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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 117

ANO DE 1968 12 DE JANEIRO

IX LEGISLATURA

SESSÃO N.º 117 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 11 DE JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

SECRETÁRIOS: Exmos. Srs. Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente anunciou estarem na Mesa os elementos requeridos pelo Sr. Deputado Elísio Pimenta na sessão de 11 de Dezembro findo.
Foi recebido na Mesa, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição Política, o Diário do Governo n.º 3, 1.ª série, que insere o Decreto-Lei n.º 48 193.
O Sr. Deputado Furtado dos Santos foi autorizado a depor na 6.ª vara cível de Lisboa.
O Sr. Deputado Henriques Mouta falou nobre Fortunato de Almeida a propósito do centenário do seu nascimento, que se comemorará em Abril de 1969.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão na generalidade da proposta, de lei do serviço militar.
Usaram da palavra, os Srs. Deputados António Santos da Cunha e Pinto de Meneres.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 e 15 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António Furtado dos Santos.
António José Braz Regueiro.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Finto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
Horácio Brás da Silva.

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Jerónimo Henriques Jorge.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Jorge Barros Duarte.
José Dias de Araújo Correia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro! Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pais Ribeiro.
José Soares da Fonseca.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Simeão Pinto de Mesquita de Carvalho Magalhães.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 70 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa elementos fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística a requerimento do Sr. Deputado Elísio Pimenta apresentado na sessão de 11 de Dezembro do ano findo.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Para efeito do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 3, de 4 do corrente, que insere o Decreto-Lei n.º 48 193, que cria, integrado no Comando Naval de Cabo Verde, um complexo oficinal, designado por Oficinas Navais de S. Vicente (O. N. S. V.), e define a sua finalidade.
Está também na Mesa um ofício da 6.ª vara cível de Lisboa a pedir autorização para o Sr. Deputado Furtado dos Santos prestar o seu depoimento no dia 29 do corrente, pelas 15 horas. Ouvido o Sr. Deputado sobre se. via inconveniente para o exercício da sua actividade parlamentar em ser autorizado a depor, declarou que não. Nestes termos, ponho a questão a VV. Ex.ªs

Consultada a Assembleia, foi concedida autorização.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Henriques Mouta.

O Sr. Henriques Monta: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Escrever para se afirmar, para entrar na história das Letras e do País, para conquistar um lugar entre os grandes ou por força do pendor natural de uma sensibilidade apurada e expansiva, ansiosa de transmitir e de criar, já costuma fazer jus à gratidão nacional. Gratidão plenamente justificada, na medida em que a obra de um escritor, se é válida do ponto de vista estético ou científico, representa enriquecimento do património cultural e glorificação da comunidade. Mas escrever para servir, escrever por amor às causas grandes - e nenhumas há tão grandes como a de Deus e a da Pátria, que são a síntese de todas as outras -, tem mais nobreza, mais altura. É exemplo que se tem de apontar às gerações que avançam. Ainda que não fosse por gratidão e homenagem à virtude, ao menos por interesse, pelo que tem de educativo para todos os cidadãos.
Esta é, em meu entender, a maior justificação das homenagens aos vivos e aos mortos, traduzidas em bustos, estátuas e simples veneras. As placas das esquinas das ruas, com nomes ilustres, podem e devem constituir folhas de mármore de um livro de educação cívica, e nunca uma galeria de ídolos de uma seita. Esse livro é, pela natureza das coisas, para os que serviram, serviram a todos e não prejudicaram ninguém, arriscando a vida, porventura imolando-a, certamente consagrando-a em total oblação à Pátria e à humanidade, à sua terra, pelo menos.
E, quanto mais não seja, nas tarefas ordinárias, mas prestantes, como é exemplo o Dr. Serras e Silva, cujo centenário ocorrerá em 15 deste mês e a cujo magistério, de cátedra, livro, imprensa e palavra, muito deve o nosso povo, a que apontou seguros caminhos no domínio da educação.
Nesta perspectiva ético-cívica, evoco hoje, aqui, uma grande figura nacional, cujo nome se impôs nos meios culturais responsáveis, dentro e fora do País, e cujo centenário de nascimento importa preparar, desde já, e celebrar no próximo ano. Escreveu por amor, para servir. Filho de Francisco Manuel de Almeida e de D. Felícia da Anunciação Pereira de Andrade, natural de Vilar Seco, concelho de Nelas, e nascido em 15 de Abril de 1869, concluiu o curso de Teologia, no Seminário de Viseu, com 19 anos. E não se considerando um dos chamados pelo Senhor, desistiu de ordenar-se e seguiu para a Universidade, concluindo a formatura em Direito Civil, em Coimbra, em 1896. Ainda no 5.º ano de jurídicas, concorreu ao magistério liceal, sendo colocado na cidade do Mondego, depois de ter obtido a melhor nota ou classificação do grupo B, acumulando até ao fim do ano as duas tarefas de aluno de Direito e de professor do liceu. Esse homem, esse português, entrou na história, como entrara na vida, com nome de Fortunato de Almeida.
Tempos difíceis esses para estudantes, pobres de recursos, e para o ensino, carecido de professores! Difíceis para a Nação e seus governantes, por causa das procelas partidárias, que inutilizaram esforços dos valores nacionais e puseram em risco a vida dos cidadãos e até a independência do País. Desde a madrugada dos seus dias, Fortunato de Almeida trabalhou - estudou e ensinou, investigou e combateu, como homem de pensamento e de acção - nos arquivos, na cátedra e na imprensa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Da personalidade de Fortunato de Almeida deixou-nos o Diário Ilustrado, no seu Almanach de 1906, traços vigorosos, que são espelho dos tempos. Ei-los:

Quando João Franco visitou Coimbra, em Junho de 1900, Fortunato de Almeida fez a profissão do se a ideário político nas mãos do insigne estadista (e malogrado precursor dos novos rumos da governação, acrescentarei), numa solidariedade de princípios e de aspirações que resistiriam a todas as pressões feitas

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para renegá-los. E viu-se como era forte a convicção, a fé, a simpatia professadas por esse estadista que lhe parecia fadado para orientar a política portuguesa, cansada de assistir ao círculo vicioso de processos políticos tão imorais como perniciosos para o equilíbrio das forças produtoras da Nação.
A cisão de Maio de 1901, declarada na Câmara dos Deputados, ainda mais firmou o Dr. Fortunato de Almeida no seu credo político. Nem o abalaram promessas sedutoras da melhoria da sua situação pública, se desertasse e atraiçoasse, nem o entibiaram ameaças, alternadas com reiterados acenos de prosperidades, nem lhe enfraqueceram o ânimo viril os constrangimentos que adrede lhe foram criados para o desgostar: a sua consciência ergue-se superior a todos os tropeços que à curteza de vistas dos serventuários de uma situação essencialmente corruptora e corrupta apraza atirar-lhe.

É o Diário Ilustrado prossegue no seu retrato:

O abalo produzido na opinião, depois da separação franquista, inspirou a criação do jornal Folha de Coimbra, fundado pelos Drs. Teixeira de Abreu, Bernardo Aires e Fortunato de Almeida. A colaboração destes três polemistas enérgicos e brilhantes fez-se sentir na Folha de Coimbra, um dos mais bem redigidos jornais políticos. A todos anima o mesmo ideal de justiça e fé em melhores destinos para a Pátria Portuguesa.

