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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 102
ANO DE 1967 30 DE NOVEMBRO
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 102 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 29 DE NOVEMBRO
Presidente Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos Srs. Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 11 horas e 20 minutou.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 97, com uma rectificação apresentada pelo Sr. Deputado António Cruz.
Foi lido um telegrama do embaixador de Portugal na Venezuela transmitindo uma proposta da Câmara de Deputados daquele pais de solidariedade com o povo português na tragédia das inundações na região de Lisboa.
O Sr. Deputado Peres Claro apontou vário* meios de difundir a língua portuguesa.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei relativa à elaboração e execução do III Plano de Fomento.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Cazal Ribeiro, Melo Giraldes e Cortes Simões.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 13 horas.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 11 horas a 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Alberto Pacheco Jorge.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António Magro Borges de Araújo.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Bibeiro).
Francisco José Cortes Simões.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Horácio Brás da Silva.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Alberto de Carvalho.
José Dias de Araújo Correia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Maria de Castro Salazar.
José Pais Ribeiro.
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José Pinheiro da Silva.
José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Raul Satúrio Pires.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Simeão Pinto de Mesquita de Carvalho Magalhães.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Tito Livio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 60 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 11 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 97, ontem distribuído.
O Sr. António Cruz: - Requeiro que seja feita a seguinte rectificação no Diário das Sessões n.º 97: a p. 1808, 1. 32.ª, onde se lê: «... no Mosteiro de Jeronimiano da Costa ...», deve ler-se: «... Mosteiro Jeronimiano da Costa ...».
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deduzir qualquer outra reclamação, considerá-lo-ei aprovado com a rectificação requerida.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama do Embaixador de Portugal na Venezuela dirigido ao Sr. Presidente:
Tenho honra levar conhecimento V. Ex.ª que Câmara de Deputados de Venezuela aprovou por unanimidade seguinte proposta:
Que a Câmara de Deputados em nome povo de Venezuela faça chegar ao povo de Portugal sua solidariedade com a dor que boje o aflige como consequência da horrível tragédia acontecida passado fim semana em Lisboa. Igualmente que a Câmara faça público este sentimento perante a colónia portuguesa residente na Venezuela.
O Sr. Presidente: - Vou agradecer, em nome da Assembleia, este telegrama do Embaixador de Portugal na Venezuela, relativo a uma proposta da Câmara de Deputados daquele país.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Peres Claro.
O Sr. Peres Claro: - Sr. Presidente: Vou falar hoje da língua portuguesa, sobre a qual talvez devesse trazer aqui, para floreado início do meu discurso, quantos ditirambos lhe têm dedicado, ao longo de séculos. Talvez pudesse acrescentar sem escândalo, de tal forma tais afirmações nos deleitam, que ela é a mais branda e suave do mundo, a que melhor exprime os sentimentos íntimos do homem, a mais capaz de ser segredada a ouvidos íntimos. Era uma frase bonita, talvez ficasse em antologias, mas não tinha adiantado nada para defesa e salvaguarda desse património inestimável e imprescindível que é a língua de um povo.
Este jeito danado que nós temos, como miúdos pequenos, de passar e repassar a mão sobre as nossas coisas, contemplando-as deslumbrados e perdendo-as de olhos sonhadores, sem o esboço de uma defesa, herança fatalista do nosso sangue árabe, enroupa tão bem as coisas em vestes de poesia que, quando alguém grita que o rei vai nu, não acreditam. E o rei às vezes vai mesmo nu...
Sr. Presidente: Em 26 de Abril de 1961, suponho que neste mesmo lugar da bancada, eu trouxe aqui um apontamento sobre a condição cultural das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, na intenção de chamar a atenção do Governo para a necessidade política de dar a esses núcleos portugueses, embaixadores nossos em terras estranhas, uma assistência cultural de base, que fosse extensiva a seus filhos, cujo desaportuguesamento era então evidente e fatal.
Impressionado com o contínuo fazer de telhados para edifícios sem paredes, sugeri a concluir que, a par de um Instituto de Alta Cultura, tivéssemos um Instituto de Cultura Portuguesa, a quem caberia, além do mais, a responsabilidade de atender às necessidades culturais dos portugueses e dos filhos dos portugueses que, emigrantes, ganham fora da Pátria o pão do corpo e, com ele, a luz do espírito dos outros. Não foi criado esse instituto, mas a evidência do que então disse sobre a gravidade do problema de grandes massas de portugueses isoladas em corpo estranho, na maioria formadas por homens de pouca cultura e mais receptivos, por isso, a qualquer espécie de cultura, veio a provocar aqui e ali, mas com lentidão exasperante, assistências oficiais. Transcrevo de acaso uma notícia de Abril deste ano, publicada na primeira página do quinzenário Lusitano, editado em Montreal, rio Canadá, com o subtítulo de «Vale mais tardo que nunca»:
Por convite feito a este jornal, fomos assistir à entrega dos livros portugueses que o Ministério dos Negócios Estrangeiros enviou para as crianças portuguesas de idade escolar residentes em Montreal.
Facto a assinalar nas colunas deste modesto jornal. visto que só após três anos de sucessivos envios de cartas esclarecendo a necessidade dos livros para as nossas crianças, que daqui a escassos anos, se não se tomarem algumas medidas, a língua portuguesa ser-lhes-á esquecida (sic).
Daqui endereçamos um obrigado ao Dr. Castelo Branco, director dos Serviços Culturais daquele Ministério, pelo cumprimento da palavra que teve para
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com o director deste jornal, quando ali foi formular pessoalmente o pedido, esclarecendo a necessidade vital dos livros para as crianças de hoje e homens portugueses de amanhã.
A presença deste jornal lusitano em terras canadienses é também uma prova de que alguma coisa está a ser feita no apoio ao portuguesismo dos colonos em terras alheias. Aliás, no projecto do III Plano de Fomento diz-se estar na preocupação do Ministério da Educação Nacional a cobertura e intensificação da assistência cultural e escolar às comunidades portuguesas que vivem noutros países.
Uma preocupação sempre é melhor que uma indiferença ...
A tarefa, porém, de levar a língua portuguesa aonde portugueses a podem falar cresce de importância e de acuidade quando se encaram os territórios africanos. Muitos de nós tivemos ocasião de verificar quão mal se fala ali o português ou como o desconhecem. Ao caso se referiu ainda há pouco o Sr. Ministro do Ultramar, com a autoridade que tem, recomendando acção profunda e intensiva.
Mas, Sr. Presidente, e Srs. Deputados, do que eu vinha a falar hoje era do que se passa na metrópole, onde os meios audiovisuais, considerados hoje como poderosa ferramenta didáctica, estão a actuar, infalivelmente, sobre o modo de ser e o linguajar da gente portuguesa. Refiro-me em especial, ao cinema e à televisão.
Vai de mal a pior, em quantidade, a nossa produção cinematográfica. De extremo a extremo de Portugal, o que se passa, pois, nos panos brancos dos cinemas é importado por larga soma de divisas, sobretudo da América. Todas as noites, milhares de portugueses se sentam em salas escuras a ouvir falar estrangeiro. Todas as noites, mais milhares de portugueses assistem pela televisão à passagem de filmes em fala estrangeira. Pior que o cinema, é a televisão.
Ela chega às pequenas aldeias, onde o índice de alfabetização não é famoso, com muita projecção falada em estrangeiro, obrigando à. leitura rápida de legendas minúsculas, que, por isso, nem sempre são lidas totalmente. Então, se a legenda é já, pela própria linguagem cinematográfica e por esforço do tradutor, frase descarnada de atavios, estilo sintético de telegrama, lida incompleta ou lida depressa é sucessão de palavras cujo sentido se adivinha pelos gestos, e por isso mais vale abandoná-la, a perder a riqueza de pormenores da representação. Quantas vezes, no cinema, mesmo os que lêem depressa, não abandonam a leitura para se aterem ao jogo fisionómico dos artistas, ao cuidado da encenação? Estou mesmo em crer que muita da crítica severa que se faz aos filmes portugueses resulta da possibilidade, que eles dão, por não obrigarem a leitura de legendas, de tudo neles se poder observar, desde o rigor da representação à arte da montagem. Assim como crente estou de que muita da crítica que se faz à deficiente sonorização dos filmes portugueses é mais resultante de uma aparelhagem de reprodução afinada para tonalidades estrangeiras do que de má captação de som ou técnicos pouco experientes.
O problema da dobragem dos filmes há muito que é debatido entre nós, com argumentação válida de parte a parte. Não lhe trago aqui novidade nenhuma, nem sequer o exemplo do que se passa em Espanha, onde tudo é dobrado. Ponho-o, porém, nesta Assembleia, por um sentido de responsabilidade a que me arrogo como professor e como político, para além das relações humanas do dia a dia. Não seria, aliás, lógico comigo mesmo se, defendendo o ensino da língua portuguesa além-fronteiras e a sua consolidação no ultramar, o viesse a desprezar aqui ao pé da porta. Ao menos que a TV dobre os seus filmes, já que contra as empresas distribuidoras não, há altos poderes que possam levantar-se.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa à elaboração e execução do III Plano de Fomento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cazal Ribeiro.
O Sr. Cazal Ribeiro: - Sr. Presidente: E de tal forma vasto o campo de apreciação que resulta de uma análise, mesmo sucinta, do III Plano de Fomento que julgo caber no pormenor da discussão um problema que, embora constituindo apenas uma parcela do diploma em referência, merece, mesmo assim, que sobre ele nos debrucemos, embora tão resumidamente quanto possível. Refiro-me aos capítulos em que se trata do plano rodoviário, quer u escala nacional, quer à regional.
