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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 106
ANO DE 1967 7 DE DEZEMBRO
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 106 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 6 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 11 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado, com rectificações, o Diário das Sessões n.º 101.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado António Santos da Cunha referiu-se à criação da Estação Agrária de Braga, louvando por esse facto o Sr. Secretário de Estado da Agricultura, Prof. Eng.º Vitória Pires.
Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão na generalidade da proposta de lei relativa à elaboração e execução do III Plano de Fomento.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Nunes Mexia, Alberto de Araújo e Pinto de Mesquita.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 13 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 11 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.,
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António José Braz Regueiro.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Horácio Brás da Silva.
Jaime Guerreiro Rua.
João Duarte de Oliveira.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
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José de Mira Nunes Mexia.
José Pais Ribeiro.
José Pinheiro da Silva.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Marra de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 62 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 11 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 101, correspondente à sessão de 28 do mês findo.
O Sr. Cazal Ribeiro: - Sr. Presidente: Requeiro que a p. 1882 desse Diário, antepenúltimo parágrafo, seja feita a seguinte rectificação: onde se lê: «Admito que os lucros nos seguros dos ramos «Vida», «Incêndio», «Marítimo» e outros lhe cheguem, em muitos casos, ...», deve ler-se: «Admito que os lucros nos seguros dos ramos «Vida», «Incêndio», «Marítimo» e ,outros não cheguem, em muitos casos, ...»
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado requerer quaisquer outras rectificações, considerarei aprovado o referido Diário, com a rectificação feita pelo Sr. Deputado Cazal Ribeiro.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Do presidente da Câmara Municipal da Lousa apoiando as intervenções dos Srs. Deputados Santos Bessa, Augusto Simões e Coelho Jordão sobre problemas da região do Mondego.
Do governador civil de Coimbra aplaudindo o discurso do Sr. Deputado Coelho Jordão sobre o porto da Figueira da Foz e a bacia do Mondego.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado António Santos da Cunha.
O Sr. António Santos da Cunha: - Sr. Presidente: Com o maior júbilo, pedi a V. Ex.ª me concedesse a pá lavra, e digo com o maior júbilo porque é sempre com alegria, a alegria de quem sacrificou uma vida ao .serviço de um regime, de quem deixou lhe crescessem os cabelos brancos lutando constantemente em prol de um ideal, que ergo a minha voz para louvar, para encarecer, um acto do Governo que a minha consciência me diz digno de louvor.
Neste caso especial, o meu encantamento é ainda maior, porque, ao pedir a palavra, fi-lo com a intenção de me dirigir, desta tribuna, que desejo ocupar com independência - independente dos de cima e dos de baixo: dos de cima, porque o contrário seria subserviência; dos de baixo, porque seria enveredar pelo caminho fácil da demagogia -, a um dos mais ilustres membros desta Câmara, ocasionalmente dela separado, dadas as funções governativas que desempenha. Refiro-me a S. Ex.ª o Sr. Secretário de Estado da Agricultura, nosso muito distinto colega Prof. Eng.º Vitória Pires.
As minhas palavras são de reconhecido louvor e - porque não dizê-lo? - de oportuno e consequente necessário esclarecimento.
Sr. Presidente: Pelo Decreto n.º 47 934, de 13 de Setembro do ano corrente, foi criada a Estação Agrária de Braga, o que vem, sem dúvida nenhuma - só os de alma pouco recta o podem ignorar -, contribuir para uma mais larga e mais eficiente assistência técnica à lavoura da minha região, dessa assistência tão carecida, como repetidamente aqui se tem afirmado, por mais do que uma voz, e de entre elas a minha. Isto é: a lavoura não pode viver apagadamente na secular rotina que se rege sem processos de cultura, nem manter muitas destas que, pela sua nenhuma rentabilidade, tem de abandonar. Para isso, temos de lhe oferecer meios que lhe permitam sair da situação em que se encontra: meios financeiros e meios técnicos.
Como durante o debate sobre o III Plano de Fomento tive ocasião de dizer aqui, a lavoura, pelo menos a lavoura do Norte, continua sem preços compensadores para os seus produtos. Indica-se-lhe o caminho da chamada «reconversão agrária», mas nada se lhe põe ao dispor que lhe permita iniciar os novos caminhos para que a solicitam. É o mesmo que convidar um senhor para uma viagem de coche sem que se lhe ofereça a carruagem, os cavalos, ou as mulas, e o cocheiro, sabendo-se de antemão que ele nada disso possui, nem tem possibilidade de adquirir.
Sr. Presidente: Sabia-se que em mais de uma tentativa - uma de há poucos anos, em que chegaram a estar apalavrados terrenos para o efeito - se pensou em retirar de Braga o posto agrário que ali tem prestado excelentes serviços, e ainda igualmente se sabe que os próprios responsáveis propuseram à Secretaria de Estado a sua integração numa única estação agrária com sede no Porto, o que, evidentemente, o subalternizava.
Avisadamente, S. Ex.ª o Secretário de Estado da Agricultura teve em conta os prejuízos que daí adviriam para a região minhota e os melindres - que seriam grandes - que a determinação provocaria, e resolveu meditar no que pressurosamente se lhe propunha.
Finalmente, ao reestruturar a Estação Agrária do Porto, que os técnicos entenderam mudar de local - o que a nós, os de Braga, nada interessa, mas os demais ignorantes na matéria só nisso descobrem vantagens, dada a falta de propriedades para o efeito dos terrenos em que se encon-
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tra instalada a até agora Estação Agrária do Norte e as vantagens de ordem financeira que daí advêm para o Estado, pois os terrenos da Senhora da Hora têm valor mais do que suficiente para cobrir a aquisição dos novos terrenos em Vila do Conde -, aquele ilustre membro do Governo, com o assentimento e interesse do Sr. Ministro da Economia, deliberou, merecidamente, ao contrário do que lhe foi proposto, elevar a estação agrária o Posto Agrário de Braga e integrar na mesma os terrenos que a Federação Nacional dos Produtores de Trigo, ainda sob a presidência do Sr. Eng.º Luís Quartin Graça - a quem, por isso, Braga está também muito reconhecida -, adquirira para a instalação de uma estação de cerealicultura.
Nasce assim uma só unidade, que, não deixando de dar à cerealicultura o interesse devido, possa desempenhar uma função mais larga. Indo mais longe, fez o ilustre membro do Governo inscrever no 111 Plano de Fomento a verba de 10 000 contos para o conveniente apetrechamento das Estações Agrárias de Braga e Beja, especificadamente citadas, o que, com o auxílio que- a Federação Nacional dos Produtores de Trigo continuará a dar à iniciativa, para o que já pediu aos técnicos locais os elementos para o início das obras a efectivar nos terrenos que comprou, será contributo magnífico para que Braga possua uma base de valor para a incrementação da assistência técnica à lavoura regional.
A falta desses elementos, de morosa elaboração, como é óbvio, tem sido o motivo do atraso na concretização de uma obra que mereceu o interesse, do venerando Chefe do Estado quando visitou Braga por ocasião das comemorações do 40.º Aniversário da Revolução Nacional.
Dada a competência e notória devoção dos técnicos de Braga pela causa da lavoura, estamos certos de que todos os esforços serão feitos para que, dentro da orientação governativa, que não só respeitamos, como agradecemos, se concretizem os justos anseios de todos os que pelo problema se interessaram.
Sr. Presidente: Mas o meu agradecimento no Sr. Prof. Eng.º Vitória Pires é feito também como político, porque S. Exa., tendo recebido na devida altura o Sr. Governador Civil de Braga e alguns Deputados do círculo, no número dos quais eu estava incluído, teve na maior atenção o que lhe foi exposto e na devida conta os interesses da minha cidade e região, logo declarando que, apesar da proposta que lhe foi feita, não consentiria que os serviços agrícolas de Braga fossem diminuídos e, pelo contrário, iria alargar e categorizar a sua acção.
É por isso que entendi, publicamente, nesta Assembleia, senhor de que interpreto o sentimento geral dos meus conterrâneos, sempre gratos quando suficientemente esclarecidos, tributar-lhe o meu reconhecimento, lamentando que, por inadvertência, esse esclarecimento não tivesse sido feito, localmente, na devida altura, como se impunha e era de direito.
Determinada imprensa, da mais categorizada e com mais serviços prestados a Braga e à região, não prestou à Secretaria de Estado da Agricultura o devido reconhecimento, como sempre o faz, por estar, na verdade, sempre atenta aos interesses locais, não por ingratidão, mas, sim, por não ser devidamente esclarecida, o que por certo também sucedeu com a Câmara Municipal da minha terra, a qual, agora, suficientemente esclarecida, não deixará de o fazer, como é de inteira justiça.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Concluo congratulando-me pela justiça feita à lavoura da minha região pela maneira como o problema foi resolvido e tributando mais uma vez o vivo reconhecimento - que é também o da cidade o região - no Sr. Secretário de Estado da Agricultura, que, pelo carinho e atenção que Braga lhe mereceu neste caso, é digno, muito particularmente também, do reconhecimento de todos os bracarenses.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa à elaboração e execução do III Plano de Fomento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nunes Mexia.
O Sr. Nunes Mexia: - Sr. Presidente: Ao intervir, nesta altura do debate, na discussão da proposta de lei para a elaboração do III Plano de Fomento, encontro a minha missão bastante simplificada.
Pràticamente todos os assuntos já foram aqui debatidos, não só quanto aos grandes objectivos definidos no Plano e nas suas linhas mestras, mas também nos mais pequenos aspectos sectoriais.
Contudo, não posso deixar de vir trazer o meu pequeno e modesto contributo, tratando-se, como é o caso, de um problema fundamental na vida da Nação.
Será sobre o programa respeitante à agricultura que falarei, porque creio ser o campo em que melhor poderei trazer alguma coisa de útil.
