoná-la é comprometer tudo o que temos conquistado! Tenho esta redução de verbas como fruto de ilusões que nos podem ser muito prejudiciais. A nossa cobertura assistencial não se exerce senão sobre 62 por cento dos concelhos da metrópole e 80 por cento da sua população. Há que levar a todos os recantos de Portugal

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os nossos meios de combate. A taxa de mortalidade por tuberculose tem de passar dos 27 pelo menos para os 10 por 100 000 habitantes, se não para os 3 ou 4, como diz o director do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos.
A endemia, cuja intensidade se pode exprimir pelos casos novos de tuberculose e pela alergia tuberculínea de infecção das crianças, é ainda muito elevada. O nosso material de radiorrastreio e muitos dos carros estão a pedir substituição, depois de muitos anos de trabalho em péssimas condições. Tudo isto são razões que me levam a pedir ao Governo que reveja a sua posição em matéria de investimentos para a luta antituberculosa, para evitar que uma falsa ideia de economia venha comprometer a solução de um problema sanitário da maior importância para o País. Têm de ser votadas as verbas necessárias e de lhes ser reconhecido o carácter prioritário.
Agrada-me, sobremaneira, o projecto do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos de ajustar os meios de luta às nossas actuais condições.
Volvidos quase 70 anos sobre a fundação do nosso primeiro dispensário antituberculoso, que se deve à rainha D. Amélia e que é coevo do primeiro dispensário francês - o de Lille -, depois de toda esta longa experiência na luta contra a «peste branca», agrada-nos verificar que o dispensário continua a ser a peça essencial da luta antituberculosa. Reconheceu-se, no entanto, para que ainda melhores possam ser os resultados da sua acção, que se tornava necessário dar-lhe uma outra organização, torná-lo mais dinâmico: equipá-lo capazmente, garantir-lhe antenas móveis, atribuir-lhe uma função activa mais intensa no campo da profilaxia. Os postos avançados dos centros dispensariais pretendem garantir-lho.
Quanto à protecção materno-infantil, nada tenho que rectificar ao que aqui tenho dito, por várias vezes, a respeito das leis de meios, das contas públicas ou dos planos de fomento.
Aplaudo quanto se diz a este respeito, porque é um dos sectores mais carenciados e aquele que maiores e mais graves repercussões tem na saúde pública e na economia nacional.
Num país que tem as mais altas taxas de mortalidade infantil da Europa, que está sofrendo o envelhecimento contínuo da sua população e que tem cerca de 50 por cento dos partos sem assistência de médico ou de parteira, não se pode deixar de louvar quantos se propõem resolver ou atenuar esta deplorável situação.

Vozes: - Muito bem!

Orador: - Sr. Presidente: A estruturação das carreiras médicas de saúde pública e hospitalar aparece aqui, pela primeira vez, como programa do Governo. Sabe a Câmara como, desde há anos, venho defendendo a necessidade da sua estruturação. É assunto que constitui política basilar da Ordem dos Médicos desde 1961, porque entendeu que, através delas, poderia conseguir um duplo objectivo: a garantia de condições para elevação da qualidade da medicina e para a própria melhoria profissional, social e científica dos médicos. Às comissões que elaboraram os relatórios das secções regionais e o relatório final, aos dois bastonários que presidiram aos destinos da Ordem desde então - os Profs. Jorge Horta e Lobato Guimarães - e a muitos outros médicos se deve esse documento que o Ministro Martins de Carvalho considerou «ímpar na história da nossa Administração» e que «representa a maior contribuição que, até hoje, que eu saiba, alguma profissão deu ao Governo para a resolução dos seus problemas».
Foi pela sua mão que as «carreiras» foram introduzidas no Estatuto da Saúde e Assistência, que a Câmara aprovou. Agora, vencidas algumas incompreensões e dificuldades, o Ministro Neto de Carvalho, também convencido da necessidade de as estruturar, incluiu-as neste Plano de Fomento, assegurando-lhes verbas que não foram consignadas no Plano Intercalar.
Porque estou convencido dos grandes benefícios que essas «carreiras» virão trazer à melhor qualidade da nossa medicina e ao rendimento social da actividade profissional dos médicos, aqui rendo as minhas homenagens ao Governo pela decisão tomada, a despeito do que pensam aqueles que julgam que elas não têm adequado enquadramento num plano de fomento.
Outro tanto direi das carreiras de enfermagem.
Sr. Presidente: Quero agora dizer algo sobre planeamento regional e sobre o problema do Mondego, já tantas vezes exposto nesta Assembleia. Confrontando este III Plano de Fomento com o que o precedeu, fico com a impressão de que se operou uma modificação profunda na política seguida pelo Governo, com manifesto retrocesso pelo que respeita ao Mondego.
Os povos da minha região têm vivido sempre confiados em promessas feitas pelo Governo sobre a resolução do problema fundamental que os domina - o do aproveitamento integral do Mondego para fins múltiplos.
Os Deputados pelo círculo de Coimbra trouxeram aqui, através do notável aviso prévio do Dr. Nunes Barata, e em cuja discussão intervieram, para o valorizar ainda mais, outros Deputados por outros círculos, o panorama real de todo aquele rico património nacional, em via de rápida e deplorável deterioração, fizeram a demonstração do que significa a riqueza potencial que ele contém e que tanto poderia vir beneficiar aquela região e este país e demonstraram a necessidade do seu urgente aproveitamento para fins múltiplos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No parecer do Plano Intercalar (22/VIII) pediu-se «um plano de desenvolvimento da região do Mondego, um plano de auxílio a uma região deprimida que, tudo indica, sem impulso exterior, continuará constituindo um dos nossos mais graves problemas regionais e, como reflexo, um problema nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E, no entanto, a região do Mondego contém em si reservas magníficas de recursos humanos e naturais, que apenas aguardam ideias inovadoras que vençam as barreiras de penosos factores de inércia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O rio, desde sempre abandonado, bem pode ser a força criadora de actividades que estanquem o êxodo da sua gente e limitem a fuga de capitais».
Como ali se diz, e ninguém duvida, a região do Mondego «assume a feição de espaço crítico diminuído» e «a situação deste trecho médio do continente é tanto mais chocante quanto é certo que nem a localização litoral que deveria favorecer o distrito de Coimbra, situado entre as duas zonas evoluídas de Lisboa e do Porto, representa qualquer efeito de um favor geográfico».
A agricultura do vale do Mondego está numa situação que afoitamente se pode designar de anemia progressiva. Ela não poderá, sem auxílio substancial que modifique

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totalmente as condições existentes, evitar a ruína total de uma riqueza de incalculável valor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Os campos do Mondego, outrora ubérrimos, estuo votados a total inutilização.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Reconhece-o claramente a Corporação da Lavoura, quando preconiza «a execução imediata do plano de rega do Mondego, atentas as suas múltiplas finalidades, em que há que destacar a defesa de um património valiosíssimo, em via de rápida degradação».
Sobre a necessidade da constituição imediata de um pólo de desenvolvimento no Mondego manifestaram-se abertamente o Deputado Ulisses Cortês, ilustre Ministro das Finanças, e o Prof. André Navarro. Sobre o valor energético potencial que ele contém e a necessidade do seu imediato aproveitamento manifestou-se aqui, entre outros, com o poder da sua excepcional competência em tais assuntos e com o seu admirável senso prático, o nosso ilustre colega Virgílio Cruz.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estou, portanto, em muito boa companhia para dizer à Câmara que lamento que este III Plano de Fomento não inclua os investimentos necessários para as obras de aproveitamento integral do Mondego.
Eu sei que ali se diz:

Em seguimento do previsto no Plano Intercalar, dar-se-á início às obras de aproveitamento hidroagrícola do Mondego, que permitirão, no futuro, a defesa, enxugo e rega de 14 930 ha de terras ricas do seu vale.
Para se atingirem tais objectivos, as obras primárias serão a construção de duas barragens, dominando parte importante das bacias do Mondego, Dão e Alva.

E sei também que se afirma a respeito da electricidade:

Reconhece-se, além disso, a conveniência de encarar o início, durante a vigência do Plano, dos aproveitamentos, para fins múltiplos, do Mondego (1.º escalão) e do Guadiana, em data a fixar oportunamente, com prioridade para o primeiro...

A Câmara Corporativa, no seu douto parecer, afirma que:

Considera insuficiente a verba global atribuída aos aproveitamentos hidroagrícolas, sendo certo que a falta de discriminação do modo de emprego dos 430 000 contos programados «para outros aproveitamentos» impede qualquer apreciação fundamental.

Nesta afirmação se contém todo o nosso receio de que com o III Plano de Fomento aconteça ao Mondego o que já aconteceu com o Plano Intercalar, tanto mais que não se descortinam no Plano às opções de política agrária que estejam no pensamento do Governo ou que venham a está-lo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Seja-me permitido, Sr. Presidente, deixar aqui uma palavra de não concordância com esta concepção do Plano no que respeita ao planeamento regional, dividindo o País arbitrariamente em quatro zonas, com base administrativa, fazendo tábua rasa das regiões naturais criadas pelos rios e por outros elementos.
A região do Centro passa a abranger seis distritos para efeitos de planeamento regional, como para efeitos da luta antituberculosa ou da aplicação das medidas assistenciais. Por mais que procure, não encontro unidade nesta região para efeitos de planeamento regional. Como diz Perroux e como também o sustentam outros tratadistas, «a região há-de ser um conjunto homogéneo de estrutura - célula de um desenvolvimento económico equilibrado».
A Câmara Corporativa, no seu douto parecer do Plano Intercalar, pedia «um plano de desenvolvimento da região do Mondego».
Agora esta região ficou submersa ou foi fagocitada por esta nova região do Centro.
Toda a gente sabe que o Mondego, atravessando as Beiras, cria uma região natural que abrange três distritos - Guarda, Viseu e Coimbra, uma parte do de Aveiro e uma parte do de Leiria.
Os problemas que a afectam têm uma base comum u podem ser resolvidos com a solução do problema do seu elemento natural fundamental - o Mondego.
O Mondego origina por si próprio uma região natural que nada tem que ver com os problemas de desenvolvimento regional dos distritos de Castelo Branco e de boa parte dos de Aveiro e de Leiria.
Sr. Presidente: Estou convencido - e cada vez mais - de que não será possível assegurar o desenvolvimento das Beiras sem o aproveitamento integral do Mondego, como aqui afirmou o Deputado Virgílio Cruz, e que ele é a «grande alavanca para o arranque decisivo».
Tenho como certo que os estudos do planeamento regional do Mondego são os que estão mais avançados. Foram orientados por técnicos de indiscutível valor e a eles aderiram muitos outros elementos, técnicos e diligentes, animados do maior entusiasmo e de muito boa fé.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É uma verdade indiscutível que o rio Mondego deve constituir a nossa primeira grande aplicação do planeamento regional, constituindo a Universidade de Coimbra a cabeça desse extraordinário pólo de desenvolvimento de uma extensa, pobre, mas magnífica, região do coração de Portugal.
As águas do Mondego pertencem integralmente à sua região natural e são absolutamente necessárias, na sua totalidade, à valorização da região.
A região contém em si todas as possibilidades técnicas para a solução deste problema, sem necessidade da intromissão abusiva de outras organizações particulares que lhe são estranhas, como já aqui o afirmei.
Por tudo isto me atrevo a pedir que o Governo reveja o problema, de modo a garantir os investimentos e a prioridade para o aproveitamento integral do Mondego, incluindo nele o porto da Figueira da Foz, respeitando os interesses e os direitos criados e tendo em vista o rápido desenvolvimento de toda a região das Beiras.
Entendo que não é este o momento de pormenorizar vários aspectos deste problema, alguns dos quais foram dolorosamente sentidos pelos povos do meu distrito.
Sr. Presidente: Não me consente o tempo regimental abordar outros problemas de grande interesse nacional que se contêm neste Plano.

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A despeito das reservas que acabo de expor, com toda a sinceridade e com o mais elevado espírito construtivo, dou a minha aprovação na generalidade a este III Plano de Fomento.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Manuel João Correia: - Sr. Presidente: Foi aqui nesta mesma tribuna que um outro Deputado, ao pronunciar-se sobre um outro Plano de Fomento, disse, numa advertência que o futuro confirmou tragicamente:

... na verdade, tenho o sentimento de que, no meio desta confusão política internacional e na calma nacional em que vivemos, nos encontramos rodeados, espreitados, por perigos que nos podem atingir.

Isto foi dito em 1958. Tinha razão Sarmento Rodrigues quando proferiu aquelas palavras, que ele próprio não quis que se interpretassem como um apelo dramático. Mas os factos é que vieram confirmar, dramaticamente, que eram certos os seus vaticínios, quando, decorridos menos de três anos, na manhã de 15 de Março de 1961, o terrorismo ensanguentou sinistramente a nossa província de Angola, espalhando a morte, a desolação, a dúvida, e mostrando, com dura realidade, todos os perigos de que tínhamos estado rodeados.
Dizia então Sarmento Rodrigues, numa previsão do nosso futuro, que o ultramar tudo merecia, «como essência da razão de ser da Nação Portuguesa».
De facto, assim é. O ultramar tudo merece - todos os esforços, todas as renúncias, todos os sacrifícios -, porque representa a verdadeira base da vida e da expansão futura da Nação. E, se assim não pensarmos e neste sentido não actuarmos, estaremos atraiçoando as gerações que nos hão-de suceder.
Tudo o que signifique a defesa do ultramar, a sua conservação integral, tudo o que impulsione o seu desenvolvimento económico e social, tudo o que contribua para o revigoramento dos laços que o unem à metrópole, deverá estar na primeira linha das aspirações e das realizações da Nação.
Mas os perigos continuam a espreitar-nos. Ontem, como hoje, os perigos que nos rodeavam continuam a rodear-nos, numa ameaça constante, contra a qual teremos de lutar sem repouso até os conseguirmos debelar.
É isto o que estamos a fazer? Sim, isto é o que estamos a fazer. Estamos lutando com o mesmo ardor dos primeiros tempos. Mas é preciso não descansar um momento, é preciso não aliviar o esforço que estamos despendendo, é preciso que nos convençamos de que os perigos ainda não estão afastados e de que as ameaças continuam a manter-se.
Por isso, nunca como hoje subi a esta tribuna com uma noção tão nítida da dura responsabilidade que pesa sobre o Deputado. Não é por se tratar da apreciação de mais um plano de fomento, embora seja um plano que, pela grandeza dos empreendimentos previstos, mereça que o olhemos com respeito. É por se tratar precisamente de um plano que tem de ser diferente dos outros, por vir numa hora da vida nacional em que as realizações têm de ser decisivas; é por se tratar de um plano que tem de alcançar metas económicas e sociais que não podem sofrer adiamento; é por se tratar de um plano que tem de contribuir fortemente, pela conquista dessas mesmas metas, para a criação de condições que promovam o afastamento dos perigos que hoje nos rodeiam e nos preocupam.
Ora, será justamente com maiores investimentos no ultramar que poderemos atingir aquelas metas.
E em Angola e em Moçambique que a Nação terá de expandir-se inteiramente e realizar-se em todas as expressões da vida nacional.
As dezenas de milhares de emigrantes que todos os anos abandonam a metrópole com destino a países estrangeiros têm de ser canalizadas para o nosso ultramar. Desenvolvendo os recursos económicos de Angola e Moçambique, criaremos condições para a instalação desses emigrantes, evitando a perda de uma das maiores riquezas da Nação.
Este III Plano de Fomento deveria mesmo constituir a fase preparatória de uma infra-estrutura que servisse de esteio, no decurso do IV Plano, a um grande esquema de povoamento de Angola e Moçambique.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - São os altos interesses nacionais, o futuro da grande comunidade portuguesa, que ingentemente reclamam o aproveitamento dessa grande corrente migratória que não podemos continuar a perder. Não consintamos que esta situação se mantenha. Encaminhemos esse valioso capital humano para as nossas províncias de Angola e Moçambique, consolidando a nossa posição em África.
Houve um dia, que ficará na nossa história como um dos momentos mais decisivos e mais importantes para o futuro dos Portugueses, na hora triste e amarga da eclosão do terrorismo, em que o Presidente do Conselho, Sr. Prof. Doutor Oliveira Salazar, apontando na direcção do continente africano, ordenou emocionadamente à Nação: «Para Angola, e em força!»
Pois os nossos soldados, obedecendo à ordem que lhes era transmitida, marcharam para Angola, no cumprimento de um dever, abandonando as suas ocupações e suas famílias. Mais tarde sucedeu o mesmo com Moçambique e com a Guiné. E, quer nas fronteiras de uma província, quer nas das outras, quer nas fronteiras de Angola, quer nas fronteiras do Norte de Moçambique, quer da Guiné, o nosso exército, batendo-se heroicamente numa luta extenuante e dura, tem defendido a integridade do território nacional, derrotando e fazendo recuar os que pretendiam estabelecer e espalhar a subversão. Mas a luta que travamos, como todos os combates ditados pela estratégia da guerra, precisa de ser continuada e consolidada pela ocupação de obras de paz.
Por isso, para que os resultados obtidos e a obter sejam duradouros, é talvez chegado o momento, à semelhança da ordem transmitida à Nação pelo Sr. Presidente do Conselho naquele sombrio, mas decisivo, dia de Abril de 1961, de gritarmos bem alto este novo incitamento. Para Angola e para Moçambique, e em força! Mas agora em força com pessoas; em força com capitais; em força com técnica; em força com novos empreendimentos; em força com boas vontades; em força com fé - a fé profunda de que a Nação é algo mais, é muito mais, do que esta nesga de terra aqui no extremo da Europa, nesga de terra que todos amamos enternecidamente, como Portugueses, mas que é apenas o começo de Portugal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Portugal, pode dizer-se, é mesmo mais África do que Europa. Portugal é esta Nação incompa-

