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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 122

ANO DE 1968 20 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

IX LEGISLATURA

SESSÃO N.º 122, em 19 de JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi lido o expediente.
O Sr. Presidente anunciou que lhe fora entregue pessoalmente pelo presidente da Junta do Credito Público o relatório sobre as contas daquela Junta referentes a 1966, o qual ia ser enviado à respectiva comissão parlamentar.
O Sr. Deputado Pinto Bull manifestou o regozijo da população da Guiné pela provim a visita do Sr. Presidente da República àquela provinda ultramarina.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão na generalidade da proposta de lei do serviço militar.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Agostinho Cardoso, Pinto de Mesquita e Barros Duarte.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 horas e 15 minutos.

Fez-se a chamada, a qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
André da Silva Campos Neves.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Furtado dos Santos.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Horácio Brás da Silva.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.

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João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Jorge Barros Duarte.
José Fernando Nunes Barata.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José Pais Ribeiro.
José Rocha Calhorda.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Dias das Neves.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecerde Sirvoicar.
Simeão Pinto de Mesquita de Carvalho Magalhães.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito Lívio Maria Feijóo.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 71 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas a apoiar a última intervenção do Sr. Deputado António Santos da Cunha sobre a proposta de lei do serviço militar.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa o relatório das contas da Junta do Crédito Público referentes ao ano de 1966. Este relatório foi-me directamente entregue pelo Sr. Presidente da Junta, que teve a amabilidade de, para esse efeito, aqui vir, acompanhado do director-geral. Vai ser enviado à comissão respectiva.
Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Pinto Bull.

O Sr. Pinto Bull: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Alguém escreveu, aquando da visita de S. Ex.ª o Presidente da República a Angola e a S. Tomé, que a hora que a Nação atravessava era, ao mesmo tempo, das mais graves e das mais sublimes, uma verdadeira hora de unidade nacional, simbolizada pela veneranda e prestigiosa figura do Sr. Almirante Américo Tomás em terras portuguesas do ultramar.
Não admira, pois, que hoje todos os portugueses espalhados pelo Mundo que os nossos maiores nos legaram, esquecendo-se das dissidências, dos pontos de vista e de ideologias diferentes, manifestem o seu regozijo por mais este inestimável serviço que o Sr. Almirante Américo Tomás presta ao País deslocando-se, nesta hora difícil da Nação, às terras da Guiné e Cabo Verde.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se, como Deputado, não posso deixar de me associar a tão calorosas manifestações de simpatia pelo mais alto magistrado da Nação, como português e filho dessa martirizada província da Guiné, sinto-me desvanecido e sinceramente reconhecido por esta benesse que S. Ex.ª concede à minha terra visitando-a num dos momentos mais cruciais da sua longa existência.
Congratulo-me, pois, sinceramente, com esta agradável e patriótica decisão do ilustre Chefe do Estado, e sei que traduzirei o sentir de toda a população da Guiné, que aqui represento, ao afirmar a VV. Ex.ªs que, sem distinção de cores, credos políticos ou religião, toda a população da província está altamente grata a S. Ex.ª por tão honrosa visita, e posso garantir que toda essa boa gente se vestirá de gala para receber e saudar o venerando Chefe do Estado.
Sei, Srs. Deputados, que, logo que soube da visita de S. Ex.ª o Presidente da República à Guiné, toda a população da província - brancos, mestiços e negros, civis e militares, gentes das mais variadas posições sociais, irmanados no mesmo sentimento de amor pátrio - rejubilou e exteriorizou o seu contentamento por ver realizado o sonho que desde 1963 vinha acalentando, na esperança de que um dia ele haveria de ser concretizado, pois sempre acreditou que o venerando Chefe do Estado não deixaria de pisar as terras da mais antiga província ultramarina de Portugal e dar, com a sua augusta presença junto de todos aqueles que ali nasceram, ali labutam e ali combatem, a certeza de que a Pátria Portuguesa não se confina nos apertados limites da metrópole, mas sim está espalhada por todos os continentes do Globo.
E também sei que S. Ex.ª terá a oportunidade de verificar o portuguesismo da boa gente da minha terra, o seu acrisolado amor por este Portugal uno e indivisível e a fé que continuam a ter na perenidade da grande Nação Portuguesa, que todos veneram e a que não regateiam dar o seu próprio sangue para a defender das investidas e cobiças vãs.
Que Deus guarde e proteja S. Ex.ª o Chefe do Estado, sua Exa. Esposa e todos aqueles que o acompanham nesta memorável visita, que constituirá mais um prestimoso serviço que S. Ex.ª presta ao País, são os votos sinceros que o Deputado pelo círculo da Guiné formula nesta hora de satisfação geral.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei do serviço militar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Cardoso.