A figura de Fortunato de Almeida cresce de relevo e precisão pelo contraste das sombras projectadas neste seu retrato pelos traços escuros da seguinte caricatura do semanário Branco e Negro, de 5 de Junho de 1896:

Tinha menos amor à ciência jurídica do que à Igreja e ao Papado. Depois deste esguicho de veneno, a víbora anticlerical insiste nas suas investidas, chamando-lhe produto da sua época, por aferrado ao conservantismo monárquico-teológico, e denunciando-o de ter publicado dois livros ultramontanos e uma réplica ao ruidoso livro do Sr. Borges Grainha.

Como se vê, vem de longe o vezo pouco nobre de apreciar os homens não pela sua alma, nem pela sua inteligência e valor das suas obras, mas em função partidarista de uma atitude política.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Fortunato de Almeida não publicou apenas dois volumes, como veremos já. E antes de escritor, ou, talvez melhor, simultaneamente, foi jornalista. Redigiu bastante tempo a Ordem, escreveu na Revista Contemporânea e também colaborou no Académico, da Guarda. Foi, além disso e ao lado de pedagogo, investigador de méritos reconhecidos, como se deduz do facto de ser membro da Sociedade de Geografia de Lisboa, do Instituto de Coimbra, da Academia das Ciências e da Sociedade Portuguesa de Estudos Históricos.
É longa a sua bibliografia. Em 1894 saiu com Avaliação do Domínio Directo nos Prédios Foreiros. No mesmo ano foi premiado em concurso do centenário do infante D. Henrique pelo seu trabalho O Infante de Sagres. Em 1895 replicava à tese do Dr. Afonso Costa, publicando A Questão Social. Em 1902 apareciam os seus Princípios Científicos de Geografia, a que acrescentou as suas Crónicas Geográficas. Em 1903 publicava a História das Instituições em Portugal. Em 1907, um Curso de História Universal e um Curso de História de Portugal. Em 1908, Nomenclatura Geográfica. Em 1909, Curso de Geografia Física e Política. Em 1910, Alexandre Herculano Historiador.
Devem-se-lhe muitos outros estudos dispersos, de que destacarei: A Questão do Apresamento da Barca «Charles et George» e o Conselho de Estado; D. Francisco de Almeida Lobo; Subsídios para a História Económica de Portugal; A Ordem de S. Bento; O Colégio Beneditino de Lisboa; Jesuítas e Congregações Religiosas. E para o fim intencionalmente deixei a História de Portugal, em seis volumes, e a História da Igreja em Portugal, em oito volumes, que vêm desde 1910.
Foi na história que Fortunato de Almeida marcou a sua posição de escritor. Sem imolar no altar de Comte, recusando dobrar a cerviz à ditadura do positivismo, de que foi marechal entre nós Teófilo Braga, manteve, dignamente, a fidelidade às fontes, sem as quais se pode criar literatura de ficção, mas não escrever história, verdadeira ciência e ciência verdadeira. O seu conceito de história deduz-se do prefácio à História da Igreja em Portugal:

Oferece a história o campo mais vasto e variado para se exercerem as faculdades do discernimento e do juízo humano; porém, todo o trabalho será vão e improfícuo se o espírito do historiador criar pela fantasia as circunstâncias históricas, em vez de as deduzir clara e serenamente do exacto conhecimento dos factos.

Fazendo a história da História da Igreja em Portugal, acrescenta que até à Academia Real da História, fundada como sabemos por D. João V e graças à iniciativa dos P.es Caetano de Sousa e Barbosa Machado, pouco mais se havia feito nesta matéria do que os livros de D. Rodrigo da Cunha, escritos em grande parte sob a influência dos falsos cronicões que tanto enredaram de lendas e fábulas ridículas a história eclesiástica da Península.
Referindo-se ao trabalho da Academia, anota:

Conquanto lhe fosse possível ter produzido obra de maior valia, reuniu elementos apreciáveis, que, todavia, não chegaram a completar-se e organizar-se em obra sistematizada. Só na segunda metade do século XVIII D. Tomás da Encarnação fez a primeira tentativa de uma história eclesiástica de Portugal, que levou até ao século XIV.

E sublinha, a respeito de Tomás da Encarnação:

Era um espírito ponderado e organizador, mas lutou com a escassez de materiais e a má qualidade de alguns que aproveitou, de tal modo que a voga e reputação da sua obra se deve atribuir principalmente à circunstância de ser o único trabalho de conjunto sobre tal matéria.

Do P.e João Pedro Ribeiro, do segundo quartel do século XIX, classificando-o de grande investigador e paleógrafo, diz que traçou um quadro dos assuntos que deviam ser tratados, reconhecendo que muitos deles estavam intactos ou apenas indicados, ao passo que muitos outros precisavam de ser corrigidos, aditados e continuados. E certo é que, sublinha ainda, depois de D. Tomás da Encarnação nenhuma tentativa se fez digna de tal nome. Concluindo o seu escorço historiográfico, acentua que, entre os escritores mais recentes, apenas se pode

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citar o Sr. Gama Barros, que na sua História da Administração Pública dedicou à história do clero português e da organização eclesiástica um capítulo muito notável, mas incompleto, mesmo em relação à época de que se ocupa.
Ainda hoje, os mais exigentes especialistas não sentiriam repugnância em subscrever a substância destas anotações histórico-críticas.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Merece o devido relevo não apenas o trabalho, mas também a dignidade mental e a modéstia exemplar de Fortunato de Almeida. Não se aproveita das tarefas alheias, não usurpa méritos e glórias de ninguém. Da sua mesma tentativa, diz que lhe foi sugerida, mal saía da Universidade, pelo Dr. José Joaquim Lopes Praça, que nele descobrira amor ao trabalho, certo espírito de disciplina e predilecção pelos estudos históricos. Perfeitamente consciente das limitações com que lutava, anotou:

Quem formasse o plano de escrever a história da Igreja em Portugal depois de revolver os arquivos do reino jamais conseguiria realizar a sua obra. Esse
programa de trabalho excede as forças de um só homem e demanda despesas e sacrifícios de interesses que não teriam compensação. Os arquivos carecem de ser revolvidos, mas por conta do Estado, para se publicarem e oferecerem aos estudiosos os documentos que em tão grande número lá jazem esquecidos. A consulta dos arquivos está, no meu plano, limitada a determinadas épocas e assuntos.

Fortunato de Almeida concretiza o seu objectivo específico: organizar um corpo de trabalho com os materiais que existem dispersos em centenas de volumes, respigando e joeirando, para se dar à construção a maior solidez possível. Assentar os alicerces e urdir a contextura geral é a parte mais difícil e menos atraente; caiba-me a satisfação de o haver tentado, com inteiro amor à verdade.
Foi assim que trabalhou Fortunato de Almeida na História da Igreja em Portugal. E Mons. Miguel de Oliveira, como uma autoridade que todos reconhecemos, apreciando o seu labor, escreve:

Deve-se a Fortunato dê Almeida o trabalho monumental de aproveitar e pôr em ordem quase tudo quanto se havia publicado sobre a história da Igreja em Portugal, desde as obras de conjunto, mas incompletas e falhas de crítica, até às crónicas monásticas, histórias particulares de diversas igrejas, memórias académicas, biografias de prelados, etc. Dependerá sempre do trabalho deste benemérito autor tudo que se faca com os mesmos elementos, sob pena de se gastarem inutilmente energias que melhor se empregariam em investigações documentais.

