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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 107

ANO DE 1967 7 DE DEZEMBRO

IX LEGISLATURA

SESSÃO N.º 107 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 6 DE DEZEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Leu-se o expediente.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão na generalidade da proposta de lei relativa à elaboração c execução do III Plano de Fomento.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Araújo Correia, Nunes Barata e Armando Perdigão.
O Sr. Presidente encerrou a sessão as 18 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Álvaro Santa Rita Vaz.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Ferreira da Cruz. - -
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António José Braz Begueiro.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Moreira Longo.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Baptista Cardoso.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Elmano Martins da Cruz Alves.
Francisco José Cortes Simões.
Gabriel Maurício Teixeira.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Horácio Brás da Silva.
Jaime Guerreiro Rua.
João Duarte de Oliveira.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim de Jesus Santos.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Henriques Mouta.

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José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar
José Pinheiro da Silva.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Raul Satúrio Pires.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Bui Manuel da Silva Vieira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 76 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegrama de aplauso à intervenção do Sr. Deputado Júlio Evangelista.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa à elaboração do III Plano de Fomento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Araújo Correia.

O Sr. Araújo Correia: - Sr. Presidente: Vai para 33 anos, em Fevereiro de 1935, tive a honra de apresentar a esta Assembleia algumas sugestões sobre planeamento. O Governo enviara à Câmara uma proposta, convertida na Lei de Reconstituição Económica, que, em minha opinião, seria preciso completar para satisfazer as necessidades fundamentais do ressurgimento económico, indispensável ao crescimento rápido do produto interno.
Quando em 1928 foi feito um balanço crítico da vida financeira, a situação poderia considerar-se caótica e perigosa. Os desregramentos nesta, matéria durante metade do século XIX e primeiras décadas do actual criaram uma situação de alarme, entrecortada de graves acontecimentos desprestigiantes para o bom nome do País e até atentatórios da dignidade nacional. Esses acontecimentos, ainda hoje na memória de muitos, induziram perturbações políticas sérias, materializadas em abusos e revoltas, que, no fundo, derivavam das insuficiências económico-financeiras em que se debatia o País há tantos anos.
A obra realizada a partir de 1928 nas finanças nacionais não teve apenas o mérito de ser delineada em bases sãs, de conhecimentos sérios das possibilidades financeiras. Teve o mérito ainda maior de ser conduzida com energia e dedicação numa desorientada atmosfera de descrença e cepticismo. O País não tinha crédito, e a população não acreditava que pudesse vir a tê-lo.
Eu sou talvez, tirando o autor das medidas que então se adoptaram, a única testemunha directa do negrume da situação herdada em 1928, por ser o único Ministro de então vivo que assinou o primeiro orçamento equilibrado, e ainda por sobraçar a pasta de maiores consumos financeiros - a do Comércio e Comunicações -, que compreendia os serviços dos actuais Ministérios da Economia, com excepção dos relacionados com a agricultura, das Obras Públicas e das Comunicações e alguns da Educação Nacional.
Poderei assim testemunhar, por ter sofrido as consequências da falta de meios financeiros e dos abusos introduzidos na Administração, sobre a energia e seriedade desenvolvidas pelo Ministro das Finanças de então, no sentido de impor em toda a engrenagem do Estado princípios moralizadores numa situação que há pouco classifiquei de caótica.
O País reagiu no bom sentido a esses esforços, e, por volta de 1934-1935, no início da primeira legislatura desta Assembleia, poderiam considerar-se dominados os perigos financeiros. Era então ocasião, em meu entender, de iniciar uma vigorosa política económica que tendesse a elevar rapidamente a produção nacional. Então, como hoje, punha-se diante de todos nós o espectro da insuficiência da poupança nacional necessária para o investimento, na escala precisa, em obras e empresas que pudessem, em poucos anos, criar os rendimentos adequados à criação de novos investimentos e de melhorias fundamentais nos consumos públicos e privados. E era ainda preciso sacudir de vez o fatalismo da pobreza do País em recursos humanos e físicos. Tornava-se essencial fazer um estudo sério das possibilidades económicas e rever a política do seu aproveitamento, de modo a criar condições de produtividade, que são o fundamento de toda a política económica no mundo contemporâneo.
Mas um outro aspecto da vida nacional dificultava, e ainda hoje dificulta, os esforços feitos no sentido de extrair o melhor proveito do trabalho nacional, que é o da falta de coordenação dos serviços públicos entre si e nas suas relações com a actividade privada. E, nesta, só agora começam a vislumbrar-se sintomas de compreensão da necessidade de estreitas relações entre as diversas actividades nos diversos sectores que concorrem para a formação do produto nacional.
Estas poucas palavras tentam definir as minhas ideias sobre planificação, tal como foram apresentadas desde 1935: investimento orientado para fins altamente reprodutivos, conhecimento aproximado dos recursos nacionais susceptíveis de satisfazer esses fins, o que viria sacudir de vez a noção fatalista da pobreza, produtividade que

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implicava investimentos prioritários, e cuidadosos inventários dos recursos existentes, de modo a aproveitar aqueles que oferecessem rapidamente mais altos benefícios. E, finalmente, criação de um organismo planificador e estreita colaboração das actividades públicas e privadas, de modo a extrair os melhores resultados dos recursos disponíveis.
O aproveitamento de todos os benefícios que pudessem ser produzidos num único esquema seria o natural corolário de uma política económica com o objectivo de poupar investimentos e de elevar mais rapidamente o produto nacional. Era o caso do aproveitamento dos rios em fins múltiplos.
Esta política de orientar os investimentos para os fins mais reprodutivos, coordenados e integrados no objectivo de máximos rendimentos globais, implica sacrifícios e requer o conhecimento das disponibilidades de recursos e de investimentos. E requer, em especial, a formação ou existência de mentalidade à escala nacional em todas as classes, com a nítida compreensão da gravidade de baixos rendimentos globais com projecção interna e externa e das responsabilidades que cabem ao Estado nos momentos de crise, como o que o Mundo atravessa agora.
Um exame cuidadoso das possibilidades de investimento mostra logo não ser possível encaminhá-las para fins que não sejam altamente reprodutivos e, assim, elevar a taxa de crescimento do produto, em simultaneidade com » execução de empresas ou obras de fraca reprodutividade. E o exame dos recursos nacionais mostra ser possível encaminhar os investimentos para empresas que reduzam ao mínimo a importação de mercadorias, matérias-primas, combustíveis e outros que oneram pesadamente a balança de pagamentos.
Ora, criou-se, não sei porque motivo, a ideia de que o saco onde se guardam as receitas do Estado e a poupança não tinha fundo, e quem fizer o estudo da vida pública e privada do pós-guerra sente os anseios de uma multidão a reclamar obras, porventura úteis todas elas, mas adiáveis para melhores dias muitas outras. Ao fatalismo da pobreza do País sucedeu como que um clamor de melhoramentos ou obras ou de ambiciosos projectos de variada natureza escusados ou insuficientemente estudados.
Não é possível neste aspecto nacional matar dois coelhos com o mesmo cajado. Não é possível utilizar recursos em fins reprodutivos e improdutivos no aspecto económico se se quiser impulsionar o produto nacional por taxas que acelerem a criação de rendimentos e indirectamente produzam os investimentos que mais tarde possam servir para executar aquelas obras ou empresas adiáveis gerados pela ideia do infinito das disponibilidades de investimento.
Criar rendimentos pela rápida melhoria do produto nacional, investindo no mais rentável, e esperar por melhores dias no dispensável é uma regra de ouro no momento actual. Haverá sacrifícios e ilusões desfeitas, até na comodidade, mas o País poderá assentar solidamente numa estrutura de capitação de rendimentos que se não afaste da de outros povos com recursos idênticos ou inferiores aos nacionais.
Eu peço desculpa, Sr. Presidente, de ter tomado alguns minutos na exposição geral do meu pensamento sobre planos de fomento, de que, aliás, eu fui um arauto há muitos anos. Mas convinha dar explicações. Elas vêm em seguimento do que tenho escrito e dito nesta tribuna quando se discutiram o I e II Planos, que, como todos podem ver na leitura dos discursos que então pronunciei, não foram inteiramente do meu agrado, pois não obedeceram às linhas gerais expostas há pouco.
Para analisar um plano de fomento é preciso entrar na mentalidade de quem o formulou, de quem o vai executar e de quem vai usufruir dos seus benefícios. E quando digo mentalidade não quero referir-me apenas a membros do Governo ou até a entidades que forneceram os elementos dos diversos sectores. Quero referir-me também ao vasto e variado complexo dos seus executores e ao público em geral, que receberá os seus benefícios, ajudará no seu decorrer e provocará as reacções de consumos e produtividade que estão na base do seu êxito.
É por esta razão que louvo o Ministro de Estado pelos esforços feitos no sentido de fazer intervir na elaboração do III Plano o maior somatório possível de entidades oficiais e extra-oficiais. Cada um pôde dizer o que lhe convinha dizer e cada um pôde trazer as suas ideias para uma vasta compilação de elementos e idiossincrasias. Quem se dedica ao estudo do homem, a única realidade que conta na vida terrena, terá muito a aprender nesta vasta compilação de elementos e modos de ser trazidos à superfície nos estudos de grupos, subgrupos e comissões que intervieram na elaboração deste Plano. Ao menos não se poderá dizer que o Regime neste aspecto não é democrático, tal a variedade de intervenções num instrumento tão importante na vida nacional.
A própria vastidão das intervenções torna impossível, para aqueles que têm de se pronunciar, mais proveitos, estudo do Plano, na hipótese, é claro, de serem todas essas intervenções proveitosas.
Eu peço desculpa aos nossos ilustres colegas do ultramar de não abordar agora a parte que se refere às províncias ultramarinas. Todos conhecem o meu grande interesse pelos seus problemas, largamente tratados nos pareceres das contas, e a intervenção daqueles documentos na compreensão de algumas grandes obras, como* as de Cabora Bassa, Cuanza, sistema rodoviário e outras. Mas a matéria é tão vasta e os assuntos tão prementes que guardarei para outra oportunidade o tratamento dos problemas do ultramar.
Considerando o plano da metrópole em termos genéricos, podemos dizer que são precisos 123 milhões de contos para o financiar, e que esses 123 milhões de contes provêm do Estado até ao quantitativo de 37 milhões de contos (36 755 000), de 70 milhões de contos de fontes privadas e de 16 milhões de contos de fontes externas, estes últimos, naturalmente, em grande parte com a garantia do aval do Estado.
Talvez se possam resumir com aproximação estes números em 30 por cento do Estado, 57 por cento de investimento privado e 13 por cento de fontes externas, ou, ainda, considerando o aval do Estado nestas últimas, 43 por cento do Estado e 57 por cento de investimento privado.
A Câmara Corporativa faz um certo número de comentários às cifras do financiamento alinhadas no Plano. Salvo o respeito que me merecem os signatários do parecer, algumas não me parecem pertinentes. Mas não desejo imiscuir-me em discussões que, no fundo, seriam apenas teóricas, como teóricos são muitos dos elementos e projecções que entraram nas hipóteses formuladas.
A possibilidade de investir 123 milhões de contos, na média de 20 milhões de contos por ano, parece ser hipótese, porque ninguém poderá dizer neste momento, dadas as responsabilidades que impendem sobre o Estado, se é possível ou não mobilizar os 30 por cento que lhe competem.
As cifras foram obtidas por projecções e extrapolações, sempre falíveis, mas ainda mais incertas agora. De qual-