No projecto do III Plano de Fomento estabeleceu-se que haverá tratamento preferencial para três sectores: agricultura, educação e investigação e saúde. E diz-se:
Quanto ao primeiro, reconheceu-se ser indispensável que o Plano reflectisse o decidido esforço a empreender, mediante estreita colaboração entre o Governo e a lavoura, no sentido de vencer a estagnação do sector nos últimos anos e caminhar resolutamente para uma intensificação do ritmo de crescimento, com base em investimentos substancialmente acrescidos em infra-estruturas e serviços de apoio, completados com uma série de providências de política agrária destinadas a criar as condições necessárias à realização daqueles objectivos fundamentais.
E mais adiante:
... o produto agrícola tem vindo a revelar tendência estagnante, e por isso se encara a necessidade de alterar com urgência a situação mediante um conjunto do acções deliberadas de fomento.
E já nos programas sectoriais, a p. 515 do projecto, diz-se:
Importa ainda acentuar que nem todos os problemas afectos à agricultura podem ser resolvidos no seu âmbito, uma vez que se relacionam, e quantas vezes se prendem, a outros sectores e actividades integrados no processo de desenvolvimento global o não raramente encontram neles a sua própria solução.
E o caso da formação profissional nos meios rurais, do alargamento das regalias sociais, da fruição de comodidades e serviços exigidos pelo bem-estar, em igualdade com os mais ramos de actividade, e ainda da equiparação graduado nível de rendimento.
O estabelecer-se um tratamento preferencial para o sector agrícola não pode deixar de traduzir o reconhecimento
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de uma necessidade imperiosa de atenção para um sector que de há muito clama por providências especiais.
Nas três citações feitas, quando sujeitas a uma pequena análise, encontramos, a par de uma afirmação de continuidade de crise - estagnação do sector -, a resposta, pelo menos em parte, às razões dessa falta de progresso, e mesmo definidas muitas das causas que foram origem de não se atingirem os resultados previstos nos anteriores planos de fomento.
Vejamos:
Na primeira citação, depois de se dizer que são necessários investimentos substancialmente acrescidos em infra-estruturas e serviços de apoio, o que desde logo dá a entender que aquelas e estes são insuficientes, se não, por vezes, mesmo inexistentes, afirma-se que é preciso completá-los com uma série de providências de política agrária destinadas a «criar as condições necessárias à realização dos objectivos», o que, implicitamente, é o reconhecimento da sua insuficiência.
A segunda citação, que fala na necessidade de se tomar com urgência um conjunto de acções deliberadas de fomento, não necessita de comentários.
Na terceira, põe-se a claro que grande parte dos problemas que afectam o meio agrícola são problemas reflexos, que só terão solução fora do seu âmbito restrito.
Por outras palavras, diz-se que é necessária uma acção de conjunto - de Governo - para resolver um problema que está para além das possibilidades do próprio sector.
Outras citações e outros comentários poderíamos fazer conducentes aos mesmos fins, o que não é necessário, uma vez que também a Câmara Corporativa, nas conclusões do parecer subsidiário da secção da Lavoura, nos traduz, em parte, a mesma sequência de pensamento.
Pelo menos é o que julgo estar contido na 1.ª, 2.ª e 5.ª conclusões, que passo a referir:
1.ª Tendo em consideração a falta de reservas financeiras da lavoura, a insuficiente rentabilidade da empresa agrícola e outros factores ligados à vida dos campos, nomeadamente os efeitos do êxodo rural, pensa a secção que sem uma forte, bem estruturada e persistente acção de conjunto do Estado, através de todos os meios ao seu alcance, não será possível dar solução efectiva aos problemas básicos da nossa agricultura, nem operar a revitalização do sector, tal como urge e se impõe.
2.ª Chama-se a atenção para a necessidade de estruturar em novos moldes as diferentes modalidades de crédito agrícola.
5.ª A secção espera que os outros capítulos sectoriais do projecto do III Plano de Fomento não directamente relacionados com a agricultura, mas tendo forte incidência sobre ela, se estruturem por forma a servirem os seus interesses, contribuindo para o impulso que se impõe dar ao sector agrícola. Encontram-se neste caso, nomeadamente, os capítulos referentes aos circuitos de distribuição, à educação e investigação, aos transportes, comunicações e meteorologia e ao planeamento regional.
Postas estas questões, que já nos situam no que agora se pretende e nos indicam os caminhos a seguir, e recordando o que disse ao intervir, em 1964, no debate sobre a proposta de lei referente ao Plano Intercalar de Fomento, creio que mais algumas conclusões poderemos tirar.
Então, ao avaliar os resultados do II Plano de Fomento, perante a evidência do fraco progresso conseguido e da inquietante depressão em que se encontrava a agricultura nacional, eu dizia:
Há aqui algo que não se ajusta, pois dificilmente se admite que, depois de dois planos de fomento, que foram cumpridos na sua maior parte, se chegue justamente a este momento grave da agricultura nacional.
O facto, contudo, é real e, por isso mesmo, merece alguma ponderação, pois, ou há factores determinantes do desenvolvimento agrícola que não têm sido considerados, ou os planos encerram em si mesmos defeitos que contrariam os objectivos finais a que se propunham, ou, ainda, não foram criadas e mantidas as condições necessárias extraplano para que estes pudessem resultar.
Nessa altura toda a minha intervenção se encaminhava no sentido de demonstrar, como evidência das premissas postas, que o projecto do plano continuava a enfermar de males, pois não só desprezava factores determinantes de desenvolvimento, como até continha antagonismos.
Mais uma vez se esquecia a importância do mecanismo dos preços e se continuava a pretender manter um congelamento que praticamente se vinha processando desde 1948, o que em si mesmo já era a causa principal da crise.
Pretendia-se orientar a produção para caminhos em que não se encontrava assegurada a rentabilidade, por falta de infra-estruturas, circuitos de comercialização e preços.
Aceitava-se uma crescente disparidade de rendimentos entre actividades do sector primário e dos outros sectores, o que não podia deixar de conduzir ao êxodo dos mais aptos.
Outros factores poderia apresentar para documentação das afirmações que então fiz, mas julgo que a melhor prova está nos resultados alcançados: continuação da crise, falta de crescimento, ou mesmo retracção na produção de alimentos básicos, envelhecimento da população agrícola, abandono e falta de interesse pelos cursos técnicos agrícolas, enfim, um sem-número de indicadores que creio serem prova suficiente das deficiências apontadas e justificam o que se diz no projecto do III Plano de Fomento, a p. 526, quanto a não podermos ainda esquecer os problemas conjunturais suscitados por factores adversos que têm afectado a agricultura e ocasionado a grave crise de confiança que nela existe quanto ao seu próprio destino.
No entanto, a partir de 1965 começou-se a actuar num sentido que trouxe uma contribuição fortemente positiva para a solução do problema.
Em primeiro lugar, a lavoura viu começar a esboçar-se aquilo que há muito apontava como necessário.
Com a publicação do novo regime cerealífero, surgia o reconhecimento da necessidade de alteração de preços e, simultaneamente, a primeira resposta aos pedidos insistentes de uma política e regimes plurianuais.
Depois, com o despacho sobre o fomento pecuário, continuava a marcar-se a mesma continuidade de acção e fazia-se justiça aos protestos de que lhe era impossível produzir abaixo dos preços de custo.
Dentro do problema de preços, houve ainda alteração no do azeite e no do arroz.
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Não nos interessa neste momento analisar se os aumentos foram os necessários, nem se as determinações e orientações definidas nestes importantes diplomas foram já cumpridas e produziram os seus efeitos benéficos.
Adiante voltaremos a este assunto.
De momento, o que nos interessa fixar é que se começou a ter em conta o mecanismo dos preços como factor determinante do desenvolvimento que sempre faltou nos anteriores planos de fomento.
Se agora recordarmos as três citações e os comentários que fiz no início e compararmos com o que se passou em 1964, creio que podemos concluir que neste projecto de plano se atendeu aos ensinamentos colhidos dos fracassos anteriores e se encara o problema em causa na sua verdadeira dimensão e implicações, o que, por si só, é já um princípio de certeza de progresso futuro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pela primeira vez se apontam como factores preponderantes para o desenvolvimento, a par dos meios técnicos e de formação profissional para os utilizar racionalmente, a necessidade de os preços no produtor serem calculados por forma não só a cobrir as despesas efectivas de exploração, mas também a remunerar convenientemente os factores e riscos da produção, isto é, por forma a garantir a viabilidade económica da empresa.
Também se faz referência aos factores que constituem entrave ao desenvolvimento e aponta-se, à par da falta de investimento e de. um inadequado sistema de crédito, um deficiente sistema de comercialização e uma carência de meios de conservação e armazenagem, o que, dado o carácter perecível da maioria dos produtos agrícolas, leva a aceitar, quantas vezes, preços irrisórios, ou conduz mesmo à situação de perda total.
Igualmente se afirma serem necessárias acções deliberadas de fomento e, a par de investimentos substanciais em serviços de apoio, aponta-se a necessidade de uma série de providências de política agrária para se criarem as condições que permitam atingir os objectivos definidos.
Conjugadas estas e outras afirmações de princípio a ter em conta - e que só não nomeio para não maçar - com as recomendações da Câmara Corporativa, das quais ressalta, pela sua relevância, a primeira conclusão, que afirma ser em absoluto necessário uma forte, bem estruturada e persistente acção de conjunto do Estado, já temos uma ideia da política que se pretende seguir, e não posso deixar de dar o meu pleno acordo ao caminho realista que assim se aponta para sairmos da situação de crise em que nos encontramos.
A ser concretizada esta orientação, podemos estar certos de que mais um grande passo será dado para estabelecer a confiança no destino do sector. E digo «mais», porque alguns já se deram. Refiro-me aos diplomas atrás citados. Pena é que factores adversos e falta de acção de conjunto tenham invalidado parte da sua influência benéfica. Uma vez criadas as condições necessárias, nunca o sector agrícola deixou de corresponder.