Durante dez anos, mesmo quando ocupações profissionais lhe não permitiam estudar e coordenar, Fortunato foi reunindo materiais. Não direi que seja perfeito o seu trabalho de estruturação da História da Igreja em Portugal, quer na distribuição das matérias, quer na proporção e harmonia das suas divisões ou partes integrantes, mas a validade, o préstimo, a dignidade e grandeza monumental do seu trabalho são indiscutíveis.
Já foi sublinhado que trabalhou por amor, por amor à Igreja, este leigo. E esse amor lhe valeu ser atingido por algumas granadas... de amêndoas.
Porém, Fortunato de Almeida nunca se arrependeu, apesar de ter morrido pobre, sem deixar a família instalada. E não é caso único nem foi o primeiro. Antes dele, Ludovicus Pastor correu da Alemanha para Roma, quando Leão XIII facultou aos historiadores a devassa dos arquivos do Vaticano. Neles dormiam, dizia-se, os grandes segredos da história da Europa. E a alguns parecia-lhes ouvir ressonar, em leitos do pó dos séculos, os crimes da Igreja. Leão XIII não hesitou, considerando válida a divisa de Cícero (veritas, tota veritas, sola veritas...) e reconhecendo que possíveis manchas, se realmente existissem, reforçariam, por contraste, os esplendores das benemerências da Igreja na história da civilização e da libertação do homem, escravo de ignorâncias e de sujeições a ídolos e fantasmas terroristas. Patentearam-se os arquivos do Vaticano e a Igreja saiu glorificada em vez de humilhada. Ludovicus Pastor ofereceu à Igreja, à Europa e u humanidade a famosa e monumental História dos Papas, em vários e grossos volumes, hoje traduzidos em diversas línguas. No seu trabalho, em que se empenhava com devoção e amor que chegam a comover, foi coadjuvado pelas filhas. E também Fortunato de Almeida pôde contar, nas tarefas da sua História da Igreja em Portugal, com a dedicada colaboração das suas filhas, que ainda vivem e a quem endereço uma palavra de saudação respeitosa e de homenagem de reconhecimento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Fortunato de Almeida amou e serviu a Igreja, a que guardou exemplar fidelidade. E amou e serviu também a cultura do seu país, a sua pátria. Sabia que as actividades da Igreja foram a coluna de suporte ou o esqueleto da história da civilização europeia. E da de Portugal diz:

Pretender estudar a evolução histórica do povo português abstraindo previamente da sua vida religiosa e da missão do clero regular e secular seria o mesmo que tentar compreender o mecanismo circulatório fora dos vasos sanguíneos...

Sublinha ainda a importância da História da Igreja para corrigir desvios ideológicos nos termos seguintes:

Por não se ter estudado devidamente a história eclesiástica de Portugal, muitas páginas da nossa história política e social não foram ainda compreendidas, e, acerca delas, se têm emitido os juízos mais desarrazoados e, por vezes, os mais absurdos e caprichosos.

Uma vez que Fortunato de Almeida foi benemérito da Igreja, da Pátria e da cultura nacional, atrevo-me a sugerir que a Igreja, a Pátria e as instituições culturais do País celebrem, condignamente, o primeiro e próximo centenário do seu nascimento, que se cumprirá em 1969.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O seu grande monumento, bem sei. é a sua História da Igreja em Portugal, que se ia tornando raridade bibliográfica e está novamente em publicação, em edição orientada por mão de mestre, mestre insigne, que é o Prof. Doutor Damião Peres, cuja tarefa se apoia nesse exemplar da edição anterior, com notas e observações pessoais do próprio Fortunato de Almeida. Outro monumento, monumento perene, é o exemplo que Fortunato de Almeida nos legou... de homem, de cristão e de português.

O Sr. Veiga de Macedo: - Muito bem!

O Orador: - Mas a circunstância não diminui, antes acrescenta, a obrigação moral de celebrar o seu centená-

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rio com a solenidade, elevação e amplitude que merece, mesmo considerando apenas os momentosos aspectos pedagógico-culturais da efeméride. E nas memorações, que merecem ter dimensão nacional, participarão certamente a sua terra, o seu distrito e o Seminário de Viseu, que lhe orientou os passos em seguros caminhos da cultura e lhe marcou, profundamente, a figura humana com traços de vincada espiritualidade, prestando assim relevante serviço à Igreja e à Pátria, que muito deve aos seminários diocesanos e missionários do País.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Com este apontamento, e não apelo, que seria desnecessário, estou convencido de apenas ir ao encontro da benemérita Academia Portuguesa da História e de outras entidades ou instituições, oficiais e particulares, atentas aos superiores interesses culturais da comunidade. E os seus anseios e iniciativas encontrarão, não o duvido, eco e apoio no Ministério da Educação Nacional, confiado AO dinamismo incansável e alta competência do Sr. Prof. Doutor Galvão Teles.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa ao serviço militar.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Santos da Cunha.

O Sr. António Santos da Cunha: - Sr. Presidente: Reservando para a Assembleia Nacional a faculdade legislativa sobre a prestação do serviço militar, a nossa Constituição Política reconhece o quanto o mesmo afecta si vida. a liberdade e os interesses dos cidadãos e a sua importância básica para a sobrevivência e integridade da Pátria.
As nações amigas da paz têm de manter os seus dispositivos de guerra com o potencial necessário a desencorajar a agressão. No nosso caso especial, e pondo de parte as circunstâncias anormais que vivemos, circunstâncias que nos levam a um esforço decisivo e contínuo para sustar os actos agressivos em cadeia de que somos vítimas em mais do que uma frente, temos ainda de fazer face às nossas responsabilidades internacionais, nomeadamente às que assumimos na aliança do Atlântico, aliança que continua a ser imprescindível para a defesa do hemisfério ocidental.
A união faz a força e a ameaça da agressão ao Ocidente continua de pé e é pena que muitos se esqueçam - entre os nossos parceiros - de que a África é essencial a essa defesa e que o Ocidente estupidamente tem cedido no continente africano posições que já permitem liberdade de movimentos ao esperado inimigo no Mediterrâneo, diminuindo assim perigosamente as nossas possibilidades defensivas. Quando digo as nossas possibilidades, digo as do chamado mundo livre.
Não podemos, na verdade, deixar-nos enlear por falsos sentimentos pacifistas, pois, muito pelo contrário, temos, e teremos, de, vigorosamente, manter o estado de alerta mesmo fora das circunstâncias anormais que se nos deparam e nos ensinam que para o futuro, se queremos ser um povo grande e forte, com vida e projecção em todos os continentes, temos de, a esse desígnio, sacrificar o que poderia ser para alguns - estou certo que poucos - uma desejada vida fácil e cómoda, a vida fácil e cómoda dos que a tudo sabem renunciar.
Avisadamente a Câmara Corporativa nos diz que:

Não é, porém, necessário ter um largo sentido de previsão para antever que a conjuntura futura obrigará igualmente a manutenção de contingentes de forças originárias de um dos territórios destacados noutros. São evidentes as razões de prevenção e de segurança que hão-de obrigar a providências deste género, e seria estarmos alheios às realidades pensarmos que, passada a tormenta, poderemos voltar ao estado de desprevenção anterior.