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quer modo, a cifra é uma indicação e deve ser apenas tomada como tal.
Esta presunção de incerteza e as reacções que podem advir do lançamento de tão elevada soma no nível de preços e no mercado de capitais, e ainda, por outro lado, o custo do investimento obtido, em grande parte, de empréstimos, com reflexos no serviço da dívida pública, levam a mais rigorosa selecção das obras a executar e dos fins a atingir.
Em primeiro lugar terão de ser considerados três aspectos fundamentais: o da balança de pagamentos, o das disponibilidades de mão-de-obra e o do nível dos salários. Ó relatório trata destes problemas, mas talvez de uma forma teórica, sem ter considerado em toda a sua extensão a influência de importações indispensáveis para a execução do Plano e a emigração.
Como é sabido, a balança de pagamentos da metrópole com o estrangeiro é deficitária nas transacções correntes (menos 662 000 contos em 1966), apesar do saldo de 9 655 000 contos obtidos do turismo e das transferências privadas (emigração). As operações de capital (mais 2 644 000 contos em 1966) é que produziram o saldo final de 1 982 000 contos.
Estas cifras de per si exprimem a delicadeza da balança de pagamentos da metrópole com o estrangeiro, que depende fundamentalmente do saldo de S 518 000 contos do turismo, ajudado pelo saldo de 4 537 000 contos da emigração. Um e outro são aleatórios; têm estreitas relações, quanto ao seu quantitativo, com o nível de rendimentos de três ou quatro países: a França, a Inglaterra, os Estados Unidos da América e um pouco a Alemanha, e, no turismo, também a vizinha Espanha.
A contrapartida para tornar esta situação mais estável reside num redobrar de esforços no sentido de aumentar muito as exportações e de reduzir tanto quanto possível as importações, por melhorias na produção interna, de modo a aumentá-la quantitativa e qualitativamente.
No momento actual, qualquer plano de fomento deveria ser encaminhado neste sentido. O investimento disponível deveria ser orientado para este fim, que é fundamental na vida económica nacional, tanto no aspecto de segurança interna como no aumento de consumos.
A estrutura da economia terá de ser impulsionada para maiores produções de mercadorias adaptadas a consumos externos, de custos susceptíveis de concorrência, e ao mesmo tempo apta a satisfazer muitos consumos internos, hoje importados. A intensificação na produção e a produtividade são, pois, elementos fundamentais a considerar num plano de fomento, nas condições internacionais conhecidas de todos. E um imperativo da segurança interna.
Se está certo este raciocínio, se são estas as condições actuais, que derivam em grande parte de ataques à soberania portuguesa em África e do carácter aleatório das receitas do turismo e da emigração, o País deve estar preparado para sacrificar certo número de obras úteis e necessárias, talvez, mas susceptíveis de serem adiadas. Investimentos volumosos com reprodução económica inadequada não influem perceptivelmente no produto, e, sobretudo, não interessam ao aumento da produção indispensável, que, como se viu, é essencial. Esses sacrifícios são como que um prémio de seguro. A falta de conforto ou de comodidade em certos aspectos da vida podem concorrer, através do investimento, para o equilíbrio de unia situação delicada. Estou convencido de que o País, conhecedor dos factos, estará apto a aceitar o desvio para fins produtivos de investimentos de menor reprodução económica imediata.
Por ordem de grandeza, as atribuições do Plano são as seguintes:

Percentagem
Indústrias transformadoras e extractivas .... 25,3
Transportes e comunicações .................. 22
Energia ..................................... 14,3
Agricultura ................................. 12
Turismo ..................................... 9,6
Habitação e urbanização ..................... 6,5
Educação, etc. .............................. 4,5
Melhoramentos rurais ........................ 2,4
Saúde ....................................... 1,9
Pesca ....................................... 1,5
100

Não é fácil no estado actual da civilização dizer o que é produtivo ou não produtivo, o que é social ou não social, e ainda o que é sumptuário ou não sumptuário. Depende do momento e do nível do produto interno e dos consumos.
Um exame das orientações seguidas em diversos países pode revelar algumas directrizes orientadoras, e quem conheceu de visa a situação da Europa nos anos a seguir à guerra pode tirar algumas ilações sobre os objectivos da política seguida. De um modo geral se pode dizer que melhorias na agricultura e profunda reconstrução das indústrias, incluindo amplo abastecimento energético, serviram de base ao extraordinário progresso da vida económica e social da Europa ocidental e de algumas zonas do Leste europeu.
No Plano agora em análise, a distribuição dos investimentos pode agrupar-se assim:

Percentagem
Indústrias, agricultura e pesca ......... 38,8
Transportes, comunicações e energia ..... 36,3
Habitação, saúde e educação ............. 12,9
Turismo ................................. 9,6
Melhoramentos rurais .................... 2,4
100

Consideremos, em primeiro lugar, os 38,8 por cento, e, dentro destes, a agricultura, com 12 por cento.
Não entrarei agora nas causas que levaram a agricultura à situação em que se encontra. Os Diários das Sessões, desde que pela primeira vez entrei nesta Casa, estão cheios de lamúrias, críticas, conselhos, opiniões sobre a gradual deterioração do produto agrícola, que, de 1959 a 1965, representou apenas 5,3 por cento (preços constantes de 1963) no acréscimo do produto interno bruto. Repare-se que a contribuição caiu de 29,2 por cento em 1953-1955 para 19 por cento em 1965, e, se for considerada apenas a agricultura, a percentagem no produto será de 16,3 e 13,5 em 1965 e 1966.
O tremendo efeito que esta queda do produto interno produziu no sector agrícola teve logo graves repercussões nas importações de produtos alimentares, no despovoamento de zonas equilibradas, na emigração clandestina de regiões fronteiriças e na pressão exercida no sentido do êxodo para os grandes centros urbanos.
O Plano tenta atalhar este estado de coisas informando que têm papel preponderante nos remédios "os meios técnicos agronómicos e a formação profissional necessária para os utilizar racionalmente e os preços dos produtos, que devem não só cobrir as despesas efectivas, mas também remunerar convenientemente os factores e os riscos da produção".

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E expõem-se adiante os males e algumas soluções que, nem por serem por de mais conhecidas de todos, deixam de ter relevância num documento desta natureza.
A distribuição dos 14 600 000 contos destinados à agricultura é a seguinte, por ordem de importâncias:

Milhares de contos Percentagem Fomento pecuário e forrageiro ... 3 458 23,7
Silvicultura .................... 1 877 12,8 Cerealicultura .................. 1 804 12,4
Outras iniciativas .............. 1 563 10,7
Melhoramentos agrícolas ......... 1 430 9,8
Mecanização da agricultura ...... 820 6,3
Hidráulica agrícola ............. 895 6,1
Regadios ........................ 755 5,2
Fundo de reestruturação fundiária 480 3,3
Vitivinicultura ................. 424 2,9Fruticultura .................... 332 2,3
Equipamentos a adquirir ......... 230 1,6
Outras aplicações ............... 432 2,9
14 600 100

omparando as dotações da agricultura com as de outros sectores, reconhece-se à primeira vista serem baixas, embora pesem muito no orçamento do Estado. A situação aflitiva do sector agrícola e a sua influência no bem-estar nacional merecem o respeito de nós todos.
Com baixas capitações na carne, leite, frutos e outros, melhorias nos rendimentos hão-de necessariamente trazer a necessidade de acelerar a produção destes géneros agrícolas, a não ser que se recorra a importações maciças, com agravos à balança de pagamentos.
Salvo o devido respeito, não me parece que, apesar das dotações substanciais no sector pecuário, essencialmente para carne e leite (cerca de 70 por cento), seja possível a obra necessária sem uma profunda remodelação nas estruturas dos serviços e mentalização adequada dos produtores. O problema na agricultura, incluindo a pecuária, talvez mais ainda do que em outros sectores, é o do homem, a educação do homem num sentido prático, longe de teorias. A mentalização é indispensável. Será possível fazê-la sem reestruturar convenientemente os serviços?
Mas um outro sector está ligado à pecuária, como a todo o sector agrícola, e este insuficientemente dotado, que é o da hidráulica agrícola. A água é o elemento fecundante da vida agrícola, sem ela não são possíveis rendimentos adequados, em especial em países com as características climatéricas e hidrológicas do nosso.
A produtividade dos solos convenientemente regados atinge cifras que ultrapassam a imaginação. Eu sou de uma zona onde se sabe aplicar II pouca água obtida de nascentes, e posso por isso avaliar o que é possível produzir em pequenas extensões de terra e comparar com o que idênticos solos e idênticos climas produzem sem água ou com água mal aplicada.
Há três dezenas de anos que se procura resolver problemas fundamentais da rega, num frenesim de esforços e despesas que não abona muito a nossa eficiência nesta matéria. E às vezes, perante insucessos patentes, chego quase a arrepender-me do esforço que eu próprio tenho despendido nos pareceres e em outros escritos no sentido de defender a necessidade de trazer mais largas áreas à rega, no Alentejo, nas bacias do Mondego, do Tejo e de outros rios.
Não tem havido política definida nesta matéria, e até na própria organização do Estado diversos Ministérios tratam do mesmo assunto. E assim é que, obtida a água por barragem ou de outro modo e construídos os canais, se tem deixado quase sem auxílio o proprietário que vai regar. E como os esquemas de rega se implantam em zonas habituadas a culturas de sequeiro, muitas vezes não se aproveita a água, e o esquema de, digamos, 10 000 ha reduz-se para metade ou até menos, algumas vezes com mau aproveitamento da água, por ignorância ou outros motivos. E a terra continua longe de produzir o rendimento possível.
Apontam-se nos documentos que nos foram submetidos exemplos, aliás, conhecidos de todos.
Por outro lado, nos esquemas de rega, isolados, não se atende em geral a outras utilizações que a água possa ter, de modo a reduzir o seu custo na rega. E o custo da água é um factor de grande relevo na economia do esquema de regadios.
Tenho tentado, desde há muitos anos, fazer compreender a importância dos fins múltiplos no emprego de águas públicas, o que, aliás, está em prática em todo o Mundo, quer dizer, o princípio de que o rio hoje, como há 5000 anos, deve ser aproveitado integralmente em todas as utilizações possíveis, quando com as mesmas obras se possam obter diversos fins.
Deste modo, a obra - a barragem, o canal ou outros elementos- proporcionará menores custos em cada uma das aplicações em que for utilizada. E como a economia moderna é de escala global - a economia do Estado e privada confunde-se -, é dever de quem dirige impor esquemas que tragam os maiores benefícios globais. Isto quer dizer que não são os serviços dos Ministérios A ou B que determinam a escolha da obra C ou D, que lhe dão um grau de prioridade, e que não são os interesses ou anseios da região A ou B que, no momento angustioso que o País atravessa, devam impor a escolha deste ou daquele esquema.
A obra da hidráulica agrícola, neste aspecto, está inteiramente ligada a outras utilizações das águas nacionais. Deste modo, ao menos por agora, enquanto se não aproveitarem convenientemente aquelas fontes de água, perto dos grandes centros consumidores e não longe dos portos e de rios navegáveis, no caso de produção para, exportar, que possam produzir fins múltiplos, em terrenos ricos, e deste modo reduzir o custo da água para rega, energia e outras utilizações, devem ser relegados para melhores dias esquemas com o único objectivo de rega. Só deste modo se poderão obter os melhores resultados das áreas regadas e reabilitar um processo de desenvolvimento económico, que, no fundo, é base na solução da crise agrícola em que vivemos.
Do que acabo de dizer se entende, em minha opinião, já muitas vezes expressa, ser necessário o inventário cuidadoso das disponibilidades aquíferas nacionais e das suas possíveis utilizações económicas e sociais na rega, no turismo, nas indústrias, na energia, nos usos domésticos, no lazer, em todas as aplicações indispensáveis à vida contemporânea.
O Ministro de Estado criou há pouco tempo, e por isso merece louvores, um organismo com o objectivo de estudar o problema da água, que é premente já hoje em muitos países europeus e americanos. Julgo que este organismo pode, enfim, lançar um pouco de luz na escuridão de ideias que têm presidido à utilização das águas nacionais e remediar, pelo menos em parte, os danos susceptíveis de serem remediados, já que não é possível atender a dissipação de investimentos, sempre derivados de planificação mal orientada ou imperfeita.
Aqueles que leram os Estudos de Economia Aplicada, publicados há quinze anos, os pareceres na parte relacionada com os esquemas de rega e energia, de que eles

