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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 105

ANO DE 1967 6 DE DEZEMBRO

IX LEGISLATURA

SESSÃO N.º 105 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 5 DE DEZEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid de Oliveira Proença
José Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 99 e 100 do Diário das Sessões, com uma rectificação ao Sr. Deputado Furtado dos Santos quanto ao primeiro.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão na generalidade da proposta de lei relativa à elaboração e execução do III Plano de Fomento.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Amaral Neto, Jesus Santos, Júlio Evangelista e Campos Neves.
O Sr. Presidente encerrou a tensão às 19 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 horas e 15 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André da Silva Campos Neves.
Antão Santos da Cunha.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António José Braz Regueiro.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Baptista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco Elmano Martins da Cruz Alves.
Henrique Veiga de Macedo.
Horácio Brás da Silva.
Jaime Guerreiro Rua.
James Pinto Buli.
João Duarte de Oliveira.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.

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José Fernando Nunes Barata.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pais Ribeiro.
José Pinheiro da Silva.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Marra de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Raul Satúrio Pires.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
D. Sinclética Soares Santos Torres.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 72 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os Diários das Sessões n.ºs 99 e 100, que já foram distribuídos.

O Sr. Furtado dos Santos: - Sr. Presidente: Em relação ao Diário doa Sessões n.º 99, requeiro as seguintes rectificações: na p. 1850, col. 1.ª, l. 7, onde se lê: «voto sentido», deve ler-se: «voto no sentido»; na p. 1850, col. 2.ª, l. 55, onde se lê: «problema», deve antes ler-se: «programa».

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deduzir qualquer reclamação, considerarei aprovados os referidos Diários, com as rectificações ao n.º 99 requeridas pelo Sr. Deputado Furtado dos Santos.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Estão aprovados.

Não estando ninguém inscrito para usar da palavra antes da ordem do dia, vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão nu generalidade a proposta de lei relativa à laboração e execução do III Plano de Fomento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Amaral Neto.

O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: A Câmara Corporativa fechou o seu parecer sobre a proposta de lei deste III Plano de Fomento que nos ocupa com a recordação de que, ao apreciar o Plano Intercalar, prestes a esgotar-se no calendário, fizera a sugestão de esta nova proposta vir a exame com cerca de um aro de antecedência, e com II nota lamentosa de que a sua esperança se não realizou.
Se aquela Câmara de especialistas entendeu ser escasso o tempo para o seu trabalho de análise e de estudo, que havemos de dizer nós outros aqui na Assembleia, ricos, sem dúvida, de aspirações que desejaríamos comunicar ao Plano, fartos, certamente, de notas sectoriais a propor-lhe, mas tantos pouco preparados para deitar juízo em muitas das delicadas questões que ele levanta e requereriam, para voto cabalmente fundamentado, moroso esforço de apreensão dos seus caminhos e fins, através do muito e bom material oferecido, que todavia não há literalmente tempo de compulsar todo? Pois parece-me efectivamente que representarmo-nos cada. qual os «feitos do Plano nas áreas do seu mais íntimo conhecimento; e assim, a exemplo de melhores que eu, a minha apreciação será essencialmente de carácter sectorial.
Mas não sem que primeiro submeta o meu sentimento quanto à generalidade da proposta e exponha uma ou duas preocupações mais amplas que no contexto dela ocorrem.
O Plano visa o maior desenvolvimento nacional e é difícil de conceber objecções a tal propósito, que nos é apresentado não só sob u forma de maior aprovisionamento em bens materiais, como também postulando ganhos na. valorização das condições intelectuais e morais das pessoas: na educação, na saúde, no alojamento, que, pela criação de ambiente, tão poderosamente condiciona si tranquilidade de espírito.
Se os objectivos são tais, como negar-lhes desde logo, mais do que o voto, o aplauso entusiasmado? O debate ficará aberto quanto ao proporcionamento dos meios aos fins procurados, quanto à adequação dos processos ao escopo último, quanto à equidade no benefício dos resultados, questões em parte sujeitas às consequências da revisão trienal; mas, quanto à bondade do intuito, não sinto haver lugar para dúvidas!
Todavia, parece não ser impossível encontrar ainda hoje quem minimize o valor essencial da busca do desenvolvimento, no sentido em que o estamos a entender.
Na verdade e em primeiro lugar, pondo a questão não em termos comparativos, mas nos mais absolutos, convém reconhecer que a muitos espíritos perturba e intriga a hipótese de uma expansão contínua do progresso material, prosseguindo intermuinàvelmente e cada vez mais célere na aquisição de crescentes fornis de domínio do meio físico e recursos de satisfação dos apetites humanos que o mesmo progresso sem cessar acicata II novas ambições. Irreprimível se põe e repõe o receio de a dilatação continuar, queimando bens naturais e acumulando detritos, até à ruptura catastrófica, aniquiladora dos ganhos adquiridos; e a interrogação de um fatal regresso cíclico das civilizações às pristinas rudezas aflora de quando em vez sob penas das melhores, não cessando de nos inquietar quanto ao merecimento último das tendências a cujo cortejo, ainda triunfante, nos vamos associando.
Também há quem opine, depois de aturado estudo de povos dos mais primitivos, que de modo algum nos distanciámos destes, como orgulhosamente cremos, no apuro essencial da inteligência, nem no da alma, padrões supremos do verdadeiro desenvolvimento.
No próprio domínio das observações concretas dos embates do crescimento económico e dos seus processos, so-

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bre estruturas humanas organizadas diferentemente destas nossas em que o movimento tomou balanço, ressurge de tempos a tempos a questão, aliás clássica, da ruptura dos sossegos estabelecidos - sabe Deus sob que tensões recalcadas! -, do mal-estar que desperta e do valor real dos avanços que trouxe.
Sem embargo, aos políticos cabe primeiro considerarem os anseios dos povos, e certamente não há hoje em dia aspiração mais generalizada, desejo mais forte nos homens, do que a da melhoria das condições de vida, de maior bem-estar, porque já não duvidam da sua possibilidade, em continuados- acréscimos, como fruto do desenvolvimento económico e social. A multiplicação das comunicações e a inserção nestas da arte de despertar apetites romperam as últimas resignações da ignorância, universalizando veemências de desejo que exigem satisfação. Um grande facto do nosso tempo é que as gentes, desenganadas por dois séculos de experiências de se livrarem das privações terrenas por graça automática dos sistemas de governo, reconheceram e aceitam ter de criar a riqueza desejada por esforço próprio; mas, em contrapartida, requerem implacàvelmente que seja no maior proveito comum e, cientes das novas oportunidades, aferem as políticas pela capacidade de melhor e mais depressa os encaminharem nestes sentidos.
Aliás, a grande voz de Roma, já aqui apropriada e brilhantemente recordada, o sábio conselho do Santíssimo Padre Paulo VI, falando donde se julga o actual à luz do eterno, deu-nos, com a lição da necessidade do desenvolvimento, a mais aliciadora e bela definição dele: é a ascensão a condições mais humanas de vida.
Condições mais humanas, não só na esfera da existência material, pois «o desenvolvimento não se reduz a um simples crescimento económico. Para ser autêntico, deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo ...». Mas, nessa, importantìssimamente, porque o desprendimento dos bens terrenos é virtude de santos, e às pessoas comuns não se pode faltar com eles desde que os entrevejam acessíveis.
Os que duvidam ou mesmo mofam do progresso e do crescimento material como alvos ilusórios, como vãs persecuções de melhorias sem conteúdo, como perturbadores do sossegado desfrute dos bens já assegurados e do gozo do dom de viver nos favores e no louvor da Previdência, serão muitas vezes os satisfeitos que não cuidam das privações dos mais desvalidos, mas o que são sempre é esquecidos e desagradecidos do que estão aproveitando dos progressos e do crescimento conseguidos pelas incontáveis gerações que desde a origem do Mundo lhes criaram as condições de já se permitirem dizer que agora basta. Mas não basta! Não basta ainda para todas as crianças terem instrução, todos os homens trabalho decentemente pago, todos os doentes meios de cura, todos os inválidos abrigo, todas as pessoas a dignidade que lhes aumente a humanidade.
Deus criou o Mundo e disse aos homens que crescessem e. se multiplicassem e, ao mesmo tempo, que previssem ao próprio sustento no Mundo que lhes dera; aumentar as riquezas deste Mundo, para o sustento dos homens em multiplicação, é certamente realizar o mandado divino.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se não se pensou sempre assim, se a riqueza foi censurada - sem deixar de ser apetecida e fruída gostosamente - e o lucro condenado como torpeza, pois só se via sair de uma bolsa para rechear outra, se os bens de conquista, fixados em patrimónios adquiridos e gozados sem outro esforço que o de algum lance guerreiro, foram considerados nobres, enquanto os frutos das actividades laboriosas eram aviltados no desprezo de mercadores e fabricantes, isso foi nos quadros da economia estática correspondente a populações estacionárias, quando os produtos sobrantes - com quanta irregularidade! - dos gastos comedidos da subsistência modesta eram quase todos aplicados ao ornamento sumptuário das classes possidentes, todavia o principal motor do lentíssimo crescimento de então.
No quadro completamente diferente dos nossos dias, quando as grandes massas não toleram mais ficar fora da partilha dos frutos de um desenvolvimento de que se encontram bem cientes e cada dia aumentam em novas multidões a reclamá-lo, a atitude perante as questões económicas tem de ser toda outra. Não se trata de uma subversão dos valores: trata-se de dar o devido valor aos meios de servir o comum e satisfazer os homens nas suas aspirações actuais.
Ora nós, em Portugal, ainda estamos muito repassados dos antigos conceitos de quietude económica. O espírito de iniciativa e inovação, o contraste das capacidades pela concorrência, o respeito do lucro - o lucro que até as economias socialistas já se viram forçadas a admitir! - como medida de produtividade e fonte de capitais para investimento, ainda repugnam fortemente a muitas mentalidades formadas no quadro das medianias resignadas;, afeitas às estratificações sociais e temerosas de responsabilidades, inclinadas a ver nas actividades económicas funções sómente ancilares. Agora mesmo, quem não continua a arrecear-se dos excessos de colheita ou fabrico? E, a fazê-los absorver pela ampliação dos mercados, não prefere acobertar-se sob os condicionamentos garantes de ganhos fáceis e vendas certas?
Se procuramos o desenvolvimento económico, como este Plano testemunha - e não há presentemente outra alternativa -, teremos não só de criar condições políticas e financeiras, necessitaremos também de aceitar a ética que há-de facilitar a compreensão, justificar as acções, animar as decisões, a ética do desenvolvimento, concedendo categoria moral à empresa fornecedora de bens ou de serviços como factor do maior bem-estar do maior número possível de pessoas e de valorização do seu trabalho.
E esta categoria moral há-de ser aferida pela boa gestão dos elementos produtivos e pela capacidade de gerar outros novos. Não se trata da empresa desenfreada do capitalismo liberal, usando da força competitiva como arma para destruir as rivais à custa da exploração do trabalho e da espoliação dos consumidores, nem da sua sucessora do momento de crise, a empresa espartilhada num neo-corporativismo bem intencionado, embora, como o da Idade Média, rigidificado por tendências de equilíbrio estático, mas da empresa dinâmica da nossa era de explosão populacional, em quantidade e desejos, que os mercados esclarecidos e os trabalhadores organizados constrangem a servir bem, que na concorrência assim limitada se aguça em capacidades, que no lucro, medida e prémio do valor acrescentado por obra da sua diligência, e não já fruto da especulação hábil ou de privilégio, procura o instrumento para contentar colaboradores e criar melhores meios de acção.
A ética do desenvolvimento não deixa de postular a acção do Estado para manter o meio livre, e coarctar abusos, mas requer mais presteza nas suas intervenções, mais flexibilidade nos regulamentos, mais prontidão nos despachos, mais actualidade nos critérios, maior liberdade para as iniciativas e, com esta, máxima responsabilidade para os empresários e mais respeito pelos seus esforços.

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Ela não poderá ser incutida nas mentalidades onde se faz mister que encontre aceitação e inspire decisões só pela via- do Diário do Governo, mas há a cuidar muito atentamente que permeie as suas páginas e que o exemplo alheio e a meditação própria vão paralelamente convencendo do merecimento dos seus preceitos os homens de acção e de pensamento.
Realizado noutro espírito, é muito de recear que o novo Plano de Fomento fique aquém dos seus plausíveis propósitos e acabe por se revelar mais um catálogo de recomendações e um repositório de verbas do que um fermento de iniciativas.
Quer pela via da Câmara Corporativa - particularmente em substanciosa nota ao seu parecer final -, quer nesta tribuna, diversas vozes se têm erguido para lamentarem, a propósito do nosso presente tema, a falta de directivas assentes e observadas de política económica de carácter geral ou sectorial, considerando os planos de fomento insuficientes substitutos dela.
Estes têm, todavia, oferecido quase os únicos repositórios de ideias e intenções sobre a condução da nossa economia, com prazo presumível que ao público observador e aos empresários afectados tem sido dado conhecer para orientação própria. E se como tais têm provado ser guias pouco seguros, mesmo assim, à falta de melhor, o merecimento deve ser-lhes reconhecido e o voto implícito de que o Governo e Administração façam ao menos por aderirem durante os próximos seis anos aos conceitos e aos propósitos que ditaram o projecto do novo Plano há-de surgir fácil a muitos espíritos, entre os quais quero ter o meu contado.
Ia para dizer que gostosamente quero ser contado, mas não é com gosto que se aceita um remedeio insuficiente! E será oportuno, embora não agradável, dizer por uma vez, em voz alta, o que tantíssimos amigos ou adversários murmuram por aí sem apreciáveis dissentimentos: que a admirável continuidade política no fundamental dos últimos 35 anos, dom que nunca apreciaremos de mais, não tem sido servida por condigna, não direi estabilidade, porque em tão largo tempo as circunstâncias evoluíram, por condigna clareza na proposição de directivas para a actividade económica e firmeza e harmonia na sua aplicação.
Noutros países, mesmo afligidos por danosas instabilidade» governativas, ou a intervenção do Poder na sustentação das actividades privadas é menos requerida, ou as administrações são eficientes para levarem o facho da continuidade, ou as mudanças de governo são por prazos predeterminados e as suas intenções previamente bem conhecidas através de largas exposições públicas e executadas com sentido de obediência a obrigações contraídas, de modo que os interessados, gostem ou não, aprovem ou não, sabem sempre ao menos com que contar e dentro de que calendário.
Não tem sido bem assim entre nós. O extremo poder do Executivo e a aparente liberdade que, fora de poucos princípios tão fundamentais como largos, parece concedida aos seus mais altos agentes, tem, de facto, feito que a entrada de cada novo titular para a pasta da Economia seja acompanhada de tantas expectativas como interrogações e a sua actividade seguida com a incerteza da continuação.
Falando por mim, e para o momento, eu, que nunca me esqueço nem envergonho, aqui e em qualquer parte, de ser primacialmente um agricultor, posso louvar abundantemente as intenções e critérios de política económica agrária ultimamente expendidos em alguns despachos notáveis. Mas quem me garante a sua aplicação, além da palavra do seu signatário e enquanto ela lhes estiver ligada? Do mesmo modo, neste e noutros sectores, quantos planos anunciados, quantas disposições tomadas, quantos mecanismos desencadeados, que tiveram a vida efémera dos seus autores? Pois se nem os «testamentos» são respeitados, por vezes ...
Compreendo perfeitamente que políticas económicas a prazo sejam difíceis de delinear com suficiente aceitação, avalio quantos elementos dos mais necessários faltam para as estabelecer, embora receie que a mesma falta origine círculos demasiado viciosos de mútua condescendência, mas vejo no próprio facto da apresentação dos planos de fomento um princípio de sujeição a ideias e desígnios projectados no tempo e concluo, pois, não ser ousadia nem despropósito enfileirar com os que lamentam não os ver mais seguramente estruturados, além da atribuição de verbas e das sumárias indicações que esmaltam o projecto do III Plano de Fomento sob as epígrafes de medidas de política, frequentemente tão vagas.
Nem é meramente de ordem teórica o defeito de concretização e de coerência no tempo da nossa política económica. Parecem ser, efectiva e infelizmente, algumas as actividades onde as contradições da política económica, fossem embora de pormenor - mas sempre sob responsabilidade da mais alta e nem sempre só em casos de espécie -, têm demonstrado efeitos perniciosos. Iniciativas alentadas sob uma administração, desamparadas sob outra, condicionalismos fixados e alterados uma vez mudado o mando, não serão, segundo com pesar vou ouvindo, tão raros que eu não possa supor presentes nos Srs. Deputados exemplos bastantes para se me tornar necessário insistir.
Esta é uma hipoteca grave sobre a política do desenvolvimento, pelas reticências que forçosamente suscita, o conviria muito encontrar a forma de a levantar convincentemente.
Nesta espécie de hiato intelectual determinado pelo termo de um plano de fomento e o encetar de outro novo, bem distinto em alcance e ambições, fervilham naturalmente também toda a sorte de ideias associadas à consideração das condições de máxima eficácia dos programas, e assim permitir-me-ei tocar ainda, ao de leve embora, duas questões desta ordem de diferentes grandezas, mas a meus olhos cada qual digna de atenção segundo a sua natureza.
Será a primeira a da importância de fazer dar ao trabalho a primeira das suas dignidades, que chamarei a da utilidade: utilidade do trabalho para a valorização do trabalhador, utilidade do trabalho para o rendimento da produção.
A valorização do operário é porventura a característica mais notória - e direi que a mais louvável - da evolução económica contemporânea, e com síntese suficiente para o meu intento bastará recordar que é resultante de dois grandes movimentos que se sucederam e acabaram por conjugar-se: o da sua afirmação como pessoa, e da sua apreciação como consumidor. O crescimento económico depende do escoamento dos bens produzidos, portanto dos consumos activos, e estes mais da capacidade do que do número dos consumidores, porque é a primeira que os apura e afina; daqui o .segundo movimento.
A certeza, hoje pacífica, mas revolucionária ainda há meio século, de que as empresas ganham clientela com os ganhos dos seus empregados passou a informar o desenvolvimento económico e exprime-se lapidarmente neste título de um jornal francês de há meia dúzia de anos: «O capitalismo, para sobreviver, tem que enriquecer o operário!»
A condição necessária, indeclinável, iniludível, deste movimento é a de que a produtividade do trabalho vá