Insistentemente, cada vez mais insistentemente, se ouve clamar, em todo o País e em todo o Mundo, contra o aumento assustador dos acidentes de viação, que ceifam impiedosamente milhares de vidas e causam incalculáveis prejuízos de toda a ordem. Muitas poderão ser as medidas a tomar no sentido de minorar o caos em que vivemos, e em todos os sectores, públicos e privados, é evidente o desejo de se unirem os esforços despendidos a fim de se obter aquilo que, ao fim e ao cabo, é o natural anseio de todos.
Por mim, por mais de uma ocasião,, e em várias circunstâncias, tenho, dentro da minha limitada capacidade, tentado contribuir para o esclarecimento de uma situação que, sem querer dramatizar, é excessivamente grave para não preocupar todos quantos, possíveis intervenientes ou simples espectadores, acompanham mais de perto tão importante problema, cuja extensão seria inconsciência ignorar e grande erro minimizar.
Estas palavras ligam-se, como acima referi, com o III Plano de Fomento, porquanto será preciso analisar II utilização das verbas destinadas às estradas nacionais e à viação rural, referidas nos capítulos IV e V do 2.º volume do aludido e importantíssimo documento, o qual foi concebido para um período de seis anos e funcionará como instrumento de programação global do desenvolvimento económico e do progresso social do País.
Ora não se ignora, não pode, nem deve, ignorar-se, que é justamente o estado em que se encontram certas estradas uma das causas mais relevantes dos acidentes de que resulta a perda de vidas e de bens que urge estancar, e a que me referi no preâmbulo desta minha intervenção. E evidente que a rede rodoviária nacional, bem como as estradas rurais, não acompanhou, quanto à quilometragem construída, renovamento de certos troços ou respectiva conservação, o extraordinário surto registado no parque automóvel nacional, nem o aumento de tonelagem de alguns veículos em circulação. E, repito, muito embora o problema não seja apenas nosso, e não devamos ignorar o facto para que o assunto seja visto com inteira objectividade, interessa-nos principalmente que o que a
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nós diz respeito seja devidamente equacionado e resolvido, embora não possamos deixar de ter presente a conjuntura actual em que se vive e as naturais limitações que daí fatalmente advêm para as possibilidades de, nesse importante sector da vida nacional, se encontrarem soluções que, estando tecnicamente ao nosso alcance, não puderam ser adoptadas com a rapidez devida, no plano económico.
Julgo, porém, que, embora com inevitável e vultoso dispêndio inicial, aliás facilmente compensável pelos progressos de toda a ordem a obter e, portanto, rápida amortização do material cuja aquisição é indispensável, algo mais se pode fazer do que aquilo que, com inegável boa vontade, mas usando de métodos ultrapassados, se vai conseguindo, embora com resultados muito aquém do mínimo indispensável ao objectivo desejado.
Com efeito, afirma-se no capítulo IV, já referido (alínea l, § 1.º), do Plano de Fomento que «as vias de comunicação», a produção de energia, os aproveitamentos hidroagrícolas, as zonas industriais, são alguns exemplos de infra-estruturas físicas, cuja execução pertence em grande parte ao domínio de um sector, o da indústria de construção, que, pela sua importância na economia do País, bem mereceu consagrar-se-lhe um capítulo próprio.
Pois será justamente ao primeiro aspecto do problema acima equacionado - vias de comunicação - que me referirei neste meu trabalho, que apenas visa contribuir, penso PU, para o esclarecimento de uma situação a que urge pôr termo.
Assim, mais adiante da afirmação já transcrita e que, só por si, nos elucida quanto à importância do problema referente a vias de comunicação, diz-se que o valor global das obras públicas efectuadas passou de 945 000 contos em 1954 para 2,1 milhões de contos em 1964, verificando-se que, em relação ao valor total das obras realizadas dentro daquele período, a percentagem distribuída para estradas e pontes foi .de 37,72 por cento. Esta percentagem é, sem dúvida, a mais elevada de quantas são enunciadas nas rubricas referidas no mapa que sobre a matéria se publica.
Contudo, e embora não se pretenda depreciar o esforço levado a efeito, deve notar-se que entre 1954 e 1964 se construiu a auto-estrada de Vila Franca, se concluíram a ponte da Arrábida e os seus acessos, bem como as vias rápidas que a servem, e ainda a auto-estrada do Norte, o que, sendo de inegável valia para o tráfego que a essas zonas converge, tem apenas relativa importância no que se refere à generalidade das vias de comunicação que servem o País e cujo traçado primitivo, limitada e deficiente conservação e renovamento podem ser objecto de referências pertinentes, desde que sejam construtivas, como aquelas que me levam a enunciar o problema neste momento e neste local. Conclui-se daí que as verbas acima mencionadas, se aplicadas agora na mesma proporção à rede rodoviária nacional, dado o elevado custo das obras já referidas, seriam de muito maior vantagem para o fim em vista: a renovação das estradas que servem a metrópole.
Disserta-se largamente sobre o problema referente a indústria de construção, afirmando-se a folhas tantas (alínea 2, § 1.º, do capítulo IV) que «as actividades da indústria de construção são tradicionalmente repartidas em duas grandes categorias - construção civil e obras públicas -, tornando-se, todavia, praticamente impossível marcar com precisão os limites que correspondem a cada uma delas». Limites técnicos, certamente, ou de mão-de-obra, pois no que se refere a investimentos as verbas destinadas a estradas - uma das rubricas do mapa inserto na alínea 8 do s 2.º - atingem agora, presumivelmente, 3429 milhares de contos. Outra rubrica, porém (expressa na alínea 16 do § 4.º, capítulo v), referente a viação rural - a que adiante me referirei -, eleva a 4389 milhares de contos o montante total destinado a estradas nacionais, rurais e pontes, e incluído no III Plano de Fomento. Isto representa cerca de 12 por cento do valor atribuído aos principais tipos de obras a realizar no período do Plano de Fomento em discussão. Não sei se terei razão, mas -, comparando esta percentagem com a que foi utilizada no espaço de tempo a que já fiz referência (1954 a 1964), e mesmo considerando uma distribuição mais equilibrada pela rede rodoviária nacional, receio bem que seja insuficiente a verba destinada a vias de comunicação, cujo estado tem vindo
Assim, é de esperar, sem menosprezo pelas outras actividades incluídas neste sector do III Plano de Fomento, que «a série de estrangulamentos e de obstáculos que importa, na medida do possível, procurar remover de forma coordenada e progressiva» não se faça sentir nos problemas referentes a vias de comunicação, um dos exemplos citados das «infra-estruturas físicas cuja execução é dominante, pela sua importância, à economia do País».
Posto assim o problema, e pensando nas naturais reservas à concretização de um plano económico, embora certamente bem amadurecido e preparado, receio, repito
- oxalá infundadamente -, que à renovação da rede rodoviária nacional (e rural) não seja, nos próximos anos, dado o indispensável impulso, de forma a normalizar, adequadamente às necessidades, o escoamento do tráfego, no que diz respeito quer à segurança, quer à rapidez com que ele tende a processar-se, se queremos, também neste aspecto, aliás importantíssimo, acompanhar a evolução natural do progresso económico e social do País.
Poderá, para o efeito, ter influência a criação do Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério das Obras Públicas, que, segundo se afirma, «deve constituir elemento fundamental de apoio à tarefa ligada à preparação e execução dos. planos de fomento, com missão essencial de efectuar programação a médio e longo prazo e a coordenação das obras em que o Estado intervém por intermédio dos diferentes serviços do Ministério das Obras Públicas, de modo a assegurar maior rentabilidade (logo, por consequência, melhor aplicação) dos investimentos».
Tudo deverá conjugar-se, de facto, para uma indispensável melhoria, quer em quilometragem construída, quer em qualidade de conservação do sistema rodoviário do País, fonte essencial do seu progresso e bem-estar: progresso, porque estabelece necessariamente comunicações mais rápidas e fáceis em todo o território continental e insular; bem-estar, porque permitirá que com menos riscos e maior conforto todos os utentes das nossas estradas se desloquem nos seus afazeres e até - porque não? - no seu próprio prazer.
Não podemos ainda esquecer que uma rede rodoviária devidamente actualizada em todos os seus múltiplos aspectos constituirá certamente elemento decisivo para se enfrentar eficazmente o extraordinário surto turístico que no nosso país se regista e que, para além de importantíssimos resultados económicos, traduz, por certo, excelente propaganda de Portugal e da sua desejada posição entre as nações onde o turismo se desenvolve mais espectacularmente.
Assim, e a isso se destina fundamentalmente esta minha intervenção, ouso pedir - uma vez que este III Plano de Fomento, embora estabelecido para seis anos, «não
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se revestirá de carácter homogéneo ao longo de toda a sua vigência» - que sejam revistas a todo o tempo, e conforme as circunstâncias o venham a aconselhar e permitir, as verbas destinadas ao problema rodoviário, de modo a que a sua tão desejada solução seja melhor e mais rapidamente atingida, acelerando-se, sempre que possível, a construção de novas estradas, novos troços e a conservação adequada daquelas que actualmente existem e são manifestamente insuficientes para o tráfego que nelas se regista, motivado, quer pelo aumento incessante do parque automóvel nacional e suas características, quer pelo indiscutível e já referido surto turístico.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Oxalá que a resolução do nosso agudíssimo problema rodoviário venha a constituir mais um motivo de orgulho para todos os portugueses na acção dos seus técnicos e dos seus governantes.
Apenas como apontamento sobre a matéria, cuja exposição já vai longa, se assinala a referência feita no capítulo V (alínea 16, § 3.º, do II volume), de que «igualmente dificuldades financeiras das câmaras municipais constituem sensível estrangulamento e que o ritmo de execução das obras comparticipadas é excessivamente lento, sobretudo quando em regime de administração directa e por falta de organização e equipamento».
Por isso se prevê «a conveniência em melhorar também, na medida do possível e à semelhança do que foi dito quanto às obras de abastecimento de água e de esgotos, as condições de financiamento das obras de viação rural».
E na alínea 17 do mesmo parágrafo reconhece-se, como outra lacuna que se tem observado, o facto de «não terem sido inscritas as verbas suficientes para a construção das estradas nacionais que. directamente virão dar acesso a povoações de mais de 100 habitantes ou a que virão ligar-se os novos acessos rodoviários municipais a construir pelo Plano de Viação Rural para que fiquem servidas aquelas povoações». Isto parece-nos dar esperança de que tudo está devidamente equacionado, reconhecido o erro que se poderia cometer se, «paralelamente com o Plano de Viação Rural, não fossem construídos os lanços das estradas nacionais necessários para receberem e ligarem à rede geral do País os futuros acessos municipais de povoações isoladas com mais de 100 habitantes». Assim as verbas inicialmente previstas sejam suficientes ou possam ser oportunamente reforçadas.
Deve notar-se, contudo, que, de 2880 milhares de contos destinados a investimentos para melhoramentos rurais, 960 000 contos (cerca de 1/3) estão reservados para os problemas ligados à viação.
Pretendi com este apontamento, aliás menos breve do que desejaria, sublinhar a importância do problema que, embora previsto e referido - como não podia deixar de ser - no III Plano de Fomento, constitui, sem sombra de dúvida, um dos objectivos que, no seu conjunto, com ele se pretendem atingir: «o de orientar os recursos da Nação no sentido do seu melhor aproveitamento, em ordem a aumentar progressivamente a riqueza comum e, com ela, o nível de todos os portugueses». Isto, que vem expresso na introdução geral do III Plano de Fomento, deixa-nos a ideia de que o instante (ia a dizer crucial) problema rodoviário, que tão directamente se liga com o tráfego - tão debatido em todos os sectores da vida pública -, poderá caminhar para uma solução. Oxalá assim seja.
Não sei, insisto, se as verbas agora indicadas são ou não suficientes, mas, sublinho, como o Plano será previsivelmente revisto, após os primeiros anos da sua execução, certamente se poderá corrigir qualquer estrangulamento que na matéria referida venha a registar-se. Assim, noutros aspectos, todos os problemas ligados ao tráfego rodoviário e urbano se apresentassem definidos. Isso dar-nos-ia melhores perspectivas de serem resolvidos. Quero referir-me, por exemplo, a verbas a conceder ao Metropolitano de Lisboa, cujo rápido acabamento, pelo menos quanto à 1.ª fase de construção da sua rede, viria resolver, ou, pelo menos, atenuar, alguns importantíssimos problemas ligados ao trânsito urbano, assunto de tão difícil (embora não impossível) resolução.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E agora, para terminar a minha intervenção - de cuja extensão peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que me perdoe -, um simples apontamento que julgo pertinente e sobre o qual me atrevo a fazer um breve comentário.
Segundo se afirma a páginas tantas do capítulo X (2.º volume) do III Plano de Fomento, «dentro da reestruturação geral da orgânica do Ministério da Educação Nacional, e tendo como objectivo desenvolver e renovai-as infra-estruturas técnicas e administrativas que servem de apoio a impulso coordenado a toda a actuação, dando-lhe o máximo de condições de eficiência e de adaptação às circunstâncias que vão evoluindo», reorganizou-se o Instituto de Alta Cultura em ordem a proporcionar-lhe condições de melhor exercer a sua tripla e importantíssima função de fomento da investigação científica, de fomento da cultura no plano interno e de fomento do intercâmbio cultural no plano externo.
Sendo assim, e tendo em conta o momento transcendente em que se processa a vida da Nação, parece do mais alto interesse intensificar, o mais possível, a cultura portuguesa, através do mundo que ajudámos a descobrir, a desbravar e a evangelizar e onde temos, por isso mesmo, responsabilidades que não podemos nem esquecer, nem minimizar, quanto ao seu significado histórico e importância política, esta, no momento actual, de indiscutível e primordial relevância.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Torna-se indispensável, na minha humilde opinião, traçar uma linha de acção, que não contraria, aliás, o pensamento manifestado pelos ilustres autores do III Plano de Fomento, que, também neste aspecto, pode ser alterado, consoante as circunstâncias o indiquem, através das já referidas «rectificações periódicas».
Será assim possível, no melhor momento, a criação, em vasta escala e nas Universidades estrangeiras que mais possam servir os nossos interesses, de leitorados, cuja acção cultural não deixará por certo de influir largamente na divulgação da nossa língua, transformando-os de seguida em poderosos pontos de partida da cultura portuguesa. E não pode deixar de estar presente no pensamento de todos os responsáveis o facto de tal política influir decisiva, embora indirectamente, nas comunidades portuguesas ou nos luso-descendentes radicados nas Américas, na Ásia e na Europa, quanto à divulgação, quer da nossa língua, quer da nossa cultura.
Os benefícios de tal critério não serão por certo de desprezar, e os resultados a obter não deixarão de influir no sentimento de portugalidade que se deverá tentar manter intacto, por todas as razões, e ainda para contrapor a influências estrangeiras tendentes a absorver aqueles
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que, através dos tempos, se têm sabido manter fiéis à sua pátria de origem.
Embora dentro de outro prisma, mas impossível de dominar de momento, o problema da emigração constitui unia grave hemorrogia de mão-de-obra de valor verdadeiramente preocupante; ao menos, que se olhe pelos emigrantes, de modo a que estes não se sintam abandonados e deprimidos e, consequentemente, mais permeáveis a certos amparos, conservando-se vivo dentro de si o sentimento da saudade e do desejo de regresso à Pátria que não os esquece.
Tudo pode ter uma certa ligação, e não deve, quanto n, mim, deixar de se associar uma acção cultural, de que necessariamente irão beneficiar as comunidades portuguesas espalhadas no Mundo, a uma acção material e espiritual a conceder àqueles que podem vir a engrossar, de futuro, os núcleos de portugueses definitivamente radicados no estrangeiro, mas sem despeites ou desilusões por nós próprios consentidas.
Os congressos das comunidades portuguesas espalhadas no Mundo, realizados no corrente ano em Moçambique e em 1964 em Lisboa, vieram esclarecer dúvidas e abrir perspectivas que a todo o transe convém manter. Isto, claro está, quanto ao primeiro aspecto da questão.
Grandes verbas deverão ser investidas para o efeito, mas não creio que o resultado a obter não constitua compensador empate do numerário despendido, visto estar em jogo outro capital bem mais importante e que urge acompanhar, o capital humano e espiritual de uma nação que queremos ver eternamente continuada, a atestar o esforço de uma raça que soube espalhar pelo Mundo o fulgor dos seus indiscutíveis méritos.
Perdoe-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, o ter-me alongado demasiadamente, mas estes dois casos, entre tantos outros, pareceram-me de relevante interesse, e por isso vivamente me impressionaram ao analisar e ao meditar sobre o esforço enorme de quem deseja garantir o progresso, a homogeneidade e o futuro da Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Melo Giraldes: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito embora a proposta de lei em apreciação mereça o meu total apoio, não quis deixar de aproveitar a oportunidade que a sua discussão nos oferece para tecer algumas considerações sobre o projecto do novo Plano de Fomento, que, confesso, aguardei com o maior interesse, como Deputado pelo círculo de Castelo Branco e como lavrador, pois contava que, a determinar o volume e distribuição dos indispensáveis apoios técnicos e financeiros, nele viria encontrar, implicitamente definida, a política agrária que constituísse para a lavoura caminho de salvação e lhe devolvesse a confiança e o ânimo para tomar esse caminho e reconquistar o lugar que lhe compete na economia do País e das regiões, como a que aqui tenho a honra de representar, que por largos anos ainda terão na exploração da terra a principal fonte de receita para se manter e desenvolver.
Não quero com isto dizer que esperava os remédios que permitissem vida desafogada a uma agricultura sem dimensão nem capacidade técnica e financeira, mas sim um certo número de medidas que, no seu conjunto e no seu acordo, estabelecessem o ambiente em que a agricultura, praticada em empresas técnica e económicamente bem estruturadas e dirigidas, pudesse oferecer ao capital e trabalho nela investidos condições equiparadas às das outras actividades.
. Ora, nesse aspecto, o projecto do III Plano de Fomento não me satisfaz, apesar do volume das dotações com que é contemplado o sector agrícola, segundo objectivos globais cuja validade é indiscutível, mas que, para serem atingidos, carecem de um princípio geral que é necessário reconhecer e aplicar como fundamental de toda a política agrária - a rentabilidade da actividade agrícola e dos empreendimentos que se lhe destinam.
As medidas preconizadas no projecto do III Plano de Fomento em relação à agricultura orientam-se principalmente para o acréscimo do produto.
Mas este acréscimo, para que se verifique, tem que interessar ao produtor, e para isso é indispensável que corresponda a um acréscimo de lucro que esteja garantido contra a desvalorização a que habitualmente está condenado o produto sempre que é oferecido numa abundância que não precisa de exceder muito as necessidades do momento para correr os riscos de aviltamento de preços, deterioração, taxas ... que acabam por anular, e por vezes transformar em prejuízo para o produtor e em descrédito para a organização de coordenação económica, o que deveria constituir benefício para todos e finalidade a atingir.
Na verdade, e conforme se afirma no projecto, no continente português continua deficitária, frente à procura interna, a oferta de alguns produtos, entre os quais o azeite, carne de bovinos, leite e lacticínios, lãs, etc.
No entanto, num ano de contra-safra como o de 1966-1967 o azeite teve menos procura que nos anos de safra abundante e o público teve que comer óleo pintado de azeite ordinário, enquanto o azeite melhor teve que esperar pelo início da nova campanha para encontrar cotação; importa-se carne, porque a que se produz não chega, e, ao mesmo tempo, perdem-se toneladas de carne em gado que emagrece, ou não engorda ao ritmo económicamente aconselhável, por não haver capacidade frigorífica para receber as carcaças na altura mais rendosa para o criador; falta leite numas zonas do País, enquanto noutras não se produz, apesar das condições favoráveis locais, porque não existe a organização que concilie as necessidades de umas com as possibilidades de outras e permita que todo o leite alcance o preço da tabela; e a lã, apesar de, como se diz no projecto do Plano, não acompanhar a procura interna, teve de 1966 para 1967 uma quebra no preço de cerca de 30 por cento.
Estas anomalias do mercado e uma política de tabelas, importações e condicionamentos e outras intervenções, que se processa apenas em atenção ao interesse momentâneo do consumidor e sem consideração pelo resultado económico da actividade agro-pecuária, nem conjugação com o ritmo normal das variações da oferta è procura ao longo dos anos, é natural que desorientem o produtor e o coloquem em permanente estado de dúvida e descrença quanto às vantagens de um aumento de produtividade.
O problema está, fundamentalmente, na ausência de uma política agrária definida, orientada para a rentabilidade do sector agrícola, que não pode conseguir-se num sistema assente unicamente em bases técnicas e a que falta uma estrutura de comercialização eficiente, indispensável à valorização dos produtos.
O Governo assim o reconhece ao apontar o sistema deficiente de comercialização como um dos óbices ao desenvolvimento do sector agrícola.
No entanto, e com excepção da fruticultura, em nenhum dos restantes empreendimentos relacionados com os produtos agrícolas é considerada qualquer dotação para comercialização.
E essa falta é grave e pode comprometer o êxito das outras medidas, reduzindo ainda o já modesto ritmo de
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crescimento de 3 por cento considerado como possível para este sector.
O lavrador não pode ser ao mesmo tempo produtor, industrial e comerciante daquilo que cria e que se destina a ser consumido em locais, em épocas e em condições de apresentação que, por vezes, se afastam muito daquelas em que é produzido.
Para se lhe pedir mais produto há que montar a máquina que ò conserve, valorize e coloque, sem que para isso tenha que abandonar ou descurar as suas fundamentais funções e preocupações de produtor.
Liberte-se a lavrador do receio de vender mal, ou não vender, aquilo que produz, acabe-se com o justificado medo de produzir de mais, e ter-se-á dado o decisivo passo no caminho da maior produtividade. E, uma vez isto conseguido, será ele próprio a estar interessado na melhor organização, na. melhor técnica, nos melhores reprodutores, na melhor semente, que saberá procurar, aceitar e pagar, num sistema menos ao gosto burocrático, mas, certamente, simples, económico e eficiente.
Considero, por isso, indispensável, para o êxito do III Plano de Fomento, que se estabeleça como princípio do progresso do sector agrícola a necessidade de garantir rentabilidade à lavoura e, com esse sentido, sejam incluídas nos respectivos empreendimentos dotações destinadas à comercialização e valorização dos produtos a que se reconheça importância para a economia do País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Uma das culturas a que pelo projecto do III Plano de Fomento essa importância é reconhecida é a da produção de azeite e azeitonas, cuja taxa de crescimento se entende deverá procurar manter-se, se não se puder elevar.
No entanto, o empreendimento correspondente limita-se ao apoio para montagem de lagares e de armazenagem fixa, para o que se reservam 10 000 contos no espaço de seis anos.
A exiguidade de tal verba faz-nos duvidar de que se tenha dado à olivicultura a importância que, indiscutivelmente, lhe deveria ser atribuída na economia do sector agrícola e na ocupação do solo, e, por outro lado, os investimentos a que se destina fazem-nos crer que a manutenção e o crescimento do produto azeite está dependente da técnica e economia do fabrico ou das possibilidades de armazenagem da produção.
Nada menos verdadeiro, uma vez que o progresso, direi melhor, a sobrevivência, da olivicultura está ameaçada, sim, mas no olival e na mercearia, que não no lagar, nem nos armazéns dos produtores.
No olival, onde o custo de produção sobe a ritmo acelerado, reduzindo de tal forma as possibilidades de lucro da cultura que tem conduzido ao arranque maciço de árvores seculares, o que, a continuar, tornará muito duvidosa a possibilidade de manter, quanto mais de elevar, a taxa de crescimento do produto azeite e azeitona.
Mas, se este arranque pode ter uma justificação económica em terras que, por serem muito férteis, admitem outras culturas a curto prazo e talvez até com vantagens, o mesmo não se poderá aceitar quando a oliveira constitui uma forma de ocupação de solos em que apenas pode ser substituída por essências florestais de muito longínqua, imprevisível e aleatória rentabilidade.
A olivicultura está também ameaçada na mercearia, onde a política adoptada tem resultado em manifesto prejuízo para o consumo e prestígio do azeite, que está a servir de capa e de tempero a outros óleos que, à custa do nome e do cheiro de azeite, vão proporcionando fartos lucros aos armazenistas e importadores de oleaginosos e se têm introduzido no seu público tradicional, que, sub-repticiamente, vão conquistando pelo hábito e pela adulteração do gosto.
Numa campanha de contra-safra como a de 1966-1967, em que foi reduzidíssima a produção de azeite fino, este quase não teve procura, pela simples razão de que não interessa para a mistura, e a mistura é que é negócio e é este negócio que passou a condicionar o valor do azeite ...
E desde que o azeite mais graduado é mais fácil e barato de fabricar e se vende melhor, porque se introduz com mais lucro na mistura, e se o fino e o extra não conseguem sobre ele uma diferença de preço que compense a melhoria de fabrico, para quê fabricar bom azeite? Para quê melhores lagares?
Não é na técnica e na economia do fabrico que está a solução do problema olivícola, mas na defesa do azeite genuíno, como riqueza nacional que não é lícito desprezar, e na sua valorização como produto de qualidade, com direitos no mercado interno, que não pode deixar-se perder, e com possibilidades de novos mercados, que é indispensável conquistar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pela imprensa diária foram recentemente dados a público os termos de uma moção que sobre o problema do azeite a Corporação da Lavoura resolveu transmitir ao Sr. Ministro da Economia. Oxalá S. Ex.ª lhe dê a atenção e o seguimento que merece, pois da situação actual haverá quem beneficie largamente, mas não com certeza o olivicultor, nem o paladar e a saúde do consumidor, nem a economia do País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quando se fala em plano de fomento e em desenvolvimento regional, não se pode olhar sem alarme para a actual situação da olivicultura, tal a repercussão que ela tem para determinadas regiões, como a Beira Baixa, em que a decadência da sua rentabilidade não pode deixar de se reflectir negativamente no resultado de todos os esforços de elevação do seu nível económico.
Creio que a olivicultura, pela importância quê realmente tem como riqueza e pela contribuição que poderá dar ao acréscimo do produto do sector agrícola e ao desenvolvimento regional das zonas mais desfavorecidas, merecerá neste III Plano de Fomento um investimento bem mais volumoso e que se destine, fundamentalmente, a propaganda e comercialização do azeite, com vista a valorizá-lo interna e externamente a um nível capaz de manter, se não aumentar, o interesse da cultura e a taxa de crescimento dos respectivos produtos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na divisão do País com vista ao planeamento regional, o distrito de Castelo Branco, incluído na região do Centro, com capital em Coimbra, ficará prejudicado com esta arrumação, pois está separado desta cidade, e dos outros distritos da mesma zona, pelos sistemas montanhosos da Lousa, Estrela e Buçaco, que lhe tornam difícil e incómoda a ligação com eles.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O distrito de Castelo Branco situa-se no Centro do País, mas toda a sua vida se encontra voltada
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ao vale do Tejo, ao vale do Zêzere e a Lisboa, com os quais mantém um tráfego de pessoas e mercadorias mais volumoso e mais rápido e com tendência para melhorar e se intensificar, em relação com o que poderá manter com Coimbra e o resto do Centro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Estas razões, aliadas às suas características muito peculiares, justificam plenamente que, a manter-se a divisão em sub-regiões, Castelo Branco constituísse, por si só, a sub-região da Beira Baixa.
Aliás, esta divisão de um País tão pequeno em regiões e sub-regiões não parece contribuir para a dignificação e prestígio da orgânica política e administrativa já existente, nem para maior eficiência dos trabalhos de planeamento, pois, mais que descentralizar, vai complicar e encarecer a sua montagem e funcionamento.
Os reparos apontados ao projecto do III Plano de Fomento em nada diminuem, afinal, e como disse a princípio, o apoio que me merece a proposta de lei em discussão, à qual dou a minha inteira aprovação na generalidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cortes Simões: - Sr. Presidente: Ao tomar parte neste debate geral, uma série de dúvidas e preocupações avassalam o meu espírito.
Muito embora a minha actividade profissional tenha sido sempre, e fundamentalmente, dedicada ao sector agrícola, a minha atenção, no entanto, dispersou-se, para se completar, por outros ramos.
Não será, pois, de estranhar que no desenvolvimento das considerações que se seguem reparta os meus comentários por alguns dos programas sectoriais.
Começo por afirmar que creio em Deus e no homem, feito à Sua imagem e semelhança.
Ora, será através do homem, da sua inteligência criadora, da sua capacidade produtiva, do seu sentido de servir e de tomada de consciência que conseguiremos atingir os grandes objectivos que o III Plano de Fomento se propõe alcançar.
Há cerca de um ano, falando a um grupo de comerciantes e industriais católicos portugueses - da U. C. I. T. D. - em visita à cidade do Vaticano, Sua Santidade Paulo VI, ao apontar a necessidade de os comerciantes e industriais católicos possuírem um apurado sentido de justiça social, lembrava que a economia «é tarefa realizada pelos homens, com a colaboração dos homens, ao serviço do homem».
Na mesma linha de orientação se exprimiu o Papa João XXIII, de saudosa memória, na carta que escreveu a propósito do II Encontro Nacional dos Diplomados Católicos, realizado em Lisboa em Maio de 1963.
Dizia Sua Santidade:
O desenvolvimento económico, o progresso social, o melhoramento das condições de vida de uma nação, são resultantes da iniciativa privada de todos os seus membros, quer individualmente, quer associados a outros diferentes modos, sempre exigindo a presença operante dos Poderes Públicos, a fim de promoverem o incremento da produção em função do progresso social e em benefício de todos os cidadãos, apoiados e orientados sempre pelo princípio de subsidiariedade. Todos devem ser chamados - inclusivamente os trabalhadores - a colaborarem no processo deste desenvolvimento, não devendo os encargos do mesmo recair, em especial, sobre determinados estratos sociais ou sobre uma geração. Do mesmo modo, todos devem beneficiar do progresso social, mediante uma equitativa distribuição de seus frutos.
Exercendo a actividade produtiva, o homem consciencializa-se da sua responsabilidade, aperfeiçoa-se, nela evidenciando a sua dignidade de pessoa humana. Por isso, o desenvolvimento económico nunca pode ser um fim, mas um meio em ordem aos valores supremos da pessoa e, influenciando o ambiente em que ela vive, torna-o mais humano.
Vivemos, sem dúvida, uma hora ímpar da nossa história.
Já aqui se diagnosticaram várias crises: crise da juventude, crise da agricultura, do comércio e da industria, crise de valores, e. Enfim ... para os mais pessimistas estaremos numa «crise» crónica. Porém, contrariando a psicose da «crise», os nossos soldados em África, lutando em várias frentes com galhardia e destemor inauditos, estão acrescentando páginas de heroísmo à gloriosa epopeia da nossa existência como Nação. A diplomacia lusitana, a golpes de persistência e tacto político, com consciência e dignidade invulgares, impõe-se pela elevação e honestidade de argumentação e, a pouco e pouco, vai pulverizando a inconsistência - que atinge as raias da maldade - dos furiosos ataques de que somos vítimas nessa Babilónia da demagogia que se chama O. N.º U. E a velha nau, guiada pela mão firme e inteligente do homem que se devotou totalmente à obra de redenção e salvação da Pátria, vai vencendo esta terrível «tempestade», inspirada, preparada, financiada e comandada das alfurjas da Europa e da América.
Apesar do sacrifício de vidas e fazenda que temos a lamentar e de todas as contrariedades e traições de «falsos amigos» de que fomos vítimas, que fariam perder a serenidade até aos mais animosos, a Nação há muito que se decidiu e, sem olhar às vozes agoirentas dos velhos do Restelo, prepara-se para mais uma arrancada, ao analisar este diploma de transcendente importância para o futuro do País - o III Plano de Fomento.
No nosso espaço continental, o estilo de vida rural em que viveram e prosperaram os nossos antepassados - e chegou até nossos dias - apresenta contrastes com raízes muito profundas, algumas das quais estão relacionadas com o modo como se processou o povoamento do território após a consolidação das nossas fronteiras definitivas; outras são de natureza ecológica, humana e política.
Caminhando de norte para sul, qualquer observador atento verificará que existem espaços com características bastante diferenciadas umas das outras.
A norte domina uma economia de subsistência, apoiada na pequena empresa agrícola, inviável para os tempos que vão correndo, com forte percentagem da produção destinada ao seu auto-abastecimento. Impera a exploração agrícola de dimensão insuficiente, problema agravado pela forma como algumas propriedades se têm subdividido em outras pequenas explorações agrícolas, em regra entregues a rendeiros e parceiros cultivadores ou, o que é pior, pura e simplesmente abandonadas, por ausência de quem as queira cultivar.
Sob o ponto de vista técnico-económico, além da escassa produtividade alcançada em explorações submetidas ao cultivo, com dimensões de tal modo reduzidas que chegam a atingir limites irrisórios, não é possível o emprego de meios mecânicos e técnicos que permitam uma maior rentabilidade. Situam-se aqui algumas das regiões de maior densidade populacional e maior corrente emigratória, mas também de maiores potencialidades, coincidindo, no entanto, com os mais baixos índices de nível de vida das massas rurais que vivem naquelas regiões.
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Cerca de 50 por cento das 850 000 explorações agrícolas do território metropolitano têm área inferior a 1 ha. Estas miniexplorações ocupam a quase totalidade da superfície agrícola de vários distritos do Norte e Centro do País - Viseu com 92 por cento, Viana do Castelo com 87 por cento, Leiria com 85 por cento, Guarda com 81 por cento, Vila Real com 7(5 por cento, Coimbra com 72 por cento, etc.
Há que excluir a faixa ocidental que se estende do Porto a Setúbal, que, devido ao surto industrial que se vem processando, beneficiou de apreciável acréscimo económico, mais pronunciado nas zonas de influência dos dois grandes pólos de desenvolvimento, que são Lisboa e Porto, anomalia que, nesta Câmara, ilustres colegas têm referido com a profundidade devida, condenando o urbanismo patológico que tal desenvolvimento representa em prejuízo do resto do País.
A sul, o problema tem características diferentes. As condições climatéricas apresentam uma irregularidade desconcertante; domina a grande empresa patronal explorada de conta própria ou sob a forma de arrendamento. A sua economia, durante séculos, viveu das disponibilidades em mão-de-obra e de reduzido número de produtos tradicionais, com dominância para as culturas de sequeiro, de resultados cada vez mais aleatórios, quer devido a errados sistemas de cultura ou à irregularidade climatérica, quer ao agravamento do custo dos factores ou à não actualização dos preços.
Apesar de nesta vasta região do Sul se registar fraca densidade populacional, no censo de 1950 a população activa agrícola nos três distritos do Alentejo oscilava entre 66 por cento (Évora e Portalegre) e 74 por cento (Beja), quando a média do País em relação ao total era de 43 por cento; a mão-de-obra assalariada estava sujeita a grandes períodos de inactividade.
Foi devido às crises de desemprego rural no Alentejo que em 1956 foi criada a Comissão Coordenadora das Obras Públicas, que teve uma acção de alto significado político e social, através da qual foi possível reduzir o desemprego da mão-de-obra rural masculina.
E bom que se recorde que o proletariado rural alentejano sobrante dos trabalhos agrícolas, nas épocas de menor ocupação,- ainda há três anos, a média mensal ocupada em trabalhos públicos foi de 186 895 homens/dia. Este número representa uma ocupação de 89,94 por cento sobre a mão-de-obra sobrante. A ocupação máxima verificada atingiu um total de 10 no trabalhadores (vide Relatório da Actividade do Ministério das Obras Públicas, 1964).
A coordenação dos trabalhos públicos atingiu elevado grau de eficiência e utilidade, porquanto fez diminuir consideràvelmente o nível de desemprego rural, absorvendo em elevada percentagem os excessos de mão-de-obra sobrante da agricultura. Graças a uma política de empreendimentos de utilidade e interesse públicos, foram dominadas as crises cíclicas de trabalho rural, que hoje não são mais do que amarga lembrança do passado.
Diversificando este quadro que acabei de focar, num apontamento necessariamente curto, existem empresas agrícolas médias que estão longe de ter no País a representação dominante que caracteriza a estrutura agrária dos países evoluídos, assunto a que adiante dedicarei algumas considerações.
Antes de terminar as minhas palavras acerca dos contrastes de diversa natureza que imprimem fácies própria u nossa agricultura, poderei apontar vários exemplos:
1) Em 1962 existiam no País 131 000 cabeças de gado leiteiro, distribuídas por 72 000 estábulos, ou seja menos de 2 cabeças por estábulo.
Das explorações que possuíam área de cultura arvense apenas 8 por cento se dedicavam u. produção leiteira, andando por 0,32 por cento o número de cabeças de bovinos leiteiros por cada 10 ha, o que demonstra uma baixíssima densidade.
As produções médias anuais por cabeça eram de 1800 1 de leite no continente, 1500 1 na Madeira e 28001 nos Açores.
Nas províncias da Beira Litoral e de Entre Douro e Minho, 45 por cento dos produtores entregam diariamente menos de 5 1 de leite, e 80 a 85 por cento, menos de 101;
2) Se do leite passarmos para o vinho, o panorama repete-se.
Assim, se agruparmos por escalões a produção manifestada e o número de produtores da área de jurisdição da Junta Nacional do Vinho, excluindo as adegas cooperativas, que representam cerca de 16 por cento da produção total, teremos, em números aproximados:
Produzindo até cinco pipas - 78,62 por cento de produtores, que representam apenas 25,26 por cento da produção total;
De cinco a dez pipas - 11,27 por cento dos produtores, que representam 14,87 por cento da produção;
3) Transferindo esta breve análise para a cultura cerealífera considerada de maior importância económica - o trigo -, poderemos apresentar contrastes elucidativos.
QUADRO I
Ano agrícola de 1963-1964 - Trigo manifestado na F. N.º P. T.
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Assim, verifica-se que em 1964:
44,65 por cento dos produtores de trigo não excederam 1000 kg de trigo de produção;
Os produtores de trigo de 1000 kg a 10 000 kg representavam 51,12 por cento do número total;
Os produtores de trigo de mais de 10 000 kg representavam 4,28 por cento da totalidade.
No quadro anexo vêm os oito distritos maiores produtores de trigo no continente, de cuja, análise se poderão tirar algumas ilações;
4) Ao sul do Tejo, ainda há poucos anos, em solos de capacidade de uso elevada, existiam manchas de montado de azinho ocupando cerca de 145 000 ha cujo déficit global de rendimento fundiário foi estimado em cerca de 20 000 contos;
5) O conhecimento do nosso parque de material agrícola, .sua distribuição geográfica, seus tipos e modelos, constituem a pedra de toque para aquilatarmos do grau de atraso técnico e económico em que nos encontramos, por exemplo, em relação a outros países da Europa.
QUADRO II
Número de tractores por 1000 ha de superfície arável
[Ver Quadro na Imagem].
Fonte: O. C. D. E. - Agricultural, and Food Statistics 1952-1963. - Os números relativos a 1964 constituem estimativas baseadas no Production Yearbook da F. A. O. relativo a 1965.
Devemos, no entanto, salientar que em Agosto do ano corrente S. Ex.ª o Ministro da Economia deu conhecimento à Nação das medidas que o seu Ministério ia tomar, afirmando:
Parece já hoje desnecessário lembrar as vantagens que a utilização, técnica e económicamente correcta, da máquina oferece às actividades agro-florestais. Ela está na base da solução do problema do trabalho agrícola - substituição de grandes quantidades de mão-de-obra não qualificada e relativamente mal paga por uma outra, mais especializada, e por isso mais reduzida, mas que tenha possibilidade de ser remunerada em função da maior quantidade e da melhor qualidade de trabalho que produz; ela estará ainda, necessariamente, presente em todos os esquemas que visem a forma mais rentável de utilização dos solos com aptidão agrícola e florestal. E acontece que a máquina não importa só no plano da economia, pois que também no plano social é factor de grande relevo, quer quando contribui para a viabilidade das explorações familiares - criando condições de alargamento da dimensão dessas explorações e de encurtamento da sua dependência em relação à mão-de-obra assalariada -, quer quando torna menos penoso e menos irregular, e portanto mais atractivo, o trabalho agrícola, ao mesmo tempo que, pela preparação profissional que requer; promove a elevação do nível de vida cultural e material da gente do campo.
O esforço que se torna necessário empreender neste campo podemos traduzi-lo nesta afirmação: o número de tractores a utilizar deverá, em curto prazo de tempo, ser aumentado, pelo menos, para dez vezes.
Alguns destes desajustamentos da nossa agricultura fórum analisados com a devida profundidade no II Plano de Fomento, e o Governo tem estado atento à conjuntura que se vem desenhando desde 1945. E de tal modo ò problema é premente que, ainda em Fevereiro de 1965, no acto de posse da Comissão Executiva da União Nacional, S. Ex.ª o Presidente do Conselho a ele se referiu. Das considerações feitas por S. Ex.ª permito-me destacar:
Tem-se falado muito nos defeitos da nossa estrutura agrária, que são evidentes e mais evidentes se tornarão a todos os interessados na medida em que pudermos corrigi-los. Mas, talvez por não termos bem definidos os termos da questão fundamental que é a relação da cultura com a propriedade, houve sobressaltos injustificados, pois logo se enxergaram repercussões na pequena horta familiar ou na herdade extensa de bem equilibrada cultura. Isso nasceu do amor à terra que gira no sangue das nossas veias, mas não se justificava nem em face das intenções, nem de quaisquer providências tomadas.
Grandes e pequenas coisas se têm acumulado a empecer-nos o caminho, umas apenas na imaginação sobressaltada, outras nos factos reais da vida. Mas o que houver que rever-se há-de sê-lo, não na precipitação, mas na calma do nosso melhor entendimento.
Na realidade, os problemas estruturais da agricultura portuguesa têm sido objecto de análises frequentes, por vezes até ao sabor de certas paixões, com as quais não podemos alinhar. Verdade se diga que existem várias limitações que impedem um conhecimento mais actualizado e profundo da estrutura agrária nacional, tal como é de facto.
Assim, fácil é de pensar que ainda não dispomos de elementos rigorosos cuja análise nos permita, por exemplo, relacionar as classes de área com outros elementos que permitam situar a verdadeira dimensão técnica, económica e social das unidades produtoras e sua interpenetração com as outras actividades produtivas.
Não se pense que nos outros países não existem problemas no sector agrícola. A título de exemplo, apresentarei à consideração de VV. Ex.ªs elementos recolhidos em 1964 que permitem comparar as percentagens das explorações agrícolas segundo vários escalões de superfície (vide quadro que se segue).
[Ver Quadro na Imagem].
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Diz-se no texto do § 1.º do capítulo dedicado à agricultura, silvicultura e pecuária do projecto do III Plano de Fomento:
De modo geral, pode referir-se que o continente; português, no que se refere às condições mesológicas, apenas revela aptidão especial para a produção agrícola em cerca de um terço da superfície total.
Quanto à distribuição da população activa no sector agro-silvícola, os últimos censos acusam ainda elevada percentagem, não obstante o decréscimo que se verificou nos últimos anos. De facto, a participação da agricultura no volume total do emprego, que em 1950 era de 47 por cento, passou para aproximadamente 35 por cento em 1965, mas cabe-lhe ainda a posição mais saliente no confronto com outros sectores.
E mais adiante:
Ainda, no que respeita ao volume da população empregada na agricultura, é de referir que a diminuição observada, se bem que em globo contribua para o aumento da produtividade, se tem processado nos últimos anos a ritmo elevado e de forma desordenada, ocasionando vários problemas nalgumas regiões do continente, nomeadamente o envelhecimento das populações e as variações bruscas de salários, com reflexos desfavoráveis na rentabilidade e nos custos de produção das empresas agrícolas.
A incidência de vários factores, entre os quais avulta o demográfico, contribui para dar à exploração agrícola e à propriedade rústica uma estrutura que constitui indiscutível embaraço à integração da agricultura portuguesa no quadro de desenvolvimento geral do País.
Com base nos elementos oficiais de que dispúnhamos aquando da nossa intervenção, antes da ordem do dia, em Fevereiro de 1966, dada a coincidência verificada; destacarei algumas das conclusões que então me propus desenvolver.
1. A evolução do produto bruto agrícola referente ao período de 1960 a 1964 (v. proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1966) não acusa sensíveis aumentos em relação ao quinquénio anterior.
É considerada mesmo obstáculo a um crescimento mais acelerado do produto bruto.
QUADRO III
Evolução do produto nacional bruto (preços de 1958)
(Milhares de contos)
[Ver Quadro na Imagem].
Fonte: Proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1966.
2. A evolução da distribuição percentual, por sectores, do produto interno bruto ao custo dos factores, aos preços de 1958 e referido ao período de 1958 a 1964, apresenta o seguinte quadro:
QUADRO IV
Distribuição percentual, por sectores, do produto Interno bruto ao custo dos factores (1958)
[Ver Quadro na Imagem].
3. A análise das taxas médias anuais de crescimento do produto interno bruto, nos diversos sectores da actividade, faz ressaltar a nossos olhos uma agricultura que, com extrema lentidão, consegue fazer crescer o seu produto.
Entre 1953 e 1964 a expansão calculada para o produto originado na agricultura equivaleu a um acréscimo de 3,5 por cento, à taxa anual cumulativa de 0,9 por cento, o que é muito baixo, comparado às taxas médias anuais registadas na indústria transformadora e construção, 7,3 por cento; electricidade, gás e água, 8,4 por cento; transportes e comunicações, 6,1 por cento, e comércio e outros serviços privados, 6,3 por cento.
Elementos mais actualizados que os constantes no volume I do III Plano dão-nos indicação que a contribuição do sector primário para o produto nacional bruto nos anos de 1965 e 1966 foi inferior ao verificado nos anos de 1962-1964, reportando-nos aos preços de 1963.
[Ver Quadro na Imagem].
Fonte: Comité Portugais de l'Organisation des Nations Unies pour l'Alimentation et l'Agriculture, Rapport - 1965-1966.
4. A contribuição do sector agrícola para o acréscimo da produtividade do trabalho total, no período de 1953-1964. foi de 13.8 por cento, dos quais apenas 7.3 por
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cento resultam de contribuição directa da actividade do sector e os restantes 6,5 por cento provêm da transferência da população activa agrícola para outros sectores da actividade económica. Mais adiante refere o texto:
Factores climáticos adversos são determinantes desta evolução; são-no também defeitos estruturais já aludidos e ainda falta de investimentos, inadequado sistema de crédito, bem como deficiente sistema de comercialização.
Nestas correcções estruturais, que é mister enfrentar com ponderação e muita lucidez, parece-me ter ficado em branco a defesa e consolidação da classe média - «condição basilar de estabilidade social, garantindo a independência e a dignidade dos indivíduos e das famílias», segundo Pio XII.
Na verdade, Pio XII, cuja forte personalidade se mantém bem viva, através da sua prodigiosa obra, de vastidão enorme, que legou à humanidade, na alocução ao Instituto Internacional das Classes Médias (1956) afirmou:
A situação intermédia que ocupais, a vossa posição numérica considerável na população, as virtudes próprias dos vossos meios, fazem de vós um elemento de moderação e de equilíbrio, que poderá ser esmagado se os encargos com que é onerado excederem os seus recursos efectivos. A parte de responsabilidade pessoal que assumis normalmente nas vossas actividades, a escala geralmente familiar das vossas empresas, mantêm e estimulam em vós um sentido de trabalho esmerado, de poupança e de previdência, frutos felizes da autonomia relativa que justamente considerais como fazendo parte integrante da vossa condição social.
E mais adiante:
Deveis constituir um factor de saúde moral, pois tendes, com o amor da justa liberdade, alta ideia da dignidade pessoal e do respeito alheio, sem os quais a vida social resvala em luta de paixões egoístas e cegas.
Sabemos quanto de importante tem sido, através dos tempos, o papel das classes médias em França. No programa básico alemão, previsto pelo quarto governo federal (1961), na parte que dizia respeito à ajuda ao desenvolvimento agrícola aos países em fase de crescimento, foi prevista uma série de medidas de fomento, entre as quais ocupava o primeiro lugar a formação da juventude com a finalidade da criação de uma própria classe média agrária em sadias condições económicas.
Aqui fica a minha estranheza, sem mais comentários.
Do ponto de vista de desenvolvimento dos recursos humanos, de acordo com a opinião expressa por um ilustre perito nesta matéria, a situação em Portugal não é superior ao nível de desenvolvimento económico.
Entre 1950 e 1960, Portugal recuperou bastante ao nível da instrução elementar, mas ao nível médio e superior julgo que a nossa posição, no conceito de outras nações, é mais desfavorável.
Em 1960, a média de anos de estudo de cada trabalhador português era de 3,2, inferior à média de alguns .países com nível económico inferior ao nosso. A proporção de mão-de-obra de alto nível, no conjunto da mão-de-obra total, era no nosso país de 4 por cento, o que é muito baixo em relação, por exemplo, à Holanda, Bélgica, etc.
Havia 40 professores, de todos os níveis para cada 10 000 habitantes de Portugal continental. Se, porém, alongássemos os nossos comentários a todo o espaço português, este indicador seria muito mais baixo.
A formação profissional é um imperativo inadiável, apesar do muito que já se fez, especialmente através da acção do Fundo de Desenvolvimento da Mão-de-Obra. Todavia, não alcançaremos meta razoável se não dispusermos de- técnicos, em número e qualidade, capazes de lhes ministrar formação adequada. Assim, surge uma série de problemas ao abordarmos o da formação profissional. Isto é, os técnicos dos vários níveis não recebem preparação tão completa quanto actualizada que lhes permita, por sua vez, proporcionar adequada instrução àqueles que deverão constituir os quadros relativos à mão-de-obra qualificada, inclusive os quadros que terão a seu cargo a reconversão dos milhares de trabalhadores oriundos do sector agrícola.
Teremos, assim, de insistir na actualização dos programas vigentes para o ensino técnico e agrícola - elementar, médio e universitário.
Considero da maior importância a formação de quadros técnicos se quisermos participar na Europa do futuro. Particularizando, direi que a formação profissional agrícola, nos vários níveis, à semelhança do que se passa noutros países, encerra o maior interesse, ou melhor, toma aspectos fundamentais, se desejarmos que a agricultura passe a um estado de maior evolução e que a produtividade do trabalho dos que a ela dedicam a sua actividade se aproxime, ou pelo menos não esteja tão distanciada, dos que em outros sectores encontram a sua ocupação normal.
Estranho, no entanto, que, na sequência das iniciativas do Instituto de Formação Profissional Acelerada, ainda não esteja em marcha a instalação de um centro de formação em Évora, que encerra muito interesse.
Por todas estas razões, dou todo o meu apoio ao programa dedicado a formação profissional extra-escolar. Desejava frisar que já há vários anos que a Secretaria de Estado da Agricultura vem dedicando uma atenção especial aos problemas da formação profissional agrícola, pois essa é uma das múltiplas tarefas a que é necessário acorrer para que a agricultura venha a possuir, além da mão-de-obra qualificada, empresários agrícolas perfeitamente preparados para a gestão racional das empresas, em termos de um perfeito ajustamento às novas condições em que essas empresas terão de desenvolver as suas actividades.
Parece-me que é de toda a vantagem, dada a experiência adquirida e as provas eloquentes da sua eficiência e aceitação nos meios onde tem actuado - apesar das imensas dificuldades de ordem administrativa e financeira com que tem lutado -, dizia, parece-me que é de toda II, vantagem que à Secretaria de Estado da Agricultura lhe sejam cometidos poderes para uma acção conjunta e coordenada que lhe permita realizar a sua missão, visto encontrar-se nas melhores condições de ministrar uma formação integral, de modo a atingir todos os estratos da população agrícola - desde a formação da juventude rural à preparação de instrutores, à formação integral da mulher do campo, à realização de cursos destinados a empresários agrícolas, tudo isso constitui tarefa verdadeiramente aliciante da maior projecção quanto ao futuro.
A criação do Fundo de Desenvolvimento da Mão-de-Obra veio ao encontro da enorme carência de mão-de-obra qualificada no mercado do trabalho. O incremento das suas actividades constam de plano à escala nacional,
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pela primeira vez concebido. Justo me pareça de admitir que aquele deverá apoiar financeiramente as iniciativas da Secretaria de Estado da Agricultura para além das dotações do Orçamento Geral do Estado, que se apresentam exíguas face à tarefa enorme que urge realizar e que esta reúne condições para levar a efeito.
Outro ponto que constitui motivo de observação foi o facto de não terem sido postos à disposição dos membros desta Câmara os relatórios dos grupos e subgrupos de trabalho incumbidos de efectuar a análise, dos diversos sectores de actividade.
Também posso informar esta Câmara de que nem os técnicos dos serviços regionais, nem as comissões técnicas regionais, foram solicitados para dar parecer sobre qualquer problema inerente ao seu sector de actividade.
Tenho para mim que -, através da consulta dos referidos relatórios, talvez fosso possível detectar alguns dos «focos doentios» que tanta incidência provocam no sector da agricultura, a que ultimamente se atribui com repetida frequência o adjectivo de sector estagnado.
É pena que, pelo menos para mim, subsista a dúvida.
Seja-me, porém, permitido insistir neste assunto.
Não terão reflexo algum, na formação do produto bruto, por exemplo, as obras de regadio, já em exploração, do vale do Sado, Campilhas, Idanha, vale do Sorraia, etc., sem contar com os benefícios indirectos daí resultantes e difíceis de avaliar?
Referindo-me aos grande(r) empreendimentos, desejaria salientar o enorme papel que o aproveitamento do rio Guadiana poderá ter na elevação do nível de vida da vasta região transtagana.
As potencialidades que este rio encerra são enormes, e o estado de adiantamento em que se encontram os estudos para a primeira fase despertou da parte das entidades regionais o maior empenho em que se programe a curto prazo de tempo todo o vasto trabalho tornado necessário para uma obra de facto grandiosa, mas de rentabilidade elevada. Quero acentuar que esta afirmação não reflecte o efeito de um optimismo enganador, mas* um objecto da maior importância, dado que a capacidade de proporcionar energia eléctrica a preço competitivo facilita imenso a opção de poder irrigar para cima de 100 000 ha de terras, ma sua maioria com potencialidade superior à média das terras já em regadio.
Retomando a linha de considerações que vinha fazendo, afirmarei que 90 por cento de um património florestal são propriedade privada e, portanto, não deixam, como é óbvio, de ser explorados e de dar o seu rendimento próprio.
Para sossego de V. Ex.ª, Sr. Presidente, e VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, o ritmo anual de flor estação, no nosso espaço continental, nestes três últimos anos foi de cerca de 35 000 ha, se bem que se reconheça a necessidade de passar para 80 000 ha para dar satisfação a uma política racional de reconversão cultural e, sobretudo, para satisfazer as solicitações cada vez maiores das indústrias instaladas ou já autorizadas.
Elementos oficiais que me foi possível consultar esclareceram-me de que, nestes últimos três anos, o sector florestal participou na formação do produto nacional bruto (P. N.º B.) numa percentagem de cerca de 3 por cento.
Igualmente poderei salientar o fomento realizado com base no crédito que é possível obter através da Lei n.º 2017, comummente conhecida por Lei dos Melhoramentos Agrícolas.
Esse fomento, que está em execução desde 1947, tem. sido alavanca importante na valorização dos meios rurais.
Os melhoramentos levados a efeito são de natureza vária, tais como obras de rega, oficinas tecnológicas, silos, nitreiras, alojamentos e aquisição de gado, aquisição de maquinarias, etc.
Embora fosse vasta a gama de melhoramentos fundiários considerados inicialmente na lei, o aperfeiçoamento dos serviços e a evolução das técnicas tornaram possível ú- alargando o campo da sua actuação. Desse alargamento resultou: uma protecção mais completa e eficaz aos diversos tipos de organizações da lavoura, de forma a estimular à cooperação e promover o progresso regional; o estímulo à realização de obras de interesse colectivo; a protecção aos cultivadores directos, pela possibilidade de aquisição das terras indispensáveis a uma exploração equilibrada: a utilização dos modernos meios de trabalho de que a agricultura deve dispor, com relevo especial para a mecanização; o fomento pecuário, florestal e frutícola; a contribuição para a melhoria da habitação nos meios rurais, etc.
A assistência financeira já realizada traduziu-se pela aprovação de créditos da ordem dos 1400 milhares de contos, para a realização de perto de 50 000 obras, repartidas por diversas categorias de empreendimentos, onde assumem maior importância as edificações e equipamentos para organismos corporativos e cooperativas agrícolas e as obras de rega. Da efectivação das obras de rega resultou um aumento de mais cerca de 22 000 ha, a acrescentar à área resultante da conclusão dos grandes empreendimentos levados a efeito e a que já atrás me referi.
Pela análise da rentabilidade dos capitais investidos ao abrigo da referida Lei n.º 2017, cuja finalidade principal é o acréscimo do produto bruto, determinou-se como média ponderada o coeficiente 2,3 de capital-produto, o que significa que para cada unidade de acréscimo no produto se investiram duas unidades. (Vide Análise da Rentabilidade dos Investimentos Efectuados ao Abrigo da Lei dos Melhoramentos Agrícolas, p. 47, publicação da Junta de Colonização Interna - 1967).
Pela ilação deste coeficiente podemos concluir que ao longo destes vinte anos o total de capital emprestado para este fim contribuiu para o acréscimo de produto bruto com cerca de 1 milhão de contos, ou seja à média anual de 50 000 contos.
Nestes últimos cinco anos, o apoio u lavoura através da Lei n.º 2017 tomou um incremento tal que no fim do ano corrente, deve ter aumentado para o dobro.
Daqui se infere que esta modalidade de crédito, assistido e controlado, apresenta características diferentes de outras modalidades de crédito cuja utilização, para o caso da agricultura, não encerra o grau de utilidade que o baixo juro, os prazos concedidos e a real efectivação do investimento garantem com o apoio do Fundo de Melhoramentos Agrícolas. Sugiro, pois, que se ponham à disposição deste Fundo os capitais necessários pára as solicitações crescentes que se verificam, porquanto se me afigura que o recurso às instituições de crédito a que ré refere o projecto do III Plano é muito falível e insuficiente. Por isso formulo a sugestão de que o Fundo de Melhoramentos Agrícolas seja autorizado a emitir promissórias e beneficie de obrigações dos fundos da previdência.
Na análise dos empreendimentos contidos nos programas sectoriais encontrei algumas lacunas que se me afiguram de assinalar. De entre as que reputo de maior interesse, mencionarei em primeiro lugar a ausência de verba destinada - além da dotação normal - a acelerar o serviço do cadastro geométrico da propriedade rústica. Tal serviço, para além de razões de ordem fiscal, poderá servir de base a inúmeras acções de desenvolvimento económico, como sejam, por exemplo, certos empreendimentos de
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reestruturação e de fomento agrário nas regiões de excessivo parcelamento da propriedade, de que atrás apresentei exemplos demasiado evidentes, que não justificam um longínquo aguardar.
Até Dezembro de 1966, apenas 75 concelhos, com cadastro concluído, já estavam entregues pelo Instituto Geográfico e Cadastral à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, abrangendo uma superfície de aproximadamente 3 500 000 ha.
Reunindo igual importância, se não maior, está a não inclusão de verba adequada para concluir com a brevidade necessária a Carta de Solos e a Carta de Capacidade de Uso do Solo, a cargo do Serviço de Reconhecimento e de Ordenamento Agrário.
A Carta de Solos constitui um elemento de trabalho imprescindível para uma eficiente e conscienciosa assistência técnica à lavoura.
Através da Carta de Capacidade de Uso do Solo é possível a prospecção das potencialidades no que respeita à exploração do solo, o que justifica o seu emprego directo para a elaboração e execução de planos de certo modo especializados, os quais são considerados da maior utilidade para assegurar a desejada eficiência dos planeamentos regionais.
O Serviço de Reconhecimento e de Ordenamento Agrário, cujo quadro é constituído por técnicos das quatro direcções-gerais da Secretaria de Estado da Agricultura, não dispõe de uma estrutura própria, porquanto vive de verbas dos serviços a que pertencem os seus técnicos.
A morosidade, por insuficiente dotação, com que estes serviços estão actuando leva a supor que a nível cimeiro é subestimado o serviço realizado pelos técnicos utilizados nestes trabalhos de campo. São, sem dúvida, autênticos técnicos de campo.
Para que não se suponha que outras razões menos plausíveis me levam a alongar estas considerações, muito rapidamente darei lima ideia da projecção que, por exemplo, tem no estrangeiro o Serviço de Reconhecimento e de Ordenamento Agrário.
Além de inúmeros técnicos e cientistas estrangeiros que têm feito estágios em Portugal, alguns países, como a Itália, estão a decalcar a nossa metodologia.
Pelo facto de conhecermos melhor os solos típicos da região mediterrânea, a Sociedade Internacional da Ciência do Solo promoveu a organização, no ano passado, de uma excursão pedológica a Portugal, em que tomaram parte cerca de 80 cientistas de muitos países.
Portugal já presidiu ao Grupo de Trabalho Europeu de Cartografia e Classificação de Solos e foi eleito para fazer parte da Comissão Executiva da Carta dos Solos da Europa na escala de 1: 1000 000, cuja preparação se faz neste momento sob os auspícios da F. A. O.
Tudo isto constitui prova eloquente da competência e do elevado nível dos técnicos portugueses.
Se o quadro do pessoal técnico se mantiver como se encontra, serão necessários 21 anos para concluir o reconhecimento do território do continente. E quanto ao ultramar, nem é bom fazer qualquer previsão.
Para cobrir todo o território continental até ao final .do III Plano de Fomento haveria que reconhecer anualmente cerca de 1 milhão de hectares. Dado, porém, que parte da área a reconhecer não é susceptível de qualquer intensificação cultural, admite-se que bastariam cerca de 50 técnicos, ou seja 2,5 vezes os que actualmente se encontram em actividade.
Estas considerações, em certa medida, podem ser extensivas ao cadastro da propriedade rústica.
Para a realização dos objectivos do Plano, o Governo deverá assegurar:
a) A coordenação com o esforço de defesa da integridade do território nacional;
b) A manutenção da estabilidade financeira interna e da solvabilidade externa da moeda;
c) O equilíbrio do mercado do emprego;
d) A adaptação gradual da economia portuguesa aos condicionalismos decorrentes da sua integração em espaços económicos mais vastos.
Os investimentos programados para a agricultura, pecuária e silvicultura atingem o montante de 14 600 000 contos, destinando-se à agricultura 11,8 por cento do orçamento do Plano.
Admite-se, como objectivo a atingir durante o Plano, um crescimento médio anual de 3 por cento para o produto agrícola. A participação do sector na formação do produto interno bruto passará a ser, em média, de 13 por cento e a contribuição do acréscimo do produto bruto do sector para o acréscimo global do produto nacional será de 5,6 por cento.
A contribuição para o aumento da produtividade do trabalho total situar-se-á em 11,3 por cento e o resultante da transferência de cerca de um quarto da população activa agrícola para outros sectores será apenas de 8,6 por cento.
Para reduzir a série de carências que se verificaram nestes últimos anos e conseguir, no tempo e no espaço, as condições que conduzam à integração do sector agrícola, em igualdade com os outros sectores, urge uma acção de mentalização e consciencialização de todos os que a este sector se encontram de qualquer maneira comprometidos.
Este Plano de Fomento constitui tarefa imensa que está ao nosso alcance, que a todos se destina e à consciência de todos se dirige para que tudo façamos em ordem a não atraiçoarmos os sacrifícios de todos os que se devotam à honrosa missão de servir, mesmo com a suprema dádiva da vida em defesa da nossa perenidade, como nação livre.
Confiamos todos que, ainda antes de serem dados a conhecer à Nação os resultados a que chegou o Secretariado da Reforma Administrativa, seja dada satisfação aos servidores que auferem ordenados mais modestos. Há muitos funcionários desempenhando serviços de alta responsabilidade que, em face dos seus modestos ordenados, têm de levar uma autêntica vida de heroicidade, perante as realidades cruéis da vida.
O problema dos quadros administrativos e técnicos exige medidas imediatas, pelo menos para dar alguma satisfação àqueles que servem com competência, zelo e dedicação.
Os organismos regionais cada vez se encontram mais desfalcados de pessoal - quer de pessoal dos serviços administrativos, quer de técnicos. Ou vão para a actividade privada, onde encontram melhor remuneração para o seu trabalho, ou transferem-se para os grandes centros - em regra Lisboa -, onde, com relativa facilidade, através de outras actividades, reúnem dois ou mais ordenados que lhes permitem, não só fazer face ao agravamento do custo de vida, como beneficiar de certas vantagens e atractivos que a vida de província não proporciona.
Os índices de presença e produtividade efectiva, em muitos casos, firam aquém daquele mínimo que é lícito exigir.
Toma grande premência a necessidade de actualização das ajudas de custo, de acordo com o agravamento do custo de vida.
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Há também que tomar em consideração a natureza de certos trabalhos, que não só exigem especialização, como obrigam a constantes deslocações, muitas vezes com a família, e, portanto, a sacrifícios de toda a natureza, sem qualquer compensação - quando não com prejuízos -, o que, necessariamente, se reflecte no rendimento do seu trabalho.
A atribuição de um subsídio de campo colmatará em parte as constantes «fugas» de técnicos de qualquer nível que se estão a verificar.
Se completarmos este panorama, por exemplo, com os critérios de qualificação para efeitos de ascensão hierárquica, facilmente encontraremos os mais díspares critérios, não só de Ministério para Ministério, como entre as diversas direcções-gerais do mesmo Ministério.
Tenho para mim que devia haver um quadro único para o funcionalismo, extensivo a todo o espaço português.
A Nação precisa de todos os elementos válidos, pois decerto, ninguém recusará a sua colaboração efectiva e plena, perante os grandes imperativos que são dirigidos ao nosso melhor entendimento.
Sr. Presidente: Ao chegar ao termo das minhas considerações, apesar das reservas que apresentei, dirijo uma palavra de justa homenagem ao ilustre Ministro de Estado adjunto da Presidência do Conselho, Sr. Dr. Mota Veiga, e seus mais directos colaboradores, pelo exaustivo trabalho que foi necessário despender e, sobretudo, por este serviço prestado à Nação - o projecto do III Plano de Fomento.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A sessão de logo à tarde terá a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 13 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
António José Braz Regueiro.
António Júlio de Castro Fernandes.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Francisco António da Silva.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Jorge Barros Duarte.
José de Mira Nunes Mexia.
José Rocha Calhorda.
Júlio Dias das Neves.
Luciano Machado Soares.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Rui Pontífice de Sousa.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Ar antes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
André da Silva Campos Neves.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Calapez Gomes Garcia.
António dos Santos Martins Lima.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando de Matos.
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Francisco José Roseta Fino.
Jaime Guerreiro Bua.
James Pinto Buli.
João Duarte de Oliveira.
José Coelho Jordão.
José Fernando Nunes Barata.
José Guilherme Bato de Melo e Castro.
José Manuel da Costa.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Sebastião Alves.
O REDACTOR - Januário Pinto.
IMPRENSA NACIONAL DB LISBOA