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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 110

ANO DE 1967 13 DE DEZEMBRO

IX LEGISLATURA

SESSÃO N.º 110 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 12 DE DEZEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Fui aprovado o Diário das Sessões n.º 103.
Deu-se conta ao expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Elísio Pimenta, para um requerimento; Henrique Tenreiro, sobre o reapetrechamento da marinha militar; Cazal Ribeiro, acerca da acção humanitária de entidades públicas e particulares junto dos sinistrados das recentes inundações nos arredores de Lisboa; Cunha Araújo, para insistir sobre certos problemas ligados ao seguro automóvel, e Braamcamp Sobral, que fez considerações acerca de problemas da juventude e dar e estruturação da Mocidade Portuguesa.

Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1968.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Nunes Barata, Mário Gálio e Augusto Simões.
Antes de encerrar a sessão, o Sr. Presidente propôs se concedesse à Comissão de Legislação e Redacção um voto de confiança para a redacção do texto do decreto sobre o III Plano de Fomento.
Posta a proposta à votação, foi aprovada por unanimidade.
O Sr. Presidente encerrou à sessão às 19 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Furtado dos Santos.
António José Braz Begueiro.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro)
Gabriel Maurício Teixeira.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Horácio Brás da Silva.
James Pinto Bull.
João Duarte de Oliveira.

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João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José Pais Ribeiro.
José Pinheiro da Silva.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Tito Lívio Maria Feijó.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente:- Estão presentes 76 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 103, correspondente à sessão de 29 do mês findo.
Se nenhum Sr. Deputado deduzir qualquer reclamação, considerá-lo-ei aprovado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Está aprovado.
Deu-se conta do seguinte:

Expediente

Telegrama dos alunos da Escola de Farmácia de Coimbra pedindo o restauro do ensino na referida Escola para além do 1.º ciclo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Elísio Pimenta.

O Sr. Elísio Pimenta:- Sr. Presidente: Requeiro, nos termos regimentais, que me sejam fornecidos os seguintes elementos e informações referentes a providências tendentes a melhorar as condições económicas e sociais dos servidores do Estado.

Pelo Ministério das Finanças:

1.º Número de inscritos na Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado;
2.º Número de assistidos nos termos do acordo entre a A. D. S. E. e a Direcção-Geral dos Hospitais, discriminando-se, se possível, a assistência prestada em serviços de obstetrícia, cirurgia geral e especialidades, em regime de internamento e ambulatório.
3.º Quais os estabelecimentos hospitalares abrangidos pelo referido acordo;
4.º Se está ou não prevista para breve a extensão da assistência na doença a modalidades diferentes das indicadas no n.º 2.º deste requerimento.

Pelo Ministério da Justiça:

1.º Quais as formas actuais de realização dos fins próprios do serviço social do Ministério da Justiça, dentro dos objectivos constantes do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 47210, de 22 de Setembro de 1966;
2.º Dentro das formas actuais, quais os benefícios concedidos aos funcionários até esta data.
3.º Número de funcionários inscritos e ainda dos respectivos familiares.

Pelo Ministério das Obras Públicas:

Indicação sucinta ou desenvolvida da actividade do serviço social do Ministério das Obras Públicas.

O Sr. Henrique Tenreiro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como português e oficial da marinha de guerra, venho assinalar com intenso júbilo, perante VV. Ex.ªs - que o mesmo é dizer, perante a Nação -, um acontecimento que, marcando a continuidade feliz de uma política baseada nas mais puras tradições nacionais e nas mais prementes exigências da defesa do País, nos dá ao mesmo tempo a certeza de que não importa apenas sobreviver, mas, principalmente, progredir: a chegada ao Tejo da fragata João Belo, primeira unidade da série de quatro navios do mesmo tipo encomendados em França com mais quatro submarinos, o primeiro dos quais também deverá ser entregue ainda este ano.
No momento em que as maiores preocupações do Governo são a defesa das províncias ultramarinas, tem o acontecimento singular relevo em todos os aspectos. Integra-se na larga obra de fomento económico e social do País, que vai culminar na execução do III Plano de Fomento, oferecendo à nossa Armada maiores possibilidades de acção, sobretudo no ultramar. Se outras razões não houvesse, esta seria, só por si, suficiente para provocar a admiração e o reconhecimento de todos os portugueses ao Governo de Salazar. O regime criado pelo movimento nacional de 28 de Maio de 1926, a par de tantos outros problemas da maior gravidade e acuidade, encontrou a nossa marinha militar numa situação confrangedora - o «zero naval», na opinião do próprio Ministro da Marinha

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do último Governo democrático. Era constituída por dois pequenos e velhos cruzadores e alguns antiquados contra-torpedeiros e submarinos, cujas reparações sucessivas e praticamente inúteis pesavam fortemente no orçamento e não lhes asseguravam qualquer valor militar.
Era, pois, evidente o «zero naval», revelador de uma impressionante incapacidade administrativa dos governos e do desprestígio a que estes haviam conduzido a armada nacional - uma verdade que era do conhecimento de toda a gente, principalmente daqueles que serviam a nossa Armada - e, até, como dizíamos, o último Ministro democrático, o comandante Pereira da Silva, chegou a afirmar pùblicamente:

Na verdade, a marinha de guerra portuguesa, como força naval, não existe; é apenas representada por um amontoado de navios velhos.

Após o 28 de Maio, coube ao Ministro Jaime Afreixo a ingrata e difícil missão de iniciar a profunda reforma, que conduziu a nossa marinha a uma posição que deu jus a que voltasse a ser lembrada como suporte da grandeza da Nação nos tempos em que nos lançámos na epopeia das descobertas, que transformou a face do Mundo. Mas a precariedade das finanças públicas não permitiu àquele distinto oficial pôr em prática tudo o que desejava.

Mais tarde, quando se começou a sentir o equilíbrio das finanças e a estabilidade governamental, pôde o Ministro Magalhães Correia executar o primeiro programa de renovação, ao qual foi dado o seu nome e que incluía a construção de 2 cruzadores, 12 contratorpedeiros, 12 avisos, 10 submarinos, 1 transporte de hidroaviões, 1 navio apoio de submarinos e 2 canhoneiras de fiscalização da costa. O custo global atingiu 12 milhões de libras.
Tão ambicioso programa, aliás, inteiramente de acordo com as realidades e necessidades da defesa nacional, foi aprovado pelo Governo, que resolveu dividi-lo em duas partes. E imediatamente se iniciou a execução da primeira, que compreendia a construção de 4 contratorpedeiros, 2 avisos de 1.ª classe, 4 avisos de 2.ª, 2 submersíveis e 1 transporte de aviões. O Ministro seguinte, que era o então capitão-tenente Mesquita Guimarães, preferiu, à construção do transporte de hidroaviões, a de mais 1 contratorpedeiro e 1 submersível.
Sem o recurso a qualquer empréstimo externo - política que haveria de manter-se sempre para prestígio e glória da Administração -, os 14 navios programados foram construídos e entraram ao serviço nos prazos previstos.
Ninguém pode esquecer esse grande dia 1 de Abril de 1933, em que chegou ao Tejo o primeiro navio novo, o aviso Gonçalvo Velho, nem o memorável discurso que o Prof. Oliveira Salazar, já então Presidente do Conselho, proferiu com muito calor e patriotismo:

Este pequeno barco entrou nas águas portuguesas antecipadamente pago, integralmente pago, com dinheiro todo de portugueses. A Armada começou a renovar-se nos mesmos anos em que o País colhe a todo o pão para comer. Os políticos do acaso encontrarão nisto uma simples coincidência; mas eu afirmo que está aí a base fundamental e a razão deste custoso empreendimento. Nós não teríamos ouro para o pagamento imediato da nova esquadra se, pelas campinas, não houvessem lourejado, abundantes, as searas. Para que pudessem sulcar os mares navios portugueses, foi preciso que a charrua sulcasse mais extensamente, e melhor, a terra da Pátria, poupando à Nação largas somas de ouro.

E noutro momento dessa oração:

Não há, senhores oficiais e valentes marinheiros, que esconder a face, mas que erguer altivamente o rosto; é nessa Pátria renascida que vós representais, cercada do prestígio que lhe granjearam o seu esforço próprio e os seus processos do Governo.
E já não me custa agora, a mim, falar na alta estirpe dos marinheiros portugueses, porque sinto fortes os vossos ombros para levar a sua pesada herança.

Meus senhores: Ainda hoje calam bem fundo no coração de muitos marinheiros aquelas palavras pronunciadas há 34 anos pelo Chefe do Governo. Outros portugueses - felizmente poucos - preferiram esquecê-las e tudo têm feito para destruir a unidade nacional que conduziu o País à prosperidade em que se encontra. Nunca, porém, o conseguiram e jamais o conseguirão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Todos - e até esses também - sabem muito bem que, eliminados os pequenos focos de insurreição, restaurado o equilíbrio orçamental e aumentadas as disponibilidades do Tesouro, através da acção notabilíssima de Salazar, que tantos domínios abarcou, foi possível a reconstrução da armada nacional.
Com a nossa esquadra, acompanhada de uma reorganização de serviços, o País ficou apto a enfrentar «is emergências graves que surgissem. A primeira apareceu, quando o contra-almirante Ortins de Bettencourt geria a pasta da Marinha, com a guerra civil em Espanha.
Só a nossa marinha de guerra, dispondo de um núcleo de unidades de apreciável porte e eficiência, podia recolher, como recolheu, nos portos espanhóis dominados então pelos «vermelhos», os muitos portugueses que ali viviam ou afluíam de outros lugares do território de Espanha. Nem perante essa grave emergência e outra mais grave ainda, que surgiria com a segunda guerra mundial, o Ministro Ortins de Bettencourt se alheou da renovação da Armada, pois logo encomendou mais alguns navios e deu início à transferência do Arsenal da Marinha para o Alfeite. Vencendo uma das maiores dificuldades que a Armada tinha tido até então, esse homem encarou, com muita oportunidade e coragem, a transferência do Arsenal da Marinha para o Alfeite, a instalação da base aérea naval no Montijo e a construção da Estação Naval e da Escola Naval do Alfeite, zona onde se instalaria a nova base de submersíveis, tornando assim possível uma importante reorganização de superstruturas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Instalado o Arsenal na outra margem do Tejo, ali se construíram vários navios, entre os quais o navio hidrográfico D. João de Castro, o primeiro petroleiro português, o Sam Brás, que tão relevantes serviços prestaria durante a guerra. Esse foi um período de vida intensa e dura para a nossa armada. Tendo tomado posse do cargo de Ministro da Marinha em princípios de Setembro de 1944 o então capitão-de-mar-e-guerra Américo Rodrigues Tomás, enfrentou logo e resolveu o problema do restabelecimento da soberania portuguesa em Timor. Isso e muitos outros trabalhos de organização da armadura naval não o impediram de dar mais um largo passo na expansão do poder militar naval.
Estávamos no período de pós-guerra e nessa altura debatiam-se problemas e opiniões sobre a necessidade de a defesa nacional se fazer em tenra e no mar.

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Tornava-se imperioso substituir os navios construídos depois do 28 de Maio e que, entretanto, tinham envelhecido. Foi nessa altura que começou, também, o ressurgimento das nossas marinhas mercante e de pesca. Em 14 anos de intenso labor, o Ministro Américo Tomás deixou uma obra notável, que havia de ser especialmente reconhecida e apreciada quando os nossos navios da marinha mercante foram chamados a levar para o ultramar milhares de soldados que de outra forma não seria possível deslocar urgentemente para acorrer aos atentados terroristas e defender o território pátrio.
Durante a sua gerência foram incorporados no efectivo da Armada os seguintes navios: 1 fragata rápida, 14 navios-patrulhas, 4 draga-minas oceânicos e 12 costeiros. E ainda: 2 fragatas de 21001; 2 caça-minas; 3 navios hidrográficos e 1 lancha de fiscalização.
Ao Sr. Almirante Américo Tomás, chamado pelo povo português à suprema magistratura do País, sucedeu o então comodoro Fernando Quintanilha Mendonça Dias, cuja gerência, até agora, foi marcada por duros e graves acontecimentos, principalmente nas nossas províncias de Angola, Moçambique e Guiné. Uma larga e pujante obra de reorganização foi necessária. A Armada, além da sua missão nos mares, exemplarmente desempenhada, tem colaborado na luta em terra, através dos fuzileiros navais, cuja corporação aquele Ministro criou. Logo no primeiro ano de gerência, o actual Ministro da Marinha focou a necessidade de renovação das unidades navais, tão necessárias no período que atravessámos e, segundo a directiva então traçada, logo em Outubro desse mesmo ano se elaborou um projecto de construções navais.
Em Janeiro de 1960, em face das alterações da situação devidas à aquisição, em Inglaterra, de duas fragatas já usadas e ao facto de terem sido autorizadas as construções de um navio petroleiro e de três escoltadores oceânicos para atribuir à N. A. T. O., por um lado, e a evolução dos acontecimentos que se estavam desenrolando nos países limítrofes das nossas províncias ultramarinas, por outro, entendeu o Ministro Quintanilha Mendonça Dias dar novo impulso às construções navais, de forma a que se dedicasse especial atenção às nossas forças no ultramar, a fim de que elas fossem dotadas com um mínimo de meios indispensáveis para o desempenho das tarefas que viriam a ter que desempenhar.
Assim, no intuito de valorizar a nossa armada e perante a necessidade de encarar a substituição de alguns navios de várias, classes, foi realizado novo programa de construções, que se traduziu por 7 fragatas, incluindo 1 navio-escola, 9 corvetas, 2 lanchas de 100 t, 2 lança-minas, 3 submarinos, além de outras unidades mais pequenas.
A evolução constante dos acontecimentos nas nossas províncias ultramarinas tem levado a necessários ajustes no programa, e desde então tem sido efectivado -e continua a sê-lo - um elevado número de construções novas, entre as quais 82 lanchas de vários tipos e classes.
Encontram-se ainda em construção, em França, 4 fragatas da classe francesa Comandant Rivière (a primeira das quais já foi entregue à Armada, encontrando-se a realizar as derradeiras experiências, prevendo-se que as duas unidades seguintes sejam entregues no decorrer de 1968 e a última em 1969) e 4 submarinos da classe francesa Daphnc, o primeiro dos quais deve chegar ao Tejo no fim do ano.
Estão também em construção várias lanchas de desembarque, devendo em breve começar-se a construção de 4 corvetas.
Para satisfação dos novos compromissos junto da N. A. T. O., foram construídas 3 fragatas da classe americana
Dealey, como atrás se disse, 2 das quais já nos foram entregues.
Muito se tem feito, neste momento, para que a Marinha possa cumprir as missões que lhe incumbem - e que todos os dias se multiplicam- na defesa das províncias ultramarinas, com todos os recursos necessários, na manutenção de extensas linhas de comunicação e na cooperação eficiente com as outras forças armadas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Meus Senhores: Com o que disse até aqui, o meu objectivo foi principalmente demonstrar o interesse que têm tido os governos presididos por Salazar de procurar dar à nossa marinha a possibilidade de desenvolvimento que a situação económica do País tem permitido. Também neste sector tudo se planeou devidamente e tem sido executado com regularidade. Temos uma armada constantemente em desenvolvimento notável, de meios humanos e materiais, apta a desempenhar, como se tem visto, todas as missões, militar e de fomento marítimo, a que é chamada, não esquecendo os homens que no nosso ultramar têm dado a vida pela continuidade do património nacional.
Isto foi possível porque Salazar, com a regeneração financeira e o fomento económico, proporcionou os recursos suficientes para essa importante obra de expansão da nossa marinha de guerra; por ter proporcionado os meios financeiros e ter sentido, como português, que a armada nacional, de acordo com as suas gloriosas tradições, devia ser restituída à sua justa grandeza, para continuidade da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Ao assinalar, jubilosamente, a chegada ao Tejo de mais um navio de guerra, louvemos e agradeçamos o carinho com que, desde 1926, por vezes com as maiores dificuldades, a armada nacional tem sido tratada. Não só foi ampliada e fortalecida a estrutura militar, como também tiveram grande incremento as marinhas mercante e de pesca, fazendo todas elas parte integrante do espírito e sentimento de uma corporação.
A nossa marinha tem hoje uma sólida estrutura e a melhor orientação para continuar a servir a Pátria, respeitando as suas velhas tradições marítimas. Ela está firmada em sólidas bases de defesa militar e de fomento marítimo; a sua renovação corresponde a maior potência, unidade e progresso técnico. Serve um País que tem à frente do Governo um homem de extraordinário valor e tem por chefe o prestigioso oficial general da nossa armada, suprema e venerada figura em exercício na mais alta magistratura da Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cazal Ribeiro: - Sr. Presidente: Os movimentos de solidariedade registados para com as vítimas do temporal que assinalou tragicamente a noite e a madrugada dos passados dias 25 e 26 de Novembro constituíram mais uma demonstração do espírito e do amor que une a grande família portuguesa, tão fustigada nos últimos tempos pelo infortúnio e pela maldade dos homens.
Tive há dias ocasião de visitar quase todos os concelhos atingidos pela catástrofe, e o espectáculo que se deparou excedeu em muito aquilo que, quer por informações directas, quer pelos relatos da Imprensa e pelas

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câmaras da televisão, me era dado prever. Nas pequenas povoações, ou, como em Alenquer e Oeiras, nas sedes dos concelhos, onde a água, caindo do céu em torrentes ou transbordando do leito de pequenos cursos de água transformados em rios caudalosos, tudo submergiu, levando na sua violência vidas e haveres, as imagens colhidas são de profunda desolação e de dor.
Barracas, pobres e miseráveis refúgios daquela boa gente, e casas de deficiente construção destruídas; pontes, estradas e caminhos arrasados ou intransitáveis; hortas, pomares e terras de semeadura alagados e culturas estragadas; corpos humanos e de animais enterrados no lodaçal imenso; árvores arrancadas, automóveis inutilizados ou seriamente avariados; lama às toneladas cobrindo arruamentos ou ainda dentro das casas que resistiram à tempestade, cobrindo os parcos haveres que não foram destruídos; por toda a parte, dor e luto, sinais bem evidentes da tragédia vivida e ainda estampada nos rostos daqueles que salvaram a vida, mas perderam familiares, amigos, ou simples vizinhos e conhecidos, atestam de forma eloquente aquelas horas de horror que as populações viveram, impotentes perante a catástrofe que as atingiu.
A solidariedade demonstrada por toda a nação portuguesa e por alguns governos amigos - e até apenas conhecidos - dá-nos, como ínfima, mas grata, compensação, a noção de que nem tudo está pervertido, e algo ainda resta, no que ao estrangeiro se refere, de sentimentos de humanidade, que é sempre grato referir.
Mas, que entidades oficiais agissem da forma como o fizeram, ou até outras, que de há muito nos habituaram à sua acção altruísta e humanitária - refiro-me especialmente à Cruz Vermelha Portuguesa, à Caritas e ao Movimento Nacional Feminino; que algumas empresas e entidades particulares tenham mais ou menos colaborado na remoção dos destroços, na recuperação dos salvados e no auxílio às vítimas, vestindo-as e agasalhando-as, acho perfeitamente natural, e apenas demonstra que a dedicação ao bem comum não é uma palavra vã. Vi, com os meus próprios olhos, centenas e centenas de soldados e de fuzileiros navais, com cansaço bem evidente, colaborarem em tudo quanto da sua presença se esperava, desde a limpeza das casas e das ruas à recuperação daquilo que teoricamente ainda seria recuperável; VII bombeiros, voluntários e municipais, cheios de lama, com uma abnegação a todos os títulos louvável, lutarem para que os terríveis efeitos do temporal se apagassem o mais rapidamente possível da visão dos sobreviventes; VI senhoras do Movimento Nacional Feminino, da Caritas e da Cruz Vermelha Portuguesa tentando levar o conforto a centenas, a milhares, de vítimas alheias ao frio, à lama e a perigos de todo o género - que admirável é a mulher portuguesa! VI médicos e pessoal de enfermagem e administrativo, dos hospitais ou de instituições de beneficência, cuidarem dos feridos e dos traumatizados pela surpresa que os colheu na noite trágica de 25 para 26 de Novembro; VI sacerdotes, de uma bondade extrema, fatigados, mas corajosamente presentes, tentando levar o conforto àquelas pobres almas, ou orando por quantos Deus levou, como impunha o seu mister, distribuindo pelos vivos aquilo que para os mortos já era inútil. VI, ainda, a espantosa resposta ao apelo da Imprensa, sempre presente, sempre pronta a colocar a favor dos atingidos pela desgraça todo o poder da sua força e da sua penetração, levando até ao coração dos seus leitores toda a extensão da tragédia verificada.
Mas, de tudo, o que mais me impressionou e profundamente comoveu foi a presença generosa, admirável, cheia de altruísmo e de bondade, de centenas ou até milhares de jovens, na sua maioria estudantes, que abnegadamente (ia a dizer heroicamente), empunhando pás, picaretas, vassouras e todos os utensílios úteis à tarefa que se impuseram espontaneamente, a pé, por caminhos cobertos de lama, de pedras e de destroços, deixados os meios de transporte onde era possível o seu acesso, levaram a força da sua juventude e do seu generoso coração aos necessitados, colaborando com todos e com tudo quanto a emergência impunha.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E essa juventude, por vezes incompreendida e até incompreensível, criticada pela sua irreverência e pelo seu inconformismo para com aquilo que supõe constituir reacção aos seus anseios, e mais não é do que a luta dos mais experientes para a defesa do património moral que lhes foi legado (do outro nem se fala), essa juventude, dizia eu, soube - porque mantém intactos dentro de si os sentimentos que lhes permitirão continuar Portugal - corresponder àquilo que de melhor se poderia esperar: a sua total solidariedade cristã para com os desprotegidos da sorte.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E, generosamente, ao frio, cobertos de lama e com as mãos feridas, alimentando-se precariamente e trabalhando de manhã à noite, raparigas e rapazes de todos os meios, universitários ou de escolas secundárias, alguns de fábricas e empresas, deram ao País um raro exemplo do que valem, e a grata certeza de que é nos maus momentos que se conhecem os bons corações. E nem mesmo a capa de inconformismo e irreverência de que às vezes se armam ilude, muito menos destrói, o seu coração de portugueses, em tudo dignos daqueles que generosamente, em África, asseguram o seu futuro e aguardam a sua rendição por estes, que acabam, entre nós, de mostrar serem dignos deles próprios.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Fala-se, e com razão, daqueles que, como disse, em África, fazem «durar indefinidamente a nossa resistência», numa explosão de fé e de vontade que a todos enche de orgulho e garante a continuidade da Pátria.
Pois também na retaguarda a nossa juventude teve ensejo de pôr à prova a sua excelente disposição de merecer aqueles que além-mar garantem a sua existência. A batalha que travaram agora com os elementos da natureza são a garantia de que amanhã, na guerra, saberão o que querem e quanto valem.
Sou considerado, politicamente, como um ultra, um reaccionário contra as novas concepções da vida de que a nossa juventude, certa juventude, é a expressão suprema. Pois é justamente a essa juventude, cuja alma não está pervertida e generosamente deu, com o seu esforço, um alto exemplo aos egoístas, àqueles que nada demove das suas comodidades, que rendo a minha homenagem, afirmando-lhe o meu respeito, a minha profunda gratidão, como homem e como português.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cunha Araújo: - Sr. Presidente: Para colocar-me «dentro da ordem» -calamo currente ..., sem achegas e apenas com o que sei de ciência infusa -,