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têm sido arautos, e o recente livro sobre o Tejo facilmente! apreenderão com mais clareza a importância, para a economia nacional, considerada no seu todo, do que acabo de expor.
A Providência confiou ao Douro a missão de produzir grandes quantidades de energia, num mínimo de 6000 milhões de kilowatts-hora, mais do que os actuais consumos, e, simultaneamente, a de poder transportar anualmente alguns milhões de toneladas de minério de ferro dos 500 milhões que se sabe existirem em Moncorvo. E estudos recentes mostraram ser possível o transporte directo do minério quase desde a mina até à oficina siderúrgica, por barco, no rio e no mar. A via navegável do Douro aparece deste modo como um admirável instrumento económico, e a execução das barragens e eclusas que permitam a produção de energia e a navegação antolham-se fundamentais.
No entanto, no Plano em discussão pré vêem-se todas as barragens indispensáveis menos uma, a da Valeira.
Mas na própria bacia do Douro, a executar pela mesma empresa, prevê-se a execução de outro aproveitamento, com o dispêndio de 910 000 contos e produtividade média anual de 400x10 6 KWh.
O da Valeira, que permitiria a navegação, produziria, segundo informações que me foram amavelmente fornecidas, 700X10 6 kWh, com dispêndio um pouco superior.
Alguém compreenderá os motivos que levam a construir um esquema que só permite energia, em detrimento de outro - o da Valeira - que asseguraria também a navegação e, por consequência, a exploração dos minérios de Moncorvo, com a agravante, se assim se pode dizer, de os dois esquemas virem a ser executados pela mesma empresa?
O Governo definiu, ao cabo de muitos anos de discussões, o princípio da navegação no Douro nacional. Nunca percebi nem as demoras, nem as discussões. Enfim, o problema parecia resolvido, é toda a pobre região transtagana, a dos distritos de Vila Real, Bragança, norte de Viseu e Guarda iriam usufruir de uma via navegável que serviria as minas de Pejão, Marão, Moncorvo e outras iniciativas próprias de uma região com possibilidades mineiras e agrícolas.
Mas, inesperadamente, surgiu a ideia de construir um caminho de ferro que permitisse o transporte de um minério pobre através de uma região acidentada, para lançar os comboios numa via férrea e cheia de rampas, curvas e túneis. Eu conheço-o porque sou de lá. E a via navegável do rio produtor de grandes quantidades de energia ficaria inútil ao lado. Chega-se a não compreender.
E para cumular esta confusão de ideias num problema aparentemente simples, parece haver ainda indecisão quando se preparam os planos para iniciar imediatamente a barragem da Régua, um elo na via navegável do Douro.
A conclusão a que chegarei é esta: a construção de Alvarenga deverá ser substituída pela da Valeira. E à empresa devem ser dadas instruções e os meios para concluir o mais rapidamente possível o esquema completo.
Mas ainda neste aspecto desejo mostrar a minha surpresa por não ver no Plano qualquer alusão às vias navegáveis, em especial na secção que trata de transportes. Todos nós sabemos que a Europa e a América do Norte estão cheias de portos interiores e que zonas atrasadas puderam ressurgir da pobreza através dessas vias. E de vez em quando as notícias, até na imprensa diária, nos informam de esquemas com o objectivo de tornar navegáveis rios em outros continentes.
Nós temos duas linhas dorsais que atravessam o País de lado a lado, susceptíveis de serem transformadas em admiráveis vias de transporte económico, como o já foram no passado.
Já dei pormenores sobre uma delas: a do Douro, e contei resumidamente as vicissitudes que a têm perturbado.
Quanto à outra, no aspecto de navegação, o Plano é omisso, apesar de ter sido sugerida, na mesma data em que foi a do Douro, a sua grande adaptabilidade a esse fim, até à fronteira, e de serem económicamente muito valiosas as utilizações económicas que o Tejo pode oferecer na rega, no turismo, na energia, na descentralização industrial e em outros fins.
E um rio real, no dizer dos seus cronistas, aqui às portas de Lisboa. O seu estuário admirável permitiu a epopeia que deu lustre e vigor à nacionalidade. Os vizinhos, por motivos nacionais, não se interessam agora pela navegação, mas estão a construir uma admirável cadeia de lagos, quase desde a fronteira até para cima da Talavera, e os seus afluentes estão salpicados de albufeiras, que permitem rendosas utilizações. Encontra-se na bacia hidrográfica o maior reservatório potencial do País, que até pode permitir a rega no Alentejo; e os armazenamentos em Espanha e em Portugal virão, amanhã, regularizar quase integralmente o rio, reduzindo o impacte das cheias nos ricos terrenos do Ribatejo, com as boas e más consequências que tal facto ocasionará na vida económica nacional.
Logo a norte, uma outra corrente nacional, o Mondego, em estreita ligação com o Tejo, permitiria um conjunto de desenvolvimento harmónico numa vasta região, que é o Centro de Portugal.
O Plano atende a algumas exigências desta região, na Cova da Beira, nos campos do Mondego, mas não alude pelo menos, ao estudo da canalização do Mondego entre Coimbra e a Figueira, de modo a aproveitar as possibilidades daquela primeira cidade, nem as potencialidades do porto onde se têm gasto elevadas verbas.
E no leito do Tejo, isoladamente, inclui, finalmente, a barragem de Fr atei.
Os fados não são favoráveis ao Tejo, pelo menos por enquanto. E é pena. Parece que a sua dignidade e as suas potencialidades, apesar do estuário de Lisboa, e do exemplo dado pelo país vizinho, não despertaram ainda interesse. E assim é que se deixaram assorear as valas penosamente abertas no seu leito inferior, impedindo a navegação.
E ainda se não pensou em estudar o aproveitamento de Almourol, a jusante ou a montante do célebre Castelo, que, além de formar um admirável lago para turismo o navegação, é, sem dúvida, um aproveitamento hidroeléctrico de grande relevo, susceptível de produzir algumas centenas de milhões de kilowatts-hora, aqui ao lado, com a garantia que lhe é dada pelos aproveitamentos espanhóis e por cerca de 1500 milhões de metros cúbicos de água regularizada pelo Zêzere. E ainda ajudaria os abastecimentos de água de Lisboa e, outras povoações, e, num futuro não distante, poderia auxiliar a obra de rega que será preciso empreender para salvação dos ricos terrenos do Baixo Tejo. E também ainda se não pensou em aproveitar os descarregamentos improdutivos do Zêzere para a albufeira do Alvito, com capacidade que ultrapassa os 2000 milhões de metros cúbicos e que bem poderiam servir, pelo menos em parte, para regar uma grande parcela do Alentejo e trazer um sopro de prosperidade a uma zona pobre que se despovoa gradualmente através da fronteira.
Torna-se, pois, necessário que sejam tomadas medidas no sentido de delinear o plano do aproveitamento do Tejo,

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utilizando especialistas que. conheçam os métodos de planeamento integral, tal como se fez no Tenessi, no Ródano e em outros rios, e, até em menor escala, no Douro, através do Plano Marshall, a pedido do Governo Português, e ainda no Zambeze, com feliz desenlace em Cabora Bassa e toda a vasta zona a jusante.
Esse plano enquadraria os aspectos futuros do Ribatejo, a navegação, possibilidades de embalse, em especial no Alvito, os jazigos de minérios da bacia hidrográfica, as possibilidades de valorização de monumentos históricos e das paisagens no turismo, a rega no Alentejo e no Ribatejo, além de outras áreas, o abastecimento de água de Lisboa pelo Zêzere ou, em última análise, pelo Tejo, a formação de centros industriais também servidos pelos caminhos de ferro existentes e, finalmente, a produção de energia.
O que se anuncia sobre a elaboração de um plano geral de regularização do rio Tejo, tendente ao ordenamento dos caudais líquidos e sólidos da respectiva bacia, nunca poderá resolver o problema da valorização económica e social da sua bacia hidrográfica. Está na linha de pensamento de tempos remotos.
Se a bacia hidrográfica do Tejo em território nacional não mereceu a atenção devida, para seu bem, há agora um facto novo a destacar para seu mal.
Parece que deverá ser presente a esta Assembleia para ratificação o projecto de troca do Tejo internacional pela autorização de levar o regolfo de uma albufeira no Guadiana até dentro de Espanha. De há muito que entendo ser necessário um arranjo geral sobre as águas dos rios comuns aos dois países, de modo a permitir, num e noutro lado da fronteira, harmonia nas utilizações. Mas esse arranjo deveria ir até ao próprio regime das águas e envolveria questões não isoladamente, não vá acontecer no futuro que surjam dificuldades, como parece terem surgido a propósito de Cabora Bassa, no rio Cunene, em Angola.
O Tejo internacional é um grande valor, ainda maior se incluir o Erges. Poderia permitir a regularização dos caudais a jusante. Porquê esta translação de pensamentos e de ideias?
A água que se pretende reter no Guadiana servirá, diz-se no relatório, para regar 109 700 ha no Baixo Alentejo.
A ideia deste esquema de rega aparece descrita, numa forma geral, nos Estudos de Economia Aplicada. Tem ali as aproximações de tão complexo assunto. Ê baseada em elementos de estações oficiais, e as possibilidades de armazenamento no Degebe eram o seu alicerce, em conjugação com o Tejo e Guadiana.
Devem estar ultrapassados esses estudos. O esquema de agora faz-se à custa da perda do Tejo internacional e do Erges, com os efeitos já conhecidos no Tejo nacional. Será esta a melhor solução?
Ainda não foi presente o acordo para ratificação. Parecia útil que a Câmara Corporativa emitisse o seu parecer sobre tão delicado assunto, de modo que, quando submetido à Assembleia, todos tomassem conhecimento das vantagens ou inconvenientes de tão importante problema. De contrário, em consciência, eu não me sentirei habilitado a dar o meu voto favorável à ratificação.
E refiro-me hoje ao assunto porque o Plano agora em apreciação já inclui no sector da rega, embora o não dote, a construção da barragem neste rio (Guadiana) e da respectiva central hidroeléctrica. Já é andar depressa.
Neste aspecto da rega temos sido ambiciosos, e eu sou insuspeito na matéria, porque de há muitas dezenas de anos, nos pareceres e em outros escritos, tenho procurado esclarecer o problema e incitado os governos a intensificar os aproveitamentos. Já disse que não haverá possibilidades de aumentar, nos termos precisos, a produção agrícola sem água. Mas o uso da água tem duas facetas - o seu custo e a sua produtividade.
Esquemas de rega são caros, demandam grandes investimentos. E indispensável, pois, que o uso da água se faça com a maior produtividade. Regar não é só ter água.
Os factores da transformação dos terrenos das produções, dos consumos, da comercialização, pode dizer-se que têm tanta importância como o problema do embalse da água, que, no fim de contas, talvez seja o mais fácil, por depender apenas da sua existência e da técnica. s Terão os terrenos já dotados de esquemas de rega produzido os benefícios possíveis até hoje? Serão necessários ainda maiores investimentos para as transformações necessárias? Terão os regantes os conhecimentos indispensáveis ao bom aproveitamento da água de modo a assegurar melhor produtividade? Terá o País no momento actual investimentos para encetar grandes esquemas, quando os que existem ainda não estão a produzir os benefícios esperados?
O caso agrava-se se o investimento provier do crédito externo - as vicissitudes do passado ensinaram-me a ser avesso à sua obtenção para fins que não possam assegurar rapidamente, em moeda nacional e cambiais, os juros e amortizações dos empréstimos contraídos.
O esquema do Guadiana não satisfaz em curto espaço de tempo a nenhuma destas condições. Como já tive ocasião de expor noutro lugar, há diversos aspectos no problema da rega que devem ser cuidadosamente considerados.
Regar terrenos pobres? Regar terrenos ricos? Quando me refiro a terrenos pobres ou ricos, quero significar o seu grau de fertilidade, obtido muitas vezes por intenso labor durante anos.
O recente cultivo com rega de terrenos ricos para produção de massas de tomate mostra possibilidades em poucos anos que se reflectem em altas exportações. A experiência feita nalguns terrenos, anteriormente em sequeiro, como no caso da Campina e noutras regiões, mostra a lentidão dos esquemas em terrenos pobres.
Com um déficit alimentar a agravar-se todos os anos e perante as dificuldades encontradas em certas zonas onde a população não está habituada a regar, perece-me que no momento actual todos os esforços e possíveis investimentos, neste aspecto, devem ser orientados para esquemas que possam produzir maiores rendimentos no mais curto espaço de tempo.
A penúria dos investimentos e a sua incerteza implicam também que se não iniciem grandes esquemas que não possam ser executados gradualmente, como que independentemente uns dos outros, mas susceptíveis de produzirem rendimentos logo que estejam concluídos, até antes da execução do esquema geral, como seria, por exemplo, o caso do Tejo e do Mondego e, possivelmente, noutras bacias hidrográficas.
A obra da criação de rendimentos que influam na subsistência interna e na balança de pagamentos, nas circunstâncias actuais, exige uma viragem rápida e enérgica para a rega de terrenos que classifiquei de terrenos ricos, embora o não sejam com os métodos de cultura actuais.
Estas razões levam-me a não aprovar o esquema do Guadiana tal como a ele se refere o Plano.
Se houver investimentos disponíveis, devem ser orientados para esquemas já executados ou em vias de execução e insuficientemente aproveitados, e em especial para aqueles onde haja população que saiba regar, sus-