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O Sr. Agostinho Cardoso: - Sr. Presidente: Quando um projecto de lei como aquele que apreciamos atinge tão grande pormenor nas suas disposições e tão alto nível na sua concepção; quando foi objecto de um notável parecer da Câmara Corporativa e do estudo da Comissão de Defesa Nacional desta Assembleia, onde se encontram distintos e ilustres oficiais das nossas forças armadas; quando estamos no fim da sua discussão na generalidade, durante a qual subiram a esta tribuna ilustres Deputados que são valores efectivos da Assembleia Nacional, seria pretensioso a um civil como eu, tão longe dos problemas militares, vir aqui comentar a referida proposta de lei.
Assim, pedi a palavra, Sr. Presidente, para, apenas em breves minutos, me referir a um assunto directamente ligado à proposta de lei em discussão e acerca dele deixar aqui um voto.
Faço-o, por estrito dever de consciência, perante os que se batem pela Pátria e perante suas famílias.
Não me deixaram, Sr. Presidente, prestar serviço militar nos já recuados tempos da minha juventude. Pedi quanto pude à junta de inspecção que me reprovou para que mo deixasse fazer. Questão de uns centímetros de perímetro torácico a menos, inaptidão indiscutível nessa época, os quais já aumentaram fartamente ao longo da vida. Era em tempo de paz. Fui soldado da Legião- e ali fiz a minha recruta. Meu pai foi soldado e o meu filho mais velho já foi apurado para o serviço militar. Os meus parentes mais próximos ou já serviram Portugal em África ou vão fazê-lo. Assim, estou à vontade para o que vou dizer.
Verifica-se na proposta, de lei a preocupação de salientar o dever de todos servirem a Nação para fins militares e adentro de um conceito amplo de serviço militar que ultrapassa a permanência nas fileiras.
Às características totalitárias que as guerras vão revestindo pensa-se, e bem, que tem de opor-se a defesa integral da Nação e a preparação, também integral, de todas as suas actividades para essa defesa. O que pode atingir-se a este respeito em consciencialização colectiva e nível de civismo pôde ser observado no facto de Israel ter posto, no espaço de um dia, as crianças a distribuir a correspondência domiciliária dos correios e raparigas quase adolescentes a conduzir os veículos de transporte colectivo substituindo automàticamente, umas e outras, os homens que haviam bruscamente partido para a guerra. E se bem entendo, no mundo de hoje a paz tem de ser por ora uma paz armada, já que as agressões e as ameaças de agressão surgem não só vindas directamente de fora, mas infiltrando-se adentro da fronteira, fàcilmente ultrapassáveis, nestes tempos de cosmopolitismo, pela guerrilha e acessíveis aos golpes de mão que atinjam pontos vitais ou chefes difìcilmente substituíveis. Isto, como a guerra atómica, como a propaganda subversiva das emissoras, cria uma situação nova tanto na defesa nacional, como nos conceitos de paz. Por outro lado, o que aconteceu em volta do Suez na guerra-relâmpago que ali houve e o carácter, significado e consequências da táctica que dos dois lados se está utilizando na guerra do Vietname tornam pouco a pouco altamente simbólica e expressiva do nosso tempo a posição e atitude dos homens e mulheres de Israel, que lavram a terra das regiões fronteiriças de arma a tiracolo. O amor da paz, o culto da paz e a promoção da paz parecem pressupor, mais que nunca, o culto do dever militar, do amor da Pátria e da segurança nacional. E, por outro lado, ainda certo pacifismo do tipo Briand e Remarque ou de certo marxismo de exportação «para ocidental ver» e nele se submergir significam, no fundo, o culto da guerra e o pacto com o inimigo. E, assim, parece que por ora não morreu, antes revestiu novas modalidades na era atómica, o velho aforismo Si vis pacem para bellum.
Ora a obtenção e o aproveitamento máximo do pessoal que vai servir nas forças armadas é, portanto, um dos objectivos da proposta de lei, e um ilustre Deputado encarou até a hipótese de, no futuro, vir a ser obrigatório, e não apenas voluntário, o serviço militar feminino adentro da especificidade, do condicionalismo físico e da dignidade da mulher.
Além disso, a renovação dos efectivos em serviço e em campanha e a distribuição pelo maior número possível de portugueses da honra, do dever, mas também do risco, que a guerra impõe a cada um e do sacrifício, no plano profissional e familiar, que ela comporta é ilação óbvia do que venho de dizer.
Pode considerar-se como um aspecto destes objectivos a reclassificação admitida como mera possibilidade pelos artigos 74.º do texto da Câmara Corporativa e 12.º da proposta do Governo.
É este o assunto da minha intervenção e que, em consciência, devo pôr à Assembleia.
Há, com efeito, situações clínicas, estados de doença, que parecem irreversíveis no acto da inspecção, mas que a experiência mostra serem, em certa percentagem, recuperáveis; o critério de selecção dos casos-limite é sujeito a uma certa pcrccutagem de erros e de insuficiências, nas condições e volume de trabalho das juntas de inspecção, e esse critério é susceptível de evolucionar segundo os novos dados da medicina que vão surgindo e do novo conceito de serviço militar. A correcção periódica da selecção e a recuperação pura o serviço militar do um certo número de indivíduos inicialmente considerados inaptos parece-me dever ser posta como um dever de consciência para os responsáveis.
Desta argumentação pretendo concluir que a nova lei deveria conter, possivelmente adentro do artigo 74.º do texto da Câmara Corporativa, uma disposição que estabelecesse não apenas a possibilidade, mas uma periodicidade, obrigatória em tempo de guerra, para a reclassificação geral dos indivíduos considerados inaptos para o serviço militar, já que, por outro lado, no artigo 14.º também se faculta a reclamação individual da classificação atribuída.
De resto, esta reclassificação foi feita em profundidade, como sabemos, pelo menos para um grupo especializado, o dos médicos, onde a necessidade de efectivos mais se fez sentir.
Deixo à Comissão do Defesa Nacional desta Assembleia, se o entender oportuno e pertinente, a inclusão e formulação da lei, por ocasião da, discussão na especialidade, do assunto sugerido.
Termino, Sr. Presidente, com um voto: que seja feita dentro de curto período de tempo a reclassificação geral dos mancebos considerados inaptos para, o serviço militar a partir de 1961, o ano em que começou a guerra no ultramar.
Concluo resumindo: o novo conceito de serviço militar, a correcção que neste aspecto se impõe ao fim de sete anos de guerra, a justiça, em dividir o risco, o sacrifício, a honra e o dever por um maior número de portugueses e a possibilidade de aumentar os efectivos justificam a sugestão que aqui vim fazer.
Faço-o pensando que vou ao encontro do sentimento dos que se batem no ultramar e, mais, do das famílias dos que ali se batem ou ali irão bater-se.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: Prossegue, e terá de prosseguir com estrita disciplina e propósito de vencer, sem termo à vista, a directriz proclamada pelo Sr. Presidente do Conselho em 13 de Abril de 1961, aquando do surto terrorista em Angola, com as suas implicações sabidas:

Andar ràpidamente e em força é o objectivo que vai pôr à prova a nossa capacidade de decisão.

A prova por que, genèricamente, a Nação tem sabido dar resposta a essa surpresa de guerra, mantendo-se, vai para sete anos, unida, sem fenda penetrável, não obstante os encargos, esforços e sacrifícios a que se vê sujeita, vem correspondendo ao imperativo nacional assim definido pelo Governo. De superlativa sorte o exemplar espírito de quantos têm tido a honra de se bater e morrer galhardamente em África e de entre os quais não se estranhe que destaquemos a juventude, sempre generosa e nunca duvidosa para com o País.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Destaque-se também o ganho de consolidação progressiva das nossas posições nas províncias ultramarinas, pela confiança que nas respectivas populações desperta exaltadamente a demonstração militar da nossa força e o propósito cívico de ficarmos, para bem da Pátria comum, de todos nós. Isto acrescentado pelo insucesso continuado das numerosas tentativas de grupos infiltrantes que não conseguiram instalar-se e manter-se relevantemente em qualquer zona o apenas se aceitam ambulatòriamente no imo das florestas, limitando-se a operar nas vizinhanças das suas orlas ou rins próximas e defesas fronteiras externas.
Destaca-se ainda o acerto com que a acção diplomática do Governo tem sabido defender c valorizar moralmente a nossa posição quingentenária em África. Tudo isto, e muito que se omite, vem fortificando na consciência portuguesa a certeza de que o caminho por que se optou era o único que nacionalmente podia aceitar-se. Só esse esforço acabará por conduzir a uma paz triunfante, desde que, com tenacidade e arte, saibamos prosseguir.
Nisto consiste o nosso possível, mas necessário optimismo. Foi precisamente nesta espécie de optimismo, condicionado pelo nosso esforço e som prazo, que o Sr. Presidente, do Conselho se mostrou confiante quando no princípio de Dezembro passado recebeu a visita dos municípios moçambicanos.
Por isso, concordando, aliás genèricamente, com a orientação do Sr. Deputado Pinto de Meneses nas suas considerações sobre o projecto em discussão, de um só ponto me permito aqui discrepar - mas, a meu ver, ponto crucial: aquele em que o ilustro Deputado parecia aceitar como motivo de optimismo um vislumbro do possível alívio da pressão terrorista externa sobre nós. E a razão decisiva pela qual entendo que tal hipótese se não deve de longo, encarar é porque, para além de nada de sólido a inculcar de momento, o seu simples enunciado pode contribuir, por um natural simples pendor a uma vida mais aprazível, para amortecer derrotistamente a tensão do nosso esforço. Estamos apenas como que ainda, na entrada, de um extenso túnel, do qual sómente poderemos sair pela bocado outro lado.
Sr. Presidente: Estou certo de que a Câmara não pensa de outra sorte; em todo o caso, permitam-me os Srs. Deputados que os solicite a acompanharem-me numa curta meditação sobre os fundamentos desta maneira de ver, aliás meditação em inteira concordância com os pontos com tão entranhada, eloquência trazidos a esta tribuna, entre outros, pelos Srs. Deputados Cazal Ribeiro e Braamcamp Sobral.
De facto, estamos em guerra, como vítimas de agressões continuadas, organizadas e comandadas do exterior. Não é uma guerra segundo os cânones clássicos, com declaração ou sem ela, mas que não deixa, por isso, de, na realidade, o ser. Nós figuramos como sujeito passivo da agressão, embora, não possamos definir oficialmente quem seja dela o sujeito activo, como tal operando ainda e sempre na clandestinidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não obstante; estas circunstâncias, que não estavam previstas expressamente na base V da Lei n.º 2084, que estabelece a organização geral da Nação para o tempo de guerra, dentro dessa mesma lei encontra-se o bastante para nos considerarmos em estado de emergência e ameaça de guerra. Isto por haver de presumir-se que os ataques de forças armadas provenientes de potências estrangeiras limítrofes deverão ter-se normalmente como da responsabilidade destas ou, pelo menos, da sua cumplicidade, o que elas, aliás, não recusam. Evidentemente que todos sabem não serem propriamente o Congo, a Tanzânia ou a Guiné os financiadores e organizadores últimos das forças contra nós. O suporte comunista 6 o explicador final de tudo, embora por vezes em inexplicável conúbio com interesses que, parece, deveriam, ruma política, previdente., não nos hostilizar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Seja como for, u batuta do comando da subversão não saiu essencialmente da mão do comunismo internacional. E, tal como antigamente todos os caminhos iam bater a Roma, hoje, quando se ventila matéria destas, todos os caminhos vão dar a Moscovo, com possível alternativa de via Pequim.
Quer dizer: estamos na presença de um sujeito activo de agressão ideológica - o comunismo -, personificado nacionalmente pelos estados que deste detém o correspondente comando.
Esta mística ideológica como equivalência de fé religiosa origina condições novas que submergem a solidez das nações tradicionais, miradas pelas infiltrações de militantes fanáticos, alinhados e organizados politicamente segundo as directrizes remotas de Lenine, que estruturou a doutrina económica de Marx em conjunção com os preceitos bélico-políticos de Clauzewitz. Verdadeiras subversões ou guerras religiosas. Com muita propriedade qualificou Jules Mannerot o comunismo como o «Islão do século XX», na sua excelente obra Sociologic du Communisme.
Sobre estes planos de domínio ideológico mundial, através da guerra revolucionária, as obras publicadas são inúmeras. Mas bastará ler o volume n.º 826 da colecção «Que sais-je?», sobre esse tema, de C. Delmas, para, quanto a eles, se, ficar suficientemente esclarecido.
O conhecimento dotas realidades prementes auxiliará a premunir-nos do quanto a esperança próxima de abrandamento na pressão terrorista sobre o nosso ultramar deve afastar-se. Pelo contrário, é de encarar que essa pressão externa possa agravar-se antes, pela intervenção de forças mais bem organizadas, e até com apoio de forças

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de tipo clássico através de interpostas pessoas, os nossos vizinhos. O avanço da Rússia sobre o Próximo Oriente e o mar Vermelho não prognosticam tal agravamento? O Sr. Brigadeiro Kaulza de Arriaga, na sua substanciosa conferência da série «Celebrar o passado e construir o futuro», já, há mais de um ano, destacava esta probabilidade.
Quer dizer: estamos em face de uma situação de guerra larvada tornada já em estado normal, face à, qual, pura e simplesmente, apenas nos resta a solução de resistir. Na medida em que o fizermos, iremos conquistando progressivamente aliados e simpatias que a ameaça comum, tornada flagrante, se encarregará de inclinar para o nosso lado.
Isto sem falar da ameaça próxima da instalação eventual dos Sovietes em Argel, donde poderão fomentar conspirações mediante promovidos ou explorados dissídios internos.
Tanto lhes facilitaria, pela decapitação ou subalternização da metrópole, recolher logo toda a herança ultramarina. E a parada é tentadora!
Mas fique por aqui a meditação a que convidei os Srs. Deputados a acompanharem-me sobre o optimismo que, sendo vitalmente indispensável, não pode deixar de resultar e ser mantido apenas através do esforço quotidiano e sem termo à vista - o que assenta no pressuposto de uma militante unidade nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Passemos agora a uma análise sucinta na generalidade da proposta de lei que nos termos da Constituição, sobe a esta Câmara, rã forma do articulado em que a Câmara Corporativa concretizou a sua substância, sem alterá-la, a não ser formal ou subsidiariamente, como o respectivo parecer nos esclarece.
De entre tão vasta matéria, escolheremos tratar na generalidade, epigrafados por números, alguns pontos que se nos antolham vultosos de momento, reservando-nos ainda para, na especialidade, focar outros a propósito dos quais apresentaremos, nos termos regimentais, algumas propostas de alteração ou aditamento.
1. Tudo isto, porém, se fará subordinadamente aos seguintes pontos de partida para nós assentes:
a) Como conclusão das longas considerações atrás feitas, o de que vivemos uma época, embora servindo-se da máscara- da paz, de verdadeira guerra, em que o primado da execução política - não falo do comando superior da política -, se corporiza nas forças armadas;
b) De que os regimes jurídicos vigentes sobre o serviço militar, fundamentalmente as Leis n.ºs 1961, de 1937, 2034, de 1949, 2084, do 1956, se têm revelado assaz eficientes para corresponder à mobilização actual e às campanhas ultramarinas, e isto vai para sete anos;
c) Que, igual às duas citadas primeiras leis, a presente proposta vem para esta Assembleia como um diploma pormenorizado em artigos, em vez de pretender, mais de harmonia com a Constituição, deduzida amplamente em bases genéricas, subentendendo diplomas subordinados e delegados, para o Governo por eles pormenorizar. Se se alude a este aspecto, não é porque formalmente o ter-se optado por um antes que, por outro destes processos acarrete qualquer irregularidade formal. O contrário acha-se de longe assente pela aceitação implícita que tem sido a praxe desta Assembleia, o que não pode deixar de impor-se com foros de interpretação autêntica. Se do assunto versamos, é pelas consequências práticas que advêm desta forma de legislar, emprestando termos de cristalização definitiva nos respectivos preceitos aprovados. Assim, estes só por diploma de valor igual ao da proposta se poderão revogar, e, assim, sempre com a intervenção constitucional desta Assembleia.
Isto nos forçará, em certos casos, a dever-se imprimir, por uma espécie de delegação, os necessários poderes ao Governo na emergência da reforma de certos pormenores cuja remodelação possa impor-se de um momento para o outro, até porque resultam de incidências de outros sectores da- administração pública. Não estão em vista importantes reformas no sector da Educação Nacional?
Eis uma responsabilidade que passa a pesar sobre nós, Assembleia, quanto à aprovação dos preceitos passivos de votação nossa.

Sr. Presidente: Serão estas três alíneas como que coordenadas implícitas que pressupomos quanto a algumas das facetas que na generalidade do projecto, mais destacadamente nos solicitam a atenção, e ainda depois na especialidade.
2. Começando por acompanhar o parecer da Câmara Corporativa, na sequência do projecto governativo, não podemos deixar de concordar com a amplitude que ao conceito de serviço militar se atribui no projecto. Nesta época em que o critério da guerra chamada total envolve todas as actividades e riquezas das potências que têm de sustentá-la, os limitados critérios antigos de serviço militar têm de ver-se ultrapassados. Ora, o conceito de serviço militar agora a- adoptar também já, entre nós, é o que corresponde à organização geral da Nação para tempo de guerra regulada pela citada Lei n.º 2084; outrossim, obedece à mesma orientação que presidiu aos preceitos do recente Decreto-Lei n.º 48 146, de 23 de Dezembro de 1967, ainda pendente na Mesa desta Assembleia para efeitos legais, este último diploma sobre os altos estudos militares prevê-se uma desejável colaboração, para efeitos de aperfeiçoamento eficiente dos estudos militares, com elementos cientistas e especialistas qualificados não militares. Tem mesmo de ser assim, dadas as realidades da guerra como hoje se entende e prevê.
3. Quanto ao tempo marcado para a normalidade do serviço militar nas suas sucessivas modalidades, estamos inteiramente de acordo com as considerações deduzidas no n.º 15 do parecer da Câmara Corporativa, ou seja, de se manter, quanto ao Exército, o período normal de dois anos que vem da precedente lei. Esta tem mostrado, com as possibilidades que dentro dela o Governo se reserva em certos casos de anormalidade, dar satisfação bastante às exigências da crise de mobilização, sobretudo expedicionária, a que as nossas forças armadas têm estado submetidas. Para quê, pois, alterar aquilo a que se está habituado, agravando normalmente o tempo de serviço? Inteiramente de acordo com o que se lê no citado número do parecer da Câmara Corporativa: fazê-lo representaria acto político inconveniente sob o aspecto externo e interno e para mais, sem apreciável compensação de vantagens para o serviço das armas.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - 4. Outra directriz, Sr. Presidente, que merece todo o nosso aplauso, é aquela em que, através da incorporação, se procura o aproveitamento ao máximo dos valores especializados, integrando-os nas fileiras e dando-lhes, dentro destas, os destinos adequados. Isto só deverá reverter em benefício da eficiência das forcas armadas, num melhor e mais económico ajustamento dos respectivos serviços; e isto ainda com a melhor disposição dos incorporados, que se vêem aproveitados, segundo os hábitos já adquiridos, na? suas profissões ou nas preferências dos estudos a que se dedicam.
Todos sabemos que, desde sempre, mesmo na metrópole, as classes provindas da beira-mar eram as que melhor convinham para o recrutamento naval, e, por exemplo, até os naturais ribatejanos eram os que melhor serviam, lògicamente, para a cavalaria - isto, já se vê, quando a cavalaria não era ainda exclusivamente a dos cavalos-vapor.
Esta orientação, compreendida com a devida largueza diferenciadora, muito ajudaria no ultramar o recrutamento dos nativos, embora sem quebra do princípio essencial da equidade distributiva no serviço militar. Segundo as qualidades específicas, diferentes e bem conhecidas das diversas etnias, permitirá sempre o seu melhor aproveitamento em benefício da Nação. Neste capítulo, nunca poderei esquecer a experiência que, como expedicionário, vivi em Mocímboa da Praia, quando, em 1917-1918, depois do desastre de Negomano, terminado em parte por insuficiente instrução de certas companhias indígenas, houve necessidade de recorrer, para as substituir, a landins mobilizados como carregadores, que, dadas as suas naturais qualidades militares nativas, mais ràpidamente estavam em condições de receptividade no que respeitava à instrução militar. E os soldados dados prontos das ditas companhias dissohidas e que, segundo a sua índole, careciam de instrução mais prolongada, baixaram à qualidade de simples carregadores, por troca com os landins, mais prontamente capazes de receberem eficiente instrução militar. Nas teses publicadas no volume atinente ao I Congresso Militar Colonial, de 1934, incluiu-se trabalho meu relativo a este problema; e ele não pode sair-me da memória, como viva lição, Srs. Deputados, de que devam evitar repetir-se factos como o que acabo de narrar.
5. Já não é a primeira vez que nesta Assembleia tenho procurado pôr em relevo quanto ao irrealismo liberal marcadamente reinante em õ de Outubro de 1910 serviram de travão as corporações - assim as qualifico porque tem sabido manter verdadeiro espírito de corpo - que tradicionalmente vertebraram a Nação. Sobretudo a Igreja, o Exército, a Magistratura, mesmo a Escola, particularmente a superior. A perseguição à igreja trouxe-nos a reacção que transparece insuflada sobrenaturalmente em continuidade, consubstanciada na era de Fátima. O Exército foi, através da prova pelas armas que lhe imprimiu a primeira guerra mundial, o grande instrumento do 28 de Maio. Dos coadjuvantes, aprumo da Magistratura, sábios ensinamentos e reservas directivas do ensino, não é esta a oportunidade de os versar.
Atenhamo-nos ao Exército, de que o motor da fé cristã nunca se alheou. Tem este de se reconhecer històricamente, de acordo com a evolução dos tempos, como uma forma estrutural da Nação. Foram as forças armadas, polarizadas pelo comando dos reis, que operaram a Reconquista. Sob a forma de navalismo, através delas se realizou a expansão ultramarina. A estruturação moderna da Nação armada articula-se desde a reforma da milícia generalizada de D. Sebastião. A nova dinastia soube aproveitá-la e reforçá-la para as guerras da Restauração e Sucessão; e mais tarde, aquando da agitação revolucionária francesa, para as guerras do Russilhão, passando por los naranjos - ai Olivença! -, pelas invasões napoleónicas, até 1814. Sempre períodos de bons vinte anos!
Assim, nós temos de encarar o Exército como elemento indispensável, que não só das horas marciais da «verdade», de permanente educação nacional.
Ainda muito oportunamente, no parecer da Câmara Corporativa mostra-se que, se, por um lado, o Exército tem de assimilar toda a valorização intelectual e profissional dos cidadãos chamados às fileiras ou requisitados, por outro lado, devolve ao País. em serviços de educação e preparação, gerações muito melhor adestradas, inclusivamente sob aspectos concretos para a vida corrente.
Neste particular, estou mesmo a pressentir o arranque para a mecanização rural que deve advir da prática com as máquinas, generalizada nas tropas de hoje. O que isto virá a representar de choque revolucionário na difícil de vencer aversão biológica do lavrador contra as máquinas! Como isto pode abrir horizontes à colonização rural do ultramar, que terá de partir largamente do nada agrícola!
6. O valor positivo desta, educação militar, que não deve ser encarado como mera exterioridade colada, postiça, na vida, espécie de parêntesis no tempo, tem de ser considerado no plano genérico do sector da educação nacional como elemento de estrutura. A este aspecto dos problemas educacionais já aqui nos temos referido assaz para que sobre eles nos alonguemos agora. De resto, aos oradores que me precederam e de que nominalmente tive a honra de designar dois, acrescentarei o nome do Sr. Almirante Tenreiro, que ontem tivemos o gosto de ouvir desta tribuna. Sobre a matéria, apenas queremos dizer que se nos antolha sobretudo não estarem, parece-nos, devidamente sincronizadas estas duas faces da educação que têm coordenadamente de processar-se: a que respeita ao sector específico do Ministério da Educação e a que depende dos Ministérios militares. E esta coordenação, numa época como a que estamos atravessando, torna-se de flagrante urgência.
Aquando da discussão do aviso prévio sobre a mocidade portuguesa do Sr. Deputado Sobral, na sessão de 24 de Janeiro do ano findo, tive ocasião de salientar o desengano que o afastamento da mocidade das actividades paramilitares representava sobremaneira nesta época de guerra fria, prelúdio sabe-se lá de quê? Aí aludimos ao que o Governo Provisório, através do Ministério da Guerra, publicou por decreto de 26 de Maio de 1911. Aí instituiu em tempo de paz que contraste! - obrigatòriamente a instrução militar preparatória, a qual, desde os 17 anos, era fixada no respectivo 2.º grau, equivalente a uma escola de recrutas. Isto, aliás, numa prevenida orientação para as perturbações políticas europeias anunciadoras de guerra próxima e que se iniciara antes já, esboçadamente, na reforma de 1907 do Ministro da Guerra, Vasconcelos Porto, que instituiu os chamados «28 dias de Clarinha».
Tudo isto se lê a p. 479 da História do Exército Português, do general Ferreira Martins.
Serve-nos isto. Sr. Presidente e Srs. Deputados, para mostrar a necessidade de um melhor ajustamento aos sectores governativos militares dos sectores específicos da Educação Nacional.
Porventura, na época de emergência consolidada em que vivemos, não seria, ao abrigo do espírito e letra da Lei n.º 2084 e do Decreto-Lei n.º 48 146, conveniente coordenar a orgânica e, permanentemente, estes sectores

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governativos? Não seria possível aproveitar melhor os tempos vazios ou de férias para se coordenarem serviços de preparação militar dos conscritos?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Do lado do sector da Educação Nacional, as reformas em vista não poderiam suprimir, nesta época difícil, exames sobrepostos de admissão que se antolham supérfluos ou, pelo menos, secundários?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Dentro da discussão do presente projecto, não me alongarei mais quanto à generalidade, que merece a minha aprovação. Reservarei para quando da discussão na especialidade focar certos aspectos que ocorram a propósito das diversas disposições e que me servirão também para fundamentar algumas das alterações e aditamentos que formularei, como já antes disse, em relação às mesmas.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Barros Duarte: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É sagrada a causa que motivou a proposta de lei agora em apreciação nesta Câmara. Não se estranhará, portanto, que, ao intervir no presente debate, principie por invocar a autoridade da voz mais sagrada na Terra, a voz do Papa. Paulo VI afirmou na sua mensagem de paz de 8 de Dezembro último:

... a exaltação do ideal de paz não seja entendida como um favorecer a ignávia daqueles que têm medo de dedicar a vida ao serviço da própria pátria e dos próprios irmãos, quando se acham empenhados na defesa da justiça e da liberdade, mas, antes, procuram sòmente a fuga das responsabilidades e dos riscos necessários para o cumprimento dos grandes deveres impostos pelas empresas generosas. Não - prosseguia o Santo Padre-, paz não é pacifismo, não esconde uma concepção VII e preguiçosa da vida, mas proclama, sim, os valores mais altos e universais da vida: a verdade, a justiça, a liberdade e o amor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estão aqui refundidos, meus senhores, os verdadeiros princípios, aquilo a que se poderia chamar a filosofia da economia do serviço militar.
Estas palavras enunciam quase por si mesmas o meu propósito de não exorbitar do âmbito moral da matéria em discussão.
O parecer que a esta se refere, emitido pela Câmara Corporativa, é, pela riqueza e sabedoria do seu fundo doutrinal, merecedor dos maiores encómios. Não poderão, pois, trazer-lhe qualquer acréscimo de qualidade os breves comentários que me proponho tecer à proposta de lei em discussão. Será para mim honra bastante se lograr que eles sejam recebidos como reforço numérico a marginar o texto proposto.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: A legitimidade que informa a nova lei objecto deste debate implica necessàriamente uma hierarquia de valores e uma linha de pensamento que se lhe deve ajustar. A partir desta hierarquia valorativa e desta linha ideológica com a sua conatural dialéctica, nada obsta a que dê o meu voto de aprovação à proposta que nos foi apresentada no campo da generalidade.
Procurou-se na sua articulação não só garantir a defesa da soberania e integridade da Nação, mas ainda salvaguardar aqueles valores que Paulo VI declarou serem «os mais altos o universais da vida: a verdade, a justiça, a liberdade e o amor». Prevêem-se aditamentos para conclusão de estudos escolares ou cursos e para garantir a subsistência de membros de família dependentes exclusivamente de um mancebo em idade de prestar serviço militar, estabelecem-se subsídios de sobrevivência a famílias desfalcadas de membros activos impedidos por compromissos militares.
Não deixarei, no entanto, de estranhar que no texto da proposta se tenham adoptado providências de carácter definitivo para a normalidade da nossa vida colectiva apenas aferidas pela violência e pertinácia de uma situação de guerra que nos foi imposta. Confundiram-se um tanto as noções ou motivações de emergência e normalidade de vida.
Exemplo disso é o alargamento do período normal de serviço nas forças armadas de dois para três anos. A este propósito, a argumentação produzida pelo parecer da Câmara Corporativa afigura-se irrefutável, concluindo-se através dela que a orientação seguida pela proposta «tem certos inconvenientes sob o ponto de vista político, além de parecer desnecessária e pràticamente insusceptível de cumprimento».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quase se pode dizer o mesmo em relação às disposições do artigo 12.º (reclassificação) da mesma proposta, em que se afigura haver invasão da esfera de competência e prerrogativas constitucionais da Assembleia Nacional (artigo 91.º da Constituição).
A par desta importante inovação, a proposta apresenta ainda uma outra sobre que peço a atenção de VV. Ex.ªs, meus senhores. Trata-se do serviço militar voluntário por indivíduos do sexo feminino. Terá de se procurar quase ùnicamente na presente conjuntura a sua verdadeira motivação. Motivação e limitação, poderia talvez acrescentar-se. Não se esqueça que a mulher, pela sua própria constituição, pela sua vocação específica, se insere na história dos povos como o fulcro dos valores que enriquecem a família, o principal instrumento formativo dos homens de amanhã - gérmen da própria história.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E, se continua a ser válida a sentença popular que lhe atribui um título singular de realeza no seio da família - ela é a rainha do lar -, de modo algum a poderíamos destronar da eminência em que Deus a colocou, sem que viéssemos, consequentemente, a desagregar pouco a pouco o todo familiar e a depauperar as gerações futuras da sólida formação moral e cristã que lhes é necessária. O facto de, em certos países, se impor indiscriminadamente, tanto ao homem como à mulher, a mesma obrigatoriedade de serviço nas forças armadas não pode constituir argumento que nos decida a igual comportamento para com seres que a Natureza fez frágeis para se identificarem com o ideal da ternura e do carinho necessários à transmissão, conservação e defesa da vida.