Custa-me repetir argumentos já aqui apresentados, mas não posso deixar de, mais uma vez, recordar dois casos típicos que bem mostram a verdade do que afirmo.
Refiro-me ao caso do arroz e do tomate.
Tanto num caso como noutro, criadas as condições de preço e garantia de colocação através de infra-estruturas indispensáveis, logo a lavoura se lançou na sua produção, adquirindo em prazo curtíssimo uma técnica que está a par das mais avançadas.
Não houve rotina nem falta de capacidade para introduzir os mais modernos processos culturais e mecânicos.
Para as outras culturas não pode deixar de ser igual a actuação, uma vez estabelecidas e garantidas as condições necessárias.
Podemos estar certos de que, se soubermos manter a coerência política que se impõe e, simultaneamente, uma unidade de acção e de ideais, eliminando entraves e contra-actuações, não deixará a lavoura de dar resposta satisfatória.
Considerados os caminhos e intenções que o projecto nos aponta e que são da máxima importância, por traduzirem a definição das grandes linhas políticas a seguir, importa agora, embora em breve análise, não só avaliar os meios de que dispomos para a sua execução, mas também ver se persistem actuações contrárias ou contraditórias que venham a dificultar a obtenção dos objectivos que se indicam.
Pensando em meios de acção, de imediato salta à vista que aquela verdade, já afirmada em 1964, de que a estrutura de serviços não se coaduna com as necessidades da época presente não só se mantém, mas se encontra agravada, até porque se tem dado o êxodo de grande número dos mais capazes, mercê do nível de vencimentos e da grande procura das actividades privadas.
Também aqui a crescente disparidade de rendimentos entre os servidores do Estado e da actividade particular leva a um fenómeno paralelo ao que se verifica quanto ao sector primário e aos outros sectores.
Já tomámos conhecimento de que está em marcha uma reforma administrativa, e bom seria que fosse rápida e tivesse na devida conta o factor determinante do nível de vencimentos, para que não se repita aqui um erro em tudo semelhante ao que se passou, na agricultura, com os preços.
Para mais, não podemos esquecer que hoje, dada a conjuntura que nos é imposta, é fundamental assegurar, acima de tudo, o menor valor possível à relação capital/produto.
Ora, muitos dos funcionários que ficam vêem-se obrigados a completar os seus vencimentos servindo em outras actividades, o que não pode deixar de prejudicar a produtividade dos serviços.
Estamos, pois, embora mantendo o numerador, a reduzir o denominador da fracção capital/produto e, portanto, a aumentar o seu valor, o que seguramente é um caminho contrário aos nossos interesses.
Na deficiência dos serviços encontramos uma das razões de ser de tantos atrasos e demoras de actuação, que, se não invalidam medidas tomadas, pelo menos lhes reduzem parte dos efeitos, o que não raro está na base de justas recriminações.
Seguramente não pode esta deficiência ser alheia a determinada falta de política de conjunto, pois basta que não se possa sincronizar a acção para daí resultarem contradições.
Como compreender de outra forma o que se passa?
Assistir-se a um departamento do Estado acorrer em auxílio de determinado campo de produção sujeito a regime de calamidade e outro manter, se não mesmo aumentar, encargos sobre o mesmo campo de produção?
Refiro-me aos rendimentos da floresta de azinho perante o que se passou com a eclosão da peste suína e a quebra de valor das suas lenhas e ao que se passa com as actualizações cadastrais.
Como compreender de outra forma que um departamento do Estado declare em crise um sector da produção. demonstre publicamente a falta de rentabilidade das ex-
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plorações e a de determinadas culturas e outro departamento do mesmo Estado encontre simultaneamente base tributável nessas culturas, indo até ao ponto de em plena crise aumentar as taxas e lançar novo imposto sobre as mesmas explorações - o da indústria agrícola -, felizmente em boa hora suspenso?
Como compreender de outra forma que se aponte, por um lado, a necessidade de florestamento e se aconselhe a difusão do eucalipto, sobretudo como aproveitamento de- terras fracas, e, por outro, se crie uma base tributável para o eucalipto que só favorece a sua expansão nas terras melhores e a torna impraticável nas que não teriam outra aplicação?
Como compreender que um departamento do Estado declare ser absolutamente necessário o aumento da produtividade de um sector, que o mesmo Estado confirme até com a .proposta de medidas extraordinárias e prioritárias essa necessidade, e que outro departamento do mesmo Estado continue uma política que só conduz a reduzir a rentabilidade, pois é só uma política de direitos e restrições de obrigações a que pratica, e isto numa altura da vida da Nação em que a todos são pedidos os maiores sacrifícios, e até, por vezes, o da própria vida?
Poderia continuar, Sr. Presidente, a apresentar casos que constituem evidentes acções contraditórias, mas não julgo necessário fazê-lo, pois são casos bem conhecidos de todos VV. Ex.ªs
Infelizmente, no fundo, são causa de inquietação e em muito contribuem para manter um estado de espírito e de dúvida quanto aos próprios destinos do sector, não podendo, por isso, deixar de influenciar o seu ritmo de crescimento.
Sabendo-se, como se sabe, que uma das condições fundamentais para o desenvolvimento é a criação de uma vontade e um forte desejo de progresso, facilmente se compreende o que de grave pode resultar desta situação de contradição pelas dúvidas que suscita.
Se queremos, de facto, vencer a crise que se arrasta, .temos de eliminar este entrave, e para isso torna-se necessária e imprescindível uma forte, bem estruturada e persistente acção de conjunto do Estado, como o afirma a Câmara Corporativa.
Para além destes casos de pura contradição, há decisões tomadas que a lavoura não compreende.
O que se passa no domínio dos transportes é algo difícil de se enquadrar nos conceitos que vêm sendo expressos nos diferentes planos.
Perante uma exigência imperiosa de mecanização e uma necessidade de transportes baratos, fáceis e livres de peias, como compreender a situação criada, que, para além de conduzir ao encarecimento pelas novas taxas e encargos, estabelece um sem-número de complicações?
Estas vão desde o ponto incompreensível de não permitir a um tractorista munido da respectiva carta conduzir o tractor para além de 50 km da sua base, pois então já é necessário um profissional de pesados, até um conjunto de normas restritivas de raios de acção, natureza de cargas e de horários que não se adaptam às necessidades.
Enfim, um conjunto de normas que constituem quebra-cabeças para quem tem a pouca sorte de ter de administrar explorações agrícolas hoje em dia.
Quando mais precisávamos de trabalhar simplificando e quando não podemos esquecer a necessidade premente de diminuir a relação capital/produto, parece que se está interessado no contrário, pois as dificuldades quebram vontades, fazem perder tempo e levam, no fundo a transportes mais caros.
Como aceitar os problemas das zonas predominantemente rurais, para, com base nelas, se estabelecerem raios diferentes para transportes pertencentes a pessoas que exercem a mesma actividade?
Será que se pensa que uma exploração que fica perto de uma zona fabril só faz transacções dentro desta zona?
Como aceitar que no caso, muito corrente no País, das explorações que não têm unidade territorial, mas são constituídas por vários prédios, não se possa fazer o transporte da mobília dos seus empregados de um prédio para outro, esquecendo-se que muitos, como os ganadeiros, são obrigados a mudanças periódicas e que por um princípio social e humano tudo se prepara para que a família os acompanhe?
Alguém pensará que se recebe dinheiro por estes transportes?
Chega-se ao ponto de não se permitir que se transportem outros bens do próprio proprietário, além dos produzidos na exploração, esquecendo-se a unidade que há entre empresários e exploração na agricultura.
Enfim, só se pode compreender este conjunto de medidas se se pretende, de facto, acabar com os transportes próprios, pois não se pode aceitar que tenham por fim evitar a concorrência desleal de quem, com transportes particulares, prevaricando, concorra com os de aluguer.
Isso seria caso de repressão.
Aliás, aqui mesmo ainda ficaria matéria para meditar em que consiste a diferença entre os transportes ligeiros e pesados, mas não interessa alongarmo-nos.
Só faço estes reparos, porque são problemas que urge resolver, pois, para o clima de desenvolvimento que o Plano pressupõe, serão fundamentais transportes baratos, rápidos e isentos de peias.
Propositadamente, não me embrenhei numa análise das verbas propostas no Plano.
O montante de investimento que se indica fala por si mesmo e já seria bom o concretizar-se todo o previsto.
Muito se poderá fazer se forem bem aproveitados os meios que são postos à disposição do sector, mas para isso é preciso ter em consideração a necessidade de uma boa coordenação e de um conjunto de medidas políticas que necessariamente resultam das observações que venho expondo.
Para que o esforço de fomento resulte é preciso - repito - uma coerência total na acção que esperamos venha a ser tomada e seguida.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Entrando no aspecto das realizações concretas definidas no Plano, vou unicamente referir-me ao subsector da pecuária, pois não faria sentido calar-me sobre um assunto que aqui venho tratando desde há anos.
Sinto-me obrigado a marcar mais uma vez a minha posição quanto a alguns dos problemas deste subsector.
Encontramo-nos em pleno período de vigência do diploma já referido sob o fomento pecuário de 1965 e revisto parcialmente em 1967.
Bem aceite e louvado pela lavoura, tem sido factor de fomento, e se ainda é cedo para sentir a projecção de todo o seu efeito, pois não podemos esquecer que neste campo não se improvisa e tudo leva tempo, já é notório o incremento da produção de carne e o aumento de efectivos bovinos. Quanto ao leite, não há ainda tempo para se terem resultados palpáveis e, para mais, ainda se está na fase de montagem das infra-estruturas.
Contudo, há que notar que o preço da carne, francamente de fomento, ao ser estabelecido hoje, dado que tem havido
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rápido aumento dos factores que intervêm nos custos, nomeadamente da mão-de-obra, em que não só se verifica um acréscimo substancial nos salários, mas também uma diminuição da produtividade, que nos preocupa, já não é aliciante como se impõe.
