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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 123

ANO DE 1968 24 DE JANEIRO

IX LEGISLATURA

SESSÃO N.º 123 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 23 DE JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs. Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 117.
Foram recebidos na Mesa os elementos requeridos em sessão de 12 de Dezembro de 1967 pelo Sr. Deputado Elísio Pimenta, a quem foram entregues.
Foi exarado no Diário das Sessões um voto de profundo pesar pelo falecimento do antigo Deputado Dr. Caetano Beirão.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Santa Rita Vaz, para se referir à reacção do Governo da União Indiana às recentes declarações do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros na conferência de Imprensa de 19 de Dezembro passado, e José Manuel da Costa, acerca das recentes comemorações do 21.º aniversário da Caixa de Reformas dos Jornalistas e para louvar a acção da imprensa.

Ordem do dia. - Concluiu-se a discussão na generalidade da proposta de lei do serviço militar.
Usaram da palavra as Sras. Deputadas D. Custódia Lopes e D. Maria de Lourdes Albuquerque.
A encerrar o debate falou o Sr. Deputado Sousa Meneses.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Maria Santos da Cunha.
António dos Santos Martins Lima.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
D. Custódia Lopes.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
Horácio Brás da Silva.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Jorge Barros Duarte.

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José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Rocha Calhorda.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
D. Maria de Lurdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Rogério Noel Peres Claro.
Bui Manuel da Silva Vieira.
Sebastião Alves.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 72 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram, 16 horas e 3õ minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Ponho em reclamação o Diário das Sessões n.º 117, correspondente à sessão de 11 do corrente. Se nenhum dos Srs. Deputados deduzir qualquer reclamação, considero-o aprovado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Está aprovado.
Para satisfazer o requerimento apresentado na sessão de 12 de Dezembro do ano findo pelo Sr. Deputado Elísio Pimenta, estão na Mesa documentos nesse requerimento solicitados.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Srs. Deputados: Faleceu o antigo Deputado à Assembleia Nacional, na V e VI Legislaturas, Dr. Caetano Maria de Abreu Beirão. Interpreto o sentimento da Assembleia mandando exarar na acta um voto de profundo pesar pelo passamento daquele antigo e ilustre Deputado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Santa Rita Vaz.

O Sr. Santa Rita Vaz: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se volto a falar nesta ilustre Assembleia é porque acabo de receber, por vias algo morosas, notícias da reacção causada pelas consoladoras declarações do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Franco Nogueira, na sua última conferência à imprensa, de 19 de Dezembro do ano findo, a propósito do 6.º aniversário da brutal invasão daquele nosso território pelas forças armadas da União Indiana. Ela surgiu na Assembleia Legislativa de Goa em forma de uma resolução apresentada por uma entidade que se intitula ministro das Indústrias.
Ainda bem que assim sucedeu, pois demonstrou que essas declarações foram para a heróica população goesa bálsamo salutar e lenitivo às suas inquietações, por lhe ter dado a certeza de que Portugal não a esquece nem a abandonou à sua triste sorte.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nessa resolução condena-se a afirmação do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros de que a questão de Goa não estava morta, mesmo no campo internacional, pois, apesar da dominação indiana daquele território, a verdade era que Nova Deli não conquistou até hoje a alma goesa. A resolução ministerial contrapõe àquela asserção do Dr. Franco Nogueira esta enormidade: que os Goeses nunca foram portugueses!
Para refutar essa ousada afirmação era suficiente citar uma ordem dimanada do Governo Indiano dando à população do Estado Português da Índia um prazo - aliás bem apertado, de 30 dias - para declarar na polícia os que desejavam manter a sua nacionalidade anterior - a portuguesa.
Se os Goeses não eram portugueses, qual a razão dessa singular e extemporânea ordem? E porque efectiva e iniludívelmente toda a população era de nacionalidade portuguesa, como o próprio Governo Indiano reconheceu.
A nacionalidade - afirma o eminente tratadista Cunha Gonçalves - «tem por fim principal a necessidade de proteger um indivíduo ligado a uma determinada sociedade humana, garantir-lhe o seu estado social, facilitar-lhe a vida política e civil. Não pode ser imposta como uma grilheta».
Mas há mais e melhor, pois é da história que a índia, antes da chegada dos Ingleses, se encontrava retalhada por inúmeras unidades políticas desde tempos imemoriais, nunca representando uma nação coesa. Assim, a Índia mongol incluía o Afeganistão, mas excluía Ceilão, Birmânia e a Índia Portuguesa e Francesa; seguiu-se a Índia Britânica até 1935, incluindo Ceilão e Birmânia, mas excluindo Afeganistão, Nepal, Butão e a Índia Portuguesa e Francesa. A Península Indostânica de hoje compreende sete Estados independentes: Afeganistão, Paquistão, União Indiana, Nepal, Butão, Birmânia, Ceilão e dois Estados anexados, um por convénio ainda não referendado pela França - a antiga Índia Francesa - e outro esbulhado pela força de armas - O Estado Português da índia. Ceilão, que os Indianos proclamavam ser parte do seu território no passado, é hoje independente e tem relações directas com a Coroa Britânica, enquanto a Birmânia só em 1937 teve nova constituição. Esta breve digressão é para provar que a Índia não é uma unidade política, como os Indianos pretendem.
Assim, o Estado Português da Índia nunca politicamente fez parte da índia, nem mesmo em épocas remotas, pois 110 anos antes do Império Marata Goa se tornara território separado, e, ainda que algumas das suas partes pertencessem aos Cadambas de Goa, que eram reis canareses, ela foi incorporada no reinado carnatac por um período muito curto, nem mesmo durante uma geração.