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crescendo, multiplicada como cada dia mais pode ser pela ajuda dos maquinismos e pelas melhorias de organização dos processos. Há-de corresponder a cada trabalhador cada vez maior produção, para que a sua parte nela possa crescer, descontados os custos. E, pois que esta parte se exprime no salário, segue-se que o salário só pode realmente crescer na medida em que o próprio trabalhador produza mais, ou melhor.
De outro modo, ou o salário não sobe, ou sobe o preço da produção, e com ele o custo dos consumos, ou seja o da vida.
E o trabalhador que não faz melhorar o rendimento do seu trabalho engana-se a si mesmo, quando julga estar sòmente a enganar o patrão.
Ponto é - e este ponto é tão essencial como a condição anterior - que ao trabalhador seja efectivamente proporcionada a participação nessa melhoria do rendimento.
Tal não sucedeu em longos períodos históricos, e designadamente nos começos da Era Industrial, como demais se sabe. Elemento debilitado por toda a casta de sujeições, que acabaram por a fazer erguer-se irreprimivelmente na reivindicação de melhor sorte, e lhe asseguraram convictos (se nem sempre desinteressados) aliados para a luta, a mão-de-obra era até recentemente a parente pobre, no figurado como no real, da família produtiva. Aliás, aí temos ainda o relatório do Plano a demonstrar-nos que mesmo nos períodos mais recentes, e quanto a algumas das actividades mais festejadas por progressivas e rendosas, a evolução da produtividade das empresas foi superior à dos salários que pagaram.
Quer-me mesmo parecer, a mim, que a subida de salários e índices de. vida dos últimos anos, nos meios industriais que de outro modo se contentariam com aproveitar da força de trabalho atraída de outros sectores, se devem mais propriamente aos crescimentos da produção estrangeira, pelos efeitos da emigração, do que às melhorias da nossa interna.
Mas estas foram doenças de crescimento, e já não há que duvidar de que o trabalho, pela rarefacção, se tornou entre nós também factor apreciado e de que,, salvos desastres, deixou de ser o elemento mais débil dos processos produtivos.
Porém, se os trabalhadores se convenceram já bastante deste último facto, ainda falta educá-los para o outro que atrás apontei: que é do seu interesse, e do interesse nacional no sentido do desenvolvimento económico, passarem a trabalhar mais aplicadamente e com melhor consciência do seu dever, e proveito, de imprimirem maior rendimento ao próprio esforço. Paralelamente, há que manter o patronamento consciente de que é também do seu interesse, e do interesse nacional no mesmo sentido, cuidar de assegurar aquele proveito do trabalhador no melhor rendimento do trabalho.
Nem altos salários sem trabalhar mais e melhor, nem maior rendimento do trabalho sem participação proporcionada do trabalhador!
À política governamental do trabalho incumbe providenciar para que se vão satisfazendo estes objectivos, e providenciar mais pela lição - que o operariado poderá nem sempre tomar para o bem, mas pouco esquece para o mal - do que pela constrição.
Muitos sinais há, demasiados sinais, porém, desde textos no Diário do Governo a atitudes das pessoas, de que os departamentos competentes da administração pública ainda não se livraram de complexos da era de trabalhador oprimido, e andam muito alheios aos modernos conceitos da função do trabalho na economia.
Dir-se-ia que essas autoridades procedem, demasiadas vezes, repito, como se entendessem que a maneira por que lhes cabe protegerem o trabalhador é ... livrá-lo de trabalhar, em vez de se dedicarem a encaminhá-lo para a eficiência e para a melhoria da sua condição por esta via, a única segura e duradoura.
Procurar a melhor retribuição do trabalho, a máxima dignificação do operário, o aumento do seu quinhão no valor do produto, é uma coisa e a coisa necessária; não o esclarecer, activa e passivamente, de que é do seu próprio interesse trabalhar muito e bem, é desservir o desenvolvimento da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Neste sentido, importa que sejam reconsiderados critérios e actos. Tornado, como está, elemento raro o trabalhador, o bom trabalhador, perdeu primazia o dever de suprir a sua debilidade contratual; quanto ao trabalhador deficiente, o que importa é ajudá-lo a melhorar-se, não a iludir-se na conta que faça de si próprio.
Há bastantes vozes concordes para que pudesse faltar o eco delas no nosso debate; porque actualmente, neste nosso querido Portugal, cada vez se trabalha menos e pior!
Na presente conjuntura, que acastela nuvens de preocupação sobre as economias ocidentais, quando não se podem, nem devem, ocultar as sombras que essas produzem sobre a nossa própria economia, como não se pode, nem deve, por um momento esquecer as contingências susceptíveis de a embaraçarem e contrariarem as esperanças do Plano, a palavra de ordem superior, o exemplo da Administração, o firme e forte propósito de cada qual de nós deve ser o de retesar até ao último extremo as fibras activas, de modo a intensificar a produção com que nos bastemos, para consumo interno e trocas com o exterior.
Levar ao mais alto ponto o rendimento de todo o trabalho e o prémio de todo o trabalhador é, pois, insistirei ainda, a necessidade primordial a servir pelo preceito e pelo exemplo; e nesta ordem de ideias não há senão que aprovar e aplaudir que a reforma da administração do Estado tenha sido também examinada no Plano, com substancial descrição dos seus problemas, animadora exposição das medidas já tomadas e dos projectos em vista, plausível definição de objectivos.
Prendeu-me entre estes, por mais fácil de sintonizar nas ondas da minha curiosidade, justamente o primeiro, que visa a insuflar à Administração um espírito empresarial harmónico com as características e exigências do nosso tempo.
Ora a primeira exigência do nosso tempo, dentro do espírito empresarial, é a da boa gestão ou habilidade de tirar dos meios disponíveis os melhores efeitos no sentido dos objectivos próprios e em harmonia com as circunstâncias. E, como sob o intenso fluir dos requisitos e das condições da acção, na nossa sociedade em desenvolvimento, meios e objectivos imediatos se modificam sucessivamente, a gestão não tem de cuidar só de manter o sistema em movimento: pertence-lhe ser dinâmica, capaz de atender às novas correntes que se formem e aproveitá-las para os fins do seu mandato.
Não se aceita, pois, que os responsáveis de gestão, ao nível directivo, repousem sobre sucessos passados, serenando no entorpecimento do expediente corrente, que se contentem com fazer seguir. Enquanto estejam ao leme, exige-se-lhes que se encontrem permanentemente tendidos para se renovarem na actividade, e pelo próprio exemplo do mesmo modo mantenham aplicados

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à tarefa comum os seus subordinados, por ser eterna verdade humana que até gente forte enfraquece com tibiezas da chefia.
Por isto há já autores a sustentarem que os mais altos dirigentes das empresas - estou-me ainda referindo ao sector privado, todavia pensando na sua proposição como modelo oportuno para organismos estaduais - devem ser implacàvelmente substituídos tão depressa os resultados de gerência demonstrem decréscimo das suas capacidades e energias, ou desvio dos seus zelos, a esses primacialmente responsabilizando pelo sucesso dos negócios.
Este critério, afinal, vigora desde sempre na política: o governante inábil rapidamente é substituído. Como nas empresas individuais: o mau administrador quebra.
Em verdade, quase só nos domínios da administração pública, como modernamente em grandes sociedades anónimas, de gerência, cada vez mais desligada da propriedade, se concebe mais facilmente a permanência em postos cimeiros de quem haja deixado de se mostrar eficaz a; servi-los; concebe-se, mas cada vez menos se aceita, pelas razões que vimos.
O processo eficaz e prático de prevenir a decadência ou desinteresse dos titulares de funções importantes é o provimento por prazo fixado, com faculdade de recondução quando e enquanto comprovarem capacidades adequadas. Clássico nas organizações privadas de forma colectiva, III r da há poucos anos o vimos introduzido na vida municipal, quanto se sabe sem inconvenientes graves.
Na administração do Estado, que se recomenda abrir ao espírito empresarial, são, salvo erro. os directores-gerais, e seus pares, os equivalentes dos dirigentes, hoje em dia tão fortemente responsabilizados. Sem obrigações políticas, mas com as máximas no domínio da impulsão dos serviços, parece-me aplicarem-se-lhes muitas das razões de amovibilidade condicionada que os critérios de eficiência sugerem.
Sem desprimor para os altos funcionários desta categoria, que tenho por perfeitamente competentes e com todas as veras dedicados aos cargos, creio ser oportuno sugerir que, no quadro da reforma administrativa em marcha, se considerem as vantagens de retirar ao exercício das funções de director-geral o carácter de inamovibilidade que hoje em dia lhes está atribuído.
Poderá ser uma revisão dolorosa, mas o tempo é justamente o destas!
Sr. Presidente: Demasiado tem este sapateiro andado por cima da sua chinela.
Depois de divagar por escarpas o. de me arrisquei a escorregadelas, convém regressar à firmeza do chão que mais afeito ando a pisar.
O primeiro dos capítulos nos programas sectoriais do Plano, como na ordem do meu interesse, é o da agricultura, e u este me confinarei, procurando ser breve e receando mesmo assim de acabar por abusar da vossa condescendência em ouvir-me.
Procurarei, repito, ser breve, e poderia ser brevíssimo, porque na programação formulada não encontro substancialmente de que discordar.
Todos são empreendimentos úteis; de todos, se levados a bom termo, se pode esperar algum - ou muito - efeito benéfico para os objectivos gerais de apressar o crescimento do produto, elevar o nível de vida da população agrícola, aliviar o peso das importações.
De boa parte deles já me ocupei aquando da discussão de planos anteriores; reli o que então disse, e se tive a pena de verificar que se justificaram algumas reservas, tive também o gosto de ver arrepiados passos em caminhos que já então me pareceram duvidosos. Sem esperar que alguém me releia, pedirei no entanto vénia paru não ter que me repetir.
Há que fazer aos programadores a justiça de reconhecer - como, aliás, já foi reconhecido - que desta vez foram mais generosos na atribuição de provisões para o fomento da agricultura, da silvicultura e da pecuária, e onde havia lugar para isso distraíram parcelas mais importantes da valorização do património do Estado para o dos particulares. Há que louvar, também, por judiciosas e actuais - quero dizer, sem pretender autoridade crítica, por se encontrar com elas o meu próprio sentimento do actual e do judicioso -, as considerações iniciais que justificam a programação e preenchem o primeiro parágrafo do capítulo respectivo. A quebra do tabu dos preços de que, pela primeira vez que eu note, em documentos destes, se fala, e para reconhecer deverem remunerar convenientemente, além da despesas de exploração, os factores e os riscos da produção, é por si só de assinalar. Ainda faltou considerar os autofinanciamentos, mas a passada só por aquilo já é para ficar célebre.
Deixo para outras bocas, aprovando-as, mas duvidando de as dever acompanhar, o lamento da exiguidade das verbas e da insuficiência de participação nestas do Orçamento Geral do Estado, justamente tido por mais seguro garante da provisão de fundos. Abundo de todo o coração nas suas preocupações, e apoiaria as suas razões se a minha não obrigasse II crer já bom que as circunstâncias permitam realizar o programa.
Aprovo a política hidráulica pura a agricultura, tanto no sentido de novos regadios como no de aproveitar melhor os existentes. Cheguei à convicção do que sem água artificialmente angariada não poderemos ter culturas estivais intensivas, capazes de aproveitarem melhor a energia solar que nos é dispensada. E tanto creio assim que já me atrevo a duvidar de a fertilidade natural dos solos dever ser condição limitante da rega; é tamanha a diferença de rentabilidade do regadio, e somos tão pobres em terras frescas e fundas, que me parece merecerem atento exame mesmo os casos extremos de água cara e terra pobre, mas melhorável. A ciência já experimentou, e daí concluiu, se a matéria orgânica queimada pela adustão estival é insubstituível pela forragicultura metódica e pelos estrumes dos gados, ou se as raízes afeitas a beber fundo não se contentarão com terras delgadas, se frescas e gordas?
Em tempos de mais dedicação ao óptimo perfilhei muitas apreensões sobre a sanidade económica de alguns dos regadios de empreendimento público e trouxe-as até esta mesma tribuna. Eram então menos abertas as probabilidades de colocação das produções de maior preço que os regadios impunham e certamente assustava o custo da água; nessa perspectiva não tenho que me arrepender do que então disse. Mas na perspectiva que hoje se me antolha tão-pouco receio ter de me arrepender do que estou dizendo. Uma palavra, porém, ainda devo: a de especial homenagem ao Chefe, que, por sobre aspectos de conjuntura, soube ver a necessidade essencial da água nas nossas condições, depois de- ter sabido criar as possibilidades de a obtermos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Neste domínio, convém não esquecer tão-pouco as possibilidades dos pequenos regadios colectivos ou privados. Destes são, graças a poços, levadas e açudes, laboriosamente construídos desde tempos imemoriais a quase totalidade dos que temos em exploração; com efeito, em 606 000 ha como tais classificados no reconhecimento da actual utilização do território, não

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mais de 70 000 ha correspondem a aproveitamentos modernos da iniciativa do Estado ou de particulares. Anote-se de passagem como os 170 000 ha de novos regadios em curso ou planeados fazem modesta figura ao lado dos antigos, se bem que se tornem preciosos onde vão ficar. Ora, ainda há apreciáveis possibilidades a aproveitar por meio de pequenas albufeiras instaladas nos recôncavos das nossas acidentadas terras nas bocas de bacias hidrográficas de desenvolvimento limitado, mas que, à razão de meia a uma dúzia de centenares de metros cúbicos por hectare drenado, poderão acumular boa água para mais rega. Fáceis de construir com as modernas máquinas de aterro, estas albufeiras, que os italianos, nossos afins em questões agrárias, muito apregoam sob o nome de «lagos colmares», têm merecido o financiamento oficial e devem continuar a merecê-lo, parecendo-me que se podem estender geogràficamente mais do que até agora.
A outra das dotações do Plano para a agricultura que desejo especialmente aplaudir é a substancial verba consignada à recuperação florestal e silvo-pastoril em solos de capacidade de uso não agrícola de propriedade privada.
Inspiraram-na os objectivos de reconversão das terras pobres, que a obstinação de cultivar, quantas vezes como único recurso de vida, desesperante embora, ou o abandono do pousio, tornavam sem proveito se não aceleravam na degradação. Cobrindo tais terras áreas vastíssimas no Alentejo, no Algarve, nas Beiras, em Trás-os-Montes, somando mais de uma quarta parte do total do território metropolitano, dar-lhes destino útil e rentabilidade era um imperativo económico, afeiçoar o instrumento para tanto foi bom acto de governo.
Já no Plano Intercalar ora expirante o empreendimento surgiu dotado com algumas dezenas de milhares de contos, expressamente consignado ao Fundo de Fomento Florestal e Aquícola, organismo que, embora autónomo, jazia enlanguescido até que com este fim recebeu de facto vida e corpo.
Dos 59 000 contos do Plano Intercalar passa-se para 1 130 000 no novo Plano, e tanto basta para dar fé do incremento da iniciativa, da aceitação pública, das capacidades demonstradas.
Nas três campanhas de 1965-1966 a 1967-1968 devem ficar arborizados 29 000 lia, 16 000 ha nas duas primeiras e 18 000 ha em andamento, distribuídos 35 milhões de plantas e mais de 200 t de sementes. Os pedidos avulsos de assistência técnica e financeira chovem e dois planos regionais, para a charneca de Alcácer do Sal e para cobrir a serra de Bornes, no total de 32 500 ha, estão já preparados para iniciar a cobertura sistemática de grandes manchas.
Paralelamente, e porque depressa se descobriu que enorme proporção dos solos em primeiro exame consignados à árvore não ofereciam capacidades para a criação de lenho, encetou-se a instalação de pastagens extensivas em regime silvo-pastoril, primeiro como experiência - 400 ha em 1965 -, depois com incremento acelerado pelas vivas esperanças gradualmente alentadas: foram 1750 ha em 3966 e seriam 7000 ha em 1967, deixando ainda muitos pedidos de agricultores interessados por atender se parte das sementes não houvessem ficado retidas no canal de Suez.
A prática adoptada quanto a estas pastagens foi a do sequeiro australiano, onde dois técnicos portugueses estagiaram logo no Verão de 1965, vindo de lá tão extasiados com as potencialidades do método como com a importância naquele país atribuída à investigação agrária.
Como os Australianos vieram buscar as espécies usadas às charnecas mediterrânicas procedendo depois ao aperfeiçoamento delas e dos métodos de instalação e uso, estas experiências de pastagens foram empreendidas com o maior interesse e de um modo geral têm justificado amplamente as expectativas, embora seja cedo para avaliação definitiva.
Estou-me demorando neste tema, que parece de pormenor, porque creio o empreendimento carregado de enorme interesse económico para todas as terras delgadas e secas que tanto abundam em Portugal.
A erva preferida, com efeito, é uma leguminosa, como tal dotada da faculdade de fixar azoto atmosférico em nódulos radiculares e que, sendo anual, se ressemeia e renasce por si se no terreno for mantida proporção de fósforo assimilável, fácil de suprir sem excessivo dispêndio, se necessário. A erva, verde ou seca, é rica pastagem, e num estado ou noutro proporciona três ou quatro apascentações anuais; fixando azoto do ar no terreno, com a adição do fósforo as condições de fertilidade são notavelmente acrescidas. Os Australianos, depois de explorarem a pastagem quatro ou cinco anos com ovelhas, proclamando alta rentabilidade, metem em rotação uma ou duas searas de trigo e afirmam ter assim aumentado em quase 100 por cento o rendimento médio da cultura cerealífera.
Todas estas propriedades, que se está procurando verificar para o nosso meio, sem desânimos por ora, antes pelo contrário, são altamente prometedoras de uma espécie de revolução agrária, razão esta por que eu quis dar mais detida conta dela a VV. Ex.ªs
O Fundo de Fomento Florestal, expressamente nomeado no Plano Intercalar, anónimo, prefiro não perguntar porquê, no Plano novo, tem, pois, uma obra que já o acredita e diante de si um empreendimento dos mais interessantes do Plano. Incompreensivelmente, qualquer força misteriosa tentou há pouco tolher-lhe os passos; oxalá não prevaleça, como, aliás, já está prometido, pois não duvido de proclamá-lo, contrariar a obra que lhe está confiada será verdadeiro crime contra a economia nacional.
É relativamente enorme a soma total programada para o fomento pecuário e forrajeiro, e como vem proposta no quadro de uma política plausível - oxalá dure! - merece dobradamente menção com agrado.
A pecuária, tem-se mostrado verdadeiro esteio das modernas agriculturas europeias, encontrando-se relação directa, tão nítida que não consente dúvidas, entre a sua participação nos diversos produtos racionais e os níveis relativos destes. Satisfaz, aliás, a necessidades crescentes com o desenvolvimento económico, que serve e que a serve consideravelmente. No caso português, oferece ainda o melhor meio de assegurar a fertilidade das terras chamadas pelos regadios à cultura intensiva, a mor parte delas altamente carecidas de enriquecimento orgânico.
Porém, precisamente no caso português metropolitano, salvas as ilhas atlânticas, que parecem oferecer condições naturais para se tornarem em verdadeiras «minas» de carne e «poços de leite», as longuíssimas estiagens contrariam-na severamente. Por isto, uma dúvida pode ensombrar projecções fundadas em esperances técnicas, talvez ainda não bastante aferidas pelo contraste da rentabilidade.
Admitindo, porém, que, assim como há a decisão, haverá a capacidade de a fazer desenvolver-se em condições económicas sãs, a pecuária poderá trazer substancialmente contributo para os rendimentos agrícolas e aliviar apreciavelmente a balança comercial.
Aprovemos, pois, esta programação, como das mais susceptíveis de efeitos rápidos e sensíveis.