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rável e única de territórios e povos diferentes, mas unidos pelo elo forte de uma unidade política.
Mas, Sr. Presidente, para que o Plano possa executar-se inteiramente, para que consigamos atingir os objectivos previstos, é factor imprescindível que a respectiva cobertura financeira não sofra qualquer deterioração. Isso poderá comprometer gravemente toda a execução do Plano, perdendo-se os altos fins tidos em vista. Tenho apreensões a este respeito, e deixo-as aqui, numa pequena nota, como uma advertência construtiva. Oxalá que os meus receios sejam infundados e que os factos venham desmentir inteiramente as minhas preocupações.
Diga-se, em boa verdade, no que respeita a Moçambique, que se obterão resultados da maior importância se os executores do Plano conseguirem realizar todos os empreendimentos previstos. Esses resultados terão uma incidência decisiva num maior progresso e desenvolvimento da província, permitindo um crescimento anual do produto interno bruto de cerca de 7 por cento.
Mas, repito, é preciso que não faltem os recursos financeiros.
Sr. Presidente: Ditas estas palavras como intróito, permita-me V. Ex.ª que faça algumas considerações sobre diversos aspectos do Plano.
Começarei por me referir ao sector da agricultura.
Em matéria de fomento agrícola, pode dizer-se que são modestos os investimentos inscritos no Plano. Modestos os investimentos e restrito o programa de trabalhos previsto.
Da leitura do projecto, na sua forma sintética, pouco pode deduzir-se acerca do que se pretende realizar. Valeu ao Deputado o estudo dos relatórios sectoriais - alguns merecedores de publicação - elaborados em Moçambique.
Vê-se que se pretende fomentar as culturas do algodão (sequeiro), com 79 824 contos; do caju, com 44 955 contos; do milho (também de sequeiro), com 61 600 contos; da banana, com 95 020 contos; e dos citrinos, com 5700 contos. Estes cinco investimentos totalizam 287 099 coutos, cabendo à bananicultura a percentagem, que me parece elevada, de 32,9 por cento. Pré vê-se seguidamente um investimento de 279 250 contos em pequenos regadios para o desenvolvimento das culturas do trigo, do arroz, do milho e do algodão, e ainda para a reconversão de outros regadios já existentes e da criação de novas áreas.
Esta verba, porém, foi reduzida pela Câmara Corporativa paru 44 000 contos. E, por fim, recomendam-se medidas a tomar com o fomento de outras culturas, mas não se inscreveram verbas específicas para o seu desenvolvimento. Estão neste caso o açúcar, o amendoim, u copra e outras oleaginosas, o chá, o tabaco, o trigo, o arroz, o quenafe e o sisal. Ficam assim sem cobertura de investimento algumas culturas importantes, o que é pena.
Estão também previstos outros investimentos ainda relacionados com a agricultura, mas que se destinam especialmente ao povoamento. São as verbas destinadas a custear as despesas das brigadas da Junta Provincial de Povoamento e da Brigada do Limpopo. Inscreveram-se para a primeira 261 500 coutos, e para a segunda, 145 000 contos. O parecer da Câmara Corporativa, porém, respinga - e com razão - por se não discriminarem os dispêndios previstos para as brigadas dá Junta Provincial de Povoamento e remete aquela verba - para não propor pura e simplesmente a sua eliminação - para uma nova rubrica a denominar «Aproveitamentos de fins múltiplos e hidroagrícolas a estudar e executar pelos Serviços Hidráulicos e outros serviços da província».
Bem avisada andou também a Câmara Corporativa lembrando os novos Serviços Hidráulicos, que foram completamente esquecidos no Plano. Não se lhe atribuíram verbas que os habilitem a efectuar os estudos que lhes estão cometidos ou que o venham a ser. Mas pergunto: com que recursos financeiros vai contar II Junta Provincial de Povoamento para manter as suas brigadas? Vai simplesmente extingui-las?
Não quero pronunciar-me sobre aquelas brigadas, cujos intuitos já tive mesmo oportunidade de elogiar. Mas não posso deixar de dizer que a. sua actuação tem sido muito prejudicada pela falta de meios com que crònicamente lutam. Esta situação anormal tem-se repercutido profundamente no seu trabalho, não lhes consentindo atingir os objectivos que lhes foram fixados e tornando improdutivas as elevadas somas de vencimentos pagos aos seus funcionários.
Nada vejo para opor - e apoio mesmo inteiramente os investimentos que acima mencionei -, mas parece-me que seriam de recomendar maiores investimentos no fomento das culturas do algodão, do caju e no desenvolvimento dos pequenos regadios e um menor investimento, por exemplo, na bananicultura. Parece-me exagerada u pouco realista a verba que se propõe para o fomento bananícola. Passar-se, bruscamente, num curto período de seis anos, de uma exportação anual de 16 000 t para uma exportação de 100 000 t. com incerteza de mercados, que teriam de ser conquistados, e grandes dificuldades no transporte, julgo ser um pouco precipitado. Um esforço desta natureza estaria bem se não houvesse mais nenhuma cultura a fomentar em Moçambique. Embora a banana deva ser a fruta que mais se consome no Mundo, como se diz no anteprojecto do Plano, não nos esqueçamos de que, por esse motivo mesmo, existem grandes produtores, solidamente instalados nos melhores mercados de consumo e apoiados numa máquina comercial que será difícil derrubar. É que se pensa, também na futura exportação da banana de Moçambique para alguns desses mercados, em concorrência com os gigantes da produção mundial.
Não parece que as perspectivas do mercado mundial mostrem tendência para a abertura de brechas por onde possa introduzir-se a produção de Moçambique. Segundo só lê num artigo publicado no número de 31 de Agosto último do Fundexport, a expansão do comércio bananícola «deverá afrouxar nos próximos dois ou três anos». Aponta o autor do artigo como uma das razões a diminuição do consumo per capita na Europa ocidental e nos Estados Unidos cia América. Diz que este consumo atingiu cerca de 9 kg, «pelo que futuros incrementos serão provavelmente muito pequenos».
Será certamente orientação defensável incrementar A exportação para a metrópole, pois o seu consumo per capita é muito baixo, apenas de 3,6 kg. Mas penso que será aconselhável, na primeira fase do desenvolvimento da bananicultura em Moçambique, refrear a ambição de conquista de certos mercados estrangeiros, tentando um aumento de produção que correria, depois o risco de perder-se.
Permita-se-me mesmo uma palavra de estranheza perante o relevo que se dá à bananicultura. Em qualquer hipótese, o investimento de 95 020 contos (para que serão os 20 contos?) no fomento da cultura, da banana, parece muito exagerado, quando, por outro lado, se verifica a ausência completa de investimentos para o impulso de outras culturas ou então investimentos insuficientes.
Vou agora fazer uma pequena referência à cultura, do algodão.
O algodão é a primeira cultura de Moçambique. É o seu ouro branco. É cultivado por cerca de 500 000 pequenas empresas familiares. É, por conseguinte, uma cultura

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de base. Além de encontrar em Moçambique óptimas condições ecológicas para a sua cultura, tem mercado assegurado para o escoamento da produção. Salienta-se no anteprojecto do Plano que «o espaço económico português consome actualmente cerca de 85 000 t de algodão-fibra, metade das quais são importadas do estrangeiro por cerca de 1 milhão de contos anuais».
É, portanto, inteiramente viável e de valioso reflexo económico e social o investimento previsto para o fomento da cultura desta planta. Esperam os autores do projecto que Moçambique consiga atingir em 1973 uma produção de algodão que lhe proporcione um aumento na entrada de divisas da ordem dos 500 000 contos anuais. Esta contribuição terá muito valor no equilíbrio de uma balança de pagamentos que corre um grave risco de deterioração.
Acentua-se no mencionado anteprojecto que «Moçambique tem condições para um aumento substancial da produção algodoeira, acrescendo que esta cultura é, para muitas regiões da província, praticamente a única que pode servir de base económica para a sua ocupação agrícola». Deve salientar-se que a cultura do algodão pode assim ter um efeito decisivo na ocupação económica e demográfica de vastas regiões do Norte de Moçambique, tão necessitadas de que essa ocupação se faça sem demora e de modo efectivo e permanente. Sei bem que essa ocupação abrange um largo círculo de problemas que não são fáceis de resolver e que envolvem investimentos avultados e o sacrifício dos executores dos programas que a traçaram. Mas a execução destes programas, dos que foram estudados para o Plano e dos que precisam ainda de ser estudados, não pode sofrer demoras, para que não tenhamos um dia de lamentar erros que serão mais filhos da inércia e da falta de iniciativa e de coordenação do esforços - esforços perdulàriamente desperdiçados - do que propriamente da escassez de meios financeiros.
Prevê-se que a produção actual de 130 000 t de algodão-caroço aumente, em 1973, para 200 000 t. Isto significa que os 400 000 contos que presentemente são pagos aos produtores crescerão, por este motivo, para 750 000 contos. Este incremento no circuito monetário terá forte repercussão no revigoramento do pequeno comércio do interior. Bem merece também este auxílio o modesto comerciante do mato, que sempre tem sido um agente de desenvolvimento nas mais remotas paragens do vasto território da província, onde, por vezes, a seu presença humilde representa a única nota de civilização. Imitando o seu exemplo de ocupação, outros se estabeleceram nas proximidades da sua loja, outros se fixaram no lugar. A pequena povoação transformou-se em aldeia, a aldeia na vila e esta, depois, na cidade - algumas das belas cidades que são hoje uma nota de verdadeiro orgulho do nosso ultramar. Foi isso que fizemos no Brasil; é isto que estamos a fazer em Angola e em Moçambique.
Outros sectores das actividades da província beneficiarão igualmente desse aumento de produção. Designemos os transportes, o consumo de insecticidas - que já começaram a fabricar-se em Moçambique e poderão assim desenvolver-se largamente -, as fábricas de extracção de óleos, o movimento dos portos e os transportes marítimos.
Um dos empreendimentos interessantes visados no Plano é o de se conseguir a produção de 6000 t de algodão-caroço, com regadio, por 1000 agricultores evoluídos. Pode ser um contributo valioso no aspecto do povoamento.
Disse que o fomento da cultura algodoeira merecia investimentos de maior vulto. Não tenho dúvida de que os merece. Mas direi que, se as verbas previstas forem
integralmente investidas, sem distorção dos programas que se estabelecerem para o fomento da cultura, poder-se-ão alcançar, no fim do período do Plano, resultados compensadores.
E passo a referir-me à produção do caju.
É do conhecimento geral a importância que o caju representa hoje no domínio da produção agrícola e industrial de Moçambique. Daí a esperança que se deposita na futuro da sua produção.
Registo com apreço que finalmente o caju foi objecto de interesse da parte de um plano de fomento (é esta a primeira vez). E ainda bem que o foi, porque isso apenas significa que se acabou por reconhecer que, dispensando-lhe cuidados, a sua produção melhorará. A este respeito, diz-se no anteprojecto do Plano que «a forma mais eficiente e rápida de promover o aumento de produção da castanha de caju é desenvolver uma campanha no sentido de serem dispensados aos cajueiros existentes os cuidados mínimos que qualquer espécie exige para dar produções compensadoras».
É neste sentido, portanto, que vai procurar fazer-se o fomento da produção, criando brigadas chefiadas por um prático agrícola e constituídas por um certo número de capatazes, que actuarão nas regiões onde existe maior densidade de cajueiros. Com esta medida, que tem o meu aplauso, pretende aumentar-se a produção para 200 000 t anuais. Isto corresponderá a um aumento de 70 000 t acima da produção actual, o que pode considerar-se, para começo, uma boa meta.
Vê-se no respectivo relatório sectorial que Moçambique - hoje o maior produtor mundial de castanha de caju - possui mais de 31 milhões de cajueiros, com uma produção média de cerca de 4 kg por árvore. Mas mais poderia ter se os agricultores, sobretudo as pequenas empresas familiares, se dedicassem à plantação ordenada de cajuais, não se limitando apenas à colheita do fruto das árvores que nasceram espontaneamente. Bastaria aumentar para o dobro a produção média por árvore, dedicando-lhe cuidados, para se conseguirem resultados que ultrapassariam todas as expectativas.
São os cuidados a ter com os cajueiros existentes um dos principais objectivos que se pretende atingir através da actuação das brigadas previstas no anteprojecto do Plano. Mas estas brigadas poderiam - e deveriam - também incentivar o autóctone a fazer plantações ordenadas, em terreno que lhe fosse definitivamente concedido por aforamento, nos termos regulamentares. Estas plantações poderiam servir de base a outras actividades agrárias, nomeadamente à pecuária, cujas produções, com o tempo, viriam a pesar no volume da produção geral da província. Não deveria perder-se esta oportunidade de valorização do agricultor autóctone. As brigadas poderiam desempenhar um papel muito importante neste sentido, quer proporcionando assistência técnica, quer até orientando a comercialização.
Falando de comercialização, direi que deveria evitar-se, a todo o custo, a deterioração do preço a pagar ao produtor. Se não se atender a este aspecto melindroso da questão, será inútil criarem-se brigadas para o fomento da produção, porque ela baixará inexoravelmente, pois os produtores não colherão o fruto e muito menos cuidarão das árvores.
Como incentivo, melhorando o preço a pagar ao produtor, deveria ser abolida a taxa de $50 por quilograma que incide sobre o caju exportado. Mas, no caso de a mesma se manter, fazê-la reverter inteiramente para o fomento da produção, o que hoje não sucede.
E tal a esperança que se põe no cajueiro - a árvore tantos anos ignorada no seu enorme valor económico,

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abandonada e negligenciada - que se afirma já que ela constituirá, no futuro, a base da primeira exportação de Moçambique. Vamos assistir, nos anos que se aproximam, a uma emocionante corrida entre o caju e o algodão. Quem ganhará? Ganhará, por certo, a província, a detentora, destes dois valiosos produtos.
E agora duas palavras acerca da cultura do quenafe.
Esta cultura não é contemplada no III Plano de Fomento. Apenas, por memória, se anota a sua presença.
Ora Moçambique - diz-se num dos relatórios sectoriais - tem na agricultura uma das suas actividades mais preponderantes. Lance-se um rápido olhar para o quadro das exportações da província e logo se verá que é na agricultura que se apoia toda a estrutura do seu comércio externo de exportação. Concluir-se-á, portanto, que não podem ser descurados os problemas da agricultura, como tantas vexes tem sucedido e continua a suceder. Todas as culturas susceptíveis de desenvolvimento e do revigoramento de uma economia assente numa produção perigosamente pouco diversificada, sujeita a grandes e inesperadas oscilações de preços nos mercados externos, deveriam ter merecido um cuidadoso enquadramento nos objectivos que se pretende alcançar através do Plano.
Ora o quenafe reúne essas condições e qualidades, mas, como disse, figura no Plano apenas por memória. Não se apresentou projecto para o desenvolvimento da sua cultura; fazem-se apenas recomendações. Mas explicam-se os motivos. E é aqui, precisamente, que discordo do conformismo que se adoptou.
O desenvolvimento da cultura do quenafe em Moçambique diz-se no relatório sectorial da agricultura] constitui uma aliciante hipótese a considerar no esquema geral de desenvolvimento da agricultura de Moçambique e só não se aconselha o seu imediato fomento em larga escala por não estar totalmente resolvido o problema da maceração.
"Ë este problema da maceração que me leva a fazer alguns comentários, tanto mais que dele depende o desenvolvimento de uma cultura que, como acima se diz, é vista como uma aliciante hipótese no esquema do desenvolvimento da agricultura da província.
Sabe-se que a maceração pelo actual processo biológico é demorada, e dispendiosa, obrigando ao transporte de grandes massas vegetais para os lugares onde se processa a operação: lagoas, represas ou rios. Este factor torna limitante II produção do quenafe. Mas estudos efectuados recentemente parece terem demonstrado ser viável o processo da maceração em poucos dias. ou mesmo, segundo se acentua, até em poucas horas. E necessário, porém, proceder a experiências para o ensaio do novo processo, com recurso à montagem de uma instalação piloto.
Toda a questão gira, portanto, à volta dos meios financeiros para a montagem desta instalação destinada a fins experimentais. Calcula-se o seu custo em cerca de 1200 contos. ÏÍ esta, pelo menos, a verba que estranho não ver inscrita no Plano, para que se montasse a dita instalação piloto, se fizessem as experiências necessárias e se chegasse a uma conclusão acerca do novo método.
Não sou eu que digo que o valor económico do quenafe pode ter as incidências mais favoráveis no desenvolvimento da província. E de um relatório sectorial que serviu de base à elaboração do próprio Plano que resultam estas conclusões. Consideram-se nesse relatório praticamente ilimitadas as suas possibilidades de exportação, depois de satisfeitas as necessidades de consumo interno - consumo que tem tendência para aumentar no fabrico de sacos para o acondicionamento de produtos.
Pré vê-se a hipótese de Moçambique poder incrementar a sua produção até um limite vizinho das 100 000 t anuais, cujo valor seria da ordem dos 600 000 contos.
Moçambique e Angola poderão consumir cerca de 14 000 t por ano de fibras moles. As necessidades da metrópole andam à roda das 30 000 t anuais; as da República da África do Sul e da Rodésia são de 70 000 t; e só a Europa consome 500 000 t por ano.
Estes números convencem e justificariam plenamente um pequeno investimento de 1200 contos necessários para a montagem da instalação piloto a que me referi. Faço, por isso, votos por que as complicações burocráticas e, por vezes, certos critérios erróneos não impeçam que a dita instalação se monte com brevidade e que os seus resultados permitam o desenvolvimento da cultura do quenafe.
Deveria deter-me ainda na apreciação de outras culturas que também figuram no Plano. Mas, se. o fizesse, esta intervenção tomaria proporções que não caberiam no tempo regimental. Terei, portanto, que limitar os comentários que desejaria fazer sobre a matéria. Direi, no entanto, que me parecem também restritos outros investimentos inscritos no Plano para o fomento de algumas culturas, a pena, por exemplo, que não seja mais amplo o projecto para o fomento dos citrinos, para os quais os distritos de Lourenço Marques e a região do Chimoio possuem óptimas condições de cultura; que não sejam mais enérgicas as medidas tendentes à solução do problema do tabaco, cuja cultura poderia representar uma apreciável riqueza se se conseguissem remover obstruções que dificultam a sua exportação para a metrópole e para o estrangeiro; que se não provejam medidas e investimentos para o melhoramento e aumento da produção do amendoim, o qual já pesou fortemente na balança económica da província.
Há indícios de que esta oleaginosa vai entrar numa fase de recuperação. Foi, sobretudo, o aviltamento dos preços pagos ao produtor que o levaram a desinteressar-se da sua cultura.
Mais uma vez, como em muitos casos conhecidos, se tem a prova de que o preço razoável é o melhor impulsor da produção. Pague-se o preço justo, que o agricultor produzirá. Impõe-se a instituição de uma política de preços em Moçambique como incentivo para a produção, não apenas do amendoim, mas de muitos outros produtos agrícolas.
Durante muito tempo os preços pagos ao produtor foram prejudicados por estar impedida de extrair óleo desta oleaginosa uma fábrica instalada precisamente no centro da maior zona de produção. Por este motivo, o amendoim produzido, por exemplo, no distrito de Moçambique, isto é, no Norte da província, era industrializado em Lourenço Marques, ou seja no Sul. Isto quer dizer que o óleo destinado à exportação ficava sujeito ao encargo de uma despesa supérflua: o frete de cabotagem, que ó, por vezes, tão dispendioso como o próprio frete oceânico. Era um freto inserido à força no custo de um produto que teria de competir no mercado externo com a concorrência de outros óleos ou mesmo do próprio óleo de amendoim. Esta anomalia teria forçosamente de ter repercussões no preço a pagar pela matéria-prima destinada à industrialização. Era o agricultor, por conseguinte, a primeira vítima de uma descoordenação de que ele não tinha culpa. E a produção, naturalmente, teria de baixar, levando-o a interessar-se por outras culturas mais rendosas.
Esta situação modificou-se, mas há ainda outros aspectos que precisam da atenção das entidades competentes e de serem resolvidos, se desejarmos, de facto - e penso