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Porém, a Goa moderna pouco ou nada se ressentiu dessa influência carnatac, pois que ela, a Goa dos nossos dias, teve uma nova cultura e civilização, toda ela muito sua, feliz amálgama do Oriente e Ocidente, a oriental e ocidental.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Conhecida esta verdade, a resposta à resolução é de que o Goês era um povo separado e Goa um território separado, além de pertencer à soberania portuguesa, por exclusiva vontade dos seus habitantes, a partir de 1510.
Do mesmo modo como a Península Indostânica, também a Europa pode ser olhada como uma unidade geográfica, pois ela vai da Eurásia, pelos Urais, ao mar Cáspio, mas até hoje ninguém se lhe referiu como unidade política, negando-lhe várias nacionalidades e o direito de formar nações separadas.
Assim, temos a Península Balcânica, compreendendo sete ou oito Estados soberanos; a Península Ibérica, sendo uma unidade física, é constituída por dois países independentes - a Espanha e Portugal.
Desta forma, podia discretear por várias partes do Globo, referindo-me à Península Escandinava, mesmo à antiga Áustria-Hungria e à Holanda, que é continuação da planície germânica, e assim por diante.
Para mais, a soberania nasce do consenso unânime de um povo; não se impõe à força, o que significaria despotismo e tirania.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vê-se, portanto, que os Goeses nunca foram Indianos e, mais ainda, que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros afirmou uma verdade: que Goa, embora conquistada pela União Indiana, a sua alma era e continuava a ser portuguesa, como se tem provado por inúmeros factos de que o usurpador tem conhecimento e procura por todos os meios, ainda os mais bárbaros, erradicar, o que até hoje não tem conseguido, seis anos após o seu tirânico regime. Provam-no vários correspondentes de jornais estrangeiros que visitaram Goa recentemente, que, não morrendo de amores por Portugal, se vêem obrigados a confessar a verdade, depois de contactar os mais diferentes sectores da sua população.
Comemorando o 6.º aniversário da invasão armada de Goa, o jornal O Heraldo escreveu em editorial, textualmente:

Vistas as coisas de relance, superficialmente, nota-se um senso de frustração, de desapontamento, de expectativa, não satisfeitos.
A corrupção administrativa e política no País, com reflexos nesta terra, o exacerbamento de preconceitos e lealdades restritas, as intoleráveis delongas burocráticas, tocando as raias do caos administrativo, todos estes irritantes psicológicos desvirtuam as perspectivas verdadeiras do acontecimento que em 19 de Dezembro de 1961 nos projectou do ambiente fechado, de uma vida pautada e vegetativa, para a amplidão da aventura, abrindo largas avenidas para iniciativa, e levam as mentes para comparações que à primeira vista parecem impressionantes.

Embora batendo uma no cravo e outra na ferradura, o editorialista vê-se forçado a confessar esta verdade:

Indubitavelmente, a administração era mais eficiente, mais expedita, mais regrada; as decisões tomadas no ápice da pirâmide burocrática e governativa
que se localizava nesta terra eram executáveis sem sancionamento ulterior; o Conselho Legislativo tomava providências sem necessidade de placet de esferas mais altas; aprovado pelo Conselho o orçamento do Estado, não era preciso correr a Lisboa a cada passo para obter o beneplácito para execução das obras e projectos, como agora se torna necessário correr a Nova Deli.

Se o Estado Português da Índia tinha completa descentralização administrativa, é natural a pergunta: Que espécie de libertação foi essa? Qual a autonomia que lhe foi concedida?
A fé dos próprios turibulários a sua administração levou um tremendo retrocesso, e, quanto ao bem-estar da sua população, aquele jornal, na secção inglesa, salienta que «cinco anos se perderam numa controvérsia política que deveria aguardar até se resolverem outras questões prioritárias. Mas alguns de nós pensaram de outra forma e o território inteiro teve de pagar pela custosa loucura dos integracionistas. Surgiram então as dificuldades ao nível nacional: duas agressões, duas secas e dois primeiros-ministros falecidos que desapareceram. As oportunidades perdidas nestes cinco anos tornaram-se grandemente uma fonte de incerteza do futuro. Os preços começaram a subir, os géneros alimentícios tornaram-se escassos, os empregos difíceis de conseguir, as relações entre as gerências e os operários mantiveram-se tensas».
Um outro panegirista - Sarto Esteves, no seu muito recente opúsculo Goa e o Seu Futuro, escrito em inglês, apesar das alfinetadas que aplica ao regime português, não pôde deixar de confessar que «a melhor contribuição que os Portugueses deram ao progresso de Goa foi a estabilidade política e a unidade trazida ao território.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Parece terem estabelecido o seu império na Índia com o objectivo definido de o tornar, em muitos sentidos, um Estado independente. Eles empenharam-se nessa tarefa desde os primeiros dias da conquista por Afonso de Albuquerque até aos derradeiros dias do seu governo. É difícil não admitir que geralmente manifestaram um senso de propósito e direcção em muitas das suas acções no tocante a atingir o seu objectivo de uma Goa unida, independente dos territórios à sua volta. Poderão ter enfraquecido a própria causa no inverno da sua vida em Goa e o sentimento da unidade que imbuíram nos habitantes de Goa. A integração emocional dos Goeses foi, porém, completa.
O sentimento de uma existência auto-suficiente e de dirigir os seus próprios negócios dentro do território por 450 anos deu a Goa uma unidade e uma identidade nacional sua própria, do que muitas nações sob dominação estrangeira, especialmente no Oriente, não podem orgulhar-se. Os Portugueses deram a Goa uma posição peculiar e condicionaram os pensamentos, acções e atitudes dos que nela viviam numa maneira que fizeram sentir aos Goeses de serem por eles próprios independentes de todos os que se encontravam ao seu redor. Cada indivíduo nascido em Goa cresceu pensando em Goa como seu torrão natal e o que quer que os governantes fizessem era dele próprio».
Não é necessário, Sr. Presidente e Srs. Deputados, outro depoimento mais frisante e eloquentemente elogioso à política fraternal portuguesa por mais de quatro séculos e meio do que aquele que acabo de citar, porque ele refuta todas as aleivosias, diatribes e despautérios com que os detractores de má fé e ignorantes a mimosearam.