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Ela envolve, ao que parece, considerável parcela para subsídios de preço, nisto se avizinhando de outra grande verba do projecto: a da cerealicultura.
Entre os dois empreendimentos, qualquer coisa de não muito longe de uma quarta parte do investimento total contemplado no Plano para a agricultura parece destinada a subsídios de preços.
Os subsídios de preços são o remédio, certamente artificial, mas em muitas circunstâncias o mais suave de administrar, que os governos modernos têm encontrado para distraírem os povos de certas realidades económicas. Encontramo-los sob variadas formas e praticados por diversos meios, na agricultura como na indústria de países com condições mais distintas, sempre acabando por satisfazer ao fim de melhorar a remuneração dos produtores sem desagradar tanto aos consumidores. O tema poderia ser indefinidamente desenrolado, no aspecto particular que mo suscitou ou com mais generalidade, mas provavelmente tudo se pode resumir numa imagem expressiva se não literariamente exaltada: são modos de dourar a pílula dos custos!
Nesta ordem de ideias, se por índole, eu preferiria métodos mais francos, menos dependentes das vontades políticas e dos fôlegos dos erários, nada vejo que objectar ao sistema dos subsídios assim inscritos no Plano, que através da carne e do leite, como do cereal, beneficiarão o Norte e o Sul como o Centro. E 3 milhões de contos, em seis anos, que são ao pé dos mais de 30 milhões, anualmente, que a Inglaterra encontrou vantagem em despender? Assim possamos ficar por aqui, a não querer afrontar mais corajosamente, ou seja mais desagradàvelmente, as realidades económicas.
Não será, porém, já de louvor, ou sequer aprovação, a minha palavra quando atento na modéstia da dotação para estudos de base e de ordem económica, empreendimentos inicial e final do capítulo dedicado à agricultura, porventura de certo modo interferentes noutros aspectos complementares.
O insuficiente conhecimento do território agrícola, das suas potencialidades e debilidades para a exploração ao mais alto grau rentável (o que, aliás, conforme os casos, nem sempre será sinónimo de exploração intensiva) tem sido obviamente impedimento à melhor planificação do sector e continua a sê-lo.
Tenho para mim que muita indecisão, muita disputa atrasadora, muita ineficácia, se hão-de filiar directamente na falta de noção exacta das reais capacidades, que assim puderam demais ser figuradas segundo os desejos, as simpatias ou as inclinações íntimas dos informadores das sucessivas políticas que se podem discernir no governo da nossa agricultura. Começados há dezassete anos os trabalhos que hoje são tarefa do Serviço de Reconhecimento e Ordenamento Agrário, aceita-se muito mal que ainda agora a Carta Agrícola e Florestal, a Carta dos Solos e de Capacidade de Uso do Solo, a Carta Geral de Ordenamento Agrário, não estejam prontas para mais de metade, um terço ou dois terços do território. Ou não prestam ou, nas circunstâncias que sofremos, deveriam já estar de há muito acabadas; não o estando ainda, haverá que concentrar os maiores esforços na sua conclusão e divulgação. De qualquer modo, quando chegarem ao fim, já o começo estará a pedir actualização!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sem dúvida, alguma coisa se poderá esperar dos projectos de investigação agrícola, silvícola e pecuária considerados no capítulo X dos programas sectoriais, aos quais são destinados 112 000 contos para o sexénio.
Mas ainda aqui me aparece uma lacuna grave: a de provisões para investigação em proveito da indústria corticeira, sustentáculo poderoso das nossas exportações, todavia no presente momento batida de incertezas ante a queda brusca de vendas de subprodutos até recentemente muito apetecidos do estrangeiro. Matéria de que somos os maiores produtores mundiais e mínimos consumidores para uso próprio, dando ocupação a centenares e centenares de empresas do comércio e da indústria, a cortiça viveu sempre das inovações tecnológicas dos utilizadores estrangeiros, mas lá quase deixou de as suscitar, desde que se viraram a substitutos melhores ou piores de produção própria.
Para defesa da que foi até há pouco a nossa maior verba de exportação, que decerto ainda o é no quadro da angariação líquida de divisas - outras há agora mais brilhantes, mas em alto grau dependentes de matérias-primas estranhas -, há que intensificar a investigação nacional dos fabricos e usos da cortiça. Vale a pena, pois são singulares e preciosas as suas qualidades naturais; e, se compararmos as suas exportações sob todas as formas nos primeiros dez meses de 1966 e de 1967, encontraremos quebra de 10,5 por cento em peso, mas sómente 0,7 por cento em valor, pois apenas a cortiça para trituração decaiu, toda a demais, em preparo ou em obra, tendo subido de quantidade e valor, o que demonstra continuar a interessar. Necessário é, pelo aperfeiçoamento de conhecimentos e de técnicas, manter vivo este interesse, e para tanto a investigação, até agora bem débil, carece de ser impulsionada, e quanto antes.
Parece que ficará conferido ao Fundo de Melhoramentos Agrícolas o papel de centralizar financiamentos para garantir o crédito do fomento agrícola, pecuário e florestal, incluindo o abrangido nos empreendimentos previstos no Plano. Grave encargo este é, embora recaia onde há capacidades demonstradas; mas, se for para incluir o reexame pelos serviços daquele Fundo dos projectos de outros departamentos, convirá reconsiderar a intenção, para evitar inadmissíveis delongas nos processos.
Mas em inadmissíveis delongas cairia eu também se continuasse em depoimento pessoal sobre pormenores do Plano.
Tomado no seu conjunto o capítulo dedicado à agricultura, nada se encontra que seja descabido ou de secundária utilidade; sucedendo-se a outros que foram bem mesquinhos neste domínio, os programadores encontraram-se diante de tanta necessidade que não podiam deixar de dispersar-se na variedade.
Pode pôr-se a questão de serem os diversos empreendimentos desigualmente eficazes como criadores prontos de riqueza nova; mas seria decerto difícil rejeitar algum como peça dispensável num enquadramento harmónico do desenvolvimento agrícola.
Enquadramento, acabo eu de dizer, e não ao acaso, porque muitos serão criadores de condições externas, apenas, e o maior mal da agricultura é íntimo e profundo: é o da perplexidade ante a falta de frutos dos muitos dos seus esforços, todavia incessantes, para onde quer que os dirija.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Todo o projecto do Plano, todos os comentários dos economistas, os pareceres da Câmara Corporativa, muitos discursos nesta tribuna, ferem, insistentes, a nota da estagnação da agricultura.

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Ora - e isto já foi frisado aqui num autorizado aparte - não se pode falar de estagnação da actividade, mas sim de estagnação de produto, que, infelizmente, esta é real.
E, se o produto tem crescido pouco, apesar de muito se ter tentado produzir mais, ah! então há que ver: não será por efeito de condições superiores à produção? Vencê-las-á, desta vez, o Plano?
Muito têm os agricultores tentado produzir mais, procurando melhorar quantidades ou rendimentos. Variam as estimativas, mas serão muitas as dezenas de milhares de hectares de matas de recente plantação privada; enquanto permitida, e mesmo em transgressão de permissões, foi afervorada a instalação ou reconstituição de vinhas; sabe-se como tem havido reacções galopantes à atracção dos mercados, sendo exemplo, de sobejo conhecido, mas bem significativo, o da cultura de tomates para conserva: em cinco anos. já do aguda crise, até ao de 1965, quintuplicou o consumo de alimentos concentrados, de preparação industrial, para animais, e depois disso se não há ainda estatísticas há, pelo menos, a noção de que o lançamento continuou; os serviços de fomento frutícola, como os do fomento florestal, estão excedidos de pedidos de assistência técnica; os aviários pululam; a par dos do Estado, até nas áreas totais, os regadios de iniciativa privada multiplicaram-se; onde quer, em suma, que se vislumbrou rentabilidade, para aí acorreram diligentes os lavradores, não sei se todos, mas sei que muitos. Todavia, raros se sentem compensados, e o produto agrícola global não cresceu, porque os seus maiores componentes não despertaram durante as últimas décadas iguais esforços. Porquê? Porque não os pagavam; fá-los-á o novo Plano pagar? Bastará que saiba criar as condições de lhes tornar a produção rendosa, e assim atraente.
De que se torne atraente, para muito aumentar, carece o País em absoluto. Só de carnes, trigo, milho e arroz tivemos de importar em 1966 o valor de 1 700 000 contos; talvez - mas insisto no «talvez» - outra política do azeite e das batatas houvesse podido poupar a compra de mais cerca de meio milhão!
Sem dúvida, Ü966 foi ano péssimo de colheitas, mas a tendência vem de longe. Aqui está um grande, e provavelmente não demasiado difícil, escopo para o fomento: fazer aumentar as produções daqueles géneros, clássicos no quadro das nossas aptidões e hábitos de trabalho. Porventura valerá a pena concentrar-se mais nisto; mas, se o fizer, deverá procurar atender também a armazenagens interanuais, pois a qualquer nível técnico é inevitável a alternância de grandes e de menores produções.
Ainda a propósito de 1966 e das suas grandes importações de alimentos, sublinharei que a conta do produto nacional bruto para a agricultura acusa, a preços constantes, declínio de 12 por cento relativamente a 1965; não há exemplo anterior de queda tamanha, que parece superior à presumível pela noção das colheitas, e assim põe, enquanto não a pudermos analisar melhor, a grave interrogação de nela terem influído, mais do que os maus resultados, abandonos das culturas.
Um reputado estudioso dos nossos tempos, Raymond Aron, disse há pouco tempo a um jornalista:

... é muito mais fácil construir grandes fábricas do que criar uma agricultura moderna. Com alguns engenheiros e máquinas relativamente simples, inicia-se uma indústria. Mas, para fazer uma agricultura moderna, torna-se precisa uma profunda transformação psicológica e social da massa da população.
É muito mais árduo.

Este juízo de bom observador e analista sagaz deve fazer-nos meditar, deve fazer meditar os orientadores da nossa política agrícola. Ela carecerá de desenvolver-se em decisões gerais e acções locais, mas para as últimas bem escassos são os elementos. Por exemplo, parece acertado o desígnio de fomentar a reconversão da cerealicultura, condicionando os subsídios de preços à observação das suas regras; mas, ainda quando o Governo saiba quais estas hajam seguramente de ser, quem tem para as fazer conhecer e executar?
Desde que aqui tenho voz, clamo pelo estabelecimento de quadros de informação e orientação dos lavradores ao nível local; mas o único exemplo, o isolado exemplo, de realização do meu sonho devemo-lo à inteligente generosidade de uma grande empresa petroleira, e creio, aliás, que continua a justificar-me: é a obra de Sever do Vouga, que é forçoso citar sempre, pois é única em Portugal.
Aceito, porém, não ter razão na generalidade, pois ninguém me acompanha nos rogos ou apoia por actos; em mais parte alguma vejo entre nós sentimento activo da necessidade. Ao nível mais alto, será juízo em contrário, se não falta de confiança, que devo respeitar; a outros níveis, pergunto-me se não será também comodismo ...
Todavia, não tenho o menor mérito em proposições, que são por esse mundo além largamente recebidas e aplicadas com proveito conhecido; havendo-me limitado a cumprir o dever de expor a utilidade que ainda lhes atribuo, desistirei, no entanto, de importunar mais a defendê-las, mas, se me perguntarem qual é a meus olhos a grande falta do Plano, direi que é esta, preparada de trás ...
Sr. Presidente: Em Portugal, ao começarmos a programar o desenvolvimento, cometemos grande erro, erro em que muitos outros países atrasados também caíram, que teve considerados teorizadores a propugná-lo: o erro de crer que num país de forte substrato agrícola bastaria implantar a industrialização para assegurar o desenvolvimento geral.
Alguns indivíduos terão ganho com este erro, as populações até agora bem menos do que se esperou; e, com apoio de sólidas autoridades, vistos os resultados, parece tender a ser hoje «dominante a tese que considera arriscada e geradora de perigosos desequilíbrios a política económica que não considere paralelamente a indústria e a agricultura».
Mais do que os anteriores, o inovo III Plano aproxima-se desta política; ainda bem!
Creio, com efeito, que a agricultura e a indústria carecem de se desenvolver entre nós lado a lado: a primeira carece da indústria para receber a gente de que se vá desembaraçando, para formar o poder de compra que lhe adquira as produções rendosas; a segunda carece da agricultura, que, com activos e dependentes, ainda domina mais de metade da população, para crescer quanto antes como cliente dos fabricos, mão lhe faltar nunca como abastecedora de alimentos e matérias-primas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se o desenvolvimento global não é só o da economia, muito terá de ser desta; propondo-se assegurá-lo, o Plano desde logo promete desenrolar-se com cuidados paralelos pelos dois grandes sectores produtivos.
Com a ardente esperança de que também nisto seja feliz, dou na generalidade o meu apoio aos programas e o meu voto à proposta de lei.
Uma só palavra me falta, que não quero sacrificar ao dever de brevidade: é a de louvor aos autores do Plano.

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aos redactores dos relatórios, aos estudiosos da programação, de louvor e de agradecimento pelo imenso trabalho desenvolvido. A maioria seriam funcionários, cumulando com outros deveres, desempenhando-se da tarefa excepcional com sacrifícios de seus ócios ou demais interesses. Outros são os especialistas do Secretariado Técnico, de cujo zelo, de cuja boa organização, de cuja devoção à ética do desenvolvimento, eu próprio pude ser testemunha directa.
Milagre seria que todos nós outros abundássemos plenamente nos seus conceitos e conclusões; injustiça, não os apreciarmos no esforço de os tornar plausíveis.
Tenho dito, Sr. Presidente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Jesus Santos: - Sr. Presidente: Não é sem um forte sentimento de insuficiência que ouso referir-me à proposta de lei em discussão e ao projecto do III Plano de Fomento, que a consubstancia. Com efeito, a circunstância de o projecto do Plano ser obra de muitos e qualificados técnicos que durante largos meses se debruçaram sobre a problemática do desenvolvimento económico e social do País e o facto de o mesmo, na sua formação actual, ter sido objecto de cuidadosa revisão por parte do mais alto órgão do Poder Executivo, dão-me a garantia de que as opções feitas são, no ponto de vista político, as mais acertadas e de que as soluções perfilhadas são, no plano económico e social, as mais ajustadas à realidade portuguesa.
Por outro lado, os exaustivos pareceres da Câmara Corporativa avalizam suficientemente a bondade da lei e a idoneidade do Plano. A densidade do seu conteúdo, a riqueza das suas valiosas sugestões e a justeza dos seus reparos hão-de ser certamente ponderados pelo Governo, de harmonia com a sua validade e pertinência evidentes na elaboração do texto definitivo e, especialmente, na sua execução, já que desta hão-de depender, em última instância, a eficiência e utilidade concretas de todas as virtualidades que o documento reconhecidamente contém. Daí que as minhas palavras não possam trazer ao debate qualquer contribuição útil e muito menos possam sugerir soluções novas. Apesar deste meu reconhecimento, que humildemente proclamo, afigura-se-me, todavia, oportuna e necessária uma tomada de posição, já que a natureza essencialmente política da função parlamentar impõe o dever indeclinável de assumir, em face dele, as respectivas responsabilidades.
Diz-se no n.º 1 da base II da proposta de lei remetida â Assembleia Nacional que o III Plano de Fomento «será concebido como instrumento de programação global do desenvolvimento económico e social do País, tendo em vista a formação de uma economia nacional no espaço português e a realização dos fins superiores da comunidade». Este é, em meu entender, o princípio de que fundamentalmente dimana toda a economia da proposta.
Os grandes objectivos fixados na base III - aceleração do ritmo de crescimento, repartição mais equilibrada dos rendimentos e da riqueza e correcção progressiva dos desequilíbrios regionais - e ainda tudo quanto se estabelece com vista à sua realização efectiva são apenas meras decorrências do princípio ali definido. Porque assim é, adiro com entusiasmo à programação do Plano, ao mesmo tempo que rendo as mais vivas homenagens aos homens que intervieram na sua feitura e, muito particularmente, ao Governo, de cuja responsabilidade é, sem dúvida, a delicada opção das grandes coordenadas sócio-económicas que informam a sua dinâmica.
Verdadeiramente grato ao meu espírito é a prioridade absoluta estabelecida quanto às despesas com a defesa da integridade territorial do País, que mais não é do que a defesa intransigente da Nação, intangível na sua formosa e ímpar fisionomia plurirracial e multicontinental que nos legaram os nossos maiores e que temos a obrigação - e queremos - de transmitir intacta às gerações futuras.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Desejaríamos, certamente, prosseguir na paz a obra de desenvolvimento económico e social da nossa gente, pois isso se harmoniza com a essência da nossa vida e com o nosso modo de estar no Mundo, mas, se tal não for possível, fá-lo-emos de qualquer forma, pois não receamos a luta que injustamente nos é imposta de além-fronteiras e encararemos o futuro com serena dignidade, empunhando numa das mãos as armas com que nos defenderemos e na outra os instrumentos de trabalho com que faremos o engrandecimento da terra c das gentes da comunidade lusíada em que intimamente nos integramos. Conhecemos bem as dificuldades que temos a vencer, mas conhecemos melhor ainda o destino da missão de que somos portadores. Não haverá, por isso, incompreensões ou hostilidades, venham donde vierem, capazes de impedir que realizemos a nossa tarefa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Fizemos já nestes últimos anos a demonstração incontestável de que assim é ao levarmos a efeito, nos mais variados aspectos, um notável ritmo de crescimento e de progresso do País.
O esforço que os objectivos do III Plano de Fomento exigem irá confirmar a nossa determinação e porá à prova, uma vez mais, todas as virtualidades da nossa capacidade realizadora.
Seria interessante - mas fastidioso também - expor, ainda que em linhas muito gerais, o que foi o desenvolvimento do País nos últimos cinco anos e aludir ao que será - segundo o que é legítimo presumir - o crescimento no próximo sexénio. Não o farei, todavia, pois, sobre ser fastidioso, teria o inconveniente de ser inútil, já que outros ilustres Deputados mais qualificados do que eu o fizeram através de exaustivas e brilhantíssimas intervenções.
A minha atenção irá fixar-se em dois sectores que julgo de importância fundamental para a província de Angola - o da agricultura e o da educação. Traduzir-se-á em ligeiros apontamentos, através dos quais procurarei, sobretudo, expressar as minhas próprias preocupações.
O espectro da fome é hoje uma real ameaça para a humanidade inteira, que preocupa bastante e penosamente muitos espíritos esclarecidos. Fundamentalmente, o fenómeno radica numa cada vez mais acentuada desproporção entre o aumento vertiginoso da população mundial e o acréscimo dos alimentos. E tanto mais dramático quanto é certo que não se vislumbra limite para o crescimento da população, a não ser através de precárias medidas de planeamento familiar, cuja legitimidade moral, de resto, muitos põem em dúvida. Ao contrário - a menos que a ciência e a técnica façam o milagre de uma total e nova revolução para aumentar as suas fontes -, todos vemos, com clareza, como limite natural do aumento dos produtos alimentares a escassez da superfície da própria Terra.

