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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 121

ANO DE 1968 19 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

IX LEGISLATURA

SESSÃO N.º 121, em 18 de JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente anunciou encontrarem-se na Mesa, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Diários do Governo n.ºs 13 e 14, 1.ª série, que inserem os Decretos-Leis n.ºs 48 204, 48 205 e 48 206.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão na generalidade da proposta de lei relativa ao serviço militar.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Henrique Tenreiro, Cutileiro Ferreira e Augusto Simões.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Fez-se a chamada,, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
André da Silva Campos Neves.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António José Braz Regueiro.
António Magro Borges de Araújo.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.

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Hirondino da Paixão Fernandes.
Horácio Brás da Silva.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pais Ribeiro.
José Rocha Calhorda.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
D. Marra de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecerde Sirvoicar.
Simeão Pinto de Mesquita de Carvalho Magalhães.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 85 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte.

Expediente

Telegramas

e Francisco Fernandes, apoiando o discurso do Sr. Deputado Peres Claro sobre o imposto de transacções.
Vários, de aplauso à intervenção do Sr. Deputado Augusto Simões sobre o aeródromo de Coimbra.

O Sr. Presidente: - Para efeito do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa os Diários do Governo n.ºs 13 e 14, 1.ª série, de 16 e 17 do corrente, que inserem os Decreto-Leis:
N.º 48 204, que altera algumas disposições do Decreto-Lei n.º 47 791, que cria na Presidência do Conselho, e na dependência directa do Presidente do Conselho, a Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica;
N.º 48 205, que altera as redacções dos artigos 90.26.05, 90.26.06 e 90.26.07 da pauta dos direitos de importação;
N.º 48 206, que considera como novos direitos de base, substituindo os anteriores direitos, as taxas pautais indicadas no Decreto-Lei n.º 48 205, desta data, e estabelece o calendário especial de reduções sobre os respectivos direitos para o novo artigo pautai 90.26.06.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa ao serviço militar.
Tem o palavra o Sr. Deputado Henrique Tenreiro.

O Sr. Henrique Tenreiro: - Sr. Presidente: Não sei a que deva atribuir a principal razão da minha presença nesta tribuna para me ocupar da proposta de lei do serviço militar que o Governo enviou, já com parecer da Câmara Corporativa, ao plenário da Assembleia Nacional. Não me parece que a minha condição de militar sobreleve à de qualquer civil quando está em causa uma proposta que visa, acima de tudo, os mais altos interesses da Nação, na defesa do seu território pátrio. Parece-me, sim, mais razoável e certo dizer-vos que venho aqui, na minha condição de português, apreciar um projecto de lei que, interessando toda a Nação, muito se prende com a vida militar, que defendo e sirvo com o maior orgulho e dedicação. E proposta também estudada pela Comissão de Defesa com cuidado e atenção, e com cuidado e inteligência pelo nosso colega coronel Sousa Meneses.
Para que a paz, tão intrèpidamente defendida por aquele que há 40 anos sàbiamente nos dirige, seja por completo restabelecida na nossa terra, impõem-se medidas rigorosas, de vigia quase permanente nas nossas províncias ultramarinas, uma vez que uma ameaça terrível caiu há 7 anos sobre Angola e nos levou a desviar para o Portugal de além-mar parte das nossas forças armadas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A sua presença e o sublime sentido patriótico dos nossos militares, dedicados e heróicos, tem permitido a manutenção integral dessas parcelas sagradas do território português.
Pena é que o denodado esforço despendido e o espírito de sacrifício dos nossos bravos militares não sejam inteiramente compreendidos por alguns portugueses, apesar de - S. Ex.ª o Sr. Presidente da República disse-o na sua mensagem do Ano Novo - «os Portugueses não estarem defendendo apenas os seus direitos legítimos e indiscutíveis, mas também a conservação da civilização ocidental e cristã no continente africano».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não se vislumbra o dia em que tal pensamento possa deixar de ser a dominante preocupação de todos nós - e assim, a permanência das nossas forças

