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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 112

ANO DE 1967 15 DE DEZEMBRO

IX LEGISLATURA

SESSÃO N.º 112 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 14 DE DEZEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 11 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 104 105 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Furtado dos Santos falou da comemoração do centenário da abolição da pena de morte em Portugal.
O Sr. Deputado Gabriel Teixeira fez considerações acerca da capacidade do metropolitano, que se mostra insuficiente nos períodos de maior intensidade de tráfego.
O Sr. Deputado Aníbal Correia referiu-se à Congregação Missionária do Espirito Santo, a propósito do centenário da sua fundação na metrópole.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1968.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Henriques Mouta, Leonardo Coimbra e Sousa Magalhães.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 13 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 11 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António Furtado dos Santos.
António José Braz Regueiro.
António Magro Borges de Araújo.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Lougo.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Artur Correia Barbosa.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Gabriel Maurício Teixeira.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Horácio Brás da Silva.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Gonçalves de Araújo Novo.

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José Henriques Mouta.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar
José Pais Ribeiro.
José Pinheiro da Silva.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 66 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 11 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os Diários das Sessões n.ºs 104 e 105, ontem distribuídos, correspondentes às duas sessões realizadas em 5 do corrente.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deduz qualquer reclamação, considero-os aprovados.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegrama da direcção do Grémio dos Industriais de Lanifícios da Covilhã a aplaudir a intervenção do Sr. Deputado Ubach Chaves do dia 7 do corrente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Furtado dos Santos.

O Sr. Furtado dos Santos: - Sr. Presidente: O movimento cristão que determinou a abolição da pena de morte pela Carta de Lei de D. Luís, de 1 de Julho de 3867, causou a admiração do Mundo, por virtude do alto e transcendente significado do acto, que deu lugar ao entusiástico comentário de Victor Hugo:

A partir de agora, Portugal está à frente da Europa. Vós, Portugueses, não deixastes de ser navegadores intrépidos. Ides à frente, outrora no oceano, hoje na verdade. Proclamar princípios é ainda mais belo do que descobrir mundos ... Glória a Portugal.
Em comemoração do 1.º centenário da abolição da pena de morte e da duração do princípio abolicionista, dois actos de alta projecção se processaram entre nós:
O primeiro, no próprio dia do centenário, realizou-se em 1 de Julho, ma Academia das Ciências, sob a presidência do venerando Chefe do Estado, sendo oradores os Profs. Doutores Amorim Ferreira, Cavaleiro de Ferreira e Braga da Cruz, que, com brilho, focaram os aspectos históricos e positivos sobre a problemática da pena de morte e sobre o movimento abolicionista que ocorreu em Portugal.
O segundo foi o Colóquio Internacional sobre a Pena de Morte, realizado de 11 a 16 de Setembro, em Coimbra, por iniciativa da Faculdade de Direito da velha e mui nobre Universidade de Coimbra e sob o patrocínio do Governo, através dos Ministérios da Justiça, dos Negócios Estrangeiros e da Educação Nacional, e ainda da prestimosa Fundação Calouste Gulbenkian.
A sessão solene de abertura do Colóquio teve também a presidência de S. Ex.ª o Presidente da República, almirante Américo de Deus Rodrigues Tomás, e o Colóquio obteve o maior interesse, dentro e além-fronteiras, tanto nos meios da filosofia e de medicina como - e de modo especial - no das ciências criminais.
Do elevado êxito do Colóquio muito se ficou a dever ao belo estudo e ao dinâmico impulso do presidente da comissão executiva, Prof. Doutor Eduardo Correia, e ainda à participação e presença dos mais notáveis criminalistas do Mundo, como Nowakouski (da Áustria), Bockelmann, Erhardt-Schmidhauser, Maurach, Vieacker, Coing e Fechner (da Alemanha Federal), Soler (da Argentina), Paul Cornil (da Bélgica), Nelson Hungria e C. Fragoso (do Brasil), Del Rosal (da Espanha), Thorstan Sellin, Norval Morris, Muller e Gluech (dos Estados Unidos da América), Marc Ancel, Léauté, Levasseur e Vouin (da França), Antilia (da Finlândia), Binsbergen (da Holanda), Bayer (da Jugoslávia), Bettiol, Pisapia e Nuvolone (da Itália), Siches (do México), Donmezer (da Turquia) e o nosso escritor Adolfo Coelho (Miguel Torga).
Honras são devidas a Portugal por ter sido o pioneiro da abolição de uma pena desumana, bárbara, cruel e monstruosa; e são também devidas à Academia das Ciências - da qual foram membros os principais abolicionistas, Aires de Gouveia e Barjona de Freitas - e à Universidade de Coimbra, por ter formado estes e outros juristas que iniciaram e concluíram a abolição em Portugal e no Brasil, países que, mais uma vez, afirmaram a consciência e destino comuns e reafirmaram agora ao Mundo, firmados em longa experiência, que a total e geral abolição é necessária por razões mais intensamente morais do que jurídicas.
Portugal, há um século, aboliu a pena de morte.
«O civismo liberal de um pequeno povo», segundo Torga, «sem esperar por outros exemplos, adiantou-se corajosamente na senda do espírito e pôs termo à negra tarefa das balas, do baraço e do cutelo.» Celebrar o acontecimento é homenagear no presente uma grandeza de alma, um apogeu político, uma clarividência legislativa do passado e, ao mesmo tempo, fazer um apelo à consciência universal, nesta hora lúgubre em que nem só por crimes reais há execuções nos visíveis ou invisíveis patíbulos do Mundo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vendo que, no dia 23 de Novembro passado, a Câmara dos Comuns do Canadá aprovou, por 114 votos contra 81, uma lei que suspende por cinco anos a

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pena de morte; que ainda há campos de concentração, guerras terroristas e genocidas; que ainda se discute o modo de executar a pena de morte e se adoptam o fuzilamento, o enforcamento, o garrotamento, a câmara de gás, a guilhotina e a cadeira eléctrica, é consolador ver que uma pequena nação se agigantou, há um século, dando ao Mundo um modelo, que agora reofereceu, de código de humanidade, a garantir a todos e a cada um viver a própria vida e morrer a sua morte.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Essa multissecular nação aboliu a pena de morte, em 5 de Julho de 1852, para os crimes políticos e, em 1 de Julho de 1867, para os crimes civis, e tal abolição foi extensiva a todos os pontos e gentes da terra portuguesa, desde o Minho a Macau e Timor e desde Trás-os-Montes à nossa índia, sem qualquer discriminação racial, religiosa, política ou cultural; o foi também extensiva aos estrangeiros nos casos de aplicabilidade territorial e extraterritorial da lei penal portuguesa.
A abolição foi total e geral, por a pena de morte ser «contrária à doçura dos nossos costumes e ao poder da nossa civilização» e ainda por estar abolida de facto há quase um século para as mulheres e há mais de vinte e um anos para os homens.
Por vontade nacional, introduziu-se na lei o que já era dos domínios da prática.
Com legítimo orgulho - nas palavras de Braga da Cruz -, «Portugal pode ser apontado como exemplo ao Mundo na luta por uma sociedade mais digna, mais livre, mais responsável, mais humana», e pode, com esse título de orgulho, honrar-se dos seus sentimentos cristãos.
Uma nação que, desde a sua fundação, desde o milagre de Ourique, vivera, à luz de Cristo, vivendo e fazendo cristandade, dilatando a Fé e o Império, não podia deixar de seguir uma linha de humanidade cristã, reagindo contra o barbarismo, a crueldade e outros defeitos do seu sistema punitivo, bebidos nas fontes do direito visigótico e do direito romano em que se plasmou.
Não vou repetir aqui os aspectos históricos e filosóficos da linha jurídica de humanização do nosso direito foraleiro c costumeiro e das nossas leis e codificações condensadas nas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas e nas leis extravagantes.
Essa humanização é lenta e tem alguns regressos, até que se intensifica, desde o último quartel do século XVIII, em vários diplomas (Decretos de D. Maria de 1777 e de 1790, Alvará de 5 de Março de 1790, Decretos de 7 de Janeiro de 1797, de 11 de Dezembro de 1801 e de 11 do Janeiro de 1802). Esta intensificação é logo após o recrudescimento da crueldade, especialmente em relação aos crimes de lesa-majestade, no tempo de D. José (Carta Régia de 21 de Outubro de 1757, Alvará de 7 de Janeiro de 1759 e Lei de 13 de Agosto de 1770).
Aqueles diplomas são o produto da influência do pensamento iluminista e deles resulta, segundo Melo Freirr:, Pereira e Sousa, Henriques Seco e Bernardo José de Carvalho, o desuso dos tormentos e das mutilações e o desuso na aplicação ou na execução da pena de morto, que não era aplicada, muitas vezes, por magnanimidade (3 por espírito de brandura dos nossos juizes e tribunais que tinham repugnância na sua aplicação, ou que não era executada por virtude do perdão real ou por comutação que se intensificou em galés, degredo e trabalhos públicos. Só em relação aos crimes atrocíssimos ou enormíssimos - aclarados pelo diploma de 1802 - aquela pena era aplicada e executada, ficando praticamente abolida, desde o Decreto de 11 de Dezembro de 1801, na interpretação do Decreto de 11 de Janeiro de 1802, para todos os demais crimes punidos com tal pena pelas Ordenações.
Os sucessivos projectos de reforma da lei penal (de Melo Freire, de José Manuel da Veiga e de Pereira Forjaz de Sampaio), como as Constituições de 1822 e de 1838 e a Carta Constitucional de 1826, não eliminavam a pena de morte, que foi mantida no projecto e no Código Penal de 1852 e ainda na 1.ª edição do projecto de 1861 da- comissão presidida por Levi Maria Jordão.
É justo assinalar que o movimento abolicionista surgiu na consciência da Nação, estando a abolição de facto feita desde 1 de Julho de 1772, data em que se executou a última mulher; desde 1834, em que se fez a última execução por crime político, e desde 22 de Abril de 1846, data em que se executou, em Lagos, o último homem. A partir de então, a- pena de morte, ao cabo de muitos séculos, ficou moribunda, morrendo por si e repudiada pelo são sentimento e firme vontade do povo.
A sangueira da Revolução Francesa e as nossas fratricidas lutas liberais impediram a abolição da pena de morte em França e em Portugal.
Entre nós, menos por acção do iluminismo e do enciclopedismo ou do humanitarismo, que nem nos projectos de Melo Freire, o Beccaria português, levaram à abolição da pena capital, mais por acção do sentimento nacional, se atingiu a ambicionada abolição.
A aspiração de Beccaria, de Betham, de Filangeri, de Locke, de Montesquieu, de Rousseau e outros tivera eco, em 1797, nas instruções para o Código da Rússia, de Catarina II, que não passaram a lei, e, em 1786 e 1787, no Código da Toscana, de Leopoldo II, e no Código da Áustria, que aboliam a pena de morte, para a restabelecerem em 1790 e 1795, e ainda, em 1848 e anos seguintes, no cantão de Friburgo, em San Marino, e em mais três cantões suíços.
Fora estes e outros casos restritos ou de vida efémera, as várias nações mantinham-se presas ao preconceito multissecular 1, e é Portugal que, antes do novo apelo abolicionista de Mittermayer de 1862, inicia um movimento de reacção contra a pena de morte, na linha de humanidade cristã, que determina a abolição de facto e, depois, a abolição expressa em 1852 e 1867.
Interessa salientar que foi nesta casa lusitana, na Câmara dos Deputados, que germinou e frutificou a tese abolicionista.
Na proposta governamental da reforma constitucional apresentada em Janeiro de 1852 não figurava a abolição da pena de morte, porque o Governo queria que constasse de uma lei ordinária.
Porém, em 10 de Março de 1852, os Deputados Rodrigues Cordeiro (por Leiria) e Mendes Leal (por Aveiro) apresentaram uma proposta de aditamento ao artigo 16.º do Acto Adicional à Carta, abolindo a pena de morte para os crimes políticos.
Na discussão da proposta intervieram vários Deputados, como Passos Manuel, Vicente Ferrer, Rodrigo da Fonseca, e o Ministro António Luís de Seabra, mas nenhum defendeu a tese contrária, e a proposta foi aprovada na sessão de 29 de Março, tendo alguns Deputados, na sessão seguinte, apresentado declaração no sentido de que, na, véspera, não haviam votado contra a abolição, mas contra o aditamento no Acto Adicional, ou que não vota-
1 A Inglaterra, por exemplo, mantinha, ainda em pleno Século das Luzes, a pena de morte para mais de 200 infracções.