Somos, sobejamente o temos demonstrado, um povo amante da paz, pronto a colaborar em tudo o que vise o bem da humanidade e a praticar a chamada política de boa vizinhança, política de que somos exemplo e de que é testemunho a amizade fraterna com a nossa irmã peninsular, testemunho de destaque no meio do egoísmo e atropelo desconcertante que caracteriza as relações internacionais da época verdadeiramente calamitosa dos nossos dias.
Para maior prova dos nossos sentimentos de paz. de espírito de boa vizinhança e de amor por outras comunidades, temos ainda a apontar ao mundo as excelentes relações com muitos dos nossos vizinhos das mais diferentes etnias em África e noutros continentes que não se deixaram enlear na trama em que nos envolveram e trouxe aos nossos territórios a guerra, a que respondemos com a firmeza que nos é própria, pois não aceitamos outra paz que não seja aquela que o glorioso pontífice reinante, o Santo Padre Paulo VI, definiu na mensagem dirigida «a todos os homens de boa vontade», para os exortar a celebrar o Dia da Paz em todo o Mundo.
O papa afirma sem tibiezas - o que porventura não deve ter chegado para aquietar algumas almas piedosas, boas e simples nas suas beatíficas inquietações:

É de desejar que a exaltação do ideal da paz não seja entendida como um favorecer a ignávia daqueles que têm medo de dedicar a vida ao serviço da própria pátria e dos próprios irmãos, quando se acham empenhados na defesa da justiça e da liberdade; mas antes procuram sómente a fuga das responsabilidades e dos riscos necessários para o cumprimento dos grandes deveres impostos pélas empresas generosas. Não, paz não é pacifismo, não esconde uma concepção vil e preguiçosa da vida; mas proclama, sim, os valores mais altos e universais da vida: a Verdade, a Justiça, a Liberdade e o Amor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - isto depois de ter afirmado que «a paz não pode basear-se numa falsa retórica de palavras, bem aceites em geral, porque correspondem as profundas e genuínas aspirações dos homens, mas que podem também servir, e infelizmente algumas vezes já serviram, para dissimular o vazio de um verdadeiro espírito e de reais intenções de paz, quando não, até, para encobrir sentimentos e acções de opressão ou interesses partidários. Não se pode, pois, falar de paz. legitimamente, quando não são reconhecidos e respeitados os seus sólidos fundamentos».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ao comentar a mensagem do santo padre, o egrégio patriarca de Lisboa, senhor de uma alma profundamente cristã, repleta da mais larga caridade, mas

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alma também profundamente varonil e lusíada, afirmou (e é também conhecida a devoção do Sr. D. Manuel Gonçalves Cerejeira pelo pontífice romano):

Não são elas um convite ao pacifismo, que seria demissão covarde de graves deveres, mas sim a procura esforçada das condições daquela paz verdadeira que assenta na Verdade, na Justiça, na Caridade e na Liberdade e - sobretudo no caso presente - implica também um esforço sério pelo desenvolvimento integral e harmonioso das populações e de todos os seus sectores.

Sim, nisso, «no desenvolvimento integral e harmonioso das populações e de todos os seus sectores», nos temos de empenhar por razões de justiça, em primeiro lugar, e por razões de ordem psicológica que estão na base da boa moral dos que combatem na frente pela liberdade da Pátria e da boa moral da retaguarda, que mais do que nunca há que manter sadiamente estruturada.
Ao ouvir as palavras do glorioso sumo pontífice e as de S. E. o Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa, senti que não tinha saído - o que para mim seria profundamente doloroso - de dentro das balizas da ortodoxia ao proclamar em 10 de Junho do ano que findou, na nobre cidade do Porto, perante a guarnição daquela cidade: «Soldados, deixai-me ir convosco! Deixai-me pisar os vossos trilhos, que são os da honra e do dever. Que importa a morte quando a glória nos espera! Pertencem à glória dos céus os mártires da Pátria.»
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Antes de iniciar as ligeiras considerações que vou fazer propriamente sobre a proposta de lei em discussão, eu tinha de, sinceramente, repetir aqui as palavras que então proferi: «Soldados, deixai-me ir convosco! Deixai-me pisar os vossos trilhos, que são os da honra e do dever. Que importa a morte quando a glória nos espera! Pertencem à glória dos céus os mártires da Pátria.»
E, ao fazê-lo, quero reafirmar aqui a minha profunda compreensão, o meu devoto respeito pelas «lágrimas das mães, dos pais, das esposas, das noivas, dos irmãos, dos órfãos, dos que mereceram a suprema honra de morrer ao serviço da Pátria, nesta guerra que não queríamos e tivemos de aceitar porque assim o exige a nossa sobrevivência como Nação livre e independente. Lágrimas que recolhemos comovidamente no mais fundo dos nossos corações, sentindo a amargura dessas famílias que o luto cobriu e tomamos como nosso, compreendendo a sua dor».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quero ainda, Sr. Presidente, ajoelhar orgulhosamente perante o bom e o humilde povo de Portugal, que tem sabido exemplarmente cumprir o seu dever, entregando os seus filhos às forças armadas. Com tristeza? Sem dúvida. Com saudade? Como poderia ser de outra maneira?! Mas com o orgulho de quem cumpre um indeclinável dever e sabe que as fronteiras da Pátria estuo lá longe, lá longe para além dos oceanos, «nas nossas Áfricas», como ainda há pouco ouvi da boca de uma pobre aldeã. Esta atitude nobilíssima do bom e generoso povo de Portugal vale ainda como dedo acusador apontado a alguns que, bem instalados na vida, lucrando até. porventura, com o esforço e sacrifício dos outros, procuram sómente a fuga «das responsabilidades e dos riscos necessários para o cumprimento dos grandes deveres impostos pela empresas generosas», para continuar, assim, a servir-me das palavras do papa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Para que os monárquicos como eu não possam dizer que o advento do regime republicano só trouxe desfavores ao País, ficamos-lhe a dever, logo após o seu advento, a obrigatoriedade do serviço militar.
A instituição do serviço militar obrigatório foi medida digna do maior aplauso e demonstra a generosidade e rectidão de intenções de muitos servidores da nova era que se abria. É certo que essa rectidão de intenções não foi por muito tempo bem correspondida, pois depressa as «inspecções militares» se transformaram num trunfo para o partido dominante.
Sr. Presidente: Todos conhecemos o papel decisivo que a guarnição militar de Braga teve na Revolução Nacional de 28 de Maio ao acolher o então general Gomes da Costa, depois de outras guarnições se terem recusado a fazê-lo. Mas o que poucos sabem é que para isso - para incitar à revolução os bravos militares da minha terra - muito contribuiu a escandalosa forma como estava operando a junta de recrutamento militar, então instalada na vizinha Guimarães, para onde os mancebos eram transportados em camionetas para conseguirem o desejado «livramento» e aumentar dessa forma o poder eleitoral dos políticos de então. O facto feriu o brio militar dos oficiais de Braga, que viram nisso mais um pronuncio do descalabro que então caracterizava a vida nacional. Hoje, geralmente, os políticos procuram manter a sua influência - os que a procuram - através de meios lícitos e a acção das juntas médicas militares, tanto quanto sei, é na verdade impecável.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Sem dúvida, como me foi dado ler há pouco, que o Exército passou a ter, além da tarefa primacial de nos defender contra os inimigos externos, a de fomentar no seio das unidades um mais perfeito conhecimento das diferentes classes que integram a Nação. Não há dúvida de que, a camaradagem que se estabelece no serviço das armas é da que fica para sempre, e, assim, por via do serviço militar obrigatório, funde-se o elemento humano nacional, dando à Pátria uma maior coesão. Até por isso, pois, o serviço militar deve atingir a maior extensão e há até quem defenda a sua obrigatoriedade para todos os sexos.
Numa época em que a mulher disputa aos homens todos os lugares e posições, abandonou o lar e concorre com os homens na vida pública, nada me custa a enfileirar nos partidários do serviço obrigatório para o chamado sexo fraco, sexo que tão forte se vem afirmando nos nossos dias.
Sem dúvida que há missões que a mulher pode desempenhar com maior eficiência nas forças armadas, dentro do respeito e veneração que lhe são devidos. As secretarias e hospitais militares são campos para a sua acção, de uma maneira especial estes últimos.
Uma palavra de simpatia entendo dever dirigir desta tribuna para o grupo de enfermeiras pára-quedistas, que tão altos serviços já tem prestado e merece a admiração de todos nós. Valorosas raparigas que honram a mulher portuguesa e são pioneiras do amanhã que se adivinha.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Seja-me permitido também uma referência especial à acção do Movimento Nacional Feminino, que tanto tem contribuído não só para o amparo dos nossos soldados, como das suas famílias, na retaguarda.