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que desejamos -, não só aumentar a produção, mas também obter um melhor rendimento. O amendoim é ainda hoje descascado à mão. Isto numa época em que a técnica domina todas as actividades e a máquina foi introduzida na agricultura como uma das suas melhores alavancas de progresso. O descasque manual do amendoim, moroso e ineficaz, provoca um enorme desperdício de mão-de-obra a qual poderia ter mais útil aproveitamento noutras formas de trabalho.
O Grémio dos Industriais de Óleos ou o Instituto dos Cereais (é este Instituto o organismo disciplinador da cultura desta oleaginosa) bem poderiam adquirir o produto em casca, descascando-o em instalações apropriadas.
Embora tenha dito há pouco que era meu intuito não me alongar no capítulo da agricultura - tão cheio de interesse e tão repleto de problemas -, queria ainda dizer uma palavra acerca da cultura do milho.
Depois de ter sido, durante longos anos, exportadora deste cereal, a província de Moçambique declinou para uma posição altamente dificitária, passando a importar todos os anos, para a consumo interno, cerca de 30 000 t de milho, no valor de 50 000 contos. Mas connosco, que. por mais que, nos esforcemos, falhamos amiudadamente nos planeamentos e nas previsões, o milho, que nos faltava, passou agora a sobrar, começando a criar problemas de comercialização. E até, segundo informações que me chegam, problemas de certo vulto. E que, entre outras dificuldades, a província não dispõe de uma rede de silos - aliás acertadamente previstos no Plano - onde guarde a sua produção de milho em ocasiões, como a presente, em que um abundância inesperada e a falta de mercados riflo permitem o seu rápido escoamento.
Estão previstos no Plano 61 600 contos para o fomento da cultura de sequeiro do milho, sem contar com os investimentos que também o beneficiarão nos projectos de regadio.
Porém, em face do panorama que se apresenta, parece de aconselhar uma política de prudência nas medidas de fomento desta cultura, até que se tornem menos anuviados os horizontes e mais prometedoras as hipóteses de exportação. Deveria trabalhar-se, de momento - e nisto pôr-se toda á força de uma energia bem orientada-, no aumento de produção para o consumo interno. No aumento e no melhoramento das variedades de maior produtividade: Depois, à medida que se conseguissem romper as obstruções, deveria então aumentar-se gradualmente a produção, com vista ao abastecimento de mercados carecentes, de entre os quais destaco a metrópole, com a sua volumosa importação anual do estrangeiro de 250 000 t.
Vou agora fazer uma referência sucinta a outra actividade do sector: a silvicultura.
Aqui. o Plano conduz-nos a meditações preocupantes. Pode dizer-se, e não se falta é verdade, que não tem qualquer relevância - uso o vocábulo na sua expressão mais lata o que se tem feito em Moçambique em matéria da silvicultura. Deram-se apenas uns passos, titubeantes e incertos, e caiu-se numa apatia que não tem, nem pode ter, qualquer explicação. E o que é pior é que no Plano que estamos apreciando continuam a registar-se na mesma apatia, o mesmo desinteresse e a mesma vocação crónica para os passos titubeantes.
Para o fomento da silvicultura - cujo título aparece pomposamente no sector I do capítulo IV do Plano - inscreveram-se apenas 1500 contos (para a plantação de resinosas). Não posso deixar de manifestar a minha surpresa e o meu desgosto pela inscrição de verba tão restrita. É mais feliz Angola, que neste domínio, foi contemplada com 36000 contos.
Contudo, não foi assim que inicialmente os autores do Plano encararam o fomento silvícola de Moçambique. A dotação inscrita no anteprojecto compreendia mais 113 900 contos destinados a inventariação florestal, verba que foi posteriormente amputada, no retoque final do Plano, por necessidade de compressão dos investimentos previstos.
Aceitaria uma redução de investimentos ria silvicultura - qualquer redução fundamentada, nisto como em qualquer outro capítulo do Plano-, mas não a amputação pura e simples do investimento total previsto para um determinado empreendimento, como se a silvicultura nada representasse na vida económica de Moçambique, presente e futura, mas sobretudo futura, pois, a continuar-se com um critério desta natureza, será bem pobre o património silvícola que legaremos ás gerações vindouras.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Levanto, pois, o meu protesto, esperando que ele encontre um eco no bom senso de quem possa remediar esta lamentável situação.
Não peço que se faça no sexénio do Plano a inventariação completa, dos recursos florestais de todo o território da província. Mas que se faça, ao menos, a inventariação do um ou dois dos seus distritos, daqueles em que á destruição da floresta seja mais aguda e reclame medidas enérgicas e imediatas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Acentua-se no anteprojecto do Plano «que um inventário florestal, a par de uma fiscalização eficiente, é indispensável para se poder introduzir um mínimo de ordem no caos em que se encontra a exploração dos recursos florestais».
É esta falta de fiscalização - para não falar na indesculpável falta de repovoamento - que quero sobretudo salientar. A fiscalização e a conservação da floresta, a defesa contra a sua destruição implacável, exigem a criação de serviços de apoio dotados de meios suficientes. Esta falta de fiscalização reflecte-se perniciosamente nas próprias reservas florestais criadas pelo Estado. Nestas reservas, onde a fiscalização é palavra VH, praticam-se grandes derrubas para fins agrícolas. Na reserva de Mecuburi. por exemplo, as derrubas e culturas são exercidas «em quase toda a sua área de cerca de 180 000 ha», diz-se num relatório.
Existem em Moçambique 13 reservas florestais com a área de 523 607 ha.
Ora, para todo este enorme património florestal e ainda para a orientação e fiscalização das explorações concedidas às empresas privadas, fora das reservas, as quais compreendem, em todo o vasto território da província, 151 concessões, com a área total de 1 077 428 ha, existem apenas dois engenheiros silvicultores e dezasseis guardas florestais. Decididamente, ou estamos apenas a fingir que nos interessamos pela silvicultura ou então algo de muito errado prevalece em Moçambique neste campo da vida agrária.

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As consequências desta situação caótica (utilizo o termo que serviu de fundamento aos autores do Plano), situação que começa já a fazer-se sentir, terão ainda maiores repercussões no futuro - futuro que aliás parece estar muito próximo -, quando a indústria e os exportadores não conseguirem obter a madeira de que precisarem.
Tem-se desbastado, arruinado, destruído impiedosamente, a floresta, sem que medidas drásticas tentem estabelecer uma disciplina, sem que se laça o repovoamento das espécies derrubadas, sem que se lixe e se respeite um critério de utilização das madeiras, aproveitando as melhores para os melhores trabalhos, e nunca ao contrário, como se faz frequentemente, num desbarato e num desperdício que dá a triste ilusão de que somos um povo inconscientemente rico e dissipador, como que na imitação do milionário que. por desfastio, acendia cigarros com notas de banco.
Diz-se no relatório sectorial da silvicultura que a falta de ordenamento nos moldes de exploração, como se tem feito, é ruinosa para o património florestal, pois não garante a perpetuidade do capital lenhoso, deixando sem fiscalização a possibilidade de regeneração das espécies mais valiosas. É assim - continua a dizer-se no mesmo relatório - que «já hoje se começa a sentir uma certa penúria na- nossa espécie mais valiosa, a umbila (Ptero-carpus angolensis), revelando alguns madeireiros de Manica e Sofala a intenção de ir explorá-la no distrito da Zambézia, dada a, escassez que se começa a verificar naquele distrito».
Não posso deixar de registar aqui um comentário amargo. Poderão os madeireiros de Manica e Sofala, esgotadas as reservas do seu distrito, ir procurar a umbila na Zambézia ou mesmo nos outros distritos mais ao norte da província, como já sucede. Mas, a não se opor um travão forte à desordem em que se vive, o dia chegará em que essa- madeira valiosa, como a designam os técnicos, se esgotará completamente, não só no distrito de Manica e Sofala, como já sucedeu, mas nos outros distritos da província.
Eu gostaria de poder responder a uma pergunta que a mim próprio estou fazendo: quantas umbilas, em matéria de repovoamento, os Serviços Florestais de Moçambique plantaram, em todos estes anos, a coberto da taxa que, para esse efeito, o Estado cobra dos madeireiros?
É melhor não perguntar. Para quê? Para se assistir porventura a um encolher de ombros de apatia?
Sabe V. Ex.ª com que madeira são construídas, em Moçambique, as carroçarias dos camiões?
Pois é com umbila. a madeira valiosa (no dizer dos técnicos), a madeira preciosa (diria eu), a madeira por excelência para a construção de mobiliário.
Ë na construção de carroçarias para camiões, para o transporte de todas as cargas, que se encontra a utilização mais degradante de uma madeira que deveria ser destinada unicamente a aplicações mais nobres.
Mas não é só com a madeira de umbila que se praticam estes atentados contra a nossa riqueza florestal. Num edifício público que se construiu recentemente em Lourenço Marques viam-se andaimes de sândalo-africano (Spirostachys africana). E esta mesma madeira, com ignorância completa do seu valor e incúria de quem deveria impedir tal aplicação, é queimada como lenha nas padarias daquela cidade.
Mas há mais. O jambire (Millettia stuhlmanmi) é uma madeira escura com lindos veios negros. Como a umbila. é também excelente para o fabrico de mobílias e para a decoração de interiores. Pois bem. Há centenas de milhares de travessas de caminhos de ferro - sobre as quais é certo, correm os trilhos do progresso - de primorosa madeira de jambire!
Limito a estes os exemplos, para não tornar extensa uma lista que nos deslustra.
Perante este panorama inquietante, causou-me profunda surpresa que, no proceder-se à revisão do nosso anteprojecto do III Plano de Fomento, se tivesse suprimido a quase totalidade da verba destinada à silvicultura, deixando-a reduzida a um número insignificante.
Inscreveram-se 1500 contos, como já disse, para a plantação de resinosas. Vê-se que é uma verba unicamente simbólica. Neste capítulo, também, a mesma tibieza, a mesma visão curta de um problema que precisa de sor dimensionado com base em metas colocadas em pontos mais distantes.
Esperançosamente (a esperança não deixa de ser, por vezes, um narcótico aleatório), esperançosamente, dizia, prevê-se no citado relatório sectorial que- seja possível constituir-se uma sociedade mista entre o Estado e uma empresa privada para a plantação de 42 500 ha de Primus patula no planalto de Manica e Sofala. Possível é, mas, iniciada a execução dos empreendimentos programados no Plano, quem tomará a iniciativa de atrair a empresa privada e a elevada soma de capitais que o empreendimento requer? Aqui o Deputado fica perplexo e duvida da iniciativa dos homens que terão de dar concretização à ideia, envolvidos, como andam sempre, em montanhas de papéis e aos tropeços nos escolhos da máquina burocrática, que, embora lentamente, vai matando, a pouco e pouco, o melhor que se poderia realizar em Moçambique.
Para a prevista sociedade mista o Estado participaria com 7500 ha de floresta de resinosas - das florestas que já possui e das plantações que entretanto faria com os 1500 contos já mencionados.
Diz-se que este esquema permitiria atingir, em 1985, uma produção de madeira da ordem dos 750 000 m3. Industrializado este volume de madeira, o valor da produção obtida poderia elevar-se de cerca de 500 000 a 1 milhão de contos anuais. Este empreendimento tornaria possível a instalação de diversas indústrias: celulose, papel, cartão, contraplacados e serrações, evitando a importação, aos níveis actuais de consumo, de mercadorias no valor de cerca de 100 000 contos.
Sr. Presidente: É pouco o que nos diz o projecto do Plano acerca dos intuitos do Governo no campo do fomento relativo à pecuária. Mas vê-se da leitura dos respectivos relatórios sectoriais, onde o assunto é posto com maior largueza e minúcia, que se pretende fomentar sobretudo a bovinicultura de carne e de leite, pois Moçambique - diz-se num dos citados relatórios - reúne «óptimas condições ecológicas para a criação de gado bovino».
É objectivo do Plano contribuir para o povoamento bovino de algumas regiões do Norte da província, onde a escassez de carne é crónica, e promover ainda o aumento de produção das bacias leiteiras existentes.
Principiarei por me referir à bovinicultura de leite.
É de 21 570 contos a verba que se. inscreveu no Plano para o fomento da bovinicultura.

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da província é uma sombra escura, onde a produção de leite não existe, a não ser num ou noutro caso esporádico.
Existem assim três centros de produção leiteira, constituídos pelos núcleos das bacias de Lourenço Marquem e da Beira e do colonato do Limpopo, este localizado em Lionde. No que se designa por «bacia leiteira de Lourenço Marques» está incluída a produção do distrito de Gaza, a qual é quase toda canalizada para o consumo da população daquela cidade e industrializada na Cooperativa de Criadores de Gado. A da Beira inclui a produção do Chimoio.
No período que decorreu entre os anos de 1957 e 1965. notou-se um grande esforço da parte dos criadores de gado leiteiro no sentido de melhorar as manadas e aumentar a produção. Esse esforço acentuou-se sobretudo pela importação de vacas leiteiras da República da África do Sul, tendo naquele período o efectivo registado um aumento de 97,8 por cento. Porém, o esforço mais saliente foi o dos criadores do distrito de Lourenço Marques, cujas manadas aumentaram de 3577 vacas para 8694, ou sejam 143 por cento.
É muito pequena a produção de lacticínios da província. Não considerando o consumo próprio dos criadores e o dos pequenos núcleos de população, isto é, a produção que não é registada, a outra atingiu a cifra de 11 milhões de litros em 1965, o que, dada a população da província e o que ela já consome, é um mínimo insignificante. Daí o recorrer-se a uma importação maciça de produtos lácteos, cujos indicadores estatísticos se aproximam rapidamente dos 100 000 contos anuais.
Adicione-se, porém, o montante da produção ao da importação e ver-se-á que o consumo per capita não tem qualquer expressão válida, impõe-se, portanto, a elaboração e execução de um programa que terá de ser forçosamente ambicioso - que multiplique os números actuais da produção.
O consumo de produtos lácteos - e de todos os produtos em geral - aumentará enormemente com o melhoramento das condições económicas da população.
Por aqui se vê o longo caminho que há para percorrer no campo do aumento da produção leiteira, no qual podem tomar parte activa as populações autóctones, cujas mãos detêm cerca de 70 por cento de todo o efectivo bovino.
Nos estudos efectuados em Moçambique aparece, pela primeira vez, como medida prevista para execução do Plano, o aproveitamento do leite das manadas dos autóctones, prevendo-se que esse aproveitamento possa atingir uma produção anual de 1 milhão de litros.
Concordo que é tempo de se pensar seriamente em facultar ao criador autóctone o rendimento, regular e certo, do leite que possa obter das vacas das suas manadas. Mas também neste campo há um longo caminho a percorrer em medidas sanitárias e zootécnicas, em cuidados, em conselhos e em vigilância.
Vejo com preocupação este esquema, pelos riscos que envolve, embora esteja convencido de que, não obstante a amplidão que se lhe dá no anteprojecto do Plano, o bom senso dos técnicos - e até as dificuldades - o reduzirão certamente a proporções que não encerrem perigo.
O autóctone, detentor de um mercado certo para a colocação do seu leite e seduzido pelos resultados do seu rendimento, apressar-se-á a tentar produções cada vez maiores, com grave prejuízo da alimentação dos vitelos. Isto exigirá um serviço de fiscalização tão apertado que tora fatalmente de falhar, conhecida como é a debilidade de meios de que enfermam os serviços a cargo de quem ficaria essa fiscalização.
Penso que os serviços serão prudentes nas medidas a tomar, limitando inicialmente a experiência a uma área restrita, na qual possam exercer um controle absoluto. Mas não é isso que se deduz do anteprojecto do Plano, por nele se prever a instalação de postos para a recepção de leite da pecuária tradicional em toda uma vasta extensão compreendida pelos concelhos do Maputo, Namaacha, Marracuene, Manhiça, Sabié, Magude, Guijá, Chibuto e Baixo Limpopo. É um posto em cada concelho, o que tornará ainda mais difícil a fiscalização e, sobretudo, a recolha e coordenação dos elementos que conduzam à efectivação prática de uma exploração leiteira da pecuária dos autóctones. Parece-me que se compreenderia melhor, como primeiro passo neste campo eriçado de dificuldades, que se começasse pela experiência num único concelho, no do Maputo, por exemplo, no extremo sul da província, partindo-se depois para as regiões mais ao norte.
Acredito nos resultados das experiências que se fizerem e acredito, até, que o leite da pecuária tradicional, resolvidos os problemas da sua produção (zootécnicos, sanitários e de higiene na mungição e transporte), seja uma fonte de riqueza, não só para a província, como para os próprios autóctones, melhorando as suas condições de vida. Mas sejamos prudentes.
E, falando de prudência, veja-se que se indica a Manhiça como um dos concelhos onde se pretende instalar um dos postos de recepção do leite. Ora é precisamente na Manhiça que se encontra generalizado um dos mais graves focos de tuberculose bovina. A mungição para fins comerciais do gado desta área não viria contribuir para o seu mais rápido definhamento?
O leite para consumo em natureza ou para industrialização só pode ser proveniente de vacas submetidas à reacção da tuberculina.
Como se faria, portanto, sob este aspecto, o controle do leite mungido das vacas da Manhiça? Tuberculizando todas as vacas de uma larga zona onde existe um foco de tuberculose generalizado? E quem pagaria as indemnizações devidas aos donos das vacas que tivessem que ser eliminadas? Com certeza que seria o Fundo criado para esse efeito. Mas a quanto se elevaria o montante dessas indemnizações?
São tudo perguntas a que é difícil responder.
Pode ser que os meus receios sejam infundados, as minhas observações, inoportunas. Deixo-as aqui, pedindo que me desculpem se porventura errei.
Mas o aumento da produção de leite em Moçambique abrange outros aspectos previstos no Plano que são pertinentes e merecem todo o meu apoio. Está neste caso o fomento de regiões onde se prevê o povoamento com vacas leiteiras, criando-se nelas centros de produção.
Vê-se do anteprojecto do Plano que a acção incidirá, por aumento dos efectivos, no colonato do Limpopo e na zona mesoplanáltica de Manica-Chimoio. Excluíram-se, portanto, zonas onde a bovinicultura de leite pode ter um grande desenvolvimento. Menciono, por exemplo, os vales dos rios Maputo, Umbelúzi, Incomáti, Save, e toda a área de João Belo, onde existe uma boa densidade bovina.
O povoamento bovino previsto no Plano compreende a importação de 2500 fêmeas e no touros, que serão distribuídos do seguinte modo: 1500 fêmeas e 60 touros para o colonato do Limpopo; 1000 fêmeas e 50 touros para a zona de Manica-Chimoio.
Trata-se, como se vê, de um programa bastante modesto, que perdeu completamente de vista o elevado consumo de lacticínios da província e a grande incidência que o mesmo tem na sua balança comercial.