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No entanto, ainda há no Mundo grandes espaços que aguardam apenas o seu aproveitamento adequado para que as respectivas possibilidades se revelem na sua exacta dimensão. Em Angola, pelo menos, é assim. Ali, a agricultura é presentemente explorada - quando o é - segundo processos mais do que rudimentares e grandes extractos do seu território estão totalmente inexplorados. Além disso, desconhece-se, em grande parte, a natureza dos solos e a sua aptidão agrícola, faltam infra-estruturas suficientes e ignoram-se ou não se aplicam as novas técnicas de exploração agrária. Acresce que as grandes massas de população rural, atàvicamente agarradas a uma agricultura de subsistência, que lhes vai satisfazendo as necessidades primárias, mostram acentuada relutância em se adaptar às novas concepções, que não chegam a compreender por carência de um mínimo de cultura que lhes crie e desperte novas necessidades a satisfazer. Acresce que a agricultura do mercado em Angola incide praticamente sobre meia dúzia de produtos, feita geralmente em regime de grande propriedade. O café, o sisal, o algodão, o milho e o tabaco, que, presentemente, conhece relativo incremento, constituem, além de poucos mais, os produtos que a terra nos dá.
Todavia, as potencialidades agro-pecuárias de Angola são enormes, mercê da diversidade de climas, da diferenciação dos solos e da variedade de zonas de alta aptidão agrícola. Por outro lado, a exploração da terra, feita quase exclusivamente em regime de monocultura, é altamente prejudicial e pode revelar-se extremamente perigosa, com graves incidências na economia geral, na medida em que, sendo a sua produção essencialmente destinada à exportação, se expõe aos riscos resultantes da flutuação do mercado externo e às oscilações internacionais de preços. Haja em conta o que actualmente sucede com o sisal, cuja cotação não chega para cobrir as despesas de exploração, e daí as enormes dificuldades que atravessa o respectivo subsector, dificuldades que parecem pôr em perigo a sua própria subsistência.
É, assim, urgente a adopção de uma política dinâmica que altere em profundidade o panorama agrário da província, com vista à extinção gradual, mas segura, de uma indesejável agricultura dualista e à obtenção de uma franca diversificação de culturas. Exigem-no necessidades de natureza estritamente económica e reclamam-no, sobretudo, exigências étnico-sociais de completa integração das diversas etnias que constituem a Nação.
As medidas de fomento agrário previstas e preconizadas no Plano parecem tender à realização deste objectivo fundamental. Efectivamente, o esquema de empreendimentos programados, de entre os quais avultam diversas obras de hidráulica agrícola; campanhas fitossanitárias; trabalhos de defesa contra a erosão; abertura, à margem, do plano geral rodoviário, de vias secundárias de comunicação que facilitem o escoamento e drenagem dos produtos da terra; instalação de parques de ferramentas e alfaias agrícolas utilizáveis mediante empréstimo ou mesmo arrendamento; tratamento e fornecimento gratuito, em condições favoráveis, de sementes seleccionadas; campanhas de esclarecimento sobre a utilidade da aplicação de fertilizantes e eventual fixação de diferenciais beneficiadores da lavoura, para efeitos de utilização de adubos; construção de armazéns e de redes frigoríficas para guarda e conservação de produtos e apoio técnico ao agricultor - constituem medidas que terão de ser levadas a efeito, por mais pequena que seja a rentabilidade dos respectivos investimentos. A par destas medidas, é necessária, porém, uma persistente c profunda modificação dos hábitos das populações rurais autóctones, com vista a fazê-las evoluir social e economicamente, de forma a compreenderem as vantagens de uma agricultura que não satisfaça apenas necessidades primárias da vida.
Afigura-se-me ainda ser de interesse primordial, ou mesmo prioritário, o lançamento imediato de grandes infra-estruturas que possibilitem o aliciamento de elementos mais evoluídos, que definitivamente se fixem à terra e constituam a verdadeira ossatura de uma indispensável burguesia rural, que será o ponto de partida para um real e significativo povoamento europeu, de forma a atingir-se o equilíbrio demográfico, tão necessário à segurança e tranquilidade internas c ao definitivo plasmar da verdadeira fisionomia da comunidade portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - De outra forma, isto é, se as preocupações do planeamento forem exclusivamente de índole económica, determinadas por alta rentabilidade a curto prazo, é possível que venhamos a enriquecer apressadamente uns tantos e a criar um alto padrão de vida para uns poucos mais. mas receio bem ver frustrados os mais sérios, reais e permanentes interesses do País e temo que não alcancemos realizar as mais belas aspirações do nosso espírito civilizador e missionário.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para este efeito, reputo urgentíssima a reorganização dos serviços de agricultura de forma a constituírem adequada estrutura administrativa, técnica e científica capaz de dinamizar toda a vida agrária da província e de fazer a sua efectiva e indispensável cobertura de meios humanos e materiais.
De certo modo ligado ao problema agrário da província está o problema da educação. Não pretendo referir-me aos mais altos escalões do ensino, mormente ao ensino secundário, médio e universitário. Reconheço - todos o reconhecemos - que nestes graus tem sido verdadeiramente notável o esforço desenvolvido e que são lisonjeiramente significativos os resultados alcançados.
Na verdade, a província está hoje dotada de múltiplos e variados estabelecimentos de ensino, que satisfazem suficientemente as necessidades locais. Algumas dezenas de estabelecimentos de ensino médio, liceal, comercial, industrial e técnico espalham-se por todo o seu território e absorvem inteiramente quantos estão em condições de a eles recorrerem. Se pensarmos, por outro lado, que nos princípios da década de 60 aqueles estabelecimentos não iam além de uma dezena, forçoso é reconhecer que é imenso o caminho percorrido ao longo destes últimos seis anos e, fazendo sereno exame de consciência, concluir que a obra realizada é justo motivo de desvanecido orgulho e índice revelador das nossas reais possibilidades.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A Universidade, fundada em 1962 e tendo iniciado as suas actividades em 1963, tem realizado obra fecunda, não só através da ministração do ensino aos seus alunos, como ainda na colaboração prestada aos institutos de investigação científica, alguns dos quais dela dependem directamente. Com os seus cursos de Medicina. Veterinária, Agronomia, Engenharia e Ciências Pedagógicas, aos Estudos Gerais de Angola cabe a nobilíssima missão de preparar e formar as elites técnicas e científicas de que a província tanto carece. As provas já dadas, com insuficiências facilmente compreensíveis e próprias de quem dá os primeiros passos, são penhor seguro de que os Estudos Gerais de Angola cumprirão

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plenamente a sua missão. Pena foi, em minha modesta opinião, que as diversas escolas que os constituem se tivessem dispersado, com o que, segundo creio, se roubou alguma da sua eficiência imediata. Consola-me, todavia, a ideia de que essa dispersão poderá ter sido o fundamento e a base das futuras Universidades que o desenvolvimento da província faz antever - as Universidades de Luanda, de Nova Lisboa e de Sá da Bandeira. Porém, no que respeita ao ensino primário, reconhecendo embora os esforços desenvolvidos e os resultados alcançados, parece-me ser absolutamente indispensável fazer vigorosa chamada a todas as nossas possibilidades e encarar de frente maiores e mais denodados esforços para que o ritmo de alfabetização das grandes massas da população se realize em cadência ainda mais acelerada.
Penso, com efeito, que é urgente levar a escola aos mais afastados recantos da terra angolana numa generosa política de eliminação da ignorância de multidões imensas e trazê-las ao convívio real e sério da nossa civilização e acabar sistematicamente, tenazmente, com o facto degradante e socialmente muito grave de inúmeros irmãos nossos não falarem a mesma língua e só nos entenderem por força de uma presença viva e profundamente sentida, mesmo nos sertões mais isolados, dessa realidade indesmentível e permanente que é o amor à Pátria comum - a Pátria Portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Reconheço, conforme, de resto, já o afirmei, ter sido enorme o esforço realizado e notáveis os resultados conseguidos. A escolaridade em Angola cresceu efectivamente a partir de 1960 a um ritmo muito acelerado. Nos últimos dez anos a frequência das escolas primárias mais do que triplicou, pois que de 47 000 alunos em 1955 passou a 148 000 em 1965. Todavia, julga-se que a população escolarizável - dos 6 aos 12 anos - é sensivelmente da ordem dos 900 000 indivíduos, o que significa haver aproximadamente 70 por cento de crianças sem acesso à escola. Os números, na frieza do seu significado, parecem-me assustadoramente alarmantes.
Prevê-se no III Plano de Fomento um aumento sensível no índice da escolaridade, de tal forma que, segundo se programa, no final do sexénio a taxa de escolarização se aproximará de 45 por cento, o que é, sem dúvida, um grande passo em frente e representa colossal esforço na obra imensa da produção espiritual, moral e cultural das populações da província. Congratulando-me com esse esforço magnífico, ouso, contudo, apelar para o Governo no sentido de que se faça um esforço maior neste sector, que todos consideramos da mais alta necessidade e prioridade e da maior conveniência política e social, ao mesmo tempo que revela sentimentos de fraterna solidariedade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Aqui, os investimentos feitos são largamente reprodutivos, pois creio que nenhum capital poderá ter maior rentabilidade do que aquele que tende ao desenvolvimento e aperfeiçoamento do homem, já que este me parece ser o destinatário último da sua própria actividade.
Paralelamente, ao alargamento da escola, importa, porém, acautelar prudentemente as necessárias condições de promoção económica, com vista a evitarem-se situações de crise sócio-política que poderão ter as mais sérias consequências e desencadear conflitos só dificilmente controláveis. Daí que entenda, como também já deixei referido, que se encare atentamente o desenvolvimento da economia agrária, em cujo meio vive a grande maioria da população a alfabetizar. Entendo também que é aconselhável, ao contrário do que poderá inferir-se do projecto do Plano, que os professores necessários ao funcionamento das escolas primárias da província tenham uma sólida formação portuguesa, evitando-se a todo o custo as soluções de emergência com o recurso a simples monitores mal preparados e incapazes, portanto, de modelarem a alma e o carácter e de formarem o espírito e a inteligência das crianças que desabrocham para uma nova sociedade.
Preconizo mesmo o recrutamento frequente e intensivo de professores oriundos da metrópole, ainda que isso motive um novo esforço e um mais pesado sacrifício.
É que a grandeza da obra a realizar não se compadece com soluções de emergência ou de acaso, já que os seus resultados se projectarão decisivamente no futuro, em ordem ao real engrandecimento e à verdadeira riqueza da Nação.
Terminarei, Sr. Presidente, dizendo que a nossa vitória final e definitiva não se joga unicamente nas linhas da frente do combate ou nas emboscadas traiçoeiras da luta que o terrorismo internacional nos impôs. Joga-se também e decisivamente na retaguarda que todos constituímos e que temos a obrigação de transformar em fileira cerrada e coesa, formando a reserva estratégica, que só será verdadeiramente invencível pela harmonia social, económica e moral que soubermos criar.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Júlio Evangelista: - Sr. Presidente: Nos fins de Novembro de 1964, quando se debatia na Assembleia Nacional francesa o V Plano de Modernização e Equipamento, actualmente em fase crescente de execução, dizia aos Deputados o Sr. Valéry Giscard d'Estaing, Ministro da Fazenda e dos Assuntos Económicos, que, «se tudo estivesse no Plano previamente resolvido de certo modo, se todas as questões houvessem sido consideradas com carácter definitivo, se tudo fosse espontâneo na execução do Plano, não valeria apena o debate parlamentar, não teria ele qualquer utilidade, a não ser a de se poder apreciar a qualidade dos discursos dos Srs. Deputados» (sessão de 26 de Novembro de 1964).
Na verdade, Sr: Presidente, se tudo o que está no Plano tivesse carácter definitivo, intocável, inalterável, nós nada mais faríamos aqui do que discursos inúteis, por mais belos, por mais documentados, por mais sérios e esclarecedores que fossem. Ante um debate como este, o Governo é autor, mas é também observador. Não se limita, como na Lei de Meios, a pretender que o seu texto seja adoptado; agora, o Governo trouxe até nós o Plano para escutar observações e indicações e, por isso mesmo, examinar de perto as coisas e as ideias. Todos nós, todos aqueles - e são muitos - que se interessam por este debate, todos os que vamos ter responsabilidades na realização do 111 Plano de Fomento, não deixamos de nos interrogar sobre o seu contexto e sobre u sua execução.
É nesta ordem de ideias que subo à tribuna, não com a simples intenção de fazer um discurso, ou mais um discurso, mas na esperança de que o Governo aceitará como subsídios válidos as sugestões e observações que aqui se têm produzido.
Na base do nosso ordenamento constitucional está uma, série de postulados, e um deles é o de que a actividade económica não é fim de si mesma, mas um meio, meio de melhorar o nível de vida dos Portuguses, permitir o,

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estabelecimento de relações mais justas e mais humanas entre os vários sectores e interesses do corpo nacional, como as profissões, as regiões, as corporações e grupos diversos, além de ir preparando o País para a grande batalha económica internacional que dia a dia assume proporções mais complexas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ao pronunciarmo-nos sobre a política económica do Plano, nós somos colocados perante opções cheias de responsabilidade respeitante à repartição dos recursos disponíveis. Assim chegamos a um ponto que merece alguma atenção.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Várias vezes temos observado que a técnica será excelente instrumento da política. Daí, partimos para a conclusão de que a política é actividade de políticos (no mais nobre sentido do termo), sendo a técnica tarefa de especialistas, que põem a capacidade ao serviço desta ou daquela administração, na obediência a determinada política, ou independentemente dela. Mal será quando a política não domine a técnica, e mal será quando não disponha de uma equipa de eficientes técnicos ao seu serviço. É que a técnica pode ser instrumento de uma política, e aí exercer útil tarefa. Mas sempre haverá de estar em relação adjectiva, instrumental, face à definição substantiva, que é a da alçada da política.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Aquando da apresentação do V Plano à Assembleia Nacional de França, o primeiro-ministro referiu-se ao tempo, aliás não muito distante, em que, estando o Parlamento em sessão quase permanente, nunca lhe fora dado, como daquela vez, pronunciar-se sobre assunto de tamanha magnitude para a vida do Estado e do futuro da nação francesa, sobretudo para estudo prévio. Disse Pompidou (sessão de 24 de Novembro de 1964):

Num regime de instabilidade, quaisquer que sejam as intenções dos homens no Poder, uma obra de largo fôlego, como o Plano, escapa não sómente às deliberações do Legislativo, mas também, em grande parte, às decisões do Executivo. Este vê-se obrigado a depender dos especialistas, daqueles a quem prontamente chamaríamos de «tecnocratas», e então podem ser obtidos planos económicamente bem construídos, mas nos quais não é suficientemente vincada a vontade política, isto é, o conceito geral que deve ter o Poder, não sómente do desenvolvimento económico, mas também da evolução social e, por assim dizer, da vida dos homens dentro da estrutura dá sociedade de amanhã.

A França reencontrou o seu destino - para bem dela e para bem da Europa. As observações de Pompidou sobre o parlamentarismo francês não poderiam valer como crítica ao sistema, e no caso português, senão para um passado de há quase 40 anos. Em todo o caso, válidas objectivamente e doutrinàriamente elucidativas.
Ao fim de quatro décadas, em Portugal, talvez a questão pudesse hoje pôr-se, não bem na expressão: Parlamento contra Governo=Vitória da técnica; em todo o caso, talvez na fórmula: Governo+Despolitização=Possibilidades de domínio para a tecnocracia. Isto acentua a responsabilidade desta Câmara.
Com arguto poder de observação, o Sr. Doutor Salazar apresentou esta premissa num discurso de 1965:

Disse que a economia tende a dirigir a política; mas a técnica, essa quer substituí-la. Ora, sendo a política indispensável ao governo dos povos, o facto só pode verificar-se se a técnica for em si mesma uma política. Pergunto se é.

Outra premissa:

O avanço das ciências aplicadas aos processos de trabalho abriu à produção e ao funcionamento dos serviços larguíssimas perspectivas. Isso é bem, pelas facilidades que cria e a maior produtividade que dá ao trabalho, e representa um benefício inestimável, dados os aumentos da população e a crescente complexidade da vida. É duvidoso que possa ir além disto; é sobretudo pernicioso que se tenda a converter o homem em engrenagem da própria técnica, que é para onde se caminha.

Verificação do Sr. Doutor Salazar:

Até aqui, a política definia o que devia fazer-se; a técnica ensinava como se devia fazer. Mas se à técnica, conduzida pela ambição do desenvolvimento económico, mediante o aumento da produção, cabe pronunciar-se sobre a ordem das realizações e sobre a orientação da vida social, é ela também competente para traçar uma política, e nós sabemos bem que ideologia em tais termos a inspira.