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Para Portugal, creio, basta este reconhecimento, embora tardio, de se ter feito inteira justiça aos seus processos e às intenções no Governo do Estado Português da índia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vou concluir estas breves considerações. com a autorizada opinião do Prof. Doutor Armando Gonçalves Pereira, ilustre director do Instituto de Ciências Económicas e Financeiras, de Lisboa, exarada no seu bem documentado livro A Índia Portuguesa, em que, fazendo a seguinte pergunta, passa a respondê-la:

Como é possível que os filhos de Goa, a milhares de léguas de distância, se sintam e efectivamente sejam tão portugueses como os melhores da metrópole? O fenómeno tem muitas causas, mas, entre todas, avulta, sem dúvida, aquilo a que podemos chamar, embora incorrendo no grave defeito de uma frase enfática: «O surpreendente efeito de uma política de não discriminação racial.»
Tudo isto - acrescenta - dá aos portugueses da Índia a sensação de que eram acima de tudo portugueses; eles criaram dentro da família lusitana o seu mundo e a esfera dos seus interesses morais; de certo modo, os Goeses passaram a considerar Portugal como sua pátria e o vasto território da Índia como terra estrangeira.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. José Manuel da Costa: - Sr. Presidente: V. Ex.ª, como sempre o primeiro de todos nós na interpretação do pensamento e da sensibilidade da Assembleia Nacional, tem aproveitado variadíssimos ensejos de render homenagem, de consideração e apreço, aos trabalhadores da imprensa, designadamente àqueles que vivem mais próximo de nós e aos que maiores responsabilidades assumem no campo da informação e na tentativa quotidiana do esclarecimento público e da orientação cultural das grandes massas.
Bem haja V. Ex.ª por tão clara atitude de compreensão e de carinho, e quem agora o reconhece e lho agradece não só não é um profissional da imprensa, como até pelo jornalismo passou, sem pena nem glória, durante alguns anos de vida, sem por isso ter ficado vinculado à profissão por qualquer laço material que pudesse justificar as palavras que agora vai dizer.
Acontece, porém, que desde sempre convivi, ou na relação pessoal, ou na linha do espírito, na função pública, na combatividade política e na própria compenetração profissional, durante vários anos, com a gente da imprensa, julgo tê-la servido em algumas circunstâncias, devo-lhe atenções sem nunca lhe ter pedido jeito ou favor de meu interesse pessoal, antes, sim, em bravos momentos de luta política, terei sofrido algum quinau, o que sempre se tomou com mágoa, mas sem ressentimento ou acrimónia, pela natural rudeza do ofício e pela convicção, a pouco e pouco formada, de que tal ofício era quase sempre fonte de sacrifício, esmagadora tarefa, ingrata, inglória, incompreendida quando nela se procurasse servir com dignidade, lealdade e obediência a princípios éticos indeclináveis e a verticalidade de atitudes.
Julgo poder dar nesta matéria um testemunho sincero e desinteressado, e, seja embora a minha voz a mais humilde desta Casa, penso ser ela, apesar disso, suficientemente qualificada para prestar um depoimento, por ninguém pedido nem sugerido, e que venho trazer à Assembleia em puro acto de consciência e por dever de solidariedade com uma classe profissional em que estive enquadrado certo tempo e que me habituei a conhecer, a admirar no trabalho e no sacrifício, a respeitar na coragem e no heroísmo e até a compadecer na injustiça e na miséria de tantas e tantas situações de que pude ter amargurado e directo conhecimento, algumas delas verdadeiramente angustiantes...
Vem isto a propósito da muito recente comemoração do 25.º aniversário da criação da Caixa de Reformas dos Jornalistas, em acto solene presidido por S. Ex.ª o Ministro das Corporações, e durante o qual foram evocados ilustres nomes de jornalistas portugueses - vivos e mortos -, foram avivadas as grandezas e as desditas da profissão e postas em relevo as necessidades vitais, as legítimas aspirações e também as justificadas apreensões de uma classe só na sua aparência omnipotente, mas, na realidade, algum tanto menosprezada nos seus direitos, interesses, condições de vida, de saúde, de doença, de velhice, de reforma, de suficiência no presente, de confiança no futuro e de certeza de amparo familiar para além da própria morte.
Foi orador oficial das comemorações um homem que vive no jornalismo e do jornalismo há mais de 50 anos e há muitos anos também aqui no dia-a-dia dos nossos trabalhos - Leopoldo Nunes. Ele fez, em larga síntese, o inventário das aquisições úteis e das aspirações prementes da sua classe, e assim terão ficado expostos e justificados no lugar próprio os anseios e os receios dos jornalistas portugueses no tocante ao justo preço do seu trabalho, cautelas do futuro e sobrevivência digna e honrada de seus familiares, como quem diz o exacto valor e prestígio da profissão, sua dignidade moral e social, cuidados do decoro e amparo da família e certeza de uma vida humanamente desejável e possível na invalidez e na velhice.
Não costuma ser duro de ouvido o Sr. Ministro das Corporações, e no seu discurso de encerramento da sessão ele próprio desejou ser um jornalista, integrando-se, assim, em alta homenagem, no préstimo e na honra da classe, ao mesmo tempo que, como homem do Governo, bem claramente exprimiu o voto de «ser útil à categoria profissional ali tão brilhantemente representada».
Tudo assim parece certo, mas eu direi, Sr. Presidente, ter-me tocado profundamente o fecho do discurso de Leopoldo Nunes, que ali falava não apenas em seu nome próprio, mas na qualidade de presidente do conselho geral da Caixa de Reformas dos Jornalistas, portanto com total autoridade representativa. Disse ele, a concluir a sua exposição:

Mais ainda do que ao Ministro, é ao homem cristão que nos dirigimos, porque os problemas são, acima de tudo, de justiça e de humanidade. É justiça e humanidade o que pedimos.

E é isto que me parece grave, Sr. Presidente, na certeza de que só se pede aquilo que se não tem ou que se vem pedindo e se não alcança, o que vem a dar no mesmo. Ora «humanidade» tem sempre de ser uma constante natural e normal, inerente ao homem e à vida, e a justiça tem sempre de ser rápida e pronta, recta e trigosa, como dizia o cronista, e uma e outra não têm apenas de ser pedidas ao homem cristão, mas sim ser exigidas de todos os homens, instituições e serviços de que dependam direitos, interesses, condições de vida e até mesmo condições de morte de todos aqueles que servem, trabalham.