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Sugiro que se amplie o esquema previsto, alargando-o ao colonato do Baixo Maputo, com base na cultura do arroz, e aos agricultores das outras regiões citadas que mostrem aptidão para a bovinicultura de leite.
Vou agora fazer uma referência à bovinicultura de carne, referência que terá de ser forçosamente resumida perante a grandeza deste importante aspecto da pecuária.
Para o fomento da bovinicultura de corte inscreveram-se no Plano 77 243 contos, com os quais a Câmara Corporativa concordou. O programa prevê, como se disse, o povoamento de regiões da província deficitárias de carne, com vista ao abastecimento das respectivas populações.
Pretende-se atingir, em 1978, um efectivo de 1 663 700 bovinos. O efectivo, em 1965 (data do último arrolamento), era de 1 134000 cabeças, pelo que o aumento previsto, a concretizar-se, será de 46,8 por cento. Não tem significado o facto de estar incluído neste número o efectivo leiteiro, visto representar apenas 1,2 por cento.
Nada mais se digno projecto do Plano; apenas a meta do efectivo de bovinos a alcançar em 1973. Tive, pois que recorrer aos relatórios sectoriais para tomar conhecimento do que se pretendia realizar.
O parecer da Câmara Corporativa pouco diz também acerca do sector da pecuária. Afirma, contudo, que são ambiciosas, embora pareçam possível, as metas fixadas para a sua produção.
Salvo o devido respeito por esta opinião e mesmo por todo o parecer daquela Câmara, que considero muito objectivo e prático, e até brilhante -, não acho que sejam ambiciosas as metas que se pretendem atingir no sector da pecuária. Diria mesmo que me parecem muito aquém daquilo que deveriam constituir realmente os objectivos a alcançar. Entendo que se poderia fazer de Moçambique um território criador de gado em larga escala. Não lhe faltariam mercados para a colocação da sua carne, pois a carência, deste produto alimentar é cada vez maior.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas a sua natural aptidão para a criação de bovinos não poderá ter inteiro desenvolvimento sem que se resolvam primeiramente dois problemas básicos: o da água para o abeberamento dos animais e o da erradicação da glossina. Ambos têm, porém, solução.
Mas solução com medidas enérgicas, com meios de trabalho, com maiores verbas do que as que lhes têm sido destinadas, com serviços dotados de quadros mais amplos ou, pelo menos, completos.
Cito um exemplo, desde já, no que respeita à luta contra a glossina. O quadro do pessoal da Missão de Combate, às Tripanossomíases prevê 325 lugares, mas apenas se encontram providos 179. Os restantes ainda não foram orçamentados, embora se tenha dito no decreto que os criou (Decreto n.º 45 541. de 23 de Janeiro de 1964) que correspondiam a «necessidades mínimas». Isto mesmo se lê a p. 148 do tomo I do relatório sectorial da saúde (estudos elaborados em Moçambique para o III Plano de Fomento).
Outra necessidade prioritária no combate às tripanossomíases é a ocupação efectiva e imediata das regiões donde o tsé-tsé tenha sido erradicado, para que não regresse às mesmas, inutilizando o trabalho feito.
Em intervenção que fiz nesta Câmara em 21 de Abril de 1965 disse que no Mutuáli a glossina tinha sido erradicada de uma área com cerca de 10 000 km2, a qual, por esse motivo, já se encontrava apta para a criação de mas que, por motivos que se desconheciam, continuava sem ocupação.
Creio que é esta área que vai ser agora ocupada por um dos empreendimentos previstos no Plano.
A ocupação agrária das terras limpas da glossina é a melhor forma de evitar que a mesma regresse e, consequentemente a perda completa de todo o trabalho realizado e das despesas efectuadas com a sua erradicação.
Outro factor limitante para o desenvolvimento da boviricultura é o do abeberamento dos gados. A escassez de água, nas épocas de estiagem, toma, por vezes, proporções dramáticas, com os animais morrendo a sede pelos caminhos, esgotada a última esperança de encontrarem um charco onde possam dessedentar-se. Este problema tem merecido II atenção de certas entidades, que o têm estudado, que têm posto em evidência toda a sua enorme gravidade, mas à parte pequenas medidas tomadas por este ou aquele serviço público e por alguns criadores, continua sem solução. E é dos que precisam de uma solução, mesmo que tenham de investir-se elevadas somas em poços, em furos e em represas a construir.
Diz o Dr. Vasco da Costa Neves, num estudo sobre o desenvolvimento da bovinicultura no concelho de Magude, que «o problema da água para a dessedentacão dos animais constitui um entrave ao fomento da criação de bovinos». E refere que na área do concelho existiam 26 represas, mas que eram necessárias mais «em determinadas zonas desprovidas delas».
Outros técnico, têm escrito sobre este grave problema da dessedentação dos amimais. O Dr. José da Silva Carvalho, por exemplo, diz, referindo-se às antigas circunscrições do Guijá e do Limpopo, que, por falta de água, «as perdas são consideráveis, não só em unidades como em rendimento».
Cabe aqui uma palavra para evidenciar que a escassez de água, nas épocas de estiagem, cria também situações aflitivas às próprias populações.
Há casos de descuidos na conservação das mananciais, que agravam a situação: poços entulhados, furos entupidos, represas que se romperam, bombas que funcionariam sempre se fossem accionadas por um motor, mas que ficam muitas vezes imobilizadas, porque os caprichos do vento as não fazem mover.
Esperemos que as comissões distritais de águas, cuja criação se prevê num dos relatórios sectoriais do Plano, consigam eliminar estas situações anómalas, que são mais filhas do desleixo do que da falta de meios financeiros. Quanto aos investimentos previstos com a criação de novos mananciais de água, entendo que são insuficientes. Com efeito, pouco se conseguirá na resolução de um problema cuja grandeza é desnecessário evidenciar com a construção de 7ü pequenas represas de terra e 150 poços. Estes empreendimentos representarão apenas alguns passos hesitantes num grande caminho que há para percorrer, tanto mais que se diz no próprio anteprojecto do Plano que, além da morte de milhares de cabeças por ano, há «a perda de rendimento que resulta das grandes deslocações da população para se abastecer de água e despovoamento das regiões fronteiriças».
Nas conclusões do relatório, sectorial respeitante às águas acentua-se que há que «construir uma vasta rede de poços e represas para abeberamento das populações e gado». Ora é isto precisamente que me não parece possível surgir do que foi projectado para o Plano. Dir-me-ão talvez que não é em seis anos que se pode «construir - repito a, transcrição- uma vasta rede de poços e represas». Concordo plenamente. Mas também direi que mão é com 70 represas e 150 poços que, no

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longo período de seis anos, se construirá obra que corresponda a carência tão alarmante.
Este é um dos sectores do Plano que precisaria de maiores investimentos e de executores capazes de promoverem a realização rápida das obras.
Ponho algumas esperanças uns citadas comissões distritais de águas. Oxalá, porém, se não estiolem por falta de recursos, para poderem actuar com eficiência e resultados.
Sabe-se que no concelho de Tete morrem todos os anos. à míngua, de água, 2500 a 3000 cabeças de bovinos. Na área de Moamba, quase às portas da cidade de Lourenço Marques, em 1962 morreram a sede 6000 cabeças. E no resto da província? Quantos milhares mais morrem por ano, sem que se registem os números que «ao o reflexo de uma tragédia económica?
Dei propositadamente um certo relevo ao problema da água. porque sem ela não se pode fazer pecuária. Mais do que as doenças que debilitam os animais, mais do que o flagelo das tripanossomíases, a escassez de água tem sido um factor limitante do desenvolvimento da pecuária em Moçambique. Resolvido este problema, debelado o das tripanossomíases, poderemos pensar com largueza em fazer de Moçambique um território de criação de gado bovino. Regiões há como no Alto Limpopo - e menciono esta, entre outras, apenas como um - exemplo -, que seriam «um paraíso para a pecuária, uma vez resolvido o problema da água e o controle da glossina» (Dr. José da Silva Carvalho, ob. cit.}.
Poderia pensar-se então em incrementar o nosso efectivo de bovinos até um numero que representasse as nossas rua is possibilidades. E não se julgue que não são largas- as suas perspectivas. A Rodésia, por exemplo, tem um efectivo de mais de 3 milhões de cabeças. E Madagáscar, do outro lado do canal de Moçambique, tão perto de nós, com uma superfície menor, possui um efectivo pecuário seis vezes superior ao nosso, ou seja cerca, de 6 milhões de bovinos.
Há metas, colocadas à nossa frente, que precisa-mos de alcançar; exemplos de países vizinhos que temos de imitar.
Há, é certo muitos problemas sérios a resolver, mas sejamos francos: os problemas não se encontram apenas em Moçambique. A Rodésia e Madagáscar também devem ter problemas na sua pecuária. È não cito a República da África do Sul, que é realmente um caso à parte no continente africano, em matéria de criação de bovinos.
Moçambique - diz-nos o Dr. Joaquim Morais Gradil (As Tripanossomiases e a Produção de- Carne)- possui uma potencialidade pecuária que pode estimar-se em cerca de 12 milhões de cabeças normais, com possibilidade de uma produção anual de carne da ordem das 2,50 0001. «As tripanossomíases animais», continua a dizer-nos o mesmo técnico, «não podem ser consideradas como o maior factor impeditivo, em Moçambique, ao aumento da produção de carne e ao desenvolvimento da pecuária. [...] Só na área livre de glossinas os efectivos pecuários podem ser imediatamente duplicado?, indo até ao quádruplo dos actuais.»
Este é um dos objectivos, do Plano: povoar com bovinos regiões livres do tsé-tsé, mas onde a pecuária é incipiente.
Pode concluir-se assim que não são ambiciosas as verbas inscritas no Plano para o desenvolvimento da pecuária, como o não são as verbas destinadas à investigação científica aplicada à pecuária, às brigadas de apoio aos serviços de veterinária, ao esquema de ocupação da região do Mutuáli e a outros aspectos do fomento pecuário, nas quais me não detenho para não alongar mais esta intervenção.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Mas pecuária u agricultura não se fazer sem crédito, sem estradas, sem o andamento rápido dos processos de concessão de terrenos o sem rega. Se a rega pode ser prescindível na pecuária de carne, ela é indispensável numa pecuária de leite, pois sem forragens, sem alimentação adequada, não podem criar-se vacas leiteiras.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vou, portanto, fazer alguns rápidos comentários à volta destas infra-estruturas indispensáveis.
Começarei pelo crédito agrícola.
Foi em 1928, pelo Diploma Legislativo n.º 79, que se instituiu em Moçambique o crédito agrícola, destinado - dizia-se no preâmbulo daquele diploma - «a inadiável necessidade para a economia da colónia dar o maior desenvolvimento à sua agricultura, promovendo assim o aumento da produção para exportação».
Nos anos económicos de 1927-1928 a 1930-1931 a província inscreveu no seu orçamento geral e entregou à Caixa de Crédito Agrícola, então denominada Junta de Crédito Agrícola, subsídios que se elevaram a 28 259 contos. E foi tudo quanto a Caixa recebeu até hoje!
Este capital foi sofrendo diminuições graduais causadas por prejuízos, até que, em 31 de Dezembro último, se encontrava reduzido a 15 699 contos.
No Plano Intercalar de Fomento - o que não sucede no III Plano, agora em apreciação - inscreveram-se 45 000 contos; destinados ao crédito agrícola. Inscreveram-se, mas nunca se entregaram à Caixa.
Recentemente, porém, com a publicação da Portaria n.º 19 961, de 4 de Fevereiro do ano corrente, foi autorizada a dotação de 10 000 contos. E no mapa de empreendimentos para 1967 do Plano Intercalar incluiu-se a verba de 5000 contos. Mas tanto aquela verba como esta não foram ainda entregues à Caixa.
Reconhecida pelo Governo a debilidade da orgânica da antiga Caixa de Crédito Agrícola, em quem já ninguém acreditava, publicou este, em 4 de Abril de 1966, o Decreto n.º 46 938, reorganizando-a inteiramente. Foi uma medida acertada, que ficamos a dever ao actual titular da pasta do Ultramar.
Em 12 de Junho deste ano publicou o governador-geral de Moçambique, com voto do Conselho Legislativo, o Diploma Legislativo n.º 2755, aprovando o regulamento e a orgânica funcional da Caixa. Como vogal daquele Conselho, tive o prazer de participar na discussão do dito regulamento, prazer tanto maior porque, por diversas vezes, quer naquele Conselho, quer nesta Câmara, preconizei a reestruturação do crédito agrícola em Moçambique.
Este regulamento, porém, não entrou ainda em vigor, e não entrará enquanto, nos termos do seu artigo 89.fl, isso não for fixado por despacho do governador-geral. E compreende-se que assim seja, pois, que utilidade terá pôr em vigor um regulamento que prevê uma nova vida para a Caixa enquanto ela não dispuser de recursos financeiros? São esses recursos que é preciso conceder-lhe para que possa contribuir, como se espera, para o aumento da produção.
Em todos estes anos em que tem lutado com recursos minguados, a Caixa não deixou, porém, de ir auxiliando,

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conforme pôde, os agricultores que procuraram o seu auxílio financeiro. Assim, de 1961 a 1966 ainda concedeu os seguintes empréstimos:

Contos

Em 1961 ................ 1 763
Em 1962 ................ 2 200
Em 1963 ................ 1 889
Em 1964 ................ 2 504
Em 1965 ................ 1 706
Em 1966 ............... 2 959
13 021

Deixei aqui, em pinceladas muito largas, o panorama - pode dizer-se: o triste panorama do crédito agrícola em Moçambique.
Vejamos qual o quadro que nos mostra, neste capítulo, a nossa província-irmã de Angola.
Angola possui hoje um crédito agrícola de que pode verdadeiramente orgulhar-se e que tem dado os melhores frutos no valioso auxílio prestado à sua agricultura. Moçambique emprestou, no período de 1961 a 1966, a importância de 13 021 contos. Angola foi mais longe, muito mais longe. Em igual período - ou melhor, de 2 de Julho de 1961 a 31 de Outubro de 1966 -, os empréstimos concedidos pela sua Caixa de Crédito Agro-Pecuário elevaram-se a 518 665 contos. Há aqui uma diferença tão flagrante que mostra que em Moçambique qualquer coisa está profundamente errada em matéria de crédito agrícola!
Moçambique nada conseguiu receber da verba que se inscreveu no Plano Intercalar de Fomento. Angola já tinha recebido, daquela proveniência, até 31 de Agosto do ano em curso, 30 000 contos e esperava receber em breve outros 10 000. Moçambique ainda não conseguiu fundos provenientes de outras fontes de financiamento. Angola negociou o obteve para a sua Caixa de Crédito Agro-Pecuário um empréstimo de 30 000 contos do banco emissor da província e outro de 50 000 do Banco de Fomento Nacional.
Perante esta situação, que chega a ser de descrédito para Moçambique, verifica-se que no III Plano de Fomento PB não inscreveu qualquer verba para o crédito agrícola. Angola inscreveu 200 000 contos.
Crê-se que o Governo de Moçambique procurará obter financiamentos fora dos recursos financeiros do Plano. Isto não invalida, porém, a necessidade da concessão gratuita de importâncias à sua Caixa de Crédito Agrícola, pelo reflexo que isso terá numa redução da taxa de juro a pagar pelos mutuários, em consequência dos encargos resultantes da conjugação dos fundos gratuitamente obtidos e dos que conseguir dos institutos que a financiem.
Por tudo isto. apoio incondicionalmente o reparo do douto parecer da Câmara Corporativa quando se refere u ausência no Plano de qualquer verba destinada a apoiar o crédito agrícola de Moçambique, esperando que se tome em consideração esta grave lacuna.
E passo a dizer uma palavra sobre as estradas.
As estradas de Moçambique, ou melhor, a sua f ai tu crónica de estradas, é uma das causas indiscutíveis do atraso de certas regiões da província. Não é problema que possa pensar-se em adiar. Tem de ser resolvido urgentemente, sem hesitações, sem demoras, como obra prioritária, mas prioritária à cabeça da lista das necessidades que tenham de ser classificadas com esta designação.
Apesar de tudo isto, tenho sérias dúvidas que consiga executar-se o plano rodoviário estudado para o período de 1968 a 1973. E tenho motivos para o meu pessimismo. Vejamos alguns.
O plano da estradas que se apresenta no projecto foi estudado pelas Obras Públicas de Moçambique em 1961, considerando os valores para custos de construção que vigoravam nessa data. Foram esses os valores que se tomaram em conta na elaboração do ITI Plano de Fomento.
O montante inicialmente previsto, segundo mapa discriminativo dos investimentos, é de 2 184 000 contos, que se arredondaram para 2 229 000 por inclusão de 45 000 contos para a construção da ponte sobre o rio Zambeze, em Tete, obra que se apresenta agora com carácter de prioridade para permitir as ligações rodoviárias de acesso ao empreendimento de Cabora Bassa. Mas a verba inscrita no Plano é de 1 356 537 contos, o que apresenta uma diferença para menos, entre necessidades planeadas e investimento previsto, de 872 463 contos. Se considerarmos, porém, que a estimativa feita para as estradas em 1961 não mais tem actualidade, havendo que aumentá-la de acordo com os custos actuais, encontraremos uma diferença que, em números redondos, poderá elevar-se a 270 000 contos, ou seja, uma diferença total, entre o planeado e o investimento inscrito, da ordem de 1 200 000 contos.
Diz-se no anteprojecto do Plano - esperando-se, com certa confiança, resultados satisfatórios - que se procurarão obter na própria província os financiamento* para cobrir a grande diferença apontada entre o que se projectou, em estradas e pontes, e os recursos financeiros de que disporá o Plano. Oxalá que estas esperanças se concretizem e se tornem realidade os vaticínios de «transformar todas as zonas da província num conjunto económico interligado».
A Câmara Corporativa, no seu padecer, formula os mesmos votos. Oxalá que a Câmara e eu não fiquemos apenas nos votos e sem as estradas, para cuja necessidade e relevância a mesma Câmara chama a atenção, evidenciando que, no que respeita a Angola, se prevêem maiores investimentos anuais, com maior quilometragem a construir.
Será que Moçambique tem menos necessidade de estradas?
Houve um período - de 1957 a 1961 - em que se conseguiram realizar em Moçambique obras de vulto 7ia construção de estradas, as quais tiveram ainda mais destaque por terem incidido num território onde quase nada estava feito neste importante sector dos transportes. E pena, foi que o movimento então iniciado não tivesse tido continuação, porque teríamos hoje mais adiantada, como sucede em Angola, a cobertura da nossa rede rodoviária. Caiu-se, depois desse impulso, numa apatia, cujo restabelecimento está a tornar-se moroso e difícil. Sempre o problema dos meios financeiros como travão implacável à realização de empreendimentos que não deveriam esperar. Um plano rodoviário do qual depende tudo - tudo para o desenvolvimento de um território, um. vasto território como Moçambique - nem deveria estar enleado nas malhas e nas implicações, nos liames burocráticos, de um plano de fomento; deveria possuir a liberdade de um plano independente, sem limitações de financiamentos, com verbas próprias e à sua disposição. E toda uma província que o pede e que o reclama, são as suas actividades económicas, é o seu turismo, é, sobretudo, a defesa da integridade do seu território e é também o desenvolvimento de regiões que nunca mais sairão do atraso em que se encontram enquanto não estiverem ligadas por estradas a outros centro.
Falando de turismo, farei aqui um pequeno apontamento, que peço se não tome à conta de egoísmo por eu ser um homem do Sul de Moçambique. No mapa de empreendimentos rodoviários a que já me referi figura