Conclusão de uma lúcida inteligência, servida por sólida cultura humanística:

Tem de salvar-se o homem da tentação do abismo. Ele continuará a apresentar-se-nos como ser moral por excelência, embora com necessidades materiais, o que significa haver outro mundo, dever haver outro mundo para além daquele que a técnica e a economia podem criar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas, para que tudo se processe harmònicamente na sociedade, factor importante reside na estabilidade monetária, ponto em que o Presidente do Conselho não transige e nunca transigiu:

A obra de maior vulto realizada pelos Ministros das Finanças dos últimos 40 anos foi exactamente conseguir manter o equilíbrio financeiro e a estabilidade monetária, que estão na base do nosso progresso e é necessário conservar para podermos subsistir; e por esse motivo, salvo nos casos de ajustamentos impostos por imperiosa justiça, não devemos aceder à onda de aparentes facilidades que aliviam o dia de hoje, comprometendo o futuro.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É que no ajustamento destes dois pólos da equação - progresso e estabilidade - reside o segredo da harmonia ao nível do Estado, e por isso o radar de alerta não pode descansar na busca dos desequilíbrios. A alínea b) da base IV da proposta de lei tranquiliza-nos a tal respeito, ao impor ao Governo que assegure a manutenção da estabilidade financeira interna e da solvabilidade externa da moeda.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: As técnicas do planeamento estão hoje definitivamente consagradas nos países

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desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento, visando organizar e orientar a vida económica, social e cultural. Nos planos se incluem directrizes de progresso, desenvolvimento e crescimento, estipulando pormenores de acção futura., quando for caso disso. Já se vai notando alguma insatisfação no tocante a este aspecto, pois começa a entender-se que os planos sucessivos, para períodos de alguns anos, são insuficientes, e tanto especialistas como economistas e industriais mostram-se defensores de estudos a longo prazo, dada a complexidade e a interpenetração crescente dos empreendimentos.
Chegados aqui, a lógica teria de conduzir mais além, e a insatisfação subiu de tom, começando a pretender coisa mais ousada e mais aliciante. Em vez de se planear com vista ao futuro, por que não proceder, primeiro, a uma previsão meticulosa daquilo que será esse futuro?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Assim, estabelecer-se-iam, tanto quanto possível exactamente, as condições sociais, culturais e económicas dessa meta distante, no tempo, e depois, depois sim, age-se noutro sentido, isto é, com base nesses dados, definem-se orientações à acção, para ir suprindo, com tempo e metodicamente, deficiências, anseios e necessidades. Deste modo, os Governos vão-se encaminhando do planeamento para a previsão. Tarefa extraordinária, esta, de desvender o futuro!
Um grupo de trabalho francês, dependente do Comissariado do Plano de Fomento, procedeu a uma tentativa cheia de interesso, u qual consistiu em pretender levantar o véu do futuro, detrás do qual se oculta aquilo que, desde já, seria útil saber sobre II França em 1985. O relatório, apresentado ao Governo em Outubro de 1964, foi tornado público há dois anos. Ao grupo de trabalho presidiu o Sr. Guillaumat e constiuíram-no personalidades do mundo económico.
Houve o cuidado de limitai1 voluntariamente as hipóteses, e assim puseram-se de parte as de conflitos generalizados ou de crises económicas especialmente agudas, não se encararam as grandes opções da política internacional, ou interferências em matéria de estruturas económicas e sociais, da duração do trabalho e da política sobre os rendimentos. Levaram-se em conta, porém, fenómenos como a expansão demográfica, a escassez crescente do espaço, da água e do ar, o desenvolvimento do urbanismo, o aumento das actividades que enchem as horas de lazer, a dependência adquirida em relação a economia mundial, a febre de motorização - tudo isto impondo consideráveis restrições na capacidade de escolha que o indivíduo ainda detém.
As conclusões revestem-se do maior interesse. Em 1985 haverá cerca de CO milhões de franceses numa nova estrutura de vida:

O mundo agrícola diminuirá em valor relativo e em valor absoluto, e a sua maneira de viver ir-se-á aproximando da vida urbana;
O mundo urbano irá crescendo de tal modo que atingirá quatro quintos da população; as cidades da França irão, em média, quase que dobrar de população nos próximos vinte anos;
Prevê-se que em 1985 haja 20 milhões de auto móveis, ou seja qualquer coisa como o triplo do número actual;
A falta de espaço far-se-á sentir em todas as esferas da vida - nas fábricas, nos escritórios, nos estabelecimentos de ensino, em moradias ou locais de férias e prazer;

De 100 franceses com a idade de 17 anos, cerca de 100 frequentarão as escolas, contra 28 em 1960 e provavelmente 42 em 1970;
Nos próximos vinte anos, o nível de vida será multiplicado por duas vezes e meia, ou seja, no espaço do uma geração aumentará muito mais do que em todo o século XIX.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estas previsões, para se verificarem sem grandes sobressaltos, naquilo que dependa da atenção dos Governos, exigem vigília permanente, constante acção de reajustamento e esforço, pois só assim será possível atingir os objectivos com base no estudo feito.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Aos Portugueses não deixará de seduzir a ideia de pensar no que será este país, esta bela terra, a gente de Portugal, a economia e a política nacionais daqui por vinte anos.
Já puseram a vós mesmos as aliciantes interrogações:

Como será a vida portuguesa em 1988?
Quantos seremos, quantos automóveis haverá em Portuga], como será a vida em moradias, fábricas, escritórios, estabelecimentos de ensino, locais de férias e diversão?

mundo da agricultura irá diminuir, quer em valor relativo, quer em valor absoluto, diz o grupo francês. Entre nós;, a evolução será no mesmo sentido?
Em que medida crescerão as cidades portuguesas e qual será a proporção entre a população rural e a população urbana?
Como serão resolvidos, por exemplo, os problemas de trânsito?
Como será a vida ruis cidades e nos arrabaldes, na periferia?
Que feição apresentará a vida local?

Antes de mais, consideremos que um período de vinte anos corresponde- ao ingresso na vida activa de uma nova geração. Os que nasceram este ano estarão, entretanto, na vida aí por 1988; e os que frequentam agora as Universidades e os estudos secundários estarão nessa altura na idade mais actuante do homem, ou seja nos limites dos 40 anos. A minha geração, por exemplo, entrará na baliza dos 60 anos.
Em vinte anos, os problemas serão bem diferentes, quer no campo da indústria, quer no da agricultura, quer no tia organização social, o política. É de presumir que as dificuldades que nos criaram no ultramar as forças da subversão estejam nessa altura inteiramente esclarecidas e definido em termos de política constitucional e de estrutura económica aquilo que hoje está sob tutela da defesa e da diplomacia. Em que termos se processarão os vínculos entre a metrópole e o ultramar dentro de vinte anos? Não se apresentam em 1967 como em 1900, e não serão em 1988 aquilo que hão hoje. No caso lê Portugal conseguir sobreviver à onda actual - e há-de sobreviver! -, a vida institucional das províncias há-de passar por transformações inevitáveis, nos próximos vinte anos; a autonomia há-de prosseguir no sentido do desenvolvimento natural, os escóis hão-de apresentar-se ali com outro cariz, mais robustos em cultura e em técnica e a vida colectiva das províncias há-de revestir-se de carácter bem diferente do actual

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O nível de vida dos Portugueses irá progredindo ao compasso inevitável da Europa, e aquilo que é hoje a chamada «tensão salarial» há-de ritmar a nossa emigração; o Mercado Comum não deixará de repercutir-se neste Sudoeste da Europa; o turismo haverá atingido expansão imprevisível de momento. O progresso da técnica e da ciência, que alastrará por todo o lado, há-de fazer-se sentir em Portugal e modificará profundamente a nossa vida quotidiana. Ir longe, ir depressa, num ritmo crescente e estonteante; gozar o dia a dia, confiando o futuro aos seguros sociais; produzir mais e ao mesmo tempo dispor de mais horas de lazer; viajar e conhecer, entrando na «era da ciência», aí pelo fim do século, tudo isto há-de alterar profundamente os valores tradicionais em que ainda nos criámos e nos quais alimentamos a nossa inteligência e a nossa sensibilidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Que problemas apresentará a. situação do homem em sociedade, a liberdade individual, a felicidade na vida privada e a integração do indivíduo na vida colectiva? A vida social terá fatalmente de ser alvo de vigilância cada vez maior.
Os estudos realizados sobre delinquência juvenil já nos mostram que o fenómeno não pode considerar-se fruto exclusivo nem dos grandes aglomerados, nem dos blocos residenciais, nem dos casebres, nem da insuficiência de meios, nem mesmo da promiscuidade familiar: a formação de grupos a sociais vem sobretudo da disponibilidade dos jovens, que a falta de participação activa na construção do mundo novo deixa sem ter o que fazer.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A educação e a formação da juventude irão tornar-se cada vez mais encargo da colectividade, e aos movimentos de juventude estará reservado papel insubstituível.
No campo da instrução, a evolução assumirá aspectos surpreendentes, pois ao lado do ensino tradicional ex cathedra surgirão métodos activos, de trabalho por grupo, e assumirão importância relevante os métodos audiovisuais.
No aspecto político, várias conjecturas se nos apresentam, para daqui a vinte anos, ao espírito. Qual o sistema em vigor? Como se processarão as relações entre os poderes do Estado? Qual a tónica do ordenamento constitucional?
Consideremos que a morte ou incapacidade terão afastado do comando político o grande obreiro do ressurgimento português, ombreira da nossa resistência e sobrevivência africana. Não é provável que o País encontre outro Salazar. E, com o seu desaparecimento, a vida política há-de procurar novo equilíbrio e outros ordenamentos. Alguns sobressaltos hão-de colher a Nação, e quem então governar, ou quiser impor-se, terá de ganhar dia a dia a sua batalha junto da opinião. Os salazarinhos, candidatos a Salazares, estão redondamente iludidos, se julgam possível obter posição de respeito comparável, de longe que seja, à de quem, a todos os títulos, se afirmou como personalidade de excepção e figura ímpar da nossa história.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - De modo que o jogo das instituições políticas há-de processar-se num ritmo e segundo linhas de força bem diferentes das de hoje.
Esta sedutora tarefa de prever e prevenir, de pensar no que será o mundo dos nossos filhos, a vida da nossa gente, o elo da cadeia secular de gerações que irá seguir-se ao nosso, é na verdade das mais empolgantes. Mas poderá ser também uma tarefa válida, de singular projecção no dever económico e social do País, se a ela metermos ombros com clarividência e verdadeiro espírito de equipa.
No aspecto político, onde pouco ou nada se pode planear, dados os imponderáveis que sempre o rodeia, haveria larga e profunda actividade de prospecção a desenvolver, e também obra de imediata doutrinação. Doutrinação que deveria orientar-se em dois sentidos temporais, deles partindo para a valoração doutrinária e pragmática. Deveria começar-se por uma retrospectiva sistemática, remontando à época liberal posterior a Évora Monte, à República demagógica e à concomitante derrocada abissal da vida portuguesa. Martelar nestes pontos, devidamente, insistentemente, pois andam eles bem esquecidos das novas gerações, e nem chegaram a ser vividos pelos homens que hoje andam na casa dos 40 anos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nessa retrospectiva, valorizar com justiça os últimos 40 anos da vida portuguesa, ressurgida em 28 de Maio de 1926, a obra material, a obra social, cultural e política levada a cabo pelos Governos da Revolução Nacional, e que se afirma como das mais intensas da nossa existência de Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Extrair as consequências doutrinárias emergentes do confronto. E depois, depois, apontar os horizontes do futuro, tentar desvendar as possibilidades do nosso porvir, aliciando a inteligência e o espírito ousado da gente nova, das gerações que não temos o direito de deixar na disponibilidade mental ou de acção, sob pena de se voltarem contra nós.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas voltemos ao III Plano de Fomento.
Sr. Presidente: Estamos em presença de um plano audacioso, que, sobretudo, valerá pelo que se fizer dos projectos nele incluídos. O relatório é claro a tal respeito, e com honestidade se assevera, não só na introdução geral do documento, como no próprio relatório da proposta de lei, que «a dificuldade de, nas condições actuais, poder programar-se com segurança para os próximos seis anos aconselha se proceda à revisão do Plano no termo do seu 1.º triénio, sem prejuízo das adaptações a fazer nos programas anuais». Quer dizer: a revisão trienal e os planos anuais assumem importância fundamental no prosseguimento dos objectivos propostos. Vale a pena citar este passo da introdução (vol. I, p. 43):

Os objectivos inscritos no Plano serão assim completados por providências legais e administrativas que enquadrem de perto a evolução conjuntural. Daí que o Plano deva ser, na sua execução, desdobrado, como até aqui, em programas anuais que contenham, além dos projectos definidos para realização imediata, políticas de curto prazo destinadas a encaminhar a evolução efectiva dos diversos sectores para os objectivos de médio prazo consignados naquele documento.

Este aspecto da flexibilidade de execução do Plano é consagrado principalmente na base VI da proposta de lei. O Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos assume o carácter de órgão executor, e a ele compete,

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além do mais, concretizar os empreendimentos incluídos no Plano, aprovar os programas anuais, os planos de desenvolvimento regional (para o que ouvirá a Câmara Corporativa) e a revisão para 2.º triénio. Os programas anuais revestem-se da maior importância, não só pelo que se disse, como ainda pelo que resulta do disposto no n.º 2 da base vi, que determina deles constem definições e elementos essenciais a todo o Plano.
Isto explica os fundamentos da proposta de aditamento que tive a honra de entregar na Mesa, porquanto a Assembleia Nacional, que vai aprovar a proposta de lei, não pode alhear-se inteiramente, ficar à margem dos aspectos essenciais da política económica decorrente da execução do Plano. Durante essa execução estão previstos «indicadores de alerta», aquilo a que especialistas europeus chamam os «pisca-piscas», destinados a lembrar que o crescimento não pode realizar-se no desequilíbrio, sob pena de se destruir a si próprio, e que, por outro lado, o equilíbrio sem progresso é como a esclerose nos vasos sanguíneos. Ora a Assembleia Nacional, como supremo órgão da representação política, está particularmente indicada para participar do «dispositivo de alerta» do Plano, que exige vigilância permanente. E o sistema de articulação adequado residirá na apreciação que nesta Câmara se fizer dos relatórios anuais a que alude a base XI da proposta de lei.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A base IV da proposta de lei estabelece os condicionalismos a que está sujeita a execução do Plano. Alguns o julgarão demasiado estreitos, pensando que o desenvolvimento económico valerá algo mais que o projectado sacrifício financeiro, ou mesmo político.
Comentarão esses, com desfavor, p que no documento se escreve sobre as «determinantes éticas da nossa vida colectiva» e que o progresso material deva constituir «parcela do enriquecimento total da pessoa humana» (vol. i, p. 314). É bastante discutível o estabelecimento da fronteira entre o desenvolvimento económico e o risco de malefícios sociais e morais. E mais discutível ainda o limite exacto ou mesmo aproximado dos sacrifícios financeiros e políticos exigidos para a execução de um plano da envergadura deste. Hão-de necessariamente variar critérios, surgir opiniões diversas - todas elas porventura legítimas e razoáveis. Mas já disse atrás que um plano como este exige opções inevitáveis, e essas opções substanciais é que estão postas à consideração da Representação Nacional no presente debate. Quando nos escuta sobre esses aspectos, o Governo deixa de ser autor para ser observador, e isso mais realça a responsabilidade dos membros desta Câmara.
Continuo a entender, com o meu predilecto Saint-Exupéry, já algures trazido em citação a esta Assembleia, que importa, não apenas alimentar os homens, mas sobretudo saber como serão os homens que vão ser alimentados. Perguntava então: de que servirá no perverso o maior nível de vida, se vai contribuir paru alimentar a sua perversidade, e ao fútil, a sua futilidade? De que servirá a instrução ao torpe, se vai requintar a sua torpitude? De que servirão planificações, se apenas, ou sobretudo, se traduzirem mais em progresso estatístico do que em progresso espiritual e moral? De que serve ao homem ganhar o Mundo, se perde a sua alma, ou de que lhe serve enriquecer em troca da felicidade? Importa, sem dúvida, proporcionar aos homens o bem-estar e os benefícios da civilização, mas, sobretudo, importa saber como serão os beneficiários desse progresso e desse bem-estar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não obstante a validade desta definição ética, não repugna aceitar que ela sofra limitações decorrentes de factores incentiveis de vária ordem. Antes de mais, devemos ter em conta, não só a tendência generalizada para o bem-estar material e largos tempos de ócio, como as implicações da integração económica europeia, sinal de tendências profundas da evolução social, e ainda a abertura de horizontes produzida pela instrução em fase explosiva de alargamento. Consideremos ainda, no caso português, a própria emigração, que, no regresso aos pátrios lares, fará sentir reflexos, através de comparações inevitáveis, sobre o modo de encarar as coisas e o Mundo.
Hoje, proclama-se o dever de repousar, e há quem defenda o «descanso forçado» como indispensável para se chegar a um mundo futuro riquíssimo: riquíssimo, graças, em boa parte, à ociosidade - dizem eles! A evolução tem sido vertiginosa. Do «dever de trabalhar» e do «direito ao trabalho», vai-se caicdo, um pouco por toda a parte, no «direito ao descanso» e no «dever de descansar». E o trabalho? - perguntar-se-á. Ah, o homem redimiu-se, regressará em breve ao Paraíso Terreal, aos tempos de antes da punição divina: In sudore vultus tui vesceris pane ..., que é como quem diz: «Comerás o teu pão com o suor do teu rosto» ...
A tendência é para confiar a cérebros electrónicos, capazes de compreender e «processar» as ordens recebidas, a tarefa de, por sua vez, dirigirem uma fábrica, uma oficina, um avião, um satélite, um navio ... São estes os escravos do homem moderno, os escravos do futuro. O homem prime os botões e assim exprime um desejo; o aparelho decidirá por si mesmo qual o instante favorável e quais os meios apropriados para realizar o desejo que lhe foi transmitido. Não se «comanda» um satélite., envia-se-lhe uma mensagem de rádio que é recebida por um pequeno computador colocado a bordo, e é este que, age sobre os órgãos de cornando, alavancas de manobra em órbitra, retrofoguetões ... mas só quando julga apropriado. A Shell encomendou há pouco um petroleiro de 160 000 t ou mais, que terá a bordo um computador universal encarregado de accionar as caldeiras (24 operações) e as turbinas (16 operações) e também efectuará os cálculos de navegação, determinará o melhor modo de carregamento, a acção das vagas sobre o casco e, ainda por cima, há-de manter em dia a contabilidade das mercadorias e o pagamento do pessoal!
O célebre e tão discutido avião Concorde disporá de um calculador electrónico capaz de «aconselhar» o piloto a como reduzir ao mínimo os solavancos.
Foi Teilhard de Chardin quem asseverou que «inteligência e complexidade são inseparáveis». Estas novas máquinas chegam a utilizar 100 000 componentes. Só cada um deles correr o risco de falhar uma vez de dez em dez anos, a máquina correrá o risco de se avariar de hora em hora. E aqui reside o problema decisivo da precisão, em que se chegou a atingir quase os 100 por cento! Chamam os técnicos «circuitos lógicos» aos conjuntos elementares reunidos numa destas máquinas, as quais, graças a combinações variadíssimas de milhares de circuitos na mesma máquina, realizam operações «intelectuais» riquíssimas.
A informação vai dominando si própria energia, nesta competição electrónica, verdadeiramente alucinante, dos nossos dias. A informação, entenda-se, no sentido de transmissão de notícias, de mensagens à distância, de imagens ou sons, ou escrita à distância, entre cidades, países, continentes e, já agora, entre corpos celestes. Não há muito, a palavra do ordem ora a do aumento de produção energética, factor de progresso e riqueza; agora, falam-nos, sem haver ainda terminado aquele «ciclo», da

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rádio, da televisão, do telex, dos satélites de ligação, dos computadores, dos autocomputadores, dos cérebros electrónicos ou «máquinas de processar a informação». Os filósofos debruçar-se-ão mais tarde sobre esta febre de trocar informações, este novo teor de relações entre os homens - numa era em que mais do que nunca os povos são vítimas da contrafacção das ideias e da mentira organizada em grandes empresas estaduais ou para estaduais.
Nós, que estamos no Mundo e participamos das vicissitudes do Mundo, não podemos deixar de sofrer consequências de tudo isto - mas nas coisas, na vida, ao modo de ser e de pensar da nossa gente -, pelos motivos que referimos. E havemos de ser ágeis, procurar não perder o pé nas encapeladas águas do progresso em que a bóia de salvação, o farol e a luz condutora terão de apontar continuamente para os valores morais, à sombra dos quais nascemos e nos afirmámos como povo, sem deixar de levar às criaturas, com prioridade para as mais débeis economicamente, como para as regiões menos favorecidas pelo progresso, os benefícios do crescimento da riqueza nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, os objectivos e medidas da política de rendimentos definidos no Plano (vol. I, pp. 380 e seguintes), bem como os objectivos e medidas de política salarial (vol. i, pp. 438 e seguintes), merecem o nosso apoio. É fácil falar em redistribuição de rendimentos, mas difícil definir a quem se pretende atingir com ela. O objectivo dessa redistribuição, tal como decorre do Plano e das leis, não é o de fazer desaparecer esta ou aquela categoria sócio-económica em benefício de outra, mas sim reduzir aqueles que auferem grandes margens de lucro em benefício daqueles que auferem pequenos ou insuficientes rendimentos.
O turismo é outra das razões, irreversíveis de momento, que enquadram e limitam aquela orientação ética já referida noutro passo destas considerações. A sua problemática não é tão simples como à primeira vista poderá parecer. A nós sempre se nos afigurou que, não devendo ser apriorìsticamente inimigos do turismo, nem por isso deveríamos embarcar na barca de loas, engrinaldada em arco de mesquita cordovesa. Certo, certo: as divisas; a valorização do património artístico e monumental; o Secretário de Estado do Comércio desoprimido quando o Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho, graças ao turismo, lhe consegue política compensatória para a balança comercial; o Ministro das Finanças exultando ao verificar os resultados da balança de pagamentos. Certo, certíssimo ...
Mas esta coisa do turismo, como solução para problemas económicos e financeiros, sempre nos fará lembrar, melancolicamente, aqueles nobres ingleses que vendem bilhetes à porta dos solares para poderem pagar o ordenado aos criados no fim do mês. Parece que estamos a ouvir o saudoso Prof. Armindo Monteiro, numa das suas aulas magistrais da Faculdade de Direito, em impiedosa invectiva contra o turismo pelo turismo. Lembrava, a propósito, a confidência de uma individualidade helvética; a qual havia ocupado a mais alta magistratura do seu país. Segredava que o turismo, enquanto enchia a Suíça de divisas e de bem-estar, lhe ia insensivelmente corroendo a alma, e os costumes, e a intimidade saudável e patriarcal dos velhos cantões.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O turismo massificou-se, como quase tudo no mundo ocidental. Deixou de ser a busca requintada de espíritos superiores, a curiosidade de cultura e de estudo, o carinhoso espírito de compreensão e de simpatia, que sempre deverá existir no conhecimento de duas almas, ou de dois povos, ou de duas civilizações. O turismo é espectáculo, de que as fronteiras não passam de bilheteiras, tal como nos solares dos ingleses arruinados. Aliás, hoje, o turismo de massas nem carece de monumentos, de obras de arte ou de paisagem. Uns bons jantares, com pepsi-cola a acompanhar, no fim de uma corrida estafante de autocarro, fazem o milagre da satisfação e de transformar tudo em alegria prodigiosa. Se, no fim, houver um bom dancing & outras coisas - será o maravilhoso, em baile e jazz: cessem Jerónimos, Janelas Verdes, S. Vicente de Fora ou triângulos propagandísticos!
Pelo que nos é dado ler em jornais espanhóis, já ali se vão erguendo as vozes de real apreensão quanto às incidências do fenómeno turístico na vida espanhola. E que se trata de uma arma de dois gumes: as divisas sobem, mas o custo de vida também sobe. A moralidade e o resto é que podem correr o risco de baixar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O turismo é boa moeda, com sólida cobertura. Mas saibamos neutralizar os seus inconvenientes, e não deixemos nunca tiranizar-nos pela sua incerta sedução. Por isso nos parece acertada a orientação do Plano quando aponta razões para defender, como defende, «a qualidade do turismo internacional que nos procura» (vol. II, p. 433).
Claro que as reservas incidentais, quanto ao turismo, em nada invalidam, nem alteram, a circunstância de ele ser espantoso fenómeno do nosso tempo, assumindo proporções imprevisíveis. A corrida aos mercados internacionais de turistas é das mais disputadas lutas comerciais do nosso tempo, e bom será que andem lestos os que ousadamente queiram conquistar mercados, assumir posição na Bolsa - neste negócio de sol, de mar, de paisagem, de monumentos, de belezas naturais. Dir-se-ia que a tradicional doutrina jurídica está ultrapassada, quando teima em dizer que estes bens, como o sol, o ar e a luz, não podem ser objecto de contrato, por serem coisas fora do comércio ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se bem nos parece, andámos durante muitos anos arredios da pugna turística, ou melhor, criámos a falsa ideia de que o turismo era folclore, e que se resolvia tudo à base de bonitinhos, de pétalas, ou de cantigas no terreiro. Esquecia-se que, na base da exploração turística, tem de estar uma infra-estrutura metódica e planificada, a começar pela da rede hoteleira, sem a qual não há sol que possa convencer, nem cantigas que não se percam no vento da inutilidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O turismo é, em nossos dias, problema económico - o qual tem na sua base a exploração comercial de bens culturais, artísticos, paisagísticos e outros. As divisas são o resultado dessa exploração.
Vai longe o tempo em que Ramalho Ortigão, ao desagravar-se em carta a Alberto de Oliveira, nos deixa estes diapositivos do seu «turismo»:

Não há monte, nem vale, nem rio, nem ribeira, por esse Portugal todo, que eu não percorresse, por

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simples namoro, sem nenhum outro fim de interesse ou de curiosidade, à minha custa, em caminho de ferro, em diligência, embarcado, a cavalo e a pé. Por amor palmilhei repetidas vezes as serras de Ossa, da Arrábida, de Monchique, subi o Marão e subi a serra da Estrela. Por amor dormi ao relento na lezíria do Ribatejo. Por amor andei a monte na serra da Talhada e no rego de Chaves, e pernoitei deitado nas manjedoiras, sobre o retraço dos machos, em Albergaria das Cabras, na Trapa e na Farrapa. Por amor me banhei no Douro, no Minho, no Avo, no Vouga, no Homem, no Cávado, no Mondego e no Guadiana. Vai surpreendê-lo decerto esta nota: não há foi III franca no reino em que não tenha estado este seu criado, o qual noutro tempo comprou, vendeu ou trocou besta em Famalicão, em Penafiel e em Viseu [in A Evolução Espiritual de Ramalho, de Rodrigues Cavalheiro, Lisboa. 1962, pp. 27 e 28].

Vai longe esse tempo, longe vai esse tempo!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O turismo é hoje para nós outro volfrâmio, a que é preciso deitar mão, explorar inteligentemente. Há-de ter a sua contrapartida de risco, mas isso é, como dissemos, o reverso de todas as medalhas. Estamos a sangrar financeiramente, e a tal sangria haverá de corresponder equivalente transfusão de divisas. O turismo é para nós um processo de transfusão financeira. De 890 000 contos em 1961, o valor absoluto do turismo atingiu 7 476 000 contos em 1966, o que, a preços correntes, corresponde à elevadíssima taxa média de acréscimo anual de 48 por cento (vol. II, p. 423).
As previsões para o sexénio do Plano, constantes do mapa da p. 430, elevam as receitas provenientes da exportação de serviço de turismo para 10 500 000 conto? em 1970 e de quase 18 milhões de contos em 1973. Isto nos dará ideia do valor económico do turismo.
Mas não devemos esquecer que ele comporta considerações de ordem política. por ser hoje dos mais importantes e mais sólidos meios de informação. Algures o fez notar o Subsecretário de Estado da Presciência do Conselho, Dr. Paulo Rodrigues, nosso querido colega nesta Câmara e excelente camarada. Vou citar as suas palavras:

Acontece hoje que a guerra psicológica dirigida do exterior contra a liberdade e II integridade da Nação Portuguesa é comandada por forças às quais não interessa, em nada, a verdade dos factos. Mas o seu poder de penetração resulta, em grande parte, da receptividade: que a mentira só encontra, entre homens de boa vontade, quando não lhes é dado conhecer a realidade das coisas.

Daqui partiu lùcidamente para a conclusão:

Dar a quantos nos visitem, clara e aberta, a verdadeira face de Portugal - do Minho a Angola, das Berlengas a Timor - é, para além de todo o benefício económico, a missão mais alta em que todos quantos servem o turismo servem, ao mesmo tempo, o interesse nacional.

Está focada, nestas observações, uma face extraordinária do valor das correntes turísticas para o nosso país. Não andamos empenhados em desfazer a monstruosa campanha de mentiras que. no plano internacional, &e desencadeou contra nós? Não temos posto ao serviço de informação, para reposição da verdade sobre Portugal, somas gigantescas e meios poderosos? Não estamos apostados em esclarecer o Mundo, em mostrar a verdade à opinião internacional e aos homens de- boa vontade?
Pois as centenas de milhares de turistas que analmente percorrerem o nosso país podem ser os melhores portadores dessa verdade. Viajando livremente, percorrendo a terra portuguesa de lês a lês, observando, anotando, ajuizando, eles são os que podem testemunhar de visa a verdade sobre Portugal, sobre a sua vida cívica e social, sobre o próprio carácter do regime político em que vivemos, ou os progressos materiais que, por todo o lado, só notam entre nós. Esses são soldados da batalha da informação, em que estamos empenhados. Com uma vantagem extraordinária: enquanto gastamos rios de dinheiro, para proclamar a verdade por esse Mundo - pois, hoje, a própria verdade tem de pagar, para obter lugar ao sol -, os turistas deixam aqui o seu dinheiro e podem ser ao mesmo tempo testemunhos fiéis dessa verdade, que viram com os seus olhos. Trata-se de informação que. em vez de custar dinheiro, rende divisas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em matéria de turismo, bem podemos, pois, dizer que nele reside uma das importantes opções que o Plano levanta; e, face aos condicionalismos citados e às exigências da vida nacional, temos de optar decisivamente pelo seu incremento e pelo seu desenvolvimento. Feita a escolha, não devem regatear-se os meios. Estão previstos investimentos da ordem dos 9500 contos para o hexénio, dos quais 2750 contos no primeiro triénio e 6820 contos no segundo triénio. Fazemos votos por que essa previsão de investimentos tenha melhor sorte, na execução, do que os investimentos previstos, para o efeito, no Plano Intercalar que agora finda.
Temos de concluir que, em matéria de turismo, se galgou definitivamente a fase do mero folclore e dos rodriguinhos, se bem que venham a ser cada vez mais necessárias as Agonias e as Meadelas. Não podemos exportar a frescura dos nossos vinhedos e das nossas matas; não dispõem de rodas os Jerónimos ou a Batalha ou a Sé de Braga, para serem passeados por esse mundo; não podemos enlatar o azulino das nossas águas ou a suavidade tépida que os nervos colhem ao banhar-se. Mas nas fronteiras deste «país das uvas», tal como à porta dos grandes espectáculos, o cartaz está erguido e representa divisas ao contado: «Vende-se mar e sol! Vende-se clima admirável! Há romarias e sonhos e bailes e despiques! Alugam-se paisagens e monumentos sem par! Dá-se de bónus a ordem, a tranquilidade e o sossego de um país de boa gente e bem governado ...»

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O tema do turismo conduz-nos, por associação de ideias e derivante sistemática, ao distrito de Viana do Castelo, círculo eleitoral que tenho a honra de representar nesta Assembleia.
A política turística definida no Plano aponta para a qualidade e considera «como regiões prioritárias aquelas onde é possível fazer turismo durante todo o ano ou em que a estação alta se estende por largo período: o Algarve, a Madeira e a região de Lisboa». Acrescenta-se, todavia, que se procederá «ao estudo do fomento turístico de outras regiões», dado que «interessa promover o aproveitamento turístico de todo o resto do território, procedendo para tal os serviços de turismo à fixação de itinerários de circuitos por onde se poderá desenvolver o turismo do passagem, a partir, não só das regiões prioritárias, como dos diversos pontos de fronteira, e indicando nos referidos

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circuitos os pontos de apoio para a instalação preferencial de estabelecimentos hoteleiros e similares» (vol. II, pp. 433 e 434).
Não é minha intenção discutir o critério de prioridades preconizado no Plano, nem quereria incorrer na velha pecha nacional de limitar os horizontes de tão magno problema ao campanário dn minha região. Mal de nós se viéssemos à discussão com a ideia fixa de que na nossa terra é que há uma colina magnífica, cheia de arvoredo e belas paisagens, para nela se construir uma estalagem; se apenas viéssemos dizer que o nosso mar, o nosso rio ou o nosso vale são melhores do que os dos outros; ou que há poentes magníficos ali ao pé da nossa porta, que as entidades oficiais ignoram estupidamente. Se assim fosse, se nos movesse tão-sòmente o toque de campanário - então, é porque não teríamos acertado com a ideia exacta e com as reais dimensões do fenómeno turístico.
Mas julgo não incorrer nesse defeito se vier à discussão, ao diálogo que o Governo nos propôs ao trazer até nós o Plano de Fomento, com certas questões que se integram no desenvolvimento das premissas expostas no Plano e que atrás reproduzi.
Fala-se em «desenvolver o turismo de passagem, a partir não só das regiões prioritárias, como dos diversos pontos de fronteira». O distrito de Viana do Castelo constitui hoje uma das mais importantes portas de entrada do turismo europeu que nos procura.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Basta dizer que o tráfego anual da fronteira de Valença assume proporções caudalosas, que a transformam numa das mais importantes, se não a mais importante, via de entrada do turismo terrestre que nos procura. Além de Valenca, Melgaço está aberta ao tráfego internacional por S. Gregório e, ali ao lado, dispõe de uma estância termal, o Peso, prolongada até Monção e os seus banhos, que têm sido levianamente desprezados e inaproveitados. Peso e Monção constituem estâncias termais com potencialidades turísticas privilegiadas, e a dois passos da fronteira norte e numa das mais belas regiões de veraneio e repouso. As correntes turísticas que afluem por Valença não se dirigem inteiramente para as regiões prioritárias do continente - Lisboa e Algarve -, que ficam muito longe. Larga percentagem desse turismo dissemina-se pelo Norte. Viana do Castelo e a Ribeira Lima são, por seu turno, prodigiosos reservatórios de beleza paisagística, folclórica, artística e arquitectural que, não obstante a carência de infra-estruturas turísticas, capitalizam enormemente e retêm percentagens consideráveis das correntes que nos buscam. Viana do Castelo, cabeça do Alto Minho, oferece possibilidades verdadeiramente excepcionais: os seus montes, as suas veigas, o seu litoral e o seu rio, as suas romarias e os seus costumes, os seus monumentos e solares, os seus pinhais e as suas praias e também a sua gente - pedem meças ao que de melhor a defronte no País!

O Sr. Araújo Novo: - Muito bem!

O Orador: - Ora, estando o Alto Minho num dos mais importantes «pontos de fronteira», para empregar a própria expressão do relatório, servido por uma das mais movimentadas entradas do País, para ele terão de afluir, na sequência da política preconizada, e logo após as regiões prioritárias, os investimentos necessários à criação de «pontos de apoio», devendo considerar-se ali, nesta ordem de ideias, também «a instalação preferencial de estabelecimentos hoteleiros e similares», tal como o Plano preconiza.
Creio poder afirmar que estas considerações se inserem no pensamento que decorre do próprio texto do relatório em apreciação na Assembleia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Entrando em considerações respeitantes ao meu distrito, neste campo me deterei, como cumpre a quem tem consciência das responsabilidades perante aqueles que nos deram o seu voto e em nós confiaram para a defesa dos seus interesses imediatos.
O relatório aponta as conclusões quanto ao planeamento regional (vol. II, pp. 576 e 577), definindo-lhe os objectivos e orientações (vol. II, pp. 591 e segs.). A seguir, procede à delimitação das regiões de planeamento (vol. II, pp. 595 e segs.) ou «regiões-plano», que serão quatro no continente: a região do Norte, a região do Centro, a região de Lisboa e a região do Sul. A região do Norte abrangerá os distritos do Porto, Braga, Viana do Castelo, Vila Real e Bragança e terá a sua capital na cidade do Porto. Dentro de cada região, definem-se desde já as respectivas sub-regiões: na do Norte, distinguem-se a sub-região do litoral - incluindo os distritos do Porto, Braga e Viana do Castelo - e a do interior - distritos de Vila Real e Bragança. Prevêem-se ajustamentos ulteriores, não perdendo de vista o equilíbrio a manter nas regiões entre si e nas próprias sub-regiões.
Ao desenvolver os pontos essenciais deste equilíbrio para a região Norte, escreve-se:

A sub-região litoral, embora inclua a cidade do Porto como segundo pólo urbano do País, não se destaca dos valores médios do continente em termos de desenvolvimento, nem se afasta do nível atingido pelo litoral da região do Centro [vol. II, p. 600].

Logo a seguir:

A sub-região interior, por sua vez, aparece como a mais pobre de todo o continente. A percentagem de activos agrícolas - a mais elevada do País - e uma produção baseada predominantemente na agricultura são os traços característicos da estrutura desta sub-região, que sofre repulsa populacional muito forte [vol. II, p. 600].

Referindo-se à sub-região litoral:

... não há homogeneidade de condições, porquanto o distrito de Viana do Castelo prolonga a zona deprimida do interior.

E também:

Apenas os distritos de Braga e Porto, com grandes densidades populacionais, possuem maior dinamismo e até capacidade de atracção populacional (nalguns concelhos limítrofes da cidade do Porto), determinados pela posição saliente das actividades industriais e pelas estruturas urbanas mais aptas para fixar os excedentes populacionais [vol. II, p. 600].