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armadas no ultramar terá de continuar com a mesma cuidadosa e abnegada perseverança.
Cada um de nós é parcialmente responsável pelos superiores interesses da Nação e, no conjunto, devendo formar um bloco invulnerável na defesa de todo o nosso território metropolitano e ultramarino. Se muitos de nós ou dos nossos são chamados a cumprir o seu dever na frente de combate - outros, não poucos, teremos uma missão, igualmente importante, a cumprir: constituirmos uma força permanente e válida, nas linhas da retaguarda, para combater os traidores e destruir todo o mal que eles nos causam, dentro e fora do País, pelos seus habituais e conhecidos processos cobardes de mentira e calúnia. E muitos desses ataques partem - o que é estranho - de países que também estão em guerra para combater o comunismo. Com uma diferença: eles combatem-nos em territórios alheios; e nós combatemos no nosso ultramar para defendermos aquilo que nos pertence.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Procuram os detractores desmoralizar o nosso povo e fazer-lhe crer que não temos organização política, económica e militar para aguentarmos a guerra que nos movem os terroristas apoiados por outras nações, algumas das quais não existiam quando há séculos nos fixámos nas várias parcelas do território africano. Mas não o conseguem, nem nunca o hão-de conseguir, ainda que o inimigo se alie com esses falsos patriotas para procurar vencer-nos dessa maneira vil e degradante.
Todos os bons portugueses estão bem conscientes da realidade e sabem que podem contar com o apoio do Governo na defesa da sua política de paz e progresso, com a qual tem sido possível acabar com os ódios de raças entre os naturais, congregando-os pela amizade nos sãos princípios da união de todos os que nascem portugueses, sem quaisquer preconceitos e sem outras distinções que não sejam as que, numa comunidade organizada, se estabelecem, natural e inevitàvelmente, nos campos económico, político, militar e social.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Com o mesmo entusiasmo e calor dos outros Deputados que, nesta mesma Assembleia, afirmaram brilhantemente as suas convicções, quero também lançar o meu grito de alerta, pois é já tempo de afastarmos do nosso convívio os indiferentes e os inimigos, que, em vários sectores da vida privada e oficial, não se apercebem - ou não querem conhecer - do sacrifício dos que oferecem as vidas por eles. São esses maus patriotas que, colaborando conscientemente com o inimigo, ou fazendo inconscientemente o seu jogo, propagam lá fora, contra nós, no propósito claro e evidente de dividir o País e entregá-lo à desordem, como aconteceu no massacre de Angola em 1961.
É, pois, naturalíssimo que, em face da presente situação, e da defesa do futuro, houvesse necessidade absoluta de rever e actualizar a legislação, ainda em vigor, do serviço militar obrigatório. Data de 1937 - quando não existiam os problemas de hoje - a lei do serviço militar pela qual nos temos regido, só com ligeiras alterações introduzidas em 1956 e 1960.
A nova Lei do Serviço Militar, agora apresentada com o parecer da Câmara Corporativa, introduz profundas alterações no texto que tem vigorado até aqui, no sentido de o reajustar às necessidades actuais.
Se é certo que a nossa condição de português nos leva a aplaudir e a agradecer as oportunas e necessárias alterações propostas para a nova lei, não é menos verdade que faltaríamos ao nosso dever se não tecêssemos sobre elas algumas considerações.
Esta nova lei da vida militar não vem trazer apenas regulamentação rígida de deveres e obrigações. Em vários pontos mostra claramente o espírito de humanidade dos legisladores ao fixarem normas de justiça e regalias para que a juventude se entregue de alma e coração à sagrada causa que define Portugal como País uno e indivisível.
Só é de lamentar que esses rapazes não tivessem sido aproveitados na Mocidade Portuguesa - como era o espírito da milícia -, para, chegada a hora de servirem a Pátria, o poderem fazer já com alguma preparação militar e uma formação política e ultramarina consciente das realidades nacionais. Teríamos assim, nos quadros militares, um escol de oficiais devidamente preparados e com uma mística nacional para continuarem a política que seguimos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Embora a lei tome certas medidas preventivas quanto ao período de aproveitamento de todos os cidadãos, como nalguns casos está sucedendo já, estamos certos de que nunca o Governo nem os altos comandos militares deixarão de ter sempre bem presente um sentimento de compreensão e humanidade que evite demoradas permanências nas fileiras quando não existam situações de emergência. Na Marinha é plenamente justificável o maior período de serviço. Mas, neste caso específico, em que os recrutados escolhem aquela arma para seguir carreira não há qualquer prejuízo, além de que é justificação bastante não se poder contar com aptos e bons marinheiros se for curta a sua aprendizagem.
Em muitos casos, os indivíduos estão em actividade escolar aos 18 anos, e assim se mantêm quando aos 21 são chamados à efectividade militar. Parece-nos, portanto, que só nessa altura deverão fazer prova das suas habilitações para efeito de classificação, cuja comunicação deve ser dada pelos estabelecimentos de ensino.
Desejo fazer ainda um pequeno esclarecimento relativo ao recrutamento do pessoal para a Marinha, pois trata-se de um ramo de características muito especiais e que deve merecer os maiores cuidados.
Nas operações de classificação dos contingentes anuais referidas no artigo 12.º, interessa que antes da distribuição dos «indivíduos seleccionados por grupos» aos diversos ramos das forças armadas, estes possam proceder à selecção complementar, pois, de contrário, pode não ser atribuído à Marinha pessoal suficiente para satisfazer os requisitos mínimos das diversas classes especializadas, que hoje, pelo seu desenvolvimento, são cada vez mais complexas e difíceis.
Este ponto é muito importante para a Armada, bem assim como o do capítulo que se refere à admissão de voluntários para os quadros permanentes, normalmente precedida de concurso de provas públicas e de aptidão. Achamos bem que haja um contrôle perfeito, mas são graves os inconvenientes que resultam da «preferência dada em todas as circunstâncias às obrigações militares inerentes ao serviço não efectivo nos outros ramos das forças armadas, depois de prestado o tempo normal do serviço efectivo». Entendemos que é de eliminar a parte final deste capítulo «depois de prestado o tempo normal de serviço», pois, a manter-se isto, arrisca-se a Armada a não ter médicos ao seu serviço. Decerto que poucos seriam aqueles que, depois de cumprido o serviço militar

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no Exército, estavam dispostos a concorrer à Marinha, onde ficariam obrigados, por serem os mais modernos, a cumprir imediatamente outra missão no ultramar.
O que é de desejar é que se faça uma distribuição equitativa deste pessoal necessário a todas as armas.
Assim como defendemos certas medidas e princípios para evitar que sejam afectados os interesses legítimos de todos os cidadãos, que sabem e querem cumprir os seus deveres, igualmente devemos ser intransigentes nos castigos a aplicar àqueles que tudo fazem para não merecerem a honra de serem tratados como nossos irmãos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Felizmente são poucos os que assim procedem. Uma minoria, que não é digna de conviver com aqueles que tão abnegadamente servem o seu País e escutam a palavra de ordem de Salazar. Um chefe que sempre tem mostrado saber o que quer e para onde vai - e que na sua política ultramarina não cede um palmo de terreno ao inimigo, ao inimigo cada vez mais enfraquecido e aniquilado com a presença cada vez mais firme da nossa estabilidade nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Porque a eles muito se deve da integridade do nosso território, o Governo e a Câmara Corporativa, no seu parecer, não os esqueceram, vincando que deve ficar bem explícita na lei - e não de um modo vago - a preferencia a dar aos militares, após o período de prestação de serviço, para poderem fixar-se nas nossas províncias ultramarinas.
É de toda a justiça a concessão dada aos militares para a sua colocação em actividades oficiais ou privadas a cargo das juntas de povoamento ou de outros serviços que delas dependam, bem assim como os subsídios e abonos para a viagem - deles e dos seus familiares.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Será a mais maravilhosa das viagens que um português pode fazer, ao trocar a arma que heroìcamente empunhou pela enxada do trabalho com que se propõe continuar a sua missão na defesa da integridade do território pátrio.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Então, sim, terá cumprido integralmente o seu dever, podendo dizer, amanhã, aos seus filhos, com sinceridade e orgulho, que o seu sangue derramado e a sua permanência no ultramar serviram para que Portugal continuasse a ser um País livre, independente, prestigiado e próspero.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cutileiro Ferreira: - Sr. Presidente: Ao trazer o meu modesto contributo ao debate sobre a proposta de lei do serviço militar, quero, Sr. Presidente, começar por enaltecer as excelsas virtudes da raça portuguesa, sem distinção de cores ou etnias, que tão galhardamente se tem batido, em todas as frentes, nessa guerra, cruel e injusta, que as forças combinadas, do mal e da cobiça, nos tem imposto por forma tão insidiosa. Reconforta, Sr. Presidente, o conhecimento de que a geração actual é digna sucessora daquelas que se bateram em Aljubarrota, Salado, França e, ainda, nas terras quentes de todo o nosso ultramar. Bem merecem de todos nós e da Pátria esses bravos que, em terras da Guiné, Angola e Moçambique, tão generosamente vertem o seu sangue para que Portugal se perpetue em terras que descobrimos e desbravámos, para a cultura ocidental e cristã.
Ditosa Pátria que tais filhos tem - disse o nosso glorioso épico, que também foi um denodado soldado do ultramar.
Glória aos que a morte já ceifou, saudade permanente em nossa alma, para esses que fizeram o sacrifício maior - o da própria vida - para que a Pátria se não avilte, como quereriam alguns que, por esse mundo, nos invejam os bens que os nossos maiores nos legaram e nós queremos, com firme determinação, deixar íntegros às gerações que nos sucederem. Tive a honra, sublime honra, de haver visitado, por duas vezes, uma das nossas províncias mais flageladas, a Guiné. Lá convivi com as nossas tropas, todos irmanados, brancos, pretos ou mestiços, numa fé inquebrantável nos destinos do nosso querido Portugal. Há saudades em seus corações, há desconforto, há luta, há morte, mas todos, todos sem excepção, estão animados do mesmo decidido espírito de resistir, pois bem sabem que só resistindo conseguirão a vitória final, que nos trará a paz, que tanto ambicionamos, para só cuidar do trabalho em prol do desenvolvimento dessas terras que são nossas ... nossas de pleno direito.
Não há terrorismo que os amedronte, não há desconforto que os vença, não há saudade que os canse. A luta, difícil muitas vezes, tem servido para afinar as almas e temperar os sentimentos pátrios de cada um. Quando se visita uma unidade destacada em pleno mato, longe dos agrados da civilização, sente-se orgulho por esses homens. É lá que se compreende, melhor que em qualquer outra parte, do que são capazes as gentes portuguesas.
Combatemos, em África, numa guerra que do exterior nos movem, por algo mais que a glória militar, combatemos por uma civilização que procura expandir-se para levar os seus benefícios mais longe e a maior número. Estamos em África e ficaremos em África, porque não abdicámos da missão sagrada que nós foi confiada pelo destino: civilizar.
E nós, os Portugueses, sabemos civilizar cristãmente. Não criámos diferenciações raciais, não criámos etnias que se chocam. Sob a bandeira sagrada das quinas todos somos, apenas, portugueses.
Uma raça que tem estes predicados é digna do respeito de todos. Temos, pois, Sr. Presidente, o direito de nos defendermos e de criar os meios para essa defesa.
Revertendo à proposta de lei do serviço militar, começarei, Sr. Presidente, por render as minhas homenagens aos autores do projecto e à Câmara Corporativa pelo seu exaustivo e douto parecer. Creio que as emendas propostas por essa digna Câmara merecem, de todos nós, geral assentimento.
Elas estão baseadas em tão meticuloso estudo que só podem valorizar, e valorizam, a proposta do Governo da Nação.
Apenas, em meu critério, há uma lacuna que conviria preencher, ou, pelo menos, deixar suficientemente esclarecida. Através de todo o articulado se refere que à Nação compete, como lhe cumpre, fornecer, pelo recenseamento, toda a massa de cidadãos que, por atingirem os 20 anos de idade, ficam passivos do cumprimento dos seus deveres militares. O princípio é geral e abrange, obrigatòriamente, todos os cidadãos, varões, sem qualquer excepção. Ora acontece que o Governo não está obrigado, por disposição oriunda da proposta de lei, a promover a instrução militar de toda a massa de cidadãos recenseados.

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Creio, Sr. Presidente, que sem ofensa dos princípios constitucionais, a ilustre Comissão de Defesa deveria propor uma emenda em que esse princípio ficasse expressamente exarado. Entendo, e não estou só neste entender, que à massa recenseada deveria corresponder, exactamente, o mesmo número de soldados, instruídos em cada classe anual. Não me parece bem que possa haver diferença numérica entre os recenseados e as classes mobilizáveis.
A instrução militar deve ser geral e completa.
Só com a possibilidade de, em tempo oportuno, se poder dispor de soldados e respectivos quadros de oficiais e sargentos, no número máximo, poderemos confiar na defesa dos nossos sagrados direitos de Nação mãe de nações. Que a instrução militar seja, oportunamente, ministrada a todos os cidadãos recenseados é uma inadiável necessidade a que urge atender, Sr. Presidente.
E, porque falei em instrução militar, emito o voto de que seja tão eficiente quanta eficiência se pretende nas acções de combate. Um soldado bem instruído desempenha com tanta mais galhardia e presteza todas as funções para que seja destacado quanto maior for o grau do seu saber.
Não basta querer cumprir ... é indispensável saber cumprir. O que ignora é sempre vítima da sua ignorância. E na guerra joga-se o bem mais precioso: a vida.
Vi, com satisfação, que a proposta de lei em discussão não só mantém, como melhora, as possibilidades dadas aos soldados, ainda estudantes, de concluírem dentro de determinados condicionalismos os seus cursos. É este um ponto capital, pois a Nação deve evitar, por todos os meios, um cerceamento na sua expansão intelectual. Este é um capital de futuro e de segura rentabilidade. A vida militar poderia, a exemplo do que se faz nas forças do exército americano destacadas na Europa, ser aproveitada para se dar aos soldados, nos períodos de descanso, a possibilidade de frequentarem cursos técnicos, para o que se poderiam aproveitar as universidades locais, onde as houvesse, ou destacando professores para locais convenientes. Tanta coisa copiámos do estrangeiro, porque não tentaremos essa experiência, por outros já feita?
Ainda no capítulo da instrução militar. Sr. Presidente, parece-me que a dada aos quadros de oficiais seria mais eficiente se ministrada em meio social mais compatível que a cidade de Lisboa. Julgo que uma academia militar situada em região cujos clima e configuração fossem mais afins com os da nossa África teria vantagens de toda a ordem. Haveria maior e mais permanente contacto com o campo, e com isso todos lucrariam. Que esta ideia seja julgada pelos responsáveis pela instrução militar e, certamente, algo se fará nesse sentido.
Quero referir-me, agora, Sr. Presidente, aos chamados «oficiais do quadro complementar». Acho a designação infeliz e preferiria a anterior: «oficiais milicianos». Não se trata, quanto a mim, de um quadro complementar, mas sim de um quadro básico. Os comandantes de pelotão são, na sua esmagadora maioria, oficiais milicianos, e o pelotão é uma unidade básica, e não complementar. Além do mais, a designação de oficial miliciano já tem tradição. Ilustraram-se na Grande Guerra de 1914-1918, e dessa honrosa corporação quase todos nós fizemos parte, a começar por V. Ex.ª, Sr. Presidente. Preferiria, pois, a designação de «oficiais milicianos». O que lhes deve a Nação? ... Eu nem sei. Normalmente oriundos da classe universitária, muitos já formados, constituem o escol da nossa mocidade. São eles os esteios do futuro. É neles que reside grande parte da nossa esperança. Nos campos de batalha estão na frente, nos lugares onde se joga a vida pela defesa da Pátria. Devemos-lhe, pois, uma palavra de saudação e de carinho.
É justo, assim, que tenham mais fácil acesso nas diversas carreiras da vida, que gozem protecções legais que melhor possibilitem o seu futuro. Uma possível ascensão na carreira militar é mais que justa ... é devida.
Desejo ainda, Sr. Presidente, fazer uma breve referência à maior inovação da proposta de lei em discussão: o serviço militar feminino, em regime de voluntariado.
Considero a medida pertinente e oportuna. Entendo que nenhuma ocupação deve ser negada à mulher, desde que ela tem o sagrado direito de ser mãe. Porque negar-lhe, pois, a honra de servir a Pátria, integrada nas forças armadas?
Entendo, todavia, que essa honra lhe deve estar reservada nos serviços auxiliares. Não compreendo a mulher que possa, matar, mas entendo a que nos alivia o sofrimento. Como médica, como farmacêutica, como enfermeira, em qualquer secretaria, acho bem. Nas forças armadas, como combatente, considero uma negação da sua elevada condição de mãe.
Cabe aqui, Sr. Presidente, uma referência - e que justa ela é! - a essas abnegadas enfermeiras pára-quedistas, para quem vai todo o meu respeito e consideração. Só quem já as viu partir, na fragilidade de um helicóptero, rumo ao desconhecido, poderá compreender o que existe de grande e nobre na sua missão. Custa-me a compreendê-las, mas admiro-as. Não as entendo, mas respeito-as.
Já fiz, Sr. Presidente, o ligeiro reparo que a proposta de lei em discussão me sugeriu; resta-me dar a minha concordância, na generalidade, à mesma, com as alterações propostas no parecer da Câmara Corporativa.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Subo a esta tribuna com a grande satisfação de haver cumprido integralmente as minhas obrigações militares e de já ter tido a ventura de ver um dos meus filhos cumprir as suas nas frentes de combate da Guiné, onde se bateu por forma a ganhar uma cruz de guerra que há dois anos foi receber à linda cidade de Tomar - herdeira de Coimbra da sede da região militar -, nas impressionantes cerimónias do dia 10 de Junho com que nos centros militares de Portugal orgulhosamente se comemora o Dia da Baça.

O Sr. Nunes Barata: - Muito bem!

O Orador: - Foi inteiramente patriótica, e é de louvar calorosamente, a iniciativa de nesse expressivo dia de cada ano, no ambiente soleníssimo de esmagadora grandeza que lhe empresta a presença das forças armadas dos três ramos e dos grandes vultos nacionais, se exaltarem os feitos heróicos dos que, indiferentes aos perigos e abnegados de si mesmos, afirmaram galhardamente as ínclitas virtudes da Baça, servindo a perenidade da Pátria nas frentes africanas de batalha e nas outras onde Portugal luta ou vigia.
É uma consagração inteiramente merecida, e á evocação das grandes figuras do passado, que se faz especialmente nesse dia, fica bem no ambiente de emoção que se vive, quando as almas dos vivos e dos mortos acorrem à chamada que lhes fazem os sons vibrantes dos clarins.
Mas a evocação do valor das nossas forças armadas não pode ter limite e, por isso, quando, como agora, se discute a Lei do Serviço Militar, em que se deixa

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bem vincado que a obrigação de servir a Pátria, lutando seja onde for e seja como for, é uma das mais estremes honras que um bom português pode sentir, fica bem relembrar ainda os efeitos de todos quantos - e são uma esmagadora maioria - na gesta difícil que nos foi imposta continuam a legitimar a afirmação do épico de que «ditosa é a Pátria que tais filhos tem».

O Sr. Campos Neves: - Muito bem!

O Orador: - Assim, orgulhosos das grandes virtudes e da valentia indesmentível dos que andam empenhados na defesa da nossa integridade territorial, ao serviço da civilização cristã, sob cuja égide se fez a Nação que hoje somos, é justo e legítimo que se deixe a esses abnegados servidores da Pátria aqui expressa a homenagem que tanto merecem.
Cumpro muito gostosamente esse dever, e faço-o com A grande admiração que cimentei e tornei ainda maior quando tive a ventura de visitar nas portuguesíssimas terras da Guiné, com a missão parlamentar que ali se deslocou em inesquecível viagem, esses bravos e moralizados combatentes, aos quais não quebrantam o ânimo, nem as dificuldades, nem os perigos sempre presentes, da luta que ali estamos a travar.
Aqui lhes deixo, portanto, a minha rendida homenagem, que lhes pertence e a tantos outros empenhados em escrever a história hodierna de Portugal enchendo as suas páginas com feitos que não desmerecem em nada daqueles que outros escreveram no passado.
Sr. Presidente, não me quero furtar ao dever de vir marcar a minha posição perante o regime do serviço militar que está em discussão, por constituir uma das poucas prerrogativas específicas desta Câmara.
Serei muito breve, Sr. Presidente, porque, nesta altura, já foram tratados com a devida e merecida profundidade os aspectos de mais saliente revelo que deviam ser consideradas.
Li com muito interesse a proposta de lei apresentada pelo Governo e o parecer da Câmara Corporativa que sobre ela incidiu, para fazer a comparação que se impunha.
Sem qualquer menosprezo pela dita proposta, cujo valor e cabimento são inegáveis, concluí que o articulado apresentado no parecer da Câmara Corporativa reúne um conjunto de condições que o tornam bastante superior àquela, pelo que intentei, desde logo, conceder-lhe inteira preferência.
Subscrevem esse parecer individualidades que representam um escol de grandes valores da nossa intelectualidade, cuja clarividência fica bem demonstrada, quer na sistematização das matérias encaradas, quer nos apropriados rumos que traçaram para que a transcendente importância do regime proposto não ficasse de nenhuma forma comprometida.
Poucos serão, portanto, os meus reparos, mas alguns me cumpre fazer, na sequência de atitude que há muito tomei nesta Câmara, sobre um dos capítulos que no referido parecer são versados.
Refiro-me à incidência da taxa militar, de que adianto me ocuparei.
Antes, parece-me cabido manifestar a minha discordância com a redacção do artigo 1.º, em que se define o que seja o serviço militar, afirmando que esse serviço é o contributo pessoal dos cidadãos no âmbito militar para a defesa da Nação. Não dou o meu assentimento a tal redacção, por me parecer que há grande ilogismo entre os dois últimos vocábulos.
Na verdade, e começo pelo último, suponho que haverá conveniência em substituir a palavra «Nação» pela de «Pátria».
É que estas duas palavras não têm a mesma dimensão, nem são rigorosamente sinónimas.
«Nação» representa mais a parte pessoal do que engloba pròpriamente todos os elementos integrantes da Pátria.
A dimensão da ideia de Pátria é muito maior, portanto, e sobreleva em valor anímico o âmbito da ideia de Nação.
Aquela é muito mais expressiva e muito mais antiga, e tanto que andou sempre a nimbar as razões determinantes das nossas grandes empresas do passado.
Sempre se lutou pela Pátria, sempre nos ensinaram a amar a Pátria, e ao sentimento que nos leva aos maiores sacrifícios chama-se «patriotismo».
Ora, patriotismo é, precisamente, o que se exige aos Portugueses quando se estrutura o regime de prestação do serviço militar, objectivo dos textos legais em discussão.
Por outro lado, sempre foi das tradições militares usar o expressivo mandamento que nos provém da voz dos séculos e o nosso grande épico definiu com os inultrapassáveis fulgores da sua alma inundada de patriotismo de «A Pátria honrai que a Pátria vos contempla».
Finalmente, nas suas vibrantes e expressivas estrofes, o hino nacional fala-nos da Pátria em termos absolutos, isto é, com exuberante determinação.
Tanto basta, a meu ver, para justificar amplamente que no artigo 1.º se defina o serviço militar como o contributo pessoal dos cidadãos no âmbito militar para a defesa da Pátria. Além do mais que já disse, parece-me que assim se elimina o ilogismo a que me referi, de tão certo ser que «defender a Nação» me não parece que possa exprimir com o necessário rigor a ideia central que domina toda a proposta que se discute, nem se coaduna com os conceitos jurídicos dela constantes.
Sr. Presidente: Em todas as épocas e entre todos os povos, desde a Antiguidade até aos nossos dias, o dever de contribuir pessoalmente para a defesa da Pátria tem impendido sobre todos os cidadãos como uma obrigação fundamental de sobrevivência dos respectivos, agregados nacionais.
Desta sorte, as leis que definem a forma de cumprimento dessa obrigação apresentam uma importância que as coloca em paridade com as próprias constituições políticas.
É que tais leis, pelo império da sua finalidade específica, são sempre restritivas das liberdades dos cidadãos, condicionando-as aos superiores interesses da Pátria, por forma a que esta, quando necessitar da actuação dos cidadãos que a formam para manter a sua integridade e garantir as suas vivências, os encontre aptos a desempenharem as missões que se tornem necessárias ao banimento dos perigos, onde quer que tais integridade e vivência sejam ameaçadas.
Todavia, essas leis não podem esquecer que a defesa da Pátria não reside apenas e sòmente numa estrito defesa militar das frentes.
É que essa defesa militar só será possível se às forças armadas se puder garantir uma conveniente sobrevivência económica e operacional indispensáveis à sua actuação eficiente.
Para tanto, torna-se necessário que a todas as estruturas nacionais seja igualmente garantida a devida sobrevivência económica, pois, se a não possuírem, fica desde logo inteiramente comprometida a eficiência das forças armadas, pelas inevitáveis carências de elementos de actuação.

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Desta sorte, as leis que fixam e disciplinam a prestação do serviço militar devem equacionar com todo o cuidado a valorização do capital humano nacional para dosearem equilibradamente a sua utilização, que terá de ser feita normalmente e por forma a que esse capital também não falte nas fontes dos rendimentos donde saem os recursos com os quais se garante aquela sobrevivência.
De tais axiomas deriva necessariamente o pensamento de que a duração do tempo de prestação do serviço militar deve ser tal que não fiquem privadas da mão-de-obra de que carecem as actividades públicas ou particulares fora do âmbito militar por tempo superior ao que seja indispensável para se poder operar a reintegração das fileiras.
Por isso, parece-me que dentro da política de equação das necessidades da defesa nacional com os valores do capital humano de que dispomos para as satisfazer, o regime proposto no parecer da Câmara Corporativa leva assinalada vantagem ao constante da proposta apresentada pelo Governo.
Por outro lado, como tem sido aqui várias vezes posto em relevo, o estabelecimento de um prazo fixo de dois anos, como se faz no artigo 40.º do projecto da Câmara Corporativa, para a duração normal de efectivo serviço militar, tem abundantes vantagens psicológicas que superam em larga medida as indeterminações contidas na aludida proposta governamental.
Não deve esquecer-se que, a despeito das especiais condições das necessidades militares que atravessamos por virtude das exigências da luta nas frentes africanas, o regime a fixar deve ter em conta as condições normais do tempo de paz como regra, sem embargo de prever a possibilidade de rápidas soluções se excepcionalmente elas se tornarem necessárias.
Ora, isto fica devidamente acautelado no projecto apresentado pela Câmara Corporativa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Dou o meu inteiro aplauso a tal regime e apoio sem restrições tudo quanto neste sentido tem sido aduzido nesta Câmara.
Igual apoio merece a intenção, que ressalta da economia de qualquer dos textos em apreciação, de fomentar a valorização profissional dos que são chamados às fileiras.
Rumos de transcedente importância, com eles se favorece ajustadamente o imprescindível equilíbrio das estruturas económico-sociais da Nação.
Por isso bem cabido me parece que se não tolham, antes se facilitem, os estudos de todos quantos frequentam o ensino superior e o ensino técnico, por forma a não interromperem o regular andamento dos respectivos cursos.

Vozes: - Muito, bem!

O Orador: - O alargado regime de adiamentos proposto pela Câmara Corporativa evitará o abandono dos estudos a muitos dos nossos jovens que, chamados à prestação do serviço militar enquanto empenhados na obtenção de diplomas do ensino superior e do ensino técnico, perdem inteiramente o gosto de estudar, entrosados já em outros aspectos materiais da vida.
A deserção destes valores do campo da preparação técnico-profissional carecia de ser combatida com eficiência, porque esta erosão humana está a fazer aumentar as aflitivas carências de técnicos que tanto flagelam a vida económica nacional.
Pena é que em relação à mão-de-obra rural mais especializada se não possam estabelecer também determinadas possibilidades do mesmo adiamento da prestação do serviço militar.
São bem conhecidas as tremendas vicissitudes com que se debatem as explorações agrícolas, pela crescente rarefacção da mão-de-obra, dia a dia mais acentuada e favorecida pela emigração.
O fenómeno conduziu à utilização da juventude ainda fixada nos meios rurais nas tarefas mais especializadas, que o lento evoluir das técnicas agrícolas vai impondo progressivamente.
Preenchidos à custa de inenarráveis dificuldades os lugares cuja criação essas técnicas impuseram por jovens que cedo atingem a idade de prestação do serviço militar, na falta de outros elementos humanos com possibilidade de ocuparem esses lugares e desempenharem as tarefas específicas a que os mesmos obrigam, geram-se dificuldades, a maior parte das vezes insuperáveis, quando esses improvisados servidores são chamados às fileiras.
É que não aparecem outros de quem se possa lançar mão, porque, uma vez saídos das dificuldades de uma intensa vida agrícola, os jovens não retornam aos campos, aliciados (como são) por melhores condições de vida em outros sectores de ocupação, nacionais ou estrangeiros.
São inconvenientes de muito tomo que terão de ser abolidos ou atenuados com medidas idóneas que ainda se não encontram totalmente estruturadas.
Dentro da política de valorização profissional, que vai ser posta em prática no âmbito militar, afigura-se-me que seria da mais alta conveniência dar aos jovens que se vão buscar aos meios rurais uma preparação tendente a familiarizá-los com determinados aspectos das necessidades da moderna técnica agrícola, compatíveis com a preparação militar que lhes vai sendo ministrada.
Essa preparação teria certamente as mais benéficas repercussões, pois não favoreceria, antes combateria, o êxido rural, que é um dos grandes flagelos do nosso tempo, de tão certo ser que, abonados em conhecimentos de reconhecida utilidade para o granjeio agrícola, findo o tempo de serviço militar efectivo, os jovens encontrariam nos meios rurais onde se criaram possibilidades de atraente colocação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pelo que concerne à prestação do serviço militar pelas mulheres, parece-me que é inteiramente apropriado o regime de voluntariado que se preconiza. É já uma abertura de relevante valor deixar criada essa possibilidade. Eu sei, Sr. Presidente, que já não tem hoje qualquer cabimento considerar as mulheres como pertencendo ao chamado «sexo fraco».
O sexo já não causa, em nossos dias, qualquer posição de inferioridade. Actualmente as mulheres concorrem indiscriminadamente com os homens à maior parte das actividades, desempenhando as suas missões por forma a manterem, e a incentivarem até, essa concorrência; todavia, não me parece cabido obrigá-las à prestação do serviço militar em relativa paridade com os homens.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Dar-lhes possibilidades e acolhimento nos serviços em que se lhes possa reconhecer utilidade já será um avantajado passo em frente e uma experiência de que podem resultar as melhores opções.
Não temos ainda um nível educacional que justifique um recrutamento obrigatório da mulher portuguesa para

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os serviços militares. Antes que tal se legitime, tem de fomentar-se aceleradamente a educação de grandes massas femininas, designadamente as dos centros rurais, ainda vítimas das limitações ancestrais que estão fundamente enraizadas.
E chego, finalmente, ao capítulo da taxa militar, que mais especialmente feriu a minha atenção.
Li com ansiedade os dois regimes deste tributo estatuídos na proposta e no parecer da Câmara Corporativa e confesso que me causou estranheza, perante a sua pormenorizada regulamentação, não ver decretada em nenhum dos aludidos textos a isenção da taxa militar para aqueles que, por pavorosa infelicidade - sua e nossa -, não podem prestar o seu concurso à defesa da Pátria, por serem portadores de defeitos físicos irremediáveis que lhes transformam a existência em penoso e permanente calvário.
O regime vigente há anos sujeitava estes infelizes indivíduos a essa taxa, que tinha de ser paga pelas forças do seu agregado familiar, desde que pudessem desempenhar qualquer missão, por mais insignificante que ela fosse.
À sombra de tal legislação, contida em dois decretos, e por mercê de interpretação aberrante dos seus comandos e do seu espírito, foram tributados sem dó, nem piedade, cegos, aleijados, mentecaptos, paralíticos e quejandos infelizes, e em tal número que, em determinada repartição do Estado em que se operava o processamento do tributo, chegaram a pender alguns milhares de processos aguardando pagamento compulsivo.
Tomei conhecimento desta situação através do caso aflitivo da família de um rapaz lesado por fortíssimo ataque de paralisia que na infância o privou dos membros inferiores e cuja mãe, viúva de um trabalhador rural, que deixara como único bem um pequeno tugúrio onde a família se albergava, se viu ameaçada de penhora do tugúrio, se não satisfizesse uma avultada importância de taxas acumuladas que foram lançadas àquele pobre paralítico!
Condoído com o sofrimento desta pobre família, tratei nesta Câmara dos pungentes problemas que o indiscriminado lançamento e cobrança coerciva da taxa militar dos inválidos estava a causar a estes e às famílias, tendo sido revista a interpretação que conduzira a tantas e tão flagrantes injustiças.
Não tenho, na verdade, conhecimento de casos em que o impiedoso sistema recidivasse nas suas altas inconveniências; todavia, tenho por certo que numa lei a que se procura conferir um cunho de íntegra justiça social, definindo apropriadamente direitos e obrigações num clima de compreensão altamente louvável, essa preocupação conduz necessàriamente a que se deixe expressamente consignada a isenção a tal tributo dos que, pelo denso negrume da sua sorte, não são escorreitos do corpo ou do espírito por forma a poderem cumprir os seus deveres militares. Esta medida tem em si mesma a maior justificação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É que os inaptos por desvalorização física ou mental não são culpados da sua inferioridade, nem infelizmente está nas suas mãos fazê-la terminar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Com que indizível felicidade esses pobres farrapos humanos trocariam a bengala branca, as muletas, o carrinho ou qualquer outro instrumento com que iludem a sua permanente inferioridade pela espada ou pela espingarda das gloriosas forças armadas, que só os homens válidos podem manejar ...
Obrigá-los ao pagamento da taxa militar com fundamento na sua invalidez é, ao cabo e ao resto, tributar a própria desgraça ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sem o preceito que consigne expressa e claramente a isenção à taxa militar destes indivíduos, a quem o sofrimento acompanha dia e noite e para quem a vida tem encurtadíssimos horizontes, o texto que venha a ser aprovado para constituir a Lei do Serviço Militar deste País ficará com uma lacuna que deixa comprometidos os primados de justiça que são seu apanágio.
Deixo o assunto à esclarecida ponderação desta Câmara, certo de que pelos meios apropriados a Comissão parlamentar que estudou os textos que se discutem introduzirá o acrescentamento que contenha a justíssima isenção que se postula.
Sr. Presidente: Vou dar por findas as considerações que me sugeriram as duas versões da proposta de lei que apreciamos.
Pesa-me que não tenha podido trazer à discussão no plenário o depoimento valioso que tanto desejava produzir.
No seu desvalimento, todavia, o que deixo dito sempre pode representar, além das homenagens que expressei, também o voto sincero e ardente de que a nossa Pátria continue a engrandecer-se pela equilibrada coexistência de todos os seus valores e a impor-se cada vez mais fortemente ao respeito e à consideração do Mundo, com os repetidos exemplos de honradez e de dignidade que lhe vamos oferecendo na ordem interna e nas linhas de combate, onde o sangue generoso da nossa mocidade afirma com indómita coragem a inabalável determinação de continuar Portugal.
Esse comportamento de tão grande significado dá-nos fé e confiança no futuro e chama-nos à mais estreita colaboração, como voz egrégia do passado, orgulhosa do presente, certa de que também se orgulhará do porvir.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continuará amanhã, à hora regimental, sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António Augusto Ferreira da Cruz.
António Calheiros Lopes.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Artur Correia Barbosa.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
James Pinto Bull.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Dias de Araújo Correia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.

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Rogério Noel Peres Claro.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves.
Teófilo Lopes Frazão.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

António Júlio de Castro Fernandes.
António Maria Santos da Cunha.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto Salazar Leite.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Jaime Guerreiro Rua.
Joaquim de Jesus Santos.
José Coelho Jordão.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Manuel da Costa.
José Pinheiro da Silva.
Manuel João Correia.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul Satúrio Pires.
Tito Lívio Maria Feijóo.

O REDACTOR - António Manuel Pereira.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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