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a construção de uma nova estrada entre Ressano Garcia, na fronteira com a República da África do Sul, e a cidade de Lourenço Marques, para substituição da actual, que já não corresponde às necessidades. Esta nova estrada teria um valor excepcional como fonte de divisas provenientes do turismo, por ligar o grande centro populacional do Rand à capital de Moçambique. Por este motivo também, a actual estrada, sendo muito utilizada por estrangeiros, não coloca em bom nível o nosso prestígio nacional. Há estradas, como esta, que, além da finalidade turística, são como uma parte da sala onde se recebem os visitantes. É chocante, para quem vem de longas e bem construídas estradas, entrar subitamente numa estrada estreita, mal pavimentada, cheia de perigos. A construção desta estrada consta do Plano, mas perante a limitação de verbas, como se viu, corre o risco de sofrer adiamento.
Outra estrada de grande valor turístico é a que, ligando a que vem da Rodésia, dá acesso à cidade da Beira. É uma estrada que também precisa de ser tratada com carinho. Mas diz-se no Plano, precisamente, que se eliminou a construção da auto-estrada de saída da Beira.
Também foi eliminada a ligação - diz-se: da curta ligação - entre a estrada nacional n.º 1 e Vilanculos. É também uma estrada de turismo. O turismo dá divisas e lucros. Não se encara seriamente o turismo. Porquê?
Eliminou-se a asfaltagem da estrada entre o Chibuto e o Caniçado. Quando a construíram, há anos, naquele período progressivo a que atrás me referi, ficou uma bela estrada, embora ainda sem a cobertura do tapete asfáltico. Custou então cerca de 80 000 contos. Liga duas importantes regiões agrícolas, com muito comércio nas povoações ao longo do seu traçado. Quando a concluíram, ficou para ser asfaltada no ano seguinte. Mas decorreram mais de sete anos e a estrada continua na mesma. Na mesma, uno! Agora está em péssimo estado, intransitável m; tempo das chuvas; tem até um pontão destruído pelas cheias.
Ora bem. Muito haveria que dizer sobre estradas - tanto que dizer! -, mas esta intervenção vai longa. É preciso terminar este capítulo.
Vou, pois, transitar para outro assunto.
Lê-se aqui e ali (é difícil dizer agora onde), no vasto material que foi facultado ao Deputado para o estudo do III Plano de Fomento, que é moroso o andamento dos processos para a concessão de terrenos do Estado e que esta morosidade entrava o desenvolvimento económico da província. Estou de acordo. Mas não quis formar opiniões sobre o assunto sem primeiramente examinar o que se passava nos serviços de que dependem as ditas concessões de terrenos. E verifiquei que, se há serviços públicos que estão debilitados nos seus quadros, são precisamente os geográficos e cadastrais, embora à sua frente esteja um funcionário de grande probidade profissional. Acresce que, além das concessões de terrenos, estes serviços exercem um papel muito importante no levantamento cartográfico da província e na feitura do cadastro geométrico.
Ouve-se com frequência atacar o regulamento da concessão de terrenos e atribuir-lhe a culpa de todas as demoras. Mas talvez não seja propriamente o regulamento o maior culpado, embora existam formalidades impostas aos processos que. podiam e deviam ser simplificadas. A maior falta reside na escassez de pessoal, quer técnico, quer administrativo.
Darei alguns exemplos para ilustrar a afirmação que acabei de fazer.
Estão previstos 40 lugares de topógrafo de 2.a classe, o que é insignificante, pois. o dobro não seria número demasiado. Mas dos 40 só estão dotados 38 e, destes, apenas 5 foram ocupados. Porquê esta impressionante deserção? Porque obtêm melhores vencimentos na actividade privada e até como topógrafos de outros serviços públicos, onde não estão sujeitos a transferências.
Os operadores de restituição (fotogrametria) estão também a deixar os Serviços Geográficos e Cadastrais para emigrarem para a África do Sul. Chegam por vezes a abandonar o lugar, não aguardando que lhes seja concedida a exoneração, porque naquele país obtêm vencimentos três a quatro vezes maiores do que os que lhes pagavam os Serviços.
Estão previstos para toda a província 8 lugares de engenheiro topógrafo de 2.ª classe. Dotados, porém, apenas 2 e, destes, 1 só ocupado.
De engenheiro de 1.ª classe estão previstos 4 lugares, mas, dotado, apenas 1, que está preenchido.
Estes lugares previstos, mas não preenchidos, são insuficientes para as necessidades. Por exemplo, engenheiros de 1.ª classe seriam necessários 8 a 10; de 2.ª classe, cerca de 20. Mas será muitíssimo difícil conseguir este pessoal técnico com os vencimentos que se encontram actualmente fixados.
Faltava-me dizer, no que respeita à classe dos topógrafos, que estão previstos 18 lugares de topógrafo de 1.ª classe, mas apenas dotados 11. Seriam precisos, para bom andamento dos serviços, 20 topógrafos, pelo menos.
Por outro lado, se nos voltarmos para a classe dos funcionários a cargo de quem estão os serviços burocráticos ou administrativos, sem a actuação dos quais os processos também não andarão, o panorama apresenta a mesma penúria de pessoal. Há 7 primeiros-oficiais; seriam precisos 14. Na categoria de segundo-oficial estão previstos 15 lugares, mas dotados apenas 10; de terceiro-oficial estão previstos 26 lugares, mas dotados apenas 14; seriam necessários uns 30 funcionários desta categoria. O número de aspirantes previsto é de 30, mas só foram dotados 22.
Reexaminando ainda o quadro técnico, veremos que há falta de calculadores. Dá-se até o caso de o lugar de calculador-chefe estar previsto, mas não dotado. Talvez se pense que as chefias são dispensáveis.
Ainda recentemente foi aberto um concurso para calculadores de 2.a classe, que ficou deserte. O mesmo sucedeu com o concurso para a admissão de topógrafos de 2.ª classe.
É clara a ilação que se infere deste abandono e deserção dos quadros dos serviços públicos: um nível de remuneração que não encoraja, antes desanima, tanto mais que certas profissões, como a de topógrafo, se tratam de profissões duras, desempenhadas no mato, ao sol c à chuva, nas piores condições de conforto.
Este quadro que apresentei dos Serviços Geográficos e Cadastrais tem completa acuidade no que respeita a muitos outros quadros dos. serviços públicos de Moçambique, que, u pouco e pouco, verão afastar-se os seus melhores funcionários ou desertos os concursos, se melhores condições de remuneração não forem criadas.

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Sr. Presidente: Araújo Correia, num primoroso estudo recentemente publicado - O Tejo -, em cujas páginas os conhecimentos profundos do economista se aliam a um estilo de grande beleza literária, diz que, «em todos os tempos e em todas as idades, desde o nascer do Mundo, a água exerceu um papel considerável na vida dos povos».
Quis propositadamente iniciar esta parte da minha intervenção com este depoimento autorizado.
Também para Moçambique, como para qualquer território do Mundo, a água representa o factor mais importante para a sua vida e para o seu progresso. Ela é imprescindível para a dessedentação das populações, para o abeberamento dos animais, para a rega, para a produção de energia eléctrica, para as actividades industriais. Sem ela, o homem nada pode realizar.
Agricultura que se não apoie num esquema de rega não pode oferecer a garantia de uma produção certa e de resultados económicos. Não deve, pois, ficar entregue às incertezas das quedas pluviométricas. Há regiões em Moçambique onde a agricultura só poderá triunfar se dispuser de regadio. É o caso, por exemplo, do Sul da província, a região, dos grandes rios, mas cuja agricultura - ironia do destino! - definha e morre precisamente por falta de água, por falta de rega.
Moçambique não pode continuar a descurar o aproveitamento da água dos seus rios; tem de utilizá-la na rega dos seus solos, alguns dos quais de singular aptidão agrícola, que farão a riqueza das suas populações e da sua economia.
«A relação entre a produção em regime de sequeiro e a obtida em regadio - diz-se no relatório do projecto do II Plano de Fomento (metrópole) - chega a atingir, em determinadas zonas, um para dez». Tem, pois, de concordar-se que este índice de aumento de produção torna indiscutível a primazia da rega. Mas Floyd Domini, director do Bureau of Reclamation (Fomento do Oeste Americano), comunicou, em conferência proferida em Lourenço Marques em 28 de Setembro último, que, nos aproveitamentos hidroagrícolas realizados pelo seu departamento, a relação obtida tinha sido de produções de um para dezassete. E que barragens para as quais tinha sido fixado um período de amortização de quinze anos se tinham pago integralmente em três e quatro anos, com o valor da produção a que deram lugar.
Esta indicação terá pertinência quando me referir mais adiante aos esquemas de rega previstos para os rios Maputo, Incomati e Sabié, da província de Moçambique.
Teremos que nos apressar no aproveitamento dos nossos recursos hídricos, antes que os nossos vizinhos se antecipem, pois os rios mais importantes de Moçambique nascem a montante da linha das nossas fronteiras, em territórios nos quais a água é elemento de primeira grandeza, como base dos seus esquemas de desenvolvimento económico. Mas não só a água, como o próprio solo. A Rodésia, tão discutida neste momento por causa da sua luta pela independência, dá tanto valor a estes dois elementos que nos envelopes da sua correspondência oficial inscreve a seguinte advertência: «Por favor, conserve o solo e a água; dependemos deles».
Quero deixar aqui uma palavra de censura perante o descuido a que têm sido votadas as águas dos nossos rios, que são verdadeiras fontes de riqueza inaproveitada.
Foi, pois, com surpresa que verifiquei que no III Plano de Fomento apenas se inscreveu um único empreendimento hidroagrícola, e este mesmo por razões óbvias: a barragem de Massingir.
A barragem de Massingir, que tão discutida tem sido, parece que vai ser finalmente uma realidade. Foram inscritos 400 000 contos para a sua construção.
Recordarei aqui, a propósito da importância que esta barragem representa para o colonato do Limpopo, o que eu próprio disse nesta Câmara, numa intervenção que fiz na sessão de 23 de Março de 1965:
No momento em que escrevo estas linhas (Julho de 1964), o rio Limpopo está quase completamente seco, com excepção dos fundões, não obstante ser este rio II linha mestra de todo um colonato de vastas proporções e intenções de povoamento, onde centenas de famílias enterraram as suas ilusões e as suas esperanças, e cuja obra representa - temos de fazer justiça! - um esforço do Estado no sentido de promover a exploração dos recursos económicos de um dos mais ricos vales do Moçambique.
Por este motivo, torna-se urgente a construção da barragem de Massingir, no rio dos Elefantes, cuja água virá alimentar, nas épocas de estiagem, o esquema de irrigação do colonato do Limpopo.
A barragem de Massingir é indiscutivelmente um complemento do esquema de colonização do Limpopo. Defendida por uns, combatida por outros, a obra do Limpopo ficou - e ficará. A verdade é que onde antigamente havia apenas mato, terrenos improdutivos, correm hoje canais de rega, vicejam as sementeiras, espalham-se as aldeias, multiplicam-se os casais de agricultores, aos milhares, criando vida, produzindo trabalho numa região onde outrora nada existia. É preciso defender a obra do Limpopo, consolidá-la, expandi-la. Toda a água não será de mais para o seu desenvolvimento futuro.
Ë por isso imperativo que a construção da barragem de Massingir se concretize com a maior rapidez; que não continue, como até agora, a ser um projecto sem realização, adiado de ano para ano, não obstante reconhecer-se a sua imperiosa necessidade.
E nada mais se inscreveu no Plano em matéria de aproveitamentos hidroagrícolas.
Pelo menos, deveriam ter sido inscritas verbas para a elaboração dos projectos definitivos respeitantes aos esquemas gerais já estudados, projectos estes que deveriam ser confiados, para maior rapidez de execução, a empresas privadas da especialidade. Pelo menos, repito, estas verbas, para que, ao elaborar-se oportunamente o IV Plano de Fomento, possam ser considerados alguns dos aproveitamentos a que esses projectos digam respeito. Deveria também considerar-se, como realização ainda incluída no III Plano, o início de algumas das obras dos projectos que ficarem concluídos a tempo. Uma barragem e a sua rede de canais de rega não se constróem em meia dúzia de meses; poderiam ter início neste Plano empreendimentos que se concluíssem no período do Plano seguinte.
A elaboração de projectos definitivos seria orientação acertada, porque, se assim se não fizer, chegaremos ao momento da elaboração do IV Plano, como aconteceu, sem termos projectos a que possamos dar execução. Esta situação não pode repetir-se. Dizer-se, como ouvi dizer, que o III Plano de Fomento não prevê maior número de obras de hidráulica porque os estudos não estão feitos, não é argumento que possa aceitar-se de futuro.
Entendo que é imprescindível que neste Plano se incluam, pelo menos, quanto mais não possa fazer-se, as verbas necessárias para a elaboração dos projectos definitivos dos esquemas já estudados. Faço esta recomendação com o maior empenho, para que não andemos sempre atrasados, para que se não repita o caso, como já tem sucedido, de possuirmos os recursos financeiros, que

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nem sempre abundam, mas não os meios de os utilizarmos inteiramente.
A experiência já mostrou, durante o período de execução do II Plano de Fomento e do Plano Intercalar, que nem sempre foi possível despender as verbas dotadas, não por falta de dinheiro, mas por não existirem outros meios, sem os quais o dinheiro nada vale.
Eu s»ei perfeitamente que são sempre muito elevados os montantes exigidos pelos grandes empreendimentos de natureza hidráulica. Mas numa província como Moçambique, onde praticamente nada existe ainda neste capítulo, apesar dos importantes rios que correm no seu vasto território, pareço-me ser lacuna grave que este Plano de Fomento - que deveria ser de verdadeira arrancada da província no seu desenvolvimento económico - não inclua outros aproveitamentos hidroagrícolas.
Disse que SP encontram estudados os esquemas gerais respeitantes aos recursos hidráulicos de alguns rios de Moçambique. Não são muitos os estudos efectuados, pois apenas há poucos meses é que foram criados os Serviços Hidráulicos da província. Mas, em qualquer caso, esses estudos representam um ponto de partida que se deveria aproveitar.
Falando dos Serviços Hidráulicos de Moçambique, dos quais é lícito esperar o mais valioso contributo para o desenvolvimento da província, não posso deixar de aproveitar esta oportunidade, visto outra se me não ter deparado anteriormente, paru endereçar desta tribuna, onde algumas vexes me referi à necessidade da criação de tais Serviços, os agradecimentos de Moçambique ao Sr. Ministro do Ultramar, Prof. Silva Cunha, por ter tomado a iniciativa da sua criação.
Darei agora uma nota muito sucinta do que são os esquemas a que acima me referi.
Começarei pela bacia do rio Maputo. Este aproveitamento compreende, em linhas gerais: a construção da barragem da Jibóia, localizada nos limites da cordilheira dos Libombos, na fronteira com a Suazilândia; a rede de rega de dois blocos, com a área de 17 480 ha; rede de drenagem; central produtora de energia eléctrica; e aproveitamento da lagoa Mandjene.
O aproveitamento dos recursos hidráulicos da bacia do Maputo modificaria completamente o aspecto económico da região. Diz o autor do estudo deste esquema, Eng.º Carlos Quintela Gois, que o Maputo possui «todas as condições para se transformar num verdadeiro pólo de desenvolvimento» e que «é nas actividades silvo-agro-pecuárias que poderá residir o fomento da região».
Ora este fomento não pode ser alcançado sem que se aproveitem inteiramente os recursos hidráulicos oferecidos pela bacia- do rio, quer represando as suas águas para serem utilizadas na rega e na produção de energia eléctrica, quer dominando os seus caudais de cheia, que periodicamente destroem valiosas culturas.
Pode desenvolver-se no vale, com bons resultados económicos, a cultura do arroz, para cujo descasque existe já uma fábrica na povoação da Bela Vista, do algodão, do milho, do feijão, do trigo e das plantas hortícolas e forrageiras.
O autor do esquema indica a cana sacarina como cultura com viabilidade de desenvolvimento, para o que prevê que possa vir a instalar-se uma fábrica com a capacidade de laboração de 20 000 t a 50 000 t de cana.
O investimento previsto para a realização do esquema é de 234 300 contos, assim distribuídos: barragem da Jibóia, incluindo a central de produção de energia eléctrica, 155 000 contos; rede de rega. 69 000 contos; defesa a enxugo, 10 300 contos. Certamente que alguns distes investimentos poderiam ser incluídos no III Plano de Fomento, tanto mais que a estimativa de custo do corpo da barragem anda à roda de b7 000 contos, com mais 34 500 contos para o descarregador de cheias.
Outro esquema de muito interesse, de muito maior projecção económica do que aquele sobre o qual acabei de fazer alguns comentários, é o que se refere ao aproveitamento dos recursos hidráulicos do rio Incomati, incluindo a barragem na portela da serra da Corumana, do seu tributário Sabié.
O estudo da barragem de Moamba-Major, a construir no rio Incomati, um pouco acima da vila de Moamba, encontra-se já em fase muito adiantada de anteprojecto.
Conheço o interesse que este esquema tem merecido de certos departamentos do Ministério do Ultramar; conheço igualmente o interesse que o mesmo rio tem merecido da parte dos respectivos serviços de Moçambique, designadamente do autor dos estudos que se têm efectuado; conheço a importância que se tem dado a este rio nas conversações com as autoridades da África do Sul sobre o aproveitamento óptimo do conjunto das bacias de alguns dos rios internacionais de Moçambique; conheço a gravidade com que se apresentam os futuros escoamentos das águas do Incomati nas épocas de estiagem, em consequência dos aproveitamentos que os Sul-Africanos estão a fazer - pelo que me surpreende que nada se diga no III Plano de Fomento acerca deste rio. Nem se inscreveram verbas para a elaboração dos projectos definitivos do seu integral aproveitamento, quanto é certo que, além destas verbas e considerando a fase adiantada em que os estudos se encontram, poderiam também inscrever-se investimentos para o início dos primeiros trabalhos. Não podemos aguardar o IV Plano de Fomento, que começará a executar-se sómente em 1974, para que se mandem elaborar tais projectos e se dê início à execução dos primeiros trabalhos. Seis ou sete anos que se percam em adiamentos - e este pensamento adapta-se a tudo o que possa deixar de adiar-se para que Moçambique progrida mais depressa - terão mau reflexo no desenvolvimento da província. No caso do vale do Incomati, não é só o que se deixa de produzir como o que se consente que se destrua, quando as cheias inundam as várzeas que marginam o curso do baixo Incomati. São muitos milhares de contos que se perdem periodicamente, que empobrecem e desencorajam os agricultores, que entravam o desenvolvimento de uma grande área de muitas dezenas de milhares de hectares.
O esquema de Moamba-Major prevê a construção de três barragens: a principal, uma barragem de terra, no rio Incomati, um pouco a montante da vila de Moamba; outras duas, mais pequenas, de betão, unia na ribeira do Major e outra barrando a portela de Secongene, por onde passa hoje a linha férrea de Ressano Gacia. Na ribeira do Major ficará instalada uma central de pé de barragem com a potência de G60 000 kW; na de Secongene ficará a tomada de água para a rega de um bloco de 30 000 ha nas terras altas de Moamba.
O esquema da Corumana, no rio Sabié, criará uma albufeira com a capacidade de 560 milhões de metros cúbicos, a qual permitirá a regularização do rio, a produção de energia eléctrica, a rega de um bloco de 15 000 ha de terras com boa aptidão agrícola, a jusante da barragem, e também suprir as faltas de água para a rega do Baixo Incomati.