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Conheço bem o esforço, carinho e sacrifício dessas devotadas senhoras - de todas as classes e dei todas as terras -, que, empenhadamente e, por vezes, com um entusiasmo contagiante, se devotam a uma missão insubstituível, acolhendo as confidências e solicitações das famílias dos soldados, procurando prover às suas necessidades e levando até às primeiras linhas, através de mensagens constantes, o mais salutar ambiente e necessário amparo.
Lá as encontrei na Guiné Portuguesa, devotadas e sacrificadamente solícitas, e lá encontrei em Medina do Boé o reflexo da sua admirável acção. Tenho-as encontrado por esse País fora, bem como os frutos da sua meritória tarefa.
Julgo que se torna necessário alargar a acção deste movimento e oferecer-lhe meios que possibilitem resultados ainda mais positivos do que aqueles que a benemérita organização tem já no seu activo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ao falar das senhoras do Movimento Nacional Feminino, quero também falar das senhoras da Cruz Vermelha Portuguesa, cuja acção benemérita também conheço; mas, se dou mais relevo à acção do Movimento Nacional Feminino, é porque se trata de um movimento bem português, filho das circunstâncias que vivemos, saído das horas difíceis que estamos atravessando, dificuldades que não podemos ignorar e que nos obrigam a pôr ao serviço das forças armadas todos os meios disponíveis e essenciais à tarefa que lhes outorgamos. E um dos meios essenciais à satisfação dos objectivos em vista - a vitória que queremos e havemos de alcançar - é uma indispensável mentalizarão da retaguarda nacional, o que tem sido criminosamente abandonado, com péssimos efeitos já à vista e catastróficos efeitos no futuro, se não soubermos deter a ofensiva que, pela calada, os inimigos da Nação, os «candidatos pacifistas», estão desenvolvendo, e têm. como é natural, campo fácil para medrar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Por outro lado. as necessidades das forças armadas são hoje tão múltiplas que poucos são os que, por motivo de natureza física, podem deixar de utilmente, lhe prestar o seu concurso.
Os próprios avisuais, surdos-mudos ou diminuídos físico-motores podem desempenhar funções que por vezes são desempenhadas por elementos que bem poderiam guarnecer as frentes de combate. Tudo depende da conveniente e oportuna classificação, segundo as aptidões profissionais e capacidade física, dos mancebos a incorporar.
As chamadas inspecções militares, nos moldes em que se vêm praticando, parecem desaconselhadas, e, pelo contrário, a selecção deveria ser feita em centros de instrução militar preparatória, onde, a par de uma ligeira instrução, os recrutas seriam encaminhados para centros de instrução básica e, em caso de estarem afectados por qualquer doença de carácter social, para estabelecimentos hospitalares adequados.
Mas se fosse considerada indispensável uma inspecção médica prévia, ela poderia ser realizada pelos delegados de saúde, cabendo às juntas médicas militares é papel de reinspeccionar os que tivessem ficado livres naquela inspecção. É evidente que os centros de instrução militar preparatória a que me referi teriam de ser numerosos, espalhados pela província e tendo até alguns o carácter de externato e, obviamente, todos carácter estritamente regional.
Devemos, evidentemente, procurar que o período de instrução perturbe o menos possível a vida profissional de cada um. Quanto ao caso dos estudantes, somos de parecer que, tanto quanto o consintam as exigências da defesa nacional, se deve procurar a fácil conclusão dos cursos, pois daí advêm as maiores vantagens para o apetrechamento técnico do País, com os reflexos vantajosos para a economia nacional, base de todo o esforço de guerra.
Poder-se-ia e- dever-sei-ia encarar, principalmente em tempos de paz e até nos que estamos atravessando, o estabelecimento de cursos que fossem adiantando a instrução desta espécie de recrutas durante os períodos de férias, e nas próprias escolas superiores e médias fazer intercalar nos programas matérias de carácter militar. Assim se colocaria, como noutros sectores se impõe, a escola ao serviço das forças armadas, que o mesmo é dizer, ao serviço da Nação.
Sr. Presidente: Estou apreciando na generalidade a matéria, mas desde já me reservo para, detalhadamente, tratar de alguns problemas específicos na especialidade e, possivelmente, irei ao ponto de nessa altura apresentar à Câmara algumas propostas à sua consideração.
Não posso aprofundar os problemas que venho aflorando porque me falta, além da competência, o tempo para tanto. Nomeadamente, desejo, talvez ainda durante o debate na generalidade, tratar das vantagens que podem e devem ser legitimamente outorgadas aos que, depois do prestarem o seu serviço militar, regressam a suas casas e se reintegram na vida civil.
Um problema que requer especial atenção é o da igualdade na mobilização. Sei que há partidários de um conceito utilitarista que defendem que a chamada às fileiras de determinados ocupantes de funções na vida pública pode até prejudicar o esforço de guerra. Sei também que aos partidários deste critério não faltam boas razões para o defenderem.
No nosso caso especial, que não é o caso de uma guerra generalizada, sou de parecer que a solução igualitária seja adoptada, até para que se não criem estados de ânimo depressivos a que sempre conduzem situações de excepção, sempre mal interpretadas e até desprestigiantes para aqueles que, embora legitimamente, as usufruem.
Sr. Presidente: Chamo especialmente a atenção da Câmara, e nomeadamente da sua ilustre Comissão de Defesa, para o facto de continuar por definir em qualquer documento legal o que se entende por forças militares, militarizadas e paramilitares.
Não há universalmente assente em definitivo um critério sobre o assunto. No nosso caso, no caso português, é urgente definir sem subterfúgios, e antes de uma forma concreta, em que categoria devem ser incluídas organizações como Guarda Nacional Republicana, Guarda Fiscal, Polícia de Segurança Pública, Polícia Internacional e de Defesa do Estado, Legião Portuguesa, Milícia da Mocidade Portuguesa - que é, dentro do espírito que venho defendendo, necessário revigorar - guardas prisionais e florestais, bombeiros - corporações de tão larga extensão e dedicados servidores - e ainda as brigadas de caminho de ferro, transmissões e outras, quando se constituírem, o que se torna necessário. E é preciso ainda definir quando e em que situação e circunstâncias poderia ou deveria ser considerado como serviço militar o serviço nas suas fileiras.
Sr. Presidente: Vamo-nos debruçar com devoção sobre a proposta de lei que o Governo elaborou, com o cuidado que ela merece por mais do que um título, dadas as suas características regulamentares e a missão específica que a Constituição nesta matéria atribui a esta Assembleia.

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Não podemos deixar de lhe darmos cuidadosa e demorada atenção se estamos, como estamos, cientes das nossas responsabilidades e dos nossos deveres.
Assim o fez a Câmara Corporativa, e fê-lo com vigorosa independência, vigorosa independência a servir do exemplo, que, quanto a mim, a torna credora dos mais justos louvores.
Sr. Presidente: A proposta visa a um melhor serviço de recrutamento, de acordo com as novas e crescentes necessidades das forças armadas e a um mais eficiente aproveitamento do capital humano para a defesa da Nação.
Como repetidamente afirmei, em qualquer circunstância, a defesa nacional, que desde os primórdios da monarquia portuguesa - hoje por uma razão, amanhã por outra - mereceu aos nossos reis e às cortes constante preocupação, como depois a mereceu aos primeiros governantes da República.
Mais do que nunca ela as tem de merecer nos nossos dias, em que o direito internacional é letra morta - todos nos lembramos das sentenças- do Tribunal Internacional da Haia quanto aos enclaves do Estado Português da Índia -, pelo que há sobeja razão para afirmar que a justiça está na ponta da espada.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não há dúvida de que é na ponta das espadas e das baionetas dos nossos soldados que está a garantia da justiça que pertence a esta velha Nação.
Por isso eu afirmei no discurso do Porto, a que já me referi, discurso que muito me honrei de proferir a convite do ilustre oficial general que comanda a região nortenha, e, dirigindo-me aos militares presentes, eu disse:

As vossas baionetas desnudadas, relampejando ao sol dos continentes, são o garante, a força da justiça que- nos pertence e de que não podemos, consequentemente, abdicar. São o sustentáculo do nosso direito, da nossa verdade, que o inundo começa a reconhecer. São o testemunho da firme determinação de um povo que soube transformar em eras passadas o cabo das Tormentas em cabo da Boa Esperança. De um povo que não se atemorizou com os Adamastores e os Mostrengos, e, então como hoje, é firme na sua fé e nos seus objectivos.

Para mais adiante de novo, num brado saído do coração, dizer:

Soldados! Soldados!

Levantai bem alto as vossas espadas, bem alto o bem firmes, como é próprio de um soldado, tão alto que elas, rasgando o espaço, iluminem com o seu brilho imaculado a Nação inteira, apontando aos homens o caminho que a todos obriga a hora que vivemos: a renúncia aos apetites desmedidos, o refrear das paixões, a comunhão fraterna de todos aqueles que abaixo de Deus colocam a Pátria e acima da Pátria só Deus.

É larga a caminhada que temos na nossa frente. Larga, dura e extensa, mas tudo vale a pena, quando a alma não é pequena.
É grande a alma dos portugueses! Vale a pena? Vale a pena. Há-de valer a pena. As gerações futuras, reconhecendo o nosso esforço, bendirão o nosso sacrifício.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto de Meneses: - Sr. Presidente: A promulgação de três leis de serviço militar no espaço de 30 anos (a Lei n.º 1961, de 1 de Setembro de 1937, a Lei n.º 2034, de 18 de Julho de 1949, e a que agora se discute) mostra a rápida evolução que o conceito de defesa nacional sofreu e a necessidade de adaptar aos objectivos cada vez mais amplos desse conceito as normas de recrutamento e serviço nas forças armadas. Actualmente, a esfera das obrigações desse serviço ultrapassa a própria massa válida dos cidadãos e abrange todos os sectores da vida nacional, incluindo as actividades civis. Perante a emergência de um conflito, as armas já não são o único argumento a apresentar; os campos de acção situam-se em terrenos alheios à influência dos exércitos e carecem do concurso de pessoas que a tradição mantinha à margem das operações efectivas. É o caso de indivíduos que, não possuindo aptidão para as tarefas castrenses por falta de capacidade física ou psíquica, são agora aproveitados para serviços subsidiários. É ainda o caso das mulheres que nalguns, países são obrigatoriamente utilizadas, tal qual como os homens, nas unidades militares, o que, diga-se de passagem, deve comprazer aos arautos da total emancipação feminina, que conclamam para elas direitos e obrigações, iguais aos dos homens, mas defronta o invencível dos nossos mais profundos sentimentos de veneração pela mulher. Esta alteração do conceito da defesa dos povos e o incessante progresso da ciência e da técnica justificam a adaptação que as nossas leis vêm realizando.
É certo que, sob o regime da lei ainda vigente, as nossas forças militares têm agido com a necessária eficiência e cumprido tão bem a sua missão que se tornaram credoras das complacências e orgulho da Nação. Mas a experiência destes anos de luta aconselha que se proceda a uma extensão das obrigações militares, que é, no fundo, se bem compreendo, o intuito supremo da proposta. E como esta representa um progresso na actualização e revigoramento das estruturas existentes, merece, quanto a mim a concordância desta Assembleia. É oportuna, razoável e necessária.
Todavia, na concretização dessa extensão seria de ir um pouco além dos termos da proposta. Esta, por exemplo, exclui da prestação de serviço nas forças armadas os indivíduos que hajam praticado certos crimes, por os considerar indignos, como vulgarmente se diz, de envergarem uma farda. Compreende-se a intenção, mas também é de recear que essa mesma exclusão possa servir, não de castigo, mas de incentivo à prática desses delitos. A ideia pode parecer paradoxa para quem ignore que tem havido delinquentes movidos exclusivamente pela ideia de se eximirem ao serviço militar. É que, em matéria de obrigações, como esta, que têm uma dupla face, pois constitui ao mesmo tempo uma honra insigne e um ónus, há os que olham sómente a esta face e não se furtam a fazer tudo para se livrarem do ónus de qualquer maneira.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora, quanto a estes, acho que a lei deve surpreendê-los no próprio caminho da evasão em que se procuram colocar, vedando-lhes a fuga e não lhes criando qualquer hipótese de isenção.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Dentro desta mesma ordem de ideias, acho bem a proposta quando admite a possibilidade de os mancebos dados como inaptos na primeira prova, serem posteriormente reclassificados com vista ao seu ingresso

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nas fileiras. É, realmente, sabido que muitas vezes as condições! pessoais dos inaptos evoluem favoravelmente, quando tal acontece dentro de curto espaço de tempo, é justo que eles venham prestar o seu contributo nos mesmos termos que o& julgados aptos na primeira classificação. Dispondo assim, a lei salvaguarda as situações de manifesta incapacidade e as precisões das forças armadas, tudo dentro do mais equilibrado sentido de equidade.
Neste título primeiro, que estou apreciando e que na proposta se epigrafa de «Princípios gerais», só tenho mais uma observação a fazer. Entendo que se deve marcar com clareza a data inicial da prestação do serviço efectivo obrigatório, a qual não vem suficientemente indicada na proposta. Os cidadãos devem saber com que contar e, em matéria de obrigações, conhecer os prazos e datas dos seus deveres maiores.
No título segundo, que trata do recrutamento, prevê-se que podem ser adiados das provas de classificação, até à idade que se obtém adicionando a 20 o número de anos do plano do curso, e enquanto tiverem possibilidade de o completar na idade prevista, os universitários dos estabelecimentos de ensino do País ou equivalentes do estrangeiro ou outros em que se ministrem matérias de interesse para as forças armadas. Procura-se, desta forma, harmonizar os legítimos interesses dos estudantes, a quem a interrupção mais ou menos longa da frequência regular dos cursos poderia prejudicar definitivamente, com os interesses superiores da defesa nacional. É uma medida simpática e generosa da lei, que, além do mais, serve de estímulo ao aproveitamento escolar.
A Câmara Corporativa assinala esta disposição com louvor e julga de considerar uma medida semelhante para os alunos do ensino técnico médio e do magistério primário, propondo que as provas de classificação para estes sejam adiadas até aos 21 anos. É justo, assim como também é justo o que a mesma Câmara sugere relativamente aos segundos-assistentes das Faculdades ou escolas superiores ou aos que aí preparem doutoramento, os quais lhe parecem deverem poder beneficiar do adiamento.
A necessidade de se manter o nível do ensino universitário e o aumento incessante da frequência exigem quadros bem providos, em qualidade e quantidade, e isso correrá graves riscos se não se conceder a referida tolerância. Porém, este esquema de benefícios ficará incompleto se não se atender a outros sectores de ensino tanto ou mais carecidos ainda de professores qualificados: o liceal e o técnico profissional. Como VV. Ex.ªs sabem, os candidatos a professor liceal ou técnico têm de frequentar estágios de preparação pedagógica, com provas públicas de admissão e finais de Exame de Estado. Se as provas de admissão não forem prestadas logo a seguir à licenciatura, os candidatos dificilmente conseguem ser admitidos, visto que, sendo as matérias do concurso praticamente ilimitadas, só uma habilitação académica recente possibilita o êxito no exame.
Ora, tal como está na proposta, o licenciado, possível candidato ao referido estágio, é obrigado a incorporar-se imediatamente nas forças armadas e; como terá de servir nelas alguns anos, quando voltar, achar-se-á impossibilitado de arrostar com as exigências do concurso. Por conseguinte, também me parece justo que os concorrentes ao estágio para o professorado liceal e técnico beneficiem do adiamento das provas de classificação militar durante os dois anos necessários à frequência desse estágio. Nesse sentido, Sr. Presidente, se V. Ex.ª me permite, enviarei para a Mesa uma proposta de aditamento ao artigo 25.º da proposta de lei ou, na alternativa, ao artigo 24.º do texto da Câmara Corporativa.
Prosseguindo neste tema dos casos especiais do recrutamento, vem o de poder ser anualmente diferida a incorporação até aos 23 anos (a Câmara Corporativa sugere até aos 22 anos) dos mancebos que não disponham de meios suficientes para proverem ao sustento de certas pessoas a seu cargo. É uma inovação, que equivale, de certo modo, ao estabelecido no artigo 33.º da Lei n.º 2034. Segundo esta, os indivíduos naquelas condições eram incorporados no contingente classificado do respectivo ano, mas podiam passar à disponibilidade findo o período de instrução, que em regra era de seis meses.
A mim confesso que me parece mais suave a lei vigente, porquanto, se o mancebo é realmente o exclusivo sustentador da família, melhor irá a esta, que é, afinal, quem se pretende contemplar, se o seu amparo fizer os seis meses de recruta que os dois anos de serviço efectivo, ainda que este seja iniciado algum tempo depois. A não ser que a doutrina do artigo 62.º, em que se prevê a concessão de subsídios de família aos soldados nas condições referidas, venha a cobrir suficientemente a falta deles durante todo o seu tempo nas fileiras. Mas, mesmo assim, ficará sempre um vácuo moral, que o próprio subsídio não preencherá.
Ainda dentro deste título do recrutamento especial, perfilho inteiramente as proposições dos n.ºs 2 e 5 do artigo 35.º da Câmara Corporativa, a primeira concedendo, na admissão de voluntários, a preferência absoluta aos antigos alunos do Colégio Militar, Instituto dos Pupilos do Exército e Instituto de Odivelas, e a segunda permitindo a admissão à preparação para o quadro permanente aos oficiais do quadro de complemento que tenham prestado serviço efectivo no comando de unidades em campanha, com boas informações. As razões destas duas novidades vêm lucidamente expostas no exame na especialidade (p. 440) daquela Câmara e não carecem de melhor argumentação. Apenas lembrarei que a formação daqueles alunos decorre em ambiente de disciplina militar, donde saem, no fim do curso, perfeitamente modelados, de alma e corpo, para as lides castrenses. Quanto aos segundos, basta dizer que a autêntica vocação militar em nenhum exercício se demonstra tão plenamente como na chefia de homens em campanha.
E agora algumas considerações sobre o título terceiro «Cumprimento do serviço militar».
Segundo a proposta, o tempo normal de serviço efectivo, abrangendo os períodos de instrução e nas fileiras, será de três anos. A Câmara Corporativa opta pelos dois anos, como é actualmente pela Lei n.º 2034, e justifica à saciedade a sua opção no n.º 15 da apreciação na generalidade.
A mim convencem-me os argumentos da Câmara. Tanto mais que o motivo invocado na proposta para o aumento, ou seja a actual conjuntura, será, querendo Deus, uma excepção na longa série de anos de paz que merecemos viver. Só numa visão demasiado pessimista se poderá admitir que esta excepção se converta em regra. De resto, poderá ficar expresso na lei o recurso ao prolongamento desse serviço quando as circunstâncias o exigirem. E, assim, se conciliam as exigências normais das forças armadas com as suas exigências extraordinárias. Neste título terceiro a Câmara Corporativa propõe a inclusão de algumas disposições relativas aos militares do quadro de complemento, que não devemos deixar sem uma palavra de aplauso.
Todo o País sabe o notabilíssimo contributo que desde sempre, e sobretudo na decorrente situação militar, tem sido prestado pelos graduados e oficiais milicianos. Eles formam, na quase totalidade, os quadros de comando subalterno, tanto aqui como no ultramar. Da sua brilhante actuação falam as distinções, os louvores e as referências