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ceptível de extrair maiores rendimentos, e que, enquadrados num plano de aproveitamento integral, sejam peças de um esquema completo de utilização da água.
Vai nisso a própria segurança interna.
Parece-me estarem dentro destes princípios o esquema do Alto Sado, por ser complementar, segundo informa o Plano, e os esquemas do Mondego e Cova da Beira. E haverá, por ventura, outros no Ribatejo e mais regiões não longe dos grandes centros consumidores.
Esta orientação, em meu entender, não implica que eu seja contrário aos esquemas do Baixo Alentejo, sugeridos por mim alguns. Os estudos realizados mostram estarem certas as previsões então expostas. Simplesmente me parece que as circunstâncias, de momento, conhecidas de todos, não são propícias à utilização de grandes investimentos em esquemas que não possam produzir benefícios rapidamente. Adiá-los para melhores dias parece-me ser regra de boa política económica e financeira. Não implica o seu abandono.
Sr. Presidente: Em contrário do que é meu hábito, tenho tomado longo tempo a esta Câmara! Já agora, se me é permitido, direi mais algumas palavras.
Deu-se uma viragem na política de energia há meia dúzia de anos.
Do frenesim meritório de aproveitamentos hidráulicos passou-se para o frenesim das centrais térmicas. Em meu entender foi um erro. Felizmente que se tenta atalhar agora esse erro, embora tardiamente. Perdeu-se uma excelente ocasião de construir centrais hidroeléctricas em boas condições que substituiriam com vantagem as centrais termoeléctricas. Mas parece sermos agora avessos aos grandes embalses que acudiriam à rede nos anos secos e nas horas de ponta e tem grande influência nos climas, na alimentação e outras questões de interesse.
Os progressos da energia atómica talvez que em breve tornem obsoletas as centrais térmicas clássicas.
Um simples golpe de vista às coisas do Mundo, em especial no que nos diz respeito, dá ideia dos males de basear os abastecimentos de energia em combustíveis importados, e não são desconhecidas, por serem evidentes, as dificuldades e carências resultantes de acontecimentos políticos em matéria de energia. Aqueles países que tenham possibilidades de se bastar a si próprios nesta matéria farão bem em aproveitar os recursos nacionais. Ora, os recursos nacionais em Portugal, por enquanto, são exuberantes. Porque então fazer depender a economia nacional de embargos, destruição ou encerramento do canal do Suez e de outros meios de coacção?
Porque agravar a balança de pagamentos com grandes importações de combustível? Porque tornar mais cara a energia?
Parece que a razão fundamental reside em menores investimentos nas instalações térmicas do que nas hidroeléctricas. Terá sido feito um estudo cuidadoso, envolvendo o transporte de ramas, o custo das refinarias e outras despesas inerentes ao combustível, na parte relativa ao investimento?
Se há possibilidades de, dentro de anos, obter combustível atómico de fontes nacionais, porque insistir nos combustíveis de origem externa? O caso de a origem desses combustíveis ser nas províncias ultramarinas, pelo que toca a segurança, é semelhante ao de outras origens.
Parece-me, pois, que deverá ser revista a parte do Plano que diz respeito às centrais do Carregado e de Rio Maior. A segunda talvez tenha mais razão de ser do que a primeira, embora não possa pronunciar-me agora, visto ter estudado o assunto das minas de Rio Maior, como técnico, há cerca de 40 anos.
Nessa altura, creio ter emitido o parecer de que a única solução para aqueles combustíveis era o da sua queima à boca da mina, como propõe o Plano. Mas passaram tantos anos e o Mundo evoluiu de tal modo em matéria de energia e exploração mineira que não me poderei pronunciar. Aliás, nessa altura os trabalhos de pesquisa eram sumários. Não sei se será agora a altura de os aproveitar.
Os transportes e comunicações são dotados com 27 090 000 contos, 22 por cento do total, subdivididos na forma seguinte:

[Ver Tabela na Imagem]

A origem dos financiamentos dá logo a ideia de que o Plano não será inteiramente realizado, em especial na marinha mercante, o que será um grande mal. Mas não me deterei neste aspecto, nem até no que se refere às atribuições parcelares.
Destacarei, porém, três sectores: o dos transportes rodoviários, o dos portos e o dos transportes urbanos e suburbanos.
Quanto ao primeiro, os rodoviários, a dotação é escassa.
Tenho pugnado há muitos anos pelo aperfeiçoamento do sistema rodoviário e estranhei na discussão do II Plano a ausência de dotações neste sector, que, no final de contas, está a produzir as receitas que financiam a manutenção do sistema ferroviário e ultimamente dos transportes urbanos e suburbanos através do Fundo Especial.
Se se atender a que ainda não há uma ligação rápida e adequada entre Vilar Formoso e Lisboa, num país que tem a sua principal receita no turismo, que há estradas do plano rodoviário de 1889 que ainda esperam conclusão, apesar de terem sido encetadas nos dois extremos, que a rede necessita de ser modernizada, vê-se logo a insuficiência da dotação, em especial se for considerada a alta dos salários com reflexo no custo do quilómetro. Talvez que a insuficiência se pudesse neutralizar mantendo normalmente a despesa extraordinária, cerca de 250 000 contos por ano, que acresceria à dotação do Plano. Mas duas resoluções têm de ser adoptadas: as verbas serão gastas na rede, não em novas e volumosas obras que a desfalquem, como aconteceu no passado. A dotação de estradas seria destinada em primeiro lugar a concluir o plano rodoviário ainda atrasado.
Só deste modo se poderá atender às justas reclamações de zonas do interior e dar ajuda ao seu desenvolvimento.
Depois do que disse sobre a escassez e custo dos investimentos, ninguém estranhará o meu desacordo com a inclusão da verba de 1 200 000 contos para construir 9,75 km do Metropolitano de Lisboa.
O Metropolitano tem recorrido ao Fundo Especial de Transportes Terrestres para financiamentos, e no esquema agora proposto recorrerá ao crédito interno, naturalmente

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através do Fundo, e ao crédito externo, provavelmente com o aval ou acordo do Governo.
Estaremos em condições de investimentos desta natureza com encargos que podem ser externos e pesar na balança de pagamentos sem reprodução adequada?
Julgo ser mais sensato adiar este empreendimento para melhores dias e utilizar os investimentos, se os houver, em empresas de alta reprodutividade.
No caso dos portos, a dotação é de 2 071 000 contos, pertencendo ao porto de Lisboa 800 000 contos.
O parecer tratou repetidas vezes do porto de Lisboa, e já em 1939 sugeriu uma obra de grande influência, que é o complemento da 1.ª secção, da Rocha do Conde de Óbidos ao Terreiro do Paço.
Era uma obra que se poderia pagar a si mesma naquela data, dado o valor dos terrenos reclamados ao Tejo. Parece haver falta de cais em certas épocas e até de docas. As condições devem ter-se modificado desde então, mas o esquema, nas suas linhas gerais, mantém-se. O porto tem utilizado altas quantias, como a do porto de pesca, mal situado, e que, parece, por isso mesmo, ainda há-de requerer maiores dispêndios. Ele constitui a prova concreta de erros no planeamento.
Mas nas palavras dedicadas ao porto nem se toca ao de leve na navegação fluvial, no estuário e no próprio Tejo, o que me parece ser descuido grave. O futuro o dirá.
Quanto ao porto do Douro e Leixões, a verba de 702 900 contos é em grande parte destinada aos cais e à terminal de petróleos, ao todo, nos dois casos, 411 300 contos.
Ao porto do Douro destinam-se 30 000 contos. Chamo a atenção para o facto de que, segundo todas as indicações, o rio Douro será navegável, mais ou menos, no fim do Plano, se prevalecerem as ideias hoje assentes. Ora, o porto do Douro desempenhará um papel de grande relevo no escoamento dos milhões de minérios transportados rio abaixo. Não será agora altura de estudar o meio de dar seguimento à navegação marítima, em especial no que se refere a possibilidades de exportação? Julgo que o assunto já foi alvo de atenção quando se delineou o plano geral do Douro.
Neste aspecto de portos, a política seguida não tem sido a melhor. Se fosse feita a soma de todas as dotações de portos desde data já longínqua, depois da reorganização financeira, do primeiro empréstimo para portos, causaria surpresa o seu quantitativo, em especial se fossem vertidas em preços constantes, por exemplo os de 1963, as somas gastas em cada ano. E parece que alguns dos portos contemplados estão longe de desempenhar as suas funções. Julgo ser necessário proceder com urgência ao estudo de um plano de portos, de não os dotar esporadicamente, com intervalos que permitem assoreamentos ou outras dissipações, e que, pelo menos por agora, enquanto não houver melhores conhecimentos sobre a economia das regiões que pretendem servir, sejam reduzidas obras dispendiosas.
Não desejaria falar agora no planeamento regional. É um assunto que apaixona as populações.
No planeamento regional têm de ser consideradas fundamentalmente as aptidões agrícolas, as possibilidades industriais e, subsidiariamente - hoje muito importantes -, as questões relacionadas com o turismo.
E um problema difícil, que, em meu entender, não pode ser resolvido por simples enquadramento de distritos num esquema geral. Quando, como no caso do Plano, se incluem na mesma região distritos com características divergentes, ou sem ligações adequadas, e de feição económica que se não amolda a uma orientação comum, o caso torna-se mais complicado.
Em muitos países os rios navegáveis ou canais foram, e são, os grandes propulsores das economias regionais. Talvez porque o rio fornece água, energia e transporte, como no caso da Alemanha, França e dos Estados Unidos. Mas a zona ribeirinha seria, e é, nesses países como que o centro motor do desenvolvimento regional. Muitas indústrias subsidiárias, ou não, poderiam instalar-se fora dessas zonas, embora sob sua directa influência. Seriam tributárias e complementares da influência do vale.
Mas nós não temos nem canais, nem rios navegáveis e parece que nem pensamos em tê-los. Somos ricos e não aproveitamos o que a Natureza pôs ao nosso alcance.
De modo que o planeamento regional nunca poderá vir a ser aquilo que poderia ser.
Antes de terminar desejaria dizer umas palavras sobre as indústrias transformadoras.
O seu contributo para o produto interno bruto, em 1966, elevou-se a 35,2 por cento, mais 2 458 000 contos do que em 1965.
A subida foi inferior à deste ano em relação a 1964, por cerca de 500 000 contos. Apesar de tudo, ela conseguiu neutralizar a grave descida de 2 193 000 contos no produto agrícola.
O aumento total do produto interno bruto arredondou-se em 2 774 000 contos, ou menos de 3 por cento. Em 1965 a taxa de aumento havia sido de 7 por cento, números redondos.
Estas cifras, em continuidade com as que já dei para a balança de pagamentos, mostram uma situação que requer severas medidas de austeridade nos gastos supérfluos do Estado e de particulares e orientação nos investimentos para fins altamente reprodutivos. E, ainda mais, implicam o desvio dos investimentos disponíveis para fins agrícolas e industriais que possam produzir rapidamente bens para consumo interno e exportação, a preços de concorrência.
Elevar o contributo da agricultura no produto nacional e, ao menos, manter u percentagem de acréscimo do produto industrial de 1965, ou 10 por cento, suo condições fundamentais. Mas não podemos ter ilusões nesta matéria, agora que se processam elementos dirigidos para baixa nas pautas aduaneiras. O crescimento industrial, e também o agrícola, só pode ser obtido com investimentos dirigidos para fins que assegurem rendimentos adequados, acompanhados de uma grande melhoria da produtividade do trabalho. E esta deixa muito a desejar, salvo excepções, quer por organização deficiente, quer por direcção pouco cuidada, quer ainda por equipamento antiquado em muitos casos. O progresso da indústria depende essencialmente do homem, na organização e na técnica, e, na concorrência com mercados externos, de equipamento eficiente. Na consecução destes fundamentos está o futuro da indústria nacional.
Não é este o lugar, nem o adiantado da hora o permitiria, nem eu teria a competência, para ponderar os termos de uma reforma das indústrias.
Talvez que alguns exemplos relevantes escolhidos na minha longa experiência nesta matéria possam mostrar o que é possível fazer.
Um caso ocorre agora: uma fábrica iniciou a sua reorganização com a venda de 20 000 contos anuais. Em pouco tempo - meia dúzia de anos -, através de várias vicissitudes, elevou as suas vendas para cifras muito além de 120 000 contos, com uma parcela muito sensível nos mercados externos, em concorrência, nalguns, com mercadoria proveniente de países altamente especializados. E nesse espaço de tempo, com autofinanciamento e

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crédito bem aplicados, modernizou profundamente as suas instalações.
O homem, ou os homens neste caso, com a sua humildade, cultura, devoção e competência foram os propulsores do êxito.
Alguns outros casos se poderiam citar.
A iniciativa privada tem, no aspecto industrial da economia, um papel de relevo. O Estado, por seus órgãos, deve reduzir ao mínimo a sua intervenção, que deverá ser de preferência encaminhada no sentido de reduzir equipamento antiquado ou superabundante, manter a qualidade dos produtos e castigar a concorrência de produtores nacionais nos mercados externos.
Se há um sector que se não coaduna com teorias livrescas, expressas em leis ou em longos debates ideológicos, esse sector é o da indústria.
Ele tem de basear-se no aperfeiçoamento dos fabricos, por investigação cuidadosa e persistente, em técnica apurada, na devoção à seriedade industrial, na educação especializada do operário e do técnico, na ausência de peias burocráticas e na compreensão de todos, de governantes e governados, de que da prosperidade da indústria e também da agricultura deriva a prosperidade do País.
E, como corolário destes princípios, ao Estado compete vergar os ambiciosos que, por meio de monopólios ou outros processos, tendam a impedir a concorrência salutar que está na base do progresso económico.

O Sr. Veiga de Macedo: - Muito bem!