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ram a abolição por não estarem presentes. Assim, a abolição no Acto Adicional de 5 de Julho de 1852 ficou a dever-se à exclusiva iniciativa da Câmara dos Deputados, e não podia escolher-se melhor lugar de representação da vontade nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A este título, outros juntaria a Câmara dos Deputados na luta, através de propostas de vários Deputados e de discussões parlamentares, no sentido da abolição em relação aos crimes comuns.
Em 28 do Maio de 1852, o Ministro Seabra apresentou proposta, para a abolição da pena de morte para certos crimes. Porém, a proposta não teve seguimento o perdeu o interesse, por virtude da saída de Seabra do Governo para ir tratar do projecto do Código Civil e por ter sido publicado o decreto ditatorial de 10 de Dezembro de 1852 que promulgou o Código Penal.
Este Código mantinha a pena de morte e vários defeitos, sendo alvo das mais severas críticas parlamentares e da opinião pública, que levaram a nomeação de uma comissão de revisão e emenda. Na crítica e na linha da abolição da pena de morte sobressaem o conselheiro Silva Ferrão (Teoria do Direito Penal Aplicada ao Código Penal Português, 1856, comentário ao artigo 29.º) e o Deputado, arcebispo e lente de Coimbra, Doutor Aires de Gouveia. (A Reforma, das Cadeias em Portugal, 1860).
O projecto de Levi Maria Jordão (de 1859) ainda incluía a pena de morte, mas a 2.ª edição (de 1864) colho as críticas sofridas e suprime-a por deliberação da comissão presidida pelo autor do brilhantíssimo relatório do projecto, onde se afirma que «se resolveu eliminar tal pêra, não só por ser contrária à Natureza, mas por estar em desacordo com o direito do punir e com a natureza e fim das penas e pura satisfazer a vontade nacional», que se pronunciava contra a pena capital.
Demorada a revisão do projecto de 1861-1864 e malograda, a sua conversão em lei, o movimento abolicionista cansava de esporar o que a sã consciência e a firme vontade nacionais exigiam.
É neste ambiente que mais uma vez nesta Casa, se projecta, o sentimento nacional: na sessão de 3 de Junho de 1868, a propósito da discussão do «sustento dos presos, e polícia das cadeias», discutiu-se e, depois, na sessão de 18 de Junho, rejeitou-se a verba orçamental do salário do carrasco; naquela sessão discursou o Doutor Aires da Gouveia, que apresentou propostas de abolição da pena capital e de extinção do cargo do executor, com o seguimento de outra, do Deputado Gavicho. Estas propostas colheram o entusiasmo da Câmara e seguiram os seus termos sem lograrem discussão, que esteve marcada paru 20 de Junho.
Só com as sucessivas travagens das propostas parlamentares o Governo. O vem a colher o há muito ambicionado título de tomar a iniciativa de propor a abolição da pena de morto.
O Ministro da Justiça e lente de Coimbra, Doutor Barjona de Freitas, apresenta, na sessão de 28 de Fevereiro de 1867, a proposta da reforma penal e prisional que, no artigo 1.º, continha, a abolição da pena de morte, pena que, segundo o relatório, «paga o sangue com o sangue, mata, mas não corrige, vinga, mas não melhora, e, usurpando a Deus as prerrogativas da vida e fechando a porta ao arrependimento, apaga no coração do condenado toda a esperança de redenção e opõe à falibilidade da justiça humana as trevas de uma punição irreparável».
O parecer da Comissão de Legislação Penal de 17 de Maio (publicado na sessão de 18 de Junho), excelentemente relatado pelo Deputado António Pequito Seixas de Andrade, alicerça-se nos humanitaristas Beccaria e Bentham, em Mittermayer, Rousseau, Mably, Filangieri, Pastoret e Mancini, na abolição de facto, há décadas, na abolição de direito para os crimes políticos, na brandura dos nossos costumes e na opinião pública, concluindo pela oportunidade e confiança na humanitária abolição.
Ainda ecoam nesta Casa os formosos discursos feitos, nas sessões de 18 e 21 de Junho, pelos Deputados Santana e Vasconcelos e Aires de Gouveia, que louvaram o movimento de coração que levou o Governo a apresentar à discussão de um parlamento livre e ilustrado a abolição da pena de morte, abrindo uma página brilhante na história de um país grande nas suas tradições, diversas vezes o primeiro a plantar a civilização em longínquas terras e que, em 1867, se colocou à frente da civilização europeia como uma das primeiras nações do Mundo.
«Continuemos a nossa marcha», dizia o Deputado Santana e Vasconcelos, «e o futuro há-de dizer que tivemos razão, e a história há-de inscrever em letras de ouro os nomes dos homens que, dando o seu voto a reformas deste alcance, concorrem para levantar o nível moral da terra em que nasceram.»
«A pena de morte, assassínio particular respondido por um assassínio oficial», aditava o Deputado Aires de Gouveia, «é ilegítima, desnecessária, inútil e absurda. O primeiro direito da sociedade é o da sua conservação. A sociedade nunca carece de assassinar para se manter segura.»
As Câmaras dos Deputados e dos Pares, nas sessões de 21 e 26 de Junho, aprovaram a proposta que determinou o Decreto das Cortes de 16 de Junho, sancionado pela Carta, de Lei de 1 de Julho de 1867, que, no artigo 1.º, aboliu a pena de morte para os crimes civis.
Esta lei, considerada por Aires de Gouveia «o mais belo florão da coroa de D. Luís e o mais glorioso brasão do seu reinado», teve imediata aplicação às províncias ultramarinas, conforme interpretação autêntica contida na Portaria de 9 de Agosto de 1869, no Decreto de 9 de Junho de 1870 e na Lei de 27 de Dezembro de 1870.
A pena de morte subsistiu na lei para os crimes militares, sendo considerada letra morta no triunfante movimento de opinião pública de 1874 e com expressa revogação no Decreto de 16 de Março de 1911 e no artigo 3.º, n.º 2, da Constituição de 1911, com a restrição para o caso de guerra com o estrangeiro e em teatro de guerra (Lei n.º 635, de 28 de Setembro de 1916, e artigo 8.º, n.º 11, da Constituição de 1933).
Na mesma linha humanitária, o Brasil, nação de civilização lusíada, seguiu, em 1890, o exemplo da abolição da pena de morte, e Portugal fez questão do respeito devido à vida dos delinquentes estrangeiros, que, segundo cláusula impressa nas convenções de cooperação judiciária, só são extraditados e entregues ao país requerente sob a condição de não lhes ser aplicada a pena capital.
Sr. Presidente: Lima nação, velha de séculos, que sabe viver e permite que só viva sem discriminações nos planos interno e internacional, que, séculos fora, sempre seguiu direitos caminhos de vida humanitàriamente cristã, que tem escritores e jornalistas, então como agora, sempre a actuarem nas nobres campanhas de elevação e dignificação da pessoa humana, que, após experiência mais do que secular, reacende um farol de humanidade a iluminar todos os cantos do Mundo para a elaboração de melhores normas de convívio, essa nação pode, fundadamente, orgulhar-se de ter sido pioneira, dando novos mundos ao

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Mundo, mesmo no campo da ciência criminal, e repetir com Koestler e Malraux: «Uma vida não vale nada. Mas nada vale uma vida ...», especialmente quando se vive com o coração, como o do povo português, a pulsar pela humanidade.
Este tem sido e será um dos maiores títulos da honra e glória de Portugal.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Gabriel Teixeira: - Sr. Presidente: De há bastante tempo, nas horas de ponta, em especial à tarde, a capacidade do metropolitano vem-se mostrando insuficiente.
Tem vindo a aumentar o número de passageiros, e agora aquela insuficiência é manifesta nos três períodos de maior intensidade de tráfego: de manhã, às horas de abrirem os estabelecimentos, à hora do almoço e à tarde, que é a pior.
Pode dizer-se que durante seis horas do dia o metropolitano não satisfaz o fim para que foi criado.
À tarde, então, a entrada para as carruagens só é possível para os bons jogadores de rugby.
As pessoas de idade, as senhoras, só por feliz interferência de algum atleta presente de bom coração conseguem entrar.
Esta situação tende a agravar-se, e, aparentemente, nem a empresa concessionária, nem as entidades oficiais a quem incumbe a fiscalização parece terem-se apercebido da situação ou procurado remediá-la.
Este é um dos aspectos de falta de consideração pelo público que dá àqueles factos a relevância que os torna merecedores de referência nesta Assembleia.
Mas eles legitimam ainda outra dúvida:
Anda em discussão o Plano Director da expansão da capital.
Atende-se nele à indispensável rede de eficientes transportes subterrâneos?
Se se não atende, será mais uma infra-estrutura deficientemente atendida, falta de que a população da capital sofrerá as consequências no futuro.
Termino estes reparos com a solicitação às autoridades competentes de que actuem com urgência, remediando os males presentes, e a tempo e horas acautelem, neste campo, mais graves males futuros.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Aníbal Correia: - Sr. Presidente: É sempre com muita admiração e respeito que cumprimento V. Ex.ª pela excepcional competência com que tem dirigido os trabalhos desta Câmara.
Saúdo igualmente os meus colegas, Srs. Deputados, A quem manifesto o propósito, que sempre tive, de colaborar em tudo quanto possa dignificar a nossa missão.
No dia 10 de Outubro último, com a presença da veneranda e prestigiosa figura do Chefe do Estado, Sr. Almirante Américo Tomás, de alguns ministros do nosso Governo e de muitas outras altas individualidades civis e religiosas, estreou-se no Cinema Monumental o primeiro filme missionário de longa metragem, intitulado Uma Vontade Maior.
Tal acontecimento pode ter passado despercebido para alguns daqueles que não assistiram à sua exibição, mas já o mesmo não acontece em relação a todos quantos têm a noção, mais ou menos exacta, revelada sumariamente naquele filme, do valor excepcional que representa a acção missionária no ultramar português e dos magníficos resultados obtidos com o esforço titânico desses grandes homens que tudo fazem em benefício dos outros e que nada querem para si próprios.
Ao director de produção deste filme, Rev.º P.e José Felício, para quem nada é impossível e que venceu dificuldades sem conta, devemos desde já uma palavra de elogio, a todos os títulos merecida, pela sua esclarecida inteligência, pelo seu labor sem igual, pela sua fé inabalável nos empreendimentos missionários, que tem levado a bom termo.
Quero referir-me à Congregação Missionária do Espírito Santo, que vive há 101 anos na nossa província de Angola a dilatar a fé e a fazer cristandade, a consolidar e a engrandecer Portugal, que é tradicionalmente nação missionária e fidelíssima à Igreja Católica, a que me honro de pertencer.
No passado ano de 1906 celebrou-se o centenário da chegada dos missionários do Espírito Santo a Angola, e no ano que decorre, de 1967, memorável para a nossa Igreja, em que se comemorou o Cinquentenário das Aparições de Fátima, onde tivemos, por graça de Deus e honra nossa, a presença de Sua Santidade o Papa Paulo VI, comemorativo ainda do XIX Centenário da Morte de S. Pedro e S. Paulo, vai também celebrar-se o centenário da primeira fundação da mesma Congregação do Espírito Santo na metrópole portuguesa, cuja sessão de encerramento vai ter lugar na Sociedade de Geografia de Lisboa, no dia 16 do corrente mês de Dezembro.
Duas palavras da sua história centenária para dizer que a Congregação do Espírito Santo foi organizada em Paris, no ano de 1703, por um advogado de nome Glande Poullart des Places, que deixou a sua toga e os abastados meios de fortuna que possuía para abraçar a vocação sacerdotal.
Desde então, sofreu as maiores vicissitudes, chegando a estar à beira do abismo para o seu desaparecimento, mas a coragem indómita dos seus missionários deu-lhes o ânimo necessário para continuarem a sua obra, que é grandiosa e dignificante.
Nas primeiras décadas, após a sua instalação em Angola, os missionários do Espírito Santo lutaram denodadamente contra a adversidade da política, do clima e dos homens, com sacrifício das suas próprias vidas, muitos dos quais, em número de algumas centenas e na flor da idade, tombaram para sempre, uns ceifados pela doença, outros pela malvadez humana.
Mas a sua fé não tinha limites e a sua missão era a de fazer cristandade sem desfalecimentos.
Por isso, ali teimaram em continuar, embora sem ambiente de trabalho, para desbravar e iluminar as almas que viviam na ignorância e nas trevas, levando a palavra de Deus e da civilização ocidental a todas as gentes onde ela era tão necessária como indispensável ao seu progresso, sempre com vista à evangelização e ao desenvolvimento daquela província.
Para avaliar das dificuldades que foram obrigados a vencer quando em 14 de Março de 1866 desembarcaram no porto de Ambriz, bastará dizer que alguns anos antes não havia em Angola qualquer religioso missionário devido à extinção das ordens religiosas em Portugal e às dificuldades políticas em Itália.
Segundo uma publicação em 1966 do grande missionário P.e Henrique Alves, nesse período crítico da histó-