Para o desenvolvimento das nossas considerações será preciso transcrever ainda mais este passo:

A expansão dos centros urbanos e o aproveitamento das potencialidades regionais relacionam-se também com as possibilidades de transportes e meios de comunicação, que se apresentam mais deficientes, quer quanto a intensidade, quer quanto a utilização, nos

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três distritos que constituem u, zona crítica da região (Viana do Castelo, Vila Real e Bragança) [vol. II, pp. 600 e 601].

Quer dizer: o relatório considera o distrito de Viana do Castelo como prolongamento da «zona deprimida do interior», pelo que a sua integração na sub-região litoral quebra a «homogeneidade» desta, e noutro passo diz que a zona crítica da região Norte é constituída pelos três distritos de Viana do Castelo, Vila Real e Bragança, nesta ordem de ideias preconizando a necessidade de:

... conjugar o prolongamento dos traçados actuais das vias rodoviárias o ferroviárias com o planeamento da rede urbana e de exploração dos recursos regionais, evitando que as comunicações constituam entrave ao aproveitamento integral das potencialidades das regiões mais desfavoráveis [vol. II. p. 601].

Desde já podemos adiantar que parece ter havido hesitações fundamentadas quanto à inclusão do distrito de Viana do Castelo ria sub-região litoral da região do Norte, colocando-o ao lado dos distritos de Braga e do Porto, quando tudo pareceria indicar que ele devesse, por diversas razões, ser integrado na sub-região interior da região Norte.
Consoante se alcança dos elementos e quadros de pp. 410 e segs. do vol. I do relatório, a situação de Viana do Castelo quanto à remuneração do factor trabalho, sendo metade da de Lisboa, coloca o distrito na última categoria, tanto nas actividades agrícolas como nas actividades não agrícolas. A taxa de crescimento das remunerações no decénio de 3953-1954.a 1903-1964 é â mais elevada na agricultura, com 7.5 por cento, mas isso deve-se a que, no início do período considerado, essas remunerações se situavam muitíssimo abaixo de quaisquer outras praticadas no País (vol. I, pp. 436 e 437). Em contrapartida, a taxa de crescimento de remunerações das actividades não agrícolas, para o período considerado, é das mais baixas, com 3,7 por cento (vol. I, p. 417). Do quadro comparativo das diferenciações salariais em relação a Lisboa (vol. I, p. 418) resulta que a situação no distrito de Viana do Castelo é das piores, e mesmo a pior, em certos casos. A capitação dos rendimentos tio distrito é a pior, em 1964, com Vila Real e Bragança (vol. II, p. 554), e, se levanta cabeça na produção industrial (vol. II, p. 556), isso acontece no concelho de Viana, merco dos estaleiros navais; ocupa desfavorável posição quanto ao ritmo de crescimento o nível de produtividade (vol. II, pp. 360 e 561). É o terceiro distrito do continente no êxodo pela emigração, com a taxa de 7 por cento, consoante se alcança do quadro de p. 436 do vol. I. Vale a pena citar este passo do relatório:

... os números parecem comprovar que um dos factores que ocasionaram a saída da mão-de-obra foi o nível salarial existente nos respectivos distritos, particularmente no que se refere ao sector agrícola. Por outro lado, essa saída de trabalhadores reflectiu-se sobretudo no nível dos salários rurais, intensificando o seu crescimento em ritmo superior ao da média geral.
Do exposto pode inferir-se a necessidade de valorizar progressivamente o nível das remunerações, de acordo com a evolução da produtividade e do custo de vida, em ordem a obstar às repercussões negativas, tanto sob o ponto de vista social como económico, que, em geral, são inevitáveis quando as alterações salariais resultam de tensões existentes no mercado de mão-de-obra [vol. I. p. 437].
De tudo o que fica dito, resulta que no relatório se reconhece que o distrito de Viana do Castelo:

a) Prolonga a zona deprimida do interior, que é a mais pobre do País;
b) Com Vila Real e Bragança participa da zona crítica da região do Norte;
c) Dispõe de índices de trabalho dos mais baixos;
d) Das mais elevadas taxas de emigração;
e) Quebra a homogeneidade da sub-região litoral.

A isto acrescentaremos que o distrito de Viana do Castelo só é litoral no concelho de Viana e em parte do concelho de Caminha - que são os mais desenvolvidos -, ficando os restantes oito concelhos na zona interior quase nos limites de Vila Real e na contiguidade da parte mais pobre do distrito de Braga.
Um grupo de trabalho, encabeçado pelo Prof. Eng.º Eugênio de Castro Caldas, procedeu a interessantíssimos estudos sobre Regiões Homogéneas no Continente Português Primeiro Ensaio de Delimitação (Lisboa, 1966) que vieram a lume sob a égide do Instituto Nacional de Investigação Industrial e da Fundação Gulbenkian. Esse volume contém muitos elementos úteis para a questão sobre que nos estamos debruçando, e os seus autores concluem que a delimitação de regiões homogéneas no continente português exige a partição do distrito de Viana do Castelo, por duas razões distintas, uma das quais, mais evoluída, abrange os concelhos de Viana e Caminha, ambos no litoral e com alguns incipientes vestígios de industrialização, incluindo-se os restantes concelhos na extensa região do Nordeste transmontano, com projecções também para a Beira Alta. Os indicadores utilizados para a repartição regional estão referidos a pp. 182 e segs. da obra citada, e os dados que se, procurou obter para cada concelho, previamente a tal repartição, são referidos a p. 184. O mapa n.º 37 daquela obra apresenta as regiões homogéneas segundo os níveis de desenvolvimento e é essencial para a compreensão do critério proposto.
De tudo se conclui - do relatório do Plano e dos estudos do grupo Castro Caldas - que pressionantes e fortíssimas razões indigitam o distrito de Viana do Castelo para ser abrangido nas medidas excepcionais de promoção e desenvolvimento previstas para a região do Nordeste, com a salvaguarda das condições específicas da zona litoral, designadamente Viana do Castelo, o seu rio e o seu porto de mar. É um distrito a que urge deitar mão, um distrito carecido da atenção carinhosa dos Poderes Públicos.
Aliás, incentivos do Plano vão aplicar-se fundamentalmente à criação de pólos industriais e

... deverá ser estudada a possibilidade da sua extensão parcial as zonas consideradas críticas, quer pela debilidade da sua economia, quer pela exigência das suas actividades predominantes [vol. II, p. 629].

Este critério, que poderia criar motivos de esperança para o meu distrito, é um tanto ensombrado, nesse aspecto, quando, nas orientações fundamentais do planeamento regional, encontramos definida esta linha directiva:

... a procura da harmonia do crescimento à escala regional será condicionada pelas potencialidades próprias de cada região. Na prática, isso traduzir-se-á numa política de concentração dos investimentos naqueles pontos que apresentem maiores potencialidades, contribuindo para uma melhor coerência regional entre recursos efectivamente utilizáveis e estrutura produtiva, na medida em que o investimento é con-

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dicionado pelas potencialidades reais de cada sector [vol. II, p. 592].

Deixo ao Governo a ponderação deste aspecto capital, com vista ao enquadramento regional do meu distrito nas condições de melhor expectativa e de mais justo benefício quanto aos objectivos do Plano.
E chego a outro ponto das minhas considerações.
O Plano prevê que serão levadas a cabo diversas obras fluviais de defesa e estabilização de margens e leitos, bem como a recuperação e enxugo de diversas zonas apauladas, nelas se incluindo a bacia do Lima (vol. I, p. 542). Esta obra está a par de outros aproveitamentos hidroagrícolas, nomeadamente nas bacias do Tejo, Vouga, Mondego, Caia, Vale da Vilariça, Cova da Beira, Campo de Vila Real de Santo António e Castro Marim, etc. Prevê-se, para todas estas obras, a participação de 430 000 contos pelo Orçamento Geral do Estado, além do recurso a outras fontes de financiamento.
Confrontando esta rubrica com a do planeamento regional, verifica-se que neste se refere o Plano de Rega do Alentejo, o Plano do Ordenamento Hidráulico da Bacia do Mondego, ficando tudo o mais diluído num inexpressivo e vago et coctera. Quer isto dizer que, não estando expressamente consagrada no Plano a obra de ordenamento hidráulico do rio Lima, Viana do Castelo não pode deixar de clamar pela sua realização, de .importância decisiva para a economia da região.
Os estudos do problema do vale do Lima estão praticamente em fase de conclusão na Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, e nesses estudos se empenharam particularmente, com vista à sua rápida realização, o Ministro Arantes e Oliveira e o actual Subsecretário de Estado das Obras Públicas, Eng.º Rui Sanches, que os viveu na intimidade do dia a dia e a eles se consagrou apaixonadamente.
Trata-se, no fundamental, de disciplinar o rio, cujo leito subiu em termos que tornaram, por assim dizer, indefinidas as margens, divagando o rio dentro do seu próprio leito, invadindo as terras, prejudicando a agricultura e criando prejuízos que vão desde largas zonas apauladas ao assoreamento da barra. A areia invade o rio por todo o lado, e a navegação, que em tempo floresceu no Lima, o transporte de mercadorias pelo rio, é hoje impraticável - o que dá ideia da gravidade da situação atingida.
Para revitalizar o rio Lima, e transformá-lo em factor válido do progresso da região, os estudos elaborados recomendam como objectivos: regularizar os caudais, evitando as pontas de cheia de Inverno e aumentando os caudais de Verão; regularizar o próprio rio, através de defesas marginais. O plano geral, em vias de conclusão, prevê:.

a) Regularização dos caudais;
b) Regularização do leito do rio;
c) Rega;
d) Enxugo.

Ao mesmo tempo, concluiu-se o estudo de todas as possibilidades hidroeléctricas da bacia do Lima, integrado nesse plano geral. Para a sua execução está projectada a construção de uma grande barragem no Lindoso, mas, como este empreendimento comporta implicações internacionais (dado que abrange parte do Lima internacional, prolongando-se a albufeira até ao território espanhol, e ainda do troço internacional de Castro Laboreiro) aguarda-se a assinatura, prevista para breve, do convénio geral luso-espanhol sobre aproveitamento dos cursos de água internacionais.
Ora, este plano geral do ordenamento hidráulico do rio Lima reveste-se de importância decisiva para a economia da região, tão desfavorecida, e por isso deixo aqui à consideração do Governo a inclusão dessa obra na redacção final do Plano, ou, pelo menos, que seja considerada na revisão trienal prevista para 1971. Este é o ponto fulcral de todo o desenvolvimento económico da região do Vale do Lima, é o problema base a ter em conta imediatamente. O Plano deixa a porta aberta para ele, e eu apelo veementemente para o Governo, no sentido de não fechar essa porta e de aproveitar esta oportunidade, que encheria de júbilo um dos mais desfavorecidos, se não o mais desfavorecido, distrito do continente.
Acresce que o ordenamento do rio Lima está directamente ligado com a grave situação que avassala o porto e a barra de Viana..

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ainda recentemente, o navio Porto, constituído nos Estaleiros Navais daquela cidade, teve de aguardar semanas, durante as quais se procedeu a dragagens intensas, para que ele pudesse sair a barra! Ante compreensíveis, dificuldades financeiras da Junta Autónoma dos Portos do Norte, parece que já a empresa dos Estaleiros Navais teve de construir algumas vezes para a realização de dragagens que garantissem um mínimo de operacionalidade. O rebocador Rio Vez, único rebocador potente de que dispunha aquela Junta Autónoma, afundou-se tragicamente há quase três anos à entrada da barra, vítima de traiçoeiro temporal, e ali jazeu meses e meses, com prejuízo da navegação e desprestígio para o porto de Viana. O quebramento da rocha no canal da barra, indispensável para o acesso de navios de grande calado, não se encontrará concluído, presumivelmente -, antes de 1970, ao ritmo a que se processa. Não admira, pois, que o tráfego tenha ali diminuído em 82 por cento, o que resulta da comparação da média anual do período 1957-1960 com a média anual do período de 1961-1964 (vol. II, p. 367). O Plano reconhece que o porto de Viana merece atenção especial «para assegurar um mínimo do operacionalidade às principais actividades económicas da região» (vol. II, p. 367).
Permito-me, no entanto, lembrar ainda o seguinte. No relatório do Decreto-Lei n.º 36 950, de 30 de Junho do 1948, emanado do Ministério das Comunicações, o Governo reconheceu que o porto de Lisboa carecia, de um complemento, que deveria ser o porto de Viana cio Castelo. E nesse reconhecimento, que implicitamente vinha já do Decreto-Lei n.º 35 570, de 1 de Abril de 1946, foi impulsionada a instalação dos Estaleiros Navais naquela cidade, que tão eficientemente têm actuado, prestigiando-se e prestando, tanto à economia nacional como à economia da região, serviços inestimáveis. Nesse empreendimento estão investidas muitas dezenas de milhares de contos, e a sua modernização, para fazer face às exigências actuais da construção naval e da concorrência, não tem intimidado os seus dirigentes. Mas um empreendimento desta natureza não pode, não deve, estar à mercê de situações como a que levou o navio Porto a aguardar semanas para sair a barra! Acresce que está prevista a instalação para muito breve, a cerca da 10 km da foz do Lima, de uma unidade, fabril de pasta de papel em que se vão investir 600 000 contos, proporcionando trabalho a 400 pessoas (vol. II, p. 135). O escoamento pelo porto de Viana será importantíssimo, também, para esta- nova indústria que ali vai fixar-se.
A cidade, por seu turno, não poderia ver, sem angústia o revolta, ir declinando por culpa dos homens a impor-

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tância do seu porto de mar, do qual muito depende a economia da região e a subsistência de milhares de famílias.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
O Plano ainda irá ser aperfeiçoado e mais bem definido nalguns dos seus pontos. Mas ele é o documento em que se firma a nossa vontade de não nos deixarmos arrasto r pelos acontecimentos, dominando os factos económicos e imprimindo-lhes a marca da nossa força, da nossa doutrina e da nossa potencialidade criadora. O Plano é uma batalha, e como tal, só pode ser ganha por quem nela participa com optimismo, com fé e com o gosto saudável da vitória.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Campos Neves: - Sr. Presidente: É incontroverso que nenhum plano de fomento se torna verdadeiramente exequível sem que ao mesmo tempo se encare com objectividade e espírito de decisão o problema educacional e se encontre para ele uma solução real e efectiva, embora progressiva. Sem isto, com efeito, não se alcançará o progresso social e económico de qualquer comunidade.
Investir avultadas verbas em realizações materiais poderá constituir iniciativa de interesse imediato, mas de precários u discutíveis resultados e até, porventura, de funestas consequências futuras, se antes ou ao menos paralelamente se não considerar como primeiro e fundamental .objectivo a educação, a investigação e a preparação técnica, acompanhadas estas de uma acção educativa de sentido formativo e cristão que valorize o homem em todos os planos e o converta em verdadeiro agente e beneficiário do progresso material e espiritual.
Grato é verificar que o Governo, cônscio da urgência e magnitude do problema, lhe consagra no projecto do Til Plano de Fomento uma atenção especial, que se traduz nas providências que se propõe tomar para o enfrentar e. na consignação, para o efeito, de verbas relativamente ditosas. E digo relativamente porque as necessidades neste domínio do ensino, da investigação e da educação são de tal monta que exigem disponibilidades quase ilimitadas. De resto, suponho que, mesmo para o cumprimento de tão vasto programa do Plano, as importâncias orçadas são insuficientes, o que não invalida, com efeito, o apreço e o reconhecimento que se ficam a dever ao Governo por mais este importante esforço no aperfeiçoamento e expansão da sua política educativa.
Verifica-se, felizmente, que se está a atribuir importância crescente a esta política e se caminha no melhor, sentido, qual é o da valorização da escola a todos os níveis.
Importa, porém, não esquecer que este objectivo deve integrar-se, até para se atingir em pleno, no conjunto de medidas atinentes à valorização das comunidades regionais, e daí que tenha, de ser ponderado devidamente na própria planificação regional, destinada a diminuir as chamadas assimetrias de desenvolvimento entre as diferentes zonas do território nacional.
Neste espírito, terá de merecer, antes de tudo, uma atenção especial o problema da educação pré-primária, que entre nós ainda não pôde ser encarado de modo global à escala do País.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Deve, no entanto, prestar-se homenagem a algumas importantes iniciativas neste domínio do sector privado ou da assistência social. Milhares de crianças são já educadas e protegidas em escolas especializadas de educação infantil que .se devem a essas louváveis iniciativas.
Presentemente, a própria previdência social, através das Obras Sociais - Federação de Caixas de Previdência, está a interessar-se pelo problema, para dar cumprimento aos preceitos estatutários daquela instituição, aprovados em Setembro de 1960 pelo então Ministro das Corporações, Dr. Veiga de Macedo, agora nosso ilustre colega.
Havemos de reconhecer, contudo, que o caminho percorrido neste campo é bem pequeno quando se pensa nas necessidades imensas que importa satisfazer. Mas é evidente que o Estado, a braços com complexos e numerosos .problemas de ensino, não poderá resolver por si todas as questões de educação das crianças antes do seu ingresso no ensino primário.
Isto, porém, não o exonera de tomar providências destinadas a estimular a iniciativa privada na criação e manutenção de escolas pré-primárias e de fazer incidir a sua atenção, sobretudo, na educação infantil das crianças cujas maus. pelas suas actividades profissionais, passam o dia fora de casa. Eis um aspecto muito delicado e grave da nossa vida social, que bem merece ser encarado com ânimo resoluto. Oxalá a previdência social possa desenvolver e executar plenamente os programas que está a elaborar, porque dessa maneira o problema encontrará a solução adequada nas regiões do País onde mais se faz sentir, pela ausência da mulher do lar, a falta de centros de educação infantil.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Acentue-se que a preparação de pessoal qualificado para garantir nível e eficiência pedagógicos a estas unidades de educação tem de constituir preocupação fundamental. Com efeito, é errónea a ideia, infelizmente bem divulgada, de que não é necessário qualquer preparação específica, para acompanhar e educar crianças nesta primeira fase da vida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A verdade é muito diferente, como o reconhecem os verdadeiros pedagogos e educadores. Por isso, o Ministério da Educação Nacional, através da Inspecção do Ensino Particular, começou, a partir de 1952, a exigir uma preparação especializada a todos os candidatos e educadores infantis. Alguma coisa se fez neste sentido. Parece-me, contudo, que ainda há numerosas casas que recebem crianças em idade pré-escolar em que estas não são acompanhadas por pessoal competente, como se tornaria mister. O problema reveste, por vezes, grande acuidade, pelo que se impõe uma permanente acção orientadora e fiscalizadora do Ministério da Educação Nacional, não só para garantir o mínimo de condições nas instalações e material didáctico, mas também, e principalmente, para impedir que, por ignorância, por falta de preparação pedagógica ou por uma sórdida preocupação de lucro a todo o custo, se falseiem os objectivos da educação e se possa afectar gravemente a formação e normal desenvolvimento psíquico, intelectual ou moral das crianças.
Surge, depois, o problema do ensino primário com todas as suas vastas e múltiplas implicações u que tem do estar sempre presente no espírito dos responsáveis, pois seria doloroso que o decisivo e célebre esforço materializado na elaboração e na execução do Plano de Educação

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Popular e da Campanha Nacional de Educação de Adultos sofresse qualquer quebra de intensidade. Faço esta afirmação porque, obtida a grande vitória do cumprimento integral do princípio da obrigatoriedade do ensino, que possibilitou, assim, a resolução do secular problema do analfabetismo, chegam-me informações de que alguns milhares de menores não frequentam as escolas por negligência dos encarregados de educação, por deficiências administrativas, por falta de professores ou ainda porque os agentes de ensino existentes não são criteriosamente distribuídos de acordo com as exigências da instrução.
Importa, além disso, que a escola primária seja também uma verdadeira instituição ao serviço da valorização humana e social do meio em que se integra ou deve integrar-se.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O que se vê, presentemente, sobretudo nos modestos meios rurais? As escolas primárias servidas, em regra, por professoras ou, o que é vulgar, por regentes. Raros são os professores, e cada vez em menor número. Cumprido o horário, o agente de ensino fecha a escola e retira-se para junto da família, residente, em geral, noutra localidade mais desenvolvida.
Funcionando assim, as escolas comportam-se como simples e frios instrumentos burocráticos, divorciados do meio e das suas gentes, e não curam de tarefas essenciais para a valorização da comunidade local.