O Orador: - E estou no um. Disse mais do que era minha intenção dizer, e menos do que era preciso dizer. Mas quem tem paixão pelo bem-estar do País, permanente há tantos anos no estudo das suas perspectivas fundamentais, merece, julgo eu, a benevolência dos que o escutam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nós devíamos, em muitos aspectos da nossa vida, ser mais humildes na apreciação das nossas obras. Não deveríamos pensar que os nossos operários, os nossos engenheiros, os nossos agrónomos, os nossos estadistas, os nossos médicos, os nossos economistas, os nossos jurisconsultos, são os melhores do Mundo. Não. Uma linha de pensamento sensata, em meu entender, será a de aproveitar a experiência e a investigação de povos afins nos nossos planos, no nosso trabalho.
Começámos mais tarde no desenvolvimento económico. Os outros já haviam sofrido desilusões, praticado erros, dissipado investimentos. Aproveitar da sua experiência é uma regra de ouro. Ir buscar especialistas onde os houver não fica mal a ninguém. Todos os países o fazem, ainda os mais avançados na técnica.
O mundo actual vive de realidades. E a grande realidade no nosso caso é defender o território nacional - com armas nas províncias ultramarinas, com uma economia sã e progressiva e com projectos realistas na metrópole e no ultramar.
É de uma economia sã e progressiva que depende o futuro do País.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Inscreve-se pela primeira vez como grande objectivo do Plano de Fomento a correcção progressiva dos desequilíbrios regionais de desenvolvimento.
A importância e oportunidade deste desígnio sugerem-me que dedique ao desenvolvimento regional a presente intervenção, pois também estou convencido de que a libertação do círculo vicioso de pobreza e atraso em que se debatem regiões do espaço económico português deve constituir uma das principais preocupações do Governo.
O capítulo do projecto do III Plano relativo ao desenvolvimento regional denuncia dificuldades que talvez se possam resumir nestes termos: êxodo rural, no continente, nomeadamente a partir das regiões montanhosas do interior, que se vai transformando em autêntica debandada; desequilibrada distribuição espacial de pessoas e actividades, com uma quase concentração em alguns distritos do litoral, os quais dispõem de mais completo esquema de infra-estruturas; crescimento relativamente desmedido de Lisboa e do Porto - e respectivas zonas satélites -, regiões que quase monopolizam o potencial económico financeiro do País; ausência de centros populacionais ou polarizadores - além de Lisboa e do Porto - que apoiem um melhor ordenamento espacial, atenuando os contrastes existentes.
Quais as causas da presente situação?
Factores geográficos, históricos e técnicos; custos de infra-estruturas e economias externas; processos acumulativos de crescimento e de depressão - eis um mundo de depoimentos. Pode dizer-se que o clima, as distâncias, as facilidades de comunicações, se ligaram à acção (ou à inacção) dos governos para justificar o desenvolvimento do Portugal do litoral e explicar o deserto em que se está transformando o Portugal do interior.
Revela o projecto do III Plano que as desigualdades regionais se acentuaram num processo acumulativo de crescimento. A carência de infra-estruturas e a atracção dos empresários por zonas convenientemente equipadas estão ainda na base deste agravamento. É comum, de resto, afirmar-se que o livre jogo das forças do mercado contribui, ele próprio, para as assimetrias espaciais.
Lisboa (ou o Porto) terá exercido por graça desta relativa disponibilidade em factores produtivos, em capitais, serviços, vida social e intelectual intensa, um efeito de maior emprobrecimento sobre as zonas já atrasadas. A fuga das populações activas atraídas pela cidade, dos capitais captados pelo sistema bancário, o retrocesso da agricultura, a ausência de elites e a destruição das classes médias rurais, tudo são realidades de um processo de empobrecimento progressivo que afecta profundamente os valores da Nação.
Podemos assim falar nos graves custos dos nossos desarranjos espaciais. Manifestam-se não só nas regiões abandonadas, mas também nas zonas de concentração. Revestem natureza económica, financeira, demográfica, social e humana.
Não me parece que disponhamos no continente de grandes alternativas em matéria de aproveitamento de recursos naturais que nos permitam abandonar, pura e simplesmente, grandes áreas de um pequeno país, destruindo capital fundiário que gerações laboriosas acumularam durante séculos. Acresce que o processo de regressão das nossas zonas montanhosas se tem revelado nas contrariedades relativas à constituição e amortização do próprio capital humano. Há anos dizia-se que as populações emigravam nas idades viris, restando as crianças e os velhos. Hoje é flagrante um maior desequilíbrio na base das pirâmides etárias, dada a repercussão da saída dessas populações na diminuição das taxas da natalidade.
Agora que a juventude dos campos se bate em África pela sobrevivência de Portugal, torna-se bem evidente residir neste mundo rural a grande reserva das virtudes

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da Nação. Daqui, ainda, constituir a valorização destas populações não só um imperativo de justiça fraterna, mas de salvação nacional.
Erguem-se, por vezes, algumas vozes a favor de uma maior concentração de actividades, invocando critérios de produtividade. É o sucesso aparente do êxito fácil ou, até, a minimização do destino ultramarino de Portugal, repensando o nosso futuro apenas ligado à Europa.
Para lá de, nesta óptica, se esquecerem as potencialidades reais das zonas atrasadas e a existência de uma população rural que só valorizada será consumidora, conviria responder a outras questões:
Ter-se-ão obtido, nos investimentos realizados nas concentrações de Lisboa e do Porto, excelentes relações capital-produto? Defendeu-se a economia portuguesa de estrangulamentos sectoriais? Fez-se o melhor aproveitamento dos recursos naturais, libertando, por exemplo, a indústria de uma dependência do exterior em energia e matérias-primas?
Os custos de congestionamento - ao que creio por estudar entre nós - depõem contra a concentração de actividades. O custo dos serviços públicos cresce mais do que proporcionalmente à expansão das cidades; a extensão desmedida dos aglomerados urbanos e industriais obriga a grandiosas infra-estruturas, para libertação de um congestionamento bem patente, por exemplo, no tempo que os operários perdem para alcançar os locais de trabalho.
Convirá sempre ter presente que o sentido mais amplo do desenvolvimento económico consiste na promoção humana das respectivas populações. O homem ocupa neste esforço o primeiro lugar, não só como agente de valorização, mas, sobretudo, como sujeito de necessidades. Assim, os que proclamam a economia ao serviço do homem - e não o homem ao serviço da economia - advogarão, coerentemente, esquemas de desenvolvimento regional.
Sr. Presidente: São noções correntes na problemática de que nos ocupamos as de região, pólo de desenvolvimento e capital regional.
Os estudiosos das realidades portuguesas deparam com vários conceitos de região - física, administrativa, económica ... Caracterizada, porém, para efeitos de desenvolvimento, como «um conjunto homogéneo de estrutura», reconhece-se a oportunidade de delimitação natural.
Mas também se tem acentuado que o desenvolvimento se obterá mais eficazmente no quadro de uma região definida a partir de pólos de crescimento do que num espaço apenas decalcado numa definição administrativa ou arbitrária.
Estes pólos não se esgotam, contudo, nos centros urbanos, podendo ser constituídos por um complexo industrial, uma exploração mineira, uma grande barragem, uma simples via de comunicação ...
Mas, para que se fale de um equilíbrio regional, reputa-se indispensável a existência de uma conveniente estrutura urbana. As macrocefalias de Lisboa e do Porto deveriam ser atenuadas pela existência de outros centros urbanos, possuindo entre 200 000 e 50 000 habitantes. Já se afirmou que um diagrama de escalonamento urbano «seria muito mais regular se, por exemplo, Coimbra e Setúbal tivessem, respectivamente, uns 140 000 e 70 000 habitantes, em vez dos 46 000 e 44 000 que apresentaram em 1960».
A região, para lá da sua capital, centro por excelência terciário, deve ter outros núcleos secundários, o que permite uma ocupação ideal do território, desde a capital regional aos modestos aglomerados rurais. Os meios de acção e de informação tornam-se progressivamente mais poderosos e aptos a resolver, no âmbito regional, os complexos problemas da vida individual e colectiva.
Quando atentamos nos estudos realizados no continente, em matéria de desenvolvimento regional, ou até nos empreendimentos dos últimos planos de fomento com maior projecção regional, encontramo-nos com as bacias hidrográficas dos nossos rios.
As possibilidades do Douro residem principalmente na produção de hidroelectricidade. A exploração conjugada do Douro e seus afluentes asseguram uma produção anual de mais de 8000 GWh.
Mas o Douro ainda proporcionará outras vantagens relacionadas, por exemplo, com a rega, a navegação e a pesca. Estudos realizados, já há anos, admitiam a viabilidade de regar cerca de 11 000 ha, destacando-se as zonas de Figueira de Castelo Rodrigo (4200 ha), Mirandela (2000 ha) e Vale da Vilariça (1700 ha). Por outro lado, a existência de apreciáveis recursos económicos justifica o tráfego fluvial. Assim, o melhoramento das condições de navegabilidade do Douro nacional, em conjugação com os aproveitamentos hidroeléctricos em curso, apoiará as minas de Moncorvo, beneficiará a extracção do carvão do Pejão e as explorações de Vila Cova, além do próprio tráfego originado no vinho do Porto.
Quanto ao Mondego, é ponto assente poder produzir cerca de 650 milhões de kilowatts-hora, garantidos em 100 por cento dos anos, sem necessidade de apoio exterior. O sistema explorado com a central de Asse Dasse, dando apoio interanual à rede eléctrica nacional, pode garantir um acréscimo de energia marginal da ordem dos 1100 milhões de killowatts-hora.
Mas o interesse do Mondego reside ainda nas possibilidades de rega dos campos de Coimbra à Figueira da Foz (15 000 ha), de Cantanhede ao Vouga (30 000 ha), da Cova da Beira (5000 ha a 6000 ha) e de Celorico (1000 ha).
Acrescem as vantagens complementares de um aproveitamento para fins múltiplos: domínio dos caudais sólidos; regularização das cheias; abastecimento de água de dezenas de concelhos de três distritos; melhoria das condições do porto da Figueira da Foz ...
O Tejo, ainda recentemente realçado numa publicação da autoria do Eng.º Araújo Correia, poderá produzir energia, embora em menor escala que o Douro, no que toca a energia permanente, permitir a navegação até à Espanha, possibilitar a rega no Ribatejo (e no Alentejo), valorizando áreas pouco produtivas e pouco povoadas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Já há anos se acentuava, num estudo sobre as possibilidades hidroeléctricas do Tejo e dos seus afluentes Erges e Ocreza, que o sistema Tejo-Ocreza poderia constituir um dos mais importantes aproveitamentos hidroeléctricos nacionais, não só pela produção de cerca de 1500 milhões de kilowatts-hora em ano médio, mas, principalmente, pela elevada compensação interanual que poderia assegurar à rede eléctrica nacional.
Finalmente, quanto ao Guadiana, parece abrirem-se mais largas perspectivas no que respeita ao aproveitamento das suas potencialidades. Nos estudos realizados inicialmente para o Plano de Rega do Alentejo, estimou-se que dos 1668 milhões de metros cúbicos de água indispensáveis aos grandes aproveitamentos 252 milhões seriam bombados do Guadiana.
E minha convicção de que no debate sobre a divisão regional do continente para efeitos de desenvolvimento planeado deveríamos aceitar a predominância destas bacias hidrográficas.

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2018 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 107

Os 18 distritos do continente terão uma população média de 480 000 habitantes e uma área de 5000 km2. Se aceitarmos a sugestão - já expressa - de dividir o continente em quatro regiões, obteremos uma extensão média, por região, de 22 000 km2 e uma população de 2,1 milhões de habitantes.
A primeira região com fulcro na bacia hidrográfica do Douro incluiria não só os distritos ao norte do rio, mas os concelhos da sub-região de Lamego, a que se juntariam mais quatro do distrito da Guarda (Aguiar da Beira, Trancoso, Meda e Foz Côa). O Porto seria, naturalmente, a capital regional, acolitada por outros núcleos urbanos s desenvolver, nomeadamente Braga.
A bacia hidrográfica do Mondego constituiria a base da segunda região. Integrada pelas três Beiras, teria como limites ao norte as zonas já referidas da margem esquerda do Douro, que pertenceriam à primeira região. A parte sul do distrito de Castelo Branco furtar-se-lhe-ia como tributária do Tejo.
Na zona litoral ao eixo Coimbra-Figueira da Foz acresce a bacia do Vouga, cujas potencialidades já foram objecto de estudo..

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A partir do rio Tejo, construir-se-ia a terceira região, de que fariam parte a Estremadura, o Ribatejo, o Sul da Beira Baixa e parte do distrito de Portalegre. Para lá do eixo Lisboa-Setúbal (mesmo sem o canal ligando os dois estuários), já hoje se verifica um relevante esforço de industrialização ao longo do rio principal, de que a sub-região de Abrantes é testemunho.

O Sr. Serras Pereira: - Muito bem!