Tal como dizíamos em 1964 - e que já se verificou em 1956 e 1962 -, mais uma vez os preços praticados são muito superiores aos oficialmente previstos.
Não há dúvida de que os preços praticados na produção são preços de fomento, mas os de garantia já o não são neste momento, e não se pode esquecer que, quando se olha a investimentos e a contrair encargos, só com base no certo se pode contar.
Para mais. também existe diferença entre os preços previstos na venda ao público e os praticados, pelo que se mantém o receio de, a todo o momento, se retroceder para os de base.
É uma situação que convém rever, para não se interromper e antes incrementar o fomento iniciado.
Ao vermos incluída na mesma alínea a inseminação artificial, os contrastes funcionais, os livros genealógicos e a assistência técnica à exploração, conjunto dotado em previsão com 76 500 contos, surge-nos no espírito uma dúvida.
Parece-nos que se destinam só aos serviços todas as acções a desenvolver neste campo.
Ora, havendo já hoje, reconhecida, uma Associação de Criadores de Baças Selectas, que em curtíssimo espaço de tempo montou um dos mais difíceis livros genealógicos, .o das raças equinas, dando assim provas da sua capacidade e da dos nossos criadores, contando, é certo, com o apoio dos serviços e a ajuda financeira do Estado, porque não possibilitar a continuação de um trabalho tão bem começado?
Estabelecendo-se um subsídio anual conveniente - cerca de 500 contos -, a retirar da verba prevista nesta alínea, a ser atribuído à Associação, estou certo de que dentro em breve teríamos em funcionamento os livros genealógicos necessários, o que, para além de ser o caminho mais económico de os obter, seguramente nos situaria numa política já hoje seguida em todos os países evoluídos - a de cometer às associações de lavradores a guarda e montagem dos livros genealógicos.
Quanto à assistência técnica, só recordo o que já foi dito mais do que uma vez.
A assistência técnica é tanto mais eficaz quanto mais ligada está às organizações da lavoura.
Não julgo possível estabelecerem-se centros de gestão senão adentro das próprias organizações.
Tudo nos conduz para á necessidade de se tornar viável que, para além da comparticipação de 50 por cento já hoje permitida aquando da requisição de funcionários da Secretaria de Estado da Agricultura pelas organizações da, lavoura, se amplie esse valor pelo menos para 90 por cento, pois, dado o fraco poder económico da organização, os 50 por cento não tornam ainda exequível recorrer-se a esta ajuda.
Igualmente interessaria que a comparticipação se mantivesse, neste caso de assistência técnica, não só para funcionários de outras direcções-gerais, como até para aqueles que, de comum acordo entre organizações e as Secretarias de Estado, viessem a ser contratados directamente pelas organizações.
Ao verificarmos, aliás com inteiro apoio, a inclusão de uma verba de 246 000 contos para o fomento suíno, não podemos deixar de fazer o reparo de nas verbas respeitantes à sanidade animal não encontrarmos nada referente à «peste suína».
Correm grandes riscos os investimentos neste campo sem estar em funcionamento um dispositivo conveniente para o ataque e defesa contra esta temível zoonose.
A taxa estabelecida de $30 por quilograma de carcaça de porco não dá garantia de cobrir as necessidades, o que já foi provado, pois sabemos que já houve necessidade de se criar um crédito especial, que se destinava não só a completar o pagamento das indemnizações, como à montagem de um dispositivo e ao cumprimento de uma estratégia que ainda não vimos cumprida, senão em parte ínfima, o que, por si só, a nada conduz.
É necessário completar o sistema e dotá-lo para que possa actuar, sem o que corre grave perigo tudo quanto se queira investir na suinicultura.
Sr. Presidente: Feitas estas considerações, em que já fui demasiado longo, termino, chamando novamente a atenção para a necessidade urgente de se promover uma mais rápida valorização do sector.
Para isso é necessário não só eliminar os factores adversos e contraditórios na acção, mas também ter na devida conta todos os factores determinantes do desenvolvimento, que, agora, nos aparecem definidos na sua verdadeira dimensão e implicações. Também não se pode esquecer a necessidade de prontamente se resolverem aqueles problemas afectos à agricultura e que não podem encontrar solução no seu âmbito. Refiro, de uma forma especial, de entre estes, pela sua relevância, o da equiparação das regalias sociais e do nível de rendimentos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: Poucas regiões do País terão visto tantas vezes os seus problemas debatidos na Assembleia Nacional como o arquipélago da Madeira.
E compreende-se esta expressão frequente de aspirações e de anseios, dado o potencial dos recursos humanos e materiais do arquipélago, que pretende melhores condições de vida para a sua gente e ocupar o lugar que lhe compete no conjunto da economia nacional e nos índices do seu crescimento e da sua produtividade.
O arquipélago da Madeira, pelo recenseamento de 1960, possuía uma população de 268 000 habitantes, dos quais viviam no concelho do Funchal cerca de 100 000 e os outros nos concelhos rurais, dedicando-se nomeadamente à agricultura.
Apesar dos baixos preços pagos a alguns dos principais sectores da agricultura, e tomo como ponto de referência o ano de 1966, são índices da sua riqueza o volume da sua exportação de bordados (146000 contos), a exportação de vinhos (60 000 contos), a exportação de vimes (cerca de 45 000 contos), a exportação de banana para o mercado continental (32 0001, pagas à lavoura ao preço médio de 3$70 por quilograma), a produção de lacticínios (cerca de 15 milhões de litros só para fins industriais), da cana sacarina (53 3311, no valor de 35 554 contos), de flores (cuja exportação, facilitada pelas comunicações aéreas, atingiu valores que já se aproximam dos 10 000 contos anuais) e uma vasta gama de produtos hortícolas que abastece o mercado local e susceptível de ser fomentada na parte que se refere aos chamados primores agrícolas.
São também índices expressivos de riqueza a importância do seu turismo, o movimento do seu porto, as remessas dos emigrantes, a taxa do seu aumento demográfico
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No último ano estiveram em trânsito no porto e no aeródromo do Funchal perto de 200 000 passageiros e o número de passageiros desembarcados no Funchal (que há dez anos foi de cerca de 15 000) quase atingiu o número de 47 000 em 1966, dos quais 41 409 utilizaram a via aérea.
Apesar de uma ligeira quebra relativamente ao ano anterior o porto do Funchal registou um movimento de 917 embarcações com 9 230 000 t (registo bruto).
O rendimento da Alfândega do Funchal excedeu os 80000 contos em 1966.
Em 1965 o imposto do selo rendeu 17 249 contos e nesse mesmo ano a liquidação da contribuição industrial foi de 34 983 contos, a da contribuição predial, de 22 618 contos, e a do imposto da sisa, de 12 219 contos.
Segundo o Anuário Estatístico das Contribuições e Impostos, enquanto o rendimento médio colectável no continente, para efeito do lançamento da contribuição predial rústica, foi de 255$ por hectare, esse rendimento, na Madeira, foi de 684$. E, sendo no continente de 20$ a média da contribuição predial rústica por hectare, na Madeira essa média foi de 53$.
A liquidação do imposto da sisa atingiu, como disse, em 1965, a verba de 12 219 contos. É uma liquidação superior à de qualquer distrito insular e superior à liquidação operada em nove distritos do continente.
Estes números servem apenas para demonstrar a importância do arquipélago da Madeira e as suas potencialidades como valor económico e turístico da Nação.
Deve dizer-se que a administração pública realizou, nos últimos 30 anos, uma obra notável no sentido de valorizar a economia daquele arquipélago e de criar algumas estruturas e infra-estruturas indispensáveis ao seu progresso e desenvolvimento.
Podem enumerar-se como as principais a construção de uma rede de estradas, o alargamento da irrigação, a electrificação ao nível da freguesia, o repovoamento florestal, a ampliação do porto e, mais recentemente, a construção do aeródromo do Funchal, constituído pelas pistas de Porto Santo e de Santa Catarina.
Todavia, para algumas destas obras, a Madeira deu, através dos seus órgãos próprios, uma contribuição importante, e nalguns casos decisiva.
As estradas, que são uma magnífica afirmação da engenharia e que contribuíram claramente para o fomento da ilha, têm sido executadas com verbas da Junta Geral do Distrito e dotações do Ministério das Obras Públicas.
A irrigação e a electrificação, que constituem uma obra admirável, em que o saber e a dedicação se juntaram e fundiram para, vencendo as maiores dificuldades técnicas, trazer as águas do Norte e regar vastas extensões agrícolas, levando a toda a parte o poder criador da energia e da luz, foram executadas pela Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos. Teve aqui o Estado de despender e investir verbas avultadas, se atendermos a que se tornou necessário abrir extensos canais, alguns em rochas inacessíveis, construir redes complementares de distribuição e centrais eléctricas, três das quais em pleno funcionamento.
Felizmente, tanto a rega como a electrificação são obras absolutamente rentáveis e de amortização assegurada, dados os benefícios directos e imediatos que asseguram aos respectivos utentes.
Recentemente realizou também o Estado duas obras de vulto na Madeira: o prolongamento do porto e a construção do aeródromo do Funchal, que compreende a pista de Porto Santo e a pista de Santa Catarina.
Para as obras do porto, que custaram 163 950 contos, contribuiu a Junta Autónoma dos Portos do Arquipélago da Madeira com a verba de 51 450 contos, em regime de autofinanciamento.
Para a construção da pista de Santa Catarina, que se situa nos empreendimentos de carácter nacional, dados os seus objectivos e os benefícios que assegura, contribuiu u Junta Geral do Distrito com a verba de 33 000 contos relativa aos encargos provenientes de indemnizações, expropriações, aquisição de terrenos e construção de casas para deslocação de moradores na área abrangida pela pista.
Isto apenas para demonstrar que a Madeira colabora na execução dos empreendimentos que visem a sua valorização.