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também a mim me apraz fazer uma declaração prévia no alinhamento das verificadas nestas intervenções que, sobre seguro automóvel, têm tido lugar no período de antes da ordem do dia. E formular um voto.
Quanto à declaração prévia, a afirmação de que não faço parte, como presidente de assembleias gerais, como director, advogado avençado ou em outra função, de qualquer companhia seguradora, do que resulta implícito não poder estar eu «enleado numa questão pessoal» com alguma, conceito em que, fora desta Casa e entre a grande maioria dos seus pares, não sou de nenhum modo tido. Estou, no problema, apenas como segurado a quem, pelo que lhe sucedeu na continuação do que a outros sucedera, foi possível inteirar-se de determinada situação do facto legitimamente aproveitada. Desapaixonadamente, portanto, como sujeito da relação jurídica «contrato», como interessado «desinteressado» e em representação, como Deputado, dos relevantes direitos de uma maioria nacional, únicos que importam, sem me importunar que os «ofendidos» me considerem o demagogo que nunca fui. Se quiserem, como advogado «oficioso» em defesa dos que adiantadamente e apenas me pagaram com a confiança que possibilitou a minha presença entre VV. Ex.ªs

O Sr. Tito Arantes: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Tito Arantes: - Vejo pelas palavras de V. Ex.ª que se me quis referir nas alusões que fez a funções que eu pudesse desempenhar junto de qualquer companhia de seguros ...

O Orador: - Exactamente.

O Sr. Tito Arantes: - Quando, no meu anterior discurso, eu aludi a que V. Ex.ª estava enleado numa questão pessoal com uma companhia de seguros, fi-lo porque isso resultava patentemente do próprio Diário das Sessões, onde mais de duas colunas foram ocupadas com essa questão.
Mas fi-lo também porque V. Ex.ª, no dia seguinte, telefonou para o secretário-geral do Grémio dos Seguradores, a quem afirmou, entre outras coisas, o seguinte:

Que a sua intervenção teve como objectivo, além de chamar a atenção do Governo para a necessidade da modificação da legislação reguladora da actividade seguradora, visar uma companhia - cujo nome, embora os jornais e não tenham referido, citou e que é a Sociedade Portuguesa de Seguros -, cujo procedimento para consigo reputou inteiramente incomportável.

O Orador: - Quanto à «questão pessoal», a possibilidade da sua exacta classificação resulta clara do desenvolvimento das feitas considerações; porém, quanto à minha conversa telefónica taquigrafada pelo Grémio, só me honra a sua referência, por ela haver sido inspirada no que julguei ser um dever que se me impunha em nome da verdade que, sobretudo, prezo.
É que, saiba-o V. Ex.ª, eu falei ao Grémio para o esclarecer de que, como parecia resultar dos relatos da imprensa, na minha intervenção eu não tivera em mente o referido Grémio, mas sim, o comportamento da Sociedade Portuguesa de Seguros, que me dera conta do comportamento geralmente seguido na matéria. Tratou-se, pois, de uma atitude elegante, que só me valoriza, segundo creio.
Mas mais, na continuação da mesma atitude escrupulosa.
Fui mesmo ao Grémio para saber quem eram os administradores da referida Companhia, a fim de poder ser elucidado quanto às razões do seu comportamento, que me não parecia curial. Ali me foram referidos os nomes dos administradores, que verifiquei não conhecer. Tendo, então, sido informado pelo Sr. Secretário-Geral de que a Companhia era mais francesa do que portuguesa e que os seus administradores nacionais só ali iam de quando em vez para assinar o expediente e não estariam, assim, em condições de me dar a explicação pretendida ...
Ficam, assim, explicadas as razões dos meus contactos com o Grémio, de que me não arrependo, pela razão de me honrarem, creio ter elucidado V. Ex.ª
Quanto ao voto, frente à imprensa aqui representada, de quem só tenho recebido desvanecedor e imerecido acolhimento, esse o formulo no sentido de que ela consiga obter espaço suficiente para a alegação aclaradora e refutória que vou tentar, já que o problema, e bem, parece ter-lhe merecido excepcional interesse, a avaliar pela expansão dada à contestação que as minhas considerações mereceram ao ilustre Deputado Tito Arantes, que muito me honrei de ter tido como contraditor, melhor, que não merecia ter tido como tal, e como tal temi pela reputação dos seus méritos e prestígio de que desfruta entre nós e em todos os sectores da vida social por que se reparte.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Certo de poder contar com igual tratamento, pelo assunto, que não por mim, desde já o meu muito obrigado.
Sr. Presidente: Quase ninguém, pressinto que a causa em litígio em muito me transcende, quanto ao objecto e quanto aos sujeitos. Aquele, de magnitude nacional; estes, desiguais ante o poder dos interesses em contradição e considerada a defesa que me cabe dos mais fracos numa manifesta inversão dos patrocínios representados. Seja como for, não dobrarei a cerviz sans peur et sans reproche, no calmo exercício de um mandato cujos fins poderão não proceder, mas me enleva pela razão que me assiste, pelo cunho profissional que lhe posso dispensar e pelo insistente aplauso dos que esperam ... e confiam. DP facto.
Se eu não estivera já convencido disso e da exacta dimensão das responsabilidades assumidas ao arrogar-me a posição tomada, ela haveria de resultar-me evidente e eloquente na natureza e categoria das reacções despertadas, avaliáveis até pelo presto e espontâneo patrocínio merecido aos ilustres Deputados intervenientes, que a seu cargo, no âmbito desta Assembleia e com todo o direito - no prosseguimento da resultante do comunicado dos Grémio dos Seguradores - tomaram a defesa dos que até então eu julgava os mais poderosos, referência que desde já me sugere a prometida aclaração.
Disse «os mais poderosos», para, aclarando, ter a oportunidade de evidenciar o verdadeiro sentido do vocábulo «nababos», que, apesar de não ser pejorativo, tanto feriu a susceptibilidade de alguns, reconhecendo que «nababos» é um designativo inapropriado numa época em que a Índia deixou de contribuir com as riquezas que a alguns o fizeram merecer, não obstante na minha intervenção em que o termo saiu ..., eu não tivesse chamado «nababos» a quem quer, mas simplesmente referido a necessidade de ser «urgentemente disciplinada uma actividade que, antes de ser negócio de nababos, é e terá de ser serviço de interesse e utilidade pública» (sic).

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«Antes de», segundo os lexicólogos e no meu próprio entendimento inspirador, significa «de preferência a», logo, por essa razão insusceptível de justificar os pruridos acusados. Seguindo nos mesmos propósitos, devo ainda esclarecer que o retorno ao assunto, que não tencionava «anteriormente» à contestação do ilustre Deputado Tito Arantes, já satisfeito com a do não menos ilustre Deputado Rocha Calhorda - lúcida, desapaixonada e convincente na opinião daquele -, não se inspira em nenhuma predilecção polemiqueira, mas na obrigação de me não trair, nem à defesa dos interesses que me propus, e não deixar pairando uma suspeita que me faça desmerecer ou cair em desânimo os muitíssimos que me aplaudiram, consentindo-lhes, o que seria bem pior, a ideia de que fiquei convencido, seria capaz de temer o diálogo aberto ou de render-me, submisso, ao poder que por enquanto ainda representam as seguradoras, cuja ruína estou longe de pretender ao preconizar uma disciplina para a sua actividade, em que o lucro não pode ser o único objectivo.
Isto bem assente, e no antecipado repúdio de quaisquer especulações ou equívocos, intencionais ou não, passemos ao fundo da questão, não sem afirmar que na discussão não estamos a considerar pessoas, mas apenas, in abstracto, uma actividade.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: In limine litis preocupa-nos, ao discutir o problema do seguro automóvel, o particularismo da actividade em que se enquadra numa presença sui generis no mundo do direito e em confronto com qualquer outro exercício comercial, pois, naquela, o risco que em princípio todas afecta é elemento fundamental e justificativo da sua exploração e presença no meio social que serve, outorgando uma feição peculiar ao seu objecto na cobertura dó dano futuro incerto que lhe dá conteúdo. Temos assim que o risco, considerado como probabilidade em relação às demais, é nesta justificação, fundamento e posição irrecusável voluntariamente aceite pela parte dominante na função especuladora que desenvolve e a que não poderá furtar-se na transmissão que representa, em troca do pagamento de uma contraprestação, dag responsabilidades derivadas daquele e a respectiva apólice cobre.
Por tal modo, como conclusão válida, torna-se indiscutível que se não justifica qualquer pretensão das seguradoras no sentido de se esquivarem à aceitação dos riscos que voluntariamente e como objecto do seu negócio assumiram a responsabilidade de cobrir.
Claro que, se não houvesse riscos ou a possibilidade sempre iminente do seu desencadeamento, não se justificaria a existência da actividade no «jogo» que a caracteriza. Não haveria necessidade de seguro automóvel ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estranhamente, porém, no fundo de todas as deduções na problemática seguradora em discussão, parece ser justamente a não aceitação daqueles que aquelas querem; pelo menos, tudo se está passando como tal, visto que nenhuma discussão se levantaria se o negócio pudesse ser possível sem eles. Se, no «jogo» em que participa, o parceiro segurador ganhasse sempre e sossegadamente embolsasse os prémios pela cobertura do que não existia, esquecido de que ao aceitar a transferência das responsabilidades derivadas da posição assumida implicitamente aceitou correr os perigos consequentes ...

O Sr. Tito Arantes: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Tito Arantes: - Se uma companhia de seguros perde, esporadicamente, num ou noutro ramo, neste ou naquele ano, então, sim, está-se em face daqueles riscos que as companhias assumem e são próprios da sua actividade.
Mas, quando, como sucede no ramo automóvel, há um prejuízo constante e progressivo desde há mais de dez anos, então já não se trata de um risco segurarei, uma vez que esses prejuízos deixam de ser aleatórios, para serem certos.

O Orador: - É a opinião de V. Ex.ª
Isto admitido como incontestável, a posição que importava «deveria» orientar-se no sentido de provar os alegados prejuízos das seguradoras, exaustivamente «apenas» referidos e expostos pelo Grémio respectivo e ilustres Deputados Tito Arantes e Rocha Calhorda. E, consequentemente, se teriam ou não justificação os pretendidos aumentos dos prémios, e, sobretudo, para bem se colocarem dentro dos verdadeiros limites e bem no cerne da questão proposta, se, só porque existiriam, real e efectivamente, apropriada ou desmedidamente, o «facto autorizava as seguradoras outorgantes em contratos a termo, com tal fundamento, a renunciar, rescindindo-os, às obrigações assumidas». Independentemente das citações, dos quadros e estatísticas que pouco interessam ao caso e de que só sabe quem está no segredo dos deuses e que me foi dado ouvir convictamente referir para defender-se o que não fora alegado, numa justificação injustificada, o que, embora, tudo aceito como verdadeiro e exacto - ai de mim e de VV. Ex.ªs se tentasse a conferência -, mesmo no que concerne aos prejuízos jurados, aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, aqui é que estava o fulcro de toda a questão a que deliberadamente se fugiu e se não contestou. Percorrendo-se outros caminhos na mira de se alcançarem metas mais apetecidas, a minha intervenção, de sentido concretizado e circunscrito a determinado aspecto, foi tristemente aproveitada para defender-se no âmbito nacional, com manifesta repulsa da opinião pública e flagrante inoportunidade política, o aumento que se pretende do seguro automóvel a que me não havia referido, mas obcecadamente as seguradoras procuram obter, não sei se com razão, indiscutivelmente sem, se consumarem os seus desígnios através do procedimento que se criticou, isto é, sem a necessária autorização ministerial e apenas por via do recurso, fácil, mas prepotente, à denúncia dos contratos respectivos. Mas, admitindo que com razão, o que me recuso a aceitar como certa é a argumentação, um tanto capciosa, de que a fixação das tarifas mínimas, para evitar a concorrência entre companhias, não proíbe o seu discricionàriamente imposto aumento ou que explicitamente o consente, o que não há dúvida de que não.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - De facto. Se o Estado intervém ao fixaras tarifas mínimas, está logicamente a agir em nome e no interesse colectivo, o qual justifica o desencadeamento da sua obrigação paternal e protectora, se, contra ele ou ignorando-o, arbitrariamente se proceder à sua elevação, pois ninguém desconhecerá que quando o Estado disciplina tem sempre em vista o interesse público, que deixaria de proteger se descurasse da sua consideração e respeito, razão que me levou a dizer que a execução do entendimento contrário colocaria as seguradoras na posição de beneficiárias de um regime proteccionista.

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Só porque assim é, a provar que o Estado tem no assunto mais do que aquilo que se pretende, é que surgiu a tal nota do Ministério das Finanças, geradora da perplexidade do público, em que me incluo, e foi a causa do meu reparo denunciador do comportamento daquelas companhias, que, ignorando-a, sem razões ponderosas, unilateralmente revogavam os contratos em vigor, «empurrando para novos» os que não concordavam por se considerarem ao abrigo de um condicionalismo que, para ser alterado, necessitava de uma autorização superior que aguardava o parecer de determinada comissão, parecer que, por mais que se estranhe, há muito as companhias já conhecem (1), mas o grande público ignora e eu próprio continuarei ignorando, apesar da publicidade que pelo ilustre Deputado Tito Arantes lhe foi dada nesta Câmara.

O Sr. Tito Arantes: - Pois é pena que V. Ex.ª não conheça, porque talvez então não fizesse as afirmações que faz.

O Orador: - Só a não ignorarei quando ela me chegar pelas vias normais e próprias.
Sem essa autorização, insiste-se, tal comportamento não era possível, a qual, a ter sido dada, naturalmente tornaria improcedentes quaisquer reparos e reclamações. Há, pois, na matéria um poder disciplinador do Estado que orienta e manieta (?) as seguradoras na possibilidade que se arrogam de aumentarem as tarifas do seguro automóvel com o incrível fundamento de só estarem proibidas de as baixarem!
Não. Há uma disciplina a cumprir que não pode ser tão facilmente traída por via do que realmente está escrito nas apólices: - «um ano e seguintes ...». Se a não houvera, impunha-se, ... com vista à salvaguarda de um interesse muito mais valioso do que o das seguradoras - o interesse público. Se a não houvera, não se justificaria a nota do Ministério das Finanças, nem se compreenderia, como realmente se não está compreendendo muito bem, a existência da Inspecção-Geral de Crédito e Seguros; tão-pouco a «recomendação» feita às seguradoras, pelo Sr. Ministro respectivo, do «consequente procedimento», caso alterassem o seu comportamento quanto aos contratos em vigor; tão-pouco, ainda, estas intervenções de todos nós e em que, pela parte que me toca, de nenhum modo estou brincando ...
Mas o certo é que tudo se passa como se a não houvesse, pois as seguradoras, desprezando a possibilidade do ameaçado procedimento - elas lá sabem o poder com que contam ... -, contra a letra e o espírito da nota, frustraram os seus objectivos usando do meio fácil da revogação unilateral dos contratos em vigor, não apenas contra os segurados que o justificavam, mas quanto a todos, condutores idóneos sem sinistros ou cadastro, especialmente contra os que «apenas» eram seus segurados no ramo e a quem «convidaram» a aceitar, sem prévia autorização, as novas tabelas arbitrariamente aplicadas, pois resulta evidente que, se para tanto estivessem autorizadas, nada haveria a opor e outro remédio não haveria senão a sujeição pacífica.
Não foi gratuitamente que referi ser mais usado tão reprovável procedimento contra os que «apenas» são segurados no ramo, pois tenho em meu poder elementos de prova e outros que traduzem atitudes mais graves, como, por exemplo, a «consideração» e retorno ao status que ante dos contratos em que os segurados se não conformam com o pretendido aumento do prémio automóvel e rescindem os de outros ramos em que são outorgantes. E mais. A devolução no fim do ano de parte dos prémios pagos de acordo com a tarifa mínima, que, assim, nem mesmo chega a evitar a concorrência!
Atitude discriminatória? VV. Ex.ªs o julgarão ...
Claro que eu, embora desconhecedor do que seja o fundamento «ético-moral» da actividade seguradora - perdoe-mo o Grémio e mais quem sabe -, não ignoro, nem ninguém, que a possibilidade de revogação dos contratos a termo por uma das partes resulta do condicionalismo regulador. Não o ignoro, mas, acentue-se, não o admito sem razões ponderosas, outras que não sejam as derivadas de um manifesto propósito de pura especulação, pois especulação é o «vender-se» por preços que não está autorizado aquilo de que só um ou poucos dispõem, como se está passando e não deve ser possível.
E é por isso que se insiste em que a actividade das seguradoras que o Estado disciplina (?) através da Inspecção-Geral de Crédito e Seguros não é nem pode «ser uma vulgar actividade comercial», muito menos, como por aí se diz, uma actividade mutuária, mas sim uma actividade mutualista, o que é bem diferente.
Este foi, Sr. Presidente e Srs. Deputados, «o sentido» da minha primeira intervenção, que não vi refutado quando se pretendeu defender a necessidade de as seguradoras aumentarem os prémios do seguro automóvel sobre que o Governo tem uma palavra a dizer e que nos não negará, modificando, numa iniciativa que também nos cabe, a respectiva lei reguladora, pois, reafirma-se, se mostra necessário, tal como nos contratos de arrendamento que espírito idêntico informa, evitar que seja possível às seguradoras uma posição predominante outorgativa do direito de anularem por conveniências especulativas contratos de natureza tão relevante, além de que, segundo as contas do homem da rua, do aumento desejado resultaria o embolso de 1 milhão de contos para cobrir prejuízos confessados de 250 000!

O Sr. Tito Arantes: - Essas é que suo as contas do homem da rua?
Se V. Exa, em vez de contactar com os homens da rua, contactasse com os técnicos que sabem de seguros, nunca poderia citar esse número que está absolutamente errado!

O Orador: - São as informações que tenho; homem da rua, não tenho o privilégio de contactar ao nível referido.
Ele é evidente que, como muito bem o disse o ilustre Deputado Tito Arantes, o comércio de seguros, como qualquer outra actividade, usufrui do direito ao lucro. Porém, o que está em jogo não é o «direito» àquele, mas a fixação do seu «montante legítimo», em que é preciso conciliarem-se os interesses de quem recebe com os de quem paga, sem que baste a afirmação gratuita de que há prejuízos(?) num ramo daquela sem considerar os outros que a integram e cujos lucros se não referem, nem se têm em conta ... tão-pouco o resseguro que as garante.

O Sr. Tito Arantes: -Ainda bem que V. Ex.ª falou em resseguros.

Posso informar V. Ex.ª de que a maior companhia resseguradora do mundo escreveu recentemente que, ou as seguradoras directas aumentavam os seus prémios, ou ela deixava de ressegurá-las, pois não estava disposta a sofrer os prejuízos das tarifações insuficientes ...

O Orador: - Admito que assim seja.
Por isso é que não procede a argumentação de que nenhum industrial ou comerciante «aceite explorar uma actividade em regime de prejuízos permanentes, inevitá-

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veis e volumosíssimos, só porque na exploração de outra actividade eles ganham dinheiro». (...)
Há, aqui, uma manifesta confusão de princípio, quando o ilustre Deputado considera duas actividades onde só existe uma - a actividade seguradora integrativa dos diversos ramos por que se reparte. Confusão de princípio que o conduz à conclusão errada, que contrario, de virem, assim, a ser pagos pelos segurados de incêndios, de vida ou de outros ramos os seguros de automóveis.
O raciocínio não está certo. Não há que falar em quem paga este ou aquele risco, todos igualmente abrangidos pelo objecto da actividade seguradora, sem importar mesmo, dentro do seu conjunto, a averiguação quanto ao que dá lucro e quanto ao que o não dá, pois só aquele interessa considerar no respectivo todo. Se nuns se ganha e em outros se perde, esses serão os riscos comuns a todos os negócios diversificados.

O Sr. Tito Arantes: - Não apoiado!

O Orador: - Está no seu direito.

Serão os tais ossos do ofício ... Por isso este será um ponto em que S. Ex.ª nem quaisquer outros obterão a concordância pública, a começar por mim, que o não aceito, por muito que respeite e considere a opinião contrária e me disponha a aceitar tudo o mais calorosa e proficientemente exposto e defendido. Até porque, ainda recentemente, aberto já o pleito, nos Restauradores alguém me confidenciou que uma seguradora, numa atitude de concorrência muito em voga, para angariá-lo como segurado, lhe ofereceu a vantajosa redução de 35 e 27 por cento, respectivamente, dos prémios que em outra estava pagando quanto a incêndio e existência comercial, mantendo-lhe as tarifas baixas quanto aos automóveis e tractores! Assim se vê no que está resultando o pagarmos a taxa mais elevada da Europa no ramo incêndio e também o critério discriminatório quanto ao seguro automóvel. Mas se aquele ramo e os outros, como se pretende, não devem suportar os pretensos prejuízos do ramo automóvel, porque haverão de pagar os que não têm sinistros pelos que nestes são useiros e vezeiros?

O Sr. Tito Arantes: - Para isso é que serve a franquia!

O Orador: - Quanto à franquia, adiante me ocuparei dela. E se dão para cobrir tanto, porque se não reduzem os seus prémios?
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Segundo o que todos ouvimos aos Srs. Deputados que não estão no problema por «questões pessoais» - reivindico para mim a responsabilidade dessa posição - , é dramática a situação das seguradoras, mais dramática ainda por, afinal, ser nosso e não delas o património que administram, com o que me congratulo, não obstante os receios de que os «malsins» da Fazenda me venham colectar por esse inesperado acréscimo de riqueza. Tudo está contra elas. O constante agravamento do custo de vida que apenas a elas tocou, nanja aos outros, nem à lavoura próspera, que paga maiores salários e vende como pode ou a deixam os seus produtos; nem aos seus corretores, que, segundo a carta de um dirigida ao jornal O Debate, estão em vias de ver reduzidas para metade as suas comissões. As oficinas, os tais peritos, a grande maioria desta Câmara e os segurados, mais aqueles que as ludibriarão até na possibilidade de transformar o dano sem culpas em sinistro, o que, infelizmente, pode ser verdade na má fé que em muitos é sistema de vida. Tão verdade como é o haver muitas sentenças condenatórias daquelas como litigantes de má fé, bem pejorativa condenação e bem menos desculpável actuação do que a de muitos realmente indignos da sua protecção, sem curar de que - todos os que no foro nos ocupamos o sabemos - a maioria dos pleitos controvertidos em que são parte (não me refiro a todas, como é óbvio) findam quase sempre por acordo (?)-, cujos montantes em discussão, mediante a ameaça de que a coisa pode ir até ao Supremo, facilmente se constrangem as vítimas à assinatura daquele recibo em que se isenta a companhia de quaisquer responsabilidades, por se haver já recebido a devida indemnização!!!

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª já excedeu o período regimental.

O Orador: - Peço licença para ponderar que fui várias vezes interrompido.

O Sr. Presidente: - Se o foi, foi com o seu consentimento. Mas acedo a que V. Ex.ª conclua a sua intervenção, desde que a abrevie.

O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª e vou resumir-me ao indispensável.
Qual o profissional de direito a quem ainda não foi dado intervir, em nome da vítima que teima em defender-se, obtendo por acordo cem onde por cinquenta se pretendia saldar a responsabilidade? Quantos processos estão pendentes nos tribunais em que desgraçados discutem anos, gastando o que não têm, o que legitimamente lhes é devido, tantas vezes morrendo sem o receberem?
Onde não há má fé neste mundo, em que a prática da verdade, o ser-se verdadeiro, é considerado heroísmo, corajoso, como já tenho ouvido e leva muitos, como eu próprio, a serem tidos como defeituosos no que é a sua maior virtude?
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não estou, longe disso, a formular um libelo acusatório. Estou apenas a servir a verdade, e queira Deus que em sua defesa me não voltem a chamar. Fui demasiado longe? Fui até onde não convinha?
Fui apenas até onde devia e não tanto como tinha obrigação, limitado por uma carência de autenticidade de comprometedoras informações em meu poder. Mas como não desejo voltar ao problema - espero que a isso me não obriguem - , algumas considerações mais quanto ao que, na matéria, primordialmente está interessando. A defesa da instituição do seguro obrigatório de responsabilidade civil para bem de automobilistas e peões.
Somos, Sr. Presidente, na Europa e com a Itália e a Grécia, o único país em que não vigora tal modalidade de seguro, muito embora o crescente aumento do parque automóvel e intenso tráfego o justificasse. Pela sua instituição se tem batido o organismo representativo do automobilismo nacional, na preocupação compatível de bem servir o meio que representa, procurando garantir, para além daquele, a indemnização devida «a todas» as vítimas pelos danos sofridos em acidentes de trânsito.
Diz-se que 30 por cento do nosso parque automóvel não está coberto por esta modalidade de seguro salvaguardante dos prejuízos tirados a terceiros, do que resulta estarem circulando cerca de 150 000 veículos sem uma cobertura seguradora!
Reconhecendo a importância e premência da situação, o Governo, por portaria de 28 de Junho de 1962, nomeou uma comissão para estudo do problema com vista à sua instituição. Igualmente, a Direcção-Geral de Transportes Terrestres fez um estudo sobre o referido projecto,

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o qual foi remetido em Agosto de 1965 ao Sr. Ministro das Finanças e também ao Grémio dos Seguradores.
Não obstante, como parece ser hábito arreigado, o assunto nem por ser importante logrou ter seguimento, ignorando-se mesmo as conclusões do 1.º Congresso Nacional de Trânsito, da iniciativa do Automóvel Clube de Portugal, que, por unanimidade, se exprimiu nos termos seguintes:

Atenta a necessidade imperiosa do seguro ou garantia obrigatória dos veículos automóveis, recomenda-se que se ponha em vigor, urgentemente, o regime proposto pela comissão nomeada por SS. Exas. os Ministros das Finanças e Comunicações de 28 de Junho de 1962, que se julga satisfazer, nas suas linhas gerais, os objectivos visados.
Torna-se assim evidente que a instituição do seguro obrigatório é anseio que está na preocupação dos representantes do automobilismo português e de todos quantos meditam em tão momentoso problema, antes que não são de considerar as opiniões dos que menosprezam o sentido de previdência geral que está na sua base e é hoje preocupação político-administrativa dos governos responsáveis. O uso tão generalizado e fácil das máquinas que tão prodigamente matam, isso impõe como medida urgente de salvação pública, tantos e tão graves acidentes se sucedem com responsabilidade de quem não tem seguro nem património exequível reparador dos danos causados em tantas vítimas que, incapacitadas ou mortas, deixam agregados familiares sem amparo à mercê das mais tristes e chocantes contingências. Automobilistas ou ciclo-motoristas a matar tão frequentemente nas nossas estradas não deverão poder continuar a fazê-lo sem que dêem garantias de uma cobertura dos riscos que ocasionam, a impor-lhes meditação no direito que os outros têm à sua integridade física.
A facilidade e as facilidades de aquisição de tão mortífera arma, a irreflexão e falta de civismo de muitos dos seus possuidores, deixam, na maioria dos acidentes, a vítima sem quaisquer possibilidades de se ressarcir dos danos sofridos. É, assim, o que é um verdadeiro homicida, geralmente julgado como homicida involuntário, cedo se encontra em situação de continuar matando, como se, reconhecidos os perigos iminentes do tráfego actual, não fosse de presumir intenção de matar - até exigente prova em contrário - em todos quantos, desprezando a prudência a que estão obrigados, desconhecendo os perigos a que sujeitam os demais, transitam em condições que só não são fatais por mercê de Deus, tudo fazendo para realmente matar.
Quem não é previdente terá de o ser, se não por si, pelos outros que tantas vezes a sua irreflexão ofende no mais precioso dos bens. E não se diga que a obrigação generalizada do seguro obrigatório será uma violência, pois quem se sujeita a amar sujeita-se a padecer ou ... a andar a pé.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -Este é um aspecto que não pode deixar de ser considerado na revisão que se impõe do conjunto da actividade seguradora, que terá de submeter-se às exigências do condicionalismo dos nossos dias, que já não admite poderes majestáticos. Mas outros há cuja oportunidade de os referir não quero perder, já que estou com as mãos na massa.
Assim, referiremos em primeiro lugar a necessidade do estabelecimento de tarifas fixas, pelo menos quanto ao ramo de responsabilidade civil, o que defendemos pela evidência do insucesso do sistema vigente, que, sem evitar a concorrência entre as seguradoras a cujo alcance estão outros bem conhecidos recursos, se traduz, ao fim e ao cabo, em maior prejuízo para os segurados. O arbítrio na aplicação das taxas conduz a situações de desigualdade entre aqueles no livre jogo que permite de serem discriminatòriamente usadas consoante convém ou não o segurado, olhado não como tal, mas na possibilidade que apresenta de fazer outros seguros, caso em que não importa que tenha ou não sinistros a agravarem os resultados da exploração do ramo. Este modo pouco qualificado de estar num negócio de tamanha projecção e interesse público levou algumas seguradoras ao extremo de instruírem os seus angariadores no sentido de apenas aceitarem seguros automóvel com a tarifa mais baixa se a proposta fosse acompanhada de outras relativas a ramos diferentes -incêndios, acidentes pessoais, vida, etc.-, indo-se até mais longe, ao ponto de se aumentarem as comissões dos agentes, a fim de estes as poderem repartir com os segurados!
Comentários? Para quê, se só nos está interessando justificar a necessidade da instituição do seguro obrigatório? ...
Sr. Presidente: Isto de seguros automóveis, porque interessa a muitíssimos, vem sendo muito debatido nos variados aspectos em que toca os interesses do público que paga. E um deles é a tal franquia obrigatória, em que, se não somos inovadores, estamos pouco acompanhados. Tal como se apresenta, não será ela uma negação do próprio seguro, uma violência, portanto?
Não seria mais próprio e consentâneo o estabelecimento de uma franquia facultativa, acompanhada de uma redução dos respectivos prémios, sabido como é que os pequenos acidentes são os mais frequentes, cuja responsabilidade, como é óbvio, por isso mesmo as companhias não desejam?
Mas há mais. O que se pretende em matéria de bonificações não está certo, um terço de desconto após dois anos de ausência de sinistros participados, quando, até com vantagem para as seguradoras, como se verifica noutros países, uma bonificação de 50 por cento constituiria estímulo para maior prudência e consequente diminuição da sinistralidade, sendo de ponderar que, tal como sucede no sistema francês, não deveriam ser considerados para o efeito os danos sofridos pelos veículos estacionados, indevidamente julgados como sinistros pelas seguradoras no desconhecimento do verdadeiro significado das palavras. Por outro lado, sabido o quanto certos peritos, sem vantagem .para ninguém, encarecem as reparações, parece ser de preconizar uma revisão do sistema, e, talvez, por conta das seguradoras, estudar-se o estabelecimento de oficinas de chapeiro, pintura e mecânica rudimentar, a exemplo, mutatis mutandis, da seguradora A Mundial, que dispõe de instalações hospitalares modelares, a merecerem o mais rasgado elogio na assistência que prestam aos seus segurados, como já me foi dado verificar e nada me, repugna referir num acto de devida justiça a provar isenção ...
E já agora, ainda para não perder a oportunidade, por que é que, entre outros adicionais sobrecarregantes dos segurados, estes ainda têm de pagar 30$ pela emissão das apólices, em alguns casos, mais 3 por cento dos prémios pagos, e, todos os anos, mais 35$ pelo cartão de responsabilidade civil, absolutamente dispensável a quem detém a apólice como título bastante? E os 20 por cento para despesas de administração, alcavalas encarecedoras do que já é caro?

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Sr. Presidente e Srs. Deputados: Tenho para mim não ser possível tratar tão vasto assunto dentro do tempo regimental para estas intervenções antes da ordem do dia, que, talvez, se já o não excedi, devo estar prestes a fazê-lo. Não queria, porém, deixar de declarar que admito, em princípio, a necessidade de revisão das tarifas do ramo automóvel, não tanto por causa dos alegados prejuízos das seguradoras, que não aceito na dimensão que os seus cálculos matemáticos apresentam, mas pelo reconhecimento do manifesto aumento da sinistralidade sempre crescente, a justificar uma actualização compatível e a obstar que sejam menores os lucros a que aquelas estavam habituadas. Isto não obstante o entender que deve ter-se em conta que o seguro de responsabilidade civil contra terceiros deve beneficiar, à custa dos outros, de uma diminuição nos respectivos prémios, pois é este que vai começar a generalizar-se em razão da incomportabilidade dos prémios pretendidos pelos demais, e ser, além disso, um seguro que interessa ao geral dos cidadãos, peões e automobilistas, que convém não desencorajar autorizando as elevações que se desejam nos prémios e que atingem 120 e 150 por cento nas garantias superiores a mil contos! Noutros países, como na Espanha, tendo justamente em vista o interesse nacional do tal seguro, as taxas progressivas são muito mais moderadas. Sendo certo que, ainda, dadas as medidas de vigilância em vigor, natural é pensar na diminuição da sinistralidade, o que só por si representará uma compensação para as seguradoras que, por tal jeito, para além do aumento por que se batem, viriam a ganhar mais do que o que seria legítimo, muito mais ainda se vier a criar-se a prevenção rodoviária que preconizei através do estabelecimento de uma milícia civil.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Como resultou da intervenção do ilustre Deputado Tito Arantes, e, depois, num grupo de Deputados, foi graciosamente comentado, parece que quem paga nunca tem razão. A mim não me ficou tal convicção, embora me seja impossível refutar, ponto por ponto, a defesa apresentada, a que, no entanto, julgo ter respondido no essencial, ao contrário do que me sucedeu em que aquela se quedou na manifestação dos pruridos acerca dos «nababos» e na atribuição de um sentimento pessoal ao que não passou de aproveitamento de um conhecimento próprio honestamente revelado com a intenção de qualificar um testemunho, igual a qualquer outro, o que nem por isso me autoriza a classificar 00 sentimentos alheios, que prefiro deixar entregues a outros julgamentos mais serenos e competentes.
Reconheço que a matéria fica longe de estar esgotada. Se, porém, das minhas intervenções pouco ficar para o de lá do «enleamento numa questão pessoal» que se pretendeu, resta-me a consolação de verificar que da defesa das seguradoras menos ficou ainda quanto ao que respeita ao interesse público que me inspirou, apenas, a mais

Magni nominis umbra ...
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Braamcamp Sobral: - Sr. Presidente: Decorreu um ano, que hoje se completa, sobre a data em que entrou em vigor um importante diploma legal, cujas disposições, a curto ou a longo prazo, se reflectem em todos os sectores da vida nacional e que consequentemente mereceu, daqueles que procuram estar atentos à evolução das nossas fundamentais infra-estruturas, uma muito merecida atenção.
Refiro-me ao Decreto-Lei n.º 47 311, através do qual o Governo reformou a Mocidade Portuguesa.
Quando tive a honra de efectivar aqui, no final do ano transacto, o meu aviso prévio sobre educação da juventude, poucos dias haviam passado sobre a data que hoje assinalo. Essa circunstância impediu que fosse então dada maior extensão e profundidade às considerações que se impunham sobre a alínea «Organizações de juventude». a penúltima do esquema do aviso oportunamente por mim anunciado.
Por outro lado, entendi, e assim o expressei, que uma análise cuidada do recém-nascido decreto-lei sairia fora da orientação que tinha procurado imprimir à minha exposição.
Mas outra razão ainda me levou a reduzir, naquela ocasião, a dois curtos reparos apenas os diversos comentários que poderia ter feito ao referido diploma. E essa razão era a da minha convicção de que, naquele momento, alguns, e porventura não poucos, por desconhecimento de causa, ingenuidade ou por optimismo, e este em parte alicerçado nas declarações públicas e oficiais que enquadraram a publicação do decreto-lei em causa, não aceitariam facilmente algumas observações que eu poderia evidenciar, mercê do ângulo especial através do qual me era efectivamente possível ver o problema.
Só pelo facto de ter então opinado que o diploma a que me venho referindo tinha substituído a organização nacional da juventude existente por uma nova direcção de serviços do Ministério da Educação Nacional, pude anotar certas reacções desfavoráveis.
Contudo, poucos meses depois da minha intervenção, a designação «direcção-geral» (inteiramente equivalente, neste caso, a direcção de serviços) era escolhida, pelos primeiros responsáveis da nova Mocidade Portuguesa, para exprimir aos seus colaboradores a ideia em mente de como deveriam processar-se as relações da Mocidade Portuguesa com os estudantes, nas actividades circum-escolares e de acção social preconizadas no diploma. E fácil é de prever que aquela expressão terá sido bem compreendida e respeitada pelos professores.
Assim, aqueles que se chocaram com aquela minha opinião tiveram, poucos meses depois, o gosto ou o desgosto de a verem oficialmente ratificada.
Este elucidativo exemplo veio confirmar a minha convicção de que há um ano a receptividade de alguns dos meus ouvintes ou leitores não seria a melhor para considerações mais largas sobre a matéria.
E, não sendo eu um adepto de situações cómodas, pareceu-me, com efeito, em Dezembro de 1966, que não seria útil completar as minhas palavras de apreensão quanto ao novo decreto-lei, com comentários ou profecias de vária ordem. A evolução dos acontecimentos traria certamente mais forte luz aos espíritos.
Ao dar posse ao actual comissário nacional da Mocidade Portuguesa, o Sr. Prof. Galvão Teles esclareceu que s-3 tinha fixado a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 47 311 paira 30 dias depois da sua publicação, por considerar esse período necessário para preparar o começo da execução do mesmo.
E afirmou:

Há no novo texto algumas disposições que não são exequíveis por si, exigindo, para poderem efectivar-se, a publicação de regulamentos que, naturalmente, só agora, definido e publicado o estatuto-base, é possível elaborar. Não poderia entender-se que um ser colectivo de tão grande dimensão, moldado em

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estrutura de certo modo sofisticada pelo longo decurso de dezenas, de anos, se transformasse miraculosamente de um instante para o outro, adquirindo sem mais delongas a fisionomia que pretende imprimir-se-lhe, que deve imprimir-se-lhe em obediência à letra e ao espírito da nova lei orgânica que se lhe outorgou. Por isso os impacientes não deverão desesperar por não assistirem no Plano, de facto, a transformações súbitas ou tão vertiginosas como a sua impaciência reclamaria.
O período de 30 dias atrás referido terá sido talvez necessário, mas não suficiente, para preparar o começo da execução do decreto-lei. Permitiu, pelo menos, que sobre ele fossem feitas, tempestivamente, considerações de vária ordem, indicando-se os motivos pelos quais muitos viam a execução daquele diploma com as mais sérias apreensões.
Em contrapartida, os impacientes, pelas transformações súbitas e vertiginosas, puderam considerar dispensável aquele prudente aviso, pois as ditas transformações vieram antes que tivessem tempo para desesperar.
É certo que não houve ainda possibilidade de elaborar, ou pelo menos de publicar, os regulamentos a que atrás se alude como necessários e que o próprio decreto-lei impõe no seu articulado. (Note-se, contudo, que o primeiro regulamento da Mocidade Portuguesa foi aprovado cerca de sete meses depois do decreto-lei que criou a Organização.)
É também certo que não houve ainda ocasião para formar o conselho consultivo previsto no artigo 14.º, cuja importância, aliás, foi especialmente realçada e que me parecia poder ter, nesta fase inicial, certa utilidade.
Mas nenhum destes factos entravou a actuação dos que têm hoje à sua responsabilidade a execução da reforma preconizada em 12 de Novembro de 1966.
Através de reuniões de trabalho da direcção da Mocidade Portuguesa com os seus actuais e futuros colaboradores e de algum expediente interno, têm sido produzidas as indispensáveis considerações ou indicações sobre o espírito do diploma, para que, à luz do seu artigo 61.º, se possam considerar eliminados os regulamentos antigos (e ainda não substituídos), que com aquele espírito colidem.
Confirmou-se assim, por exemplo (o que do texto legal já se aduzia), que na Mocidade Portuguesa já não há filiados. Há simplesmente rapazes, ou alunos, subordinados de certa forma a um departamento que se chama Mocidade Portuguesa. E não sei por que não adoptou antes a designação de «beneficiários», expressão já consagrada pela Previdência e que ficaria muito bem, em face do vasto desenvolvimento que agora se pretende dar à acção social escolar, e até em conformidade com as expressões escolhidas para o texto do artigo 30.º do diploma.
Já se não fala também em farda, fala-se em trajo, e pensa-se até, quem sabe, como elemento de identificação, numa simples gravata de riscas, como é do uso nalgumas universidades estrangeiras.
Quanto à bandeira de D. João I, começa já a entender-se que há conveniência em substituí-la por outra ou outras talvez relacionadas com centros de actividades circum-escolares, que são parte integrante dos estabelecimentos de ensino e nada têm de Mocidade Portuguesa, nome, aliás, que já não figura sequer nas fichas ou impressos destes centros.
É bem compreensível, aliás, que, não havendo, filiados da Mocidade Portuguesa, não têm cabimento na orgânica, que terá de basear-se no Decreto-Lei n.º 47 311, nem bandeiras, nem fardas, nem hinos, nem saudações, nem tudo o mais que tanto vinha incomodando os mais progressivos e evoluídos.
Aqueles e outros condimentos que comprometem só se tornam, aliás, necessários quando se pretende guiar e educar uma massa mais ou menos vultosa de jovens e se deseja, através de um movimento de juventude, criar neles o culto da Pátria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, os que se incomodam com aqueles comprometedores condimentos são os mesmos, normalmente, que se afligem com a formação nacionalista da juventude, por recearem, como a U. N. E. S. C. O., que essa formação dificulte a solidariedade internacional. São os mesmos que consideram puro desperdício de pessoas e dinheiro a luta em África e fazem diligências para ficarem comodamente por cá, enquanto os outros se batem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas, por ora e pela falta dos textos legais cuja publicação se aguarda e que terão de ser não só complementares, como esclarecedores dos aspectos menos bem definidos no diploma-base, a situação na Mocidade Portuguesa actual é ainda algo confusa sobre aquelas matérias.
É, pois, muito provável que, enquanto se não deteriorarem com o tempo, nós vejamos, por alguns anos mais, fardas e bandeiras da antiga Mocidade Portuguesa numa ou noutra oportunidade especial e, sobretudo, nos salões nobres que por este País abundam, servindo, em dias de sessão solene, de moldura decorativa às clássicas e torcidas mesas de mogno.
Recorde-se, em todo o caso, que a Mocidade Portuguesa, como vem sendo explicado por quem de direito, ao longo dos meses já decorridos, termina nos delegados distritais. Quer isto dizer que é actualmente e apenas constituída pela direcção, pelos conselhos consultivo e administrativo, inspectores orientadores e delegados distritais.
É, portanto, um departamento oficial onde só há adultos, e isso mais realça a inadaptação às suas actuais características do nome juvenil que inadequadamente conserva, mas que lhe permite poder continuar a utilizar como sede o Palácio da Independência.
Como se sabe, foi este adquirido, em 1940, por subscrição dos portugueses radicados no Brasil, para nele se instalar a Organização Nacional criada em 1936 e que, pela sua estrutura, mereceu aos nossos irmãos de além-Atlântico o maior carinho e aplauso.
É do conhecimento de VV. Ex.ªs que, como um dos primeiros graduados que fui da Mocidade Portuguesa, faço parte da sua Liga dos Antigos Graduados. Mas talvez seja só do conhecimento de poucos que fui um dos seus cinco fundadores, há 26 anos, facto que revelo com manifesto prazer.
Presentemente, contam-se por largas centenas os associados da Liga dos Antigos Graduados e, quaisquer que sejam os seus sectores de actividade e os lugares hierárquicos que neles ocupam, sempre se orgulham da sua qualidade de antigos graduados da Mocidade Portuguesa e sempre revelam firmeza e coerência nas suas atitudes, em inteira conformidade com a formação recebida na Organização Nacional a que pertenceram.
Este numeroso e coeso número de portugueses (muitos dos quais já com notória experiência da vida e com bons serviços prestados à Nação) entendeu que não poderia, colectivamente, alhear-se de alguns dos problemas fun-

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damentais da vida nacional. E, sentindo que poderia dar, para o seu estudo e resolução, contributo positivo, organizou, no final do ano passado, o seu primeiro congresso, que se inaugurou em Bissau e se encerrou em Lisboa.
Este congresso, como é do conhecimento de VV. Ex.ªs, foi incluído no programa oficial das comemorações do 40.º ano da Revolução Nacional, facto que importa recordar.
Embora tardiamente, todos VV. Ex.ªs receberam a publicação que foi feita das conclusões do congresso, relativas ao estudo que especialmente incidiu nas problemáticas social, política, ultramarina e educacional.
Todas as conclusões, num total de 64, foram aprovadas por unanimidade na sessão de encerramento do congresso, em 10 de Dezembro de 1966.
Mas duas delas foram aprovadas não só por unanimidade, mas por aclamação e longa aclamação.
Refiro-me às conclusões 14.º e 15.º da 1.ª secção, intitulada «Problemática da Juventude e da Educação», e que foram assim redigidas:

Só por inexperiência e ingenuidade se pode imaginar que a Juventude se conquista com dádivas e benefícios materiais. Estes têm, naturalmente, o seu lugar e devem ser intensificados. Mas a juventude forja-se com sacrifício, para o sacrifício, ao calor do combate. Só a luta tempera os ânimos. Só a chama aquece as almas. Só há escol contra o ambiente fácil e cómodo.

Não serve estes fins a Organização que resulta do Decreto-Lei n.º 47 311, de 12 de Novembro de 1966. E é lamentável que se tenha conservado o nome de Mocidade Portuguesa, se não houve coragem para a fazer regressar ao espírito da fundação e para lhe assegurar as possibilidades de uma acção patriótica institucional e autónoma.
Este grito de alma consciente e válido resultou, sem surpresa para qualquer dos congressistas, do convívio de quatro ou cinco centenas de camaradas de ideal, vindos de todas as parcelas do nosso território e representando alguns milhares, que sentem como mais ninguém o que a Mocidade Portuguesa fez por Portugal e por eles próprios e lastimam mais do que quaisquer outros que ela não tenha podido fazer melhor, sobretudo quando a não melhoria resultou de dificuldades bem fáceis de remover, se houvesse efectivamente vontade de removê-las.
No curto preâmbulo do Decreto-Lei n.º 47 311 pode ler-se o seguinte parágrafo referente à antiga Organização Nacional Mocidade Portuguesa:
Vão decorridos mais de 30 anos sobre a sua instituição e durante este longo período de tempo tem ela prestado os mais altos e relevantes serviços, que cumpre aqui assinalar de modo muito especial.
Atribuo a este parágrafo e, ainda mais por ser curto o preâmbulo em que se insere, apreciável valor. Ora o Governo, que assim se exprimiu:

1.º Sabe que a Mocidade Portuguesa era efectivamente uma organização de rapazes para rapazes (característica básica e insubstituível de qualquer movimento de juventude);
2.º Sabe também que nos altos e relevantes serviços prestados pela Mocidade Portuguesa e que expressamente assinala a acção fundamental coube aos graduados (qualquer dos muitos e dedicados dirigentes o confirmará);
3.º E sabe ainda que a opinião unânime dos antigos graduados da Mocidade Portuguesa, reunida em congresso, foi desfavorável quanto ao espírito e quanto à letra do Decreto-Lei n.º 47 311; e, contudo, não tomou em consideração estas realidades, reforçadas por depoimentos oportunos e confirmativos de indiscutível isenção e valor. Segue paulatinamente o caminho que traçou e que aos olhos de muitos (com experiência não desprezível) não poderá satisfazer os propósitos afirmados em 10 de Novembro de 1966 pelo Sr. Ministro da Educação Nacional, propósitos em boa parte louváveis, e que são, aliás, também os nossos.
E assim nos aproximamos, embora em marcha lenta, do momento em que se poderá considerar como facto consumado o desaparecimento do movimento nacional de juventude nascido em 1936 e que, ao que parece, e no entender do Governo, já só tinha de bom, ao fim de 30 anos, o nome.
Entretanto, alguns dos actuais dirigentes, que foram dirigentes da antiga Mocidade Portuguesa, e à frente dos quais coloco o actual comissário nacional (experimentados conhecedores dos problemas da juventude), e, bem assim, alguns graduados que ainda existem por saldo de exercícios findos, não deixarão obviamente de aproveitar as pequenas oportunidades que o articulado do novo decreto-lei lhes dá para, através das Casas da Mocidade e das actividades de campo ou de desporto especializado, fazerem chegar a alguns jovens uma sã contribuição para a formação do seu carácter, em obediência aos princípios que sempre informaram as actividades da Mocidade Portuguesa.
Mas da enorme massa da juventude que há para educar poucos serão atingidos por estas actividades, a menos que, por virtude daqueles dirigentes e graduados, sejam admitidas na elaboração dos regulamentos que se aguardam maiores possibilidades ao alargamento daquela sua acção.
É bem desejável, mas não prevejo que assim venha a suceder.
Como se diz no projecto do IIE Plano de Fomento, «reestruturou-se a Mocidade Portuguesa, imprimindo-lhe fisionomia renovada susceptível de permitir contribuição mais eficaz nos sectores tão significativos da acção social escolar e das actividades circum-escolares».
E assim é. O que se pretende, fundamentalmente, em determinado sentido da Reforma, é reforçar o papel da escola na educação dos seus alunos e dar-lhe os meios adequados às responsabilidades maiores que se lhe atribuem.
Evidentemente que não estou em desacordo com a orientação, que na lei se sublinha, de reforçar a acção da escola na educação dos seus alunos.
A escola deve, como é sabido, não só instruir, como educar, e em defesa deste princípio todas as medidas convenientes devem ser tomadas.
Simplesmente, e esta é uma das razões da minha discordância de certas disposições do novo decreto-lei, entendo que a escola, mesmo actuando nas condições ideais (que se não atingem nunca), não substitui nunca a acção indiscutivelmente útil dos movimentos de juventude, que hoje como ontem, ou até mesmo mais do que ontem, se devem impor como uma necessidade premente no esquema educacional, devendo por tal motivo ser credores de forte estímulo e apoio do Estado.
Será, com efeito, grave erro ignorar que os jovens não podem obter na escola o que vão buscar às organizações de juventude, onde o seu espírito de iniciativa e o seu esforço

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pessoal para a, valorização das suas virtudes encontram o clima ideal de realização.
As experiências da Mocidade Portuguesa e do escutismo, para falar apenas dos movimentos de juventude mais bem estruturados e que maior número de rapazes enquadram, não devem esquecer-se, nem dispensar-se.
Ir buscar ao passado o seu impulso dinâmico e a sua força vivificadora não é sinal estático de conservadorismo, mas fórmula útil de renovação.
Fortalece ainda a minha discordância quanto à recente orientação do Governo expressa no Decreto-Lei n.º 47 311 o facto de se pretender atribuir à escola responsabilidades maiores, quando é sabido que a mesma, nas actuais circunstâncias, as não pode receber, nem por elas responder.
A escola só existe e cumpre se houver professores, e creio bem que nada mais é preciso dizer nesta sala, para além do muito que já foi dito, para demonstrar ou comprovar que as actuais condições de selecção, de admissão, de valorização profissional e de remuneração dos professores são inaceitáveis, por inadequadas e insuficientes, perante as exigências mínimas da função e da hora presente.
É por isso bem patente e alarmante o desfasamento e a desproporção dos quadros docentes, em qualquer dos graus de ensino, em relação às tarefas que a sua nobre profissão lhes exige.
O n.º 13 do capítulo X do projecto do III Plano de Fomento, que acabou de ser apreciado nesta Câmara, considera este assunto de importância vital e afirma como um dos objectivos daquele Plano:

Promover a melhoria da qualidade e o acréscimo do número de agentes de ensino, melhorando a sua situação, tornando mais cuidada a sua preparação, criando novas condições e estímulos à sua permanente actualização e aperfeiçoamento, aumentando o sentido da sua responsabilidade, imprimindo o maior prestígio à função docente e rodeando-a de todos os possíveis atractivos.

No parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto do Plano Intercalar de Fomento, há três anos, portanto, preconizou-se já, e sem êxito, a valorização das profissões docentes, por alargamento apropriado dos quadros e reclassificação de categorias.
As estatísticas oficiais ajudam-nos a avaliar quão diferente é o panorama actual do de 1964, e entende-se, por isso, que o parecer da mesma Câmara Corporativa, mas agora sobre o projecto do III Plano de Fomento, tenha sido muito mais expressivo e premente neste capítulo, recordando com inteira verdade e transparente mágoa que uma prolongada passividade tem dominado o que se refere à formação de professores.
Contudo, nos investimentos previstos neste mesmo Plano nenhuma verba se destina à consecução do objectivo que atrás reproduzi, nem à satisfação dos fundados votos da Câmara Corporativa, ficando apenas a alimentar as esperanças dos professores e as de todos nós a afirmação que no relatório se pode ler do que a este assunto se dedicou atenção muito particular no Estatuto da Educação Nacional.
Mais recentemente ainda, as notícias publicadas sobre a Reforma Administrativa deixaram-nos também concluir que o problema em causa irá ser encarado com a profundidade requerida nos seus múltiplos aspectos.
E, enquanto os estudos e os projectos se não transformarem em leis e estas não entrarem na fase prática da execução, o compasso de espera e de esperança que dura há já longos anos continuará por mais algum tempo, não sabemos quanto.
Mas parece ter sido há muito esquecido que a juventude não pode esperar. A juventude passa; passa todos os dias, todas as horas e, enquanto os adultos pensam, estudam, hesitam e demoram as suas decisões, os jovens crescem, transformam-se em homens e no seu carácter aparecem reflectidas todas as carências educacionais que, por erro ou incúria dos adultos, se fizeram sentir nos momentos próprios da sua evolução.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um ano após a publicação do Decreto-Lei n.º 47 311 eu estou ainda mais apreensivo do que à data da sua publicação. Apreensivo pela juventude.
A construção de novos estabelecimentos escolares que a população exige e o III Plano de Fomento tornará possível e a melhoria de condições de acesso ao ensino que aquele diploma permitirá através do desenvolvimento da acção social escolar agravarão a posição da escola face à missão que não pode cumprir enquanto a carreira docente se não tornar aliciante e prestigiada por um conjunto de medidas que se impõe e se aguarda, solicitado ao Governo por esta Assembleia na moção aqui aprovada em 26 de Janeiro próximo passado.
Nem ao menos através do aumento da contribuição obrigatória para a Mocidade Portuguesa (única disposição legal complementar do Decreto-Lei n.º 47 311 até agora publicada) se prevê uma remuneração extra aos professores que têm de orientar as actividades circum-escolares, o que de certo modo confortaria enquanto aguardam a Reforma Administrativa, e não deixaria também de estimular a sua dedicação àquelas actividades.
A dispensa de horas prevista na lei apenas veio criar, por ora, uma disparidade de situações entre os professores do ensino liceal e os do ensino técnico e perturbação nos espíritos, pelos justos reparos a que dá azo.
Temos, assim, na hora que passa, a intervenção do Estado na educação da juventude, encaminhada, quanto aos jovens escolares, quase exclusivamente para uma escola que não tem condições para os educar na extensão e profundidade que a Nação exige e ao Estado compete e, quanto aos jovens não escolares, encaminhada (e apenas por agora na letra da lei) para uma orientação dos Ministérios das Corporações e da Saúde, que ainda não foi definida.
Entretanto, os jovens não esperam, passam e crescem marcados pelos resultados de experiências que fracassaram, pela fragilidade das suas estruturas básicas ou pela falta de consistência no apoio de que careciam.
Vou terminar as minhas considerações com uma referência mais, que entendo não dever omitir.
A circunstância de não estar ainda em vigor no ultramar português o decreto-lei de 12 de Novembro de 1966 permite-nos concluir que nas nossas províncias ultramarinas se promove ainda a formação dos jovens tendo em vista, como se diz nos textos legais vigentes, a devoção à Pátria, no sentido da ordem, no gosto da disciplina, no culto do espírito e dever militar.
Mas na metrópole, onde se forma a maioria dos jovens que virão a constituir as nossas forças armadas e que poderão vir a ter de actuar no ultramar, as preocupações com a educação da juventude são, desde há um ano, diferentes das que orientam a formação da juventude ultramarina e diferentes também, como é óbvio, das que orientavam a formação da juventude metropolitana.
Esta diferença parece-me ter relevante importância na hora presente e ressalta claramente de uma análise objec-

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tiva do novo decreto-lei, em comparação com os textos legais ainda vigentes em Novembro do ano transacto.
Fiz já aqui uma referência a este aspecto da Reforma que deu oportunidade ao Sr. Dr. Soares da Fonseca para, com a sua hábil e bonita retórica, introduzir nas entrelinhas do decreto-lei louváveis intenções que os seus bondosos olhos nele quiseram ver.
Talvez um ano seja ainda prazo curto para se modificarem as nossas divergentes impressões. Aguardemos, pois, e ficarei feliz se me for dada oportunidade de poder concordar com o critério do meu ilustre opositor.
Em qualquer caso, creio que estamos de acordo, e desde o ano passado que a clareza e a afirmação são constantes de qualquer esquema educacional e que um diploma que se toma como básico da intervenção do Estado na educação da juventude não estará conforme, deixando caminhos abertos à interpretação de cada um.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quer nos debates aqui realizados sobre as últimas leis de meios, quer nos que incidiram sobre os dois últimos Planos de Fomento (o último dos quais terminou ontem), esta Câmara, consciente e coerentemente, louvou e apoiou o Governo sempre que este considerou prioritários os encargos com a defesa nacional.
Está igualmente patente, em múltiplas intervenções aqui efectuadas nos últimos anos, o muito apreço e a muita gratidão de todos nós pela notável actuação das nossas forças armadas na luta que vimos mantendo contra o terrorismo e, bem assim, pela colaboração activa e arriscada que àquelas forças tem sido generosamente oferecida, em vários aspectos, pelas populações locais.
Faço estas duas referências para anotar que me parece não poder estar na mente de qualquer de nós a ideia de revogar, no momento presente, as disposições da lei que nesta sala se decretaram em 1936. E penso, por isso, que prestigio e defendo esta Assembleia e ratifico uma vez mais o nosso aplauso à política do Governo, atrás referida, recordando que se mantém vigente a base XI da Lei n.º 1941, que estabelece, textualmente, que à juventude portuguesa deve ser dada uma organização nacional que nela estimule a devoção à Pátria e a coloque em condições de poder concorrer eficazmente para a sua defesa.
Ao dizer-se, pois, no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 47311 que a Mocidade Portuguesa, instituída de harmonia com a Lei n.º 1941, de 11 de Abril, se passa a reger pelas disposições que seguem no restante articulado, não estando estas disposições, efectivamente, de harmonia com a lei referida, estabeleceu-se uma contradição.
E ... hoje creio que pode já dizer-se: qualquer semelhança que exista entre a actual e a antiga Mocidade Portuguesa é pura coincidência!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai iniciar-se a discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas c despesas para 1968.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nunes Barata.

O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A parte VI da proposta da Lei de Meios para 1968 prevê que o Governo dará início, no próximo ano, à execução da Reforma Administrativa, na qual se integrará, além da reestruturação dos quadros do funcionalismo, a realização do inquérito geral sobre a situação dos servidores do Estado.
Tão louváveis propósitos estão na linha do capítulo do projecto do III Plano de Fomento sobre «Sector Público e Reforma Administrativa» e da recente publicação do Decreto-Lei n.º 48 058, de 23 de Novembro, que criou, na Presidência do Conselho, o Secretariado da Reforma Administrativa.
Creio não ser, deste modo, despropositado consagrar a presente intervenção ao importantíssimo problema da Reforma Administrativa.
Sr. Presidente: Um dos traços mais relevantes das sociedades contemporâneas é o seu carácter burocrático.
A proliferação burocrática estende-se aos mais variados sectores de actividade, acentuando-se a separação entre os indivíduos e os instrumentos de produção e administração.
Os ocupados não manuais excediam já em 1967, nos Estados Unidos da América, os assalariados manuais. Em 1961 os empregados de escritório e de comércio representavam, na América do Norte, 21 por cento da população activa, quando, em 1900, não passavam de 7,5 por cento.
Se restringirmos a nossa análise à função pública, propriamente dita, verificaremos o mesmo facto. Necessidades novas ligadas ao ensino, à saúde, à segurança social, etc., deram origem, nos estados modernos, à multiplicação dos serviços. Por outro lado, embora muitos recordem a conhecida Lei de Parkison pelo que revela de humor, é incontestável a sua verdade quando explica a multiplicação dos subordinados na função pública.
Em França, por exemplo, de 1845 a 1936 o número de funcionários públicos mais do que quintuplicou (índice 100 em 1845, índice 533 em 1956). Por outro lado, o número de funcionários públicos por habitante aumentou quatro vezes, conforme se conclui dos seguintes índices:

1866 1956
Funcionários ............. 100 373
População .............. 100 111
Funcionários por habitante .. 100 336

Tal multiplicação conjuga-se ainda com a concentração urbana. A região do Sena, com menos de 12 por cento da população da França, dispunha de 26 por cento do total dos funcionários municipais. Já em 1938, segundo estudos sumários realizados, se concluía que as despesas dos serviços públicos por habitante eram em Paris três vezes superiores às das outras grandes cidades francesas e seis vezes superiores às de um centro mais modesto. Em 1949 os serviços públicos despenderam, por habitante, 25 000 francos em Paris, 8000 em Bordéus e 4000 em Cholet.
É indiscutível acentuar-se, quando considerada globalmente, a supremacia da administração burocrática. A preponderância da moderna tecnologia e dos métodos económicos na produção de riqueza conjuga-se tanto com os sistemas organizados em bases capitalistas como com os de estrutura socialista. A influência da organização burocrática estende-se, conforme acentua Max Weber, do sector militar aos partidos políticos ou, até, à própria Igreja Católica. Não assistimos, por outro lado, ao despertar e à proliferação da chamada «burocracia internacional»? É certo que o processo de expansão desta burocracia internacional revela muita fragilidade e insucesso. A cada momento se verifica que o rendimento dos funcionários internacionais, nomeadamente os servidores do Secreta-

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riado-Geral da O. N. U. e de organizações aparentadas, é baixíssimo. Os orçamentos atingem cifras astronómicas, insusceptíveis de justificarem os benefícios colhidos de tais actuações. No plano sociológico, o funcionário internacional é uma «categoria nova», desenraizado das origens e portador de um «sentido de suficiência» atraiçoado pela fragilidade da organização que serve.
Mas terão ainda oportunidade as constantes de natureza psicológica e sociológica que há anos rodeavam o servidor público?
A maioria dos cargos burocráticos exercia-se por toda a vida, proporcionando a função um máximo de segurança profissional. A inamovibilidade, as pensões, os salários reajustáveis e as promoções regulamentadas destinavam-se, na função pública, a assegurar um desempenho leal dos deveres do cargo, liberto de pressões estranhas. Reconhecia-se residir o mérito da burocracia na sua eficiência técnica, devido à ênfase que dava à precisão, rapidez, controle, continuidade e discrição. A própria estrutura era concebida para eliminar por completo as relações de tipo pessoal e as considerações emocionais (hostilidade, ansiedade, etc.).
Mas também, desde sempre, a burocracia evocava paixão. Para muitos ela era o mundo dos papéis, da lentidão lias decisões, da irresponsabilidade, do arbítrio, da opressão ...
Eis como, em 1940, o Sr. Prof. Oliveira Salazar punha o problema:

Haverá uma espécie de injustiça social, involuntária e ir consciente, neste clamor da opinião pública contra o burocrata?
O burocrata é, no simplismo e também, por vezes, na justeza dos juízos populares, o homem inútil que se compraz em multiplicar as formalidades, encarecer as pretensões, amortalhar em papéis os interesses, embaraçar os problemas com as dúvidas, atrasar as resoluções com os despachos, obscurecer a claridade da justiça em nuvens de textos legais, ouvir mal atento ou desabrido as queixas e as razões do público que são o pão, ou o tempo, ou a fazenda, ou a honra, ou a vida da Nação perante o Estado e a sua justiça; trabalhar pouco, ganhar muito é certo; sem proveito nem utilidade social, parasitàriamente, sorver como esponja o produto do suor e do trabalho do povo.
Estes traços têm caricatura e, infelizmente, aqui e acolá, também retrato.

Na verdade, a luta contra a invasão burocrática, por contraditória que pareça, tem feito parte de todos os programas do Governo ou dos generosos propósitos dos reformadores sociais. Surgem dilemas que se traduzem em opções entre a justiça ou a simplicidade, a equidade ou a eficácia, a unidade ou a fragmentação. Têm ainda aqui lugar questões relacionadas com a produtividade dos serviços; a formação e selecção dos servidores; as remunerações e o mérito.
Sr. Presidente: Também em Portugal se tem acentuado, nas últimas décadas, a presença do Estado na vida social.
As estatísticas revelam que a participação do sector público no produto interno mais o valor acrescentado pelas empresas públicas atingiu, na média de 1961-1964, cerca de 11 por cento. Em igual período o consumo público total foi cerca de 14 por cento da despesa nacional.

O Sr. Júlio Evangelista: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com todo o gosto.

O Sr. Júlio Evangelista: - Tenho estado a acompanhar a intervenção de V. Ex.ª com o interesse que sempre despertam nesta Câmara as suas brilhantes intervenções. E aproveito para inserir, no encalço das considerações de V. Ex.ª, uma nota que reputo da maior importância. A intervenção do Estado vai-se alargando, por toda a parte, a zonas cada vez maiores, o que traz não só restrições às liberdades e direitos individuais, como constrangimentos de vária ordem na esfera privada. O Estado vai, irreversivelmente, alargando os seus tentáculos.
Mas, por isso mesmo, o contraponto da garantia jurisdicional administrativa tem de exercer-se cada vez com mais eficiência e maior independência, para salvaguardar de direitos, liberdades, a fazenda dos cidadãos. Devo acrescentar que o nosso órgão supremo de jurisdição contenciosa se tem imposto à consideração do País - pela independência dos seus julgamentos e competência dos seus juizes. Bom será que tal orientação se acentue e que a Administração vá progredindo no hábito louvável de respeito e acatamento por essa jurisprudência. Só assim poderá assegurar-se um verdadeiro Estado de direito.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª por tão preciosa intervenção. V. Ex.ª verá, no decorrer das minhas considerações, que refiro aspectos implícitos no pensamento que acaba de expressar.
Tal participação do consumo público excede mesmo a de outros países ou regiões com certas afinidades com Portugal. Assim, e para o período de 1961-1964, a percentagem de consumo público na despesa nacional foi de 11,6 por cento na Grécia, 7,9 por cento na Espanha, 13,3 por cento na Itália e 13,5 por cento no conjunto dos países da O. C. D. E.
No relatório do III Plano de Fomento arquiva-se um quadro que permite uma comparação entre a evolução e a posição relativa do sector público e seus subsectores. Trata-se do somatório das despesas correntes, mais a formação bruta de capital fixo, mais os empréstimos concedidos e menos os empréstimos contraídos. Os valores, em milhares de contos, a preços correntes, dizem respeito aos anos de 1953 e 1964 1.

[Ver tabela na Imagem]

Como se vê, acentua-se a predominância da Administração Central - especialmente na C. G. E.- e dá-se um decréscimo no peso relativo da administração local.

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1 Não se incluem as empresas públicas nem os organismos de coordenação económica.

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Os serviços autónomos da Administração Central são hoje mais de 550, se incluirmos os organismos de assistência social.
Quanto aos fundos autónomos, crê-se existirem mais de 25, com estrutura e abrangendo sectores variados.
Os organismos de coordenação económica são 18 e a sua relevância é notória se considerarmos os sectores da sua intervenção (marinha mercante, vinho, azeite, conservas de peixe, resinosos, cortiça, etc.) e o facto de os seus orçamentos representarem cerca de 14 por cento do valor do Orçamento Geral do Estado.
Quanto às empresas públicas, o quadro que reproduzo revela a sua posição relativa nos respectivos sectores de actividade:

[Ver tabela na Imagem]

(a) Total de cada ramo do actividade = 1100.

Fonte: III Plano de Fomento.

Sr. Presidente: Quando se analisam as estruturas da nossa administração central não é difícil pôr em destaque algumas deficiências. São poucos os órgãos de coordenação interministerial; não existem, ao nível dos vários Ministérios, órgãos centrais de planeamento; não se dá conta de serviços destinados à melhoria das técnicas administrativas e racionalização de estruturas; dispersaram-se por vários Ministérios alguns domínios de actuação, com prejuízo para uma desejável eficiência.
Exemplifique-se, quanto ao último ponto, com o que se passa com as políticas de população. Se atendermos à multiplicidade dos organismos que se ocupam dos movimentos artificiais da população e seu emprego - Junta da Emigração (Interior); Negócios Estrangeiros; Comissariado do Desemprego (Obras Públicas), Junta de Colonização Interna (Economia), Serviço Nacional de Emprego (Corporações), Conselho Superior de Fomento Ultramarino e Repartição de Fomento (Ultramar) -, reconheceremos a necessidade de uma coordenação a nível superior ou, ao menos, de uma articulação que evite conflitos positivos ou negativos do competências e atribuições.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não é igualmente impossível sumariar insuficiências nos serviços e fundos autónomos, nos organismos de coordenação económica, nas empresas públicas e na própria administração local autárquica.
Não estão claramente definidas, entre nós, as condições objectivas que justificam a adopção das formas administrativas que regem os fundos e serviços autónomos. Daí as dúvidas quanto à sua oportunidade, acontecendo também uma concorrência de competências com os organismos centralizados.
Os organismos de coordenação económica apresentam situações variáveis o, de um modo geral, não está delimitado, com inteira certeza, o seu campo de acção. Daí conflitos de competências com a Administração Centrai c a organização corporativa. Em matéria de receitas, verifica-se uma concorrência com as autarquias locais, quando não mesmo uma substituição.
Quanto às empresas públicas, é notória a sua excessiva amplitude, sem uma definição de tipos e regimes ajustados a função produtiva que lhes é comum ou à multiplicidade de situações reais. Acresce que o âmbito de controle do Estado é pouco eficaz, a organização do financiamento deficiente e o regime de pessoal inadaptado à sua função económica. Deve salientar-se, quanto às empresas concessionárias e às sociedades de economia mista, que o controlo permitido ao Estado também não se tem exercido como seria de desejar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -Finalmente, os problemas da administração local autárquica podem resumir-se deste modo: inadequação orgânica e técnica para fazer face às suas sempre crescentes atribuições; minimização dos recursos humanos locais - tanto a nível político como funcional -, o que afecta capacidades de concepção e execução; dependência excessiva em relação à Administração Central, com entrave para a solução rápida dos problemas e ancilosamento de um desejável espírito de iniciativa; existência de individualismos regionalistas que obstam a uma solução conjunta dos problemas ou, até, a uma reestruturação da divisão regional do País; insuficiência de recursos financeiros resultante de um sistema fiscal desajustado, filho de um processo de concentração operado em proveito do Estado ou de uma substituição de que beneficiaram, como já salientei, os organismos de coordenação económica.
Mas se desta panorâmica macroscópica descermos às dificuldades declaradas na- estrutura interna dos órgãos da burocracia e suas relações com terceiros, reconheceremos a relevância bem negativa dos seguintes aspectos: espírito rotineiro e formalista; tendência- para a centralização dos poderes de decisão (a que o recente Decreto-Lei n.º 48 059 se veio opor); isolamento em relação ao público; sentido de estrita legalidade, afectando a produtividade; complicação dos textos legislativos e regulamentares; deficientes instalações e equipamento de material; ausência crescente de pessoal qualitativamente adequado.
Sr. Presidente: Assistimos hoje a uma grave minimização da qualidade de funcionário público, em confronto com a situação dos servidores das actividades privadas. Daí um êxodo da função pública, com funestas repercussões na vida política e administrativa da Nação.
Nos anos de 1962 a 1965 foram, por exemplo, exonerados, a seu pedido, 3089 professores primários. Este abandono em massa num sector-chave é bem elucidativo das dificuldades que se vivem e da urgência de medidas tendentes a suplantá-las.
Qual as razões de abandono da função pública? Todos estão de acordo em que se podem concretizar no baixo nível das remunerações, na insuficiência do sistema de segurança social e na falta de estímulo psicológico.
O Governo procurou, com o Decreto-Lei n.º 47 137, de 5 de Agosto de 1966, atenuar uma situação que se mantinha desde 1959, no que respeita ao nível das remunerações. Mas tal solução provisória - só agora considerada para as pensões de aposentação, reforma e invalidez - não mitigou considerável III ente os desníveis entre o acréscimo dos vencimentos e o aumento do custo de vida, por um lado, e entre a diferença dos vencimentos na função pública e os proventos na actividade privada, por outro.

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De igual modo, os benefícios da segurança social entre os funcionários públicos são muito menos significativos do que os esquemas dos sectores privados.
A aposentação e à assistência na tuberculose juntaram-se, nos últimos anos, mas timidamente, benefícios nos domínios da habitação económica e da assistência na doença. Quanto ao abono de família, trata-se de quantitativo tão modesto, na sua uniformidade, que não serve uma política, familiar, nem pesa na economia do respectivo agregado.
A Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado (A. D. S. E.), prevista na Lei de Meios para 1958, só veio a ser constituída em Abril de 1963 (Decreto-Lei n.º 45 002, de 27 de. Abril de 1963). O próprio Governo reconhecia, no preambule.) deste Decreto-Lei n.º 45.002, que «a previdência social, e com ela o seguro doença, introduzidos pelo Estatuto do Trabalho Nacional e cujos princípios tiveram a sua primitiva estruturação na Lei n.º 1884, de 16 de Março de 1936), deixaram em atraso o próprio Estado pelo que respeita à situação dos seus servidores nas eventualidades da doença». Mais: este diploma de Abril de 1963 teve de esperar um ano para ser regulamentado (Decreto n.º 45 688. de 27 de Abril do 1964). E como se dispôs nesse regulamento que a concessão da A. D. S. E, se fazia gradualmente e por zonas, na medida em que as possibilidades de organização e os recursos locais o permitissem, só em Outubro de 1965 se concretizaram os primeiros benefícios. Foi assim necessário esperar oito anos para alguns funcionários passarem a beneficiar de assistência hospitalar em serviço de obstetrícia e cirurgia, geral e especializada, em regime de internamento e ambulatório!
Por outro lado, nos domínios da habitação económica, e não obstante um labor de que são testemunho vários diplomas legislativos (Decretos-Leis n.ºs 23 052, de 23 de Setembro de 1933, 42 951, de 27 de Abril de 1960, 42 977, de 14 de Maio de 1960, etc.), o número de funcionários públicos e administrativos que vivem em más condições de alojamento ou que se sujeitam a rendas desproporcionadas com os seus vencimentos é bem expressivo.
E que dizer da extensão de outros benefícios, como o seguro maternidade, as prestações complementares do abono de família (com subsídios de casamento, nascimento, aleitação e funeral), o seguro do invalidez e em caso de morte? Isto para não falar dos subsídios de férias, das gratificações do fim do ano, das diuturnidades e outras regalias que constituem atractivo para servir as empresas particulares.
Creio ser bem fundada a posição dos que advogam uma maior política de auxílio indirecto aos servidores públicos, concretizada:

1.º No alargamento do esquema efectivo da assistência na doença;
2.º No aperfeiçoamento do regime de. abono de família e alargamento de prestações complementares de subsídios de casamento, nascimento, aleitação e funeral;
3.º No fomento da habitação económica, pela intensificação das providências em vigor e pela adopção de modalidades semelhantes à Lei n.º 2029, de 9 de Abril de 1958, e Decreto-Lei n.º 43 186, de 23 de Setembro de 1960, relativamente a empréstimos para construção, aquisição e beneficiação de moradias;
4.º Na ampliação de medidas de protecção à maternidade e melhoria das condições de família dos servidores públicos nos casos de morte;
5.º No fomento e auxílio de cooperativas, cantinas, farmácias e iniciativas análogas, que redundem em melhorias económicas e benefício do meio social.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Uma ideia deveria ter-se presente: o Estado, tão cioso em exigir as actividades particulares a cumprimento das obrigações destas nos domínios da segurança «social, ganharia mais autoridade se fosse o primeiro a dar o exemplo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Perante esta minimização da função pública, já se tem adiantado a pergunta: porque haverá ainda funcionários dispostos a servir o Estado?
Sem alinhar com os extremistas do pessimismo, já se me afigura realista a resposta dos que catalogam os servidores públicos nos seguintes grupos:

1.º Os que, apesar de tudo, por vocação, estimam a carreira que escolheram;
2.º Os que dispõem de riqueza pessoal que lhes permite saldar as dificuldades dos fracos proventos da função pública;
3.º Os que ao cargo principal acumulam outras funções públicas remuneradas;
4.º Os que, além de funcionários, exercem a profissão liberal ou trabalham em empresas privadas;
5.º Os que- ao vencimento .principal somam, com relativa regularidade, remunerações acessórias a título de gratificações, pagamento de serviços especiais, senhas de presença, ajudas de custo prolongadas, etc.;
6.º Os que ingressam nos serviços recém-criados ou remodelados, com um esquema de remunerações melhorado relativamente as linhas gerais do Decreto-Lei n.º 26 115;
7.º Os que, por falta de saúde, idade avançada ou espírito acomodatício, não podem tentar novos rumos;
8.º Os que, por insuficiência de qualidades ou de habilitações, não encontram quem os solicite.

As funções exercidas cumulativamente significam uma quebra no rendimento do trabalho, um sacrifício das necessidades de convivência familiar, do descanso, da própria cooperação social. Quanto à política de «segurar» determinados funcionários, atribuindo-lhes elevadas gratificações por hipotéticos grupos de trabalho, ou benesses análogas, origina uma desigualdade de tratamento, fonte de injustiças (relativas e propícia a favoritismos inconsistentes.

Vozes: - Muito bem!

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Não obstante o esforço realizado em alguns sectores, o problema das instalações dos, serviços e conveniente dotação de material está longe de ser resolvido. Ora, tudo isto constitui uma base de eficiência, e aquilo que, por vezes, se reputa de grande investimento inicial é, a, breve tempo, recuperado. Uma parte das instalações públicas localiza-se em construções antigas, carecidas da comodidade, higiene e segurança; outra parte, em casas alugadas, de construção recente, que custam anualmente milhares de contos de rendas. Como estas casas se destinavam a habitações, a sua utilização é sempre deficiente ou obriga a onerosas obras de adaptação.
A má organização dos serviços públicos e a adopção de métodos de trabalho antiquados revelam a oportunidade da criação de serviços de «organização e métodos». Trata-se, em suma, de «uma especialidade exercida por pessoal previamente sujeito a formação apropriada, com o objectivo de investigar as condições de melhor eficácia na execução das tarefas administrativas» (Raymoud Goudriault).
Há tempos, em publicação oficial, formulavam-se entre nós as seguintes observações:

Quantas vezes as informações e os pareceres não ficam incompletos por falta do apoio de um ficheiro legislativo, de uma biblioteca especializada, de um registo de despachos doutrinários ou de outra documentação de base? Quantas delongas no andamento dos processos por virtude de formalismos inúteis, de trâmites complicados, de circulação rotineira? Chegou alguma vez a ser estudado, com base em dados concretos, o problema da determinação quantitativa e qualitativa do pessoal e sua distribuição por tarefas?
Dispõem os funcionários dos meios de trabalho indispensáveis, quer em instrumentos mecânicos (máquinas de escrever, máquinas de calcular, máquinas perfuradoras, ciclo e fotocopiadores), quer em simples artigos de expediente? Estão devidamente instruídos no uso desses mecanismos? Os impressos utilizados são do modelo mais racional, de modo a permitir o seu rápido e inequívoco preenchimento? O papel usado na correspondência está normalizado? Quanto tempo se perde nos serviços em busca de processos mal arquivados ou incluídos em arquivos mal organizados?

Também a ausência de uma regulamentação do chamado processo administrativo gracioso constitui, entre nós, deficiência relevante.
No relatório da proposta de Lei de Meios para 1962, onde, de resto, os problemas da Reforma Administrativa foram abordados com algum pormenor, reconhecia-se tal carência. Na verdade, a elaboração de um código de processo administrativo gracioso permitiria, além do mais, assegurar uma maior liberdade aos particulares; garantiria, pela uniformização do formalismo, uma maior eficiência da Administração; não só defenderia a Administração de críticas infundadas, como evitaria o recurso aos tribunais em pedidos de responsabilidade por conduta irregular dos funcionários; asseguraria, finalmente, uma colaboração mais íntima entre a própria Administração e os particulares.
Sr. Presidente: Tem-se falado, entre nós, no «círculo vicioso do subdesenvolvimento administrativo».
Em síntese, o problema formula-se nestes termos:

Quanto menor for a eficiência da Administração, mais pessoal se julga necessário admitir; quanto mais pessoal se admite, mais difícil se torna remunerá-lo
adequadamente; quanto mais insuficientes (em valor absoluto e relativo) forem as remunerações dos funcionários, menos viável será garantir a qualidade destes e o rendimento do seu trabalho; quanto menor for este rendimento, tanto mais baixo resultará o grau de eficiência da Administração.

Quebrar este círculo vicioso significa realizar ousadamente uma «reforma administrativa».
A Reforma Administrativa já foi definida como um «conjunto de providências tendentes a assegurar, de forma permanente e sistemática, a renovação e o aperfeiçoamento da administração pública, no tríplice aspecto do rendimento do factor humano, da estrutura dos serviços e das técnicas do seu funcionamento, tendo em vista a sua melhor adaptação ao prosseguimento dos fins do Estado e às exigências dos processos de transformação social».
A seu propósito têm-se desenvolvido os seguintes comentários:

É uma preocupação generalizada em todos os países, independentemente da forma de governo e do grau de evolução económico-social;
A crescente intervenção do Estado na vida social e o aumento de complexidade das suas funções, tudo torna mais premente a necessidade de reformas;
É condicionada pelas realidades económicas, políticas, sociais, culturais e mentais do país onde se processa, devendo realizar-se gradual e progressivamente
A sua execução torna indispensável a criação de órgãos técnicos permanente especiais e a formação de pessoal correspondente;
O seu sucesso depende do factor humano, reconhecendo-se sempre a oportunidade de uma ajustada preparação de funcionários e de uma generalizada campanha de mentalização que atinja o público em toda a possível extensão.
Sr. Presidente: Seria injustiça afirmar que a Reforma Administrativa não constituiu preocupação entre os responsáveis pela vida pública do País nas últimas décadas.
Assim, das reformas operadas na década de 30, e no seguimento da restauração financeira, destaca-se o Decreto-Lei n.º 26 115, de 23 de Novembro de 1935.
Se nos limitarmos às providências tomadas nos últimos anos, poderemos ordenar os diplomas publicados em dois grupos: tentativas de reforma de estruturas ou práticas administrativas; medidas para melhoria das condições dos servidores públicos.
Sem pretensões exaustivas, ocorre-me, quanto ao primeiro ponto: a criação da Comissão Central de Inquérito e Estudo da Eficiência dos Serviços Públicos (Decreto n.º 38503, de 12 de Novembro de 1951); a criação da Comissão Coordenadora das Publicações do Estado (Decreto-Lei n.º 41 241, de 24 de Agosto de 1957); a revisão e actualização das disposições relativas às aquisições do Estado (Decreto-Lei n.º 41 375, de 19 de Novembro de 1957); a constituição de comissões de simplificação administrativa nos Ministérios civis (resolução do Conselho de Ministros de 18 de Março de 1959); a criação do Secretariado Técnico da Presidência do Conselho (Decreto-Lei n.º 44 652, de 27 de Outubro de 1962, e Decreto-Lei n.º 46 909, de 16 de Março de 1966) ... De resto, preceitos das Leis de Meios para 1958 (artigo 10.º), para 1962 (artigo 26.º) e para 1967 (artigos 20.º e 21.º) e da própria Lei do Plano Intercalar de Fomento (base IX da Lei n.º 2123, de 14 de Dezembro de 1967) manifestaram propósitos de uma reforma mais integral.

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No que respeita à melhoria das condições sociais dos servidores públicos, para lá da actualização das remunerações directas (desde o Decreto-Lei n.º 33 272, de 24 de Novembro de 1943, ao Decreto-Lei n.º 47 137, de 23 de Agosto de 1966), contam-se medidas indirectas de auxílio, nomeadamente: o abono de família (instituído pelo Decreto-Lei n.º 32 698, o qual foi sucessivamente revisto); a regulamentação dos acidentes em serviço (Decreto-Lei n.º 38 523, de 23 de Novembro de 1951); a atribuição aos familiares dos servidores públicos, por morte destes, do direito de receberem o vencimento completo do mês do falecimento e do mós seguinte (Decreto-Lei n.º 42 947, de 27 de Abril de 1960); a possibilidade de acesso à habitação (Decreto-Lei n.º 42 951, de 27 de Abril de 1960); a extensão dos benefícios da assistência na tuberculose aos cônjuges e descendentes a cargo dos servidores públicos (Decreto-Lei n.º 42 953, de 27 de Abril de 1960); e o serviço Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado (A. D. S. E.) (Decreto-Lei n.º 45 512, de 27 de Abril de 1963).
Mas foram os trabalhos preparatórios do III Plano de Fomento que deram origem à constituição, por resolução do Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos, do Grupo de Trabalho para a Reforma Administrativa.
Este Grupo de Trabalho elaborou um útil relatório preliminar que serviu de base aos objectivos e às medidas políticas preconizados a tal propósito no projecto do III Plano de Fomento.
Assim, para lá da finalidade geral de imprimir às estruturas do Estado, aos seus métodos de trabalho e aos instrumentos de actividade uma feição actual e dinâmica que permita aperfeiçoar progressivamente a Administração, concretizam-se nestes termos outros objectivos: maior produtividade dos serviços e organismos públicos; progressiva melhoria das condições económicas e sociais doe servidores; acção formativa junto dos funcionários, tendo em conta as modernas técnicas administrativas; racionalização das áreas de competência dos organismos, de forma a eliminar conflitos de competência, esclarecer as intervenções e simplificar as estruturas; descentralização das atribuições e desconcentração das competências, aproximando os centros de decisão da respectiva execução, libertando os escalões hierárquicos superiores par* o estudo e resolução dos assuntos mais importantes e eliminando o congestionamento e o dispêndio ocasionado nos serviços; melhorias substanciais no tocante ao planeamento, à coordenação, ao apoio técnico e ao contrôle; simplificação dos processos e partes burocráticos; instalação e equipamento convenientes dos serviços; melhoria nas técnicas das relações públicas; revisão e simplificação dos textos legislativos e regulamentares.
Os caminhos a percorrer na reforma da administração pública em Portugal dizem, assim, respeito a três aspectos:

órgãos da reforma;
Factor humano; e
Organização e funcionamento da própria Administração.

Quanto aos órgãos da reforma, para lá da recente criação do Secretariado da Reforma Administrativa - e do seu conveniente funcionamento -, reconhece-se a oportunidade da instituição de núcleos experimentais de «Organização e métodos» nos Ministérios com atribuições de natureza económico-social e nos organismos autónomos e direcções-gerais que ofereçam melhores condições de receptividade.
As políticas relativas ao factor humano deverão preocupar-se com a situação económico-social dos servidores públicos, a sua formação e aperfeiçoamento profissional e o regime jurídico geral.
Como já acentuei, a valorização económico-social dos servidores públicos deve realizar-se através de uma indispensável revisão e um necessário reajustamento nas remunerações directas e, muito particularmente, com o alargamento das regalias indirectas. A revisão das remunerações conjugar-se-á não só com uma reforma do regime geral dos funcionários, como, muito particularmente, com uma reestruturação dos quadros.
Quanto à formação e aperfeiçoamento profissional dos servidores, creio que, para lá de uma atenção imediata a especialistas de «Organização e métodos» e à formação acelerada em sectores muito carecidos, se deverá atender à criação de uma escola nacional de administração pública.
O sistema que tende a transformar a função pública num vasto serviço social de recuperação é extremamente oneroso.
A formação directa do pessoal através de escolas especiais de administração constitui meio para abrir mais justamente o acesso à «alta administração», consagrando ainda estímulo para uma melhoria na técnica da eficácia administrativa.
O desejo de uma renovação nas estruturas administrativas foi objecto de particulares manifestações na França, logo após a segunda grande guerra.
A Escola Nacional de Administração, criada em 1945 neste país, destinou-se a preparar funcionários da administração geral, da administração social e negócios estrangeiros e da administração económica e financeira. No seio da Escola foi criado um segundo curso, reservado aos funcionários em actividade.
Foi ainda nacionalizada a Escola Livre de Ciências Políticas e criados na província institutos de estudos políticos.
Como já aqui acentuei, a própria Espanha criou já há anos um Instituto de Estudos de Administração Local, cujos objectivos se traduziam:

a) Na investigação, estudo, informação, ensino e propaganda dos temas da administração local, em suas implicações de carácter jurídico, administrativo, social, económico e técnico;
b) Na formação e aperfeiçoamento dos administradores e funcionários.

No que respeita à revisão do regime jurídico geral dos servidores públicos, impõe-se a publicação de um novo Estatuto dos Funcionários Civis do Estado e a regulamentação da situação do pessoal assalariado.
Finalmente, as políticas relativas à «organização e funcionamento da Administração» devem imediatamente sintetizar-se nestes pontos: estudos sobre as reformas de estrutura; preparação de um código de processo administrativo gracioso; melhoria das técnicas de relações públicas; definição de critérios relacionados com o equipamento e instalação dos serviços. Sr. Presidente: Cheguei ao termo desta intervenção.
Tem-se escrito que o desenvolvimento económico e a Reforma Administrativa são dois processos que reciprocamente se necessitam e se condicionam.
Sem uma reforma administrativa adequada os planos de desenvolvimento estão condenados ao insucesso, tal como sem um processo dinâmico de desenvolvimento a administração pública fica petrificada.

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Daí o meu voto final: que a .Reforma Administrativa seja uma grande realidade no nosso país, estudada e concretizada em função das exigências do desenvolvimento social e económico de todo o espaço português.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Mário Galo: - Sr. Presidente, prezados colegas: Mal saídos da apreciação de uma importantíssima peça - o projecto do III Plano de Fomento (1968-1973), daquelas peças que podem modelar o futuro económico e social (e político, sem dúvida) de um país, neste caso Portugal -, eis que temos já boje diante de nós outra peca cujo alcance é também muito grande, até porque nela, como nas suas similares anuais, se congregam os traços gerais de uma conduta que é bem a norma tomada como linha de rumo de prévias decisões que as circunstâncias têm permitido sejam respeitadas: temos exactamente diante de nós, para trabalhos adequados, o projecto da Lei de Meios para 1968.
Peça que surge, como acontece todos os anos, plena de indicadores numéricos absolutos e relativos, em âmbitos internacional e nacional, ela é sempre, por isso mesmo, esperada com ansiedade. Mesmo porque, ao lado dos indicadores numéricos, vêm também os comentários que nos ajudam a tomar ou a confirmar conhecimentos sobre a sempre complexa fenomenologia económica e financeira do Mundo, em globo e nos seus agrupamentos mais notáveis, pena sendo que, para confrontações convenientes, sempre de interesse, não se ponham lá indicadores referentes ao próprio acervo de fenómenos económicos e financeiros ocorridos no chamado «bloco de índole socialista retinta».
Sr. Presidente: Nesta minha intervenção de hoje irei tratar de assuntos que considero de interesse - alguns em repetição (que vou receando se torne monótona, sem embargo da importância que os envolve e a que tentarei dar a melhor expressão): «custo de vida e funcionalismo activo e não activo e pensionistas do Montepio»; «formalidades e carga fiscais»; «produtividade das nossas unidades, principalmente industriais e agrícolas, e mercado de capitais»; «pagamentos interterritoriais no espaço português», e «assuntos da nossa regionalização sócio-económica». Com esta série de assuntos, prevaleço-me do que sempre tenho dito: ao tratar-se da apreciação de uma peça pela qual se irá pautar a vida em geral do País, tudo pode ser tratado. Vejamos, então.
Sr. Presidente: Sempre, que se me tem proporcionado o ensejo - em mais ocasiões do que desejaria, valha a verdade -, tenho levantado aqui a minha voz para pedir providências a favor do erguimento do nível de- vida de quem quer que seja, e principalmente o tenho feito quanta aos funcionários públicos, militares a civis, e reformados e pensionistas de qualquer espécie jurídica. E, se me reportei muitas vezes mais ao funcionalismo, activo e reformado, e aos pensionistas, a razão foi sempre (e continua a ser), naturalmente, a dei que tais indivíduos dependem de meras remunerações fixas. Razão superabundante, dada a própria circunstância de o Estado como que estar sempre a impor, a aconselhar ou. de qualquer modo, a sancionar, através de convenções de trabalho, o aumento das remunerações da massa trabalhadora das empresas privadas. Aumentos, estes últimos, que não deixaram, nem deixam, de ser justos, uma vez que não se tem conseguido que, em cima de qualquer de. tais aumentos, os preços se mantenham, u muito menos desçam.
Quando o Sr. Ministro das Finanças outorgou ao funcionalismo activo o seu último aumento de remuneração - a contar de Setembro de 3966 -, todos sabemos que o fez na base de considerações à volta de um custo de vida que de 1958 para 1965, teria aumentado de uns 20 por cento.
De passo se diga que o próprio Sr. Ministro das Finanças foi dizendo nessa altura que qualquer benefício como o que iria ser e foi concedido ao funcionalismo activo seria meramente ilusório se não fossem tomadas providências imediatas que resolvessem alguns problemas que determinam a alta dos preços. É certo que se têm tomado providências nesse sentido, mas, no seu conteúdo geral, as coisas não se modificaram, pois os preços sobem - e não se sabe quando pararão!
Com efeito, vejamos o seguinte quadro, que, para simplificação, reduziremos às posições dos preços no consumidor, nas três principais cidades do País de que há desses índices, em Dezembro de 1960, em Setembro e Dezembro de 1966 e em Setembro de 1967. Teremos (índices rectificados já, com referência a similares quadros, pelo Instituto Nacional de Estatística):

Índices dos preços no consumidor geral (a)

[Ver tabela na Imagem]

(a) Este índice refere-se ao conjunto de alimentarão, vestuário e calçado, habitação, combustíveis e electricidade, higiene e diversos.
Isto é, o aumento avança - e não se pode dizer que seja apenas noutros termos dos índices que não o da alimentação, porquanto o aumento dos índices relativos a alimentação também é notório, acontecendo até que, na cidade de Lisboa, tal aumento foi mais elevado do que o do índice geral: 12,3 pontos no índice do preço da alimentação, contra 11,2 pontos no índice geral.
O receio do Sr. Ministro das Finanças concretizou-se, infelizmente. É que não passou de altamente ilusório o benefício auferido a partir de Setembro de 1966 pelo funcionalismo activo. E, naturalmente, tudo quanto se aplica à desilusão do funcionalismo activo também atinge os reformados o pensionistas do Estado, só com a diferença (pior para estes) de o benefício (mesmo ilusório) ter

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começado há mais tempo para o funcionalismo activo, pois bem se sabe que o aumento de remuneração para reformados e pensionistas só entra em vigor em Janeiro próximo. E que dizer dessa gente do Montepio?
Demais a mais (já o fui dizendo), o Estado consente, pelo menos, o aumento de remunerações aos empregados de empresas privadas, ainda que tal consentimento se diga que assim é por ser inevitável. Aliás, como quer que seja, trata-se de mais um dos motores da elevação dos preços, esta elevação o sendo também das remunerações privadas, e assim sucessivamente! E assim será desde que não sejam contidos os preços.
No próprio preâmbulo da proposta de lei de meios que temos em apreciação o Sr. Ministro das Finanças apresenta um quadro relativo aos índices de tais remunerações (no caso dos salários), quer para o meio rural, quer para a indústria e para os transportes. Esse quadro é o seguinte:

Índices ponderados de salários

[Ver Quadro na Imagem]

Isto é, aqui estamos nós, a um tempo, com três factos inquestionáveis: aumento do custo de vida, que nos últimos nove meses de 1967 (Dezembro de 1966 a Setembro de 1967) subiu em Lisboa tanto como nos anteriores doze meses (Dezembro de 1965 a Dezembro de 1966): aumento de salários agrícolas em proporções também acentuadas (uns 29,7 pontos de 1965 para 1966 e 13,9 pontos só nos primeiros seis meses de 1967) e dos salários na indústria e nos transportes (no caso de Lisboa: 10 pontos de 1965 para 1966 e 9 pontos só nos primeiros seis meses de 1967; no caso do Porto: 16,8 pontos de 1965 para 1966 e 14,8 pontos só nos referidos primeiros seis meses de 1967).
E, então, cabe-me perguntar se a previsão do Sr. Ministro das Finanças do quanto de ilusório haveria no benefício auferido pelo funcionalismo activo a partir de Setembro de 1966 não era, antes, uma profética e aborrecida afirmação? ...
O que também quer dizer que haverá que rever-se o que de provisório se dizia haver no aumento da remuneração de Setembro de 1966 em diante, para se enveredar por um definitivo consentâneo com as realidades. Em força e imediatamente, para nos servirmos de feliz slogan posto em voga pelo Sr. Presidente do Conselho quando se quis responder - e se respondeu - à eclosão do terrorismo em Angola. O funcionalismo que beneficiou da providência melhorante de Setembro de 1966 não pode esperar. Aguarda ansiosamente nova e imediata providência. E, naturalmente, o mesmo acontece com os reformados e pensionistas contemplados pelo recente Decreto n.º 48 039 (que entra em vigor em 1 de Janeiro próximo, ficando com mais razão ainda à espera de providências os pensionistas - como os do Montepio - que nem sequer foram ainda bafejados pelas atenções de quem de direito, o que espero aconteça dentro de muito breve tempo, para, pelo menos, ficarem abrangidos por aumento a partir também de Janeiro próximo.
Sr. Presidente: A alínea a) do artigo 10.º da proposta de lei que temos em apreciação diz que o Governo promoverá, durante o ano de 1968:

Os estudos adequados à unificação dos diplomas tributários, especialmente dos que respeitam à tributação directa e à definição dos princípios fundamentais que disciplinam a actividade tributária do Estado, a acção dos serviços e os direitos e obrigações dos contribuintes e ainda à eliminação de formalidades dispensáveis e a simplificação das técnicas de liquidação e cobrança.

Ora, esta alínea c) do citado artigo 10.º da proposta de agora é a transcrição do artigo 13.º da proposta da Lei de Meios para o corrente ano de 1967. Só que, para 1967, dizia-se que «o Governo procederia aos estudos adequados», enquanto para 1968 diz-se que «o Governo promoverá os estudos adequados». O que quer dizer que a proposta da Lei de Meios para 1967 - que se transformou (com alguma alteração, mas não prejudicando o ponto de vista de que trato) na Lei n.º 2131 - já dizia o que agora só diz. E isso quer dizer também que um ano se passou sem que essa almejada simplificação ou eliminação de formalidades ficasse estudada. Demais a mais. havendo-se dito no preâmbulo da proposta para 1967:

Em 1958, ao iniciar a reforma da tributação directa, logo o Governo esclareceu que os diplomas a publicar correspondiam a uma 1.ª fase da reforma, a qual deveria prosseguir oportunamente quando, depois de postos à prova esses diplomas durante alguns anos de aplicação prática, se afigurasse conveniente reunir num único código a regulamentação legal dos diversos impostos.

Mais de três anos decorridos sobre a entrada em vigor dos principais diplomas que constituem a reforma, parece chegado o momento de iniciar a execução do programa traçado, dando um novo passo no sentido do objectivo final, então definido, de um imposto único sobre o rendimento, pelo que se propõe o Governo promover a conclusão dos estudos, já iniciados no ano corrente (1966). visando a oportuna publicação de um diploma em que deverá conter-se a disciplina jurídica dos actuais impostos sobre o rendimento.

Atendendo ao estado de relativo adiantamento em que se encontram os trabalhos preparatórios do respectivo projecto, é intuito do Governo promover, logo

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que possível, a publicação do Código dos Impostos sobre o Rendimento, para o que desde já se solicita, a necessária autorização.

Ora, a autorização foi dada em 1906 para ter força de lei em 1967 - mas agora, em 1967, reeditam-se as mesmas considerações de texto de lei para ter força em 1968.
Isto é, todo o complexo do actual sistema de impostos directos (que, diga-se desde já, em matéria de contribuição industrial tem estado a refinar quanto, principalmente, ao assunto das amortizações, pois as exigências têm aumentado enormemente) volta a ter a promessa de uma revisão, que de tal maneira se torna imperativa que o próprio Governo reconhece a sua necessidade. Só que mais um ano se passou em regime de promessa. Bom será que não vá acontecendo com isto o que aconteceu com o fartamente anunciado «Balanço do Estado», falado em propostas anteriores, e que o Sr. Ministro das Finanças (ao tempo o Sr. Prof. Pinto Barbosa) acabou, pura e simplesmente, por retirar dos cuidados governamentais, pôr não se ter encontrado meio de o fazer surgir a lume!
Que a simplificação dos trabalhos fiscais assume necessidade premente, eis que o referem queixas que estou constantemente a ouvir. Não queixas contra funcionários de quaisquer escalões, uma vez que, é certo, os queixosos apreciam a boa vontade do funcionalismo, só detestam as formalidades enormes, complicadas em extremo, que têm de cumprir - e que vão cumprindo sem nunca terem a certeza de que se cumpriu o preciso. Como já tive ocasião de o dizer nesta Casa da Representação Nacional, contribuintes há que passaram a pagar várias vezes o que pagavam antes da entrada em vigor dos actuais códigos, ao mesmo tempo que tiveram ou têm de recrutar pessoal novo para o cumprimento das formalidades. O que tudo isso elevou os seus encargos ligados às contribuições para muito mais, ao mesmo tempo que lhes retirou a tranquilidade, aquela tranquilidade que todos gostam de gozar quando sabem ou julgam saber que cumpriram as suas obrigações fiscais.
E de passo se dirá que é uma necessidade incluir-se a contribuição industrial nos chamados «custos dos exercícios» para efeitos tributários. Pois se é um dos elementos com que os industriais contam para a formação dos custos de produção conducentes à formação dos preços de venda! Necessidade cuja satisfação se pede que o Sr. Ministro das Finanças considere como ponto de impetrante estudo.
Sr. Presidente: Naturalmente, concorda-se em pleno com o Sr. Ministro das Finanças quando, no texto preambular da sua proposta de agora, afirma que «a elevação dos salários deverá prosseguir, diminuindo paralelamente a disparidade entre os níveis de remuneração em Portugal e nos países mais industrializados da Europa ocidental».
E também concordamos com a observação ministerial de que «haverá que, não só rever os processos de produção, aumentando decisivamente a sua produtividade, em particular no sector agrícola, mas também prosseguir na realização de investimentos que possibilitem uma mais ampla utilização de recursos».
Concorda-se ainda com a afirmação, posta no mesmo preâmbulo, de que a situação do mercado do trabalho terá revelado apreciável melhoria recentemente, uma vez que se. estará a verificar afrouxamento no fluxo emigratório, a par do retorno de emigrantes devido à quebra da actividade económica ocorrida naqueles países da Europa, ocidental que são tradicionalmente recipiendários dos nossos emigrantes, e também devido à melhoria dos salários pagos em Portugal.
Ora, em boa verdade, ainda que os nossos salários profissionais da indústria, crescendo, se encaminhem para o nível dos salários pagos nos países mais industrializados da Europa ocidental, quando estes os não aumentam também, não deixa de registar-se aqui que essa diferença é ainda muito grande.
E quanto a isso de se reverem «os processos de produção, aumentando decisivamente a sua produtividade, em particular no sector agrícola, mas também prosseguir na realização de investimentos que possibilitem uma mais ampla utilização de recursos», a verdade é que a nossa indústria não desejará outra coisa, ponto sendo que à sua disposição sejam colocados avultados capitais de origem nacional e ou externa com que possam promover-se os competentes investimentos científicos e tecno-lógico-instrumentais, comportando quase sempre a substituição integral de unidades existentes por outras novas, não raro acontecendo que as unidades existentes, e que seriam substituídas, não estão ainda completamente amortizadas ou reintegradas, e de passo se diga uma- palavra de louvor pela inclusão, na proposta de lei que estamos a apreciar, da alínea c) do artigo 8.º, que preceitua uma. aceleração do regime de reintegrações e amortizações previstas no 11.º 7 do artigo 26.º do Código da Contribuição Industrial, já que dessa aceleração resultará ficar a indústria com menor massa colectável por aquela contribuição, constituindo tal providência um real fortalecimento, ainda que de muito mais precise, só sendo pena que não se torne retroactiva a providência até ao tempo em que amortizações e reintegrações reduzidas foram impostas pelo referido Código.
E que, nestes casos de reorganização industrial, no campo científico e tecnológico-instrumental, com a substituição integral, ou quase, de toda a unidade instalada, acontecerá que a nova unidade ficará com duas taxas de amortização ou reintegração a pesarem nos custos da produção, podendo acontecer até que essa unidade, a desaparecer, não esteja ainda paga ao fornecedor em maior ou menor parte. O que, bem vistas as coisas, equivalerá a ficar a indústria visada em más condições concorrenciais, uma vez que, se não tiver à sua disposição capitais amplos e fáceis, acontecerá que a veremos enveredar por maus caminhos, como sejam os de promoverem algumas fábricas vendas a preços baixos, artificialmente competitivos e conducentes à incompatibilidade económica.
E com isto desejarei chamar a atenção do Sr. Ministro das Finanças para serem de vez tomadas providências no sentido da reactivação natural do mercado nacional de capitais, até porque, mesmo quanto a movimentações activas de capitais de estabelecimentos de crédito não puramente privados, as coisas mostram-se difíceis e demoradas, com o sentimento em que se fica de que nem nesses estabelecimentos o respectivo mercado está activado ou há mesmo falta de disponibilidades. E então não seria desacertado que fosse feita uma abertura racional ao crédito externo a nível de Estado ou da nossa indústria privada - no primeiro caso, inclusivamente, se destinando o crédito às obras de infra-estrutura, revertendo as disponibilidades que o Estado a elas destinasse dos seus próprios meios para empréstimos de qualquer espécie a esses estabelecimentos de crédito, que, por sua vez. poriam o respectivo capital mutuado ao alcance da iniciativa privada.
São, com efeito, necessários avultados capitais, porque é bastante precisa uma profunda reorganização do nosso

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parque industrial, sem o que, na verdade, se terá feito muita literatura, mas pouca aritmética ..., como diria Shakespeare. Muita literatura e pouca aritmética quanto às necessidades de reapetrechamento ou reconversão industrial, para nos pormos à altura das circunstâncias que mais convêm ao País. E até lá fora, no caso dos nossos parceiros na E. F. T. A. - os mais directamente investigadores destas coisas da nossa economia (dado, mesmo, o tratamento especial que nos é consentido na Convenção de Estocolmo) -, poderão fazer reparo nisto de não activação do nosso mercado de capitais, principalmente se se sabe que temos reservas em ouro e divisas estrangeiras, que se duo no seguinte quadro comparativo:

Ouro e divisas estrangeiras em Agosto de 1967 (a)

[Ver tabela na Imagem]

(a) Não contando, pois, com a reserva disponível no F. M. I.

Fontes: O. N. U.

Ora, um quadro destes, conjugado com o das importações totais feitas em um ano por cada um dos países indicados, diz-nos que, se não houvesse exportação, o ouro e as divisas estrangeiras que constituem o activo seu dariam para, tomando a importação de 1966:

[Ver tabela na Imagem]

Fontes básicas: O. N. U.

Tirando, pois, a Suíça, cuja situação é, mesmo assim, de índole especial, todos os demais países da E. F. T. A. ficam muito longe do bom indicador relativo de Portugal. Indicador bom no sentido de valores em activo.
E isto me leva a perguntar - fazendo-me, aliás, eco do que se vê na revista especializada de Luanda Actualidade Económica de 18 de Outubro último, revista de que é director o Sr. Dr. Fernando de Sá Viana Rebelo - se não seria de interesse adoptar-se uma política sistematizada do recurso ao crédito externo para um aceleramento rápido (para aqui vem o slogan feliz: «Em força e ràpidamente!») da nossa adequação industrial e agrícola às circunstâncias que inclusivamente promanariam de boa integração nossa na E. F. T. A., cuja, agressividade concorrencial é por de mais poderosa?
Até porque sabemos que o activo português em ouro e divisas estrangeiras tem já expressão elevada há muitos anos, como no-lo pode mostrar o seguinte quadro de indicadores, sempre em crescendo:

Ouro e divísas estrangeiras em poder de Portugal

[Ver tabela na Imagem]

Realmente, retomando o fio das considerações, a indústria nacional não deixará de se pôr à altura em processos de produção e em aumento de produtividade, ponto sendo que lhe sejam postos ao alcance os capitais necessários, em quantidade e em condições que lhe permitam tomar posições no concerto industrial da Europa ocidental. As tais posições que os demais países indicados e outros já lá tomaram há dezenas e dezenas de anos!
Sr. Presidente: É evidente que ninguém pode contestar a decidida ajuda que a metrópole está a dar ao ultramar, ajuda de todos os pontos de vista, que não apenas a decorrente da presença de forças armadas. Aliás, quanto ao caso das forças armadas, nem se pode dizer que seja uma ajuda que a metrópole faz ao ultramar, senão que é Portugal que se ajuda, defendendo-se de ataques vindos do exterior.
Porém, noutros capítulos, seria um nunca acabar a descrição dos auxílios que a metrópole tem feito ao ultramar, naquele decidido jeito que veio a dar forma aos próprios movimentos de uma integração económica do espaço português. Supomos, até, que temos sido generosos, os de cá da metrópole, ao ponto de promovermos motivos de desenvolvimento económico nas províncias ultramarinas, fazendo-os sair da metrópole.
No próprio comércio interterritorial, bem sabemos que temos facilitado ao ultramar, principalmente, pelo seu vulto, a Angola e Moçambique, uma vida de intercâmbio em que a metrópole não vê compensação quanto ao adequado pagamento (adequado, principalmente do ponto de vista do tempo) das mercadorias que vão da metrópole. Naturalmente, todos sabemos que Angola e Moçambique não desejam comprar mercadorias metropolitanas com o fito deliberado de não promoverem o pagamento nas devidas condições. Só que, em boa verdade, os mecanismos dos pagamentos competentes, no âmbito da legislação nuclear e derivada da integração económica do espaço português, não têm funcionado por forma que os exportadores metropolitanos se vejam reembolsados das mercadorias enviadas.
Naturalmente, muitos exportadores metropolitanos podem dispensar os seus capitais de reembolso, investindo em Angola e em Moçambique, quer em empresas industriais e comerciais, quer em bancos - outros, porém, não podem fazê-lo, urgindo, então, que tudo se faça no sentido

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de as coisas, se processarem segundo as boas normas de comércio, a regra de ouro sendo: fornecimento de mercadorias contra o seu pagamento, nas condições acordadas em contrato amplo ou em mera factura. Na minha condição de director de um grémio, coube-me responder a um inquérito da Corporação da Indústria, feito com o objectivo de tomar achegas para uma «Conferência de Mesa Redonda sobre Problemas da Indústria no Espaço Português», em Luanda - conferência entre industriais de Angola, Moçambique e da metrópole. Transcrevo para aqui a resposta exactamente a uma pergunta que envolvia a questão dos pagamentos interterritoriais:

Trata-se de um problema, que tem características gémeas das do celebrado problema da «quadratura do círculo» - este quando considerado nos tempos «clássicos», já que, ao que se diz, foi encontrada a solução há uns meses ... Bom sinal, se a ele comparamos o dos pagamentos interterritoriais. E há que o nosso Governo Central tomar as devidas e urgentes providências, que não nos parece, serão preenchidas pela recente outorga de potencial (chamada de capital pelo Fundo Monetário da Zona do Escudo - 500 000 e 100 000 contos, respectivamente para Angola e Moçambique, acrescido, o potencial, quanto a Angola, pelo empréstimo que a esta província fez a Companhia de Diamantes de outros 500000 contos). A verdade é que, de 1537,6 milhares de contos. A posição devedora, cumulativa das duas províncias (para falarmos apenas destas) e posição credora cumulativa de metrópole de 1293.5 milhares de contos, no ano de 1965, passou-se, já em 1966, para uma posição devedora das mesmas províncias da 2214,2 milhares de contos, e credora cumulativa da metrópole de 2001,2 milhares de contos. Não nos parece que os indicadores para soluções, adequadas possam surgir a nível diferente do de peritos- nessas questões (que o digam os «10 sábios» nas suas tarefas para o Fundo Monetário Internacional ...) - peritos que poderão ser nacionais ou não (naturalmente em conjunto uns com os outros), tomando-se para exemplo a própria colaboração que peritos estrangeiros deram aos portugueses quanto a certas linhas mestras do III Plano de Fomento, caso que foi tornado público durante a entrevista que ao Diário de Noticias de 25 de Outubro indo concedeu o Sr. Ministro de Estado da Presidência, Doutor Mota Veiga.

Bem sabemos que, em Setembro, o Governo deu à folha oficial outras providências no sentido de melhorar o mecanismo e o conteúdo das relações interterritoriais em matéria de transacções e seus pagamentos. Sinto, porém, que só com um estudo por peritos na forma que fico a indicada - peritos nacionais e estrangeiros de reputada craveira - é que poderá promover-se a série de providências de estrutura que possibilitem a eliminação do desagradável estado de coisas (que já se transforma em estado de espírito) que tem comandado as relações comércio-pagamento entre a metrópole e, principalmente, Angola.
Se é verdade que, em matéria de defesa dos nossos territórios nacionais e noutras matérias de política condutora, não esperamos nem pedimos cooperação de ninguém, já o mesmo não penso quando se trata de colaboração técnica especializada. Aliás, bem sabemos que a O. C. D. E. tem gente a trabalhar para nós em vários sectores, ou a poder fazê-lo, sendo que os domínios principais de assistência técnica da Organização quanto a Portugal se diversificam como segue: programação do desenvolvimento económico; desenvolvimento industriar, desenvolvimento agrícola; desenvolvimento do ensino; mão-de-obra, e desenvolvimento do turismo. De resto, mesmo fora da O. O. D. E., podemos encontrar peritos que nos ajudem a encontrar as linhas mestras (que ainda não encontrámos) de solução para o problema dos pagamentos interterritoriais. Ë, afinal, o que cada um de nós faz na própria vida corrente - ou não é? Não se poda deixar prolongar por anais tempo uma situação que está a levar a- aborrecimentos entre uns e outros escusadamente, numa altura em que toda a calma e toda a cooperação são precisas para defesa de qualquer porção ou espécie de património nacional.
Sr. Presidente: Confesso que me considero grandemente acabrunhado com o caso das nossas estatísticas, quer na quantidade imediatamente útil - pois já não desejaria que aparecessem em profusão, que, muito embora não deixando de ter a sua. utilidade a título mais remoto, sem dúvida, poderiam prejudicar no seu surto as de imediato interesse-, quer na própria- qualidade ou, antes, versatilidade útil, principalmente para os efeitos de comparação das nossas coisas com o que vai pelo mundo fora, quer ainda no atempado das competentes emissões, já que muitos dos volumes que o nosso Instituto Nacional de Estatística lança na publicidade corrente, e que se referirão a 1966, ainda os não temos disponíveis. É o nesta é que muito do conteúdo das nossas estatísticas teria tido consulta aturada por qualquer Deputado e por qualquer outro observador de fora da Representação Nacional quando aqui se desenvolveu o debate do projecto do III Plano de Fomento, e mesmo agora, durante a apreciação da proposta da Lei de Meios para 1968.
Escusado será dizer-se que à frente do nosso Instituto Nacional de Estatística está uma individualidade que justamente goza de prestígio internacional; e acontece que o Instituto Nacional de Estatística não se furta a proporcionar a quem de direito (e lho peça) indicadores que ainda aguardam a emissão dos respectivos volumes. Sei disso perfeitamente, pois não raro tenho recorrido aos seus serviços a nível corporativo, aliás, sempre com agrado e encontrando a mais decidida- boa vontade, quer do Instituto, em geral, quer do seu ilustre director, em especial.
Naturalmente, porém, isto não chega, necessário se tornando que todo o processo de reorganização dos nossos serviços estatísticos seja acelerado. E bem acelerado, até porque nunca me cansarei de dizer que todos os recursos devem ser dados ao Instituto Nacional de Estatística no sentido dessa reorganização, mas uma reorganização que não venha a perder-se pelo tempo que leva, pelo tempo que está a levar. Não menos necessário se torna que os esquemas da reorganização não fiquem obsoletos por meras demoras havidas nas competentes concretizações. Até porque, quando surgirem novas necessidades estatísticas, impetrantes de outros esquemas, os actualmente em vias de estudo e execução devem fornecer pontos de interesse no entrosamento das respectivas linhas mestras, tornando facilitada a operação, já que não serão as coisas incompletas ou mal acabadas de começar que poderão dar-se àquele entrosamento com o que vier de novo.
Além do que, a falta ou o não atempado das nossas estatísticas comprometem os quadros de apreciação -quantitativa e qualitativa, absoluta e relativa - dos inúmeros quadros mandados publicar por organizações internacionais a que pertencemos mais especificamente - como é o casa da O. C. D. E. e da E. F. T. A. -, em que muitos quadros significativos são omissos quanto aos nos-

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sós indicadores, e muitas vezes aparecem lá segundo estimativas dos secretariados daquelas organizações.
Ainda há dias tive de debruçar-me sobre dois volumes emitidos pela O. C. D. E. -Les Marchés de Capitaux (Rapport Général e Annexe Statistique) -, volumes que nos falam pormenorizadamente da expansão económica da zona da O. C. D. E. do ponto de vista das discussões monetárias a nível internacional. As matérias versadas são: necessidades de financiamento; formação da poupança; funcionamento dos mercados financeiros nacionais; formação interior de capital; operações financeiras e operações não financeiras, e análise do sistema financeiro.
Ora, em cerca de duas centenas de quadros constantes desses dois volumes, Portugal aparece em apenas uns oito! - coisa arreliante, se quisermos formar comparações de movimentos! E o mais arreliante ainda é que os membros dos grupos de peritos, efectivos e suplentes, encarregados desses estudos - tudo pessoas da O. C. D. E. - são de nacionalidades diversas, mas não aparecendo lá nenhum português, o que não abona nada a favor dos nossos técnicos da especialidade, que os temos por cá, e bons. Só que não são «impostos» para tais .estudos, em que intervieram alemães, austríacos, belgas, dinamarqueses, espanhóis, franceses, gregos, holandeses, ingleses, italianos, japoneses, norte-americanos, noruegueses, suecos e suíços!
Mas, voltando ao caso das nossas estatísticas, desejo pedir ao Sr. Ministro das Finanças que promova uma «dotação» forte e urgente a favor do Instituto Nacional de Estatística, dada a característica que, pela recente reforma, lhe está cometida quanto a abranger todo o espaço português. Se me é permitido, direi mais uma vez: não nos podemos dar ao luxo de não termos estatísticas amplas e atempadas!
Sr. Presidente: Na alínea c) do artigo 16.º da proposta de lei diz-se que, em matéria de política de investimentos, o Governo dedicará a sua atenção a empreendimentos destinados à valorização local e à elevação do nível de vida das respectivas populações.
Por ocasião dos debates sobre o III Plano de Fomento tive ocasião de promover algumas considerações acerca da necessidade de serem extirpadas disparidades económico-sociais entre as várias regiões do País. Os números que mo foi dado apresentar em achega aos apresentados no projecto parece-me que foram suficientes para se mostrarem os inconvenientes dessas disparidades, a par da referida necessidade da sua extirpação, o que me leva a considerar que será um tanto utópica a. pretensão de se elevar o nível de vida das populações de tal carecidas sem II implantação de indústrias com boa localização, para crescimento das próprias actividades primárias e terciárias. ao amparo de uma interconexão louvável de esforços de interesse mútuo, pondo-se fim a preferências territoriais duvidosas e a actividades agrícolas restringidas nos seus «anseios» em si por regime t abo indesejável e na sua integração vertical. Fora de uma boa distribuição de unidades de produção agrícola e industrial, não se vê como se possa elevar apreciavelmente o nível de vida de terras que esperam, que o Governo e a iniciativa privada as considerem dignas da sua atenção.
Assim, aprovarei tudo quanto se faça no sentido do erguimento geral - erguimento económico e social - de regiões, algumas delas roçando por marginalidades de vida que verdadeiramente confrangem - e que é preciso fazer cessar -. considerando transcrito para aqui tudo quanto tive a honra de dizer a tal respeito durante o debate do II Plano de Fomento.
Sr. Presidente: Tenho a honra de aprovar a proposta da Lei de Meios para 1968 na sua generalidade, mas desejando ver integrado nela tudo quanto pudesse representar novos benefícios quanto à remuneração dos funcionários activos e não activos e dos pensionistas do Montepio - quanto ao funcionalismo não activo não obstante a recente outorga de aumento; que a contribuição industrial seja considerada «custo de exercício» e se simplifiquem de vez as formalidades fiscais; que se formulem providências que reactivem o mercado de capitais entre nós, mesmo com o recurso ao crédito externo; que se dê ao estudo de peritos, nacionais e estrangeiros, de reputação firme, o caso da solução imperiosa do mecanismo dos pagamentos interterritoriais do Estado Português; que se outorguem fortes e urgentes meios de actuação ao nosso Instituto Nacional de Estatística, e, que tudo se faça no sentido das melhorias económico-sociais das regiões carecidas delas.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Augusto Simões:-Sr. Presidente: Um novo ano se aproxima, o que torna necessário, segundo a lei fundamental, que ao Estado se concedam os poderes para cobrar as receitas e satisfazer as despesas do País, continuando a vida nacional, que não pode sofrer paragens ou atardamentos na primordial obrigação de sobrevivência que se nos impõe.
Ainda no ano próximo ocuparão a escala cimeira das despesas os encargos com a defesa nacional, designadamente os que visam à salvaguarda da integridade territorial, segundo se propõe na base IV da proposta de lei que contém os princípios de autorização dos meios para esse período.
Não podia o Governo proceder de forma diferente e relegar para qualquer outro plano a satisfação das despesas que se apresentam como essenciais e irrecusáveis si plena consciência da Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Efectivamente, Sr. Presidente, pesa-nos menos que tenhamos de inverter os nossos recursos na defesa da integridade da Pátria do que nos magoam as razões que nos obrigam a ter de fazê-lo como preocupação dominante.
E que os Portugueses nunca - perderam o sentido das suas responsabilidades como valiosos elementos da família - humana, na formação e convívio dela, dentro dos nobres esquemas da civilização cristã.
Assim, por verdadeira e sobrenatural premonição, pudemos construir o nosso próprio lar europeu e dilatá-lo depois pelas sete partidas, «em perigos e guerras esforçadas, e em muito mais do que permitia a força humana», sempre ao serviço dos princípios da grande fraternidade social ensinada por Cristo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Afirmámo-nos, então, como elementos muito valiosos entre os povos civilizadores do Mundo e temos multiplicado ao longo dos nossos séculos de vida os exemplos de honradez e dignidade no convívio internacional.
Mas a ambição de hegemonia acabou por conduzir os povos ao desvario e, então, talvez por castigo providen-