O Orador: - A superfície alentejana a integrar na quarta e última região do continente seria a das bacias hidrográficas do Sado, do Mira e do Guadiana. Juntar-se-lhe-ia o Algarve. A serra algarvia e o planalto têm afinidades com o Sul alentejano; o litoral e as terras baixas, embora distintas, não têm dimensão que fundamente outra região. Em terras do Alentejo, Évora oferece boas perspectivas de centro terciário, ligado a uma tradição universitária a restaurar, e Beja apresenta agora a imagem nova de uma vocação militar. No Algarve - além do desenvolvimento turístico - conviria examinar, para localização industrial, as possibilidades dos conjuntos Lagos-Portimão ou Faro-Olhão-Tavira.
Se aceitarmos, numa óptica não excessivamente optimista, que as potencialidades hidroeléctricas do continente ,se estimam em 15 000 GWh anuais, concluiremos estarem ainda por aproveitar 60 por cento destes recursos.
Não se compreenderá, deste modo, uma política energética que minimize tais possibilidades hídricas, dando excessiva preponderância à produção térmica. Mas também me parece menos justificada uma concentração de aproveitamentos num rio, esquecendo as possibilidades dos restantes ou, até, a viabilidade de aproveitamentos para fins múltiplos nestes últimos.
Infelizmente, o Mondego é postergado para segundo plano, verificando-se mesmo um retrocesso relativamente aos programas do Plano Intercalar. Não creio que tal posição, tanto do ponto de vista económico como político, seja a que mais interessa ao País.
Com alguma estranheza verifico que o capítulo do projecto do III Plano relativo ao desenvolvimento regional não atende particularmente à agricultura.
Por todo o Mundo os governos têm definido e executado políticas agrárias, na convicção de que a sorte do sector não se liga a simples expedientes de momento ou aos interesses de um ou outro grupo de pressão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Certos espíritos parece acalentarem a existência de um antagonismo entre a indústria e a agricultura, o que não passa - segundo creio - de um falso dilema. No seu furor produtivista sustentam que o progresso económico se obtém mais rapidamente concentrando os recursos produtivos na indústria. A directriz da industrialização por qualquer preço tem subtraído bruscamente à agricultura recursos materiais e humanos, o que não raro se traduz em dolorosas crises. As vicissitudes da economia argentina, no tempo de Perón, ou a experiência de industrialização da China comunista, poderiam ser invocadas.
Penso que na articulação do sector agrícola com o desenvolvimento- regional mantêm actualidade, além do mais, as seguintes questões: integração dos planos de acção dos serviços no desenvolvimento regional; correcção das estruturas agrárias; prioridade para a assistência técnica e financeira em determinados melhoramentos fundiários; reconversões culturais; protecção às empresas agrícolas de tipo familiar económicamente viáveis; constituição e funcionamento de cooperativas e de outras formas de associações de empresários agrícolas e florestais; comercialização e industrialização dos produtos agrícolas, tendo ainda em conta o abastecimento público e a defesa dos preços dos produtos agrícolas; valorização do nível de vida, das condições de trabalho e extensão da segurança social às populações rurais.
Desta imensa problemática das relações entre a agricultura e o desenvolvimento regional, insisto na relevância de três aspectos: a água, a floresta e a industrialização dos produtos agrícolas.
A importância da água como factor de ordenamento é universal, constituindo, de resto, os problemas da sua plena utilização motivo de preocupação por toda a parte.
Embora menos acentuado que o incremento do consumo da electricidade, a verdade é que o ritmo de aumento de utilização da água se traduz, por exemplo, em França, numa duplicação de quinze em quinze anos.
Penso ter chegado a hora de se realizar entre nós um reconhecimento geral das nossas disponibilidades hídricas e uma planificação, à escala territorial, do seu aproveitamento. Tal planificação, considerando .particularmente as bacias hidrográficas, evitaria perdas consecutivas, permitindo a constituição de reservas necessárias ao ajustamento, quer no tempo, quer no espaço, das disponibilidades às necessidades.
Uma palavra sobre os planos de rega. Sou dos que acreditam que eles não constituem um fim em si mesmo, apenas se justificando como meio para melhor produção da terra. Assim, a terra terá de justificar tal dispêndio. De resto, a viabilidade dos equipamentos hidráulicos depende de outros equipamentos complementares, como são os de natureza agronómica, os respeitantes a transportes e comunicações, às disponibilidades de energia barata e à comercialização e industrialização dos produtos agrícolas.
Tem-se insistido em fazer felizes, pela rega, populações que manifestam pouco interesse por tal desígnio, negando, por outro lado, tal possibilidade a outras regiões que; por suas condições naturais e aptidão das populações para o regadio, deveriam ser consideradas prioritariamente.

Vozes: - Muito bem!

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7 DE DEZEMBRO DE 1967 2019

O Orador: - Julgo que num critério de rentabilidade de investimentos o Plano do Mondego deveria ter prioridade sobre a 2.a fase do Plano de Rega do Alentejo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Os números que seguem - extraídos de duas publicações da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos - permitem uma comparação entre os resultados previstos para o Plano do Alentejo e para os campos do Mondego:

[Ver Tabela na Imagem]

A obra de repovoamento florestal levada a cabo pelo Governo nas últimas décadas é credora dos mais rasgados elogios.
No caso das bacias hidrográficas, o repovoamento florestal constitui não só um elemento criador de riqueza, mas factor decisivo na luta contra a erosão. A floresta será sempre indispensável à manutenção da capacidade útil das albufeiras. Assim, para lá da desejável recuperação florestal e silvo-pastoril, efectuada, ao abrigo da Lei n.º 2069, em solos de capacidade de uso não agrícola da propriedade privada, o esforço de repovoamento de baldios susceptíveis de aproveitamento não deve abrandar.
A lição do complexo de Cachão, no Nordeste transmontano, ou das realizações do Baixo Ródano-Languedoque (em frança), do Mezzogiorno (em Itália) ou mesmo do Plano de Badajoz (em Espanha), iluminarão os caminhos a percorrer em matéria de industrialização dos produtos agrícolas. Impõe-se uma consciencialização racional, e não apenas sentimental, da importância da industrialização para o desenvolvimento regional. E, nesta medida, teremos de cuidar no particularismo de algumas exigências: absorção e adaptação dos trabalhadores rurais nestas indústrias; suficiência em matérias-primas e viabilidade de escoamento dos produtos; intervenção pública nos complexos das infra-estruturas; consagração de sociedades cooperativas ou de economia mista para a industrialização; acumulação de capitais suficientes para financiar os investimentos satisfatórios; políticas fiscais adequadas à localização; assistência técnica ... Mau grado as dificuldades que nos possam surgir, não devemos minimizar os esforços desta industrialização, nem retardar a sua efectivação.
Todo o esforço que no III Plano se fizer para libertar as indústrias extractivas do continente da apagada e vil tristeza em que têm vegetado terá benéfica repercussão regional.
A sorte mesquinha das indústrias extractivas apreende-se destes números: o valor bruto de produção de substâncias concessíveis, a preços correntes, passou da média de 490 000 contos no triénio de 1953-1955 para cerca de 380000 contos em 1963-1965; a queda no volume de emprego, por seu turno, foi de 14 000 trabalhadores em 1953, para 23 500 em 1965.
Mas serão os recursos do nosso subsolo inteiramente minguados? Em oportuno aviso prévio, discutido em 1965 na Assembleia Nacional, demonstrou-se que não. Elementos comprovados revelam aguardarem extracção minérios num valor que se estima em mais de 120 milhões de contos.
Os aspectos negativos da indústria extractiva portuguesa têm-se traduzido, além do mais, numa proliferação de concessões, numa pequeníssima dimensão das explorações e na falta de capacidade técnica e financeira dos concessionários.
Afigura-se-me a oportunidade, para revitalização deste sector, de medidas de carácter geral relativamente: à reorganização da Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos; à actualização dos diplomas legislativos respeitantes às minas, às pedreiras e às águas mineromedicinais; à intensificação do reconhecimento dos recursos do subsolo e publicação da carta geológica; à valorização dos produtos mineiros e das pedreiras pela sua integração vertical na indústria transformadora; à criação de um fundo de fomento mineiro; à formação profissional dos trabalhadores e mecanização das explorações; à adopção de políticas favoráveis quanto aos custos de transporte e à energia; à estruturação corporativa e às actividades comerciais relacionadas com a exportação, e, finalmente, à definição de uma política mineira que tenha em conta as potencialidades e necessidades de todo o espaço económico português.
Os grandes jazigos localizam-se não raro nas regiões atrasadas, donde o seu indiscutível contributo para o desenvolvimento polarizado.
Pode-se, por exemplo, contestar a riqueza do subsolo de Trás-os-Montes? Uma simples observação da carta mineira da região revela: ferro em Moncorvo, Vila Cova e Guadramil; volfrâmio na Borralha, Vale das Gatas, Cerva, Ribeira, Vale do Milho, Lagoaça; estanho em Montezinho, Tuela, Argozelo; ouro em Sales, no concelho de Vila Pouca de Aguiar; mármores e alabastros no Vimioso; lousas em Foz Côa, e águas de mesa e mineromedicinais em Chaves, Vidago, Pedras Salgadas, Carvalhelhos, Carlão, S. Lourenço ...
Os dois projectos relevantes quanto a indústria extractiva no III Plano relacionam-se com os minérios de ferro de Moncorvo, encarando a Companhia Mineira de Moncorvo e a Ferrominas a produção de pellets.
A Ferrominas prevê uma produção de 750 000 t por ano, a partir de fins de 1968, sendo metade para a exportação e a outra metade destinada à Siderurgia Nacional; a Companhia Mineira de Moncorvo encara a produção anual de 1,5 milhões a 2,5 milhões de toneladas, a partir de 1972, totalmente destinados à exportação.
Para lá de os programas referidos se concretizarem nos prazos previstos subsiste a questão essencial de ligar as reservas de Moncorvo ao desenvolvimento regional de Trás-os-Montes. Moncorvo poderá ser um relevante pólo de desenvolvimento na primeira das quatro regiões em que consideramos dividido o continente.
Outro exemplo é o do carvão. Temos importado da Polónia e da Checoslováquia. As nossos importações anuais cifram-se em 500 000 t, no valor de 200 000 contos. Os carvões nacionais, embora de poder calorífico inferior e com maior percentagem de cinzas, têm um preço por caloria inferior ao estrangeiro. O III Plano prevê a construção da central térmica de Rio Maior, que queimará as res-

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pectivas lignites, tal como acontece com a central da Tapada do Outeiro, para as antracites do Douro. Seria ainda louvável todo o esforço de melhor aproveitamento de carvões nacionais, reduzindo as importações. Estará, por exemplo, estudada a possibilidade de utilização na metrópole dos carvões do Tete?
Tem-se afirmado não ser difícil extrair anualmente 2000 t de estanho e 3000 t de volfrâmio, tudo se traduzindo num rendimento anual de cerca de 300 000 contos. Sabemos do efeito multiplicador que tal aproveitamento traria a regiões montanhosas das Beiras e de Trás-os-Montes. Não conviria vencer os obstáculos que se opõem a tal desígnio?
A riqueza do continente em mármores traduz-se numa estimativa das reservas de 250 milhões de toneladas. A exportação anual de mármores tem atingido o valor de 200 000 contos e o consumo interno calcula-se em 160 000 contos. Mas a forma desordenada e antieconómica como se tem feito a exploração e a exportação reclamam enérgicas providências. Temos exportado 80 000 t por ano de mármores em bruto à cotação média de 1000$ por tonelada. Ora, se em vez do produto bruto se tratasse de mármore em obra, o valor subiria de 1000$ para 5000$ por tonelada. Perdem-se assim anualmente 300 000 contos nas exportações.
As águas minerais e mineromedicinais situam-se entre a indústria-extractiva e o turismo. Daí que lhe faça agora uma referência antes de abordar mais concretamente problemas do turismo.
As estâncias termais poderiam constituir pólos de desenvolvimento regional, coadjuvando ainda, pelo equipamento de que dispõem, uma política turística que se ocupe com o enquadramento geral do território.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Com tristeza verifico as omissões do projecto do III Plano a propósito desta riqueza nacional.
Calcula-se existirem mais de 1000 nascentes de águas de mesa e minerais. Encontram-se registados cerca de 250 grupos termais. O número de concessões anda à roda de 120, mas não chegam a 50 os estabelecimentos termais em actividade.
Impõe-se a definição de uma política de aproveitamento e valorização, com relevo para os seguintes pontos: reconhecimento geral das nascentes; estudo analítico físico-químico, biológico e bacteriológico das águas e estudo clínico das suas qualidades terapêuticas; dotação dos trabalhos de captação das nascentes; construção de convenientes instalações balnearias, servidas de pessoal adequado; remodelação ou construção de instalações hoteleiras; criação de meios complementares de atracção turística; extensão do crédito turístico aos concessionários; planos de propaganda para fomento da procura termal entre as populações da metrópole, do ultramar e, até, do estrangeiro.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Escreve-se numa recente publicação da O. C. D. E. (Le Tourisme dans les Pays de l'O. C. D. E., 1967) que a progressão rápida e contínua do turismo internacional constitui, na hora que passa, uma das manifestações mais características do sector terciário na economia mundial.
Em 1966 o movimento de turistas estrangeiros nos países membros da O. C. D. E. ultrapassou - sem contabilizar os excursionistas - os 100 milhões; as correspondentes receitas em divisas - excluindo as dos transportes - foram da ordem dos 280 milhões de contos. A Jugoslávia passou de 41 000 turistas em 1950 para 3 555 000 em 1966; a Espanha, de 1 263 000 em 1951 para 15 859 000 em 1966; a Itália, de 3 500 000 em 1950 para 13 300 000 em 1966; a França, de 3 050 000 em 1950 para 11 800 000 em 1966. Isto sem contabilizar os excursionistas. Na Itália foram em 1966 de 13 500 000 e na Jugoslávia passaram de 3 600 000 em 1965 para 11 200 000 em 1966 ( + 210 por cento).
No relatório do Grupo de Trabalho sobre Turismo e Hotelaria destinado ao III Plano de Fomento acentua-se que se torna impossível uma comparação entre o número de turistas entrados em Portugal antes de 1964 e os números oficiais a partir de 1964. Na verdade, em 1964 modificou-se o critério de definição de turistas, passando a considerar-se também nessa categoria os estrangeiros que permaneceram em Portugal durante menos de 24 horas e os excursionistas de cruzeiros marítimos que desembarcaram durante algum tempo em território português. Não é assim exacto afirmar, como já se tem escrito, que de 1963 para 1964 o número de turistas aumentou de 96 por cento (ou seja, de 516 000 para 1 008 000). São, contudo, possíveis comparações no movimento dos anos posteriores. Assim, entre 1965 e 1966, a fazer fé nos números oficiais, o aumento foi de 27,7 por cento (1 509 000 em 1965; 1 929 000 em 1966).
Outra dificuldade respeita aos números dados como receitas do turismo. Já no parecer subsidiário da Câmara Corporativa sobre o Plano Intercalar de Fomento se consideravam optimistas em demasia e acrescentava-se: «Não se terá tomado como receita do turismo certas remessas em espécie feitas por emigrantes portugueses às suas famílias e que vão (procurar mais tarde as casas de câmbio? Sem querermos ser pessimistas, pensamos que os números citados devem ser tomados com reservas e talvez mereçam exame mais cuidadoso.»
Não se me afigura satisfatório nem realista o capítulo do III Plano relativo ao turismo. O alto montante dos investimentos projectados (11 850 000 contos) é constituído em esmagadora percentagem (9 420 000 contos) por autofinanciamento privado, mas nada se concretiza quanto à certeza destas fontes e viabilidade dos correspondentes empreendimentos. Por outro lado, como se acentua no parecer subsidiário da Câmara Corporativa, os números aceites para as estimativas da procura e da oferta - com sua projecção na capacidade hoteleira e respectivos investimentos - não oferecem segurança.
Tenho para mim que é urgente definir uma política turística em relação a todo o espaço português. Por outro lado, enquanto na metrópole se mantiver a estrutura de um modesto Comissariado do Turismo, não será praticável avançar no sentido de uma integração ou mesmo de um adequado fomento. Impõe-se a criação de um ministério da informação e do turismo e a reorganização dos respectivos serviços provinciais no ultramar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se destas linhas gerais descermos a questões mais concretas, continuam sem a melhor solução problemas essenciais: o das estruturas administrativas regionais; o do dilema turismo de qualidade-turismo de massas; o dos investimentos nos hotéis médios; o da liberalização da política aérea; o da planificação e desenvolvimento turístico regional. Não tenhamos dúvidas: se não nos dimensionarmos convenientemente para o turismo da nossa época, continuaremos a assistir ao sucesso da Es-