Mas, na consciência plena dos seus recursos e das suas possibilidades, deseja e espera que se dê um impulso à solução dos novos problemas que a própria evolução da economia e das ideias todos os dias põe à consideração da Administração e do Governo.
Estabelecidas as carreiras aéreas para. a Madeira e para Porto Santo, urge apressar o fomento hoteleiro, pela obtenção dos convenientes meios de financiamento e de crédito, libertando-se também a iniciativa privada do complexo conjunto de formalidades, que são, tantas vezes, motivo injustificado de atraso e razão compreensível de desânimo.
Aumentadas as zonas de regadio, não se estudou o fomento agrícola, a comercialização dos produtos, a sua colocação nos mercados.
E, melhorado o porto e dotado este do apetrechamento destinado ao fornecimento de óleos à navegação, esta continua a preferir abastecer-se de combustíveis líquidos nas Canárias, mesmo a que não escala os portos daquelas ilhas para tomar carga ou passageiros.
Deve haver motivos que estão na base deste facto e que deviam averiguar-se e estudar-se amplamente e em profundidade, a fim de se introduzirem os correctivos necessários para salvaguarda e defesa dos legítimos interesses do porto do Funchal. O fornecimento de combustíveis líquidos tem progredido ligeiramente neste porto. De 116 0001 em 1964 subiu, apenas, para 129 0001 em 1966. Antes da crise do Suez, só Lãs Palmas estava a fornecer à navegação perto de 2 milhões de toneladas anuais - fornecimentos que têm aumentado consideràvelmente nos últimos meses.
Sr. Presidente: De longa data tem a Madeira a aspiração de possuir um porto franco. A sua privilegiada situação no Atlântico, no caminho das rotas naturais que ligam o Velho Mundo à África, à América do Sul e à América Central, a Madeira, por mais de uma vez, exprimiu o desejo de possuir um porto franco que fosse, no Atlântico, sob a bandeira de Portugal, um grande centro de comércio e turismo.
O estabelecimento de zonas francas no nosso país foi estudado profundamente por uma comissão a que presidiu o Eng.º Salvador Sá Nogueira, que apresentou o relatório dos seus trabalhos em Junho de 1952. Essa comissão, com larga soma de razões, pronunciou-se pela criação de zonas francas nos portos de Lisboa e de Setúbal, permitindo a Portugal satisfazer o compromisso que, pelo artigo 8.º do Tratado de Comércio, de 26 de Agosto de 1933, assumiu para com o Brasil e concorrendo, ao mesmo tempo, para o progresso económico da Nação.
Também em 1962 se estudou a possibilidade de instituir em Cabo Verde um regime de franquia aduaneira.
Apesar de todos estes estudos e da seriedade dos trabalhos apresentados, não tiveram até hoje expressão legislativa as iniciativas tendentes a criar no nosso país zonas de franquia aduaneira de maior ou menor extensão
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nem mesmo as chamadas lojas de vendas francas (duty free shops) que existem hoje nos grandes aeródromos do Mundo.
O apego aos direitos aduaneiros, a dificuldade de substituir réditos do Estado, uma política de sentido exageradamente fiscal que não admite perder certas receitas, mesmo encarando a possibilidade de se criar nova matéria colectável, tudo isso tem dificultado o estabelecimento de um clima favorável às zonas de franquia aduaneira.
Mas estamos em face de um grande processo de evolução de política aduaneira, e o que era ideia inadmissível há vinte anos entrou hoje na prática corrente das nações, em face dos. crescentes movimentos de integração económica.
E, sendo actualmente o turismo um elemento essencial ao equilíbrio e à valorização das balanças de pagamentos das nações, a rigidez aduaneira tem de ceder na medida necessária para se obter maior volume de receitas e de divisas.
O estabelecimento de zonas de franquia aduaneira na Madeira e em Porto Santo aparece novamente como uma forma de valorizar a economia do arquipélago pela maior soma de transacções a que daria lugar e pelo atractivo turístico que representará.
Um problema desta complexidade não pode ser estudado por entidades particulares. Exige o conhecimento de dados e elementos que só o Estado possui.
Espero dele voltar a ocupar-me com mais desenvolvimento. Mas desde já quero acentuar a necessidade de o Governo, através dos Ministérios competentes, mandar proceder a um estudo de fundo sobre esta matéria, a fim de se averiguar a possibilidade de as ilhas da Madeira e de Porto Santo possuírem zonas francas, a sua natureza e a sua extensão.
É um problema que está neste momento no primeiro plano das preocupações da gente insular.
Sr. Presidente: O arquipélago da Madeira, como todas as regiões do País, espera que o planeamento seja um instrumento fecundo de valorização regional, através do emprego racional dos seus recursos, da melhor produtividade dos empreendimentos, da promoção social e educativa da sua gente. Num dos mais belos lugares do Mundo não se compreende - e é o caso de Câmara de Lobos - que a impressão profunda de encantamento de todos quantos o visitam possa ficar prejudicada com aspectos habitacionais e sociais que podem e devem ser resolvidos com acerto e com urgência.
Há anos que se arrasta o problema da construção de um bairro com. condições mínimas de habitabilidade e higiene para os que naquela vila se dedicam à faina do mar. Sabemos que o governador do Funchal - sempre atento aos problemas locais -, os Deputados, a Junta Geral do Distrito, a Delegação de Turismo, o capitão do Porto, o delegado do Instituto Nacional do Trabalho e as Câmaras Municipais de Câmara de Lobos e do Funchal estão neste momento juntando e coordenando os seus esforços para resolver definitivamente um problema que é um grande problema social e turístico da Madeira.
Na ligação de ideias com interesses da classe piscatória, importa acentuar, mais uma vez, a fraca expansão e a pequena produtividade da indústria da pesca na Madeira.
Em 1956 o peso total do pescado nos portos da Madeira era de 4 493 712 kg e em 1966 foi de 4 754 833 kg, ou seja, um ligeiro aumento num período de dez anos. Todavia, o seu valor duplicou, pois de 16 000 contos em 1956 subiu para 32 000 contos no último ano. Estes números são deveras desoladores. São índice, por um lado, do fraquíssimo progresso da indústria piscatória.
Por outro lado, revelam que duplicou em dez anos o valor e, consequentemente, o preço do peixe, com as graves consequências que daí resultam para o abastecimento e para a alimentação das diversas camadas da população.
O Plano de Fomento prevê um conjunto de medidas, que vão desde o desenvolvimento e modernização das frotas até a criação de novas estruturas de comercialização, que diminuam o número de intermediários.
Oxalá que essas medidas se apliquem não só aos grandes sectores da pesca nacional, mas também à que se efectua nos arquipélagos da Madeira e dos Açores - à pesca de alto mar e à pesca costeira.
Sr. Presidente: Tem sempre o comércio desenvolvido acção primordial na vida da Madeira, desempenhando no mercado interno a sua função intermediária e reguladora e assegurando no mercado externo, à custa de uma acção continuada e persistente, a colocação dos nossos principais produtos de exportação.
E tem primado também sempre em manter as suas tradições de seriedade e de honradez, fazendo com que a praça do Funchal seja das mais acreditadas do País.
Quando no continente se deu uma contracção geral do crédito bancário, com evidente repercussão nalguns dos mais importantes sectores da vida económica do País, como há dias afirmou o Sr. Ministro da Economia na notável comunicação à Comissão Eventual da Assembleia Nacional, encarregada de estudar o Plano de Fomento, também o comércio do Funchal se ressentiu dos efeitos de uma orientação, que se tornam mais sensíveis nos meios .pequenos e distantes e onde não há os recursos e as possibilidades dos centros comerciais e industriais de maior dimensão.
Mercê de uma política de boa compreensão dos estabelecimentos bancários, procurou regularizar-se a situação, tendo em vista a seriedade da praça do Funchal e as práticas ali adoptadas em matéria de crédito.
E é sobre este assunto que me permito fazer uma sugestão.
O Banco de Portugal, que desfruta na Macieira de prestígio justificável, pelo acerto da sua administração, valor das suas reservas e solidez do seu crédito interno e externo e ainda pelos altos serviços prestados à Nação, permitia a amortização trimestral de 10 por cento do valor das letras descontadas. Era uma forma de pagamento que permitia a liquidação suave de compromissos, tão necessária para quem se dedica ao comércio, à indústria e à agricultura e que nem sempre recebe a tempo o produto das suas vendas ou dos seus rendimentos.
Foi um grande serviço prestado à praça do Funchal que a ele soube sempre corresponder com a maior correcção e dignidade.
Essa prática foi ultimamente suspensa, e, interpretando o pensamento geral do comércio da Madeira, espero que o Banco de Portugal a adopte de novo, mantendo uma tradição que bastante contribuiu para impor o banco central à simpatia e ao apreço das actividades económicas da Madeira.
Sr. Presidente: Não quero terminar sem fazer uma referência à posição do ensino na Madeira.
O ensino primário oficial é ministrado em 783 lugares docentes, sendo de cerca de 29 000 o número de alunos matriculados.
O ensino secundário é ministrado no Liceu de Jaime Moniz, que viu subir a frequência desde a inauguração do seu novo edifício, em 1942, de 337 alunos para 1580 no actual ano lectivo.
Como escola técnica temos a Escola Industrial e Comercial do Funchal, que regista actualmente uma frequência
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de 2159 alunos. Nos últimos dez anos o número dos seus alunos duplicou.
Mas tanto o Liceu como a Escola Industrial ressentem-se da falta de capacidade para a sua população escolar. E ressentem-se da falta de professores. Se este problema é geral para todo o País, agrava-se na Madeira, onde o custo de vida e as despesas de deslocação não atraem professores do continente. E problema dos mais importantes a considerar no ponto de vista do ensino e da formação da gente nova.
E, já que falo em ensino, não ficaria de bem com a minha consciência se não referisse a situação difícil em que se encontra uma das mais belas obras educativas do País - a Escola de Artes e Ofícios do Funchal.