Vozes: - Muito bem!

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2246 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 122

O Orador: - O confronto de exemplos contrários de outros apenas pode provar terem-se esses mesmos exemplos dado em determinada latitude ou época. Não lhes confere mais acerto, nem nos resgataria a nós de quaisquer remorsos. Nem carece a Pátria de que o paradigma feminino de Aljubarrota reencarne em dezenas ou centenas de mulheres e raparigas portuguesas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos a discutir uma lei cujo objectivo é apenas a defesa de valores sagrados: a independência de um povo heróico, a integridade de um solo sagrado, a defesa de uma história feita de impossíveis, rubricada com o selo do milagre permanente! Há mortos gloriosos a honrar; há vivos cujo esforço, cujas lágrimas, cujos sacrifícios, reclamam protecção, respeito e veneração de todos! Uma Pátria que permanecerá grande através dos séculos, porque não renegou o seu passado! Não nos louvem outros. Nem nos condenem. Nem mesmo esperamos que se admirem com as turbas da nossa heróica pertinácia na luta! Apenas queremos que nos deixem prosseguir na paz e no progresso o rumo da nossa história!
Meus senhores: no início desta minha intervenção invoquei a voz mais sagrada da Terra: a voz do vigário de Cristo entre os homens. Ao findá-la, invoco a voz mais profunda da Terra: a voz dos nossos heróicos mortos, que semearam no solo pátrio oito séculos gloriosos da história mais maravilhosa da Terra!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.

A próxima será na terça-feira dia 23, à hora regimental. A ordem do dia será a conclusão do debate na generalidade da proposta de lei do serviço militar e, porventura, o início do debate na especialidade. Acrescento que este «porventura» parece inculcar um princípio de dúvida, mas eu suponho que não haverá dúvida de que a discussão na especialidade se iniciará na próxima terça-feira.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão.

Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António José Braz Regueiro.
Arlindo Gonçalves Soares.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Francisco António da Silva.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
João Duarte de Oliveira.
João Ubach Chaves.
José Alberto de Carvalho.
José Guilherme Bato de Melo e Castro.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Leonardo Augusto Coimbra.
Manuel Colares Pereira.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Virgílio David Pereira e Cruz.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Antão Santos da Cunha.
António Maria Santos da Cunha.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto Salazar Leite.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Jaime Guerreiro Rua.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Henriques Mouta.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Correia.
Manuel Marques Teixeira.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul Satúrio Pires.

O REDACTOR - Januário Pinto.

Requerimentos enviados para a Mesa durante a sessão:

Requeiro, nos termos regimentais, que me seja fornecido o livro Vinte, Anos de Defesa do Estado Português da índia, edição oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 19 de Janeiro de 1968. - O Deputado, Fernando Cid de Oliveira Proença.

Requeiro, nos termos regimentais, que me seja fornecido o livro Vinte Anos de Defesa do Estado Português da índia, edição oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 19 de Janeiro de 1968. - O Deputado, João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.

Requeiro me seja fornecido o livro Vinte Anos de Defesa do Estado Português da índia, edição oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 19 de Janeiro de 1968. - O Deputado, António Magro Borges de Araújo.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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