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panha e da Jugoslávia, ao despertar para o turismo dos povos da outra margem do Mediterrâneo, dispostos a valorizar o exotismo do seu Norte de África ou o património histórico e a fantasia do Médio Oriente ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Acentuei que o desenvolvimento regional não implica apenas a revalorização nacional do espaço pela melhor utilização dos recursos naturais. Justifica-se na medida em que serve a realização da pessoa humana.
Daqui ainda a importância do chamado «princípio de adesão».
Na verdade, a organização do território não é fruto de uma planificação autoritária e centralista, de programas impostos a partir de Lisboa. Deve antes ter-se em conta uma disciplina voluntariamente consentida, o que naturalmente não se pode obter apenas por via burocrática.
Tornou-se, a tal propósito, vantajoso harmonizar as técnicas de desenvolvimento comunitário com o desenvolvimento regional. Mas este desenvolvimento comunitário tem um sentido mas amplo do que aquele que parece estar presente no capítulo do III Plano sobre desenvolvimento regional. Deve partir das necessidades sentidas pela população; envolve a população no seu próprio desenvolvimento; pressupõe a colaboração entre a população e os serviços públicos; opera, em suma, uma transformação social e progressiva, ao abranger os mais variados aspectos da actividade humana.
Outra omissão do projecto respeita ao papel da Universidade no desenvolvimento regional. Trata-se de uma experiência que conta sucessos por toda a parte. Exemplifique-se: em França, com o contributo dado pela Universidade de Rennes ao desenvolvimento regional da Bretanha ou com os Centros de Estudos de Desenvolvimento Regional das Universidades de Bordéus e de Montpellier; na Itália, com as instituições das Universidades de Catânia e de Messina; na Alemanha, com a Universidade de Keil; na própria Espanha, com o Instituto de Orientação e Assistência Técnica do Oeste, adstrito à Universidade de Salamanca.
Renné Plevan, no preâmbulo do programa bretão de acção regional, salienta que a Universidade deve desempenhar um papel de relevo na França do futuro, acentuando que as Universidades das várias províncias constituirão um dos principais motores do ressurgimento económico regional. A investigação na Universidade, ou em centros cordenados por ela, disporá de meios financeiros mais eficazes, dado que a sociedade estará compenetrada da necessidade de apoiar a Universidade em proveito próprio. Por sua vez, os Poderes Públicos encontrarão .na instituição universitária algo que possa coadjuvá-los, rompendo assim a Universidade com o seu isolamento, ao participar abertamente na vida da Nação.
Reconheço não existir progresso quanto à estruturação, no projecto do III Plano, das instituições propulsoras do desenvolvimento regional. As soluções preconizadas pela Câmara Corporativa no parecer sobre a Junta de Planeamento Económico Regional parecem-me mais realistas e operativas do que a centralização que agora se anuncia. De resto, na primeira versão do respectivo capítulo do relatório preliminar do III Plano, referia-se a oportunidade da existência, em cada centro de decisão, de um órgão orientador e coordenador, de um serviço técnico de planeamento, de uma comissão consultiva e de uma comissão executiva.
O problema não é, de resto, apenas o da existência de novos organismos adequados a acção regional, mas o da integração ou articulação das instituições tradicionais no esforço de desenvolvimento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ainda quanto a este ponto o relatório é omisso.
Já noutras oportunidades, a este propósito, salientei parecer-me oportuno considerar:

1.º A revisão do número e ajustamento nos limites geográficos das autarquias existentes;
2.º O aproveitamento e o revigoramento das instituições de base tradicionais ou criadas nas últimas décadas - municípios, Misericórdias, Casas do Povo, grémios da lavoura, etc., e respectivas federações regionais -, evitando-se inglórios conflitos positivos ou negativos de competências e atribuições;
3.º A consagração da autarquia distrital como federação obrigatória dos municípios da respectiva área e a reestruturação administrativa das zonas de alta concentração urbana;
4.º A dignificação do governador civil, que deverá ser, no plano distrital, e relativamente à administração local do Estado, o primeiro responsável, com poderes relativamente à coordenação, no âmbito distrital, dos serviços sectoriais que hoje se desconhecem, vivendo apenas na dependência dos respectivos Ministérios ou mesmo drecções-gerais.

Ainda uma palavra para as sociedades de economia mista. O seu contributo para o desenvolvimento regional em vários países tem-se traduzido em intervenções relativamente a: operações de bonificação agrária, através de redes de imigração, reconversões culturais, arroteamentos e enxugos de terrenos, criando unidades de exploração agrícola económicamente viáveis; construção e exploração de auto-estradas, sujeitas a portagem, ou de outras infra-estruturas; construção e exploração de mercados de interesse nacional ou regional; exploração de serviços de interesse colectivo, nomeadamente transportes e comunicações; aproveitamento das potencialidades energéticas dos rios ou de outros recursos das bacias hidrográficas, etc.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Impõe-se, entre nós, dar às sociedades de economia mista um regime jurídico adequado, permitindo também a participação nas mesmas das instituições locais.
Sr. Presidente: A política de desenvolvimento regional não deve ficar catalogada no mundo das aspirações, mas concretizar-se, desde já, em empreendimentos. Afirmei, noutra oportunidade, que o Mondego e os Açores, pelos estudos realizados, pelo estado de espírito das respectivas populações e até pela destruição do capital fundiário e humano que urgia impedir, constituíam os frutos mais amadurecidos para grandes realizações, à escala regional, na metrópole.
As potencialidades oferecidas pela pecuária, pela pesca, pelo turismo e por determinados tipos de agricultura especializada nos Açores constituem elementos nada despiciendos para a valorização do arquipélago.

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2022 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 107

Penso que é menos fundada a afirmação do projecto do III Plano que minimiza as possibilidades turísticas dos Açores. E uma falsa ideia, de quem talvez só conheça as ilhas pelo boletim meteorológico ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Clima, paisagem, mar e praias, hospitalidade do povo, artesanato, património cultural e artístico, de tudo oferece o arquipélago. Mais do que isso, há as atracções inéditas da natureza insular, do vulcanismo, da riqueza hidrológica, dos contrastes naturais e, até, do interesse científico.
O desenvolvimento turístico dos Açores exige a resolução de alguns problemas-base relacionados com os transportes do exterior, o equipamento portuário, os aeródromos, a circulação entre as ilhas, o alojamento hoteleiro e o abastecimento público.
Constituída uma sociedade de economia mista para o fomento turístico e resolvido satisfatoriamente o problema dos transportes, encarar-se-iam ainda as duas questões fundamentais para o esquema de arranque: rede hoteleira base e propaganda turística das ilhas no continente e no estrangeiro.
Creio não ser difícil descortinar fontes turísticas na população do continente, nos emigrantes açorianos (ou seus descendentes) que residem na América, do turismo americano que se dirige à Europa ou nos próprios europeus que hoje visitam o continente português. As virtualidades, já referidas, fundadas na atracção do repouso, das estâncias termais, dos desportos submarinos ou até da paixão científica permitirão mesmo desenvolver modalidades de turismo para ricos.
Sr. Presidente: No seu parecer sobre o plano do Mondego, a Camará Corporativa foi bem explícita ao escrever:

De todas as alternativas que se possam apresentar no que respeita a grandes empreendimentos hidráulicos no continente português, não oferece dúvidas que o aproveitamento da bacia hidrográfica do Mondego apresenta e apresentou sempre - como o comprova a sua inclusão no Plano de 1940 da extinta Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola - uma especial prioridade, porque o problema do Mondego não é, nem nunca foi, sòmente o da criação de novos regadios ou de produção de energia, mas de defesa de um património valioso - o dos campos do Mondego e as suas gentes -, em riscos de se perder, e cuja perca representa, com certeza, um custo material e humano imensamente mais pesado e doloroso do que o dispêndio exigido pelas obras.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Esta possibilidade imediata do aproveitamento do Mondego para fins múltiplos conjuga-se com a actuação noutros sectores que igualmente se identificam como elementos base do desenvolvimento de toda a região: a valorização da Universidade de Coimbra, com a restauração ou criação de novas Faculdades (Teologia, Farmácia, Engenharia, Agronomia, Economia e Sociologia); a construção da 2.º fase do porto da Figueira da Foz; o desenvolvimento do turismo de montanha (serra da Estrela, barragem de Santa Luzia, etc.), da beira-mar (além da Figueira da Foz, impõe-se atender à praia de Mira) e termal; o repovoamento dos perímetros florestais (nomeadamente o da serra da Estrela - 20 500 ha) e trabalhos de correcção torrencial; a grande correcção da estrada da Beira (de Coimbra à fronteira), a construção ou grande reparação das vias de penetração na serra da Estrela, das estradas n.ºs 343 e 344 e da n.º 2 (de Alvares ao Zêzere); a instalação de umas tantas indústrias-base no eixo Coimbra-Figueira da Foz ... Acresce a valorização, como centros de actividades terciárias, da capital regional (Coimbra) e dos outros relevantes núcleos urbanos ou administrativos (Viseu, Guarda, etc.). Um exemplo: para lá da imperiosa construção do Hospital Escolar de Coimbra, não será também conveniente prever no III Plano, em vez de quinze hospitais regionais, mais um, a localizar também em Coimbra, complemento natural dos hospitais sub-regionais e elo de ligação entre estes e o central?
Sr. Presidente: Vou terminar. Quando de muita parte pretensos amigos ou declarados inimigos levantam obstáculos aos nossos anseios de paz e progresso, o III Plano de Fomento constitui uma resposta serena, o testemunho de confiança nos destinos da Nação.
Estou certo de que o sucesso da sua boa execução reforçará mais aquela segurança de fazer durar indefinidamente a nossa resistência a que há dias, em discurso memorável, se referia o Sr. Professor Oliveira Salazar.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Armando Perdigão: - Sr. Presidente: O projecto do III Plano de Fomento (1968-1973) constitui um prestimoso e extraordinário trabalho que muito honra o Ministro de Estado, Dr. Mota Veiga, e a vasta e activa equipa que colaborou com ele neste magnífico documento.
Enalteça-se também a competência e o labor despendidos pela Câmara Corporativa e a notável actividade da Comissão Eventual, que nos deram precioso contributo para o melhor exame do monumental projecto.
E não quero perder o ensejo para também referir a flagrante utilidade que ostentou a vinda até nós de alguns membros do Governo, provando-se uma vez mais quão frutuosa é esta modalidade de trabalho parlamentar.
A enorme sorte de temas abrangidos pelo projecto, aliada à complexidade dos mesmos, torna praticamente impossível aqui intervenção sistematizada sobre tão abundante como importante material analítico. Por outro lado, competentes e autorizadas vozes já se referiram praticamente a toda a matéria em discussão.
Resta-nos assim a apreciação dos pontos que mais tocam a nossa peculiar atenção e que nos merecem portanto algumas considerações.
Começarei pela rega do Alentejo, que é objecto de particulares considerações no projecto do III Plano; e, dada a transcendente importância do problema, ele bem merece alguns momentos de meditação.
Aqueles que, no desejo louvável de avaliarem o custo da obra prevista no Plano de Rega do Alentejo, expressam em escudos por unidade de superfície regada, e se encontram desde logo perante números que não hesitam comparar com os calculados para outras regiões do País, cometem um lamentável e grosseiro erro de apreciação, indirectamente até cometem uma injustiça, pois esquecem que a água para o Alentejo é também, e em grande medida, água pana beber, água para matar a sede às populações.
Se as leiras secam durante intermináveis meses, mais atroz é a sede dos homens e dos animais! E eu penso que não há consciência recta que admita ser mensurável, e muito menos discutível, o direito à água de beber, à