A Escola de Artes e Ofícios, que o P.e Laurindo Leal Pestana fundou em 1921, sob o impulso da sua inteligência esclarecida e do seu coração generosíssimo, e que os padres salesianos agora administram e orientam, é um grande estabelecimento de educação, que bem pode considerar-se complementar do ensino oficial e que presta serviços inestimáveis às classes de recursos mais modestos, mas que também desejam ver os seus filhos dotados de cultura geral ou profissional no caminho do dever, para as suas árduas lutas da vida.
Quando os salesianos tomaram conta da Escola de Artes e Ofícios, em 1950, a frequência daquela Escola era de 60 alunos internos e cerca de 80 externos. Actualmente tem 750 alunos, sendo 160 internos e 590 externos, entre as idades de 7 e 19 anos. Ali se ministra a instrução primária (externato) e funcionam os cursos técnicos de formação profissional (mecânicos, carpinteiros, marceneiros, artes gráficas, etc.) e ainda o curso dos liceus até o 5.º ano.
São incalculáveis os benefícios que essa instituição assegura, preparando operários especializados e ministrando o ensino primário e secundário a muitos rapazes, que, sem a Escola, não podiam estudar, por falta de recursos materiais das respectivas famílias.
Infelizmente, essa instituição apresenta-se gravemente ameaçada, por falta de recursos que assegurem a cobertura dos respectivos encargos.
A sua despesa mensal é de cerca de 300 contos, podendo computar-se as suas receitas ordinárias e eventuais no máximo de 160 contos.
Actualmente o passivo da Escola anda à volta de 1500 contos e, sabendo das dificuldades e das apreensões dos que a administram e dirigem e perante a possibilidade de, mais dia menos dia, nos encontrarmos perante uma situação irremediável, quero, desta tribuna, levantar a voz de alarme, para que não se deixe perecer uma obra que vive no espírito e na admiração de todos quantos a conhecem.
E apelo para a alta compreensão do Sr. Ministro da Educação, para a sua esclarecida inteligência de homem de governo e para a sua sensibilidade de professor e de pai, para que tome nas suas mãos este problema e o considere com o cuidado e com o interesse que lhe merecem todos os assuntos que directamente respeitam à nossa mocidade escolar.
A Madeira não pode aspirar, como as velhas cidades de Braga e de Évora, a reatar velhas e honrosas tradições, restaurando Faculdades e estudos universitários. Mas preza o seu Liceu e a sua Escola Industrial e olha com carinho a sua Escola de Artes e Ofícios. Quando se encara a possibilidade de ela fechar, um sentimento de desgosto fere e toca o coração de nós todos.
Sr. Presidente: Aumento de riqueza, mais prósperas condições de vida, difusão da cultura e da instrução, maior rentabilidade para a empresa e melhores ganhos para os que trabalham são objectivos do planeamento a realizar num país em que a Nação não está exclusivamente ao serviço da economia, mas em que esta é, todavia, factor valioso do património nacional.
E, se todos encaramos com as melhores perspectivas os resultados do planeamento, a verdade é que não basta constituir comissões, traçar programas e enumerar metas a atingir. Tudo isso será vão se um sopro de ânimo e de entusiasmo não galvanizar energias e vontades e se uma verdadeira política económica não for posta ao serviço da Nação e de cada uma das suas regiões. Tenho muito respeito pela técnica, pelos serviços oficiais, pelos grupos de trabalho que estudam e programam. Mas penso que se torna necessário criar, pela propaganda e pela persuasão, pelo esclarecimento dos princípios e pelo perfeito conhecimento das realidades da hora presente, uma consciência colectiva que dê ao Plano de Fomento a alma de que carece, para que se possam cumprir os objectivos que o Governo definiu e concretizar as esperanças que a Nação traz na sua própria mente.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: Falando pela primeira vez nesta reabertura da Assembleia Nacional, determinada pelo III Plano de Fomento, começo por apresentar a V. Ex.ª os meus respeitosos e devotados cumprimentos.
Quando da discussão, em 1958, do II Plano de Fomento, exprimi, Srs. Deputados, a minha surpresa por ser possível planear-se com foros de realizável um programa em que, no período de seis anos, se previam investimentos da ordem de mais de 33 milhões de contos.
Fechou-se esse sexénio com efectivação largamente satisfatória, como vai em caminho, no termo do 1967, de se fechar o Plano Intercalar, que lhe sucedeu, também assaz satisfatoriamente, à parte o sector definhado da agricultura; e temos pendente da nossa aprovação, na Mesa desta Assembleia, o projecto do III Plano de Fomento.
Quando do referido II Plano, procurámos pôr em evidência as possibilidades de tão feliz empreendimento, eram sobremaneira devidas aos benefícios resultantes da continuidade governativa em plena ordem, que tinha atrás de si, então, 30 anos.
Fruto da continuidade, apanágio natural dos regimes monárquicos, e que felizes circunstâncias políticas tinham ajudado a efectivar na sequência da situação política decorrente do Movimento Nacional de 28 de Maio. O decurso dessa actuação política, sob a égide da personalidade excepcional do Sr. Presidente do Conselho, imprimia, e continua a imprimir, a tal facto pleno de significado, até pelo que respeita ao paralelismo com o da continuidade monárquica, afora problemas de sucessão.
Não me alongarei neste aspecto, aliás fundamental alicerce para o projecto do Plano, e isto porque outros oradores a ele se referiram com o devido relevo, nomeadamente os ilustres Srs. Deputados Marques Teixeira e Amaral Neto. Além de que o próprio realizar proveitoso de sucessivos planeamentos nos vai habituando, em termos tão naturais, à sua viabilidade, que nem os 146 milhões de contos de investimento previstos agora para o corrente Plano nos causam a surpresa que os aludidos para cima de 33 milhões de contos do anterior nos haviam provocado; importância esta que, afinal, veio exceder 36 milhões 1 E, ainda por cima, o acrescentamento do previsto III Plano verificado neste período de guerra terrorista ultramarina, que nos vai custando mais de 5 milhões de contos anualmente I
Toda esta genealogia dos planeamentos que precederam- este Plano, desde a primeira Lei n.º 1914, de 1935,
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se acha deduzida esclarecedoramente na introdução do respectivo projecto.
Tanto nos dispensa de nela insistirmos. Não obstante o período de relativa crise económica mundial em curso, os termos tranquilizadores com que se prevê, segundo a mesma introdução, o fecho próximo do Plano Intercalar preparam-nos para que confiadamente se prossiga no caminho apontado pelo sequente III Plano, em discussão.
Sr. Presidente: Se as finalidades definidas no Plano devem dominar culminantemente a atenção da Assembleia, os termos orgânicos em que o estudo do projecto que nos é apresentado se processou segundo o despacho do Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos de 29 de Julho de 1965 e os trabalhos preparatórios para a sua organização merecem algo da nossa atenção.
E merecem-na, sobremaneira, por duas razões sucessivas: a primeira, pelo progresso e segurança palpável do trabalho realizado, em comparação com os trabalhos preparatórios dos anteriores planos, e, a segunda, porque os órgãos que os elaboraram terão de acompanhar e tutelar a sua execução.
Com efeito, o desenrolar da programação já quanto às finalidades globais, já quanto aos investimentos sectoriais, nas suas opções e prioridades, já pelo que respeita aos correspondentes financiamentos, traduz aperfeiçoamento e segurança dignos de rasgado elogio.
À continuidade salazariana da chefia política já se vê que cumpre caber em partilha, até pela inerente responsabilidade, o maior quinhão desse louvor.
Mas subordinadamente dele terão de partilhar com justiça os componentes do citado Conselho Económico de Ministros, reformado, segundo o Decreto-Lei n.º 44 652, de 27 de Outubro de 1962, como órgão inspirador das directrizes, e, marcadamente, o Ministro de Estado.
A S. Ex.ª o Sr. Doutor Mota Veiga daqui dirijo, por tal razão, os meus cumprimentos, a que não pode ser indiferente a saudosa lembrança de seu pai, meu condiscípulo, Doutor Elisiário da Mota Veiga, que entre os do seu curso gozava de tão gerais e merecidas simpatias.
Depois cumpre destacar a operosidade do órgão principal, constituído para os estudos preparatórios do projecto, ou seja, o Secretariado Técnico da Presidência do Conselho, reformado pelo Decreto-Lei n.º 46 909, de 10 de Março de 1966.
O mesmo decreto-lei reformou, articulando-a melhor ao Secretariado Técnico, a Comissão Ministerial de Planeamento e Integração Económica, organismo criado pelo Decreto-Lei n.º 44 652, de 27 de Outubro de 1962.
Dos trabalhos do primeiro destes organismos têm vindo dando frequente conta as publicações do boletim respectivo, denominado Planeamento e Integração Económica.
Aos colaboradores permanentes destes organismos é de estrito dever prestar também as nossas agradecidas homenagens pela obra realizada.
Ainda sectorialmente, não devem ser esquecidos os trabalhos conducentes à melhor coordenação de trabalhos internos ou interministeriais, que deveras interessam, quer à respectiva actividade, quer à programação do planeamento.
Entre tais medidas destacaremos o despacho conjunto do Ministro da Economia e dos respectivos Secretários de Estado de 10 de Maio de 1966, publicado no subsequente Diário do Governo de 20. Por este despacho foi criado o Conselho dos Directores-Gerais e das Comissões Técnicas Regionais, tendente a melhor convergência quanto aos objectivos da política económica nacional, e à correspondente unidade de actuação através de uma coordenação mais perfeita dos serviços, quer no aspecto de nível central, quer, horizontalmente, a nível regional. E este segundo aspecto representa notável novidade na nossa tradição administrativa!
Não me alongarei nesta alusão a tais esforços orientadores, que representam rio Ministério da Economia, até agora organismo mal ajustado dos três sectores clássicos da produção - agricultura, indústria e comércio -, uma prometedora renovação.