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ria da Igreja angolana, D. António Tomás da Silva Leitão e Castro, que foi bispo de Angola e Congo, escreveu uma carta ao então secretário perpétuo da Sociedade de Geografia, Luciano de Castro, a informá-lo de que:

As igrejas e capelas, numerosas em cada concelho, caíram todas em ruínas, e, assim, tanto os indígenas convertidos como os europeus o os seus descendentes católicos empalhados pela província se acharam todos sem templo, sem culto, sem um padre que os unisse pelo matrimónio, constituidor da família, que baptizasse os seus filhos e os instruísse na Fé e que na hora do passamento os reconciliasse com Deus e lhes lançasse, com a última pá de terra, a primeira bênção, crista sobre a sua sepultura.

E, se é certo que os Portugueses levaram a fé crista ao continente africano na ocasião em que o descobriram, pois a cruz era a sua espada, também é verdade; que essa tradição foi diminuindo consideràvelmente pelas contrariedades que surgiram na sociedade portuguesa, pela- política pombalina e por outras razões que emanavam da metrópole.
A Diocese de Angola e Congo, erecta em 1596, depois de ficar vaga de prelado durante muitos anos, só em meados do século XIX foi guarnecida, apenas com cinco padres, que pouco ou nada podiam fazer na vastidão daquele território.
No último quartel do século passado, embora sem a paz social e política de que necessitavam para fazer progredir aqueles povos nos campos intelectual, moral, educacional e religioso, lá estavam os Missionários do Espírito Santo na primeira linha de combate, a dar o seu contributo e «apoio aos grandes militares Artur de Paiva-Pereira de Eça, Pais Brandão, João de Almeida e a tantos outros na obra de pacificação e entendimento.
Em Junho de 1885, a sua missão no Cuanhama foi pilhada e os missionários massacrados pelos assaltantes, mas nem por isso deixaram de voltar na ano de 1900, e ali permanecem no seu trabalho árduo, como anteriormente.
Apesar de tantas contrariedades, os Missionários tio Espírito Santo continuaram a intensificar o seu trabalho, e hoje estão-lhes confiadas, em Angola e Cabo Verde, 62 missões; 28 paróquias: 6 seminários; o Colégio de Alexandre Herculano em Nova Lisboa, com 412 alunos; a Escola de Teófilo Duarte, em Cuima, com 185 alunos para habilitação de professores de postos de ensino; uma casa dos rapazes com 95 alunos; outra casa dos rapazes, em Luanda, com 150 alunos; a estação emissora, católica de Angola, Rádio Eclésia, fundada pelo P.e José Maria Pereira; o jornal bissemanário O Apostolado. A eles se deve ainda a melhor e maior igreja do toda a província, denominada da Sagrada Família.
Foram os pioneiros na investigação botânica, nas explorações etnogeográficas e na- experiência de novas culturas agrícolas naqueles climas, com os melhores resultados c proveito para todos, na época em que não havia ainda institutos especializados nem especialistas. E os nomes de alguns dos seus missionários são ainda hoje internacionalmente conhecidos e respeitados, no campo da investigação científica, entre os quais podemos mencionar o P.e José Maria Antunes, descobridor de uma planta que é hoje conhecida no mundo científico por Antunésia.
Tal como acontece com os nossos valorosos soldados nos campos de batalha, os Missionários do Espírito Santo ali têm estado sempre presentes, desde há 100 anos a esta parte, a praticarem, como aqueles, actos de heroicidade e de patriotismo, correndo os mesmos riscos e com idênticos sacrifícios.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sem menosprezar a acção apostólica de outras organizações missionárias, designadamente a dos Capuchinhos e dos Jesuítas, e dos grandes vultos da Igreja que foram o prelado D. António Barroso e Mons. Alves da Cunha, os Missionários do Espírito Santo, que constituem hoje os mais sólidos pilares da cristandade em Angola, evitaram que o catolicismo se perdesse nessa província, por falta de clero, no período mais difícil da sua história missionária.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As suas prósperas e eficientes instalações da Lunda, Cuamato, Cuanhama, Cubaugo, Cabinda, Lucula, Huíla, Lândana, Malanje, Dembos, Nova Lisboa, Libolo, Mussuco, Macombe, Zaire, Ambrizete e tantas outras espalhadas por toda aquela parcela de Portugal são verdadeiros centros de evangelização e de promoção social dos povos angolanos, que querem, com toda a justiça e em sinal de reconhecimento, erigir um monumento a tão heróicos missionários.
Converteram ao catolicismo mais de 1 milhão de almas; ensinaram e civilizaram com a Fé; espalharam o bem corporal na assistência aos doentes em toda a parte onde se encontrassem, praticando assim a grande virtude da caridade.
A sua acção tem como principal finalidade dar verdadeira alma apostólica a todos quantos dela necessitam, pois assim ficarão mais perfeitos, mais civilizados e mais portugueses ainda.
Mais tarde, em 10 de Dezembro de 1887, fundaram uma escola agrícola em Sintra; em 1891 um colégio em Ponta Delgada; em 1892 a Procuradoria das Missões em Lisboa; em 1906 um curso de Teologia, em Carnide, etc.
E, quando tudo parecia continuar em franco progresso, surgiu a revolução de Outubro de 1910, de que resultou o encerramento das suas casas e a confiscação dos seus bens.
Mas os missionários não desanimam com as derrotas; pelo contrário, aumentaram a sua fé, na esperança de melhores dias, e venceram as maiores dificuldades, ressurgindo das cinzas a que os haviam reduzido.
O reverendo padre missionário Duparquet, depois de várias diligências junto do então Ministro da Marinha, visconde da Praia Grande, e Ministro dos Negócios Estrangeiros, conde de Casal Ribeiro, seguindo o propósito formulado anteriormente pelo venerável Libermann, resolveu fundar na metrópole portuguesa uma casa destinada a preparar missionários para o nosso ultramar. E assim aconteceu.
Em 3 de Novembro de 1867 fundava-se em Santarém a Casa do Congo, depois na Roma portuguesa que é a cidade de Braga, onde tomaram de arrendamento uma casa na Rua do Carvalhal, passado um ano na Quinta das Hortas, até ser construído um edifício próprio ao cimo da Rua de S. Vicente.

O Sr. António Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?

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O Sr. António Santos da Cunha: - Eu peço licença a V. Ex.ª para o interromper. Já ontem tive a tentação de o fazer quando, sobre o mesmo assunto - a que V. Ex.ª se está referindo com o maior brilho -, falou o Sr. Deputado Sebastião Alves, que aqui confessou nobremente o que pessoalmente devia à benemérita Congregação dos Padres do Espírito Santo.
É que eu conheço perfeitamente a notável acção missionária dos padres do Espírito Santo e o seu amor e dedicação à Pátria e à Igreja.
Em Braga, como V. Ex.ª acaba de referir, reavivou-se essa obra secular depois do vendaval de 1910, que não poupou sequer o grande Colégio do Espírito Santo, um dos maiores do País, onde os beneméritos padres se dedicavam à educação da juventude e que constituía uma das mais importantes bases da economia local. Recordo-o que a Roma portuguesa sofreu com a afronta que lhe foi feita ao ver leiloar publicamente o que restava dos saques a que os bens do Colégio estiveram sujeitos. Recordo a tristeza da gente da minha terra, e a alegria dela ao assistir mais tarde, dentro dos muros da cidade, ao reacender da obra - julgo que, sem dúvida, a maior ainda hoje em extensão e em profundidade - missionária da benemérita Congregação, que bem merece o carinho, auxílio e respeito de todos os portugueses. Creio que, se as famílias portuguesas fiéis à nossa vocação histórica tivessem alimentado com os seus filhos a obra missionária, não teriam agora de, através deles, pagar o seu tributo de sangue para que possamos continuar nas nossas províncias ultramarinas. Se tivéssemos tido mais missionários, não precisaríamos agora de tantos soldados.
A todos os beneméritos padres do Espírito Santo, aos esforçados obreiros do passado e do presente, eu saúdo reconhecido, lembrando um morto e um, graças a Deus, vivo: o grande padre Clemente e o arcebispo ré signatário de Luanda, D. Moisés Alves de Pinho. Peço muita desculpa da interrupção, mas confesso que era imperativo da minha consciência dizer o que disse.

O Orador: - Obrigado fico eu a V. Ex.ª pela sua valiosa intervenção. E porque também eu, desde há 25 anos, venho seguindo de perto a obra realizada pela Congregação, é que entendi que não devia deixar passar este ano do centenário da sua instalação na metrópole sem dizer aqui uma palavra a esse respeito.
Em Braga, fundaram o Colégio do Espírito Santo, onde funciona hoje o liceu daquela cidade.
No Porto, fundaram o Colégio de Santa Maria, que é hoje o de Almeida Garrett, e ambos eram dos melhores do País.

Vozes: - Muito bem!

Orador: - Em 1919 foi nomeado provincial o Rev.º Dr. Moisés Alves de Pinho, cognominado de «glorioso restaurador», e em 1950 o Rev.º Dr. Agostinho Joaquim Lopes de Moura, actual bispo de Portalegre e Castelo Branco, fundador da Liga Intensificadora da Acção Missionária. - L. I. A. M. - promoveu a construção do magnífico edifício da Quinta da Torre da Aguilha, em Carcavelos, destinado ao Escolasticado Maior.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A obra era demasiado grande para quem, como a Congregação, não dispunha de dinheiro para a Levar a efeito; o seu custo era, nessa data, de 14 000 contos.
Foi Sua Eminência o Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Gonçalves Cerejeira, que benzeu a primeira pedra lançada para a sua construção, a cuja cerimónia tive a honra de assistir, e lembro-me de o ter ouvido, e pelas razões apontadas, pronunciar estas palavras: «Atrevimento não lhes falta.» E assim pensávamos também nessa ocasião, mas foi-nos dado verificar, com muita alegria, que em Outubro de 1952 foi possível instalar, na, parte já então construída, o curso de Teologia.
Entretanto, em 1953, D. Agostinho de Moura foi sagrado bispo de Portalegre e Castelo Branco, onde a sua acção tem sido igualmente meritória, como o havia sido na Congregação do Espírito Santo, e aquela obra foi depois continuada, com igual dignidade e eficiência, pelos seus colaboradores desde a primeira hora, os grandes missionários Revos. Pes. José Felício, Augusto Maio e outros que vivem no anonimato da sua modéstia.
As casas de formação missionária na metrópole, com os seus seminários de Fraião, em Braga, de Godim, na Eégua. de Silva, em Barcelos, de Viana do Castelo, o Seminário Maior de Teologia e Filosofia na Torre da Aguilha, com as Residências em Coimbra e no Porto, e o Provincialato e Procuradoria, em Lisboa, e a rede missionária nas províncias ultramarinas de Angola e Cabo Verde, são uma realidade de factores que muito têm contribuído para o progresso das populações e para a elevação do seu nível social.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há ainda a salientar os óptimos resultados obtidos dos Encontros Missionários do Professorado Primário e das Escolas do Magistério, que se têm realizado anualmente e desde o ano de 1961, nas cidades de Viana do Castelo, Guimarães, Guarda, Portalegre, Tomar e Coimbra, por iniciativa do director da Liga Intensificadora da Acção Missionária, o grande organizador e impulsionador que tem sido o Rev.º Pe. José Felício, a quem já me referi, que sabe, como ninguém, remover todos os obstáculos para atingir a sua sempre benéfica e bem intencionada finalidade de servir os interesses da Nação Portuguesa por intermédio da Igreja Católica.
Durante os seis dias que é costume utilizar em cada uma dessas grandes reuniões anuais com o professorado primário, em que são apresentados vários temas e correntes, vivem-se horas altas de alegria, de compreensão, de estudo e de meditação, que muito vão influir na boa formação cristã das crianças das escolas primárias, e até nos seus professores.
As autoridades civis e as populações das cidades onde eles se realizam vivem também os mesmos problemas e sofrem a influência benéfica dessas magníficas sessões de estudo e de civilização cristãs.
Nelas intervêm e delas fazem parte muitas das maiores competências da Igreja e do laicado.
Através das suas conferências, dos seus discursos, das suas homilias, dos seus diálogos, numa palavra, da sua linguagem falada ou escrita, todos aproveitam em ensinamentos, em atitudes, e até nos problemas da vida quotidiana que anteriormente se julgava de difícil solução.
São reuniões de grande valia para o aperfeiçoamento do nosso espírito e da nossa civilização, especialmente na época conturbada de imoralidade que o Mundo atravessa, em que é necessário, como nunca, sermos mais compreensivos, mais humanos e mais santos.
Louvemos, pois, os missionários do Espírito Santo, que têm colaborado, como ninguém, com o Governo da Nação Portuguesa na pacificação e civilização dos povos africanos, dando tudo quanto podem, até ao sacrifício das suas próprias vidas, para o progresso de Portugal em África e ma metrópole.

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E tudo se fez mercê do auxílio prestado pelo Governo da Nação, especialmente nos últimos 40 anos, sem o que não teria sido possível levar a efeito tão grandes e numerosas realizações, e também devido aos donativos particulares generosamente concedidos peles seus benfeitores.
Além disso, quis o Ministério do Ultramar, dado o espírito desempoeirado, de compreensão e de justiça do Sr. Ministro e Prof. Doutor Joaquim Moreira da Silva Cunha, fazer publicar uma portaria pela qual foi emitido um selo especial de correio, da taxa de 1$, comemorativo do Centenário da Congregação do Espírito Santo em Angola, o que muito deve ter sensibilizado e até encorajado mais ainda todos quantos nela trabalham.
Por aquilo que acabo de dizer e pelo muito mais que não disse, por falta de tempo, entendi que era dever nosso pronunciar aqui uma palavra de exaltação e de apreço aos missionários do Espírito Santo, que souberam, como poucos, integrar-se, com todo o entusiasmo e ardor, na santa cruzada de evangelização, levando os seus ensinamentos às províncias portuguesas de Angola e Cabo Verde, onde têm exercido uma notável acção apostólica e civilizadora.
Por isso lhes estamos reconhecidamente agradecidos, bem como ao Governo da Nação, pelo grande e indispensável auxílio e colaboração que lhes tem dispensado, e que por certo há-de continuai- a prestar-lhes, para honra e glória desses heróis missionários e também de Portugal.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à,

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta do lei de autorização das receitas e despesas para 1968.
Tem a palavra o Sr. Deputado Henriques Mouta.

O Sr. Henriques Mouta: -Sr. Presidente: Não estarei à margem das preocupações do Governo reveladas na proposta de Lei de Meios, que acentua a relevância- da educação como um dos alicerças do próprio desenvolvimento económico, trazendo para aqui um aspecto da educação do nosso povo e da promoção rural. Vou ocupar-me hoje de uma iniciativa recente, mas de rasgada perspectiva e de incalculável alcance social, desde que ela se mantenha firme, expanda e aperfeiçoe. Deve-se ao Ministério da Educação Nacional e concretiza-se na utilização, no ensino, dos modernos e poderosos meios audiovisuais. Numa época assinalada pela generalização da cultura e pelo assalto ao ensino por verdadeiras multidões famintas de «ser», de «saber» e de «valer», fenómeno já classificado de «explosão escolar», a telescola vem ao encontro das necessidades e aspirações do nosso tempo e da nossa gente.
Felizmente, tal fenómeno, que não é de geração espontânea nem fortuito, vai-se acentuando em Portugal, de modo a integrar o País no movimento dos mais evoluídos na linha do desenvolvimento cultural. Sabe-se, aliás, que este condiciona o desenvolvimento económico.
Sr. Presidente: Não obstante, e apesar da multiplicação dos beneméritos colégios e externatos por essas vilas e até aldeias serranas das nossas províncias, largas percentagens de jovens de ambos os sexos não dispõem dos recursos necessários para participarem neste salutar movimento de educação e expansão da cultura, para muitos ainda inacessível. O ensino é caro, o ensino particular, a que a Nação deve inestimáveis serviços, que não devem incomodar ninguém, mas alegrar e encher de esperança todos os portugueses.
Fora com as saudades idolátricas do monopólio, instituto sediço e monstruoso criado sob a égide da liberdade contra a liberdade! E urge, isso sim, avançar, acabar com certas disposições rançosas que ainda dão ao ensino oficial certo aspecto de privilegiado, quando devia ser apenas necessário e estimulante paradigma. Positivamente, não estou a requerer bónus ou fatias generosas para as empresas cujos interesses razoáveis devem, aliás, ser assegurados e não podem discutir-se senão com dano dos alunos e da comunidade. Quem, na verdade, merece ser contemplado são os alunos, cujas famílias suportam o custo total do ensino como segunda contribuição, nada justa e nada simpática para os pais, já desgostosos de se verem com filhos menos dotados de inteligência ou de qualidades de trabalho.
Todos sabemos o que o ensino particular representa de alívio para o erário público. Afigura-se-me razoável que o Estado alivie também os encargos das famílias, subsidiando, cem percentagens a estabelecer, as despesas de ensino nos colégios quando os rendimentos dos pais dos alunos que os frequentam não atinjam determinado nível. Mesmo no dia em que esta aspiração se concretize, ainda serão vastas as camadas juvenis sem meios de acesso à cultura, especialmente nas zonas rurais.
Sr. Presidente: Na parte do distrito de Viseu que corresponde aos limites da diocese, apenas foram criados, nos dois primeiros anos, três postos de recepção da telescola, dois no primeiro e um no segundo. Este, que trabalha na Torredeita, mereceu que os seus catorze alunos transitassem de classe, sem favor e com nota folgada. O de Santa Cruz da Trapa, que tinha matriculado doze no 1.º ano, apresentou dez a exame do 1.º ciclo. Todos conquistaram merecida aprovação, com a nota superior a 12, e dois a alta classificação de 17 valores. E o de Serrazes, que matriculara dezanove no 1.º ano e viu forçados a desistir, por circunstâncias várias, uns três, no fim do 1.º período do 2.º, dos restantes dezasseis só não apresentou a exame dois, um por falta de idade legal e outro por não ter aproveitamento. Os outros catorze ficaram todos aprovados no exame do 1.º ciclo: três com 11, um com 12, dois com 13, três com 14, três com 15 e dois com 17 valores.
Mais eloquente que os números é a panorâmica social. Sem a telescola., apenas dois dos catorze alunos do posto de Torredeita conseguiriam ultrapassar a instrução primária, apesar de o liceu e a escola técnica lhes ficarem a 10 km e disporem de carreiras de camioneta e de comboio.
Sem a telescola, dos vinte e oito alunos que nestes dois anos frequentaram o posto de Santa Cruz, sómente seis teriam podido continuar para além da instrução primária. São, na generalidade, filhos de agricultores e trabalhadores. Tomam as refeições em casa dos pais e alguns trabalham de manhã, para ganhar o pão, e estudam de tarde. E dos dez apresentados e aprovados em exame do 1.º ciclo, quatro tinham idade superior a dezoito anos.
Sem a telescola, dos catorze alunos do posto de Serrazes aprovados e o exame do 1.º ciclo só um teria podido prosseguir os seus estudos na escola técnica ou liceu. Um desses catorze era carpinteiro de 25 anos de idade e obteve a classificação de 17 valores. Já concorreu a um lugar público, para poder continuar os estudos. Entretanto, não tirou as mãos da serra e da plaina, prosseguindo nobremente no exercício da profissão. Durante o ano lectivo trabalhava meio dia como carpinteiro e no outro meio dia

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aplicava-se aos deveres escolares. Duas eram costureiras, uma de 19 anos e outra de 34 anos! E ambas saíram do exame com aprovação de 15 valores! E uma aluna do 1.º ano era empregada doméstica de 17 anos de idade. Trabalhava de manhã e, de tarde, graças à compreensão da entidade patronal (a F. N. A. T.), dava-se às obrigações da telescola, deitando-se, por vezes, às 2 horas da madrugada. E obteve a classificação de 15 valores!
No ano lectivo de 1966-1967, o posto de Serrazes matriculou, além dos do 2.º ano, mais dez alunos do 1.º, três dos quais com mais de 18 anos. Uma aluna de 14 anos, cujos pais são privados dos mais elementares meios de vida, e até de saúde, mas têm a riqueza de uma filha a que não falta o precioso capital da inteligência, obteve no exame de ciclo a classificação de 17 valores!
Estes resultados dos primeiros postos de telescola e a subjacente problemática sociológica, que é semelhante nas várias províncias de Portugal, sugerem-me a evocação daquele dito, denso de filosofia social: «Vi uns homens a subir e outros a descer. Os que subiam levavam tamancos, os que desciam traziam sapatos de verniz ...»
Sr. Presidente: E preciso ajudar cada vez mais quem quer subir pelo seu valor e pelo seu trabalho ..., embora se não abandonem as zorras, que só se mexem aos empurrões. E uma conclusão se impõe desde já: são manifestas as largas possibilidades da telescola como instrumento de promoção social dos meios rurais e da efectivação do seu direito à cultura.
Para as populações rurais econòmicamente menos favorecidas, a telescola pode ser órgão auxiliar de justiça social e também de fixação no próprio meio, deixando muitos jovens de sentir a necessidade de abandoná-lo para se valorizarem, tornando-se capazes de aproveitar os recursos locais, de tomar iniciativas de interesse pessoal e colectivo, obreiros da autopromoção em plano regional integrada no desenvolvimento de todo o espaço português visado pelo III Plano de Fomento. E este seria assim uma «tarefa comum», como propõe o Governo, em que participariam, mais activa e eficientemente, vastos contingentes da população portuguesa.
Mesmo que não contribuísse de forma muito sensível para atenuar o êxodo rural, a telescola prestaria sempre o inestimável serviço de preparar melhor vastas camadas de juventude, de tornar muitos portugueses mais capazes de servir e de prestigiar o País, dentro ou fora das fronteiras. As vantagens económicas, sociais, pedagógicas, e até de ordem moral, de a juventude não sair do seu meio para ambientes urbanos, distanciada e desacompanhada das famílias numa idade tão pobre de experiência humana e cheia de riscos, nem se discutem.
Atenuada ficaria a crescente concentração escolar, perigoso congestionamento que pode degenerar em crises de graves consequências. Aliviado ficaria ainda o Estado dos encargos que tal concentração acarreta no plano das construções destinadas ao ensino, do apetrechamento dos edifícios, do pessoal administrativo e do professorado. E quantas inteligências verdadeiramente privilegiadas deixariam de perder-se, aproveitando-se para a Nação! Os talentos são património não apenas dos ricos, mas também dos pobres, que são mais e, às vezes, mais ricos de vontade. Américo Marques Rajão, vencedor do concurso de construções na areia realizado na França, não é o primeiro nem será o último, porque há muitas asas que esperam a sua hora de voar ... Subiria, assim, o nosso património de valores e acelerar-se-ia o movimento de promoção nacional em curso.
Sr. Presidente: Estou a falar no condicional: «subiria», «acelerar-se-ia», porque toda esta perspectiva de esperanças depende de uma condição para se converter em realidades. Que se removam algumas dificuldades. Os resultados verificados mostram quanto foi eficiente a organização, o trabalho e a dedicação dos encarregados de posto e dos monitores. Muitos sacrifícios, porém, se escondem atrás daqueles resultados. Sacrifícios, e até compromissos económicos, espontâneos e sem cobertura, para não deixar descoberto ou sem tecto o grupo de um dos postos. Releve-se-me a parcelar indiscrição ... Não ignoro que as juntas de freguesia têm revelado compreensão, de aplaudir, dentro da notória limitação dos seus recursos. Gesto nobre o daquela entidade colectiva de S. Pedro do Sul brindando uma aluna que passou no exame com 17 valores com uma bolsa de estudo que lhe permita prosseguir. E não seria justo deixar sem uma referência o espírito de iniciativa, o dinamismo, a perseverança e até a discreta audácia dos encarregados de posto, cujos trabalhos e sacrifícios bem merecem de Deus e da Pátria.
A falta de casa apropriada constitui sério embaraço em muitos casos.
Não poderiam as Casas do Povo, nas freguesias onde existem, facultar as suas salas para esta actividade tão benemérita, tipicamente rural e popular?
Quando há boa vontade, as dificuldades evoluem, em muitos casos, para facilidades. E, se os dois Ministérios - da Educação e das Corporações - acentuassem as medidas de colaboração convergente, seriam mais facilmente superadas as dificuldades na base. Lucrariam as populações e as Casas do Povo encontrariam melhor compreensão e mais aceitação.
Outra solução seria utilizar as salas das escolas primárias. Mas, frequentemente, não é de aconselhar nem possível, dada a distância dos edifícios escolares, cujo local não raro foi escolhido por critérios mais paisagísticos que funcionais, e por obrigar a desdobramentos algo perturbadores.
Sr. Presidente: Em Santa Cruz da Trapa foi necessário que aparecesse um benemérito que, sem olhar à magreza da bolsa nem a orçamentos, levantou uma sala improvisada. O Estado concede algumas bolsas de estudo, subsídios para material didáctico e vai-se contando com descontos nos aparelhos de televisão. Mas estes, no fim do ano, carecem de reparação dispendiosa, se não de substituição. Com todos os prodígios ou milagres de economia, duas modestas salas de um posto não se apetrecham de mobiliário e material pedagógico com menos de trinta e cinco ou de quarenta contos.
E preciso pagar a três ou quatro monitores cerca de 200$ mensais a cada um. Bagatela que põe em relevo a dedicação de jovens professores primários, estudantes de ideal? Sem dúvida. Mas aonde se vai buscar essa bagatela, quando os alunos ou famílias são do nível - ou desnível - económico que se viu? O problema não se resolverá com subsídios de dois ou três contos por ano. Às vezes, até calçado e a própria alimentação, além de livros, tem o posto de oferecer aos alunos.
Requer-se, pois, mais substancial apoio económico. E parece razoável e não incomportável que os monitores sejam pagos pelo Estado e os encarregados do posto suportem apenas as despesas de montagem e manutenção.
Alguns reparos se fazem ao facto de o ensino dos postos ser oficial na origem, e não na recepção, sugerindo-se a sua oficialização total.
Também a muitos não parece razoável que, sendo o ensino essencialmente oral, se exija muito menos oralidade

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que nos exames do liceu e da escola técnica, baseando-se a classificação quase só em provas escritas.

O Sr. André Navarro: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Sabemos todos que se deram apenas os primeiros passos e que a máquina entrou na primeira fase da rodagem. Mas já não restam dúvidas quanto à eficiência do processo. A telescola pode e deve ser uma poderosa alavanca de promoção dos meios rurais e de desenvolvimento geral da Nação.

O Sr. André Navarro: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Os investimentos que nela se fizerem, dentro do espírito, letra e estrutura do III Plano de Fomento, terão profundo sentido de justiça e de humanidade e assegurado rendimento económico-social. A telescola tem de ser compreendida e correspondida pelos particulares e entidades oficiais, multiplicando iniciativas, colaborações e recursos.
Daqui saúdo os pioneiros que enfrentaram os riscos do insucesso ou desaire. O seu triunfo está sendo factor de multiplicação de postos através do País, num clima de optimismo, e até de entusiasmo. Estendamos os braços aos nossos irmãos rurais. São homens dos mais sãos, portugueses dos melhores, irmãos sacrificados e sempre fiéis, cerne da Nação e garantia do futuro da comunidade lusíada. Eles anseiam, precisam e merecem promoção, válida para eles e enriquecedora do País. Iremos assim ao encontro dos artigos 15.º e 16.º da proposta de Lei de Meios, que prescrevem que continuem «a ser intensificados os investimentos culturais e sociais», prevendo-se que o Governo, «dentro dos recursos financeiros disponíveis, inscreverá ou reforçará as dotações ordinárias e extraordinárias». De harmonia com o exposto e o constante das formuladas intenções do Governo, dou a minha concordância à presente proposta de lei na generalidade da sua linha de rumo, solicitando que as expressões «intensificar os investimentos culturais» e «reforçar as dotações» se apliquem e traduzam em mais significativo apoio financeiro dos postos de telescola como instrumento de justiça social e de promoção dos meios rurais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Leonardo Coimbra: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ás medidas de promoção humana não são menos urgentes que as de carácter técnico e económico que estão a ser consideradas e em progressiva efectivação.
Na realidade, os estudos realizados pela O. C. D. E. provaram que «a única maneira de ajudar eficazmente a agricultura consiste em melhorar e modernizar as estruturas, a fim de que um número mais restrito de explorações viáveis possa fornecer rendimentos mais elevados II uma mão-de-obra menos numerosa, sem que para isso haja superprodução» (Temas Económico-Sociais Agrários, n.º 4, 1967).
Uma política agrária efectiva implica e exige a revisão das estruturas de produção e comercialização.
Mas, a par das indispensáveis medidas de racionalização das explorações existentes, facilidades de crédito e comercialização mais eficaz, impõem-se igualmente medidas de protecção e promoção do homem, que não deve trabalhar, viver, sofrer e morrer entregue às contingências de um meio sem protecção organizada contra a doença natural e profissional e contra o acidente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não é de aceitar como válida uma estrutura social agrária em que o fim de uma longa vida de árdua labuta ou a contingência de um acidente mutilador possa ser a mendicidade itinerante pelas feiras e caminhos ou a magra escudela de um filho ou de um asilo.
Medidas técnicas de reforma agrária e de ordem educacional, como divulgação de conhecimentos técnicos, cooperação entre empresas, sistema de crédito, preparação, readaptação e colocação profissional, aproveitamento de terras de acordo com a sua natureza e topografia, são tudo medidas de melhoramento das estruturas agrárias que se impõem, os técnicos programam e o Governo considera ao abrigo da Lei de Melhoramentos Agrícolas e das múltiplas comissões que têm sido constituídas, assim como outros órgãos de acção e planificação económico-social.
Entretanto, tudo resultará mutilado se o homem, que é a realidade essencial e primeira, for esquecido nos seus direitos e interesses fundamentais e se o seu modo de viver no meio rural não for simultaneamente impulsionado de modo a garantir um nível de conforto e segurança que a sua dignidade exige.
Numerosas famílias de cultivadores que trabalham em quintas de pequenas dimensões e baixos rendimentos, muitas vezes em regiões onde faltam todas as condições de conforto, lazer e educação, sem cobertura sanitária e sem esquema de previdência social, se não estiverem possuídas de um amor entranhado e generoso à terra, dificilmente poderão resistir às solicitações da emigração.
Se relancearmos os olhos pelos países em progresso, para situarmos a nossa exacta posição, vemos que é indispensável integrar urgentemente o extenso sector da população agrária nos já sólidos esquemas de previdência social, assistência e saúde pública, para alicerçar uma política da saúde sempre indispensável para o progresso dos povos.
Assim, vejamos de relance algumas das medidas essenciais que se impõem e é preciso considerar.
No vasto sector da prevenção de acidentes e doenças profissionais, a Organização Internacional do Trabalho produziu, em 1962, uma declaração no sentido de interditar a venda, aluguer e utilização de máquinas insuficientemente protegidas e prossegue um vasto programa com a finalidade de assegurar medidas de protecção contra as doenças profissionais e acidentes de trabalho em todos os sectores da actividade humana.
A Declaração de Filadélfia reconhece solenemente a obrigação, para o O. I. T., de prosseguir, no plano mundial, a sua actividade para assegurar a protecção da vida e da saúde dos trabalhadores em todas as actividades e todas as empresas.
Considerando o número crescente de substâncias tóxicas usadas na agricultura e o aumento de acidentes resultantes dos transportes e da mecanização progressiva, em Junho de 1955 a Conferência Internacional do Trabalho examinou o problema da formação profissional na agricultura, em vista da adopção, em 1956, de uma recomendação internacional do trabalho nesta matéria (Dixième Rapport de Organisation International du Travail aux Nations Unies, do B. I. T., p. 46), redigida pelo Bureau International du Travail.
O projecto de recomendação, redigido há mais de dez anos, enumera os objectivos da formação profissional na

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agricultura e as condições de prevenção técnica e segurança no trabalho.
Em rápido apontamento, consideremos as dimensões do problema em alguns países.
Os Estados Unidos despendem grande actividade na prevenção dos acidentes rurais, cujo número, em incapacidades permanentes e acidentes mortais, excede os outros ramos de actividade, pois a taxa de frequência é de 31,8 por 1000 habitantes das zonas rurais, com uma incapacidade temporária de 20 dias e custo de cuidados médicos de 43 dólares em média.
Também numa estatística dos Países Baixos, referente a 1949, se registaram 2105 acidentes devidos ao uso de máquinas agrícolas.
Como podemos ler na publicação Les Accidents et l'Organisation de la Prévention dans l'Agriculture, do B. I. T.:
A taxa de frequência dos acidentes de trabalho na agricultura parece ser sensivelmente igual às taxas médias das outras indústrias, consideradas em conjunto.
Ora, estes dados afiguram-se-me de extrema importância para acentuar a urgente necessidade de criar também entre nós, para as populações rurais, um esquema de medicina do trabalho.
Na Itália, o Instituto Nacional de Prevenção de Acidentes cuida, simultaneamente, da prevenção de acidentes e doenças profissionais, enquanto procura actuar, pelos seus grupos especiais de trabalho, sobre as máquinas, para as tornar cada vez menos perigosas, e sobre os trabalhadores, para os tornar cada vez mais eficientes e conscientes.
Esses técnicos de prevenção organizam reuniões de trabalhadores para desenvolver uma acção sistemática de educação e propaganda, com a finalidade de difundir noções de prevenção de acidentes e higiene e segurança do trabalho.
Assim, conseguiram reduzir notavelmente, por exemplo, os acidentes ocorridos com debulhadoras.
Os seus programas prevêem a acção coordenada dos técnicos de segurança, médicos do trabalho, psicólogos, educadores e trabalhadores sociais, constituindo-se em comissões de higiene e segurança, de fundamental valor na luta contra a doença profissional e o acidente.
Estes grupos de trabalho percorrem as quintas para inspeccionar as máquinas e educar os homens.
Em Amsterdão existe um instituto de segurança do trabalho para estudar os perigos das máquinas e dos tóxicos, assim como os meios de educação dos trabalhadores.
Na Dinamarca, o Ministério do Trabalho preocupa-se com os dispositivos de protecção e segurança que impeçam eficazmente os acidentes.
Assim, por exemplo, o elevado número de acidentes ocorridos com tractores (em 1962 verificaram-se 32 casos mortais) levou a utilizar, progressivamente, tractores com cabinas, o que garante uma segurança quase total.
Por sua vez, Israel possui o Instituto Nacional de Segurança e Higiene do Trabalho, que dispõe de dez engenheiros com a missão de realizar conferências e audições radiofónicas, promover a passagem de filmes sobre a segurança do trabalho e proceder à edição de publicações educativas.
Na Polónia, o pessoal dirigente e os engenheiros são responsáveis pela aplicação das medidas de protecção, enquanto a verificação e inspecção do estado de segurança e da higiene dos locais de trabalho pertencem aos sindicatos, que possuem atribuições que lhes permitem agir eficazmente.
Assim, entre 1958 e 1962 o número de acidentes diminuiu 66,2 por cento, o que constitui um resultado altamente expressivo.
Mas o trabalhador deve colaborar na luta contra os perigos que o ameaçam, pois é reconhecida a alta incidência do factor humano na sinistralidade, do que resulta a grande importância da formação educativa dos trabalhadores no domínio da segurança e higiene do trabalho.
Numa publicação da Associação Internacional de Segurança Social referente aos colóquios internacionais de Varsóvia, em 1963, vemos que a consideração do estado de tranquilidade psíquica do trabalhador perante as exigências da segurança e do rendimento técnico levou o Estado a realizar largos investimentos financeiros no sector social.
E, assim, foi impulsionado o alargamento da rede de instalações sociais, como, por exemplo, creches, maternidades, núcleos culturais junto das empresas para os filhos dos seus trabalhadores, campos de férias para crianças, cantinas nas empresas, casas de repouso, etc.
Para finalizar esta análise comparativa entre as condições sociais da nossa agricultura em relação a outros países, recordarei o caso da Espanha.
Possui o país vizinho um serviço de prevenção - o Instituto Nacional de Medicina e Higiene do Trabalho - que utiliza todos os meios audiovisuais de informação (rádio, imprensa, televisão) para fazer conhecer os riscos inerentes ao trabalho na agricultura.
Possui também um sistema muito desenvolvido de exames médicos dos trabalhadores rurais.
Uma escola especial prepara especialistas da segurança do trabalho na agricultura e de aprendizagem agrária, porque o Governo considera a formação profissional um dos pilares básicos em que há-de apoiar-se a modernização e o progresso da agricultura do país.
Na França, já existe igualmente legislação própria para a medicina do trabalho rural desde Dezembro de 1966.
E o problema avulta de tal modo no plano internacional que foi criada uma associação internacional de medicina rural, tal a importância de um sector ainda totalmente desvalorizado entre nós.
Com a nossa magnífica e singular tradição humanística, qual é, entretanto, o cuidado que dispensamos ao mundo rural, que tem sido o alfobre donde saíram os inumeráveis obreiros de uma história magnífica?
A mecanização da agricultura e a utilização cada vez mais diversificada de produtos químicos, mais ou menos tóxicos, como fertilizantes, herbicidas, fungicidas e pesticidas, agravam cada vez mais os riscos e, por isso, uma agricultura em renovação tem de estar, desde início, preparada com os processos de prevenção médica e técnica mais eficientes para proteger os trabalhadores contra as doenças profissionais e os acidentes.
Por isso, os países cuja agricultura é progressiva e fortemente mecanizada têm absoluta necessidade de estabelecer uma regulamentação activa e eficiente de modo a evitar os riscos para a saúde decorrentes do trabalho profissional agrícola.
Os processos de prevenção dos riscos profissionais na agricultura moldam-se sobre as medidas de higiene e segurança próprias dos trabalhos industriais, sob a dupla forma de prevenção médica e técnica.

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nhada de adequadas medidas de instrução e formação, subordinadas às regras estabelecidas pelo B. I. T.
O trabalhador rural e o seu agregado familiar estão naturalmente expostos a riscos especiais, como acidentes, zoonoses, agressividade do meio ambiento e do clima. Além da patologia própria do meio, como bruceloses, leptospiroses. carbúnculo, etc., cuja evicção é da competência, do sector da saúde pública, à medicina do trabalho rural incumbe combater as causas dos acidentes e doenças profissionais pela organização sistemática da prevenção médica e difusão das medidas pedagógicas adequadas.
Deverá combater, na sua origem, as causas determinantes de estados patológicos profissionais, como poeiras conteúdo esporos susceptíveis de provocar pneumoconioses, doenças alérgicas, fumos, gases tóxicos, vibrações, utilização inadequada de produtos tóxicos (fertilizantes, pesticidas, etc.), por vezes altamente perigosos e cuja utilização já se encontra regulamentada entro nós pelo Decreto-Lei n.º 47 802, de 19 de Julho de 1967.
Perante tão numerosos riscos que fazem perigar a saúde dos adultos e contribuir para manter as elevadas taxas de mortalidade infantil, a vigilância normal e sistemática da saúde dos trabalhadores e famílias rurais é missão específica que se impõe e exige a aplicação efectiva e ampla da legislação felizmente já existente e publicada.
Como declarou numa entrevista o Sr. Ministro da Economia (Diário de Lisboa de 10 e 11 de Agosto de 1966), entre os pontos dei estrangulamento do novo desenvolvimento económico dois há que devem merecer tratamento prioritário: a agricultura e a formação de técnicos em todos os sectores.
A estagnação do sector agrícola significará, cedo ou tarde, bloqueio da expansão dos outros sectores da actividade económica nacional.
Por isso se impõe a urgente promoção da agricultura e um racional e económico aproveitamento de todas as possibilidades existentes.
O vazio médico-sanitário da periferia rural suscita dificuldades que só uma perfeita coordenação e interajuda de sectores ministeriais diferentes (digo interajuda, e não sobreposição e atrito) e uma programada economia de técnicos permitirão resolver com bom rendimento social.
O mesmo médico terá muitas vezes de ser. simultaneamente, médico de medicina preventiva no trabalho industrial, médico também do trabalho na empresa comercial e agrícola (directamente ou através da solução interempresarial) e ainda dos aglomerados familiares rurais, através das Casas do Povo ou, de preferência, das caixas distritais, no sector da medicina curativa.
Terá também de cuidar da saúde pública como delegado de saúde e de assistência como médico hospitalar o das delegações dos diferentes institutos onde estes estiverem representados.
Finalmente, serve ainda a previdência social através da respectiva caixa distrital e de abono do família, que, onde conviesse, poderia utilizar as instalações da Casa do Povo, substituindo-se ao seu precário esquema de providência e permitindo-lho maior aptidão para a realização das suas funções económicas e sócio-culturais específicas. Pela sua fraca capacidade económica, as Casas do Povo são incapazes de prestar um eficiente esquema de medicina curativa, função que deveria, por critério de unificação, ser devolvida à caixa distrital da respectiva área.
Este conceito está na linha do pensamento afirmado no Plano de Fomento quando reconhece que a «assistência clínica prestada pelas Casas do Povo tem sido mais eficiente nos casos em que é realizada em regime do acordo com os serviços médicos das caixas de previdência mediante u utilização recíproca de instalações, e. por isso, já foram, até final de 1966. realizados 422 acordos de cooperação».
Uma eficaz política de saúde e uma fecunda política da infância, a par da extensão da segurança social, constituem as infra-estruturas fundamentais para que o progresso técnico e económico da Nação se possa processar. É por isso urgente programar uma eficiente coordenação de sectores para que o progresso se amplie às regiões rurais.
É evidente que as prestações familiares, incluída a assistência materno-infantil, e as prestações de doença, invalidez, velhice e morte; a profilaxia da doença e a assistência; a prevenção de acidentes e doenças profissionais (asseguradas pela nova disciplina social de higiene e medicina do trabalho); a preparação de mão-de-obra por escolas profissionais, como de regentes agrícolas, infelizmente tão pouco numerosas; a recuperação de inválidos e a recolocação da mão-de-obra pelos serviços de reabilitação profissional e recolocação nacional - constituem medidas, entre outras, que concretizam uma fecunda política social e devem ser perfeitamente coordenadas entre si em ordem aos interesses fundamentais do homem social.
Não é suficiente promover a reabilitação c orientação profissional, é igualmente imprescindível assegurar a efectiva função do também já criado Serviço Nacional de Emprego, com os seus centros de colocação de incapacitados e orientação profissional, o que só será possível se o Governo, depois de ter criado o Serviço do Reabilitação Profissional, impuser a colocação dos incapacitades nos três sectores da actividade nacional, como, desde longo tempo, se faz na Inglaterra.
O problema é tão importante nos países em surto de desenvolvimento e que sofreram, ou sofrem, o impacte de uma guerra que, em 1955, foi criada na Europa Ocidental uma comissão mista para estudo das condições de readaptação e reemprego de inválidos.
A uma juventude que regressa da guerra temos de oferecer largas perspectivas de inserção em actividades reparadoras e de progresso social de carácter construtivo o criador que satisfaçam as necessidades de acção criadora de valores e o sentido de ajuda fraterna, disciplina c responsabilidade apurados pela disciplina militar, em lugar de frustrações resultantes das negligências de uma sociedade que não ergueu, como devia, uma fronteira interna de unidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Temos obrigações internacionais, e a O. I. T. prossegue em todo o Mundo um vasto programa com vista a proteger a saúde de todos os trabalhadores nos próprios locais de trabalho, sejam eles quais forem.
Não há que enquadrar sómente as empresas com estrutura definida e estável; há que assegurar também protecção social e medicina do trabalho aos ranchos migratórios e aos trabalhadores deslocados e itinerantes, que normalmente vivem e trabalham em condições destituídas de garantias mínimas de higiene, conforto e segurança, situação para a qual mais uma vez as Casas do Povo oferecem a solução adequada pela estruturação de acordos com equipas do medicina do trabalho rural.
Não ignoro que não existem ainda técnicos em número suficiente, mas criem-se condições do obrigatoriedade e Justa remuneração, e os técnicos do trabalho médicos, engenheiros c monitores de segurança, psicólogos, educadores, trabalhadores sociais e enfermeiros) surgirão, desde que se tome acessível a preparação que dá acesso a uma carreira profissional.

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Para tal há que solicitar o interesse das três Faculdades de Medicina o Engenharia, que, parece-me, deveriam, do acordo com as respectivas Ordens, facultar o regime de alunos voluntários (à imagem do que se passa com as Faculdades de Direito), além dos cursos específicos dó preparação assegurados pela Escola Nacional do Saúdo Pública, escolas de enfermagem de saúde pública e Instituto Superior de Higiene do Dr. Ricardo Jorge, cujas capacidades deveriam ser reforçadas, porque não é com as actuais inscrições na Escola Nacional de Saúde Pública e no Instituto Superior de Higiene que se pode acorrer A emergente carência de pessoal técnico, orçada em milhares de profissionais.
Sucede ainda que a raiei acção profissional das áreas rurais, já agravada pela mobilização militar, seria mais afectada ainda pela necessidade de frequentar cursos exclusivamente existentes em Lisboa.
As Faculdades de Medicina, na linha da sua missão formadora, é meu voto que tenham uma grande presença a desempenhar na preparação do vasto o fecundo campo da medicina social.
As Faculdades de Medicina e Engenharia, com cursos voluntários preparatórios de medicina do trabalho e de higiene e segurança, tornariam possível aos técnicos (médicos, engenheiros, psicólogos, psicotécnicos, etc.) realizar a preparação especializada sem graves prejuízos pessoais e sem agravar a rarefacção profissional dos meios por vezes fortemente carenciados.
E não só objecte que a integração de técnicos de prevenção constituiria- mais uma oneração para as empresas e para o custo de produção, pois está demonstrado que o processo é rentável e, para além de tudo, constitui fecundo serviço prestado ao bem comum e à pessoa humana, condição tão poderosa de humanização do trabalho que, só por si, justifica a integração do esquema no equipamento normal da empresa.
Por sua vez, a oneracão resultante da aplicação do esquema de previdência social no meio rural deve ser função da gama de benefícios assistenciais; recebidos o equitativamente diluída no esquema geral da previdência.
Os núcleos - de medicina do trabalho dimensionados às características locais - poderiam ser centrados nas empresas ou em grupos de pequenas empresas, solução tanto mais lógica quanto é certo que os agricultores têm de se associar para obter lucro, ou anula nas próprias Casas do Povo. para as fragmentárias e. dispersas unidades do tipo familiar.
As Casas do Povo podem desempenhar uma preciosa função de cooperação social e desenvolvimento sócio-cultural da comunidade nas suas áreas de influência.
Mas, como instituições de assistência a previdência, a sua função é frágil, por não disporem de recursos nem de capacidade económica e técnica de acção.
Para além das suas funções recreativas, culturais e sociais e de assistência materno-infantil, é necessário considerar o modo de exercer a previdência social indispensável para corporizar e vivificar os meios rurais e assegurar a sua revitalização humana.
Afigura-se-me que o único modo verdadeiramente eficiente d(c) assegurar ao meio rural a previdência será sòmente pela integração desta nas grandes e poderosas caixas distritais em organização.
A estas caberia estabelecer planos distritais, pela abertura de serviços médicos da previdência (em instalações autónomas, ou por acordos com as Casas do Povo ou suas delegações onde tal solução fosse mais aconselhável) extensivos às populações rurais, integradas assim no conjunto das outras actividades industriais e comerciais já abrangidas pela sólida e eficiente estrutura da previdência social.
Em correlação com os serviços médicos da previdência, que abrangeriam toda a população activa, estabelecer-se-iam relações funcionais com os serviços hospitalares do sector de saúde e assistência de conformidade com os acordos actuais, tal como nos centros urbanos.
Quanto ao esquema de medicina do trabalho, hierarquicamente independente, por estar entroncado na Direcção-Geral de Saúde, deverá ser estruturado de modo a assegurar, apoiado no Instituto Nacional do Trabalho, uma acção preventiva ampla e eficiente sobre a larga margem de risco de acidentes de trabalho e doenças profissionais que as actividades industriais, comerciais e agrárias necessariamente implicam.
Para fixar a população é necessário que o nível social rural se eleve paralelamente ao dos outros meios.
Por isso, é preciso sair do primarismo oferecido pelo trabalho agrícola tradicional, caracterizado pelo seu baixo nível de vida, carência habitacional, precariedade de condições de educação, de assistência, de previdência social e de condições de promoção humana.
O panorama presente do mundo rural é o de marcado atraso económico e social, e o anacronismo das suas estruturas, com uma produção mal estudada para as exigências do mercado, e o desequilíbrio das explorações mal dimensionadas para uma utilização racional das modernas técnicas, obrigam a uma reforma agrária que o Governo está a programar urgentemente.
Na realidade, os agricultores não podem sair por si próprios desta situação c, por isso, compete aos órgãos do Estado a função de orientação técnica e apoio económico para reanimar e vivificar uma agricultura renovada.
Mas - uma vez mais insistimos - não se pode esquecer o elemento humano e as suas necessidades fundamentais como força vital que anima a produtividade e o progresso.
Por isso se impõe, com igual urgência, a estruturação de uma cobertura de segurança social e medicina do trabalho, requerendo-se o alargamento às populações rurais de um suficiente esquema de saúde pública, assistência e previdência social, para que o mundo rural possa tornar-se centro gravitacional de interesse para as populações jovens e promissoras que é necessário fixar.
Mas o progresso exige também educação.
E, como consequência. O baixo nível de cultura, é essencial recorrer aos métodos audiovisuais - conferências, demonstrações, rádio e televisão - em programas orientados, para o que as Casas do Povo, como elemento de propaganda, poderiam ser muito úteis.
As essenciais medidas de segurança rodoviária e de segurança profissional deviam ser ensinadas nas escolas profissionais, e mesmo a partir da escola primária.
A alta importância da educação preventiva avalia-se se considerarmos, por exemplo, que na Itália e na Jugoslávia o factor humano é considerado como causa dos acidentes em 75 a 90 por cento dos casos.
Os meios educativos da população rural deveriam ser:

Filmes de curta metragem;
Folhas explicando causas de acidentes;
Cursos sobre prevenção nas escolas:
Campanhas de propaganda na imprensa, rádio e televisão;
Acção, junto dos fabricantes de máquinas, quanto à colocação de dispositivos de segurança, etc.

No ângulo da medicina do trabalho rural, é preciso prever e assegurar exames médicos iniciais e periódicos sempre que se desloquem brigadas de trabalhadores, como sucede no Alentejo.

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A observação das condições sanitárias dos lugares onde se realiza o trabalho deve ser assegurada, devem elaborar-se regulamentos de higiene e segurança adaptados a cada tipo de trabalho, ensinar elementos de socorrismo, registar dados para elaboração estatística e, finalmente, assegurar os cuidados médicos necessários para evitar os riscos profissionais.
A par disso, os serviço de saúdo pública e de previdência social deverão enquadrar no amplo esquema dos seus benefícios não só o trabalhador rural, como a sua família.
Melhorada assim a saúde, melhorará a produção.
A ausência da previdência social, assistência e medicina do trabalho constitui uma das maiores carências do meio rural a que é preciso obstar, pois a permanência do actual condicionalismo social acarretará o seu agravamento, a caminho de uma progressiva paralisação e total esvaimento.
Pelo contrário, a extensão dos benefícios sociais ao meio agrícola constituiria um factor eficaz de fixação dos trabalhadores rurais validos para sobrevivência e indispensável progresso da agricultura.
O «esquema mínimo» foi já um passo na previdência rural, mas o caminho a prosseguir será o da integração directa nas caixas de previdência em condições idênticas às dos outros sectores sociais. Actualmente, sómente cerca de um quinto da população activa agrícola está segura através das Casas do Povo, o que é totalmente insuficiente.
Porque estão a funcionar acordos internacionais relativos à segurança social para assegurar benefícios às famílias dos trabalhadores residentes no estrangeiro, é lógico que a nossa própria cobertura se estenda a toda a população trabalhadora nacional, através das integrações nas caixas regionais.
Sr. Presidente: Tudo quanto pretendemos salientar da nossa problemática nacional é necessariamente extensivo a todo o imenso corpo da pátria que desperta, cheia de energias ocultas, paira o grande e exigente convívio das nações.
Na maré alta de promoção humana que soergue o Mundo, o grande corpo vivo e palpitante da Pátria deve integrar a totalidade dos seus espaços humanos, para que o seu crescimento possa ser verdadeiramente harmonioso e fecundo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sousa Magalhães: - Sr. Presidente: Mais um ano de esforço, de luta e de patriotismo está prestes a atingir o seu termo. Neste lapso de tempo, o Governo da Nação não se poupou a canseiras, a preocupações e a vigilância atenta na defesa daquele património que é nosso por força da história e do direito.
E, apesar das convulsões político-sociais que, numa sucessão permanente, vão mudando a face do Mundo e atingindo as estruturas económicas dos povos, nós, pela visão larga da interpenetração dos acontecimentos internacionais, continuamos a desfrutar de uma admirável estabilidade financeira, que, há quase quatro décadas, tem sido o principal motivo do ressurgimento nacional e constitui agora a alavanca do nosso prestígio no mercado estrangeiro de capitais.
Por isso, muito me regozijo por, mais uma vez, ter a oportunidade de evidenciar o excelente trabalho do Ministério das Finanças ao submeter a esta Assembleia,
com a regularidade habitual, a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1968.
Com efeito, ela reflecte nitidamente. a seriedade de processos do Governo e as indiscutíveis qualidades do Ministro que a subscreveu.
O relatório preambular, recheado de elementos estatísticos comparativos e alargando-se ao estudo pormenorizado da- evolução da conjuntura nacional, constitui trabalho precioso, onde nem sequer faltou oportuna comparação com os problemas de índole económico-social na Europa Ocidental e na América do Norte. Segue, assim, u linha de rumo dos que o precederam, na vontade de servir o engrandecimento nacional no concernente à defesa da integridade territorial da Nação, ao fomento, à cultura, à conjugação mais harmoniosa dos factores de produção, ao complexo condicionalismo dos mercados interno e externo e a uma melhoria mais acentuada, das condições de vida dos Portugueses.
Mas desta tribuna, onde, sem animosidade ou ressentimento, tanto se critica como louva a acção governativa, também se formulam votos, se exprimem desejos e se apontam sugestões.
Assim, começarei por manifestar a minha grande preocupação quanto aos elevados deficits que se têm verificado, no decurso dos últimos anos, nas transacções comerciais da metrópole.
Com efeito, o ano findo foi caracterizado por um agravamento sensível do deficit da nossa balança comercial, que ultrapassou os 11 milhões de contos, enquanto em 1965 tinha sido de 9 980 000 e em 1964 de 7 489 000 contos.
O agravamento de mais de 1 milhão de contos em relação a 1965 deveu-se fundamentalmente ao aumento, de cerca de 900 000 coutos, do saldo negativo do comércio com o estrangeiro e à redução, de mais de 40 por cento, do saldo positivo das relações comerciais com o ultramar, que passou de 489 000 contos, em 1965, para 277 000 contos, em 1966.
Nos primeiros nove meses do ano corrente continuou II aumentar o deficit da nossa balança comercial, embora num ritmo mais moderado do que nos anos anteriores. Assim, enquanto de Janeiro a Setembro de 1966 se verificou um saldo negativo de 7 920 392 contos no comércio especial com o estrangeiro, em igual período do ano corrente esse saldo, também negativo, já é de 8 168 127 contos, ou seja, mais 247 735 contos do que no ano anterior.
O comércio entre a metrópole e o estrangeiro atingiu, em 1966, os valores de 25 186 000 e 13 836 000 contos, respectivamente na importação e na exportação.
Em relação a 1965, estes números traduzem taxas de crescimento de 10 por cento para a importação e de 11,3 por cento para a exportação, o que significa que as compras de mercadorias ao estrangeiro se expandiram a ritmo bastante mais lento que em 1965, ano em que atingiram 20,6 por cento, enquanto as vendas continuam a crescer a ritmo sensivelmente idêntico ao daquele ano, que foi de 11,8 por cento.
O deficit da balança, comercial da metrópole com o estrangeiro continuou, todavia, a agravar-se, tendo atingido no ano findo de 350 000 contos, e no ano corrente, como já referi, está com tendência para aumentar ainda mais.
Esta evolução foi largamente determinada pela contracção do ritmo de expansão das trocas com a Espanha e, sobretudo, com a E. F. T. A. e C. E. E.