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sofrem na sua carne e na pessoa dos seus a demora das soluções, o exagero das cautelas, o rigorismo dos cálculos, a excessiva comodidade da prudência, quando não é a simples rotina de certos agentes do serviço ou, ainda pior, o oculto propósito de agravar situações que serão tanto mais perniciosas quanto mais delicados e sensíveis forem aqueles que clamam por «humanidade» e vivem na legítima esperança da «justiça».
Digo isto assim, Sr. Presidente, apenas por uma posição de princípio, pois não é da minha índole jogar pedras à janela de ninguém, nem creio que seja disso o caso. Mas esta posição de princípio julgo eu que deve ser a atitude normal e permanente da nossa Assembleia: «a humanidade e a justiça» que os jornalistas pediram para a sua justa causa aqui têm de encontrar a todo o tempo não apenas um eco reflexo, mas um som de origem bem viva, e, se para eles jornalistas aqui fica a nossa compreensão e o nosso apoio aos seus pedidos, do mesmo passo se alargam o conceito e o âmbito desta nossa intervenção, pois humanidade e justiça têm de ser a todo o momento dadas a todos sem necessidade de serem pedidas, elas são fundamento do bem comum e o bem comum tem de ser o nosso habitual propósito e, pela missão em que andamos investidos, o próprio lema desta nossa Casa.
Sr. Presidente: Penso ter dito, no geral e no particular, palavras susceptíveis de serem perfilhadas por qualquer dos Sr s. Deputados. Todos nos colocamos nesta sagrada e obstinada posição: que quem tenha responsabilidades de mando ou de obediência nos serviços não deixe nem espere que lhe sejam pedidas humanidade e justiça. Se pode às vezes a justiça ser tardia e morosa, seja a humanidade imediata e pronta, e já logo a justiça abreviará seus passos e caminhará a par desse sentido de humanidade que é, passe á confusão pleonástica, o mais profundo e vivo dos direitos da pessoa humana!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No caso concreto dos profissionais da imprensa, e eu diria da grande e da pequena imprensa, de toda a metrópole e do ultramar, pudesse hoje a minha voz exprimir a mensagem de nós todos e levar consigo, lá onde for o sítio exacto e adequado, o nosso empenhado voto no sentido de que quem tantos serviços presta bem mereça, por direito próprio, compreensão oportuna, solução rápida, satisfação completa e até mesmo - porque não dizê-lo? - reconhecimento de sacrifícios, gratidão de serviços e respeito por aquela dignidade com que nas actuais horas graves da vida portuguesa os jornalistas podem ser considerados, logo depois das forças armadas, os mais imediatos combatentes da resistência nacional, mobilizados como eles estão sempre - dia e noite - no complexo de uma sociedade que às vezes bem parece não tomar exacta conta de dever estar toda ela nas trincheiras da vanguarda ou ao menos na íntima comoção, activa e consciente, de todos os momentos e circunstâncias da vida da Pátria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Só mais algumas breves palavras, e essas tendentes a exprimir o voto de que sejam incluídos, nos direitos e nos benefícios tão justamente pedidos pelos profissionais da imprensa, todos os demais servidores de outros órgãos de informação - rádio, televisão, cinema -, quando esses servidores o sejam especificamente da informação, isto é, em sentido e termos actuais, jornalistas do jornal «visto, ouvido e falado», pois todos eles comparticipam das mesmas responsabilidades, riscos, perigos e obrigações, são combatentes do mesmo exército, soldados de outras armas, mas todos apontados a uma acção comum: com as suas várias armas da palavra, escrita ou falada, eles estão todos os dias e todas as noites despertos e alerta em seu campo de batalha, e a muitos os temos visto lá mesmo no campo próprio da batalha, atrevidos e destemidos, para que a informação seja prontamente tomada no som e na imagem e chegue ao seu destino, que tanto pode ser um jornal, um microfone ou um televisor, e é sempre em qualquer hipótese um serviço arriscado e duro ao serviço do público e da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Onde quer que possam chegar estes nossos votos, julgo serem eles um justo reconhecimento e um claro apoio desta Assembleia aos servidores de uma profissão que é, acima de tudo, uma luta de todas as horas, num momento crítico nacional em que todas as horas são de luta e têm, por isso mesmo, de ser também de informação consciente, esclarecida e viril e, por ela, de esperança confiante nos futuros dias claros da vitória.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei do serviço militar.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada D. Custódia Lopes.

A Sr.ª D. Custódia Lopes: - Sr. Presidente: O facto de pela primeira vez se introduzir numa proposta de lei de serviço militar uma rubrica referente ao serviço militar feminino leva-me a subir a esta tribuna para tecer algumas breves considerações sobre o trabalho da mulher, particularmente na proposta de lei agora em discussão nesta Câmara. E não será de estranhar que como mulher o faça, aproveitando a oportunidade para prestar homenagem a todos quantos introduziram e apoiaram tal doutrina na presente proposta de lei, dando prova de compreensão e espírito de justiça pela capacidade de trabalho da mulher, ainda hoje nem sempre devidamente considerada.
Sr. Presidente: Já vai longe o tempo em que prevalecia o conceito de que o trabalho da mulher era apenas no lar. As exigências da vida moderna, a revolução industrial, a carência de mão-de-obra masculina, sobretudo no pós-guerra, a necessidade de um maior aproveitamento dos recursos humanos para o progresso económico e desenvolvimento dos povos e, ainda, a própria valorização cultural e social da mulher, o que a levou a afirmar-se e a reivindicar os seus direitos, fizeram que o trabalho feminino fora do lar viesse a ser utilizado em larga escala e que a mulher pudesse ocupar cargos e funções que outrora eram apenas exercidos por homens.
Contudo, embora a mulher tenha vindo a demonstrar as suas aptidões intelectuais, a sua capacidade de trabalho e sentido de responsabilidade nas muitas e variadas tarefas a que se dedica, ainda hoje se pressente um certo cepticismo quanto à capacidade e qualidades da mulher para o exercício de determinadas funções da vida pública, o que a coloca, por vezes, em situação de desigualdade e inferioridade perante o homem.

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Não somos feministas a ponto de aceitar o exagerado conceito de que a mulher é igual ao homem e que, portanto, lhe cabem os mesmos direitos e idênticos deveres. A sua própria natureza fisiológica e a sua função específica de esposa e mãe determinam que lhe sejam conferidas medidas especiais e diferenciadas e que não possa exercer em igualdade com o homem certas tarefas prejudiciais à sua compleição física e perturbadoras da suprema e nobre missão que a Natureza lhe impôs, a de ser mãe.
Este importante aspecto do trabalho da mulher terá de ser sempre considerado em qualquer lei, não como uma discriminação em relação ao homem, mas como um direito natural e inalienável da mulher que a protege não só a ela própria, mas também à família, de que ela é o fulcro na sociedade a que pertence.
Assim, entendemos que à mulher deverá ser dada toda a possibilidade de demonstrar a sua capacidade intelectual e de exercer a sua actividade profissional, em igualdade com o homem, sempre que o exercício dessa função esteja de acordo com a sua natureza fisiológica e psicológica.
No nosso país, tem-se verificado, nos últimos tempos, uma acentuada promoção cultural e social da mulher, que acorre cada vez em maior número às escolas e Universidades, tanto na metrópole como no ultramar, com o fim de se valorizar e poder assim contribuir melhor, com o seu esforço e trabalho, não só para o desenvolvimento económico e bem-estar da família, mas também para o progresso material e espiritual da Nação. Na verdade, a mulher portuguesa vem ultimamente trabalhando nas mais variadas tarefas ao lado do homem e em igualdade com ele, ascendendo aos mais diversos cargos, ocupando por mérito próprio lugares de chefia e exercendo funções de responsabilidade nos diferentes sectores da vida pública.
Por sua vez, leis recentemente promulgadas vêm libertando a mulher de sujeições e restrições que em nada a dignificavam, concedendo-lhe justos, direitos. Porém, existem ainda algumas situações discriminatórias para com a mulher, aparentemente inexplicáveis, como a de não poder exercer determinadas funções, que merecem ser reconsideradas para que se dê à mulher portuguesa a possibilidade de se afirmar em todo o seu valor e contribuir plenamente com o seu trabalho para o bem comum.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - A mentalização que terá de processar-se para uma aceitação não só teórica, mas prática, de um mais largo âmbito do trabalho feminino dependerá não só das leis, mas também, e sobretudo, da própria mulher. A esta importa valorizar-se cada vez mais, adquirindo as qualidades necessárias nos aspectos intelectual, espiritual e moral, para que possa ascender com justiça às funções a que é chamada a desempenhar ao lado do homem ou em sua substituição, quando tal for necessário.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Representando a mulher uma importante fracção da população do País e verificando-se hoje uma premente necessidade de técnicos e de operários especializados, não se compreenderia que se desperdiçassem as suas potencialidades e o seu trabalho em sectores da vida nacional em que a mulher pode perfeitamente dar o seu contributo para o progresso e segurança da Nação.
Por isso, aceitamos confiadamente o princípio introduzido na proposta de lei em discussão do serviço militar feminino voluntário.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Embora a mulher portuguesa tenha já vindo a participar em alguns sectores das forças armadas, como é o caso das enfermeiras pára-quedistas, que tão úteis serviços têm já prestado, e das que colaboram, como contratadas ou assalariadas, nos serviços auxiliarem da administração militar, só agora pela presente proposta de lei se dá à mulher a possibilidade de uma mais ampla e efectiva colaboração integrada nos quadros das forças armadas. E esta colaboração é tanto mais necessária quanto sabemos que nesta luta que nos foi imposta no ultramar, e que dura há mais de seis anos, a Nação tem de contar não só com os seus bravos soldados que se batem nas extensas frentes de batalha, mas também, na retaguarda, com o trabalho, o esforço e o sacrifício de todos os demais cidadãos, sejam eles homens ou mulheres.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Não se exige na presente proposta de lei a obrigatoriedade do serviço militar feminino, nem tão-pouco que a mulher pegue em armas em operações de combate, como já vai acontecendo em alguns países. Certamente porque nem a índole da mulher portuguesa se encontra preparada para um tal trabalho coercivo, nem a Nação, felizmente, necessita, por ora, de tal medida,

O Sr. Pinto de Meneses: - Muito bem!

A Oradora: - A mulher portuguesa, que, em momentos difíceis da vida da Nação, tem dado já sobejas provas de abnegação e coragem, é nesta conjuntura nacional chamada a colaborar em regime de voluntariado, apenas em serviços militares que se coadunam com a sua natureza física e psicológica, os quais estão hoje entregues a um largo número de homens válidos que, uma vez libertos, poderão ir reforçar os campos operacionais, cada vez mais necessitados, à medida que o tempo vai passando.
Embora os serviços auxiliares sejam normalmente destinados a indivíduos com deficiências físicas, falta de robustez ou doenças congénitas que os impedem de desempenhar trabalhos que requerem esforços físicos violentos, o que se verifica é que o número de jovens apurados para os serviços auxiliares é muito inferior ao necessário e que há, portanto, todos os anos, que lançar-se mão de um número elevado de mancebos com boas condições físicas para o desempenho de tais funções. Foi precisamente em relação a este aproveitamento de homens robustos e válidos em serviços auxiliares para funções combatentes ou ligadas a unidades combatentes que se introduziu na presente proposta de lei, com toda a vantagem, o serviço militar feminino.
Não faltam às mulheres as qualidades que se requerem para os serviços auxiliares das forças armadas, e tarefas há mesmo que mais se adaptam propriamente à índole e psicologia femininas.
Estão perfeitamente de acordo com a natureza da mulher os trabalhos de secretaria, dactilografia, os serviços de arquivistas, bibliotecárias, telefonistas, radiotelefonistas, mecanógrafas, contabilistas, os serviços em estabelecimentos fabris, os serviços da manutenção militar, de cozinha, de messes, dos abastecimentos, os trabalhos nas

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oficinas gerais de fardamento, os serviços de administração de pessoal e outros serviços especializados, dos quais destacamos os serviços de saúde, como médicas, farmacêuticas, analistas, enfermeiras e tantos outros.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Além das vantagens; já apontadas, com o serviço militar feminino conseguir-se-á um melhor rendimento de trabalho, na medida em que se poderão estabelecer funções especializadas com continuidade, o que presentemente se não consegue com os soldados, que são substituídos de dois em dois anos, no máximo, ou seja quando estão já adaptados e a dar o melhor do seu rendimento.
O facto de as mulheres ficarem integradas na própria orgânica do serviço militar, e não apenas contratadas ou assalariadas, garantirá a estas funções auxiliares a estabilidade que serviços de tal natureza exigem, além do que se formará, assim, um corpo disciplinado e hierárquico que só através de um corpo militar independente se poderá conseguir.
Não posso deixar de chamar a atenção para os cuidados que deverá merecer a regulamentação do serviço militar feminino, pois que dela dependerá, sobretudo, o êxito da sua aplicação.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: Exigências e cuidados especiais serão necessários desde o recrutamento e selecção das candidatas até ao mais pequeno pormenor, como, por exemplo, a própria escolha do tipo de farda que, porventura, vierem a adoptar. E sem dúvida de considerar que o serviço militar feminino se torne digno e atraente para a mulher portuguesa. Em nosso entender, a mulher que voluntariamente se propõe a um tal serviço deverá estar imbuída não só de ética profissional, mas também de ética militar, sem que isto implique que perca os seus dotes femininos, que serão, antes, valorizados e respeitados, desde que a mulher se imponha e se dignifique pela sua competência profissional e pelo seu aprumo.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente: a mulher portuguesa, na metrópole e no ultramar, tem acorrido prontamente a dar o seu contributo à Nação em luta.
Não cabe aqui referir largamente o relevante papel da mulher no ultramar, mas não poderei deixar de render homenagem a todas quantas têm dado o seu esforço e trabalho, quer no funcionalismo, quer nas actividades privadas, quer ainda como esposas e mães acompanhando os maridos nas cidades, nas vilas e nas regiões mais afastadas e inóspitas do mato.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Ao trabalho da mulher se deve, muitas vezes, poder assegurar-se o corpo docente e o funcionamento das escolas e dos liceus do ultramar.
Não poderei também deixar de ressaltar os movimentos de voluntariado e de boa vontade das mulheres no sentido de contribuírem, com o seu trabalho, para a promoção social da mulher nativa, e, ainda, as organizações auxiliares e humanitárias, como o Movimento Nacional Feminino, criado expressamente nesta conjuntura nacional e onde trabalham cerca de 80 000 mulheres de todas as
condições sociais, que tão útil apoio tem dado ao soldado português, e também a Cruz Vermelha, de tão longa tradição humanitária.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - A mulher portuguesa não deixará, decerto, de aceder, prontamente, ao esforço que se lhe pede em prol da Nação, inscrevendo-se voluntariamente nos serviços auxiliares das forças armadas.
Ao apoiar na generalidade a presente proposta de lei de serviço militar, em que se contém o serviço militar feminino, faço-o esperançada de que este prestará um valioso auxílio às forças armadas e um inestimável serviço à Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A oradora foi muito cumprimentada.

A Sr.ª D. Maria de Lourdes Albuquerque: - Sr. Presidente: A Lei do Serviço Militar proposta pelo Governo, ora em discussão, não se limita apenas a actualizar a já desajustada Lei n.º 1961, de 1937, e as suas alterações, de 1949, até hoje em vigor, mas visa fazer face à evolução da conjuntura mundial, com o objectivo de congraçar todos os esforços para a defesa da Nação, tanto em tempo de guerra como no de paz.
É, portanto, uma proposta de lei que não interessa só aos militares ou futuros militares, mas sim a todos os portugueses.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - E precisamente por isso que aqui estou, Sr. Presidente, consciente das responsabilidades desta Câmara, a dar um contributo modesto e sem pretensões, mas sincero. Especialistas debruçaram-se já na vasta matéria nela contida.
A Constituição Política impõe aos cidadãos o cumprimento das obrigações militares. Para melhor regulamentar a forma de as cumprir, elaborou o Governo a proposta em discussão, pondo nela a maior atenção.
Igual cuidado lhe dedicou a Câmara Corporativa na sua apreciação. Cabe, por fim, à Assembleia Nacional estudá-la e transformá-la em lei.
Nesta guerra subversiva que nos movem há perto de sete anos a juventude portuguesa vem correspondendo de forma admirável às necessidades da defesa territorial e à preservação do património espiritual da Nação.
Briosa e generosamente se batem em várias frentes os rapazes de Portugal continental, insular e ultramarino, sem se furtarem aos maiores sacrifícios por uma causa que é de todos.
A frente moral, para cá da linha avançada, é a nós todos que cabe defendê-la, agindo com justiça e rapidez, com sobriedade e dedicação, mas, mais que tudo, pelo exemplo.
Permitam-me aqui um parêntesis, Sr. Presidente e Srs. Deputados: diz-se com inteira verdade - eu própria o presenciei - que em Luanda, Lourenço Marques e Bissau se vive com a mesma calma e tranquilidade que sentimos em Bragança, Valença do Minho ou Vila Real de Santo António. Diz-se mesmo que nessas cidades nem se sente que há luta nas nossas fronteiras. Se, por um lado, esse ambiente demonstra harmonia e boa paz interna- entre portugueses de todas as etnias (sobre isso não restam dúvidas, mesmo aos mais tenazes adversa-

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rios), por outro lado, que poderão pensar aqueles nossos rapazes na frente de combate desse ambiente despreocupado das nossas cidades e vilas? Não lhes parecerá que estão a bater-se por todos nós, quando nem todos o reconhecemos? Não sentirão que existe uma falta de consciencialização e mentalização de todos os portugueses da hora grave que atravessamos? Isso não os levará a sentirem-se em parte desacompanhados? E não será prejudicial essa aparente desatenção? São perguntas que muitas vezes faço a mim própria.
A nova proposta dá lugar a uma contribuição geral dos portugueses de ambos os sexos para a defesa nacional. Constitui uma inovação oportuna o abrir caminho para o ingresso de mulheres nas forças armadas em regime de voluntariado.
A mulher portuguesa, dedicada e igualmente interessada na integridade da Pátria, vem prestando valioso auxílio aos que te batem na frente. É o caso das corajosas enfermeiras pára-quedistas, que estão a prestar serviços inestimáveis, por todos admirados, e daquelas outras que se dedicaram às organizações humanitárias para levarem aos soldados e suas famílias o conforto moral.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Mas há outros campos onde ela pode exercer valiosas funções nas forças armadas. Para esse fim, parece-me que devem ser admitidas mulheres voluntárias, maiores de idade, com elevada formação moral e preparação conveniente adequada às funções de carácter civil.
Temos médicas especializadas em anestesia, otorrinolaringologia, neurologia, psiquiatria, oftalmologia e noutros ramos da Medicina; temos farmacêuticas, engenheiras civis e químicas, biólogas, enfermeiras, monitoras, arquivistas e tantas outras que poderiam dar uma valiosa contribuição à defesa nacional.
Não estou convencida de que ela «dispute aos homens todos os lugares e posições», como afirmou o ilustre Deputado António Santos da Cunha. Nem sou partidária de que ela abandone o lar, mas sou com certeza extremamente favorável a que, sem prejudicar a vida do lar, ela contribua voluntariamente para a defesa e o engrandecimento da Nação.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - A mulher saiu do lar mais por necessidades materiais do que por um desejo de emancipação ou de distracção. É certo que esse facto tem os seus contras, mas não é menos certo que, na vida de hoje, a sua contribuição é desejada e necessária.
Educamos as nossas filhas, não sómente para a vida doméstica, mas de forma a poderem enfrentar esse fenómeno irreversível, porque nos parece que infelizmente nada o deterá. Ele é de tal maneira aceite em todo o Mundo que a Organização Internacional do Trabalho adoptou a Convenção n.º 111 estabelecendo medidas de «não discriminação baseada no sexo» em matéria de emprego e profissão, convenção essa aprovada e ratificada pelo nosso Governo, como consta do Decreto-Lei n.º 42 520, de 28 de Setembro de 1959. Assim, compromete-se o nosso Governo a modificar o Código Administrativo, o Estatuto Judiciário e o Regulamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que impediam o acesso de mulheres a certas funções públicas. É, portanto, uma questão de regulamentação interna que modificará para breve, estou certa, as disposições existentes. Desta forma, o ingresso de mulheres voluntárias nas forças armadas, na actual conjuntura, é um passo em frente, e não se lhe negará valor, até mesmo político.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - A causa em que estamos empenhados requer o total aproveitamento de todo o potencial humano, técnico e intelectual, numa verdadeira mobilização geral, pela valorização e desenvolvimento de Portugal.
A defesa nacional baseia-se hoje, mais que nunca, no seu desenvolvimento económico, e este, no saber do seu povo. É a razão por que não podemos, nem devemos, perder qualquer elemento que possa contribuir de forma válida.
Voltando ao assunto: parece-me que às mulheres que se incorporarem nos serviços das forças armadas deve ser ministrado um curso preparatório de formação. Não pretendo, evidentemente, sugerir que ele seja de carácter militar, de preparação para o combate. Mas penso, sim, num curso de autêntica formação de molde a contribuir para a valorização da cidadã e para o aperfeiçoamento da pessoa humana, consciencializando-a das responsabilidades que irá assumir.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Esse curso terá benéficos reflexos na vida familiar desses elementos e na educação dos jovens que deles venham a depender.
Por certo, ser-lhes-ão conferidos os direitos e regalias iguais aos dos seus colegas masculinos, o que seria justo. Assim, devem ser idênticas as suas obrigações e responsabilidades. Quero crer que, para melhor resultado desse objectivo, tem perfeito cabimento a equiparação, segundo as suas habilitações e funções, na hierarquia militar, como consta da proposta do Governo. O factor psicológico daí resultante será relevante para efeitos de disciplina nos serviços.
A sobriedade do vestuário da mulher terá de ser exigida, admitindo-se mesmo a utilização da farda. Essa norma não será de estranhar, pois tratar-se-ia de um simples uniforme. É corrente verem-se funcionárias de alguns organismos, empregadas das companhias de aviação, médicas, estudantes, etc., envergarem uniformes próprios.
Na segunda guerra mundial muitas mulheres deram o seu contributo às forças armadas em missões de assistência médica, comunicações e em outros variados serviços auxiliares. Algumas das minhas conterrâneas incorporaram-se nas forças armadas dos aliados, em defesa da civilização ocidental, tomando parte, inclusivamente, em campanhas fora do território britânico. Todas elas, graduadas na hierarquia militar ou não, envergavam fardas simples, mas de tipo militar.
Passando ao outro artigo da proposta em causa: conclui-se que se pretende o alargamento do tempo de serviço militar. Ilustres Deputados desta Assembleia Nacional, que me antecederam nesta tribuna, manifestaram o seu desacordo quanto a este ponto, corroborando assim o sustentado no douto parecer da Câmara Corporativa que sugere a alteração da proposta.
Sou da mesma opinião, pois receio desagradáveis incidências políticas, internas e externas, que desse alargamento possam advir. Para mais, pelo que sabemos, as forças armadas têm obtido os efectivos de que necessitam.
Embora na proposta seja encarada a possibilidade de ser encurtado o tempo previsto, o seu alargamento em princípio poderia causar mal-estar geral, mormente naqueles mais directamente atingidos.