Por eles cumprimento S. Ex.ª o Sr. Dr. Correia do Oliveira, que veio transmitir a este sector a orientação que já, como Ministro de Estado, o havia guiado na elaboração do Plano Intercalar.
As considerações que acabamos de fazer têm ainda nesta minha oratória, Srs. Deputados, um outro propósito, que não apenas o alusivo aos trabalhos preparatórios realizados e o louvor dos respectivos responsáveis.
É que; pendente da Mesa desta Assembleia está um aviso prévio - os Srs. Deputados lembram-se? -, por mim anunciado na sessão de 16 de Março de 1966, sobre, planeamento económico, mas que até hoje não houve ensejo de realizar-se.
Qual o seu principal objectivo?
Do seu teor se vê consistir:
1.º No estudo e progressiva realização do planeamento regional;
2.º Em provocar, através da sua eventual discussão nesta Assembleia, constituída por elementos representativos de toda a Nação, a consciencialização da premência de tal problema, de forma a habilitar a fornecer superiormente achegas válidas para a sua solução.
Enunciar os fins do aviso referido é postular que, k face da discussão em curso, ele perdeu de oportunidade, pois a sua matéria se acha agora sobremaneira em causa através do nosso debate sobre o III Plano de Fomento.
Antes da presente discussão o aviso podia trazer contributo útil. De momento, a sua finalidade vê-se ultrapassada.
Na consciência de que os factos assim viessem a processar-se, já no fim da passada época legislativa, nas sessões de 16 e 22 de Março, tive ocasião de formular votos expressamente com vista a este Plano de Fomento, então em elaboração. Desses votos algo mais discriminadamente referiremos em subsequentes considerações.
É natural que no decurso da execução deste Plano de novo surja ocasião de se formular útil aviso prévio, análogo ao que fora por nós anunciado. Mas por agora pensamos que o ensejo de o discutir proveitosamente passou.
Dele podem encarar-se ainda aspectos regionais que seja oportuno versar.
Quanto ao Entre Douro e Minho, pelo que me possa dizer respeito, bem cabem esses aspectos no aviso prévio anunciado aquando do meu, pelo ilustre Sr. Deputado Nunes de Oliveira. Assim, reservo-me para os versar aquando da discussão deste.
Logicamente, desde já posso anunciar, pelas razões expostas, retirar o meu aviso prévio.
Entendo que devia dar, pró domo, estas explicações à Câmara, sobretudo pela razão de que tal aviso fora apenas formulado por intuitos sérios de colaboração. Visava fins construtivos, que, aliás, a pertinácia invencível do tempo se encarregou de ultrapassar. E ainda bem, para minha comodidade.
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2004 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 106
Isto em nada obsta a que, quanto ao Plano de Fomento, tenha de deduzir algumas observações. Fá-las-ei curtas, já pela escassez do tempo, já porque, não me tendo sido dado, mau grado ter pendente na Assembleia aquele aviso prévio, acompanhar os trabalhos antecipados da Comissão Eventual, me sinto demasiado verde para poder abarcar um pouco melhor a amplitude dos problemas em causa.
E isto, não obstante os valiosos esclarecimentos que puderam fornecer-nos no plenário os vogais dessa Comissão, que tão zelosamente trabalharam, pelo que só merecem os nossos gratos louvores.
Sr. Presidente: Quanto aos problemas que o Plano em discussão levanta, cumpre-nos sempre não perder de vista que o que se acha submetido à nossa aprovação é o respectivo projecto, consignado nas onze bases sabidas, em sequência do que o Governo organizará o III Plano de Fomento para o sexénio de 1968 a 1973.
Como peça de convicção, é-nos oferecido o projecto conclusivo do que seja esse Plano, que assim nos é dado a conhecer para que o possamos apreciar, embora, naturalmente, escapando à nossa votação discriminada.
Nem podia deixar de ser de outra sorte.
De resto, este Plano projectado não é uma peça definitivamente cristalizada, ne varietur; é antes um programa em adaptarão anual, segundo as necessidades da economia nacional, e ainda ,sujeito a uma revisão no fim do 1.º triénio da sua execução.
Por este espírito de maleabilidade conjuntural, deveras louvamos o Governo e nos adiantamos a formular algumas observações, que virão sempre a tempo de ser consideradas durante a execução do Plano.
Antes, porém, de prosseguir, acode-me fazer sucinta referência aos pareceres da Câmara Corporativa, que abundante e criteriosamente nos introduzem no âmago dos problemas com suas opções, prioridades e investimentos correspondentes, quer metropolitanos, quer ultramarinos.
São deveras valiosos os pareceres gerais e sectoriais que ilustram, para esclarecimento desta Câmara, a actividade daquele alto corpo do Estado.
Sem desprimor, cumpre-me destacar o parecer geral relatado pelo Prof. Almeida Garrett.
Através desta bem pensada e articulada peça se verifica que em geração nova continua a distinguir-se a família a que pertence e que através de seu pai, Deputado, que foi, e tios, com tanta honra própria e da cidade, do Porto, berço dela, a liga à grande figura nacional que foi o visconde de Almeida Garrett.
O Sr. Elísio Pimenta: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: Articulado por números, foquemos agora alguns dos sectores que no III Plano chamam mais directamente a nossa atenção.
Para encurtar, reservamo-nos, quanto a outros sectores, algo discretear aquando da discussão da Lei de Meios, pois que- a seu propósito também podem ter cabimento.
1.º Agricultura. - A importância, da ordem dos J 4 600 000$, para aplicar neste sector durante o sexénio da vigência, do Plano, não pode deixar de impressionar muito favoravelmente.
Em todo o caso, a nossa experiência vivida não pode afastar certa reserva. Consiste ela, sobremaneira, na morosidade que, em contrasto com outras actividades, as coisas da lavoura revestem. Nesta, toda a promoção é, como que dizer, de digestão lenta, para se consolidar rentável, segura e perdurável. Isto tanto pelo que respeita à natureza das coisas como ao espírito dos homens que com fins laboram.
A experiência dos aproveitamentos hidroagrícolas das albufeiras - lembremos a Idanha - já bem o tem revelado. Para que o seu resultado comece a ver-se, precisa a água de digerir a terra, fazendo-a ajudada pela promoção da pecuária. Obra progressiva, mas lenta, de dezenas de anos. Comportamento semelhante quanto ao emparcelamento, que só a lição do exemplo frutuoso pode acelerar.
Nesta ordem de ideias, o facto anotado no projecto que do montante dos investimentos previstos no Intercalar a percentagem considerável não teve ensejo de realizar-se deve pôr-nos de sobreaviso reticente quanto ao preenchimento do objectivo do contributo final de 3 por cento para o produto bruto previsto no Plano a aprovar. Seja como for, este sector, tão deteriorado pela política excessivamente prolongada de tabelamentos rígidos., como há dias frisou o Sr. Deputado Calheiros Lopes, é indispensável que passe a constituir preocupação dominante para a reconstituição da economia nacional pelo que respeita às terras e às gentes que delas vivem.
Não é altura de sobre estes problemas nos debruçarmos demoradamente. Por nós o fizeram já vários Srs. Deputados, e ainda ontem, quanto à série de investimentos previstos, o fez exaustivamente o Sr. Deputado Amaral Neto. Pelo que respeita à nossa zona, larga e proficientemente perorou o Sr. Elísio Pimenta. Aplaudo as suas considerações e marcadamente as relativas àquilo a que no projecto se chama «a extensão agrícola e formação profissional».
Serão estes aspectos pontos de partida indispensáveis, embora morosos, apontados às gerações que se renovam. Quando genericamente imprimir carácter rural às escolas primárias das zonas respectivas? A maior dificuldade será, como é sabido, a de preparar professores para tal fim, desde as escolas normais.
E quando nas regiões a norte do Mondego se hão-de estabelecer escolas secundárias de ensino agrícola?
Estes são pontos que já desta tribuna, na sequência de tantos, temos reclamado em vão. Por isso, perfilhamos inteiramente as considerações de há dias aqui feitas pelo ilustre Sr. Deputado Nunes de Oliveira e ontem pelo ilustre Sr. Deputado António Santos da Cunha.
Para quando da eventual discussão do aviso prévio do dito Sr. Deputado Nunes de Oliveira me reservo alargar as minhas considerações sobre os problemas da lavoura, particularmente os regionais.
Antes, porém, de encerrar este número da minha intervenção, não deixarei de aludir ao largo parecer subsidiário da Câmara Corporativa, relatado pelo Sr. Eng.º Quartin Graça, cujas observações nos parecem dignas de pesada ponderação.
Nas conclusões desse parecer acompanharíamos também como merecedoras do nosso aplauso as considerações articuladas pelo Digno Procurador Sr. Fragoso Fernandes.
2.º Energia. - Parece-nos tudo o que se acha previsto no projecto do Plano de aplaudir quanto a este sector, salvo certas reservas quanto ao aproveitamento das lignites de Rio Maior para uma central térmica à boca da mina.
Decerto de aplaudir, sobretudo os aproveitamentos, previstos para o Douro nacional, das barragens da Régua, que, com a do Carrapatelo, em termos de acabamento, e a inicial de Crestume, torrarão o Douro, dentro do âmbito do Plano, já navegável até acima da foz do Tua. Completado com a barragem da Valeira, a prever em futuro planeamento - e porque não já neste o seu início? -, tê-lo-emos navegável até ao Pocinho e, assim, receptivo dos minérios de Moncorvo. Uma última barragem tornará navegável o rio até à fronteira, isto é, até Barca de Alva.
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7 DE DEZEMBRO DE 1967 2005
Já o temos salientado, é preciso que esta obra anal se faça também completa, hidroeléctrica o para a navegação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Corresponde a realizar em termos viáveis, porque económicamente mais favoráveis, o acesso no mar para larga zona espanhola, além de uma rica região nacional. Já aqui temos insistentemente lembrado que foi esse propósito de romper o muro ferroviário espanhol a favor dos portos de Vigo e Huelva que determinou gastarem-se vultosos capitais portugueses com as linhas convergentes a Salamanca, por Vilar Formoso e Barca de Alva. Aquilo que ferroviàriamente não pôde resolver-se poderá conseguir-se através do aproveitamento da navegação fluvial, pela premência de uma sensível baixa de custo dos transportes.