O Sr. Marques Teixeira: - Muito bem!

O Orador: - O professor, em precária situação material, sem casa, sem estímulo de qualquer espécie, não se sente obrigado a iniciativas que se articulem com a elevação e melhoria dos agregados populacionais em que exerce o múnus docente.
Bom seria que a escola, principalmente quando, no meio, é o único instrumento em condições de polarizar a acção conducente à promoção cultural e social, deixasse de estar reduzida a uma missão incompleta e precária.
Uma escola concebida por técnicos pedagógicos, arquitectónicos e de engenharia, com vista a cabal satisfação das suas múltiplas finalidades educativas e comunitárias, foi recentemente construída em Mem Martins, no concelho de Sintra. Trata-se da escola-piloto do Grupo das Construções Escolares da O. C. D. E., para Portugal. Se, como é de supor, esta escola reúne as condições ideais para o cumprimento integral da sua missão e se o seu custo não é muito mais elevado do que o de uma vulgar escola do Plano dos Centenários, a que se associe, evidentemente, a cantina como indispensável instrumento didáctico e social, parece que deveria ser adoptada como modelo e servir de base, com as necessárias adaptações, ao planeamento das construções escolares para o País.
Apraz-me agora congratular-me com a próxima entrada em funcionamento das escolas preparatórias resultantes da fusão dos ciclos iniciais do ensino liceal e técnico. E de louvar esta iniciativa por constituir a melhor solução para o prolongamento da escolaridade obrigatória orientada no sentido da natural continuação dos estudos. Só é pena que a unificação não tenha ido mais longe.
Penso que, no futuro, há-de impor-se a necessidade de prolongar por mais um ano os actuais seis anos de escolaridade obrigatória. Razões de ordem psicopedagógica e social hão-de aconselhar, na verdade, esta prorrogação, que possibilitará, quer melhor cumprimento dos programas, quer melhor definição, por parte dos alunos, das suas verdadeiras capacidades e tendências.
Por outro lado, ao deixarem a escola, estariam os alunos a atingir os 14 anos, idade mínima natural para o exercício de qualquer profissão, furtando-se, deste modo, aos perigos do ócio e, tantas vezes, a vícios indesejáveis.
A programação deste terceiro ano teria de ser idealizada de forma a integrar o aluno no seu próprio meio, variando, portanto, em função das condições e interesses da região e assegurando uma mais perfeita adaptação à vida prática e profissional.
A propósito do ensino secundário, nos seus dois ramos, não me furto a emitir o parecer de que se mostra necessitado de modificações bastante acentuadas. Algumas decorrerão, certamente, das alterações ultimamente registadas com a criação do ensino preparatório unificado e ainda da 5.ª e 6.ª classes do ensino primário. O facto terá consequências que, desde já, deveriam prever-se e avaliar-se, a fim de se tomarem providências a tempo.
Por outro lado, no concernente ao ensino liceal, parece que a sua reorganização se impõe, mormente no 3.º ciclo, quanto a mim com subdivisões ou alíneas excessivas. Na verdade, este sistema obriga os alunos a tomar decisões muito concretas sobre os cursos subsequentes que pretendem seguir, numa idade que pode considerar-se prematura para uma escolha conscientemente amadurecida.
No tocante ao ensino técnico, é preciso não esquecer que a legislação fundamental que o define e regulamenta tem cerca de vinte anos. o que logo inculca a necessidade de o remodelar convenientemente, adaptando-o às novas e prementes exigências da economia nacional. Ao referir-se a este ensino, não pretendo abranger apenas os aspectos relacionados com o adestramento puramente profissional no sentido restrito de uma preparação mecanicista, mas, antes, uma acção pedagógica integral que se traduza numa formação qualificada e perfeita, capaz de possibilitar uma autêntica valorização humana e uma verdadeira integração social.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Outro problema a considerar é o que se prende com o acesso ao ensino universitário. Presentemente, este acesso, até mesmo para os cursos superiores de índole técnica, tem. como via normal, o liceu, já que, só com manifesta dificuldade, se consegue atingir tal nível do ensino partindo dos cursos técnicos e médios.
Na publicação Esquema para Um Trabalho sobre a Estrutura de Educação em Portugal, o seu categorizado autor, Perneau, aponta como deficiências da actual estrutura de ensino a existência de um acentuado predomínio dos estudos liceais sobre os demais ramos de ensino, o desnível existente entre os programas do ensino liceal e técnico e ainda o facto de os estudos liceais possibilitarem, muito mais facilmente que quaisquer outros, o acesso à Universidade.
Concordando com este ponto de vista, parece-me que deveria considerar-se não só uma maior interpenetrabilidade entre os diferentes ramos do ensino secundário e médio, como ainda a concessão de idênticas facilidades aos alunos do ensino técnico, para efeitos de acesso ao ensino superior, particularmente ao de natureza técnica. Para atingir este objectivo, requer-se uma adequada reestruturação de todo o ensino secundário, técnico e clássico.
As verdadeiras soluções só poderão alcançar-se através de uma planificação global que tome na devida conta uma harmónica articulação e permeabilidade entre os vários níveis de ensino.

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Quanto à Universidade escusado será insistir que lhe cabe não só preparar profissionais aptos a contribuir para o progresso científico, como formar homens em toda a acepção da palavra.
Porém, o desempenho satisfatório desta dupla missão só poderá ser atingido mediante a existência de um plano de estudos criteriosamente elaborado, da permanente actualização dos programas, do racional recrutamento do necessário pessoal docente, científico e técnico, da utilização do mais moderno equipamento e bibliografia e ainda de instalações adequadas.
Só assim se tornará possível ministrar um ensino eficiente preparar profissionais de nível consentâneo com as sempre crescentes exigências do mundo tecnológico dos nossos dias, penetrar cada vez mais no desconhecido através do eficaz desenvolvimento da investigação científica.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - De um modo geral, porém, as nossas Universidades estão longe de poderem cumprir estas missões.
Cursos há cujos ultrapassados planos de estudos aguardam, há largos anos, a sua remodelação. Outros, embora actualizados não há muito, requerem já novas modificações.
Os cursos de pós-graduados, cuja flagrante utilidade tive já ocasião de salientar nesta Assembleia no passado mês de Ai arco, não foram ainda instituídos e os quadros do pessoal docente, científico, técnico e auxiliar apenas num caso ou noutro satisfazem as necessidades.
Quanto a equipamento, bibliografia e instalações, cometer-se-ia clamorosa injustiça se não se reconhecesse que. principalmente nos últimos anos e não obstante as dificuldades advindas dos acontecimentos no nosso ultramar, se afectaram apreciáveis verbas à sua actualização. As carências eram, contudo, de tal ordem que se requerem ainda vultosas quantias para acudir às mais urgentes necessidades.
No caso particular da investigação científica ligada ao ensino, a cargo do Ministério da Educação Nacional, terá esta de ser francamente impulsionada. No período do 1962-1966. o número dos seus investigadores não atingiu as sete centenas e a média anual das verbas despendidas por aquele Ministério não ultrapassou, para cada um, 28 000$. importância modesta por de mais para as fins que visa e insignificante quando comparada com a que. para o efeito, se atribui em qualquer país de técnica mais adiantada.
De ponderar é ainda a circunstancia de a média anual das verbas globais atribuídas pelo mesmo departamento do Estado, no referido lustro, à investigação nos domínios da medicina e da farmácia, ciências que visam, como fim último, a defesa dos superiores interesses da saúde pública, não terem ultrapassado 1 339 000$ o 129 000$, respectivamente.
Não haja dúvida de que tudo isto é preciso para que a escola possa desempenhar um papel na valorização regional, como já se acentuou. A este último objectivo está naturalmente ligada também a elaboração da Carta Pedagógica, que, para tanto, não deixará de ter na devida conta, para os seus fins específicos, a evolução demográfica, a concentração urbana, o fomento económico, a rede de transportes, etc.
No ensino primário, para além da concepção de escola preconizada, em ordem a uma acção da incidência e sentido comunitário, impõe-se atentar, de modo especial, na evolução presumível da população escolar, a fim de não se correr o risco de investimentos em construções desnecessárias, dada a regressão de certas povoações.
Na verdade, ha salas de aulas de edifícios recentes que não estão a ser utilizadas, quando, por outro lado, existem por esse País fora escolas superlotadas e outras muito mal instaladas. No distrito de Coimbra, por exemplo, funcionam escolas em lamentável estado de abandono, sem o mínimo de condições, e onde só com manifesto sacrifício de professores e alunos se pode ministrar o ensino, que resulta, desse modo, afectado .na sua qualidade e eficiência.
O mesmo se diga quanto aos restantes ramos da instrução, carecidos de um estudo previsional que, a tempo, torne possível a preparação de tudo o que, em edifícios, material didáctico e professores, condiciona a acção escolar nos seus diferentes aspectos pedagógicos, administrativos, financeiros e funcionais. O problema ganhos agora maior acuidade pela criação da 5.ª e 6.ª classes do ensino primário, pela unificação do 1.º ciclo liceal o do ciclo preparatório do ensino técnico e pelas exigências decorrentes da expansão da telescola.
Será ocioso dizer que a formação de agentes de ensino é problema basilar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Afigura-se-me que deveria ter-se começado pela reforma das escolas do magistério e pela reestruturação dos cursos de habilitação académica e de. preparação pedagógica para o ensino preparatório e pela própria adaptação das estabelecimentos universitários respectivos à formação dos professores dos restantes graus de ensino. Nenhuma reforma terá êxito se não vier a ser sorvida por pessoal qualificado e devidamente estimulado através de uma remuneração condigna e do prestígio com que o Estado e a Nação devem rodear o exercício de tão nobre função.
Penso que está criado um clima favorável ao desenvolvimento de uma política educativa vazada nestes moldes. O Estado vem dando o exemplo, actuando no, sentido do fomento do ensino, e o País corresponde, de muitas maneiras, até solicitando sempre mais escolas. Veja-se o que se passa no distrito de Coimbra, onde a instrução se expande cada vez mais e onde as populações se empenham junto do Governo para que tal aconteça. Arganil e Soure, por exemplo, aguardam, confiantes, a criação das suas tão necessárias escolas técnicas. A Lousa, com uma secção da Escola Técnica do Coimbra, limitada ao ciclo preparatório, aspira, ardente e justificadamente, a criação dos cursos subsequentes de formação e aperfeiçoamento profissionais.
Idênticas na justiça que lhes assiste e na veemência com que são formuladas, as aspirações de várias regiões do distrito no sentido da criação de, liceus ou secções de liceus.
O Instituto Industrial de Coimbra é realidade que a todos consola, mas a correlação das actividades industriais e comerciais e a elevada frequência nas secções preparatórias das escolas comerciais do Centro do País justificam, sem dúvida, a criação de um Instituto Comercial, que poderia, ainda, concorrer para mais equilibrada distribuição dá população escolar pelos dois ramos do ensino médio.
Acresce que Coimbra e a sua região não dispõem de escolas de artes decorativas, o que muito prejudica as várias indústrias de índole artística e impede o aproveitamento de vocações de muitos jovens que, só por falta de estabelecimentos adequados, se vêem forçados a seguir carreiras profissionais contrárias às suas tendências naturais.

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No mesmo espírito, creio não poderá estranhar-se que diga nesta tribuna da também viva aspiração das gentes coimbrãs relacionada com a criação de nina escola superior d« belas-artes.
Sr. Presidente: Sinto que não devo alongar-me, e, por isso, dedicarei, a finalizar, palavras muito breves às necessidades mais instantes da Universidade de Coimbra, cuja posição de relevo no mundo da cultura lusíada constitui legítimo orgulho de todos os que são pelo primado do espírito e sabem reconhecer os altíssimos serviços prestados ao País e ao Ocidente pela velha e sempre renovada instituição.

O Sr. Veiga de Macedo: - Muito bem!

O Orador: - A restauração da Faculdade de Teologia e da Faculdade de Farmácia e a criação da Faculdade de Engenharia e da Faculdade de Agronomia situam-se na primeira linha dos anseios da prestigiosa Universidade.

O Sr. António Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. António Santos da Cunha: - Cumpre-me dizer que o problema da fundação, ou melhor dizendo, da restauração da Faculdade de Teologia em Coimbra, mereceu publicamente o maior incitamento por parte de S. E. o Cardeal Pró prefeito da Congregação do Estudos, da Santa Sé, em Braga, por ocasião da inauguração da Faculdade de Filosofia.

O Orador: - Muito agradeço o precioso apoio dado por V. Ex.ª

O Sr. Castro Salazar: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Castro Salazar: - Eu queria sómente perguntar a V. Ex.ª o seguinte:
Tendo-se inaugurado este ano a Universidade Católica Portuguesa, da qual fará parte uma Faculdade de Teologia, qual o interesse que haverá para o País na restauração da Faculdade de Teologia na Universidade de Coimbra?

O Orador: - Creio não haver qualquer Colisão entre o funcionamento de uma Faculdade de Teologia na Universidade de Coimbra e a Universidade Católica. Penso, aliás, que a própria Igreja vê com bons olhos o funcionamento em Coimbra de uma Faculdade de Teologia integrada na Universidade. Compreende-se, de resto, esta posição, porque a Faculdade de Teologia contribuiria dentro da própria Universidade de Coimbra para conferir a esta um sentido formativo, humanitário e religioso, indispensável a uma educação que queira ser verdadeiramente integral.

O Sr. Castro Salazar: - A ruim parece-me que haverá uma duplicação desnecessária, pois a formação religiosa e. humanística a que V. Ex.ª se refere está na própria razão de ser da Universidade, Católica.

O Orador: - Mas poder-se-á de facto considerar uma duplicação?
Não se completarão elas, até.
Ocioso será fundamentar tão fortes aspirações, porque o assunto tem sido objecto de estudos exaustivos e de intervenção esclarecidas de figuras de relevo na vida universitária coimbrã e de outras da maior projecção nacional. Por isso, limito-me a reforçar, desta tribuna, o apelo que, em diferentes oportunidades e, por diversas formas, foi dirigido ao Governo da Nação, não apenas para promover a restauração ou criação daquelas Faculdades, mas também para acelerar a execução das providências tendentes à construção ou conclusão dos edifícios da cidade universitária, à renovação do apetrechamento didáctico o de investigação científica dos diversos estabelecimentos e serviços e a actualização dos quadros docentes, técnicos, auxiliares e administrativos, na medida. das necessidades, que tantas e tantas são.
Sei bem que não é modesto o objecto desta petição que daqui dirijo ao Governo e, em particular, ao Sr. Ministro da Educação Nacional, cujo interesse pelos problemas do ensino e da cultura se desentranhou já em obras do maior alcance, e a quem, por isso, grato me é apresentar a expressão do meu mais alto e reconhecido apreço. Mas, ao fazê-lo. sou movido por uma dupla- preocupação, que é duplo dever também: pugnar pelas superiores conveniências do ensino e da educação e contribuir, ainda que modestamente, mas com sinceridade e fé, para que, também em Coimbra, as escolas primárias, os estabelecimentos dos ensinos secundário e médio e a Universidade disponham de todos os meios materiais e humanos para cumprirem as. suas missões específicas e ainda para, integradas num dos mais importantes objectivos do III Plano de Fomento, constituírem instrumentos vivos e operantes da valorização das comunidades regionais e da atenuação dos desequilíbrios, injustos c gritantes, entro as diversas zonas do País.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E, Sr. Presidente & Sr s. Deputados, todos sabemos que o Centro do País, a que preside a gloriosa cidade dê Coimbra, não viu ainda chegada a- hora da justiça que lhe assegure o progresso económico e social a que tem jus.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá, como hoje. duas sessões, uma às 11 horas e outra à hora regimental.
Convinha que VV. Ex.ªs considerassem que as sessões realizadas de manhã começam em geral à hora que aqui se indica. Hoje, ao principiar a sessão da manhã, ainda não tínhamos número suficiente de Deputados para a mesma funcionar na ordem do dia embora quando esta começou já houvesse, número. E claro que a sessão começou porque é o próprio Regimento que o permite.
A ordem do dia das sessões de amanhã será a continuação do debato na generalidade da proposta de lei relativa à elaboração e execução do III Plano de Fomento.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
André Francisco Navarro.
António Augusto Ferreira da Cruz.

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António Barbosa Abranches de Soveral.
António dos Santos Martins Lima.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Hirondino da Paixão Fernandes.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme Bato de Melo e Castro.
José Rocha Calhorda.
José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Rogério Noel Peres Claro.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.

Srs. Deputados que faltaram a sessão:

Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Magro Borges de Araújo.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
José dos Santos Bessa.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Correia.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Rafael Valadão dos Santos.
Sebastião Alves.

O REDACTOR - Januário Pinto.

Requerimento enviado para a Mesa, durante, a sessão:

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional:

Eu, abaixo assinado, Simeão Pinto de Mesquita, venho requerer que. ao abrigo do Regimento desta Assembleia, me seja fornecido o Plano Director da Região de Lisboa, constituído pela memória descritiva e. outros volumes anexos, publicado pela Direção-Geral de Urbanização, do Ministério das Obras Públicas.

Lisboa e Assembleia Nacional, 5 de Dezembro de 1967. - O Deputado Simeão Pinto de Mesquita.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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