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quotidianas dos jornais. Apesar de não serem profissionais das armas e de verem quase sempre as suas carreiras interrompidas com grandes sacrifícios materiais e morais, eles têm evidenciado as mais altas virtudes militares e praticado actos de abnegação, destemor e heroísmo que os colocam na linha mais alta dos beneméritos servidores da Pátria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Saídos das Universidades ou das profissões, onde viviam a vida desprevenida do comum das gentes, transitam para a actividade dura das milícias e aí satisfazem as severas exigências do Exército, quer no serviço dos quartéis, quer no campo da luta. Difícil é ultrapassá-los no culto da disciplina, no sentido da hierarquia, na camaradagem e no despreendimento pessoal.
O miliciano é, na sua esfera própria, a mais eloquente confirmação das virtudes do nosso povo e o expoente vivo da nossa incoercível determinação de resistir e vencer. Os chefes militares não escondem o seu júbilo perante os feitos destes rapazes, as forças armadas orgulham-se deles, o Governo tem premiado a sua conduta e a Nação segue, atenta e emocionada, o seu comportamento heróico nas frentes de combate da Guiné, Angola e Moçambique.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por conseguinte, todas as atenções que na futura lei lhes sejam dispensadas não representarão mais que um acto de inteira justiça.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A Câmara Corporativa, que andou muito bem em contemplá-los com a já citada disposição do seu artigo 35.º, prossegue no artigo 43.º com nova distinção, permitindo a graduação em postos mais elevados dos militares milicianos que se ilustrem por feitos em campanha ou em certas operações de defesa da ordem pública. E talvez só por lapso não os incluiu no artigo 44.º, segundo o qual os militares do quadro permanente, mutilados de guerra ou em certas operações militares ou de polícia ou em consequência de desastre em serviço por motivo das mesmas operações, poderão ser mantidos, a seu pedido, no serviço activo, para todos os efeitos, quando as diminuições sofridas não sejam com este incompatíveis. Disse que só por lapso porque a Câmara, cujo texto é um nobre documento de ciência de causa, senso jurídico e noção das realidades, mostrou bem não lhe ser indiferente o axioma moral de que a participação nos sacrifícios exige paridade nas recompensas.
Finalmente, Sr. Presidente, no capítulo das obrigações e regalias, merece ser salientado o artigo 66.º da proposta, que considera equivalente aos cursos e disciplinas dos estabelecimentos civis do ensino oficial os cursos e disciplinas ministrados nas forças armadas, desde que os programas e matérias sejam equiparados. Todos sabemos quanto, também neste aspecto, o Exército, a Marinha e a Aeronáutica têm feito em prol da cultura e do ensino, merecendo realce especial a sua colaboração na diminuição do analfabetismo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A Câmara Corporativa restringe os» termos da equivalência estabelecida na proposta, pois apenas considera, os cursos técnicos; a meu ver, sem razão, pois há ou pode haver cursos não técnicos professados nas forças armadas que ficarão, assim, excluídos do benefício da lei. Assim como também não vejo razão para se invocar a competência do Ministério da Educação Nacional, porquanto, se o plano o programas forem iguais, tal competência terá o efeito de uma simples formalidade que nada tira nem põe ao real merecimento dos diplomados nesses cursos. Aliás, o problema da valorização cultural e formação profissional através do ensino é tão premente para todos os sectores da vida nacional que não importa muito atender a se ele se resolve neste ou naquele Ministério. O que importa é que se resolva.
Quarto às condições para provimento ou permanência em determinados cargos, tanto a proposta como o texto da Câmara Corporativa, ao contrário da Lei n.º 2034, excluem os organismos corporativos e de coordenação económica do número das instituições para ingresso nas quais se exige aos concorrentes a prova de haverem cumprido as leis do serviço militar. Não me parece bem por dois motivos: primeiro, porque os organismos corporativos e de coordenação económica estão em condições semelhantes às das outras entidades; e, segundo, porque, sendo as obrigações militares um dever primacial dos cidadãos, os indivíduos que as não cumprirem não deviam ser admitidos, não só nos casos referidos, mas até em qualquer emprego, mesmo particular, o que, reconhecendo embora de difícil execução, por atingir domínios praticamente inacessíveis, todavia não ficaria mal fosse estabelecido como posição de princípio.
O mesmo é de dizer quanto às preferências estatuídas no artigo 64.º da proposta ou 52.º da Câmara Corporativa, visto que, havendo em muitos organismos corporativos admissão por concurso, é razoável que se dê a prioridade aos que serviram nas fileiras.
Em face do que acabo de expor, dou a minha concordância na generalidade à proposta de lei em discussão, mas, tendo analisado detidamente o texto da proposta e o da Câmara Corporativa, inclino-me para este último, em virtude da clareza da sua terminologia e lógica da sua sistematização.
Sr. Presidente: Escusado será encarecer a matéria em discussão, pois poucas leis haverá de carácter tão sério e tão sagrado como esta, que atinge a vida de todos os portugueses e visa a salvaguarda da liberdade e independência da Nação e a integridade do espaço em que vivemos aqui e além-mar. Será por certo uma lei tão equitativa que não admita mais excepções do que aquelas que a caridade ditar e o próprio sentido de defesa nacional impuser e tão previdente que permita a aplicação, em qualquer tempo e lugar, dos meios e recursos de salvação da Pátria, que é, afinal, a suprema razão de todas as leis. Como vínculo atará, sem magoar nem ferir, por qualquer desigualdade no rigor e justeza do seu maneio, e como jugo prenderá a todos na mesma submissão de obrigações e no mesmo alívio das regalias. Será, em suma, uma lei justa, que respeitará os sentimentos e tradições do nosso povo e alargará as disponibilidades, em potencial humano, das nossas forças de terra, mar e ar, para as quais, conforme se tem visto nestes seis anos de uma guerra absurda e imerecida, as palavras «difícil» e «impossível» perderam o significado comum dos dicionários.
Tudo indica, Sr. Presidente, que sob o império desta lei não tardarão a reverdecer os ramos da árvore da paz e à sombra deles voltar a quietude e prosperidade a todos os lares. Para tanto, importa que mantenhamos a fé e o idealismo que iluminaram sempre os nossos destinos e tenhamos por indicação auspiciosa aquela voz de poeta que dizia: «Amarra a barca a uma estrela e chegarás a terra firme», ou seja, na minha tradução, que, estou con-

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victo, é também a tradução desta Câmara, a estrela do mais ardente patriotismo e a terra firme de uma irrecusável vitória.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Amanhã haverá sessão à hora regimental, com a mesma ordem do dia da sessão de hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

André da Silva Campos Neves.
António Calheiros Lopes.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
Adindo Gonçalves Soares.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Correia Barbosa.
Francisco António da Silva.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Hirondino da Paixão Fernandes.
João Duarte de Oliveira.
José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Guilherme Bato de Melo e Castro.
José Rocha Calhorda.
José dos Santos Bessa.
José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Rui Pontífice de Sousa. Sebastião Alves.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
D. Custódia Lopes.
Fernando de Matos.
D. Maria de Lurdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Jaime Guerreiro Rua.
James Pinto Bull.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Coelho Jordão.
José Pinheiro da Silva.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel Lopes de Almeida.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul Satúrio Pires.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Tito Lívio Maria Feijóo.

O REDACTOR - Luiz de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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