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para o esquema da Corumana, e outros 600 000 coutos para a rega do Baixo Incomati.
Recolhi estas notas sumárias de estudos que se encontram confiados ao Eng.º Carlos de Ataíde, actual subdirector dos novos Serviços Hidráulicos de Moçambique, apenas para dar uma pequena ideia do que são estes dois esquemas, porque uma descrição minuciosa não caberia no âmbito restrito que pretendo dar a esta intervenção.
A perspectiva do investimento de tão elevado montante num só empreendimento - empreendimento, porém, que transformaria por completo a face económica e social de um dos mais ricos valores do Sul da província - é susceptível de causar receios e hesitações, sobretudo num meio onde o acanhamento das iniciativas não habituou ninguém a enfrentar estes problemas com a largueza que eles exigem.
De conformidade com o critério que defendi para o aproveitamento dos recursos hidráulicos da bacia do Maputo, também no caso do rio Incomati a execução das obras de hidráulica poderia iniciar-se 1:0 III Plano de Fomento, para recair com o seu maior peso de investimentos no decurso do IV Plano. Assim, a dar começo às obras pela construção das barragens ou de alguma das barragens, vejam-se as verbas que foram estimadas para cada uma dessas obras: barragem de Moamba, 150 000 contos; barragem da ribeira do Major, 65 000 contos; barragem na portela de Secongene, 20000 contos; derivação para permitir a construção das barragens, 35 000 contos.
Para começar, este seria já um grande programa de obras.
Vejamos agora, também a traços muito largos, alguns aspectos económicos destes aproveitamentos.
O engenheiro agrónomo António Serra, do Ministério do Ultramar, foi enviado a Moçambique em 1966 a fim de proceder a um estudo económico-agrícola das bacias do Incomati, do Sabié e do Umbelúzi.
Não posso reproduzir tudo quanto se contém no estudo que aquele técnico elaborou a respeito das bacias do Incomati e do Sabié, o muito que diz acerca das condições que a região estudada reúne para o desenvolvimento da agricultura, mas quero registar aqui a sua opinião a favor dos dois esquemas hidráulicos acima descritos quando diz que lhe «parece que viriam resolver todos os problemas do vale (domínio das cheias, produção de energia eléctrica, possibilidades de regar 149 117 ha de terras de grande produtividade e ainda a possibilidade de reforçamento do caudal do rio Umbelúzi para o abastecimento de água de Lourenço Marques)». E diz ainda num outro passo do seu estudo, referindo-se ao Baixo Incomati: «... é uma zona que possui excepcionais condições para o desenvolvimento agrícola.»
Este depoimento, claro e indiscutível, vem reforçar consideràvelmente todas as teses que se batem pelo aproveitamento dos recursos hidráulicos das duas citadas bacias, sem os adiamentos e hesitações que temos presenciado, os quais chegam quase a ser um atentado contra o desenvolvimento económico do Sul do Save.
Calcula-se que o rendimento líquido anual das duas bacias, como consequência dos aproveitamentos previstos, possa elevar-se de 500 000 a 650 000 contos - isto apenas no que respeita à produção agrícola. É fácil, pois, pressupor, sem nos deixarmos arrastar pela euforia de perigosos optimismos, o surto de progresso que poderia imprimir-se a toda a região, proporcionando ocupação a milhares de trabalhadores, permitindo a instalação de indústrias, promovendo o desenvolvimento do comércio, facilitando o povoamento.
Para terminar este capítulo dedicado aos aproveitamentos hidroagrícolas, direi ainda duas palavras acerca do rio Umbelúzi. Viu-se que este rio mereceu também os cuidados do Ministério do Ultramar, quando encarregou o Eng.º António Serra de estudar as suas condições económico-agrícolas.
O estudo dos recursos hidráulicos deste rio - que sei estarem em andamento - deve também merecer um tratamento prioritário. Basta atentar-se em que é o Umbelúzi que abastece de água a cidade de Lourenço Marques. Esta finalidade, só por si, recomendaria um urgente e atento estudo do problema, sabendo-se, como se sabe, que os consumos de Lourenço Marques e de todo o concejho aumentam de maneira vertiginosa e que os escoamentos do rio, nos períodos de estiagem, diminuem perigosamente.
Há duas hipóteses de barragens a construir: no monte Guanguane, criando uma albufeira de 94 milhões de metros cúbicos, para o reforço do abastecimento de água de Lourenço Marques e a rega de 2300 ha; ou a construção de uma barragem nos Pequenos Libombos, com a capacidade de cerca de 600 milhões de metros cúbicos, que, além de garantir o abastecimento de Lourenço Marques, permitirá a completa regularização dos caudais do rio e a rega de uma área muito maior. A execução desta obra pertenceria ao Estado, enquanto a outra seria da responsabilidade dos Serviços Municipais de Agua e Electricidade.
A segunda hipótese - a da barragem dos Pequenos Libombos estaria de acordo com os objectivos da Conferência Técnica Tripartida, realizada em Abril último em Mbabane, para o aproveitamento óptimo do conjunto dos escoamentos da bacia do Umbelúzi - escoamentos que compete a Moçambique defender, quer por acordos que consiga elaborar com o Governo da vizinha Suazilândia, quer pelas obras de hidráulica que realize como efectiva concretização desses acordos.
Não nos podemos entregar à situação cómoda da construção da pequena barragem do monte Guanguane só porque o investimento que requer é apenas da ordem dos 30 000 contos, deixando-se inteiramente comprometido o futuro aproveitamento dos recursos da bacia. Não nos esqueçamos de que a seguir à nossa outras gerações virão e não queiramos que elas nos responsabilizem porque não tivemos visão suficiente para pensarmos nelas também. Não consintamos que aqueles que nos sucederem se envergonhem da mediocridade da nossa capacidade de realização.
Sr. Presidente: Chego ao fim deste discurso com um sentimento de frustração. A frustração de não ter tido tempo para dizer tudo o que desejava acerca deste Plano. Ficaram por mencionar muitos aspectos sobre os quais desejaria ter feito recair o meu comentário. Não tive uma palavra para importantes sectores da vida de Moçambique. Nada disse sobre as indústrias extractivas e transformadoras, sobre a educação e a saúde, sobre melhoramentos rurais, energia, comércio, transportes aéreos e ferroviários, portos, turismo, investigação científica, pesca.
Falando de pesca, direi ainda que registei com estranheza que nada se tivesse dito no Plano sobre piscicultura nas águas interiores. A pesca nos lagos e nos rios poderia contribuir enormemente para mitigar a fome de proteínas das populações rurais.
Por fim, uma palavra de louvor para os autores do Plano, que, lutando com falta de meios e grande escassez de tempo, conseguiram, mesmo assim, realizar um trabalho em muitos aspectos digno de relevo. Quero até registar aqui o meu apreço pelo director da Comissão Técnica de Planeamento e Integração Económica de Moçambique, economista de mérito, que teve de transpor

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enormes dificuldades, algumas bem árduas, para que esse trabalho se realizasse.
E termino na mesma cadência com que comecei: com um voto de grande fé no futuro do nosso ultramar, no destino dos Portugueses. Mas gritando bem alto: para Moçambique, e em força! Em força com homens; em forca com iniciativas; em força com um grande programa de integração das suas populações na nossa forma de viver; em força na exploração dos seus vastos recursos económicos - na produção da terra, na mineração do subsolo, no aproveitamento das águas, no desenvolvimento das indústrias, na expansão do comércio; em força no povoamento; em forca na defesa da nossa língua e da nossa cultura.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. António Cruz: - Sr. Presidente: Com o renovado testemunho do mais alto apreço pelas qualidades que sempre distinguiram o mestre eminente da nossa querida Universidade de Coimbra, permito-me endereçar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, os meus respeitosos cumprimentos, quando a oportunidade me consente, uma vez mais, proferir desta tribuna algumas considerações, posto que breves e desambiciosas, e desta vez sobre aspectos inseridos no ternário da investigação e da educação. Ao fazê-lo, não me esqueço de que me encontro diante do mais qualificado juiz, que é o próprio presidente da Junta Nacional da Educação: para ele, para o Prof. Doutor Mário de Figueiredo, vão, neste instante, as minhas respeitosas saudações.
As exigências da hora que passa impõem que aceitemos por axioma este princípio: não pode o mestre limitar-se a instruir, porque tem, sobretudo, de educar. Não pode limitar-se a ensinar, porque tem de formar. Na pessoa de V. Ex.ª, Sr. Presidente, vejo o modelo do mestre dos nossos tempos: aquele que transmite conhecimento e sabe moldar os caracteres, aquele que faz ciência e sabe formar consciências. E logo um alto exemplo: pois que um professor, para o ser de verdade, tem de ser, antes e depois do mestre que divulga conhecimento ou encaminha para a investigação, um condutor de jovens.
A esta luz, abrem-se clareiras no campo da juventude e da sua preparação, iluminando-se também os caminhos ínvios da investigação. O pedagogo e o investigador dão-se então as mãos, para virem a encontrar-se na encruzilhada de um terreno que lhes é comum. Porém, a verdade é que isto só pode acontecer quando ao serviço da juventude, e logo ao serviço da Nação, estiver o mestre que seja exemplo de mestres. E assim V. Ex.ª E assim outros mestres eminentes, superados apenas por aquele que, sendo o primeiro de todos, é, como sempre foi, o modelo por excelência - e não apenas para os seus pares.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Instrução, educação, investigação ... Preocupações das maiores são estas - e na medida em que, reclamando, muito embora, investimentos de vulto, também, na verdade, como se reconhece, aos mesmos investimentos vem logo a corresponder rentabilidade compensadora. Já foi afirmado por alguém com particulares responsabilidades que era até o mais rentável de todos os investimentos aquele que se destinava a incrementar o fomento ou desenvolvimento do ensino e da investigação complementar. E nada mais certo.
O pressuposto admite algumas reflexões ao gosto e jeito de simples anotações. Qualquer delas ressalta de uma experiência pessoal e pode também corresponder à conclusão a que conduziram outras experiências. Serão estas mais validas do que a minha própria experiência; porém, todas elas se apresentam subordinadas a um denominador comum, qual seja o desejo de também neste particular sector da educação e da investigação vir a agir-se depressa e bem, para que seja efectivamente rentável todo o investimento feito.
1. Sem ignorar certo malefício que é inerente ao lugar-comum, atrevo-me a relembrar aqui o que se apresenta como tal: não há escola onde não houver professor. Por outras palavras, e então com brilho e adequado desenvolvimento, exprime-se também neste sentido o digno relator do parecer da Câmara Corporativa subsidiário da subsecção de Ensino. Para aí acentuar - e bem, e pertinentemente - que, importando aumentar o número de agentes de ensino, importa ainda, por força das razões que impõem as percentagens verificadas no exame das necessidades clamorosas, «reorganizar completamente o serviço nacional de formação de professores, por forma a poder preparar os quadros na quantidade e com qualidade necessárias».
Neste enunciado se contém, a nosso juízo, um voto que corresponde, em certa medida, a uma aspiração de há muito formulada e que mereceu já, de certo modo, a consagração oficial, na medida em que lhe fez oportuna referência o Prof. Galvão Teles. Aspiração essa que pode vir a concretizar-se, por exemplo, na criação de um terceiro grau universitário, por hipótese o de bacharel, que seria de conceder a quem frequentasse não todo um curso que culmina, hoje, com a licenciatura, mas, sim e apenas, os seus três primeiros anos, ficando apto, desde logo, a exercer o magistério nos primeiros cinco anos das escolas de ensino secundário (liceal ou técnico).
É em sabemos que não será o bastante o que se relembra aqui, quando está em causa a preparação de professores em número bastante e qualidade suficiente para ocorrer às necessidades do ensino. Bem sabemos que é também urgente uma reforma de estruturas, pelo que diz respeito ao currículo de estudos das Faculdades de Letras, por exemplo - e aqui lembramos, a propósito, quanto de pertinente, e na especialidade, expôs nesta Assembleia, oportunamente, o então Deputado Prof. Gonçalves Rodrigues, fazendo-o com a autoridade de que está revestido e à luz de uma preocupação que é timbre de todo o mestre que vive para a formação da juventude, vivendo também atento aos supremos interesses da Nação.
Ora, porque bem conhecemos dificuldades, só porque - não ignoramos as realidades, não queremos deixar do aludir, posto que num sentido genérico, ao que importa fazer quando se reconhece que urge «adoptar providências enérgicas e extraordinárias - como acentua o parecer da Câmara Corporativa - no sentido de incrementar a procura do emprego nas actividades do ensino».
Pode objectar-se que não é específica missão de quem elabora um plano de fomento cuidar, aí, de apresentar todo o esquema de uma reorganização ou reforma. E de uma reforma autêntica se carece, no caso sujeito: assim tem sido afirmado pelos responsáveis, assim o reconhecem quantos se debruçam, atentos, sobre os problemas do nosso ensino. E se fora caso de se precisar de uma justificação para o que se afirma, bastaria consultar toda a legislação da especialidade publicada nos últimos anos pela Secretaria de Estado da Educação Nacional e relativa aos diferentes graus do ensino. E bastaria também entrar no conhecimento do que já esta esboçado, ou mesmo definitivamente articulado, em ordem a ser publicado na melhor oportunidade. Logo aí, e no caso particular, se revela uma orientação e também uma preocupação: o que se deseja, da parte dos responsáveis, é acudir de pronto