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7 DE DEZEMBRO DE 1967 2023

água das primeiras e maiores necessidades humanas, que estão sempre a crescer, segundo uma impressionante progressão geométrica.
Assim, está calculado que um habitante médio gasta 200 1 em 24 horas.
Em Paris, gasta já um habitante 4001 a 5001 por dia.
Em Nova Iorque, 6001 a 8001 nas 24 horas.
Mas, além da importância primordial que o precioso líquido apresenta sob o aspecto urbano, não é menos decisiva a sua relevância no progresso industrial do Sul do País.
Efectivamente, pode considerar-se que a água é hoje a primeira das matérias-primas para grande parte das indústrias, particularmente as que mais interessam ao Alentejo: transformação e acabamento dos produtos da terra.
As exigências da indústria em água são enormes, como se pode ver pela simples indicação destes valores:

Para preparar uma lata de conserva são necessários 40 l do precioso líquido.
Um quilograma de papel carece de 100 l.
Um quilograma de tecido gasta 600 l.
Já uma tonelada de cimento consome 3500 l.
E só uma tonelada de aço necessita de 20 000 l a 30 000 l.

Mas há mais. Como equilibrador das graves irregularidades climatéricas e como complemento e correctivo da depauperada economia de sequeiro, a água no Alentejo também não pode ser contabilizada por simples raciocínio de deve e haver!
Por tudo isto que acabo de aduzir, a água no Alentejo, que faz seca ou alagamento durante a maior parte do ano, é vital para os que teimam viver e mourejar na parte mediterrânico-continental do País, onde nalgumas sub-zonas caem menos de 400 mm3 de chuva por ano em média. Porque há anos de 300 mm3.
Negar a prioridade em se abastecer esta região, que é a mais sedenta da metrópole (até porque não dispõe de águas subterrâneas em quantidade apreciável), é o mesmo que lhe negar o acesso às condições mínimas de progresso, é segregá-la a todo o desenvolvimento futuro.
Um outro argumento para que não se possa pensar em substimar a realização deste plano de rega, para uma província que dispõe de uma área quase equivalente à da Bélgica, é o de que a cultura de tomate necessita cada vez mais de terrenos novos, virgens, para que o seu ritmo de produção se mantenha, se amplie mesmo.
Lembremo-nos que exportámos em concentrado de tomate:

Contos
Em 1964 ................. 380 000
Em 1965 ................. 500 000
Em 1966 (a) ............. 584 000
Em 1967 (b) ............. 930 000

(a) Com 80 000 t.
(b) Com 130 000 t.

Não é, portanto, de estranhar que seja crescente a procura de terrenos irrigados por parte das fábricas de concentrado para se garantirem de terras novas, renovadoras das que terão de ficar sujeitas agora a outro tipo de exploração.
Se atentarmos que já foram gastos cerca de 760 000 contos na 1.ª fase do Plano (Divor, Caia, Roxo e Mira), e sabendo-se que se seguirão mais 400 000 contos até 1968, compreendemos que é forçoso não perder este ritmo para que se atinja a rentabilidade máxima dos investimentos e, assim, terminado o Plano, as parcelas que o constituem funcionem sinèrgicamente.
Lembremo-nos que teve de ser antecipada a construção da barragem do Divor só porque as populações (entre as quais as de Évora) estavam fortemente ameaçadas de carências hídricas. Pois bem: esta barragem, para que possa realmente desempenhar as múltiplas funções para que foi concebida, carece de ser reforçada pelo importante canal emergente da grande barragem prevista em Alqueva, no Guadiana.
Isto quer dizer que frenar a execução do Plano de Rega do Alentejo poderá ser sinónimo de fazer restringir o perfeito aproveitamento das obras já executadas.
O Plano de Rega do Alentejo, com o seu importante canal de alimentação, à maneira de espinal-medula do desenvolvimento, é um conjunto encadeado, constituindo um redanho que não pode ser fragmentado.
Até a industrialização dos produtos obtidos no regadio do Alentejo, a partir das pequenas e médias albufeiras, só será viável se se dispuser da grande reserva hidráulica do Guadiana, que nos fornecerá a energia eléctrica a preço que tornará rentável a bombagem de toda a água que deverá alimentar o Divor, depois de galgar as terras com maior aptidão para o regadio.
Autêntico nervo motor do progresso transtagano, verdadeira infra-estrutura de primeira grandeza, o Plano de Rega do Alentejo, tal como o projecto do III Plano o concebe, será o grande arranque do Sul para o desenvolvimento integral que nunca ninguém ousou medir a escudos por hectare.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A terceira parte do projecto do III Plano dá-nos a consoladora esperança, através de seis judiciosos capítulos, de que a Administração não descurará no futuro os problemas das desigualdades regionais.
Aguardamos com fé, e esperamos que não se perca mais tempo, pois muito há a fazer, rapidamente e em força, antes que tenhamos áreas na metrópole desocupadas e abandonadas.
Vencer a batalha das grandes diferenças regionais hoje existentes no País não é tarefa fácil, e mais complicada a julgamos nos domínios da mentalização e da reconversão de tantas ideias e preconceitos já discutíveis. Um novo sentimento comunitário, uma nova ética administrativa, em suma, uma nova filosofia de gestão da coisa pública, terá de instaurar-se com base numa cooperação e convivência nunca igualadas, devendo impregnar-se disto muitos sectores, quer privados, quer públicos, a alto como a baixo escalão.
Não se pense que a tarefa é simples e que a burocracia não irá reagir, refugiando-se no velho abrigo das competências, defendendo-se com o pesado escudo da legislação, empertigando-se com as roupagens de posições há muito tomadas.
É preciso ter-se a certeza de que fazer desenvolvimento regional não será sòmente regionalizar problemas e soluções, mas sim, e sobretudo, humanizar em dimensão local uma obra que deve ser concebida para o homem no seu meio e que, sendo para seus benefícios, logo lhe conquistará a simpatia e a adesão.
Há um ponto que me leva, em meditação, a algumas dúvidas: em que medida poderá vir a conciliar-se o objectivo número um do III Plano de Fomento «aceleração do ritmo de acréscimo do produto nacional», com a «correcção progressiva dos desequilíbrios regionais de desenvolvimentos» (o terceiro daqueles objectivos)?

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2024 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 107

De facto, tenho as minhas hesitações e receio mesmo que p antagonismo entre os dois propósitos só possa agravar as já pronunciadas diferenças regionais.
Por isso, uma rasgada política de correcção dos desequilíbrios tem de abarcar um diversificado número de finalidades, que poderiam ser contidas num diploma único (Estatuto para o Progresso Regional) que englobaria todas as providências favoráveis ao desejado movimento de recuperação das zonas em atraso.
Assim, deveria determinar-se:

1) A criação de três categorias de territórios metropolitanos, a que corresponderiam sempre outros tantos graus de intensidade legislativa:

A) Regiões desenvolvidas;
B) Regiões em vias de desenvolvimento;
C) Regiões desprotegidas;

2) Legislação que ponha termo às disparidades regionais, que só favorecem as regiões mais progredidas: tarifas eléctricas unificadas, contribuição equitativa sobre a camionagem, contribuição industrial às câmaras, cobrança preferencial das contribuições nas regiões C) e B), etc.;
3) Disposições de incentivo e apoio do Estado à iniciativa privada, para que se instale, se transfira, se amplie, se modernize, crie novos empregos nas regiões C) e B);
4) Normas legais que facultem às regiões e sub-regiões a organização das comissões e grupos de trabalho que se ocupem do desenvolvimento regional, em termos de se conseguir imediata coordenação e execução concertada de todo o progresso da região. Recorde-se do papel que as juntas distritais poderão desempenhar ao nível da respectiva circunscrição. Bastará alargar-lhes a actual competência legal;
5) Disposições que criem e regulamentem as sociedades de economia mista, já anunciadas em 1962 no § 1.º do artigo 6.º do Decreto n.º 44652, de 27 de Outubro;
6) Diploma que crie o Fundo de Desenvolvimento Regionais para apoio e financiamento de toda a acção a desenvolver nas regiões B) e C);
7) Revisão do crédito agrícola, particularmente a médio e a longo prazo;
8) Protecção ao trabalho artesanal artístico, definindo tal conceito à luz das realidades de hoje e criando um organismo nacional que se ocupe de tão importante sector;
9) Revisão da política no trabalho, com o pensamento na rentabilidade da mão-de-obra, na sua reconversão e readaptação, na psicotecnia e orientação profissional em bases seguras, para que realmente se possa promover a melhor justiça social. Criação nas sedes de distrito de centros de orientação profissional e de psicotecnia;
10) Revisão da actual orgânica turística regional.

No capítulo VI «Sector público e reforma administrativa» faz-se referência aos estudos que se têm estado a processar dentro do âmbito da reforma administrativa.
Tanto os «objectivos» (§ 3.º) como as «medidas de política» (§ 4.º) nos levam a considerar de excepcional nível e do maior alcance tal labor, mas importa que antes de se atingir a programação do óptimo se execute o inadiável e o fundamental, para que se ponha termo à terrível hemorragia que constitui a saída dos melhores servidores públicos.
Dar-lhes melhores condições materiais de vida é premente e quanto antes deveremos executar esta urgente tarefai
É aspecto que carece de ser focado aqui, pela alta relevância que ostenta no mundo rural, o da necessidade de se equipararem os operários agrícolas no regime de previdência aos demais trabalhadores das outras actividades.
Esta gritante injustiça tem de ser reparada quanto antes.
Bem sabemos quê a entidade patronal, na esmagadora maioria dos casos, não está em condições de suportar mais este encargo, mas há forma de o resolver e em termos que bem possam considerar-se de reposição ao sector que mais tem sido sacrificado ao desenvolvimento global do País.
Se compulsarmos o que foram nos últimos cinco anos as exportações da cortiça, verificamos o grande significado económico (e na nossa balança de pagamentos!) que a subericultura continua a representar para a Nação. Assim, exportámos:

Contos
Em 1962 (a) ............. 1 410 000
Em 1963 ................. 1 650 000
Em 1964 ................. 1 630 000
Em 1965 (a) ............. 1 630 000
Em 1966 (b) ............. 1 571 000

(a) 182 000 t.
(b) 160 000 t.

Parece que as dificuldades agora surgidas na colocação lá fora só nos devem aconselhar que se crie em Portugal um centro de investigação de cortiça, onde se estudariam novas ou melhoradas aplicações para a cortiça, muito particularmente no capítulo da sua utilização químico-industrial.
Ainda nos domínios da investigação aplicada, julgamos ser da maior importância e de toda a oportunidade estudarem-se no País as vastas possibilidades de aproveitamento e transformação da energia solar, assunto este que tem evidente e actual interesse para todo o Sul do País.
Sabemos que o Laboratório Nacional de Engenharia Civil não descurou a matéria, mas o seu crescente interesse aconselha que se lhe dedique especial atenção.
O projecto do III Plano de Fomento constitui um programa indicativo de excepcional mérito e por via dele o País irá legitimamente obter os melhores frutos.
Vamos todos dar o melhor do nosso esforço para que assim seja!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão, à hora regimental, com II mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
André Francisco Navarro.

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7 DE DEZEMBRO DE 1967 2025

André da Silva Campos Neves.
Antão Santos da Cunha.
António Calapez Gomes Garcia.
António Maria Santos da Cunha.
António dos Santos Martins Lima.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco José Roseta Fino.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José de Mira Nunes Mexia.
José Rocha Calhorda.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
D. Marra de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Tito de Castelo Branco Arantes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

António Furtado dos Santos.
António Magro Borges de Araújo.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
D. Custódia Lopes.
James Pinto Buli.
João Mendes da Costa Amaral.
José Guilherme Bato de Melo e Castro.
José Pais Ribeiro.
José dos Santos Bessa.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel João Correia.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
Rafael Valadão dos Santos.
Sebastião Alves.

O REDACTOR - Luiz de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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