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ciai, e à semelhança da danação de outrora, em que lhes foram confundidas as linguagens, os homens vêem agora os seus sentimentos confundidos, e por tal forma que a paz tanto significa aqui fraternidade e compreensão como reflecte além genocídio, miséria e dor!
Veio daqui a subversão dos valores éticos tradicionais, e então membros poderosos, ou havidos como tais, do convívio mundial começaram a trair ostensivamente as suas ancestrais obrigações, comprometendo fraudulentamente a posição própria e até a alheia! ...
A desmedida ambição, vestida das mais variadas roupagens, acrescentou novos vocábulos à linguagem dos povos, ensinando muitos a balbuciarem os de «autodeterminação» e «anticolonialismo», como representando panaceias para a liberdade e felicidade edénicas! ...
Entontecidos por essas mefistofélicas miragens, esqueceram os povos africanos, por exemplo, muito do que deviam aos primados da civilização cristã, que a muitos havíamos ensinado e com todos praticado! ...
E começaram a guerrear-nos! ...
Emergiu, então, para todos os portugueses das gerações do presente a obrigação de dar testemunho ao mundo de que as virtudes dos portugueses do passado, floridas e refloridas no continente africano, permaneciam com a mesma gama de valor com que os de antanho as possuíram e cultivaram. E, louvado Deus, esse testemunho tem sido dado com reiterada e valiosa frequência! ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Generosa e abnegadamente, a juventude portuguesa começou a seguir as rotas do sacrifício, oferecendo ao sagrado princípio da integridade da Pátria tudo o que ele lhe tem exigido, não lhe regateando sequer a própria vida! ... Luta e vence com inegável honra! ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tal como outrora, passamos assim a dar ao mundo a lição de dignidade de que ele se esquecera, e os povos foram forçados a reconsiderar que os Portugueses, com serem menos do que aqueles que os hostilizam, não constituem um povo que se possa esmagar por qualquer forma de eliminação.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mais consciencializados do grande crime de lesa-humanidade em que têm andado empenhados, ao procurarem contrariar as raízes históricas e os elementos essenciais que nos criaram como nação civilizada, alguns dos povos chamados «grandes» começaram a orientar as suas bússolas de governo em outros rumos. Todavia, ainda sacrificam, ou à vaidade, ou à ambição, a realidade étnico-político-social que a Nação Portuguesa representa como povo uno e naturalmente amalgamado nos mesmos sentimentos de nacionalidade, a despeito da multirracialidade das suas gentes e pluricontinentalismo dos seus territórios! ...
Daqui que tenhamos ainda de continuar a preocuparmo-nos, principalmente, com a defesa da integridade do nosso vasto património territorial, destinando-lhe a primazia dos nossos recursos, que tanto desejaríamos investir, com igualdade, em outros vastos sectores que procuram o fomento do bem-estar e melhoramento da grei! ...
Temos contas a prestar aos vindouros pelo que fizermos ou não fizermos em prol da Pátria, nós, os que pela fatalidade do destino somos forcados a pagar de pronto o elevado preço de esmagar as cobiças alheias, para que eles recebam íntegro o património comum.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por tudo isto, Sr. Presidente, e antes de mais, o meu vivo aplauso à prioridade que o Governo propõe para as despesas da defesa nacional.
Mas temos de pensar na obtenção de recursos de que se tem de dispor para II cobertura das numerosas somas a que ascendem as grandes despesas que o Estado tem necessariamente de fazer, não só com a defesa nacional, mas nos restantes sectores da vida da Nação.
Eu não sou economista, nem perito em finanças, por consequência não pretendo apresentar programações específicas.
Quero tão-só deixar aqui u meu depoimento objectivo sobre alguns problemas que, ligados à minha formação de homem rural, mais me afligem.
Pertenço, Sr. Presidente, à região central do País, ao distrito de Coimbra, onde há muito vivemos as grandes incertezas da falta da conveniente industrialização e também as emergentes de uma agricultura comprometida e rotineira, assente nas precariedades da policultura minifundiária.
Porque não têm podido contar com o suficiente rendimento dos nossos agros, nem com a desejada ocupação nas inexistentes indústrias, as gentes da grande vastidão rural do meu distrito são propensas à emigração, tanto para os grandes centros urbanos de Lisboa e do Porto - principalmente para os daquele - como ainda para os fantasiosos eldorados do estrangeiro!
As nossas vilas e aldeias vemo-las empobrecer cada vez mais por falta de braços e, concomitantemente, pela falta de condições de fixação das suas gentes!
Atravessamos, assim, um oceano de dificuldades, que nunca será demasiado evidenciar.
Despovoadas as aldeias e as vilas dos seus melhores valores humanos, ficam-nos os velhos de ambos bs sexos e os muito mais novos para todos os misteres que é necessário fazer, para que a vida se não extinga de todo! ...
Mas estes, os jovens, são valores com que só transitoriamente se pode contar, isto é, enquanto não adquirem uma pseudomaturidade, que chegará cada vez com mais precocidade!
Os braços desses jovens, porém, nunca mais volverão à terra!
Chamados ao cumprimento dos seus deveres militares, começam assim o seu absentismo rural, que completam quando, quites com a Pátria, se encaminham para a vida mais fácil da urbe, ou para longe do torrão natal, ao serviço das economias estrangeiras.
São regras a que se não conhecem excepções em número suficiente para as invalidar.
Pelo império deste êxodo, as economias agrícolas do meu distrito estão sem servidores, e por isso submetidas às mais duras provações.
Tem de aproveitar-se toda a mão-de-obra que aparece, sem curar de saber da sua qualidade laborativa e dos preços por que a mesma se tem de pagar.
A dor de ver os campos incultos e aparecerem com os silvados ou com o matagal a flagelar as árvores e as cepas, a que tão entranhadamente se quer, não consente cálculos de produtividade económica ao pequeno lavrador, que, podendo ou não, tudo tem tentado para se libertar do sofrimento que tanto o aflige.
E cultivando, cultivando sempre, cada vez com maiores dificuldades, vai empobrecendo gradativamente a sua vida

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económica, porque não logra do granjeio das leiras o suficiente para os crescentes encargos que tem de suportar! ...
Já é um estafado lugar-comum a afirmação de que tudo quanto a lavoura compra, desde a mão-de-obra aos adubos, desde os desinfectantes aos utensílios agrários, aumentou consideravelmente de preço; todavia, o que a mesma lavoura vende em muito pouco, ou quase nada, se valorizou.
Para essa estagnada situação muito contribuem também as figuras sinistras dos intermediários, que, prevalecendo-se das dificuldades e das necessidades prementes da lavoura, e da falta ou insuficiência dos seus organismos representativos, ainda mais aviltam os preços dos produtos agrícolas na origem para os venderem depois nos mercados urbanos com lucros avantajadamente pingues! ...
Por outro lado, as receitas provindas dos produtos florestais, em que tem residido a fonte mais importante das receitas das economias agrárias da maior parte do distrito de Coimbra, também estão seriamente comprometidas pelo actual condicionalismo, que se me afigura afectar desfavoravelmente o património florestal dos particulares em todo o País.
Na verdade, se os preços das incisões para as resinagens dos pinhais experimentaram uma baixa muito sensível em relação àqueles que ainda há pouco eram praticados, as próprias resinagens estão agora mais difíceis, porque falta o pessoal especializado para as executar.
Depois, os preços das madeiras de pinho e de eucalipto, serradas ou em toros, deixaram de ser compensadores como o eram noutros tempos, tendo baixado substancialmente.
Na verdade, a despeito de ter aumentado muito o consumo desta última espécie de madeiras, que é a matéria-prima de poderosas organizações produtoras de celulose e de aglomerados, nem por isso os respectivos preços aumentaram na razão directa dessa procura.
É que essas organizações, para garantirem o regular aprovisionamento da matéria-prima necessária à sua normal laboração, criaram outras organizações satélites, a cargo das quais deixaram o exclusivo fornecimento das ditas matérias-primas, e estas, unidas entre si, como os proprietários nunca o estiveram, submetem-nos à lei dos seus exclusivos interesses, baixando os preços das madeiras como muito bem lhes apraz, certas de que só elas as poderão comprar.
Mas este importante problema merece outras maiores reflexões que, oportunamente, aqui me proponho dedicar-lhe.
Poderiam multiplicar-se os exemplos das crescentes desvalorizações dos produtos agrícolas, que tanto afectam a nossa empobrecida lavoura, todos eles praticados ao arrepio dos princípios dominantes de uma sã economia corporativa; mas todos eles são já suficientemente conhecidos, pelo que me abstenho de os relembrar agora, bastando a consideração de que, apoucando o rendimento da lavoura, reduzem substancialmente a sua contribuição para o estabelecimento do produto nacional.
Colocados, porém, como estamos, perante a imperiosa necessidade de aumentar a expressão do produto nacional em todos os sectores em que o mesmo é formado, e pertencendo aos meios rurais a maior parte do sector primário, ou seja a agricultura, importa valorizar essa agricultura, para que, pela carência dos seus elementos vitalizadores, não continue a desequilibrar o nosso crescimento económico.
Há então que conferir aos investimentos que na futura Lei de Meios são destinados aos meios rurais tudo de quanto esses investimentos careçam para a sua verdadeira eficiência.
Pelo que concerne às autarquias que servem os meios rurais, já tive ocasião de, no âmbito da discussão do III Plano de Fomento, deixar aqui bem explícito o meu pensamento, que, aliás, obteve a concordância desta Câmara.
Repito, em síntese desse meu ponto de vista, que me parece indispensável conferir às autarquias as possibilidades de que carecem para poderem ser válidas colaboradoras do Estado nas grandes tarefas do fomento do bem comum, que englobam, como é óbvio, o melhor bem-estar rural e a elevação do nível de vida das respectivas populações.
Mas não são apenas as estradas e os caminhos; o abastecimento de água, a electrificação e o saneamento; as construções de edifícios para fins sociais e assistenciais; os arranjos urbanísticos e os outros melhoramentos previstos na base V da proposta de lei que se aprecia nesta Câmara - aliás factores de suma importância para tais fins -, donde há-de emergir o bem-estar e o consequente melhoramento do nível de vida dos povos rurais.
Também a agricultura, que é ocupação dominante destes, poderá exercer igualmente a mais benéfica influência no melhoramento da vida dos mesmos povos, a não contar com a mais ou menos difícil industrialização.
Bastará, para tanto, que a agricultura passe a ser exercida em condições de normal e racional desenvolvimento e não submetida às práticas rotineiras que a vem flagelando.
Uma tal política assume, na hora presente, a mais transcendente importância.
Atente-se em que, segundo as estatísticas informam, dos 43,6 por cento da nossa população activa que, em 1960, se dedicavam à agricultura, apenas nela permaneciam, em 1965, 37,2 por cento da mesma população.
Ora isto não significa certamente um êxodo agrícola propriamente dito, que até podia ser benéfico, como opinam os economistas, mas um verdadeiro êxodo rural, ao qual todos atribuem as mais funestas consequências.
E que os rurais que abandonaram a agricultura não passaram a empregar as suas actividades nos mesmos meios, mas abandonaram-na, desencorajados, em busca de melhores facilidades de vida, como é bem sabido.
Na agricultura, e de um modo geral, continuam apenas aqueles que não têm outras perspectivas, e são cada vez em menor número.
Isto se está a verificar com aflitiva frequência nos concelhos do interior do distrito de Coimbra e, de uma maneira geral, em toda a zona da bacia hidrográfica do Mondego.
Têm, portanto, a maior legitimidade e o mais fundado cabimento os instantes apelos que têm sido feitos nesta Câmara e em outros locais e divulgados pelas diferentes formas de comunicação pública a favor do imediato arranque dos planos que se destinam ao aproveitamento do vasto território que o Mondego influencia e, designadamente, dos 15 000 ha dos campos a jusante de Coimbra, cujo comprometimento económico é em cada dia mais pronunciado.
Mas, Sr. Presidente, a política de reconversão agrária em que tanto se tem falado, e parece ser agora uma das dominantes preocupações do Governo, impõe, como é sabido e bem proclamado, substanciais modificações no actual condicionalismo do sector.
No âmbito do nosso regime corporativo não se pode conceber que persista o isolamento dos esforços dos que andam empenhados na agricultura e o seu quase total abandono à voragem das conveniências alheias.

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Enfraquecidos, porque lutam sozinhos contra sólidos interesses geralmente aglutinados ou apenas disciplinados pelo fim comum do maior lucro; operando sem qualquer preparação e à sombra de técnicas já obsoletas; desacompanhados dos ensinamentos técnicos dos elementos oficiais; cultivando desordenadamente, em obediência apenas a meros palpites de ocasião; sem preços remuneradores e fácil colocação dos seus produtos - os proprietários agrícolas das zonas minifundiárias, se continuarem neste anacrónico e indisciplinado viver, ainda terão de sofrer outras e mais duras provações.
Urge, por isso, fazer completa revisão deste insustentável estado de coisas, que tem comprometido duramente toda a política do desenvolvimento económico e social deste importante sector.
É que dentro do actual condicionalismo os investimentos financeiros previstos para a agricultura, quer no III Plano de Fomento, quer no âmbito da presente proposta da Lei de Meios que se discute, não podem alcançar as utilidades económicas, políticas e sociais que de tais investimentos se esperam com justificado alvoroço.
E na medida em que tais utilidades se não alcancem se atardará a aceleração do crescimento do produto nacional, aceleração que, ou será conseguida pela actuação equilibrada de todos os nossos valores económicos, ou não se processará em termos convenientes.
Impõe-se, por isso, e antes de mais, ordenar convenientemente as coisas no sector agrário para eliminar os males que o afligem, e bem conhecidos são.
Parece-me, Sr. Presidente, ainda dentro do respeito devido ao nosso regime corporativo, que à, Corporação da Lavoura, como órgão da cúpula hierárquica do sector, deverão ser facilitadas as suas variadas e importantes funções, garantindo-se-lhe o poder financeiro para bem as poder levar a cabo.
Então ela poderá ordenar devidamente as actividades dos órgãos intermediários e dos empresários agrícolas, consciencializando estes para se unirem em estreita cooperação, fortalecendo-se contra os elementos adversos, tanto pessoais como materiais, com apropriados programas de actividade que respeitem o fio apenas as conveniências de alguns, mas, com sinceridade, os direitos de todos dentro dos esquemas da economia nacional.
E que a Corporação da Lavoura está apta a cumprir as suas superiores obrigações demonstra-o o bem elaborado parecer do seu ilustre presidente, enviado oportunamente aos Srs. Deputados, por não ter sido incluído no parecer da Câmara Corporativa emitido pela respectiva secção a propósito do III Plano de Fomento, onde certamente teria alcançado uma posição de destacado valor.
Efectivamente, o estudo do Sr. Presidente da Corporação da Lavoura encara a totalidade da conjuntura deste sector de forma completa, preconizando as medidas que não podem deixar de ser tomadas para se conferirem à lavoura nacional muitos dos remédios que os seus velhos padecimentos urgentemente reclamam.
Por seu turno, ao Estado incumbirá, juntamente com o desenvolvimento nacional da política de investimentos que programou, colocar ao serviço da lavoura todos os recursos técnicos dos muitos e muito variados serviços que criou com o fim de estudarem e darem as convenientes soluções aos problemas agrários, serviços esses que se integram na respectiva Secretaria de Estado e compreendem, além de três direcções-gerais - dos Serviços Pecuários, dos Serviços Agrícolas, dos Serviços Florestais e Aquícolas, com variadíssimas repartições -, ainda a
Junta de Colonização Interna, institutos e laboratórios agronómicos.
Este importante e valioso conjunto técnico e administrativo, que não tem operado em pleno para além dos limites distritais, tem necessariamente de estender muito mais longe a sua benéfica e influente acção, para chegar aos concelhos e freguesias a aí acompanhar a lavoura local, tomando parte muito activa e eficiente na solução dos seus problemas, em plena concordância com a Corporação da Lavoura e com os seus organismos.
Não devem os técnicos deste valioso conjunto continuar a viver no afastamento dos problemas em que têm permanecido, por lhes não serem outorgados os meios indispensáveis à sua necessária expansão.
Tem a Nação de poder aproveitar o avultado capital que investe na formação e adestramento desses técnicos, pois não se compreenderia que eles se mantivessem apenas operantes em mera potencialidade, sem colocarem ao serviço da lavoura as suas inegáveis qualidades e os úteis conhecimentos que muitos vão adquirir no convívio com os seus pares de outros países.
A lavoura, mesmo minifundiária, como é, por exemplo, a do distrito de Coimbra, poderá converter-se em fonte do nosso rendimento, com apreciável contributo na formação do produto nacional, se a ajudarem a vencer as fortes inibições do seu actual condicionalismo e lhe definirem com precisão os caminhos que deve seguir nos rumos certos e seguros da política agrária que ao Estado cumpro estabelecer e garantir apropriadamente.
Sem que o Governo faça, por forma bem clara e bem precisa, o estabelecimento dessa imprescindível política, e sem conceder os auxílios substanciais que ela aconselhar, dentro dos- investimentos previstos, a lavoura continuará a caminhar no terreno movediço em que a fatalidade a colocou, sem confiança nos seus recursos, cada vez mais enfermiça e mais empobrecida, sem poder servir a- Nação.
Mas o Governo afirmou, e repetiu, a clara intenção do encarar os problemas da nossa lavoura, que são também urgentes problemas nacionais.
Isso me dá fundadas esperanças de que vão ser resolvidas satisfatoriamente muitas situações difíceis e melhoradas as condições de vida da grande massa humana que centrou na agricultura a fonte dos recursos essenciais à própria existência.
Sr. Presidente: A proposta- de lei que se aprecia anuncia-nos no artigo 17.º que em 1968 daria o Governo início à execução da Reforma Administrativa, na qual se integrará a reestruturação dos quadros do funcionalismo e realização do inquérito geral sobre a situação dos servidores do Estado.
Ao tratar-se, no preâmbulo da mesma proposta, dos momentosos problemas que afligem o nosso funcionalismo, reconhece-se que no conceito de remuneração se deverá abranger, para além do vencimento, as diversas modalidades de benefícios tendentes à satisfação dos próprios funcionários e dos membros do seu agregado familiar.
Profundamente justas se me afiguram tais posições. Não pode esquecer-se o Governo de que o Estado é a mais importante das empresas nacionais, cuja administração tem de ser servida com dedicação e zelo" superiores aos que se exigem nas empresas privadas.
Mas para obter tais qualidades dos seus serventuários, essas empresas, ou por iniciativa própria, ou pelo mandamento de contratos colectivos de trabalho, garantem-lhes as remunerações compatíveis com tão justas exigências.

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Ora o Estado não tem procedido semelhantemente, e desta sorte, a despeito dos melhoramentos dos vencimentos ultimamente feitos, muitos dos seus servidores, preocupados com os grandes sacrifícios para poderem aguentar o crescente aumento do custo de vida, não dão o rendimento necessário, sendo certo que outros - e são em grande número - abandonaram a sua posição nos quadros do Estado para servirem nas empresas que lhes asseguram outros proventos.
Verifica-se, desta sorte, uma discriminação social que muito importa ter em conta para lhe eliminar as graves implicações.
Aguarda-se com verdadeira ansiedade entre o grande número de servidores do Estado a concretização dos pontos de vista de que o mencionado preâmbulo da proposta de lei em apreciação dá expressa conta.
Não poderão ser iludidas as esperanças de tantos que abnegadamente se mantém ao serviço do Estado. Por isso, Sr. Presidente, eu espero confiar Iam ente em que se fará tudo quanto for possível.
E termino. Sr. Presidente, quase como comecei.
Portugal, através desta nova proposta de lei de meios, afirma categoricamente a sua determinação de continuar como Nação independente a bem servir a grande família mundial, trabalhando denodadamente pela pessoa humana.
Merece-me, por isso. inteira aprovação na sua generalidade essa proposta.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Peco a VV. Ex.ªs para tomarem os seus lugares. É para pedir a VV. Ex.ªs um voto de confiança à nossa Comissão de Legislação e Redacção para poder redigir definitivamente o decreto tia Assembleia ontem votado sobre o III Plano de Fomento. Significa isto que a dispensado o que se contém nos §§ 1.º e 2.º do artigo 43.º do Regimento. É urgente, como VV. Ex.ªs compreenderão, que esse decreto da Assembleia seja promulgado e publicado como lei. O Diário das Sessões respectivo, não por culpa da Imprensa Nacional, mas por culpa de alguns Srs. Deputados que intervieram na discussão na especialidade e que não puderam juntar a tempo a redacção dos seus discursos, não pode realmente estar em condições de ser posto em reclamação antes. Nestes termos, pedia a VV. Ex.ªs o favor de darem este voto de confiança à nossa Comissão de Legislação e Redacção, por maneira o que o texto por ela fixado venha. a. ser definitivo e que portanto já não «era sujeito a reclamação.
Posto isto, ponho a V. Ex.ªs a questão do voto de confiança a que me referi.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão, à hora. regimental, tendo por ordem do dia a continuação da discussão na generalidade~da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1968.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Francisco José Cortes Simões.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
José Coelho Jordão.
Manuel Henriques Nazaré.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Raul Satúrio Pires.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Alves.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
André da Silva Campos Neves.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António dos Santos Martins Lima.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
D. Custódia Lopes.
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Francisco José Roseta Fino.
Gustavo Neto de Miranda.
Jaime Guerreiro Rua.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José de Mira Nunes Mexia.
José Rocha Calhorda.
José dos Santos Bessa.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Amorim Sousa Meneses.
Manuel João Correia.
Manuel Lopes de Almeida.
Rui Pontífice de Sousa.
D. Sinclética Soares Santos Torres.

O REDACTOR - Luiz de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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