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e com medidas de emergência, sem ignorar, uma só vez, a linha geral de uma reforma completa.
Ainda não é do conhecimento público, em todo o seu pormenor, o Estatuto da Educação Nacional. Conhecemos apenas o pensamento que determinou e presidiu à sua elaboração, pois que esse, em tempo devido, o revelou o Prof. Doutor Galvão Teles, através de uma comunicação feita ao País. Todavia, ignorando-se o pormenor, certo é que no projecto do Plano de Fomento se alude a circunstâncias, a determinantes e até a soluções que tocam de perto ou dizem respeito a ciclos ou graus de estudo, para então enunciar princípios gerais ou repetir o que é de todos conhecido. Mas não se indica uma solução, a partir das exigências do momento ou das possibilidades que nos são particulares: apenas se diz que deve ser esta ou aquela a orientação a seguir, que importa ocorrer com este ou aquele auxílio.
Não há-de acontecer assim quando da execução do Plano. E há-de então impor-se o problema da preparação de professores em número e qualidades suficientes, chamando-se a lugar cimeiro aquele outro problema a que aludimos já, qual seja o da reforma dos estudos.
Se repetirmos hoje o que nos foi dado expor há meses e nesta mesma tribuna, em ordem a justificar uma conclusão, diremos apenas e a propósito que a Faculdade de Letras do Porto precisa de ser completada no seu quadro de estudos com uma ou mais secções, para além da que integra os grupos de Ciências Históricas e de Ciências Filosóficas que ali funcionam. As circunstâncias do momento -sobressaindo de todas a necessidade decorrente das exigências do ensino médio- podem bem aconselhar que sejam criados na Faculdade de Letras do Porto cursos de bacharelato no domínio das Filologias, nomeadamente da Filologia Românica, em ordem a preparar professores aptos para o ensino do Português e do Francês nos primeiros cinco anos - incluindo, evidentemente, o ciclo preparatório unificado- do ensino secundário liceal e técnico.
A qualidade que se deseja para tal ensino é que assim o reclama. É, pois, o interesse nacional, e .não apenas o de uma cidade ou de uma região, que assim o impõe. E o Porto e o Norte confiam.
2. Numa dedução paralela à que faz o ilustre relator da Câmara Corporativa, reconhecemos que a preparação dos quadros docentes, devendo ser distinguida com a prioridade em relação a outras actividades, tem ainda de ser acompanhada, sem delongas, de outras medidas de emergência, de maneira a conseguir-se o que justificadamente se ambiciona. Devendo apresentar-se como preocupação dominante, de início, a atracção de elementos válidos para o exercício do magistério, importa remunerar suficientemente aqueles que são investidos nessa função, durante a sua preparação pedagógica e após ela.
Por outras palavras e atendendo ao pormenor, diremos que urge reformar o sistema actual dos estágios dos candidatos a professor do ensino secundário logo a partir do exame de admissão e pelo que diz respeito à remuneração do serviço prestado pelos estagiários. Será ignorar as realidades manter a actual distinção que também aí, no período de estágio, separa os dois sexos ou manter, embora tornando-a comum aos mesmos dois sexos, a actual gratificação. E as mesmas realidades impõem que se admita, em relação aos candidatos do sexo feminino, a possibilidade de ingressar no estágio sem exame prévio, uma vez que a informação final da respectiva licenciatura corresponda à classificação de Bom.
Com estas sugestões, pretende-se concorrer para que seja mais elevado em cada ano o número de candidatos ao estágio de professores do ensino técnico e liceal. Não esqueçamos, porém, que não basta criar novas condições de admissão ao estágio, como não basta remunerá-lo de maneira suficiente, se pretendemos, na verdade, que a maior parte dos licenciados em Letras e em Ciências venham a encaminhar-se para o magistério secundário. O que também importa, para que a carreira de professor venha de novo a atrair esses jovens licenciados, é atribuir-lhe remuneração compensadora. Ou, até, uma remuneração de competição, quando posta em confronto com aquelas que oferecem as actividades particulares.
Problema, esto não exclusivo do ensino secundário mas sim de todo o ensino, como de todo o domínio da investigação; bem o sabemos, ninguém deixará de o reconhecer. Por isso mesmo é que o chamamos, nesta hora, a, este plano das preocupações maiores, lembrados também de que não isso remunerados de modo suficiente aqueles que se consagram, à docência no ensino superior, desde o segundo-assistente ao professor catedrático com duas diuturnidades.
Poder-se-á objectar que alguns docentes universitários auferem boa compensação do exercício de actividades fora da cátedra; porém, essa é uma excepção. E se a tanto são obrigados, esses que, por excepção, se multiplicam em esforços para auferir, ao fim do mês, rendimento que baste ao sustento da família, e porque a escola não retribui suficientemente o seu serviço, de acordo com a sua dedicação e a sua qualidade.
Repetiremos aqui que não há escola onde não há professor. E para haver verdadeira escola, no ensino superior, é necessário que o professor, ensinando, possa também dedicar-se à investigação, é necessário, pois, que o professor o seja de verdade e a toda a hora, para que, investigando, a Universidade adquira, nele, um mestre - como escreveu, certo dia, o Prof. Marcelo Caetano.
Julgamos merecedoras da melhor atenção, neste particular, as considerações expendidas pelo Dr. José Hermano Saraiva, digno relator da Câmara Corporativa, no douto parecer que foi sujeito à nossa apreciação. Bem se distingue, aí, o que deve ser a investigação dentro da Universidade ou para além dela.
E se é imperioso profissionalizar a carreira de investigador - como, por vezes e alhures, sé tem verificado ou afirmado -, nem por tal facto se deve afastar professor da mesma actividade da investigação. O que se deve é compensá-lo de modo suficiente, para que ele investigue sem estar sujeito ao peso da falta de recursos.
3. Será de justiça reconhecer que domina o Plano, quanto aos problemas que tocam de perto com a formação das novas gerações, com a preparação de técnicos e com toda a problemática de cultura, uma política de fomento da investigação, quer no âmbito das escolas superiores, quer a par delas ou para além delas. Tanto obriga a reflectir sobre aspectos não evidenciados no Plano (e que talvez o não devessem ter sido, uma vex que se trata de questões de pormenor), mas que é oportuno e necessário referir e sublinhar. E queremos destacar desses aspectos, para uma reflexão pessoal, aqueles que são particulares de determinadas fontes acessíveis á investigação pura de certo tipo.
Estão nesse caso as nassas bibliotecas e os nosso arquivos. No seu conjunto, são dos mais ricos, como instituições de informação e, logo, de documentação. Porém, nem todas as suas colecções estão acessíveis a.» investigador ou defendidas capazmente contra os estragos do tempo, mas antes sujeitas a todo qualquer acidente.
Não sabemos ainda, na sua totalidade e na sua especialidade, quanto se contém nas colecções de obra

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impressas, e, de núcleos manuscritos das nossas bibliotecas e dos nossos arquivos. Surpresa das maiores - e, muitas vezes, grata surpresa - aguarda aí o investigador que se apaixona pela pesquisa e cuida de a aprofundar onde menos espera depara-se-lhe uma fonte, narrativa ou apenas informativa não aproveitada ainda, quando não com um grupo de documentos de fundamental importância para o estudo do caso português, raiz firme da própria causa da portugalidade.
Tanto se deve, como é fácil concluir, à falta de inventariação de todas essas colecções e de todos esses corpos diplomáticos, à qual se deve seguir imediatamente uma catalogação descritiva, pormenorizada e identificadora. Terão de ser chamados à execução da tarefa os técnicos habilitados para o seu desempenho. E surge logo a primeira dificuldade: onde encontrá-los, se a carreira, não ofertando compensação material bastante, também e por essa razão não atrai os novos?
E não basta inventariar, nem catalogar, as colecções das nossas bibliotecas e os núcleos dos nossos arquivos. Importa ainda defendê-los, dando-lhes instalação própria e à prova de qualquer risco. Não mais se deve permitir, e vá como exemplo, que o recheio, precioso a todos os títulos, de muitos dos nossos arquivas municipais ou de instituições particulares, onde se guardam elementos fundamentais para p estudo da sociedade portuguesa ou de toda a nossa vida económica, social e política, continuem lançados ao completo abandono, e tantas, tantas vezes, relegados, até, para lugares que não consentem a sua conservação, concorrendo, sim, para a sua destruição.
Quanto se tem feito, nos últimos anos, em defesa das nossas bibliotecas e dos nossos arquivos, é já muito de louvar. Não faltaram, sequer, determinações legais, através da remodelação dos respectivos serviços, decretada há dois anos, bem como através da reorganização da Junta Nacional da Educação. E construíram-se edifícios próprios para a Biblioteca Geral e para o Arquivo da Universidade de Coimbra, e adaptou-se a biblioteca pública o belo Paço Arquiepiscopal de Braga, estando na fase final de acabamento o grandioso e modelar imóvel destinado à Biblioteca Nacional de Lisboa. Para mão esmiuçar, no pormenor, quanto se fez em ordem a ampliar ou beneficiar as instalações de outras bibliotecas e de outros arquivos. Obra meritória, esta, e a mais de um título. Obra que exprime, num determinado sector, o que. representa uma autêntica «política de espírito», qual seja a que estruturou o Sr. Presidente do Conselho e que teve executores em sucessivos titulares da pasta da Educação Nacional, bem como um fiel e dedicado mantenedor na pessoa ilustre do director-geral do Ensino Superior.
Muito se fez, sem dúvida; porém, resta muito por fazer. Torna-se urgente criar as condições necessárias para que se faca mais, muito mais. Através do Plano em discussão, quando se cuidar da distribuição das verbas consignadas à instrução e à investigação, será possível, assim o creio, incrementar o trabalho da inventariação e da catalogação das nossas bibliotecas e dos nossos arquivos e cuidar da defesa das suas colecções e dos núcleos. Parte daqui um apelo, que não é particular do pobre do aprendiz de investigador que eu sou, mas sim comum a todos os que se dedicam à investigação desinteressada. E um apulo que há-de ser ouvido, estou certo, por quem pode ouvi-lo, para lhe dar a resposta que satisfaça inteiramente às necessidades imediatas do País, quer no que concerne ao seu património, quer à defesa do seu prestígio.
As bibliotecas e os arquivos portugueses esperam a sua hora e aguardam, porque delas bem carecem, medidas de excepção, se tanto for reconhecido como necessário. Bem carecidos andam de verdadeiros técnicos ao seu serviço, como tal classificados e remunerados. Porque sem eles não será possível conseguir que as nossas bibliotecas e os nossos arquivos sejam aquilo que podem e devem ser, graças à quantidade, e qualidade das colecções que integram.
Sr. Presidente: Nos termos do que vem proposto, o III Plano de Fomento visa a programação do desenvolvimento económico e do progresso social do País. Disseram das suas razões o& técnicos, dominados apenas pela preocupação do formar «uma economia nacional no espaço português, para a realização dos fins superiores da comunidade».
Quando chegou a hora de planear, de programar, do antever ou de rever, de impor directrizes, de definir rumo, parece que não acudiu a aquecer as almas ou a iluminai-os espíritos um raio do sol da portugalidade - que todos os dias nasce e morre em terras portuguesas. Lemos, meditamos, e açodem-nos, de pronto, interrogações como estas:
E a Pátria, túmulo, que foi berço, dos nossos maiores e que nós queremos que seja túmulo, como foi berço, dos nossos filhos?
E a Nação, essa que é lídima expressão de uma vontade colectiva, sempre renovada nos seus anseios e sempre afirmada na decisão dos seus filhos?
Também é obra de fomento - e logo a primeira - a obra de formação: daí que haja necessidade imperiosa de lhe consagrar especial atenção, reservando-lhe investimentos substanciais. Podem não ser dos maiores, mas serão dos mais operantes e rendáveis. Podem não dar mais técnicos ao País, mas dar-lhe-ão os melhores. Podem não levar a estrada, a água, a luz e a escola ao lugar mais sertanejo, podem não incrementar o desenvolvimento turístico ou a industrialização, nem dar contributo ao planeamento regional. Mas, sendo modestos na expressão numérica e sendo aparentemente limitados na acção imediata, esses investimentos virão a dominar todo o campo da actividade, para logo se traduzirem na maior das riquezas. Por força deles, os nossos filhos c os nossos netos virão a ser portugueses conscientes decididos, para que sempre viva Portugal.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: Junto a minha condolência à- que V. Ex.ª, em nome desta Câmara,, tão sentidamente expressou pela grande dor que o País experimenta nesta hora de grande provação pelos flagelos que atingiram esta região de Lisboa na trágica noite de sábado passado.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Quando se contempla um programa de Governo como aquele que o III Plano de Fomento define- para os múltiplos fins da aceleração do ritmo de acréscimo do produto nacional, para a repartição mais equilibrada do rendimento e correcção progressiva dos desequilíbrios regionais, logo se alcança que um plano de tal magnitude tem, necessariamente, de encarar II equacionar os problemas basilares de tais determinantes.
Por isso o trabalho dos técnicos que tiveram de encarar essa vasta problemática foi longo é difícil.
Alcançaram-se, todavia, resultados a todos os títulos dignos de louvor, pela sua saliente objectividade.

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Sem embargo, como todos os programas deste género, a operosa apreciação das grandes necessidades nacionais e a sua equação planificada obedeceram a comandos superiores, cujos resultados têm merecido os reparos aqui feitos, não com espírito de crítica demolidora, mas antes com o marcado desejo de colaboração que, nas duas emergências da vida nacional, se impõe a, todos quantos têm responsabilidade» no processamento dessa mesma vida, no número dos quais se contam os que têm assento nesta Câmara, como representantes da Nação.
Esse mesmo espírito dominará inteiramente as breves considerações que me proponho fazer nesta tribuna para sugerir algumas ideias e princípios que se me afiguram não estarem suficientemente definidos nas estruturas da proposta de lei que nos foi apresentada, ou nela não alcançarem a predominância a que têm irrecusável jus.
Começo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, por abordar a posição das autarquias locais, designadamente dos municípios, na teia das linhas mestras dos empreendimentos programados, que mais directamente interessam à valorização local.
Sei que não trago a este plenário quaisquer ideias originais, pois antes de mim outros oradores, com muito maiores méritos do que os meus, referiram já os problemas que me proponho tratar; porém, a coerência com a posição que desde o início da minha vida parlamentar tomei nesta Câmara e tenho mantido sem desvios, de servir as autarquias locais, procurando defender-lhes os direitos essenciais e apontar a posição de alto valimento que lhes pertence no fomento da vida regional, impõe-me que faça este depoimento, que, se repetir o que já foi dito - certamente repetirá -, nem por isso será pura inutilidade, porque reafirmará a existência de direitos que nunca é despiciendo defender.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: A situação angustiosa e extremamente difícil de um grande número das nossas autarquias, * e nomeadamente das câmaras municipais tradicionalmente havidas como mais pobres, não experimentou melhoramento depois que há vinte anos, em aviso prévio anunciado e efectivado pelo saudoso e ilustre Deputado Rocha Paris, em 1947, aqui foi analisada e comentada com expressivo vigor pelo Sr. Deputado avisante e pelos Deputados que na tribuna muito valorizaram o seu consciencioso trabalho.
Do nada valeu, outrossim, o novo brado que resultou de outro aviso prévio que, em Janeiro do 1964, tive a honra de apresentar c foi extraordinariamente valorizado também como o anterior pelos brilhantes depoimentos dos Srs. Deputados que tive a ventura de ter por companheiros.
A despeito de terem resultado desses avisos prévios duas moções que a Câmara aprovou por unanimidade para serem apresentadas ao Governo, e nas quais se evidenciava II necessidade imperiosa de corrigir as muitas distorções do regime legislativo que disciplina a actividade das autarquias para lhes permitir uma colaboração perfeita com o Estado, nas grandes tarefas do engrandecimento nacional, sem sobreposições intoleráveis por parte deste, nada de positivo ainda se alcançou nesse sentido.
A pedida revisão do Código Administrativo de 1940 e ainda vigente, para o integrar no condicionalismo da vida portuguesa dos nossos dias, tão essencialmente diferente da desses já recuados tempos, ainda continua por fazer, sem embargo de nos últimos anos se haver verificado uma extraordinária fecundidade legislativa de prioridade discutível.
Ora, não se pedia nem se desejava, muito, quando nesta Câmara se evidenciou a necessidade de reintegrar a vida autárquica no ordenamento das suas premissas naturais.
Não se advogou a outorga de regime despropositado com os superiores interesses da grei, mas tão-sòmente a solução de bem conhecidos problemas que flagelavam as autarquias, impedindo-lhes o desenvolvimento das suas funções tradicionais e1 dificultando-lhes a valorização das manchas do território que lhes cumpre fomentar, sem desfalecimentos, nem atardamentos comprometedores.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pedia-se - e continua a pedir-se - que se não continuasse a sofisticar a vida das autarquias, carregando-as de obrigações de toda a ordem, sem lhes outorgar os meios de bem as poderem cumprir!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pedia-se - e continua a pedir-se -, finalmente, que se considerassem as autarquias como membros válidos e imprescindíveis do binómio de realizações que formam com o Estado, tratando-as como tais, e não como elementos de apagada subalternidade nesse binómio.
Quem poderá afirmar que se pediu algo mais do que lhes é devido.
Para tanto, impetrou-se a modificação do sistema que repudiava - e repudia - a fundamental política de justo equilíbrio de funções entre Estado e as autarquias; isto é, a revisão do Código Administrativo.
Considerou-se que, perante essa política de íntegra justiça sócio-administrativa, não se justificava que o Estado continuasse a deixar a cargo das administrações locais a satisfação das grandes necessidades da Nação relacionadas com a saúde, com a instrução e educação da grei, e, além delas, as vultosas despesas com a instalação dos seus próprios serviços, socorrendo-se, para tanto, da sua predominante soberania.
Por outro lado, o crescente desenvolvimento da vida nacional, equacionado com os primados dessa mesma política, impunha uma revisão das estruturas dos órgãos da administração local, em ordem a colmatar os desequilíbrios já notados, fomentando cooperações em que, desde logo, se reconheceu o inegável mérito de ajudarem substancialmente a resolver ingentes problemas da valorização local.
Perante a grande soma dos argumentos aduzidos c, principalmente, perante a conhecida premência de tantas distorções da vida das administrações locais, esperava-se que se operasse a revisão que tanto se impunha.
Não obstante, tal revisão ainda se não processou; em vez dela, institucionalizaram-se certos expedientes de que se tinha lançado mão a título verdadeiramente excepcional, esperando por ela!
Ë, por exemplo, o caso das «derramas» que o Estado cobra para as câmaras municipais, por via de percentagem com a contribuição predial do concelho, e se destinam a solver dívidas e as despesas com o internamento e tratamento de doentes na rede dos variados hospitais.
Receita nitidamente extraordinária, cabe-lhe assim a missão legalmente impossível de cobrir despesa ordinária, o que é contra os sagrados cânones ... das contas públicas!
Por outro lado, ainda neste importante sector da saúde públicas, as dívidas dos municípios aos hospitais, que chegaram a atingir alguns milhares de contos, foi criado um regime especial de pagamento, que, em vez de beneficiar os devedores, como seria natural, ainda, mais os onerou.