Também as represas previstas de Vilarinho e Alvarenga virão a ser decerto utilíssimas como embalses de água para as falhas. A barragem de Fratel constituirá arranque para ulteriores obras conducentes a um aproveitamento integral do Tejo! Isto, tal como postula na sua aliciante obra, acabada de vir a lume, o nosso destacado colega nesta Casa Sr. Eng.º Araújo Correia.
Quanto, porém, ao aproveitamento térmico de Rio Maior, que comporta investimento superior a 1 100 000$, partilho das dúvidas titubeantes levantadas no parecer subsidiário da Câmara Corporativa sobre energia. E, nesta Câmara, o Sr. Deputado Virgílio Cruz parece ter fortalecido a razão dessas dúvidas.
Na curva de prioridades por que optar no decurso da execução do Plano, não conviria reconsiderar o estudo de tal realização? Levá-la por diante desde já? Remetê-la para mais tarde, dando ao vultoso investimento destino para outras obras por acabar, e de que, ipso facto, se aproveitaria melhor rendimento? Demais, estando previstos só para além do ano de 1968 o início dos respectivos trabalhos, isso facilitaria voltar o caso a ser devidamente ponderado por quem de direito.
3.º Comunicações. - Com vista já a este Plano de Fomento, tivemos ocasião de formular várias considerações sobre a necessidade de renovar os caminhos de ferro, e, entre estes, a linha do Douro, em estado quase de ruína Isto na passada sessão de 16 de Marco. Igualmente na subsequente sessão de 21, expressamente d rígida ao novo Plano de Fomento em estudo, formulámos considerações sobre a navegabilidade do rio Douro, de que no número seguinte algo mais diremos.
Uma distribuição dos números do Diário das Sessões referente II s atrás mencionadas datas só recentemente se fez, e. assim, o teor das minhas intervenções de então só agora está em termos de alcançar o público - afinal uns dias mais cedo do que aquilo que consta desta minha oratória. Assim, limito-me a dar por reproduzido o que disse então. Para efeitos do público é como se o dissesse agora.
Ali vinquei a urgência do aproveitamento ferroviário da ponte sobre o Tejo e, pelo menos, o da urgência do acesso das linhas do Sul à correspondente testa de ponte. Por que tal se realize me tenho batido nesta Assembleia desde quando foi anunciada, no II Plano de Fomento, a construção da ponte. Então me pronunciei, com alguns Srs. Deputados mais, no sentido de se antolhar prematuro tal empreendimento, por razões que constam do respectivo Diário das Sessões. Mas acrescentei que, a fazer-se a ponte, esta fosse prevista também como ferroviária. Continuo a entender que, como repeti em Março passado, a sobrevivência da respectiva rede transtagana depende do seu terminal junto, enquanto o não possa ser através da ponte.
Pelas declarações do Sr. Ministro das Comunicações recebemos, até certo ponto, garantida esperança de que a fase inicial de tal obra até junto da ponte venha a fazer-se dentro dos seis anos do Plano. É uma boa nova que nos apraz consignar aqui. Tão-pouco quero deixar, como Deputado pelo distrito do Porto, de marcar o nosso reconhecimento pela largueza com que o Plano, através do mesmo Ministério, contempla as obras do porto de Leixões, ou seja, mais de 700 000 contos. Isto decerto tornará possível o completar-se e apetrechar-se a doca n.º 2 dentro da sua vigência.
Ainda como Deputado pelo distrito, não posso deixar de reclamar, na companhia do Sr. Deputado Elísio Pimenta, se complete o pouco que falta para a ultimação eficiente do porto pesqueiro da Póvoa de Varzim e, assim, integrá-lo no destino para que foi criado. Isto o impõe o vulto das obras já nele aplicadas e que só assim só tomarão verdadeiramente rentáveis.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E, Sr. Presidente, entremos no último ponto que pretendemos especificadamente tratar nesta intervenção:
4.º Planeamento regional. - Fá-lo-emos com a brevidade que a escassez do tempo exige.
Por ser matéria nova referida na base X do projecta de lei deste Plano, é natural que seja das que nele mais interesse deva despertar.
Em anteriores diplomas, a partir do Plano Intercalar, estava previsto merecer o problema ser objecto de futuras medidas legislativas.
Curioso: formulámos, em convergência a tal desiderato e com o consenso de mais alguns Srs. Deputados, na sessão de 18 de Março de 1966, o aviso prévio supra referido. Na primeira das suas conclusões reclamava-mos diploma legislativo para estudo e execução de um planeamento regional, e a seguir, na terceira, acrescentávamos:
Que tal plano se processe, como é óbvio, em conexão com o III Plano de Fomento em preparação.
Precisamente através do projecto de diploma passivo da nossa aprovação se vê satisfeito inteiramente aquele propósito, que, de longe apontado oficialmente, nunca até agora fora concretizado. Isto só por si nos deve satisfazer sobremaneira. A ponto de, como atrás informamos, determinar a retirada desse aviso prévio pelo desaparecimento do «objecto», como sói dizer-se em gíria jurídica.
Mas, em acrescentamento desta nossa satisfação, há outro aspecto relevante neste projecto de lei. Para o efeito e execução do planeamento regional, o País divide-se em quatro grandes regiões, com os seus pólos de trabalho centrados em Lisboa, Porto, Coimbra e Évora - dois no litoral e dois no interior.
Lembro aqui a memória do Dr. Antunes Guimarães, que, em oposição a outras formas discutíveis de divisões provinciais, sempre inculcou ò critério ora seguido.
Tal divisão corresponde, grosso modo, a uma política económica das rios a realizar tal como a vem preconizando o Sr. Deputado Araújo Correia e atrás o referimos já: norte, o Douro, com o Porto; centro, o Mondego e o seu paralelo acólito Vouga, com Coimbra; o Tejo, com Lisboa, e entre o Guadiana e o oceano, com Évora.
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O Algarve - como nos tempos em que perdurou reino - é caso à parte, como o são os. arquipélagos dos Açores e Madeira. E quanto a Cabo Verde?
A p. 7 dos seus Ensaios de Economia Aplicada, ensina mestre Araújo Correia:
Este rio (o Douro) e o Tejo são indubitavelmente os dois mais importantes cursos de água do País, aqueles que maior influência podem exercer no nosso futuro económico.
E na sua recente monografia aliciantemente vem ilustrando esta afirmação quanto ao Tejo, como esperançoso veículo de promoção económica.
Decerto o mar foi o ponto de partida integralizador da nossa nacionalidade, com os dois pilares líquidos (perdoe-se-nos a expressão) dos ditos dois rios até aos limites da sua navegabilidade. Isto o dissemos mima das nossas citadas intervenções de Março.
O esquema programado pelo Plano corresponde aproximadamente u economia actual e virtual das bacias hidrográficas. Uma distorção, no entanto, a essa orientação se verifica quanto ao Douro: a de a sua margem esquerda ficar, por agora, fora do centro de trabalho e execução a domiciliar no Porto, embora isto se postule a título provisório.
Mas, Sr. Presidente, esta tendência nossa para perpetuar o provisório é quase irresistível, como há dias tão criteriosamente o acentuou na Comissão Eventual o Sr. Ministro da Economia.
Foi ainda, decerto, o administrativismo preponderante dos distritos e dos serviços por eles enfeixados que isto determinou.
Ora, como muito bem salienta o Sr. Prof. Correia da Cunha, no seu ensaio «Regionalização do Território Metropolitano», inserto no n.º XIV-XV da já citada revista Planeamento e Integração Económica, do Secretariado Técnico, a p. 18, e a propósito de uma sugerida divisão provincial estritamente adstrita aos distritos actuais:
Sempre que, como neste caso, as províncias permanecem como conjuntos de distritos, os seus limites tornam-se artificiais e com escasso significado.
Temos dito, Srs. Deputados, o suficiente para mostrar quão perigoso será tomar, pelo que respeita ao Douro e sua bacia, tão vicioso ponto de partida. Até na própria divisão provincial, inspirada por A morim Girão, as duas margens eram inseparáveis!
Evidentemente quanto a este rio, como quanto ao Tejo, o Mondego, etc., tornados navegáveis, a desconcentração industrial deverá operar-se partindo de pontos onde hoje se concentra a revestir formas filiformes ao longo dos seus cursos. Tais limitações terão de encarar-se sempre numa transigência indispensável, com possíveis melhorias de custos de produção e à parte ás indústrias simplesmente complementares da agricultura.
Sr. Presidente: Como lastimo, para terminar, não dispor de um verbo catoniano, sonoroso e terminante para daqui poder reclamar com eficiente veemência que na projectada região norte não deixe de incluir-se, ab initio, pelo menos os concelhos a sul do Douro que o marginam!
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
À tarde haverá sessão, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 13 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
André da Silva Campos Neves.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António dos Santos Martins Lima.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando de Matos.
Francisco António da Silva.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Ubach Chaves.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Coelho Jordão.
José Fernando Nunes Barata.
José Maria de Castro Salazar.
José Rocha Calhorda.
José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Raul Satúrio Pires.
Rogério Noel Peres Claro.
Bui Manuel da Silva Vieira.
Bui Pontífice de Sousa.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
António Júlio de Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
James Pinto Bull.
João Mendes da Costa Amaral.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme Bato de Melo e Castro.
José Manuel da Costa.
José dos Santos B essa.
Manuel Amorim Sousa Meneses.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Correia.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
Rafael Valadão dos Santos.
Sebastião Alves.
Tito Lívio Maria Feijóo.
O REDACTOR - António Manuel Pereira.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA