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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 108

ANO DE 1967 9 DE DEZEMBRO

IX LEGISLATURA

SESSÃO N.º 108 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 7 DE DEZEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
Foi recebido na Mesa, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Diário do Governo que insere o Decreto-Lei n.º 48 079.
Foram entregues ao Sr. Deputado Abranches de Soveral os elementos que requer eu na sessão de 22 de Março último.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão na generalidade da proposta de lei relativa à elaboração é execução do III Plano de Fomento.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Veiga de Macedo, Pontífice de Sousa, Serras Pereira e Ubach Chaves.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André da Silva Campos Neves.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branco da Costa do Sousa Macedo Mesquitela.
Henrique Veiga de Macedo.
Horácio Brás da Silva.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Jorge Barros Duarte.
José Fernando Nunes Barata.
José Henriques Mouta.

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José Janeiro Neves.
José Manuel da Gosta.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pais Ribeiro.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
D. Marra de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Raul Satúrio Pires.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 67 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

xpediente

Telegramas

De Armando Salgado, apoiando a intervenção do Sr. Deputado António Santos da Cunha a favor da criação de um instituto comercial e industrial em Braga.
Do director da Escola Salesiana de Artes e Ofícios do Funchal, apoiando a intervenção dos Deputados pelo círculo a favor da promoção do arquipélago.
Vários, apoiando a intervenção do Sr. Deputado Campos Neves a favor da restauração da Faculdade de Farmácia de Coimbra.
Vários, apoiando a intervenção do Sr. Deputado Júlio Evangelista em defesa da economia do distrito de Viana do Castelo.

O Sr. Presidente: - Para efeito do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 277, 1.ª série, de 28 do mês findo, que insere o Decreto-Lei n.º 48 079, que restabelece os quadros únicos de médicos e visitadoras escolares e regula os regimes dos respectivos provimentos.
Estão também na Mesa os elementos destinados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Abranches de Soveral na sessão de 22 de Março último.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa II elaboração e execução do III Plano de Fomento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Macedo.

O Sr. Veiga de Macedo: - Sr. Presidente: Creio ter-me esforçado por corresponder, na medida do possível, à incumbência de, na Comissão Eventual, para estudo do Projecto do III Plano de Fomento e da respectiva proposta de lei, relatar os aspectos referentes à política social e emprego, aos problemas do trabalho e remuneração deste, à repartição de rendimentos, à previdência, à saúde e à habitação e urbanização. Durante algumas semanas, debrucei-me sobre, aqueles documentos e numerosos trabalhos ligados à sua preparação e ainda sobre outros elementos, nacionais e estrangeiros, que se me afiguraram indispensáveis a uma visão global e fundamentada das matérias relacionadas com os objectivos e os métodos do planeamento económico e social.
Em quatro sessões, apresentei à Comissão as notas que reputei pertinentes e penso que as conduções do debate travado puderam já revestir-se do algum interesse para esta Câmara e terão mesmo chegado ao conhecimento do Governo, habilitando-o a rectificar ou completar, na medida em que entender conveniente, a parte do Plano não abrangida pela competência legislativa da Assembleia.
Estas circunstâncias e a impossibilidade material de reproduzir aqui as considerações formuladas perante II Comissão levam-me a aflorar apenas alguns aspectos que. se mostram mais consentâneos com uma intervenção no plenário da Assembleia o que, porventura, ainda aqui não foram discutidos.
Por outro lado, tendo exercido funções governativas durante doze anos, sinto-me vinculado por limitações de deontologia política, as quais espero sejam respeitadas.
Dada esta explicação prévia, apraz-me manifestar a minha viva admiração a todos os que emprestaram o valioso contributo da sua inteligência e da sua cultura à preparação c elaboração dos múltiplos e notáveis trabalhos que. culminaram no grandioso Plano de Fomento e correspondente proposta de lei, agora em discussão nesta Assembleia.
Ninguém porá em dúvida a justiça desta homenagem, nem regateará, por certo, louvor especial ao Sr. Ministro de Estado adjunto do Presidente do Conselho, pela proficiência, lucidez, zelo e. tacto político, servidos por uma simplicidade rara, com que, ao longo de meses, dirigiu, coordenou, seleccionou e impulsionou os trabalhos do Plano, a que o seu nome de estadista esclarecido fica para sempre ligado. Este esforço de direcção e dinamização, de síntese e apuramento, de aproximação de pontos de vista e afastamento de conceitos e soluções inconciliáveis com os princípios da política do Governo, avulta ainda mais aos olhos de quem, como eu, tendo compulsado alguns dos estudos preparatórios e tomado contacto com as suas tendências e, por vezes, com as suas insuficiências e desvios, pode, com conhecimento de causa, avaliar da excelência e altura da acção do Ministro Mota Veiga, e dos seus mais directos colaboradores, no mais vasto e completo planeamento económico e social da vida portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Cumprido este, grato dever, aludirei a alguns aspectos de ordem geral que o estudo do Plano e a sua relacionação com a política vigente fizeram acudir ao meu espírito, de modo mais impressivo.
Ressalta, logo à primeira vista, a afirmação de princípio de que o carácter global do Plano de forma alguma o equipara a um programa imperativo destinado a regulamentar toda a actividade económica. Na verdade - salienta o Governo -, a isso se oporiam os princípios informadores da nossa ordem constitucional, que reconhecem na iniciativa privada e na sua liberdade o principal motor do processo- de desenvolvimento e reservam para o Estado o papel de orientar - superiormente e de completar ou suprir essa iniciativa.
Esta preocupação transpareço em diversos passos do Plano e inspira algumas das suas mais significativas medidas, entre as quais as relacionadas com a rápida e progressiva liberalização do sector industrial assumem relevância extraordinária.
Nasci numa importante região fabril onde o progresso das actividades económicas mais representativas se deve, em grande parte, à circunstância feliz de não ter sido entravada por providências legais ou administrativas que condicionassem ou limitassem, para além do razoável, a iniciativa privada e o livre acesso na escala social.
Quando as ideias do condicionamento industrial atingiram entre nós proporções extremistas e se tentou enveredar pela concentração fabril, a todo o custo, temi pelo futuro, pois chegou a afigurar-se imparável o ímpeto de correntes tão ousadas, quão desfiguradas por uma visão simplista, tecnocrática e geométrica da vida económica e social.
A norma constitucional e, mais do que isso, a lei natural da liberdade postulam o princípio da livre iniciativa como fonte inigualável de progresso, embora com as sujeições - e só essas - impostas pelo bem comum. Repudiando o liberalismo e o socialismo, nós temos consagrada na Constituição uma outra solução, autónoma e realista, que logra assegurar a liberdade, também no domínio da vida económica, partindo do respeito absoluto pela dignidade humana e aceitando a intervenção do Estado apenas na medida indispensáveis à defesa do interesse geral.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sem a concorrência, embora sujeita a regras que obstem a desmandos e deslealdades, não é possível o desenvolvimento económico e social. Negar esta verdade seria tão inqualificável como considerar ilegítimo o direito de propriedade e equivaleria a aceitar a tese socialista da. integração no Estado de todos os factores da produção. A não ser - e o mal não seria menos grave - que, mediante a adopção de providências atentatórias da liberdade económica, se virasse, com sacrifício dos interesses dos consumidores e da comunidade e com ofensa de princípios da moral, a protecção das empresas marginais e rotineiras, dos sectores desabituados das lutas estimuladoras da concorrência e dos monopólios de facto ou de direito, que todos devem considerar-se inconvenientes quando os. não justifiquem irrefragáveis razões de ordem pública.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Salvo algumas limitações estabelecidas pelo Estado (sempre que possível a título excepcional e temporário) e decorrentes de imperiosas exigências de interesse, colectivo, sou pela. liberdade económica no plano do consumo e no da produção. Sem ela seria preferível, pura e simplesmente, a solução socialista, por certo menos afrontosa do que a de uma política que sacrificasse a liberdade, sem vantagem para a grei, na área da protecção estreita a grupos de privilegiados. Vou mais longe: sem a efectivação prática do princípio da livre iniciativa na economia, o próprio exercício das liberdades pessoais e políticas resulta, em maior ou menor grau, diminuído ou mesmo anulado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Temos, por isso, razões de sobejo para nos congratular com as modificações operadas ultimamente na política legislativa, sendo de exaltar a doutrina do Decreto-Lei n.º 46 666, de 24 de Novembro de 1965, em cujo preâmbulo se lê:

Os excessos de condicionamento que se verificaram no continente e ilhas por falta de experiência do sistema e por circunstâncias anormais, como a conjuntura da guerra, devem ser, a todo o custo, evitados no futuro: só provocariam uma injustificada intervenção do Estado na actividade privada, impedindo o seu livre jogo, intervenção que, no geral, se traduz pela criação de um clima de paralisia e, por consequência, de falta de estímulo ao progresso que só a concorrência leal pode assegurar.

No mesmo sentido se manifesta o projecto do III Plano de Fomento, ao enunciar a política do Governo destinada a garantir «a restrição progressiva, mas tão rápida quanto possível, do âmbito do condicionamento, substituindo uma decisão e uma responsabilidade do Estado em matéria que dominantemente importa à iniciativa privada e ao seu interesse pela própria decisão e pela própria responsabilidade dessa iniciativa».
Acresce que os regimes de condicionamento, mesmo que definidos com precisão - o que não se viu entre nós -, são por de mais atreitos a criar climas de suspeições e a encorajar tentativas de influências e processos indesejáveis que acabam por concorrer para o seu descrédito.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Além disso, dada a participação de Portugal no movimento de integração económica em espaços mais vastos, não podemos impedir, no nosso território, a livro concorrência de empresas de países da Associação Europeia de Comércio Livre, que, na convenção que a instituiu e na «interpretação liberal» que vem a ser dada, cada vez mais, às suas normas, leva ao reconhecimento do princípio da liberdade de estabelecimento das empresas.
Se outros imperativos não houvesse, este, que transcorre de compromisso internacional formalmente assumido, imporia a viragem da política económica, já anunciada e consagrada com uma determinação e uma lucidez dignas de apreço e inspiradoras de plena confiança.
A este aplauso, devo, no entanto, aditar a apreensão que me suscitou a leitura de outros capítulos do projecto do Plano, que mão me pareceram, harmónicos com o princípio do respeito devido à iniciativa privada.
Dir-se-ia que, em certos espíritos, persiste a ideia de que o Estado deve, por sistema, intervir largamente na vida económica e social. Alguns serviços públicos tendem a agir, para além do aceitável, sobre as actividades particulares, na errónea crença de que, através de decretos, portarias, despachos e circulares ou ainda de

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novas estruturas oficiais, podem substituir-se, com vantagem, à livre iniciativa, eliminando a concorrência, concentrando coercivamente as empresas ou favorecendo situações de facto contrárias ao progresso do País e à real integração do espaço económico português.
Não terão bastado, como exemplo claro e definitivo, o inêxito das providências legislativas sobre reorganização industrial e a falência de outras iniciativas artificiosas, caras e nocivas, algumas das quais ainda em curso, mau grado as lições da experiência e os males que provocam?
Nesta ordem de considerações, não deixarei de aludir a outro problema de marcada actualidade e interesse: o das atribuições da organização corporativa.
No preâmbulo da proposta de lei relativa ao Estatuto Jurídico das Corporações, pude, no exercício de um mandato que, então, me estava confiado, chamar a atenção para o facto de o nosso corporativismo se opor não só às concepções do liberalismo, como a quaisquer doutrinas totalitárias, mesmo as de forma corporativa, e, designadamente, ao sistema comunista, atentatório da liberdade e dos valores espirituais.
E se, por um lado, afirmava que a criação das corporações reduzia o poder do Estado, como consequência lógica da ética em que assenta a estrutura política e social da Nação, por outro, lembrava que um dos escopos do regime corporativo é salvaguardar a livre iniciativa, na medida em que ela não fira as conveniências gerais. A concluir, faz a esta incisiva advertência:

Se o interesse colectivo não é coincidente com o conjunto dos interesses individuais - pensando-o, o individualismo cometeu o seu maior erro -, não é menos certo que o somatório dos interesses dos grupos profissionais ou das categorias económicas não é igual ao bem comum.

E acrescentava:

O sistema corporativo só se manterá fiel à sua própria autenticidade doutrinária se conseguir superar, na prática, esse perigo. De contrário, colocar-se-á em posição falsa, idêntica àquela em que, por definição, assenta o liberalismo. Este divinizou o indivíduo. Importa que aquele não divinize a corporação, transformando-a de meio, que é, em fim que não pode ser. Por outras palavras: para fugir ao totalitarismo do Estado não pode cair-se no estatismo da corporação.

Estes conceitos, sempre válidos e actuais, foram expendidos com firmeza e constituíram, mais do que um aviso, uma tomada consciente de posição.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A organização corporativa, se não deve vegetar ou fenecer à míngua de atribuições concretas e relevantes, também não pode ser comprometida com o exercício de poderes incompatíveis com a sua natureza e as suas finalidades específicas.
É incontestável que à organização não foram ainda entregues todas as atribuições que lhe cabem nos domínios .da disciplina das actividades, da representação aos agrupamentos que integram e da função consultiva. Para não falar noutros casos, há, por exemplo, alguns órgãos consultivos, como o Conselho Superior da Agricultura e o Conselho Nacional de Crédito, que bem poderiam desaparecer, passando as suas atribuições a ser desempenhadas pelos conselhos das corporações. Na própria Lei n.º 2086, de 22 de Agosto de 1956, se prescreve que «os órgãos consultivos dos Ministérios serão substituídos, sempre que possível, pelas corporações, às quais se agregarão, para o exercício de funções de consulta, representantes dos serviços públicos ou de entidades especializadas».
Pois, não só não se deu cumprimento adequado a tal preceito, como se têm criado, apesar de vivas discordâncias de alguns sectores qualificados, outros órgãos consultivos bem dispensáveis, uma vez que as corporações poderiam desempenhar tais funções com eficiência e autenticidade.
Em contrapartida, desenha-se uma tendência para conferir a certos organismos corporativos atribuições que não se enquadram no elenco natural dos seus fins. E, se ao Estado não é lícito alienar poderes de todo indispensáveis à sua acção de supremo orientador e coordenador, também não é de consentir que os chamados corpos intermédios da sociedade invadam o plano das actividades reservadas à iniciativa privada.
A questão poderá não revestir, por ora, sintomas alarmantes, mas há-de acarretar, se não for enfrentada a tempo e com espírito de decisão, perturbações muito sérias. Os ensinamentos da história a este respeito são tão iniludíveis como a bondade dos princípios, a ordem natural da vida, o bem comum e os próprios interesses dos consumidores, que, até por não ser fácil enquadrá-los institucionalmente, o Estado deve defender com especial vigor.
Não é de permitir ou favorecer a entrega a organismos corporativos de atribuições próprias da iniciativa privada, que, precisamente, a eles cabe representar e defender, e não absorver e aniquilar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Admite-se que, a título excepcional e observadas condições especiais, alguns organismos pratiquem certos actos de comércio, como a aquisição e a venda de produtos, utensílios e alfaias destinados aos associados. Se, porém, a organização se converte em verdadeira empresa de comércio ou indústria, entra-se no pior dos caminhos para todos e ninguém sai beneficiado, a não ser, porventura, a burocracia encarregada da gestão dos negócios.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mais grave seria ainda que a organização chamasse a si - ou lho confiassem - o exclusivo de qualquer actividade privada, ou se, no exercício do comércio ou indústria, fosse protegida com medidas de excepção, privilégios, isenções fiscais ou outras. Quando isto acontecer, saem desprestigiados o Estado e os próprios organismos corporativos, destrói-se, ao menos em parte, a economia de mercado, ofendem-se direitos e expectativas de legitimidade indiscutível, prejudicam-se os consumidores e até os associados da organização, já que, onde falta o estímulo e se instala uma burocracia para quem os resultados da exploração são aleatórios, é fatal a tendência para a redução dos preços das matérias-primas e para o agravamento dos da venda dos produtos ao público. A não ser, claro, que o Estado se deixe arrastar indefinidamente para uma política de créditos fáceis e sem garantias, de subsídios não reembolsáveis ou reembolsáveis em parte e outras formas de proteccionismo, o que, uma vez admitido o sistema, difícil é impedir, tanto mais que, desse modo, hão-de procurar salvá-lo os mais directos responsáveis pelo seu aparecimento, submetidos, ainda por cima

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- é da experiência da vida! -, a crescentes pressões de quantos, a ele funcionalmente ligados, não hão-de querer perder a influência ou o emprego ou ficar socialmente em situação menos agradável.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Creio não poder levar-se a mal que reivindique para si o dever desta advertência quem, oportunamente, sob a orientação clarividente do Sr. Presidente do Conselho, pôde contribuir para «reacender o antigo fogo» e para se «levar por diante a cruzada corporativa». Aliás, cumpro, assim, a promessa que, nestes precisos termos, fiz ao solicitar o sufrágio do eleitorado de Aveiro:

Sem embargo de entender que à vida económica deve presidir a disciplina corporativa, serei, em acatamento à doutrina e à natureza das coisas, pela livre iniciativa - fonte insubstituível do progresso - e pela concorrência no mercado desde que se desenvolva em termos de lealdade e não afecte os interesses lícitos em presença. Os monopólios e os sistemas de exclusivo ou privilégio só os aceitarei quando razões de utilidade pública os imponham como solução indiscutível.
Contrário ao totalitarismo do Estado como ao liberalismo individualista, procurarei se prestigie a organização corporativa, mas não defenderei a entrega a esta de tarefas estranhas ao âmbito específico das suas atribuições, e esforçar-me-ei por impedir que ela actue no estilo próprio dos grupos de pressão ou com espírito sindicalista ou partidário, seja este de inspiração operária, patronal ou oligárquica.

O Sr. Antão Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Antão Santos da Cunha: - Vimos acompanhando com todo o interesse a brilhante exposição de V. Ex.ª sobre a organização corporativa.
Temos, porém, uma dúvida que muito gostaríamos de ver esclarecida.
V. Ex.ª referiu-se de modo muito vincado ao carácter representativo da organização, mas talvez deixasse um pouco na penumbra os poderes de disciplina que lhe cabem no campo económico.
Ora, a vida económica do nosso tempo torna imperativa a sua disciplina.
Assim, de duas uma: ou essa disciplina é confiada à organização ou o Estado a tem de exercer.
Simplesmente, o Estado não se tem mostrado apto para tal tarefa, por insuficiência de quadros e pela falta de preparação e competência de muitos deles, e por intervenções abusivas a que V. Ex.ª aludiu e criticou, com a minha inteira concordância, e às quais já me referi nesta Câmara em termos de veemente protesto.
Haverá, portanto, que confiar aos sectores corporativamente organizados a disciplina das respectivas actividades.
Ao Estado competirá a posição cimeira de guardião do bem comum, o que, no terreno prático, equivale à defesa dos interesses legítimos dos consumidores.
Esta experiência ainda não foi feita.
Parece que temos medo, mas não sei de quê.
Um equilibrado sistema de auto disciplina económica é o que está instituído nos textos constitucionais e na lei fundamental na matéria: o Estatuto do Trabalho Nacional.
Porque não queremos perder-nos do bom caminho, ainda há dias relemos a conferência do Sr. Presidente do Conselho sobre conceitos económicos da Constituição de 1933.
Nela julgamos encontrar o apoio para a tese que defendemos.
Parece termos chegado a um tempo em que é preciso fazer opções essenciais: ou fortalecemos e prestigiamos a organização corporativa, na plenitude dos poderes que lhe são próprios, ou caminhamos, consciente ou inconscientemente, para a sua destruição e para a sua morte.
Mas o certo é que a organização corporativa é um dos alicerces fundamentais do Regime.
Daí as nossas dúvidas e inquietações, que V. Ex.ª certamente poderá esclarecer e aclarar.

O Orador: - Agradeço, antes de mais, a intervenção de V. Ex.ª, que, pela autoridade que tem na matéria, em muito valorizará a minha exposição.
Para o esclarecer, começarei por dizei- que estou de acordo com as considerações de carácter doutrinário e jurídico que produziu sobre a natureza e a amplitude das atribuições da organização corporativa. De resto, eu comecei precisamente por aludir à necessidade de se conferirem à organização atribuições válidas, não apenas no plano da representação e da função consultiva, mas também no domínio da disciplina das actividades. Certo é que não podia, nesta intervenção, nem esse era o meu intento, falar desenvolvidamente deste tão complexo problema. A minha intenção era, e é, mais modesta. Mas, mesmo assim, a posição que assumi, embora acentuando mais outros aspectos de interesse, é clara e coincide, na essência, com a que foi referida por V. Ex.ª
Sou, pois, pela outorga de poderes à organização em matéria de disciplina das actividades, mas não de todos, pois o Estado não poderá nunca, nem deverá, alienar os comandos que, por natureza ou razão funda de ordem geral, só por ele convém sejam manejados. Mais: uma organização corporativa com vida e prestigiada, pelo uso de atribuições adequadas e amplas, pressupõe um Estado forte, consciente da sua missão, e apetrechado mesmo com órgãos de inspecção sempre vigilantes. Na verdade, para além dos interesses sectoriais, há os da colectividade e os dos consumidores, que não podem ser esquecidos nem menosprezados. De resto, o Estado, se pode lesar gravemente a organização, ao esvaziá-la de conteúdo e ao chamar a si toda a actividade disciplinadora ou ainda ao conferir esta, no todo ou em parte, a outras entidades sem a marca corporativa, também a comprometerá se lhe confiar ou lhe permitir atribuições que não se amoldem à sua finalidade específica e sejam da esfera da iniciativa privada.
Creio, assim, que estamos de acordo.

O Sr. Soares da Fonseca: - Sempre tenho afirmado que só um Estado forte pode defender e fomentar a organização corporativa. Acrescentarei, agora, que quanto mais forte se quiser esta organização mais forte terá de ser o Estado.

O Orador: - Levado ainda pelo que pude concluir da leitura do projecto do III Plano de Fomento e de diversos estudos que a ele se reportam, farei uma alusão breve ao problema da notação e interpretação estatísticas. Conhecia-o, mas estava longe de supor que o rodeassem aspectos de tão grande interesse.
Ainda bem que o Decreto-Lei n.º 46 925, de 29 de Março de 1966, tomou providências para o resolver ou debelar.

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Por ser ainda cedo para se colherem os resultados deste diploma ou por outras causas, o certo é que, mesmo nos trabalhos preparatórios e no próprio projecto do Plano, bem como em estudos e declarações vindos a público, continuam a registar-se deficiências e erros estatísticos susceptíveis de originar convicções e interpretações falseadas.
As lacunas existentes agravam-se pela falta de cuidado que, tantas vezes, caracteriza a publicação de elementos estatísticos não procedentes do Instituto Nacional de Estatística. Defeituosa, inadequada, incompleta ou errada, por vezes, a sua apresentação está a causar perturbações em espíritos cultos e na opinião pública.
Para esta situação contribui também a propensão quase doentia de alguns para minimizarem ou negarem os progressos do País, nas suas diferentes actividades, e para procurarem, nas estatísticas, números que, de qualquer maneira, ajudem a fundamentar as suas opiniões negativistas.
Por outro lado, até individualidades e funcionários qualificados e organismos responsáveis sentem uma tentação irresistível para manipularem ou manejarem as estatísticas com uma volúpia e um desembaraço que só encontrarão paralelo na leviandade de que, inequivocamente, dão testemunho.
Temos, para nosso mal, muitas e grandes lacunas no domínio económico, social e educativo, que devem ser apontadas com verdade e desassombro, a fim de se instaurar ambiente propício à sua colmatação - passe o italianismo de sabor jurídico. Não se descortina, todavia, a menor vantagem - bem pelo contrário - em distorcer a realidade ou cair em exegeses precipitadas, como quem se compraz em descobrir apenas os aspectos negativos, ou em exagerá-los ou idealizá-los para se tentar provar que, em tudo, somos dos países mais atrasados. Velha pecha esta de nos denegrirmos e diminuirmos aos nossos olhos e aos alheios! Perigosa ingenuidade, ou maldade, a de se aceitarem ou difundirem, sem o menor exame crítico, números estatísticos e comentários sobre eles, inexactos ou incompletos, provenientes, por vezes, de sectores e pessoas sem idoneidade científica ou maturidade de espírito, quando não ao serviço de ideias e políticas antinacionais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - À confusão em que a este respeito nos debatemos nem sequer escapam textos oficiais ou oficiosos de que constam, não raras vezes, elementos estatísticos deformadores da verdade das situações ou dos factos.
No decurso das reuniões da Comissão Eventual, foi este um dos assuntos mais ventilados, e apontaram-se então múltiplos exemplos comprovativos da necessidade de se redobrarem os esforços e cautelas para obviar a tais anomalias. Urge se confiem, de modo efectivo, ao Instituto Nacional de Estatística os poderes e os meios indispensáveis ao cumprimento das complexas e melindrosas tarefas que lhe pertencem, e se submetam, na matéria, à sua disciplina coordenadora e correctiva, os diferentes sectores, que, ao menos, deviam ser mais prudentes na recolha dos dados estatísticos e abster-se de os publicar sem a autorização expressa daquele organismo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Uma falha, um erro ou uma simples desatenção, neste terreno tão delicado do ponto de vista técnico e político, podem ocasionar - e têm ocasionado - inconvenientes lamentáveis e deturpar as próprias previsões e objectivos da acção governativa e do planeamento económico e social. Para comprovar a asserção, aludirei a uma inadvertência - e muitas outras poderia mencionar - que foi causa de um lapso do Plano Intercalar e, segundo penso, se reflecte ainda no projecto do III Plano. A ele me referi já, nesta Assembleia, na minha intervenção de 14 e 15 de Dezembro de 1965, quando, ao apreciar o problema habitacional, procurei determinar as carências de alojamento.
Na verdade, é corrente confundir-se o número de moradias construídas com o número de licenças de construção ou de utilização de fogos passadas pelos municípios. Os elementos do Instituto Nacional de Estatística traduzem apenas este último número, no qual não se inclui, por isso, o dos fogos, cujo licenciamento não é obrigatório. Assim, o Instituto Nacional de Estatística, partindo, sobretudo, do número de habitantes das zonas em que as construções não ficam sujeitas a licença, tem feito intervir, como se impunha, o coeficiente de correcção de 38 por cento no número apurado das moradias cuja construção ou cuja ocupação depende de autorização camarária. E isto sem tomar em conta, sequer, o volume da chamada construção clandestina, que deveria tornar bem mais expressivo aquele coeficiente.
Daqui adveio que, nos estudos preparatórios do Plano Intercalar de Fomento, os números relativos à construção de casas foram inferiores aos reais em 38 por cento, pelo menos 1 Havemos de concordar que não se trata de pequena falha. O Plano Intercalar inseriu, entre os objectivos de edificação de casas pelos sectores público, semipúblico e privado, a construção de 34 000 fogos anuais. Repare-se que o projecto do III Plano prevê a construção de 41 000 fogos anuais, isto é, de 250 000 fogos no sexénio, o que leva a crer ter-se caído de novo no mesmo equívoco.
Com efeito, nos dois primeiros anos do Plano Intercalar - 1965 e 1966 - construíram-se, segundo elementos obtidos no Instituto Nacional de Estatística, pelo menos 46 700 e 48 600 moradias e, em 1967, não deve esta actividade baixar de ritmo, apesar de o sector público e semipúblico não ter podido atingir, como, aliás, logo seria de prever, a estimativa de construção feita no mesmo Plano. Dir-se-á agora que a execução do Plano Intercalar foi além da estimativa que no capítulo de construção de habitações constituiu o seu objectivo. Mas sabia-se que essa previsão pecava por defeito em, pelo menos, 38 por cento, como aqui na Assembleia se disse e agora volta a dizer-se relativamente ao projecto do III Plano de Fomento. Na verdade, se se tiver em conta a taxa anual de acréscimo entre 1960 e 1966 (4,6 por cento), na construção habitacional, deverá prever-se a edificação no período do III Plano - 1968-1973 - de 350 000 fogos, aproximadamente. Ora, o Governo insere como objectivo do Plano a construção de 250 000 fogos, o que se deve, segundo é de presumir, a ter-se cometido novamente o mesmo erro de partida na interpretação dos elementos apurados, calculados e publicados pelo Instituto Nacional de Estatística.
Imagine-se a repercussão que o facto poderá ter nos aspectos financeiros e nas próprias medidas de política do planeamento no capítulo da habitação!
Além disso, se, com base em tais previsões, se fizerem confrontos com os objectivos inscritos nos programas habitacionais de outros países, hão-de suscitar-se conclusões desfavoráveis para nós contrárias à realidade das situações, mas autorizadas pelas deficiências da notação ou interpretação estatísticas.
Refiro ainda outro exemplo, embora de origem e de índole diversa, extraído da estatística referente à mortali-

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dade infantil (primeiro ano de vida). Nas nossas taxas de mortalidade infantil figuram entre os nados-vivos as crianças que após o nascimento se conservem vivas, ainda que por curto período de tempo, quando na França, Bélgica e Holanda se exige para fins idênticos que a criança não tenha falecido antes do registo de nascimento (nos três dias seguintes ao parto) e, noutros países, que a criança seja dotada de uma conformação que torne possível a vida.
No concernente aos nados-mortos, entre nós faz-se o registo a partir do quarto mês de gestação, enquanto noutros esse registo só começa II efectuar-se a partir dos seis, sete e oito meses.
É natural que, em casos como estes, os confrontos entre as estatísticas de diversos países não possam reputar-se legítimos, porque a recolha e notação dos dados assentam em bases e critérios divergentes.
Não nos faltam lacunas muito sérias - disse-o já nesta Assembleia - nos vários domínios da actividade social a desafiar o espírito de iniciativa e a capacidade realizadora dos responsáveis e de todos nós. Ponderem-se, pois, as dificuldades, inventariem-se os recursos, planeiem-se os programas de acção para se executarem com energia, mas não se exagerem as insuficiências e os atrasos existentes, que já são grandes de si, nem se perca a visão equilibrada dos problemas, forçando em nosso desfavor, por deformação ou ligeireza de espírito, comparações com outros países, como parece estar em moda.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há-de ser em termos muito breves e esquemáticos, mesmo com prejuízo do ordenamento das matérias, que a parte final desta exposição aludirá a alguns assuntos mais, que bem gostaria de tratar com desenvolvimento e em correlação com outros debatidos no seio da Comissão Eventual, se a disciplina regimental e as circunstâncias que de início referi o consentissem.
Sublinharei, antes de mais, a singular importância e oportunidade das recentes e notáveis providências legislativas sobre a Reforma Administrativa, cujo alcance será ocioso acentuar.
Que essa Reforma ainda possa contribuir para facilitai a execução do Plano são os meus votos, embora não se tenham desvanecido as minhas dúvidas sobre a viabilidade do cumprimento de todas as medidas de política nele imperativamente inscritas - medidas bem numerosas e, por vezes, ambiciosas, algumas das quais, pela sua natureza, não são próprias do planeamento económico, e outras, pela sua amplitude ou complexidade, não deveriam prever-se para tão curto período de tempo.
Merece também vivo aplauso a inserção, com a devida autonomia e projecção, entre os três grandes objectivos do III Plano, e logo a seguir à aceleração do ritmo de acréscimo do produto nacional, de uma mais equilibrada repartição dos rendimentos.
Nada há a opor à hierarquização dos diferentes objectivos do Plano, pois, como nele se diz, «não será possível obter mais ampla e equitativa distribuição dos rendimentos nem promover o desenvolvimento das regiões desfavorecidas se as fontes de produção não permitirem dispor de bens acrescidos para uma melhor repartição, pessoal e regional, da riqueza criada». Mas tem de se interpretar em termos hábeis esta afirmação, que, certamente, pressupõe também a justa distribuição da riqueza já criada, mas ainda não convenientemente repartida pelos diferentes factores da produção. É que certos espíritos, de costas voltadas às exigências da justiça e às realidades sociais e apoiadas ma frágil e fácil alegação de não ter havido aumento de riqueza, não aceitam nunca a distribuição cristã dos rendimentos, mesmo quando estes se mostram acrescidos. Pertencem ao grupo daqueles que, insensíveis quando os salários eram baixos em consequência do excesso de mão-de-obra, se mostram agora inquietos com o aumento das remunerações do trabalho em virtude de a procura de braços ser superior à oferta e reclamam, para o impedir, a intervenção do Estado.
Este estilo vivo de dizer uma verdade não exprime, de modo algum, concordância com qualquer política de subida indiscriminada e generalizada de salários, cujas repercussões inflacionistas e outras considero perniciosas do ponto de vista económico e social. Pena é mesmo que sejam as regras da oferta e da procura do trabalho a determinarem, por si, o nível das remunerações, quando estas deveriam depender, essencialmente, da produtividade e do custo de vida e, em função destes factores, da acção orientadora do Estado e da vigência de regras ou cláusulas estabelecidas corporativamente, por acordo, entre os agrupamentos patronais e os de trabalhadores, movidos pelo espírito de cooperação e pela equilibrada ponderação de todos os interesses legítimos em presença.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É sabido que o problema de base da repartição dos rendimentos consiste na escolha dos critérios da aplicação dos recursos nacionais, de modo a determinar-se em que medida devem ser afectados ao consumo e ao investimento. Da quantidade de bens consumidos depende o bem-estar, enquanto o montante dos capitais investido determinará a taxa de desenvolvimento.
Como os recursos são insuficientes, o planeamento há-de assentar em opções criteriosas dos responsáveis, fiéis à ideia de que é a economia que tem de servir o homem, e não o homem a economia.
Penso que o Governo fez estas opções com equilíbrio e noção das realidades económicas e das exigências humanas e sociais. O capítulo do projecto do Plano sobre repartição de rendimentos, ainda que levante algumas dúvidas, em particular quanto aos elementos de que se serve e à forma como, por vezes, joga com eles, constitui um documento de real nível, o que deve registar-se com satisfação. As medidas que nele se consagram, se bem que dificilmente exequíveis em toda a extensão nos seis anos do Plano, apontam, na sua essência, para as soluções reclamadas por uma política de fomento económico posta ao serviço da justiça, fundamento da ordem e da paz. Por isso, só merece louvor a política que visa «a elevar o nível de bem-estar de toda a população», «a partilhar equitativamente as responsabilidades e os frutos do desenvolvimento económico» e «a atingir, quanto possível, o pleno emprego dos recursos humanos e naturais, a fim de se melhorar a repartição das riquezas e conseguir o acréscimo do rendimento nacional».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Só assim o homem será colocado no centro da vida, como Deus quer, a dominar a produção e a pô-la ao serviço da sua valorização económica e espiritual.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Deveria ser também este o pensamento superior a presidir - quando milhares de portugueses ganham o pão no estrangeiro - à definição de uma política integral destinada a assegurar aos emigrantes uma

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protecção eficaz que os defendesse e orientasse e fosse, em tudo, uma presença efectiva e amorosa a falar-lhes da Pátria longínqua ... para que sempre presente na sua saudade, na sua alma.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Antolhando-se-me inaceitável a proibição radical da emigração, que por aí se chega a preconizar - como se fora lícito ferir a liberdade humana numa das suas manifestações mais vitais -, creio que poderiam ter-se lançado campanhas públicas de elucidação sobre os aspectos positivos e negativos da saída de trabalhadores para o estrangeiro, tantas vezes seduzidos por enganosas miragens ou por falazes promessas de engajadores sem escrúpulos. Aludo a aspectos positivos, porque a emigração também os tem e pode ter -- como impor a aceleração dos mecanismos da política social e o pagamento do salário justo, conduzir a mais rápida modificação na mentalidade dos empresários, obrigados, assim, à racionalização dos métodos e estruturas da produção, e concorrer, mau grado as enormes perturbações a que dá origem e não são de minimizar, para mais salutar e natural distribuição da mão-de-obra pelos sectores agrícola e industrial e pelo dos serviços.
Não contesto a obra da Junta da Emigração, que pode considerar-se notável para os meios de que dispõe. No entanto, a Junta não tem sede departamental adequada, já que os problemas a ela afectos se prendem mais Intimamente com a política do trabalho e do emprego. Deve também encarecer-se o esforço meritório da Caixa de Segurança Social dos Trabalhadores Migrantes, que herdou as atribuições dos antigos Serviços Mecanográficos - Federação de Caixas de Previdência, impostas pela necessidade de ocorrer às inúmeras situações ligadas ao cumprimento das convenções internacionais de trabalho entre Portugal e diversos países, a primeira das quais, com a França, me foi dado orientar e acompanhar nas negociações, até à sua celebração, em Novembro de 1957, e a que se seguiu o Acordo sobre Prestações Familiares, assinado em Paris em Outubro de 1958.
Importa, contudo, reconhecer que o nosso sistema de protecção ao emigrante é deficiente, está desactualizado e não tem recursos indispensáveis à sua racional estruturação e à amplitude e eficiência da acção a desenvolver.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No entanto, não poderá dizer-se que, provenientes das remunerações do trabalho, não haja disponibilidades vultosas aplicadas de modo desajustado à sua origem e servindo predominantemente a política das obras públicas como se fossem produto de impostos pagos pela colectividade.
Não será altura de libertar o trabalho de contribuições que têm um destino inadequado ou de afectar estas a fins mais consentâneos com os princípios e as regras que, na matéria, em toda a parte são respeitados?
Não poderá instituir-se, com carácter geral, o seguro de desemprego involuntário, confiando a sua gestão às instituições de previdência ou a uma nova instituição a criar, como de há muito se prevê na lei, e sem o integrar em serviços estatais, tendência que, pelos vistos, está, mesmo onde menos seria de esperar, a ganhar foros de cidade, ao arrepio da doutrina f das conveniências?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Neste mesmo pendor, não deixarei de qualificar de perigosas certas teses que por aí voltam a agitar-se para a inserção da previdência nas estruturas do Estado ou para que a prestação de serviços sociais do seguro obrigatório fique a cargo dos estabelecimentos oficiais ou ainda para que os déficits destes sejam cobertos com dinheiros resultantes de descontos sobre as remunerações do trabalho. Não me cansarei de insistir que o intervencionismo estatal é de recear não só no terreno da economia, mas ainda, e principalmente, no domínio da acção social, porque aqui nem sequer se regista, a contrariar ou a amortecer as intromissões totalitárias, a espontânea reacção que surge quando se ofendem os legítimos interesses da propriedade, do capital ou da produção.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tudo isto aconselha também a que, na utilização das reservas da previdência, se dê prioridade a iniciativas de carácter social, sem embargo da sua cooperação no fomento económico do País, uma vez assegurada a justa rentabilidade da aplicação e compensados os efeitos da depreciação monetária, o que está longe de se haver conseguido, pois cerca de 80 por cento dos valores das caixas continuam investidos em bens de rendimento fixo, a preanunciar já as dificuldades que vão surgir quando os riscos diferidos passarem a efectivar-se em larga escala e se puser o problema da actualização das pensões de reforma ou invalidez.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não esconderei que o Plano, na parte atinente ao financiamento da previdência, me deixou deveras apreensivo. Nem deixarei de individualizar, ao menos, uma inequívoca deficiência na planificação da poupança das caixas sujeitas à inspecção do Ministério das Corporações e Previdência Social.
No projecto do Plano, indica-se que o valor desse aforro será, para o sexénio, de 7 500 000 contos. Sabendo-se, de fonte autorizada, na Assembleia, que o Estado, através da tomada de títulos da dívida pública, tem já assegurado o financiamento de 75 por cento das reservas futuras das caixas, embora em condições mais vantajosas para estas, não se vê como será possível às mesmas fazerem os restantes investimentos que lhes estão assinalados no Plano.
Com efeito, basta referir, para se avaliar da extensão desta impossibilidade, que o Plano, no capítulo relativo à habitação e urbanização, fixa, expressamente, em 4110 000 contos, os compromissos da previdência na construção de casas económicas (570000 contos) e na de casas de renda económica e na concessão de empréstimos ao abrigo da Lei n.º 2092, de 9 de Abril de 1958 (3 540 000 contos). Esta situação é agravada pelo facto de, no Plano, se prever apenas a construção de 14 400 fogos na modalidade de empréstimos instituída pela Lei n.º 2092, quando é de admitir que, a manter-se o ritmo dos últimos anos, o número de pedidos de novos créditos para idêntico fim será da ordem dos 25 000, entre 1968 e 1973. Lamento muito - não é a mágoa romântica do autor desse regime legal, que, aliás, possibilitou já a concessão de empréstimos no valor de 1 200 000 contos para a autoconstrução de 11 000 casas - que se entrave, de modo tão sensível, a expansão dessa modalidade de fomento habitacional, a última que deveria ser afectada por qualquer redução, pois é, do ponto de vista social, humano e administrativo, a mais perfeita e simples e a que promove, mais aberta e naturalmente, o acesso à pró-

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priedade do lar. Isto não me impede de dizer que devem ser estancados, a todo o custo, quaisquer abusos que, na concessão de tais empréstimos, possam verificar-se.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pelo que fica dito, não se vê também maneira de as caixas poderem subscrever, como se indica no projecto do Plano, os aumentos de capital accionista, a que têm direito preferencial, das empresas de energia eléctrica e outras, de que possuem 40 por cento das acções.
Como esses aumentos de capital devem atingir, no período do III Plano, só nas empresas eléctricas, 2 450 000 contos, e os títulos serão adquiridos ao par pelos actuais accionistas, apesar de terem uma cotação superior em cerca de 30 por cento ao seu valor nominal, a previdência, com direito a tomar 40 por cento das acções, além de não ver aumentada a inversão das suas reservas em bens de rendimento variável, sofreria um prejuízo da ordem dos 300 000 contos se viesse a ser impedida de dar esta aplicação aos seus dinheiros. Isto seria extremamente chocante, até porque a previdência não faltou quando, no arranque difícil e incerto daquelas empresas, a sua presença foi julgada indispensável, como fonte de estímulo e segurança para o investimento dos capitais particulares nos grandes empreendimentos de fomento económico.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - À luz desta perspectiva que parece desenhar-se, e considerando a delicadeza e o interesse do problema, não se estranhará que, desta Assembleia, se chame a esclarecida atenção do Governo para ele e para as hesitações e incongruências que, no tocante à determinação e à mobilização das reservas da previdência, se verificam no projecto do III Plano de Fomento, carecido, por isso, de ser revisto, com todo o cuidado, no melhor espírito social e com o propósito de se criar, nas instituições de seguro .social obrigatório, a convicção de que vale a pena administrar bem e promover a formação de reservas. Se assim não se fizer, estas tenderão a diminuir progressivamente, perigosamente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na impossibilidade de me debruçar sobre outros problemas de carácter social, não quero, porém, terminar estas. considerações sem deixar consignada uma palavra de vivo apreço devida ao notável esforço que está a despender-se no domínio da formação profissional e do desenvolvimento da mão-de-obra e no da política do emprego, encarada a nova luz.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Bem gostaria de ter dito muito e falado pouco. Não logrei satisfazer este desejo, o que me penaliza, apesar de me parecer que, se não disse tanto como falei, disse, em todo o caso, alguma coisa. Se, porventura, me iludo nesta suposição, ninguém há-de duvidar, ao menos, da bondade do meu. intento de oferecer cooperação útil à Assembleia Nacional na apreciação do projecto do III Plano de Fomento para o período de 1968 a 1973. Cooperação sem altura - eu sei-o; mas, devotada e sincera, ela, só por isso, se legitimará na autenticidade da sua modéstia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pontífice de Sousa: - Sr. Presidente: Entendeu V. Ex.ª designar-me oportunamente para uma comissão eventual que, desde o segundo dia do passado mês de Outubro, começou a estudar e a debater o projecto do III Plano de Fomento e a proposta de lei que lhe diz respeito - documentos que orientarão o desenvolvimento do País no próximo sexénio. Queria aproveitar esta oportunidade para afirmar a honra que tive em ter participado nos trabalhos desta comissão, que estudou um dos mais importantes assuntos, porventura o mais relevante de que esta Assembleia só ocupará na presente legislatura.
Trabalhou-se intensamente e conseguiram-se alguns resultados pelo esforço dos ilustres Deputados que relataram os diversos capítulos do Plano, a actuação esclarecida de eminentes homens públicos - como o presidente da comissão, Sr. Dr. Castro Fernandes, e o nosso leader, Sr. Dr. Soares da Fonseca - e a colaboração insubstituível que quiseram dar aos trabalhos alguns membros do Governo.
Não foi possível, em minha opinião, ter aproveitado melhor o tempo de que se dispôs, limitado pelo cumprimento das fases anteriores de elaboração do Plano. Creio, aliás, que o calendário respectivo foi idealizado de forma a permitir que o Plano fosse enviado u, Câmara Corporativa e à Assembleia Nacional com maior antecipação e que houve muitos e até, alguns, naturais atrasos, devido à extrema complexidade de que se reveste um trabalho de tal natureza e extensão.
Mas, desses atrasos, resultaram evidentes prejuízos na apreciação pela Câmara- Corporativa e pela Comissão Eventual da Assembleia, devido à impossibilidade que houve de fazer uma análise serena e pormenorizada e um debate mais incisivo e prolongado sobre toda a problemática do nosso desenvolvimento, exaustivamente tratado no projecto deste III Plano.
Por todas estas implicações, algumas naturais e previsíveis, creio que teria sido aconselhável adoptar um procedimento semelhante ao seguido em França relativamente ao V Plano de Desenvolvimento Económico e Social para o período de 1966-1970, em que o Parlamento foi chamado a pronunciar-se por mais de uma vez - a primeira sobre orientação geral e a última quanto ao documento definitivo.
E duvido de que se possa contestar validamente a conveniência de se ter seguido este critério, que teria permitido ao órgão de soberania mais representativo da Nação intervir realmente na elaboração do III Plano de Fomento, pela possibilidade prática que haveria de se modificar ou condicionar qualquer das bases gerais propostas pela Administração.
Mesmo que a Assembleia em nada alterasse essas bases - mas apenas as tivesse discutido amplamente -, já esse facto seria muito relevante, por despertar mais cedo a Nação para os seus problemas de desenvolvimento futuro, sendo necessário ter em conta que o crescimento não resulta apenas de potencialidades, mas também de vontades e atitudes nacionais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Conheço algumas das dificuldades com que tiveram de lutar os Serviços Centrais de Planeamento, que apenas puderam ser reorganizados em Março de 1966, com o objectivo de aperfeiçoar a sua orgânica, a sua estrutura e os seus meios de acção.
Conheço também alguns dos inúmeros esforços despendidos por diversos órgãos do Estado, nomeadamente o Secretariado Técnico da Presidência do Conselho, pelas

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corporações, por muitos organismos corporativas e lê coordenação económica, por dirigentes de instituições e representantes sectoriais, por economistas e até dirigentes de empresas privadas.
São, pois, devidos todos os louvores aos que possibilitaram a realização deste monumento de análise e programação da vida económica e social do nosso país.
E também será devida uma palavra de incentivo ao Governo para que continue a trabalhar sem desfalecimento por um Portugal maior e mais bem estruturado, para que promova a execução do Plano em todos os seus pormenores, a fim de possibilitar à Nação alcançar o ano de 1973 com bases mais sólidas, com níveis económicos mais animadores, com maior cultura, mais saúde e bem-estar social.
E, para tal, necessitamos de fazer uma renovada profissão de fé: na força de trabalho do nosso povo, na inteligência dos que nos orientam, na bravura dos que nos defendem, no saber de experiência feito de Salazar, que continuará a governar a Nação pela fé que nele depositamos.
E também será devida uma palavra de merecido apreço pelo labor da equipa que, sob a égide do ilustre Ministro de Estado, há-de continuar os trabalhos de prospecção, os estudos estatísticos, a planificação que se torna ainda indispensável para que o Plano possa ser convenientemente actualizado no final do 1.º triénio.
Sr. Presidente: Os planos fazem parte da vida diária do homem que procura agir com inteligência. E, como homem, também as colectividades planificam, quando actuam racionalmente.
A opção que existe é apenas a de escolher entre uma série de planos individuais, descoordenados, ou um plano colectivo que se sobreponha a todos. E esta opção é apenas possível nas economias capitalistas, tornando-se indispensável a existência de uma planificação global nos Estados socialistas, em face de colectivização dos meios de produção.
Mas ninguém põe em dúvida, hoje em dia, a vantagem de coordenar todos os esforços, de utilizar todos os meios, na prossecução de fins que tenham em vista o bem comum.
Consequentemente, há problemas que se põem na elaboração de um plano: são, em primeiro lugar, a selecção de objectivos e a mobilização adequada dos meios que possibilitem a sua realização.
Apontam-se no III Plano como grandes objectivos:

1) A aceleração do ritmo de acréscimo do produto nacional;
2) A repartição mais equitativa dos rendimentos;
3) A correcção progressiva dos desequilíbrios regionais de desenvolvimento;

e diz-se que estes objectivos têm carácter normativo e a ordem por que são enunciados traduz uma hierarquia que se entende dever fixar nas presentes circunstâncias.
Temos, assim, o primeiro objectivo essencialmente económico a sobrepor-se aos restantes que têm um maior conteúdo social.
Tudo se condiciona, pois, a uma aceleração do ritmo de acréscimo do produto interno bruto que se prevê seja, em média, de 7 por cento ao ano, de forma a possibilitar a meta de 155 milhões de contos no final do 6.º ano do Plano, ou seja um aumento superior a 52 milhões relativamente ao programado para o início da sua execução.
Devemos aqui salientar que a taxa de crescimento de 7 por cento prevista é, realmente, muito superior à que se tem verificado, durante os últimos anos, nos principais países europeus evoluídos e que a França adoptou para o seu V Plano o ritmo médio anual de acréscimo de apenas 5 por cento.
Mas temos também de ter em conta, na apreciação do problema, a enorme distância que nos separa desses países nos aspectos de capitação anual do produto.
Exemplificarei, segundo dados em meu poder, que no final de 1965 essa capitação era de 420 dólares para Portugal, 1734 para o conjunto dos países da E. F. T. A. e 1652 para o conjunto dos países da C. E. E. - do que parece dever concluir-se que um diferencial de 2 por cento no ritmo de acréscimo favorável a Portugal nos aproximará dos níveis de capitação anuais do produto dos demais países evoluídos da Europa, mas apenas em termos relativos, continuando a afastar-nos desses mesmos países em termos absolutos.
Este aspecto do problema tem a maior importância, em meu entender, para a análise da alínea d) da base IV da proposta de lei que está a ser apreciada por esta Assembleia, onde se refere que, «para a realização dos objectivos do Plano, o Governo deverá assegurar a adaptação gradual da economia portuguesa aos condicionalismos decorrentes da sua integração em espaços económicos mais vastos», e creio que esta tarefa, pela sua importância e complexidade, melhor se enquadraria entre os grandes objectivos deste III Plano.
Há que ponderar devidamente o fraco poder competitivo da nossa economia, o acentuado desequilíbrio da nossa balança comercial, agora ainda com tendência a agravar-se, em virtude da recente desvalorização da libra, e a distância, em termos de desenvolvimento económico, a que ainda nos encontramos dos demais países que constituem os dois blocos económicos europeus - E. F. T. A. e C. E. E. -, para decidir se a nossa integração em espaços económicos mais vastos não exige uma concentração de esforços a todos os níveis e uma actuação permanente em matéria de política económica, financeira e fiscal.
Há ainda que ponderar se essa mobilização total de esforços nos permitirá aproximar-nos, em tempo útil, das economias europeias evoluídas ou se, ao contrário, essa tentativa de aproximação poderá resultar inútil relativamente aos fins pretendidos, o que significaria que desperdiçámos tempo, recursos e energias de toda a ordem que, canalizadas em sentido diferente, poderiam assegurar melhor futuro às gerações vindouras.
Estamos a pensar, Sr. Presidente, que haverá sempre países económicamente poderosos e outros que, situando-se a alguma distância económica daqueles, terão também um papel a desempenhar na sociedade internacional e poderão, eventualmente, viver num clima de paz e bem-estar social, com base numa política que assegure uma expansão satisfatória do produto, mas também o pleno emprego, uma justa repartição do rendimento e de riqueza, o desenvolvimento progressivo e harmonioso dos seus territórios e a crescente satisfação das necessidades colectivas - uma política que, em última análise, tenha em vista o acesso de todas as classes aos benefícios da civilização, conforme estipula o artigo 5.º da nossa Constituição.
Quanto ao segundo grande objectivo do Plano, penso que a sua realização poderia ser muito facilitada pela revisão do Código do Imposto Complementar, que foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 45 399, de 30 de Novembro de 1963.
Divide-se este Código em duas secções, A e B, incidindo a primeira destas secções sobre o rendimento global das pessoas singulares residentes no território do continente e ilhas adjacentes ou que nele obtenham rendimentos.

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As taxas deste imposto, secção A, são estipuladas no artigo 33.º e constam de uma tabela onde se verifica uma progressão contínua e uniforme do imposto, repartido em escalões de 50 contos, até ao limite de 1200 contos, passando então os escalões a ser de 100 contos, até ao limite máximo de 3000 contos, não havendo progressão do imposto a partir daí.
Parece-me que a melhor forma de encontrar uma solução prática para uma repartição mais equitativa dos rendimentos será estabelecer escalões de maior amplitude nos níveis mais baixos de rendimento e escalões menores nos níveis mais altos, ao contrário do que sucede actualmente, podendo continuar a manter-se o nível de 1200 contos para separação dos dois tipos de escalões.
Nada me repugna admitir ainda que o imposto continue a progredir na tributação dos rendimentos para além da base de 3000 contos, até um novo limite que seja julgado aconselhável.
Tenho presentes as reservas formuladas no criterioso parecer da Câmara Corporativa quanto às soluções a encontrar para a realização deste grande objectivo do Plano, mas considero que a estrutura dos escalões que servem actualmente de base à tributação em imposto complementar não realizam os princípios de equidade e de justiça social que é imperativo ir promovendo progressivamente.
Detenho-me um instante mais na referência ao Código do Imposto Complementar, agora quanto à secção B, pelo facto de este imposto tributar, nas sociedades, os rendimentos que não são atribuídos aos sócios como lucros, isto é, aqueles rendimentos que são geralmente levados a reservas e se destinam a autofinanciamento das empresas para serem aplicados em investimentos ou para reforço do capital circulante.
Penso que haveria toda a conveniência em estudar um regime jurídico-fiscal que pudesse incluir a isenção deste imposto no conjunto dos estímulos fiscais previstos no Plano, em ordem a fomentar mais intensamente o autofinanciamento, nomeadamente nos sectores considerados motores do desenvolvimento, ou para fins de programação regional.
Aliás, a concessão de estímulos fiscais deverá ser regulamentada com a maior urgência, pois medidas desta natureza foram já sucessivamente anunciadas nas Leis de Meios para 1966 e 1967 e poderiam ter desempenhado já importante papel numa tentativa a fazer para modificar a actual conjuntura - pois muitas empresas têm sentido grandes dificuldades por se não terem cumprido as promessas governamentais de conceder estímulos fiscais aos investimentos destinados à instalação, ampliação e renovação de equipamentos industriais.
Outro tanto sucede quanto a isenção ou redução de direitos que afectam a importação de algumas matérias- primas e bens de equipamento, a dedução parcial da matéria colectável de contribuição industrial e a aceleração do regime de reintegrações e amortizações - sendo de notar que promessas desta natureza, quando se fazem e não se cumprem, têm um efeito de travagem no processo de industrialização, que interessa a todo o custo incentivar de acordo com as directrizes traçadas.
Mas deverá prestar-se toda a atenção à forma como irá ser regulamentada a concessão dos incentivos fiscais, que não poderão ficar dependentes de uma apreciação prévia de cada caso, mas sim do interesse nacional, claramente definido na lei.
O empresário necessita de conhecer os seus direitos para poder fazer o estudo económico do empreendimento em todos os pormenores, e qualquer medida tendente a fazer depender a concessão de incentivos fiscais dos requerimentos, dos pareceres, dos despachos e dos recursos é criar uma burocracia desnecessária e altamente inconveniente, além de permitir a intervenção de certa dose de subjectivismos, sempre susceptível de dúvidas e criticas que só poderão criar desprestígio para a Administração.
Tenho ainda uma palavra a dizer sobre outro grande objectivo do Plano, que é a correcção progressiva dos desequilíbrios regionais de desenvolvimento. O assunto tem sido bastante estudado e debatido, e perante a perspectiva de um esforço sério para o encontro de soluções satisfatórias alvoroçaram-se os espíritos e renasceram as esperanças.
Parece haver conclusões definitivas sobre os estudos efectuados, que nos dizem que:

1) Quanto à capitação do produto em 1964, se atribuía à população do distrito de Lisboa um valor quase duplo da média do continente, que apenas era alcançada pelos distritos de Setúbal, Porto e Aveiro;
2) Quanto ao produto bruto do sector secundário, de acordo com estimativas durante o período de 1953-1964, apenas os distritos de Lisboa, Setúbal e Aveiro tiveram uma crescente participação no conjunto - enquanto os de Braga, Leiria e Santarém se mantiveram na mesma posição relativa e todos os restantes se viram prejudicados, incluindo o Porto, que detém, todavia, a segunda posição percentual;
3) A existência de áreas industriais evoluídas e dinâmicas, oferecendo as melhores condições de vida e de habitabilidade dos agregados familiares, tem originado um despovoamento das zonas do interior e do litoral do Sul e uma concentração populacional na faixa litoral de Braga a Setúbal;
4) Mesmo alguns centros industriais de certa importância, localizados no interior do País, não puderam revelar-se pólos de atracção de populações migrantes, por carência de uma estrutura urbana evoluída e relativa à sua densidade populacional, ou ainda por não se encontrarem na periferia das grandes cidades;
5) Do ponto de vista agrícola, também se verifica que os distritos onde se situam os principais pólos urbanos e industriais apresentam melhores índices de rentabilidade da superfície produtiva.

Feito o diagnóstico da situação, que se tem agravado de ano para ano, originando o abandono dos campos, a desertificação das aldeias e mesmo a fuga populacional nalgumas zonas industriais desprovidas de equipamentos sócio-económicos adequados, há naturalmente que tomar medidas urgentes que permitam evitar o desperdício de recursos e potencialidades - o que poderia ter os mais graves reflexos na vida na Nação.
E entendeu-se, porém, conveniente começar por definir os esquemas regionais e institucionais de planeamento, muito embora com carácter transitório, e os grandes objectivos que poderiam informar a política de desenvolvimento regional, que são:

O equilíbrio da rede urbana;
A utilização de pólos de crescimento;
A especialização da agricultura.

Dou o mais decidido apoio à selecção feita para os objectivos, mas formulo algumas reservas quanto aos esquemas regional e institucional preconizados.

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Fundamentou o planificador a delimitação de regiões de planeamento em determinados elementos orientadores, para chegar à divisão geográfica do continente em quatro regiões e oito sub-regiões e à criação, em cada região, de um órgão de informação e consulta - ficando em suspenso o ordenamento político-administrativo de cada região e de cada sub-região e ainda, quanto a estas, a escolha da sua sede e a natureza da sua subordinação à região respectiva.
Não se tiveram em atenção as realidades económicas das regiões homogéneas, nem as realidades político-administrativas dos distritos, nem ainda a existência das bacias hidrográficas, que poderão desempenhar papel de relevo no desenvolvimento nacional quando aproveitadas em esquemas de planeamento integral - como se salienta no valiosíssimo trabalho recentemente publicado pelo ilustre colega Sr. Eng.º Araújo Correia, intitulado O Tejo.
Penso, Sr. Presidente, que muitos dos que se preocupam com os problemas do interior do País já terão procurado soluções para os esquemas regionais e institucionais a adoptar, mais ou menos conformes com as teorias e com as realidades.
Sinto-me ainda tentado a dizer que nunca considerei conveniente para o território metropolitano, de tão exíguas dimensões, a sua divisão em quatro regiões, e muito menos em oito sub-regiões, pela forma como foram definidas.
Penso ainda que haveria grande vantagem em ter adoptado uma solução que correspondesse às realidades do desenvolvimento económico nacional, isto é, a existência de uma zona mais evoluída, englobando a faixa litoral delimitada pelos distritos de Braga e Setúbal e outra zona, nitidamente subdesenvolvida, que abrange o resto do território metropolitano.
Além disso, parece não ser muito importante começar por dividir o País em regiões heterogéneas e insuficientemente estudadas quanto às soluções a adoptar - pois os problemas relativos à existência de zonas económicamente débeis apenas poderão ser solúveis pela criação ou modificação de um mecanismo de desenvolvimento inexistente ou insuficiente, sendo indispensável começar por uma análise do modo actual de funcionamento da economia nas diferentes regiões homogéneas.
Ora, não se encontram relações significativas de homogeneidade em nenhuma das regiões definidas no Plano; nem mesmo ela existe em muitas das sub-regiões.
Como actuar então no sentido de promover o desenvolvimento das regiões económicamente atrasadas?
Em minha opinião, haveria que definir, primeiramente, as diferentes regiões homogéneas existentes no País - procurando-se, em seguidamente, criar grupos de trabalho ou comissões que pudessem estudar económicamente cada uma dessas regiões homogéneas, avaliando as potencialidades e as deficiências existentes e procurando delinear um programa de desenvolvimento.
Esses grupos poderiam ser formados por representantes municipais, distritais e de outros interesses públicos e privados e seriam assistidos pelos serviços regionais dos diferentes Ministérios e, se possível, pelo Secretariado Técnico da Presidência do Conselho.
À medida que os estudos fossem sendo concluídos poder-se-ia incidir a obra de fomento das diversas regiões, e, quando todas estivessem convenientemente estudadas, definir-se-ia então uma política de desenvolvimento regional para todo o continente português. Creio haver já diversos grupos a trabalhar de forma semelhante à que acabo de referir, o que confere bastante realismo à sugestão e, entre eles, tenho o maior prazer em referir o Grupo de Trabalho para o Planeamento da Cova da Beira, criado há cerca de dois anos por iniciativa da Câmara Municipal da Covilhã, a que logo aderiram as Câmaras Municipais do Fundão, de Belmonte e de Manteigas - as três primeiras pertencentes ao distrito de Castelo Branco e a última ao distrito dá Guarda.
Já foi feita uma notável obra de inventariação das potencialidades regionais e de programação de empreendimentos - sem o menor encargo para o Orçamento Geral do Estado -, nomeadamente estudos sérios para a localização de um complexo agro-industrial que inclui uma unidade de conservação, industrialização e comercialização de frutas, parque de máquinas agrícolas e armazém de distribuição de adubos.
Outros empreendimentos estão em vias de concretização, como seja um levantamento da região e um inquérito junto do produtor no sentido de poder determinar concretamente a capacidade do fruteiro inicial. Mas considero sobretudo muito importante que o Governo vá ao encontro destas iniciativas e lhes dê todo o possível apoio técnico e financeiro para que possam continuar a obra de valorização regional em que se empenharam e para que o seu exemplo frutifique e se estenda a outras regiões do País.
Sr. Presidente: Tendo em atenção a cuidadosa programação feita, a estratégia de desenvolvimento preconizada, as prioridades e os objectivos escolhidos, o volume de investimentos e as taxas de acréscimo previstas, o III Plano de Fomento constitui arrojada iniciativa governamental a que gostosamente dou o meu aplauso e que necessita de ser difundida pelo País, de forma que todos os portugueses possam ter uma ideia exacta da responsabilidade que lhes cabe na sua execução.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Serras Pereira: - Sr. Presidente: Considera o Plano de Fomento, instrumento por excelência da política de unidade económica nacional, ora em discussão, três grandes objectivos, sendo um deles a correcção progressiva dos desequilíbrios regionais de desenvolvimento.
Em capítulo especial, no relatório do projecto do Plano, salientam-se as acentuadas assimetrias espaciais, resultantes principalmente da concentração verificada nas cordas industriais e urbanas de Lisboa e do Porto, e anunciam-se medidas políticas que procuram corrigir as disparidades de crescimento.
Mas este grande objectivo está Intimamente relacionado com o segundo - a repartição mais equilibrada do rendimento.
É certo que a caracterização do Plano interliga simultaneamente todos os sectores e pretende, por ser global, a sua harmonização, equilíbrio e acordo com os preceitos constitucionais.
A aceleração do ritmo do crescimento do produto nacional, primeiro grande objectivo, não vai por si dar resposta aos outros dois. Sem ele, contudo, não se atingirão os objectivos que se contêm tão expressivamente nas bases da proposta de lei.
Interessa então promover o mais rápido aumento do produto nacional e, paralelamente e sem prejuízo deste, proceder a uma repartição mais justa do rendimento e à harmonização de equilíbrio regional.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - No entanto, a política do desenvolvimento regional só será válida desde que possa por si mesma provocar, um acréscimo do produto à taxa tida como desejável do crescimento, e de modo algum poderá moderar a sua expansão.
Na realidade, os grandes objectivos do Plano serão realizados texto em linha de conta a defesa da integridade nacional, a manutenção da estabilidade financeira interna e a solvabilidade externa do escudo, o equilíbrio do mercado do emprego e o processo de integração nos grandes espaços económicos.
Apontou o Sr. Dr. Mota Veiga, fixando doutrina, que:

O objectivo da máxima aceleração do ritmo do crescimento do produto, perante a limitação dos recursos humanos e materiais disponíveis, impõe, entre outras condições, que os investimentos se concentrem, quanto possível, nas aplicações de maior e mais rápida reprodutividade e se evite a dispersão de iniciativas e projectos que, embora porventura de interesse para uma ou outra região, não obedeçam àquela primacial exigência. [...]
A necessidade de compatibilizar as exigências do equilíbrio regional com as aspirações nacionais de rápido desenvolvimento implicará, por um lado, que a selecção dos projectos regionais se faça com base em critérios de segura rentabilidade e, por outro, que os investimentos se concentrem nas zonas que ofereçam condições económicas mais favoráveis.

No parecer geral da Câmara Corporativa é posta também em relevo a complexidade da tarefa de articulação entre a «promoção de uma rede urbana equilibrada de modo que não lese as condições necessárias a um processo económico auto-sustentado». O ilustre e distinto relator acrescenta que esse equilíbrio «se trata de requisito de dificílimo preenchimento na experiência actual, revestindo as intervenções neste domínio, delicadeza extraordinária, mas exigem prudente firmeza». E continua:

Os pólos de crescimento que consintam correcção progressiva dos desequilíbrios regionais devem responder às exigências do crescimento e simultaneamente apresentar-se com as maiores probabilidades de desencadear, no mecanismo expansivo de cada região, o seu processo próprio de desenvolvimento económico.

Também nós pensamos que é matéria extremamente delicada o processo do desenvolvimento regional e igualmente julgamos que necessita de ponderada e prudente atenção, o que não quer dizer, porém, que ela não seja viável e que urge o início dessa premente acção.
Pretende-se com a política do desenvolvimento regional atingir os seguintes objectivos: especialização da agricultura e criação de centros urbanos e de zonas industriais.
A concretização destes objectivos pressupõe um selectiva concentração de investimentos.
Fixaram-se regiões-plano, obedecendo a critérios que se supõe corresponderem às actuais circunstâncias de níveis de desenvolvimento, tendo por base um centro motor, como capital.
A política do equilíbrio regional assentará em pólos de crescimento, que deverão aproveitar as infra-estruturas, os centros urbanos e as zonas industriais que já existam.
Prevê-se também a criação de novas instituições e o apoio às existentes, pretendendo-se a colaboração das autoridades regionais dos interesses públicos e privados na elaboração de planos regionais, com a presença de todos os organismos técnicos com competência local, coordenados, contudo, com o planeamento nacional.
Várias medidas de política são citadas no projecto do Plano, principalmente as relativas à criação de zonas industriais e à política de crédito, dando apoio àquelas zonas.
Salienta ainda o mesmo capítulo os estudos que cobrem todo o espaço metropolitano e que parecem indicar a localização de futuros pólos de crescimento.
Não pondo em causa o critério que presidiu à definição das regiões-plano, tal qual nos são apresentadas no projecto do Plano, julga-se não ser menos certo o que engloba as potencialidades contidas nas bacias hidrográficas dos grandes rios, de modo a ter em linha de conta a coordenação da multiplicidade de acções de acordo com a sua zona de influência.
É particularmente relevante a importância dos vales do Tejo, do Douro e do Mondego, que admitem graus diferenciados de desenvolvimento, conforme as regiões que atravessam, e que permitem a sua consideração como eixos de desenvolvimento.
A leitura atenta dos empreendimentos previstos no Plano e a descrição dos estudos fundamentais citados no capítulo sobre desenvolvimento regional levam-nos a preconizar a interligação dos empreendimentos e dos estudos, com a finalidade de se obter, na concentração selectiva dos investimentos, efeitos múltiplos que desencadeiem processos de dinamismo económico da mais alta rentabilidade e de custos mais baixos.
Não nos parece política a adoptar aquela que não ligue, por exemplo, o Plano Director da Região de Lisboa com o estudo de avaliação dos efeitos do rio Tejo, ou este estudo com a localização de uma área industrial no triângulo Torres Novas-Tomar-Abrantes, esquecendo os planos rodoviários e ferroviários, a produção de energia e o aproveitamento da matéria-prima lenhosa ou o projecto de irrigação da Cova da Beira e a avaliação dos efeitos regionais das obras de irrigação do Norte do Alentejo, com a industrialização dos produtos agrícolas e sem considerar paralelamente o desenvolvimento das áreas urbanas. O mesmo se poderá dizer das acções de efeitos múltiplos que resultam dos empreendimentos a iniciar, já concluídos ou a concluir nos rios Douro e Mondego.
A orientação conjugada dos diversos serviços com a iniciativa privada mais facilmente poderá dar origem a centros urbano-industriais.
Verifica-se, pela análise dos indicadores que foram escolhidos para caracterizar as regiões, que o sector agrícola é tanto mais rentável quanto mais próximo está dos grandes centros urbanos.
As medidas de política previstas no projecto do Plano e a correcção dos preços nos principais produtos podem favorecer este sector, originando o processo de especialização da produção, que deverá dirigir-se primacialmente para o abastecimento do consumo e também para o escoamento da produção nos mercados externos.
Parece certa esta orientação.
Mais difícil, porém, é a criação de zonas industriais! Com efeito, a análise da conjuntura nacional, que é também um reflexo da conjuntura internacional, e nomeadamente o comportamento da indústria transformadora, conduz a uma certa apreensão quanto às medidas da política industrial que poderão vir a ser tomadas.
Os movimentos de integração europeia e a participação de Portugal nesses espaços obrigam-nos a um redobrado esforço de industrialização e de melhoria das unidades existentes, com alto poder competitivo, não já à sombra de um condicionamento de protecção a um sobreequipamento, mas a uma política de liberalização. Normas de qualidade, defesa da concorrência, aumento de produtividade, protecção às pequenas e médias empresas e os prin-

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cípios insertos no Decreto-Lei n.º 46 666, nomeadamente os relativos ao equilíbrio regional; são medidas que se impõem pela sua urgência.
Por outro lado, a demora de adopção de providências legais e administrativas, aliás já anunciadas, como a concessão de isenções fiscais e outros incentivos à poupança, a criação de novas modalidades de depósitos que estimulem a sua formação, o reajustamento de taxas de juro, a regulamentação e disciplina do mercado monetário, a revitalização do mercado financeiro, o crédito e seguro à exportação e outras medidas, tem sido factor altamente desencorajante de uma expansão tão desejável como necessária do sector secundário.
De facto, verifica-se um grave estrangulamento deste sector, uma retracção do espírito de iniciativa, uma desorientação quanto a caminhos a seguir.
Segundo o projecto do Plano, cabe à indústria transformadora, ao turismo e à construção civil o papel motor do desenvolvimento. Apela-se assim para a capacidade da iniciativa privada, para o espírito empresarial (que de alguma maneira tem de modernizar-se), mas esta, em contrapartida, não pode prescindir de uma administração eficiente e flexível, de definição de uma política monetário-financeira e de uma renovada política industrial.
A política económica, devido à conjuntura interna e externa, tem de se orientar para a obtenção do máximo rendimento com o menor custo de investimento. Há que provocar, portanto, a máxima formação do capital fixo e a progressão do consumo, a taxa mais reduzida. São propósitos imperativos inseridos no projecto do Plano.
Neste condicionalismo, como criar novas zonas industriais, se elas exigem avultadas concentrações de investimento?
A resposta está dada no próprio projecto do Plano, quando acentua que são de criar «as zonas industriais, pelas vantagens que apresentam, quer quanto à possibilidade de integração das várias medidas tendentes a fornecer a localização preferencial das actividades industriais, quer quanto às economias de escala e benefícios inerentes à especialização da produção, organização comercial e viabilidade de subcontratos e ainda quanto à contribuição para ajudar a resolver problemas de urbanização e de emprego de mão-de-obra».
Convirá, além disso, que venha a indicar-se claramente que pólos de crescimento serão designados e se lancem com oportunidade as medidas legais consentâneas com a viabilidade desses pólos.
A orientação vital do mais rápido crescimento do produto não parece impeditiva de certas correcções regionais.
Na realidade, os efeitos multiplicadores de certos empreendimentos, o desejável aumento de consumo, a implantação urbana, a cobertura de instrumentos de uma sadia política social (educação, saúde, segurança social, condições de trabalho e cultura), são factores que compensam os benefícios e isenções que legalmente venham a ser concedidos às zonas urbano-industriais.
Através dos tempos, as cidades têm desempenhado o papel de centros óptimos de civilização, quer pelas estruturas culturais, sede de governo, etc., quer pelas actividades mais propícias ao bem-estar, defesa e saúde. Hoje em dia os privilégios das grandes povoações mais se acentuam, devido à evolução tecnológica, que vai buscar cada vez mais população para acudir às características de desenvolvimento.
A formação de grandes centros urbanos, nascidos quantas vezes desordenadamente, tem dado azo a excessivas e hipertrofiadas metrópoles. Mas as populações têm direito aos benefícios da vida urbana. A comparação entre zonas urbanas e zonas deprimidas tem originado grandes tensões sociais e provocado graves desequilíbrios regionais. Não é possível, contudo, por um lado, estabelecer o seu equilíbrio sem uma dimensão óptima de povoações, sem a criação de condições de vida urbana completa, e, por outro, perante a mutação de actividades que cada vez mais exigem o crescimento do sector secundário, torna-se inviável a manutenção de economias de dispersão.
Nasce assim a necessidade, quer social, quer económica, de utilizar pontos fulcrais do território para restabelecer o equilíbrio da estrutura urbana. Segundo o projecto do Plano, são «os pólos de crescimento», cuja definição resultará de estudos sobre a melhor localização das actividades económicas, conjugadas com a capacidade de iniciativa demonstrada pelas populações locais.
Resulta daqui que, perante o fenómeno mundial de urbanização, é nas zonas urbanas já constituídas que se pode apoiar o florescimento de uma civilização como é a actual.
O crescimento ordenado das zonas urbanas permite ainda o desencadear dos processos de desenvolvimento mais favoráveis de resistência às solicitações e pressões da conjuntura internacional.
É função do planeamento territorial assinalar, avaliar e ordenar os pólos de crescimento, a fim de se obter um maior e mais rápido desenvolvimento nacional. Supõe, evidentemente, opções racionalmente justificadas por umas zonas urbanas ou regiões em detrimento de outras, mas tal é necessário no plano de interesse nacional.
O moderno conceito de urbanismo conduz-nos naturalmente a uma visão diferente da que tem sido seguida na política dos melhoramentos rurais, que em boa verdade mais não deveriam ser do que um capítulo da política do equilíbrio regional.
Se a programação daqueles melhoramentos não for selectiva e orientada para a concentração, poderá tomar aspectos de concessão de subsídios, e não gastos de investimento, o que contraria o movimento natural do fenómeno da urbanização.
Verifica-se ainda a perduração de um conceito da obra pública que teve os seus méritos, mas que não contém por si próprio potencialidades para provocar o desenvolvimento. Este conceito, que comandou e reduziu a dimensão política e a acção regional a meros resultados em obras de infra-estrutura, por vezes com aspectos sumptuários, afectou por muito tempo a verdadeira problemática do desenvolvimento regional e o seu equilíbrio.
Certo ruralismo, abrilhantado pela magnificência de obra pública, não foi suficiente, não gerou a força aglutinadora da retenção das populações. Nem podia tão-pouco fazê-lo. Facultou essa orientação um clima psicológico que só deu validade à obra pública como tal, mesmo quanto efectivamente para pouco servisse.
Em matéria tão importante como esta, é de todo o interesse a renovação da mentalidade e o apetrechamento, nas capitais e centros mais dinâmicos das regiões-plano, de instituições especificamente destinadas ao estudo de projectos de planeamento.
Estas instituições deverão ser representativas de todos os interesses das regiões e convirá estudar-se, paralelamente, uma descentralização administrativa adequada às exigências da acção regional.
Como se fez notar anteriormente, estamos perante uma civilização urbana. Logo, parece conveniente, para evitar disseminação de empreendimentos, proceder à sua concentração nos centros já existentes, e nomeadamente naqueles que pelas suas reconhecidas potencialidades mais rapidamente possam provocar o crescimento.

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Não são muitos os centros dinamizadores de crescimento nas faixas interiores do País. No entanto, existem e deviam constituir zonas de atracção e retenção das populações. Possuem infra-estruturas, coberturas sanitárias, diversos graus de ensino - primário, técnico e liceal -, vias de comunicação e indústria diversificada. Uns são carecidos de abundância de água; situam-se outros junto dos caudais dos nossos principais rios. São estes, numa óptica de resultados, os que primeiro deveriam ser considerados e que naturalmente merecerão a classificação de prioritários.
Não se trata de movimentos regionalistas, válidos sem dúvida, mas desprovidos de fundamentação sócio-económica e sem conhecimento da problemática do desenvolvimento. A matéria é mais; complexa e requer a demonstração fundamentada do que se pretende.
Digno de citação é o caso de Abrantes, que, aproveitando o cinquentenário de elevação a cidade, promoveu um colóquio sobre desenvolvimento regional, que permitiu que uma parte da inteligência portuguesa ali se reunisse e se debruçasse sobre este palpitante problema. Estas «cortes gerais do desenvolvimento», que tiveram Q alto patrocínio do Governo, com a honrosa presença de SS. Exas. o Secretário de Estado da Indústria, na sessão de abertura, e o Ministro do Estado, no acto do encerramento, tiveram ainda a colaboração da Fundação Calouste Gulbenkian, de corporações, da Junta Distrital, da banca e de entidades privadas, e ficaram a constituir a primeira grande experiência de problemática do desenvolvimento regional do nosso país.
Com efeito, as 41 comunicações apresentadas focaram os seguintes problemas: conceito de região; problemas de financiamento; saúde, educação e problemas sociais; agricultura e pecuária; silvicultura e industrialização dos produtos florestais; indústria e energia; transportes e turismo; habitação e urbanismo.
Foram também apresentados dois trabalhos essenciais para definir e caracterizar uma região, considerada como pólo de desenvolvimento: «A área de influência de Abrantes e suas características - Perspectivas de desenvolvimento» e o «Anteplano territorial de ordenação urbanística do Norte do Ribatejo».
O primeiro focou dois ângulos principais: um, a tentativa de definição da área de influência daquele pólo urbano; outro, a caracterização da referida área nos aspectos demográfico, económico e de potencialidades naturais.
Pretendeu-se com a definição da área de influência saber as efectivas dimensões e projecções de um pólo urbano sobre o território, sabendo-se que se trata, não só de um centro administrativo, fornecedor de serviços, mas também de uma zona industrial.
A análise da área de influência demonstrou que a área de Abrantes se reflectia, pelo menos, sobre os seguintes concelhos: Constância, Sardoal, Vila de Rei, Gavião e Ponte de Sor.
O segundo descreve a caracterização do pólo urbano e área de influência, tendo em atenção os aspectos demográfico e histórico, geográfico e ecológico e as actividades dos sectores primário, secundário e terciário.
Este estudo deu a conhecer em pormenor o actual nível da actividade económica nos diferentes sectores e ramos de actividade, a sua estrutura económica e técnica, índices de produtividade dos sectores, etc. Termina o estudo com uma série de recomendações sobre linhas gerais de desenvolvimento da região destinadas a servir de enquadramento aos estudos de pormenor visando as realizações.
A contribuição principal do segundo estudo diz respeito à definição de cidade em termos de funcionamento económico rentável, com base em cidades ou organismos urbanos válidos como tal e tornados tios pontos de vista tradicionais, histórico-administrativos, inseridos numa economia do tipo agrário. Esta nova definição de cidade é chamada no estudo «cidade elementar», que é um organismo urbano que pelo seu quantitativo populacional requer um conjunto total e mínimo de equipamento que satisfaça as exigências de uma vida completa segundo o conceito actual de desenvolvimento civilizacional.
Dada a extrema debilidade do panorama nacional da rede urbana, o estudo em causa incidiu sobre onze concelhos do Norte do Ribatejo, segundo orientação definida pelo Sr. Ministro das Obras Públicas ao Gabinete de Estudos de Urbanismo e Habitação Eng.º Duarte Pacheco, a fim de ser estabelecida uma metodologia que, do ponto de vista urbanístico, condicione e favoreça um desenvolvimento integrado, apoio imprescindível para a actuação cio planeamento económico e regional.
A orientação deste estudo vem ao encontro da doutrina exposta no capítulo do projecto do Plano relativa ao desenvolvimento regional.
Não faltou tão-pouco o mestre Prof. Doutor Marcelo Caetano para indicar o rumo a seguir quanto aos aspectos institucionais no desenvolvimento regional.
E nossa convicção que qualquer medida que vier a ser tomada sobre política regional não pode ignorar fundamentalmente os trabalhos referidos como modelos de planeamento.
Sr. Presidente: A aceitação pelo Governo da iniciativa da cidade de Abrantes diz-nos bem do alto interesse que esta matéria merece aos políticos responsáveis pelo progresso económico.
A presença em Abrantes do Sr. Ministro de Estado, Dr. Mota Veiga, homem simples e austero, que faz do uso do Poder uma metódica e eficiente acção, dá-nos a certeza de que a política do equilíbrio regional será uma realidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Assim se saiba corresponder à magnitude da tarefa colectiva que será o III Plano de Fomento, à generosidade dos seus planificadores e à gigantesca obra que irá ser posta em movimento para servir e dar cumprimento a nobres ideais.
Sei, Sr. Presidente, que é meu dever dar o meu voto na generalidade à proposta de lei em discussão.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Ubach Chaves: - Sr. Presidente: As instituições políticas vêm sofrendo acentuado desgaste por força de um conjunto de circunstâncias a que nem sempre os homens, por acção ou omissão, são alheios. Têm vida precária, ou porque não criaram condições de autonomia, ou porque só se conta com elas sob o ponto de vista formal, sem se estimular a sua actividade criadora. Sobrevivem por imperativo nacional de apoio e de cooperação com o chefe supremo do Governo. Identificam-se com ele em pensamento, vangloriam-se com ele nos triunfos e sofrem com ele os insucessos. Nele centram aspirações colectivas, seguras de não haver tergiversações na realização e defesa do interesse nacional.
Fortemente dominadas por um sentimento geral de confiança, o servir que as caracterizaria na acção e na renovação aparece-lhes envolto em renúncias dolorosas e sem

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a expressão de comunicabilidade essencial à própria vida política.
Os homens que as servem sofrem de crise de fé e de certezas no futuro que os conduz a interrogarem-se sobre a extensão das repercussões do que está para além das suas benévolas expectativas. Quereriam ser intérpretes de pensamentos e de sentimentos dominantes, de tal sorte que, identificados com as instituições, se sentissem identificados com o movimento normal da política. Quereriam ser vistos e sentidos como elementos actuantes da vida nacional. Quereriam política de aproximação na acção e buscar no diálogo e na crítica construtiva a afirmação de que triunfaram as soluções mais convenientes ao interesse geral. Fiéis a pensamentos de unidade e de grandeza, repelem o dissídio e a encruzilhada, bem como o pessoalismo e o discricionarismo.
A sujeição à doutrina e a princípios rígidos de acção política representaria o regresso ao vigor e poder criador das instituições.
Este me parece ser o pensamento dominante da Assembleia Nacional.
As objecções claras ou discretas dos Deputados representam apelos à acção esclarecida e eficiente, quando delas não ressalta inconformismo com o desenvolvimento da actividade governativa.
No entanto, o abandono a que são votadas gera ambientes de frustração generalizada, manifestamente inconvenientes no presente e mais no futuro. Daí que se afigure essencial um despertar da acção política, em termos de os Deputados se sentirem ligados à obra ingente de realização do interesse geral. Se não vem à Assembleia Nacional boa parte do que transcende a habitualidade do Poder Executivo, ou se se apresenta como facto consumado tudo quanto legitimamente devia responsabilizá-la, estamos em presença de um processo de actuação política susceptível de implicações de toda a natureza. Delas nos damos conta dentro e fora da Assembleia.
Importa, porém, acentuar que a actividade política dirigida à, feitura das leis, ou a uma tutela directa da administração pública, na sua cada vez mais ampla zona de influência, não poderá ser exercida pelo processo clássico da tribuna parlamentar.
As concepções individuais, por falta de conveniente enquadramento, entram em conflito com o estudo esclarecido dos problemas e com realidades de alcance não pressentido por quem não possui o contacto permanente da vida administrativa.
O conhecimento desta verdade remete naturalmente a Assembleia a uma função fiscalizadora da actividade normal da Administração e daquela que por imperativo constitucional deriva das leis submetidas à sua aprovação.
Não se quer, nem pode querer, o uso de poderes legais susceptíveis de paralisarem a actividade governativa, mas tem de querer-se que a sua função fiscalizadora não seja simbólica, nem aparente.
Não será na aprovação da Lei de Meios, lei de directrizes e de autorização geral, na realização das receitas e das despesas, nem na aprovação das contas de gerência, apuramento de resultados contabilísticos, que a Assembleia poderá exercer uma acção fiscalizadora prestigiante. Importaria na ordem política conhecer do fundamento das opções nas grandes, linhas da actividade do Estado. Importaria intervir, da maneira mais conveniente ao interesse nacional, quando se suscitam questões insuficientemente esclarecidas ou mal executadas. E conviria filtrar um pensamento mais harmónico com o ideal político, que, não sendo porventura mais esclarecido, gozaria institucionalmente de maior independência.
Dentro desta concepção, deveria partilhar com o Governo da decisão política, de tal sorte que transparecesse identidade de pensamento e de acção. A decisão técnica terá de caber naturalmente ao Governo, pois só ele dispõe dos meios de informação, com oportunidade, para adoptar a solução mais conveniente à realização dos fins do Estado. Aceita-se bem que o poder político deva assegurar a compatibilidade de planos elaborados por técnicos especialmente qual ficados para o exercício de missões de interesse público, mas não se aceita que tecnocratas, dominados pelas estatísticas e pelos ordenadores, condicionem decisões do domínio exclusivo da política.
Fui levado a esta ordem de considerações por entender que a Assembleia não deveria ser posta perante o Plano de Fomento actualmente em discussão nos termos em que se encontra elaborado. Assenta sobre um conjunto tão vasto de estudos, de projecções e de soluções, que nem o tempo, nem a preparação legitimamente admissível, poderiam conduzir ao acerto de uma revisão de conjunto ou de alterações parcelares. O volume e a extensão das matérias tratadas impedem a análise crítica e forçam os Deputados intervenientes na discussão a apontamentos de natureza restrita, aquém do enquadramento geral do Plano. Outra percepção não terá quem, devotadamente, se entrega à leitura, quer dos pareceres parcelares, quer do parecer geral da Câmara Corporativa. A Assembleia deveria ter sido posta perante grandes opções nos objectivos e nas prioridades de investimento, reservando-se o Governo a decisão técnica de execução.
Da verificação desta realidade resulta que o Governo, no futuro, poderá, e deverá, encaminhar-se no sentido de não eximir a Assembleia da responsabilidade de assumir posição nas grandes directrizes da política social e económica.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Os direitos da Assembleia na actividade política, constitucionalmente, estão muito para além da ratificação e da fiscalização. Compete-lhe altíssima função na adopção das grandes opções de interesse nacional.
Defendem-se e prestigiam-se os dois poderes, se for revista a problemática de trato, especialmente quando estão em causa directrizes duradouras do procedimento da administração pública.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Dito isto, diligenciarei expor o meu pensamento acerca do Plano de Fomento, e em especial sobre as indústrias transformadoras, tomadas como actividades motoras da expansão e dinamizadoras de outros sectores de crescimento interdependente.
O parecer geral da Câmara Corporativa, de que foi relator o Digno Procurador Almeida Garrett, a quem me apraz render homenagem pelo saber e objectividade transparentes, no estudo e na crítica, ao longo de toda a sua admirável exposição, dá-nos uma informação actualizadíssima sobre a técnica do planeamento e os condicionalismos que interferem, favorável e desfavoravelmente, na elaboração e execução de um plano de desenvolvimento económico.
Os problemas centrais do planeamento, em geral, e do planeamento económico português são tratados com ciência doutrinária e ciência das realidades nacionais em tão alto nível, que o parecer da Câmara Corporativa tem de merecer-nos o mais vivo aplauso.

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Dar relevo a este ou àquele aspecto do parecer seria mutilar a sua concepção. Tem de ser apreciado em conjunto e tomado como pedra basilar de decisões, para que se deveria tender na execução do Plano. As opções possíveis, no planeamento, em conteúdo e finalidade, surgem-nos claras e precisas, de tal sorte que não teria sido transcendente sob o ponto de vista formal suscitá-las perante a Assembleia.
Do Plano não flui pensamento político ordenador de realizações concretas susceptíveis de dinamizar a vontade e o entusiasmo de quantos, ao longo dos anos, as vêm, sistematicamente, preconizando e defendendo.
De raiz fundamentalmente económetra e elaborado com base na experiência económica interna, as projecções são consequência lógica de números apurados, direi, nem sempre bem apurados, na sua origem por deficiências de notações e inexistência de controle.
Não se nega aos planeadores nenhum dos méritos do que deram plena prova na vastidão das matérias tratadas compreendidas nos seis capítulos relativos às projecções do desenvolvimento económico e social para 1968-1973: financiamento, comércio externo, emprego e política social, produtividade, sector público e reforma administrativa. Notam-se avanços notórios na técnica do planeamento e na sistematização. Há clarificação de ideias e de conceitos até agora considerados intocáveis. Verdades mais transparentes e posições corajosas. Deve-se aos planeadores esta homenagem.
Independentemente da crítica que os ilustres relatores da Câmara Corporativa, com os seus pares, em diversos passos dirigem ao seu trabalho, na generalidade e na especialidade, o político tem alguns apontamentos a fazer.
Não se entende como se adoptou, como centro motor do crescimento económico, o turismo, conhecidas como são as contingências de uma actividade inteiramente dependente do exterior e onde se manifestam anomalias de raiz económica, política e psicológica.
Indubitàvelmente que o turismo, sem atentarmos nos estragos morais, representa um afluxo permanente de capitais essenciais à expansão económica, mas não parece de atribuir-lhe lugar cimeiro do crescimento.
Não se entende como é que estando todo o planeamento baseado na estabilidade dos preços, com a margem máxima de 2 por cento ao ano, se verifiquem variações de 4 a 10 por cento entre Janeiro de 1966 e Junho do ano corrente, com a agravante de não se pressentir política firme no domínio dos preços.
Não se entende, como se prevê, um aumento substancial da, exportação de equipamentos, de material de transporte e produtos químicos, precisamente de produtos em que, por tantos factores, o fabrico nacional estará em manifesto desfavor.
Não se entende como se prevê a baixa do volume das importações pela melhoria do poder competitivo da produção nacional, quando se conhecem as consequências da redução de direitos aduaneiros, se não se elaborar um sério plano de reconversão.
Não se entende como se aceita acentuada expansão das transferências privadas dos emigrantes, num total de 5,2 milhões de contos no ano corrente, quando se admitem restrições à emigração, tendo em conta necessidades de mão-de-obra dos sectores industriais.
Não se entende como se atribui papel tão relevante ao aforro das sociedades privadas, base do autofinanciamento, quando vemos tão seriamente abalada a economia das empresas. E não se entende como se invoca a correcção das estruturas como processo de expansão, abandonando a. indústria à liberalização.
Vou procurar demonstrar a verdade desta afirmação quanto às indústrias transformadoras.
Começarei por declarar que sempre defendi a política de não contrariar iniciativas que do ponto de vista económico se apresentem como elementos de ordem e, porventura, de saneamento de sectores protegidos, e sempre combati a política de autorizar empreendimentos antieconómicos na planificação e estrutura. Uma dirige-se ao melhor ordenamento da economia industrial. A outra entrega a actividade ao livre jogo dos investimentos e gera a subversão. Aquela tem por instrumento um condicionamento técnico de instalação. Esta nega-se como política quando se desinteressa da viabilidade económica dos empreendimentos. A distinção afigura-se relevante para sobre as duas posições da Administração se emitir um juízo de valor.
No Plano, as medidas apontadas à política de desenvolvimento da indústria concretizam-se na revisão do condicionamento industrial, auxílio às pequenas e médias empresas, educação e formação profissional, melhoria do financiamento da indústria, normalização, abastecimento de matérias-primas, aquisição e difusão de tecnologia moderna, produtividade, fomento das exportações, centros técnicos e gabinete de planeamento industrial.
Importa analisar e comentar todo este conjunto de medidas para conhecermos do acerto da orientação preconizada.
O condicionamento industrial, instaurado pelo Decreto n.º 19 354, de 3 de Janeiro de 1931, teve em vista impedir maior pulverização das iniciativas precisamente numa época de estagnação, carregada dos aspectos mais sombrios sob o ponto de vista da produção, em quantidade e qualidade, de competição e de comercialização. Pretendia estabelecer disciplina na economia dos investimentos e criar condições favoráveis a uma política de entendimentos empresariais.
A disciplina prevista sofreu na sua aplicação desvios impostos pelas tendências defensivas de uma economia industrial precária, dando origem a acentuado restricionismo de novas instalações e de ampliações das existentes. No entanto, os altos objectivos do condicionamento industrial, conjugados com os princípios estabelecidos na Lei n.º 1914, de 1935, lei de reconstituição económica, permitiram encontrar soluções ajustadas a sectores industriais relevantes. Buscava-se um ordenamento económico que fosse garantia de estabilidade e de expansão.
Com o fim da guerra mundial, em 1946, a economia industrial revelou um sentido de renovação nunca atingido e verificou-se a necessidade, premente de facilitar a ampliação condicionada das unidades industriais através de despachos normativos orientados num sentido de condicionamento técnico.
Já em 1942 havia sido publicada a Lei n.º 2005, com o objectivo de regular a instalação de indústrias em regime de exclusivo e de viabilizar a reorganização das indústrias onde a pulverização fizera mais estragos. Esta lei não teve qualquer expressão em ordem a reorganização, mas continuou a reconhecer-se essencial dar arrumação conveniente aos problemas de industrialização.
Foi em ordem a este pensamento que a, Assembleia aprovou em 1952 a Lei n.º 2052. A sua economia desenvolvia-se no plano de condicionamentos técnicos, quer dizer, da definição de dimensões adequadas aos diferentes ramos da actividade industrial. Esta lei nunca chegou a ser regulamentada, apesar de o dever ser imperativamente, nem obteve desejável acolhimento da Administração.
Em 1965, o Decreto-Lei n.º 46 666 veio a manter II situação de facto, com a inovação do passar a haver, a

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par de um condicionamento industrial nacional, o condicionamento territorial. Este dependente dos governadores, aquele dos Ministros da Economia e do Ultramar.
Todos os legisladores pisaram o mesmo terreno para encontrar o ponto de equilíbrio entre uma indústria de limitadas possibilidades e uma indústria atraída pela legítima ambição de renovação e de expansão.
No entanto, tem de reconhecer-se que, verdadeiramente, só II Lei n.º 1952, a do condicionamento técnico de instalação, tinha, e tem, condições para realizar o maior interesse do País, na ordem industrial. Mas que fez a Administração, ao longo de tantos anos, para, agora, no Plano de Fomento, nos apresentar a liberalização como processo de resgate de um passado desfavorável ao progresso industrial?
A Administração, mesmo quando se queria determinar, segundo as conveniências económicas, acabou por fazer política, a mais nefasta, por ser ela mesma a negar princípios e a contrariar orientações anteriormente impostas. Apeteceu sempre o poder discricionário e praticou-o segundo as conveniências de momento, pondo em causa, na ausência de normas, a própria justeza moral dos actos, como tais insusceptíveis de apreciação contenciosa. Mau passado, sem dúvida.
Mas então como conceber que a Administração, a grande responsável pelos insucessos das leis de sua iniciativa, a grande culpada dos erros e desvios verificados na industrialização, venha afrontar a virtude de princípios com a liberalização. Tem-na como objectivo, mas não formula um princípio concreto de acção, .por maneira a inspirar confiança aos actuais empresários, nem a dar certezas aos futuros. Quererá continuar, como até aqui, a exercer o arbítrio e a utilizar tecnocracia reinante numa política sem grandeza?
Não basta condenar o passado e reconhecer os próprios OITOS para se considerar absolvida. Tem de seguir novos rumos, visto que a liberalização condicionada é um processo para atingir resultados úteis.
Se se pretende dispor de indústrias, devidamente estruturadas, há-de recorrer-se à reconversão das existentes e ao dimensionamento das novas iniciativas.
A liberalização, de per si, conduz à subversão. O ordenamento nos investimentos dirigido à ampliação das unidades existentes e à instalação do outras, devidamente dimensionadas, estimula a iniciativa e fomenta o progresso.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Entender liberalização como o direito de livre iniciativa na ordem industrial, sem tutela, igualando-o ao direito de gasto sumptuário, seria negar a hierarquia dos valores e atraiçoar direitos, estes sim, direitos do trabalhador.
Uma iniciativa na ordem industrial não se efectiva sem capital e muito menos sem investimento humano. O capital, mesmo próprio, quando desbaratado, é factor de empobrecimento geral. Os homens, porém, não podem ser as vítimas de inconsideração de iniciativas sem condições de existência e de prosperidade. O trabalhador surge, naturalmente, associado à empresa, e o Estado tem, por isso, a obrigação de exigir do empresário uma estrutura defensiva do trabalhador, garantindo-lhe salário justo e estabilidade de vida.
Não há, na ordem social, qualquer espécie de paralelismo entre investimentos sumptuários e investimentos industriais, nem entro direitos civis e direitos sociais. Entre uns e outros há um mundo de princípios a estremar as posições da sociedade e do indivíduo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mau é ter de relembrá-lo em problemas de industrialização. Pois, apesar do realismo destas concepções, nós continuamos a assistir ao licenciamento de unidades industriais sem viabilidade económica e de equipamentos utilizados em percentagem mínima da sua capacidade efectiva de produção. Esta, a liberalização subversiva que continua a ser praticada.
Liberalizar na ordem industrial é garantir o livre acesso da iniciativa privada a actividades fechadas pelo arbítrio da Administração. Acesso livre, mas acesso condicionado, para salvaguarda de direitos preexistentes e de interesses da economia nacional. Não se faz liberalização quando se renova, contra lei expressa, um exclusivo concedido por dez anos. Nem se faz liberalização quando se elevam direitos aduaneiros para criar situações de privilégio a favor deste ou daquele empreendimento.
A industrialização pressupõe viabilidade económica, baseada em estudos devidamente fundamentados. Estes não os pede a Administração e importaria saber se, pedindo-os, estaria em situação de decidir segundo critérios económicos.
Precisamente porque a influência dos económicamente fortes se fazia sentir por maneira indesejável é que esta Assembleia aprovou a Lei n.º 1952, prescrevendo o condicionamento técnico de instalação.
Não se regulamentou, como dissemos, nem se abre agora caminho à sua regulamentação. Pois tenho para mim que só por esta via se pode liberalizar o condicionamento industrial e se porá termo a um problema, tanto político como económico.
Não se entende como não se opta pelo único e verdadeiro caminho. Apresenta-se, como óbice, a dificuldade de estudar um dimensionamento apropriado para os empreendimentos industriais. Uma razão que não chega a ser razão quando no plano de condicionamento.
Compreende-se que a inovação constante nos domínios de equipamento dificulte o dimensionamento por via directa.
O obstáculo, porém, não existe, se na falta de estudos e de regulamentos aprovados se tomar por base a maior dimensão conquistada no mercado interno. Poderá não ser a melhor, mas é, de certeza, boa.
Teremos encontrado, por maneira decisiva e convincente, o limite do que legitimamente se pode exigir aos novos empreendimentos de instalação e de ampliação das unidades existentes. O condicionamento técnico deve fazer-se sentir tanto num como noutro caso.
Não se entende que, em presença de unia indústria pulverizada e carecida de estrutura, a ampliação dependa do empresário consentindo investimentos económicamente irrelevantes. Este tipo de licenciamento corrente atinge volume de capital muito além do eventualmente necessário para instalar bom número de unidades da mais alta eficiência.
O condicionamento técnico será o grande processo de encaminhar as pequenas e médias empresas para a fusão de exploração essencial à sua sobrevivência, se o Governo lhes proporcionar estímulos financeiros, fiscais e aduaneiros.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Quando se queira prosseguir uma política convincente de industrialização, há-de seguir-se uma orientação susceptível de proteger empresas mal dimensionadas sem pôr em causa o equilíbrio das empresas de viabilidade económica indiscutível. Não se evitará, num retrocesso de conjuntura, a eliminação das mais débeis, mas é inteiramente viável a concretização de processos de adaptação em fase de crescimento.
Se se iniciar uma acção decisiva de reconversão, dando à indústria as estruturas de que tanto carece, ver-se-á como se revelam insubsistentes outros objectivos.
As empresas eficientemente organizadas resolvem, como está demonstrado, pela experiência, os problemas de produtividade, de aquisição de tecnologia moderna, de exportação e de normalização. As outras também estão saturadas de tanta burocracia.
Tenha-se presente que os dirigentes perdem boa parte do seu precioso tempo a remover obstáculos, permanentemente levantados, por algumas dezenas de entidades que interferem na vida das empresas. Quando apelam para a Administração, limitam-se a pedir compreensão e colaboração, uma e outra sistematicamente arredadas pelos tecnocratas de todos os matizes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A indústria, porém, melhor ou pior, vai resolvendo problemas, que, sendo seus, também o suo do País. Mas que pode ela querer? Devia e podia esperar processos adequados de financiamento em períodos de recessão como o actual. Devia e podia esperar da Administração a resolução das dificuldades criadas ao abastecimento de matérias-primas, em razão do preço e da regularidade da aquisição, e proporcionar-lhe energia, combustíveis e transportes a custos internacionais. Devia e podia esperar organização escolar mais adequada ao recrutamento de profissionais, com um mínimo de formação. Devia e podia esperar legislação social ajustada às realidades em que a segurança de emprego não se transformasse num obstáculo à disciplina e à produtividade e em que a tolerância de assistência na doença não conduzisse à excessiva e antieconómica sobrelotação dos quadros de pessoal. Podia e devia esperar normas disciplinadoras do exercício de actividades afins, tendentes a defender a produção e o consumo das suas manufacturas. E, também, podia e devia esperar a conveniente revisão da organização corporativa, restaurando princípios doutrinários, de enquadramento social e económico, tendo em vista uma representação mais directamente ligada ao exercício das actividades, quer dizer, corporações autonomizadas pela afinidade de interesses do mesmo ramo de produção, libertas da interferência dos organismos de coordenação económica.
A propósito convém recordar que a Assembleia, com ressalva de direitos do funcionalismo, optou pela extinção desses organismos, por entender que ao Estado cumpria criar serviços de coordenação económica e reservar às corporações funções adequadas à legitimidade de uma representação una e independente.
A Assembleia deve aguardar a aplicação prática dos princípios enunciados na reforma administrativa, para bem se avaliar do alcance da sua determinação.
Focaram-se alguns aspectos mais salientes da actividade industrial, para revelar a origem de questões perturbadoras da expansão desejada, questões que se arrastam e se avolumam em cada dia, por não se colherem os ensinamentos da experiência.
Como entender que sectores de produção, recentes, sofram de pletora de unidades industriais e se busque, já, maneira de restabelecer um mínimo de equilíbrio da sua precária economia? Como julgar a imponderação de licenciar unidades económicamente inviáveis? Como julgar a indiferença pelo desperdício de capitais indispensáveis a investimentos de reprodutividade assegurada? Não importa a resposta.
Importa, sim, na ordem política, que se ponha cobro à subversão estimulada pela ausência de pensamento económico.
Vivemos um período verdadeiramente curioso.
O Poder recorreu ao condicionamento das instalações para conduzir uma política industrial. Crente dos erros e dos desvios praticados, estabeleceu institutos jurídico-económicos, para se autodisciplinar e moralizar a actividade dos serviços. Confessa o fracasso das suas iniciativas, e em vez de procurar caminho seguro de revisão, através de condicionamentos técnico-financeiros, ei-lo dentro do discricionalismo que sempre caracterizou a sua intervenção a proclamar política de liberalização. Adoptou-a em certas actividades, e, quando seria legítimo supor-se em bom caminho, acaba por tender para medidas de sobrevivência das empresas licenciadas à luz dos novos princípios. Licenciou sem cuidar da dimensão, nem da estrutura, nem da utilidade económica. Criou o caos, e, entretanto, os empresários sofrem os altos benefícios da liberalização.
A realidade evidencia a necessidade de correctivo, conveniente e urgente, da orientação seguida. Mas não só na orientação, também no vínculo a princípios rígidos, que, podendo não ser os melhores, devem subsistir na aplicação uniforme para além de todo um mundo de pressões indesejáveis.
Sr. Presidente: Têm-se anunciado investimentos que, considerados em conjunto, para o sexénio, atingem somas impensadas na realização e na aplicação. Quase se atribui ao Plano poder mirífico de transformar a fácies económica e social do País, em relação a um passado recente e em relação aos índices de crescimento externo.
Para mim teria como preferível dar conta ao País dos investimentos reais, com a possível certeza, e apresentar à parte as projecções de investimento de exclusivo domínio da iniciativa privada.
Assim, o Plano seria tomado com a consideração das limitações previstas e previsíveis e permitiria formar opinião pública esclarecida, mais próxima da verdade que nele se contém.
Certo espírito de incredulidade poderia ser combatido e dominado, se entre a programação e a execução se verificasse acordo constante.
Não temos por nós essa virtude, salvo quando o Presidente do Conselho pode intervir com a autoridade da sua vontade inquebrantável.
A tendência para a teorização e o menosprezo das lições da experiência deixam profundos sulcos e abalam fortemente o idealismo político. E este um dos fenómenos mais graves de crise.
O idealismo vai murchando e sucumbindo precisamente porque alastra a convicção de que o querer vencer, marca dos homens e dos regimes políticos, perdeu em espírito e em combatividade.
Vai sendo tempo de se atentar nesta realidade por não bastar a paz, o melhor de todos os bens da vida dos povos, para manter a unidade de pensamento. Não se temem os idealismos contrários, mas há a recear o desânimo e a renúncia pelos riscos que comportam.
A vida e sobrevivência da revolução em que nos envolvemos exige decisão e a segurança de em cada dia

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só fazerem conquistas operantes no fortalecimento dos grandes ideais de justiça social e de progresso. A administração mais sábia não atrai nem aquece as almas, se descuida realidades e conveniências políticas e deixa decair forças morais e intelectuais, seu verdadeiro suporte.
Onde idealismo que resista ao adiamento de anos e anos da política de valorização regional sem se efectivar uma autêntica, promoção social das populações rurais? Onde idealismo que não se sinta fenecer quando se suspende a execução de uma lei para a substituir por outra, olvidando-se princípios e responsabilidade? Onde idealismo quando na lei se assume o compromisso de uma regulamentação e se deixam aos interessados os prejuízos morais e materiais da inexistência dessa regulamentação? Onde idealismo quando se tende para intervenções de significativo auxílio e se entrega ao tempo a resolução dos problemas? Onde idealismo quando durante anos se arrastam decisões sem alternativa que correspondem a justos anseios do grupos sociais com larga projecção na opinião pública?
Onde idealismo quando se reconhece a viabilidade de economia de gastos e se contemporiza com o erro?
Onde idealismo quando se assiste a dispersão de iniciativas que se chocam e enfraquecem?
Onde idealismo quando se deixa de praticar uma política de criteriosa austeridade?
Onde idealismo quando não se vai ao encontro de aspirações legítimas que não transcendem o quadro burocrático?
Se explicitasse cada uma destas interrogações, faria demagogia. O meu propósito é fazer um apelo ao revigoramento do idealismo político. Sim, porque não será com as projecções do Plano de Fomento que se retemperam as almas e engrandece a fé. É na acção constante de criar e renovar, de prometer e cumprir, de decretar e executar. Dar a cada problema, com o apoio dos meios responsáveis, a solução exacta é, a grande exigência da hora presente.
Não descreio dos planos de fomento nem da sua operosidade. Não descreio das certezas que eles comportam. Deixo-me arrastar pelas projecções na esperança de que quanto a rentabilidade se irá investir melhor.
Aprovo e voto o Plano na firme convicção de serem mobilizados homens com energia para não se quedarem perante os impedimentos de teóricos, formalistas e polemistas, a infindável seita de entorpecimento da vanguarda militante. Temos um pensamento, temos um comando de acção para o sexénio. Saibamos servi-lo corajosamente e arredemos os vencidos de corpo e alma. Dirijamos todas as nossas atenções para a educação, dando-lhe prioridade absoluta nos investimentos. A defesa tem prioridade natural. É a vida e a segurança. O País para viver e prosperar precisa de homens esclarecidos. Só a escola os forma e os dá.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A raiz dos nossos problemas de expansão reside fundamentalmente na carência de homens qualificados para as grandes missões de direcção e execução.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Demo-nos em força à obra da educação, se queremos ter fontes de produção para o trabalho e bem-estar de todos os portugueses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O povo, este grande povo, afirma em todo o mundo a sua capacidade de trabalho e de realização, quando encontra enquadramento responsável. Quer-se em todos os territórios da Pátria e interroga-se, com dor, quando parte e quando regressa. Temos a dar-lhe condutores, que o sejam, na mais nobre acepção da palavra. Só a escola os pode preparar. Não seguiram outro caminho as grandes nações.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quando penso que a Alemanha Federal, completamente desfeita, sem recorrer a planos de fomento, conseguiu gindar-se ao segundo lugar na economia mundial e que o Japão, também desfeito, dentro do mais estrito respeito das regras da economia de mercado, elevou, sem qualquer plano de fomento, o seu produto bruto de 10 biliões de dólares, em 1950, para 100 biliões, em 1966, igualando-se à França e à Inglaterra e colocando-se em terceiro lugar, depois dos Estados Unidos da América do Norte (700 biliões) e da Alemanha Federal (110 biliões), quando penso, dizia, sinto que temos fortíssimas razões para persistir na luta.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Julgo-me, por isso, no direito de dirigir um veemente apelo àqueles que crêem no poder das ideias para nos unirmos e entregarmos, com o peso da nossa força, a uma missão constante de recuperação política.

Vozes: - Muito, bem!

O Orador: - Temos um chefe de ânimo indefesso. Quer e sabe querer. Prega a resistência, estimula a confiança e cria certezas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tem o nosso apoio. Nada lhe pedimos. Queremos viver com ele os triunfos da Revolução em que se empenhou e nos empenhamos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A próxima sessão será na segunda-feira dia 11, à hora regimental. A ordem do dia será a conclusão do debate na generalidade da proposta de lei em apreciação, para a qual há apenas um orador inscrito, e o debate na especialidade, esperando-se que o mesmo se conclua nesse próprio dia, ficando, portanto, votada a proposta de lei relativa à elaboração o execução do III Plano de Fomento.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.

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António José Braz Begueiro.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Jaime Guerreiro Bua.
James Pinto Bull.
José Alberto de Carvalho.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Maria de Castro Salazar.
José Rocha Calhorda.
José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Leonardo Augusto Coimbra.
Manuel Henriques Nazaré.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Teófilo Lopes Frazão.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

António Magro Borges de Araújo.
António Maria Santos da Cunha.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
D. Custódia Lopes.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando de Matos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Guilherme Bato de Melo e Castro.
Júlio Dias das Neves.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
Rafael Valadão dos Santos.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Alves.
Simeão Pinto de Mesquita de Carvalho Magalhães.
Tito de Castelo Branco Arantes.

O REDACTOR - Januário Pinto.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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