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a haver diminuição das exportações para a Holanda, Bélgica-Luxemburgo e principalmente para a Alemanha, país que nos comprou menos 166 000 contos do que no ano anterior, embora seja o nosso principal fornecedor. Em virtude do elevado volume de comércio com a Alemanha e da amplitude das respectivas variações, foi este país o principal responsável pelo menor dinamismo das trocas com a C. E. E. em 1966.
Quanto à E. F. T. A., diminuíram as importações provenientes da Noruega e da Dinamarca., ao passo que as exportações aumentaram a ritmo superior ao de 1965, tendo-se elevado o superavit do comércio com a Dinamarca e passando a ser positivo o saldo das trocas com a Noruega.
O comércio com a Áustria e a Suécia cresceu a taxas superiores às do ano anterior, o mesmo sucedendo com as compras ao Reino Unido e à Suíça, enquanto o ritmo de expansão das exportações para estes países foi menos acentuado que em 1965. Foi em relação ao Reino Unido que se verificaram os maiores aumentos absolutos, tanto nas importações como nas exportações.
Este país foi, porém, o principal responsável pela contracção do ritmo de crescimento das exportações para a E. F. T. A.
Em virtude da amplitude destes movimentos, a E. F. T. A. (e o Reino Unido em particular) aumentou a sua participação no total do comércio externo da metrópole, ao passo que a C. E. E. e a Alemanha não conseguiram manter as percentagens de 1965. Deste modo, a E. F. T. A., que em 1964 se tornou o principal mercado consumidor dos produtos nacionais, não só consolidou a sua posição, como manteve a tendência para se tornar a maior zona abastecedora do mercado metropolitano, posição actualmente ocupada pela C. E. E.
Apesar de até agora se terem conseguido aumentos importantes nas exportações para a E. F. T. A., pode afirmar-se que as actividades nacionais não puderam extrair todas as vantagens dos primeiros anos de vigência do regime especial fixado pelo Anexo G da Convenção de Estocolmo.
Irei, até, mais longe dizendo que, se não se adoptar uma linha de acção mais decidida dentro do breve período de cerca de 12 anos que resta a Portugal para reconversão da sua- economia, haverá que recear pelo afastamento definitivo da hipótese de acompanhar o crescimento dos níveis de vida dos países do Ocidente europeu, onde a metrópole está geogràficamente enquadrada, e pela eventualidade de mais graves tensões sobre a balança comercial.
Urge, por isso, que aproveitemos ao máximo as disposições contidas no Anexo G que permitem a Portugal introduzir em qualquer data até 1 de Julho de 1972 direitos novos ou mais elevados, a fim de fomentar a produção de certas mercadorias anda não produzidas em quantidades importantes em Portugal, desde que esses novos direitos não sejam superiores aos que são aplicados em relação a produtos semelhantes importados de estados não membros.
Devemos ter em conta que a nossa indústria química e de máquinas dificilmente vencerá a enorme concorrência estrangeira de produtores poderosos já acreditados e com altos padrões de qualidade se inicialmente não houver uma protecção adequada que a compense da incipiência da produção e escassez do mercado.
Analisada a estrutura das importações, verificámos sensível irregularidade na sua evolução, embora os bens de equipamento - máquinas e aparelhos industriais eléctricos e não eléctricos - tenham mantido o ritmo apreciável e atingido a elevada verba de 5 715 000 contos, contra 4 676 000 contos em 1966, a fim de ocorrer ao esforço de reconversão e reequipamento empreendido por múltiplos sectores da actividade nacional, nomeadamente a lavoura e a indústria têxtil.
Neste sector alguma coisa já se vai fazendo entre nós embora muito mais se pudesse fazer se a alínea a) do artigo 8.º da lei em discussão, que em anos anteriores também já tem figurado, e muito bem, fosse mais criteriosamente aplicada. Refiro-me ao facto de serem concedidas isenções de direitos que incidem sobre a importação de determinadas máquinas e não serem concedidas aos fabricantes nacionais dessas mesmas máquinas isenções para as partes que são obrigados a importar pelo facto de serem patenteadas e, portanto, não poderem ser fabricadas entre nós.
Seria lógico que se protegesse a fabricação de máquinas nacionais, sector dos mais dinâmicos nos países evoluídos, em vez de o colocar em posição desfavorável em relação aos fabricantes estrangeiros, como o que a economia nacional é duplamente prejudicada - por agravar o desequilíbrio da nossa balança comercial e por diminuir as receitas do Estado.
Como não compreendo o critério seguido, daqui faço o meu apelo no sentido de ser revista a política seguida em matéria de isenções fiscais.
Sr. Presidente: Ao dar o meu voto à proposta que estamos discutindo, não .posso deixar de fazer algumas considerações, ainda que breves, sobre o artigo 15.º, que reputo da maior importância.
Refere-se ele aos investimentos sociais e culturais, designadamente nos sectores da investigação, do ensino e da formação profissional.
Creio que devemos tomar consciência de que esses problemas assumem, para a nossa geração, a mesma prioridade que, no século passado, assumiu a questão social. Isto mesmo se verifica em todos os grandes países industriais, que concedem amplo lugar ao incremento da investigação e da formação de técnicos, que consideram como uma das bases do crescimento económico. Com efeito, estamos na era dos investigadores e dos técnicos, e aqueles países que se alheiem dos progressos da investigação pura e aplicada, que não promovam a formação de pessoal científico e técnico e que não invistam verbas vultosas no ensino condenam-se à estagnação, e até ao declínio.
Em França, o quinto plano de desenvolvimento económico e social considera a investigação e o ensino como a base fundamental de todo o processo de desenvolvimento. Existe, aí, uma comissão consultiva de investigação científica e técnica, cujo secretariado é assegurado por uma nova direcção-geral da investigação.
Na Inglaterra, o esforço dos Poderes Públicos neste sentido remonta já a cerca de meio século, com a criação do Department of Scientific and Industrial Research.
Nos Estados Unidos, apenas no decorrer do ano de 1962, as despesas governamentais com a investigação científica pura e aplicada atingiram a fantástica verba de 240 milhões de contos. E este número refere-se apenas à acção dos Poderes Públicos. Existe, porém, a par das intervenções oficiais em matéria de investigação científica, todo um imenso esforço da parte das empresas privadas. Difícil se torna, contudo, avaliar, ainda que aproximadamente, o montante das somas que estas consagram à investigação científica, mas podemos afirmar que, nalgumas empresas, são verbas astronómicas.
Como explicar então o desenvolvimento verdadeiramente impressionante da investigação?

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Em primeiro lugar, há que referir o ritmo acelerado e cada vez mais rápido dos progressos técnicos.
Com efeito, no decorrer dos últimos 30 anos, especialmente durante e após a segunda guerra mundial, a técnica sofreu impulsos prodigiosos em todos os sectores da actividade humana. Recordamos os múltiplos materiais plásticos e sintéticos, os novos processos de fabrico adoptados pela indústria, as máquinas de calcular electrónicas, que efectuam operações alucinantes, para não citar mais do que alguns exemplos ao acaso.
A segunda explicação diz respeito a uma das preocupações fundamentais; do nosso tempo - a do crescimento económico.
Nos países fortemente evoluídos, tal como nos países em vias, de desenvolvimento, existe uma preocupação dominante para os primeiros, a de manter em nível elevado o ritmo de crescimento económico; para os segundos, a de encaminhar as suas economias para esse crescimento, levando-os a ultrapassar o ponto a partir do qual a uma economia de subsistência se substituirá uma economia de concorrência. Isso exige, em primeiro lugar, um estudo atento de todas as possibilidades de que dispõe o país e a pesquisa dos seus pontos fracos e das respectivas causas; em seguida, a elaboração de um plano racional de expansão que congregue todos os esforços, quer públicos, quer privados, II fim de se assegurar a realização desse plano.
Podemos explicar ainda o desenvolvimento dos serviços de estudos e de investigação pela evolução das empresas, pela sua concentração cada vez mais intensa e pelo aumento das suas dimensões médias. Esta evolução exige uma repartição mais racional das funções directivas. O dirigente de uma empresa industrial ou comercial que ocupa centenas ou milhares de trabalhadores tem hoje de rodear-se de um estado-maior de colaboradores cada vez mais competentes, aos quais confia responsabilidades mais amplas.
Por outro lado, a dissociação da propriedade e da administração nas empresas de certa envergadura dá origem a uma nova classe de dirigentes, que se consideram como profissionais da direcção: engenheiros, homens de formação científica, economistas, juristas.
Assim, o chefe de uma grande empresa industrial moderna, não é mais o empresário que arrisca o seu próprio capital, fiando-se no seu próprio critério, mas sim um presidente ou um coordenador ao serviço dos accionistas, capaz de sintetizar os pontos de vista, dos seus chefes do serviços e dos diversos especialistas que o rodeiam e do tomar as decisões mais apropriadas, tendo em conta todos os factores em jogo o todos os argumentos que lhe são submetidos.
Tais são, rapidamente esboçados, os factores que explicam o aumento do número de quadros superiores, de serviços de estudos e de investigação, ao nível da empresa, da profissão organizada, e mesmo da economia, nacional.
Na realidade, os candidatos a estes postos não são suficientemente numerosos o por toda a parte surgem verificações amargas quanto à penúria dos seus efectivos. Receamos mesmo que a maior dificuldade que a execução do III Plano de Fomento venha, a encontrar resida precisamente, na falta do técnicos a todos os níveis, mas especial mento ao nível médio o superior.
O exame da evolução dos quadros de alguns graus de ensino nos últimos anos mostra que à ampliação quantitativa dos quadros árida ligado o risco de uma diminuição do qualidade dos elementos recrutados. K o que se nota, por exemplo, no ensino liceal, que em 1953 dispunha de 948 professores, dos quais 86 por cento tinham preparação pedagógica plena, e que em 1965, dos 2053 só 44 por
cento tinha conveniente formação. Isto quer dizer que ao aumento do número de professores correspondeu uma diminuição, em razão inversa, da sua qualidade.
Esta questão liga-se, em grande parto, à, situação material do professor, assunto que deve ser revisto quanto antes, pois com maus professores não pode haver bons alunos, nem boas escolas, nem equipamento bastante, nem reformas com êxito. Há precisamente um ano, referi-me, nesta mesma tribuna, aos resultados catastróficos dos exames de Matemáticas Gerais da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. A situação mantêm-se, com prejuízo incalculável para a Nação, que continua a lutar com falta de técnicos e investigadores, tanto nos quadros do Estado, como nos das empresas privadas.
Nos dois primeiros períodos de exame, na cadeira de Matemáticas Gerais do curso do Engenharia, de 169 alunos que tinham requerido o sou exame apenas foram à prova oral 13, dos quais ainda reprovaram alguns.
O número de reprovações, cerca de 95 por cento, é altamente alarmante e denuncia que alguma coisa está mal no nosso ensino universitário.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Costuma dizer-se que quando o número de reprovações é superior a 30 por cento é o professor o culpado pelo mau «aproveitamento.
De facto, é difícil compreender que haja tantos alunos incapazes e menos inteligentes. As razões destas reprovações maciças devem ir buscar-se mais fundo. Alguns estudantes queixam-se de que os professores passam o ano inteiro a dar matéria em grande velocidade para cumprirem o preceito do dar todo o programa; outros lamentam-se de que os professores exigem mais nos exames do que exigiam nas aulas, outros, ainda, acusam os professores de falta de preparação pedagógica e de pouca clareza na exposição das matérias; outros, finalmente, afirmam que determinados professores, dos mais novos, pretendem desprestigiar ainda mais o ensino, com o intuito de que as culpas deste estado de coisas sejam atribuídas ao Governo, se qualquer forma, não está bem, embora não queiramos atribuir as culpas destas reprovações a este ou àquele defeito, mas perguntamos como se pode compreender que as reprovações ultrapassem 90 por cento, o que equivale a dizer que só menos de 10 por cento dos alunos foram capazes de vencer a cadeira. E o que se verifica nas Matemáticas Gerais verifica-se também, embora em menor escala, noutras cadeiras das nossas Universidades. Onde está em erro: nos professores ou nos alunos? Na exposição deficiente das matérias ou na enorme exigência nos exames? As perguntas ficam formuladas e esperamos que alguém nos saiba responder.
Se voltei a esto assunto - o faço votos para que seja a última vez -, é porque tenho a certeza de ir ao encontro dos anseios do grande parte, se não da totalidade, dos estudantes universitários, e porque o reputo da maior importância para a Nação, que precisa de ser mentalizada para a expansão económica e social em que todos estamos empenhados. E essa mentalização tem de começar pelos mais responsáveis.
Sr. Presidente: Das considerações que acabo de fazer sobre alguns aspectos da proposta em discussão destaco, em resumo, os seguintes pontos:

1) Necessidade da diminuir o deficit da nossa balança comercial pela contracção das importações e expansão das exportações:
2) Máximo aproveitamento das regalias expressas no Anexo G da Convenção de Estocolmo:

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15 DE DEZEMBRO DE 1967 2131

3) Revisão da nossa política de isenções fiscais no respeitante à importação de máquinas que se possam fazer em Portugal e partes dessas máquinas;
4) Necessidade de melhorar a produtividade do nosso ensino, particularmente o universitário.

Receio, Sr. Presidente, não ter dito quanto desejaria a respeito do diploma legislativo em debate, ao qual dou M minha aprovação na generalidade, formulando um voto de merecido louvor ao Sr. Ministro das Finanças e seus mais directos colaboradores, os Srs. Subsecretários de Estado do Tesouro e do Orçamento, pelo bem elaborado e elucidativo relatório que precede a proposta de lei.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
À tarde haverá sessão, à hora regimental, tal como já havia sido anunciado, tendo por ordem do dia a continuação do debate na generalidade sobre a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1968.
Está encerrada a sessão.

Eram 13 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Antão Santos da Cunha.
António Calheiros Lopes.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando de Matos.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco José Cortes Simões.
Gonçalo Castel-Branco da Costa da Sousa Macedo Mesquitela.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Jaime Guerreiro Rua.
João Duarte de Oliveira.
José Coelho Jordão.
José Fernando Nunes Barata.
José de Mira Nunes Mexia.
José Rocha Calhorda.
José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Raul Satúrio Pires.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves.
Simeão Pinto de Mesquita de Carvalho Magalhães.
D. Sinclética Soares Santos Torres.

Srs. Deputados que faltaram, à sessão:

André da Silva Campos Neves.
António Júlio de Castro Fernandes.
António dos Santos Martins Lima.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
D. Custódia Lopes.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Francisco José Roseta Fino.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
James Pinto Bull.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Janeiro Neves.
José dos Santos Bessa.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Correia.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Rogério Noel Peres Claro.
Tito de Castelo Branco Arantes.

O REDACTOR - António Manuel Pereira.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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