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Ë que o Estado, como cobrador das grandes receitas municipais, serviço que lhes presta com abundante remuneração, reservou-se o direito de retenção dessas receitas, se não houver voluntária solvência dos gastos com a saúde dos munícipes, gastos passados e presentes ... agora já liquidados com juros substanciais.
Poucas são as autarquias às quais este drástico sistema não causa profunda perturbação no desenvolvimento das suas múltiplas actividades.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Efectivamente, trata-se de despesas incontroláveis, como o são as doenças que lhes dão causa, pelo que as administrações locais de recursos mais limitados - e tantas são - procuram evadir-se-lhes, esquecendo muitas vezes que a, saúde do povo tem de estar na primeira linha das respectivas preocupações, pois ainda se não demonstrou que se possa afastar o mandamento de que salus populo, suprema lex esto.
O que está a suceder no sector da saúde, de custo deixado a cargo dos débeis erários municipais, acontece com outras fontes de despesa obrigatória que os mesmos erários são forçados a suportar. Umas e outras produzem desequilíbrios que se repercutem funestamente na vida local, fomentando atrasos e inibições que cada vez mais a comprometem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, as administrações que vivem em permanente estado de carência, vendo-se colocadas na impossibilidade de obedecerem à rigidez dos princípios dominadores da sua vida financeira, são forçadas a enveredar por caminhos de nítida oposição com os princípios para executarem os empreendimentos contidos nas comparticipações do Estado ou impostos pelas exigências dos seus administrados, que se não sabem acomodar às minguadas possibilidades das respectivas autarquias.
Ora todas estas e muitas outras situações de anomalia seriam desnecessárias se o ordenamento da vida administrativa deixasse de se basear nos artifícios legais que se institucionalizaram como dogmas indiscutíveis.
A luz baça dessa dogmática política se tem estruturado, todavia, toda a comparticipação das autarquias nos empreendimentos programados nos planos anteriores que mais interessam ao desenvolvimento local.
Havidas como dotadas dos meios necessários à comparticipação que lhes é atribuída, sem necessidade de lhes serem facultados quaisquer outros recursos além daqueles que lhes vêm do sistema actual, as autarquias ficam colocadas em situações pouco invejáveis.
Assim tem sucedido sempre, e, para não fugir à regra, também agora o mesmo se verifica no III Plano de Fomento.
Efectivamente, tendo sido projectados empreendimentos nos sectores da electrificação rural, dos abastecimentos de água, dos esgotos, da viação rural e outros melhoramentos, destinando-se-lhes 2 880 000 contos para o hexénio, programou-se o respectivo financiamento por forma a caberem ao Estado, das suas receitas e das do Fundo de Desemprego, 1290 000 contos, e às autarquias locais, 1 077 000 contos, devendo as concessionárias da distribuição de energia para a electrificação rural contribuir com 513 000 contos.
Se se tiver em conta que a comparticipação do Estado nesta gama de melhoramentos é de 50 por cento para as electrificações e esgotos, entre 60 e 85 por cento para as
obras de construção da viação rural e de 75 por cento para as de reparação de estradas e para as do abastecimento de águas, logo se fica a conhecer a extraordinária leveza com que foi considerada a posição das mesmas autarquias.
Este erro, aliás bastante grosseiro, merece, contudo, um pouco mais de atenção.
É que, a manter-se este escalonamento financeiro durante o cumprimento do Plano, se derrogarão os princípios que levaram o Estado à fixação de comparticipações diversificadas para acudir às autarquias de mais débeis recursos, o que seria uma chocante ofensa aos confessados fins de harmónico desenvolvimento do espaço português que o III Plano procura atingir.
Mas esse harmónico desenvolvimento só poderá conseguir-se se for feita uma conscienciosa distribuição dos meios de combate, no desequilíbrio de que se possa lançar mão.
Não pode perder-se de vista que há ainda vastas regiões do Portugal metropolitano que permanecem ensombradas por precário desenvolvimento, pertinazmente professado no tempo pela incidência de múltiplos factores adversos.
São essas regiões servidas por órgãos administrativos empobrecidos que, no seu estado de carência, pouco podem fazer pelo desenvolvimento acelerado que é mister conseguir.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Terá então de lhes ser concedida uma ajuda substancial, adequada a criar-lhes potencialidades iguais ou muito semelhantes àquelas de que já desfrutam, ou venham a desfrutar, as regiões de aceitável teor de desenvolvimento.

O Sr. Nunes Barata: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não me furto, Sr. Presidente, a indicar, com base nos elementos que colhi nas publicações oficiais, uma ordem da grandeza deste impressionante desequilíbrio.
Assim, na receita global dos distritos do continente e ilhas adjacentes, que, fixada nos 808 200 contos em 1954, atingiu 1 755 000 coutos em 1965 - números redondos -, comparticiparam os distritos de Lisboa o Porto, respectivamente, com 416 000 contos em 1954 e com 929 000 contos em 1065, o que representa mais de metade daquelas receitas globais ...
Por seu lado, as duas Câmaras de Lisboa e Porto contribuíram para- estas receitas, respectivamente, com cerca de -286 100 contos e 77 800 contos naquele ano de 1954 que viram elevar-se no ano de 1965 a, respectivamente, 517 200 contos e a 146 200 contos.
Ora este acréscimo de riqueza não foi sentido em todo o território, pois os distritos da zona interior e as respectivas câmaras municipais e demais autarquias continuaram na escala das suas limitadas possibilidades, mau grado os esforços que desenvolveram para se libertarem das suas grandes limitações.
A vida difícil dessas autarquias das zonas do interior do território reflecte a vida dificultada dos seus próprios habitantes, que formam a maior parte dos 13 387 aglomerados de 100 ou mais almas oficialmente reconhecidos no território metropolitano, dos quais ainda 5192 não têm electricidade, 10 100 carecem do imprescindível melhoramento do abastecimento domiciliário de água e 2550 esperam o benefício do acesso por estrada, isto para apenas referir os três elementos fundamentais da vida civilizada.

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E ocorre perguntar: e as povoações com menus de 100 habitantes, muitas das miais progrediriam rapidamente se recebessem os benefícios desses elementos fundamentais, não serão igualmente dignas da atenção das autarquias a que pertencem e do próprio Estado?
Certamente que sim, é a resposta que a dignidade humana nos impõe. Perante tais realidades, torna-se por de mais evidente que o Estado, a quem interessa fundamentalmente o progressivo aumento do bem-estar dos povos, como seguro meio de obtenção do progressivo aumento do rendimento nacional, tem de criar às autarquias, que, da mesma forma interessadas nesses progressivos aumentos, são as suas mais directas colaboradoras, as condições indispensáveis ao integral cumprimento das importantíssimas missões que têm de realizar para os conseguirem.
Parece-me oportuno, Sr. Presidente, relembrar uma vez mais aquilo que em outras sessões legislativas aqui sugeri como um dos meios de segura eficácia para se acelerar o progressivo desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas.
Tenho para mim que seria altamente, vantajoso que cada concelho organizasse o inventário, tanto quanto possível completo, das suas necessidades mais prementes ou de todas as suas necessidades.
Para tanto, as autarquias deviam ser assistidas pelos técnicos dos serviços do Estado estabelecidos nos respectivos distritos, que poderiam prestar-lhes uma colaboração a todos os títulos eficiente.
Organizados esses inventários, as câmaras municipais reunir-se-iam na sede dos respectivos distritos sob a égide da junta distrital ou do governo civil e aí examinariam os empreendimentos julgados necessários e arrolados como tais, para fixarem aqueles que apresentaram um traço de interesse comum e aqueles que forem sómente peculiares.
Estudar-se-ia então a possibilidade de aqueles serem realizados pelo esforço conjugado de todos os municípios interessados dentro de planos de cooperação facilmente, estatuíveis.
Por outro lado, tornar-se-iam conhecidas as dificuldades de cada um, dentro do mesmo espírito de válida cooperação.
Desta sorte se poderia evitar o desperdício do actividades e baratear os custos dos empreendi mentos, com acertadas medidas: de conjunto.
E que, não sendo muitos os recursos ao nosso alcance, há que respeitar as exigências dos nossos dias, que impõem, cada vez com maior intensidade, a aglutinação dos que têm interesses comuns a perseguir ou necessidades semelhantes a satisfazer.
Ora, o mandamento da cooperação que domina no sector privado um ror de actividades não se sente menos em determinados aspectos da dinâmica- do próprio sector público, designadamente no que concerne à vida das autarquias.
Foi sob este pensamento que a lei administrativa decretou a federação de municípios, na reunião das juntas de freguesia.
Todavia -, não encorajou suficientemente estas formas de associação quando as decretou meramente facultativas, e, então, as administrações locais, ou por um natural sentimento de independência -, que é reacção lógica contra o espírito tutelar da própria lei, ou peio império das próprias dificuldades, desdenham da associação com outras administrações, porfiando lutar apenas com os seus limitadíssimos recursos.
Contra esta tendência isolacionista se deve pugnar com vigor, pois os altos interesses da grei assim o exigem.
Não se pretende de nenhuma maneira que as autarquias percam ou diminuam a sua- tradicional independência. Seria como que um sacrilégio tentar diminuir ou amortecer a diferenciação que tem vincado o tradicional espírito municipalista.
O que se pretende é apenas que se não malbaratem esforços na realização de empreendimentos semelhantes, que uma adequada cooperação facilitaria grandemente.
Cito a propósito, Sr. Presidente, que foi no distrito de Coimbra que se iniciaram e se vem realizando já há alguns anos, tendo assumido carácter de acontecimento indispensável, periódicas reuniões de trabalho dos representantes dos municípios com os elementos da hierarquia distrital dos serviços do Estado, convocadas e presididas pelo Sr. Governador Civil, que foi o seu inspirador e as convoca, muitas das quais têm tido a honrosa presidência do Ministro a cuja pasta pertencem os assuntos, inscritos» na respectiva agenda de trabalhos como principais.
Posso testemunhar a favor destas reuniões, que reputo de transcendente importância, pois tenho verificado que ali são tratados com integral proveito os mais variados problemas e criada a ideia de cooperação, que está A produzir importantes benefícios políticos & económicos.
Com base nos valiosos ensinamentos que tenho colhido nestas reuniões, afigura-se-me que não será difícil generalizar o sistema.
A conjugação dos recursos, ainda que limitados, tem sempre como resultante o fortalecimento dos meios de acção, como é bem sabido.
O que se deixa dito. Sr. Presidente, parece-me suficiente para evidenciar, unia vez mais, o valor irrecusável das autarquias locais na realização dos empreendimentos programados no III Plano de Fomento que mais concernem à valorização generalizada da vida local.
Ficam a pertencer-lhe numerosas e importantes tarefas, mas tom de reconhecer-se que as autarquias não estão devidamente apetrechadas para executar essas tarefas, porque de há muito que vivem subjugadas por dificuldades financeiras e de outras ordens que lhes não têm consentido a criação das estruturas de que necessitam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não pode o Estado desconsiderar estes, factos essenciais e, para contar com as autarquias, terá de lhes garantir os meios de acção indispensáveis.
Não pode, todavia, continuar-se no convencimento de que a política de comparticipações, com que se tem procurado atenuar o conhecido desfasamento entre a necessidade dos imprescindíveis melhoramentos à dignificação da vida local e a«: efectivas possibilidades da sua execução pelas autarquias, é suficiente para remediar as situações de aflitiva carência em que as mesmas autarquias têm vivido.
É que essa política supletiva do Estado tom respeitado mais os seus soberanos interesses do que as grandes necessidades locais. Na verdade, tal orientação, porque é uma política de liberalidade», tem muito mais de facultativa do que de vinculada a direitos alheios seguramente reconhecidos!
Por outro lado, essas ajudas do Estado nunca atingem a totalidade dos custos dos empreendimentos a que se destinam, pressupondo, por isso, uma participação que as autarquias de menores recursos não podem normalmente prestar, dada a ostensiva debilidade dos seus enfraquecidos erários.
Daqui têm resultado muitos dos conhecidos atrasos do desenvolvimento das zonas de influência, dessas empobrecidas autarquias, cada vez mais distanciadas do progressivo crescimento que outras zonas do território vão gradativa-

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mento experimentando, por via dos melhores recursos das autarquias que as servem.

O Sr. Nunes Barata: - Muito bem!

O Orador: - Importará, por isso. corrigir estas anomalias, para que o desenvolvimento do III Plano de Fomento possa atingir os seus elevados fins.
Gravitam no sector dos melhoramentos rurais, Sr. Presidente, os interesses vitais de mais de 6 milhões de portugueses do continente, que se distribuem pelos 33 460 aglomerados com menos de 100 habitantes e pelos 13 387 com 100 almas ou mais. É um numero impressionante de pessoas com irrecusável direito aos benefícios da vida civilizada dos nossos dias. integrada pelos elementos essenciais, como sejam, além de outros, a água limpa e abundante na casa de cada um, o acesso fácil e cómodo por estrada, a electricidade com a sua forca dinamizadora e as redes de salubridade.
Ora as estatísticas e os estudos mostram que nem todos os aglomerado* com mais de 100 habitantes já dispõem desses elementos essenciais, pois, como já foi dito, cerca de 10.100 ainda não têm abastecimento de água; 5192 carecem de electrificação; 2550 debatem-se com a falta de acesso por estrada, e a quase totalidade ainda não tem rede de esgotos. Mas impressiona ainda mais que os aglomerados com menos de 100 habitantes, povoados por cerca de 6 milhões de almas, ainda esperem ansiosamente por todos ou por quase todos desses fundamentais elementos. A verificação de tantas carências torna evidente que os investimentos previstos para este importante sector, que se fixaram nos 2 880 000 contos, são manifestamente insuficientes à forte arrancada que se torna necessária para que pelo III Plano de Fomento se obtenha a progressiva correcção dos desequilíbrios regionais de desenvolvimento que a base III expressamente propõe.
Todavia, enquanto esses desequilíbrios não forem adequadamente colmatados e suficientemente corrigidos, os meios rurais, que são os centros populacionais mais afectados pela carência dos elementos essenciais a um viver de teor civilizado, continuarão a ser depredados dos seus valores humanos, atraídos pelo aliciamento dos centros urbanos onde muito pouco ou nada falta, nem mesmo a amargura das grandes desilusões. A valorização dos meios rurais será. assim, o melhor remédio contra o temível flagelo que é o êxodo rural.
No III Plano de Fomento devem ficar assegurados os meios de obtenção de tão heróico remédio, que às autarquias locais cumpre aplicar sem parcimónias.
Sr. Presidente: Gomo Deputado pelo círculo de Coimbra, não quero deixar sem uma especial referência a forma como é tratado na programação do III Plano de Fomento o aproveitamento da bacia hidrográfica do Mondego.
Depois dos numerosos estudos oficiais e particulares em que o empreendimento é focado para mostrar as muitas facetas do seu inegável interesse: depois das posições oficiais tornadas pela Administração nos anteriores planos: depois do notável aviso prévio efectivado pelo Sr. Deputado Nunes Barata em 1963, que foi também completíssimo estudo da importante problemática de toda a região central do País: depois dos depoimentos dos Srs. Deputados que. na altura, versaram os mesmos temas, e recordo, por todos, o trabalho do Sr. Deputado Santos Bessa, em que ficaram concretizadas as grandes ansiedades dos povos que. ano após ano, vão perdendo o domínio dos 15 000 ha dos campos do Mondego, e, sobretudo, depois da completa exposição que no memorável dia 30 de Janeiro de 1961 as forças vivas da região central, encabeçadas pela Federação dos Grémios- da Lavoura da Beira Litoral, tiveram a honra de entregar pessoalmente ao Sr. Presidente do Conselho e daquilo que S. Ex.ª interessadamente determinou com vista à satisfação dos justos pedidos formulados, depois de tantos e tão valiosos argumentos a favor da justa causa que se vem defendendo, esperava-se justificadamente que o Governo encarasse em dimensão apropriada, no [TI Plano de Fomento, os grandes interesses da região central do País que o aproveitamento do Mondego abarca devidamente.
Todavia, para o empreendimento a que se reconhece uma vez mais a virtude de permitir a defesa, o enxugo e rega de 14 930 ha de terras ricas dos vales desse rio, totalmente indisciplinado, apenas se considerou para a vigência do Plano a construção de duas barragens para dominarem a parte importante das bacias do próprio Mondego e dos seus afluentes Dão e Alva.
Mas englobam-se estas obras, cuja importância se não discute, com um vultoso grupo de outros empreendimentos do capítulo da hidráulica agrícola, constituindo uma rubrica à qual se destinou apenas um investimento de 440 000 contos, ao lado dos 380 000 contos que se resolveu atribuir para a execução da 2.a fase do Plano de litiga do Alentejo.
Não menosprezo, Sr. Presidente, a valia e a necessidade das obras desta rubrica que são companheiros do infortúnio do empreendimento destinado à valorização da região central do País pelo aproveitamento do Mondego; todas elas são necessárias e outros lhe postularão a primazia. Mas quero relembrar, ainda uma vez mais, que a perda gradativa dos campos do Mondego pela persistente invasão das areias das erosões cio interior, carreadas pelas caudalosas cheias do rio incontrolado, é um prejuízo de volume demasiado para as débeis forças das estruturas económicas da região central do País.

O Sr. Nunes Barata: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, quero relembrar também que o racional aproveitamento dos 15 000 ha destes campos, além das múltiplas vantagens sociais que produziria, poderia ajudar a substancial elevação de valor do produto nacional por parte da agricultura, evitando as volumosas importações de cereais, carnes que desequilibram impiedosamente a nossa balança económica.
Não me parece necessário aduzir mais argumentos em favor da prioridade que deve ser concedida a este empreendimento no quadro limitado dos investimentos possíveis.
Quero, finalmente, deixar uma palavra em favor da nossa empobrecida agricultura, cujas dificuldades aqui ficaram claramente apontadas.
Acompanho inteiramente as ideias expendidas pelo Sr. Deputado Proença Duarte e pelos Srs. Deputados que defenderam princípios idênticos.
Para debelar a grande crise de, confiança nos próprios recursos dos lavradores portugueses urge, primeiramente definir uma política agrária à escala nacional e, dentro dela, estabelecer os caminhos que devem e podem ser seguidos, para se, alcançarem as grandes metas do equilíbrio da vida nacional. A Corporação da Lavoura já disse a esse respeito algumas das palavras que tinham de ser pronunciadas e exteriorizou pontos de vista inteiramente de acordo com os vitais interesses de um sector ([lie se não pode deixar arruinar ainda mais.
Reverto o meu pensamento para todos esses brados de alerta contra, os factores que arruinam a agricultura portuguesa e faço votos para que os mesmos tenham sido escutados, como convém à sua imprescindível sobrevivência.

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29 DE NOVEMBRO DE 1967 1909

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Apesar de tudo quanto disse, e tudo foi por bem, quero evidenciar o meu aplauso às generalidades da proposta de lei do III Plano de Fomento, que, como programa de Governo, contém, além de muitas outras, as inegáveis virtudes de mostrar que, na guerra como na paz, Portugal continua a seguir os seus rumos de valorização humana, como sempre, tem feito nos já longos caminhos da sua história, ao serviço desinteressado dos grandes primados da civilização cristã.
Tanto basta, Sr. Presidente, para que não denegue à generalidade da aludida proposta de lei o meu aplauso e o meu voto de aprovação.
Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá duas sessões, uma às 11 horas, outra à hora regimental. A ordem do dia de uma e de outra é a continuação da discussão na generalidade da proposta de lei para elaboração e execução do III Plano de Fomento.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas c 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Correia Barbosa.
Fernando de Matos.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Hirondino da Paixão Fernandes.
James Pinto Bull.
João Duarte de Oliveira.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme Bato de Melo e Castro.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pais Ribeiro.
José Rocha Calhorda.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Henriques Nazaré.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Garcia Ramirez.
Tito de Castelo Branco Arantes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
André da Silva Campos Neves.
António José Braz Regueiro.
António Magro Borges de Araújo.
António Maria Santos da Cunha.
António dos Santos Martins Lima.
Artur Alves Moreira.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Jaime Guerreiro Bua.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Soares da Fonseca.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Sebastião Alves.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.

O REDACTOR - Luiz de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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