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Por outro lado, seria difícil fazer uso da faculdade de encurtar o tempo do serviço militar aos que pareçam menos necessários nas forças armadas. Essa mesma faculdade, praticada ainda que com a maior justiça e imparcialidade, poderia dar origem a um sentimento de arbitrariedade e favoritismo. No entanto, será de prever-se este encurtamento em tempo de paz.
Pela lei vigente, o Governo tem autoridade para alongar, durante o tempo necessário à defesa, o serviço efectivo nas fileiras quando as circunstancias o exijam. Parece ser mais lógica e menos melindrosa esta prática no momento actual.
Não tem regateado esforços a juventude portuguesa, porque são imperativos os deveres para com o interesse nacional. Mas não lhe devemos pedir sacrifícios que não sejam absolutamente indispensáveis.
Acresce que não nos podemos arriscar a ver prejudicado ou retardado o desenvolvimento económico do País, causado por um período de permanência demasiadamente longo no serviço militar de técnicos e elementos qualificados imprescindíveis às múltiplas tarefas que esse desenvolvimento exige nesta altura em que estão a dar-se no mundo grandes integrações económicas.
Com vista a obter maior riqueza para o País, elaborou o Governo o III Plano de Fomento, recentemente aprovado pela Assembleia Nacional.
E é de não esquecer que, para além do tempo da prestação de serviço nas fileiras, há uma quebra de rendimento desses elementos, tanto antes de serem incorporados como no período de readaptação às suas funções anteriores.
Quero ainda abordar a matéria do artigo 62.º da proposta: o que visa a concessão de subsídios às famílias dos militares que não tenham outros meios para a sua manutenção. Esta disposição é, sem dúvida, do maior alcance do ponto de vista social e denota a atenção dedicada ao factor humano, que não deixou de ser considerado na proposta de lei.
Lê-se igualmente no artigo 67.º que serão concedidas facilidades à fixação no ultramar aos indivíduos que tenham prestado serviço efectivo nas forças armadas. Seria da maior vantagem que as famílias dos militares os pudessem acompanhar; viria assim a facilitar essa fixação. Neste caso, do mais alto interesse nacional, poderia o Ministério do Ultramar prestar valioso auxílio.
São estas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, as breves e despretensiosas considerações que a consciência me ditou após a leitura da proposta da Lei do Serviço Militar, que espero venha a realizar os «interesses reais, vivos e permanentes de Portugal».

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A oradora foi muito cumprimentada.

O Sr. Sousa Meneses: - Sr. Presidente: Falar em fecho de debate na generalidade da discussão não é missão fácil para quem tem de o fazer. Nem a golpes de imaginação e de talento, que não existem, seria possível apresentar matéria que não tenha sido já abordada pelos brilhantes oradores que passaram por esta tribuna.
Por isso, serei breve e limitar-me-ei a fazer umas reflexões sobre a proposta de lei agora presente à Câmara, com o objectivo, e oxalá que o atinja, de esclarecer e dar tranquilidade aos espíritos bem intencionados, de informar os que falam da lei e sobre a lei sem terem tido possibilidade de a estudar e de a compreender e de desfazer algumas críticas tendenciosas, mas bem orquestradas, que visam a desmoralizar a vontade dos jovens portugueses que se podem sentir mais directamente atingidos por ela.
Esta última atitude é bem conhecida como uma das formas de actuação dos chefes da guerra subversiva, o que, por outras palavras, significa procurar criar na Nação a desconfiança na capacidade e na boa intenção dos governantes e dos restantes poderes do Estado. É uma forma eficaz e eficiente de subversão, quando não se lhe dá combate no campo da acção psicológica.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Poderei parecer ambicioso no objectivo fixado, e talvez o seja, por falta de engenho para o traduzir em palavras, mas não por falta de estudo da proposta de lei que discutimos ou por falta à verdade.
Analisei esta proposta de lei com interesse profissional, por dever da função política, e com o coração de português. Quer dizer: nós, a Comissão de Defesa, estudámos esta lei com os olhos postos no interesse das forças armadas e com os olhos postos no interesse dos cidadãos. Procurámos ser justos e humanos. Procurámos servir a Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, foi fácil o nosso trabalho, porque, quer na proposta do Governo, quer no parecer da Câmara Corporativa, estes sentimentos transparecem por todo o articulado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nem a outra atitude estamos habituados. Por isso, consinta-me, Sr. Presidente, que daqui prestemos a nossa homenagem e expressemos o nosso louvor ao Governo e aos seus técnicos pelo magnífico trabalho que a proposta representa e sem o qual não era com certeza possível à Câmara Corporativa elaborar o seu, a todos os títulos, notável parecer.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Uma lei sobre o serviço militar é antes de tudo a expressão do conceito que determinada Nação tem sobre o âmbito e a extensão desse serviço.
No nosso caso, ele está definido pela Constituição como geral e obrigatório, e a lei deve determinar a forma de ser prestado.
Sem desejar fazer uma recapitulação histórica sobre a evolução do serviço militar em Portugal, devo dizer que o conceito da generalidade e da obrigatoriedade existe, pode dizer-se, desde os primórdios da nacionalidade; apenas as formas e os sistemas de aplicação é que variaram segundo o modo de vida, os costumes e a organização da sociedade.
No presente século, o mesmo conceito aparece claramente expresso em 1901, 1911 e em 1937, em leis com nomes diferentes mas que, no fundo, pretendem definir a forma de prestar o serviço militar.
Estas diferentes leis apareceram sucessivamente, por necessidade de ir adaptando às condições naturais da evolução da vida, dos princípios políticos, das técnicas, dos meios, da ciência, dos hábitos e dos costumes a prestação do serviço militar.
Parece, portanto, normal que 30 anos após a última lei sobre o serviço militar apareça uma outra que pretenda satisfazer e contemplar as evoluções naturais que se de-

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ram durante este período de tempo, sobretudo se atendermos que, no período, houve um terrível conflito mundial e que após ele, e talvez por força dele, o mundo sofreu e está sofrendo uma grande evolução.
Portanto, esta lei que agora discutimos surge como resultado da evolução natural das coisas. É uma lei normal que é proposta naturalmente e de outra forma não pode ser considerada.
E não se diga que ela aparece por força das necessidades e obrigações que temos com a defesa do ultramar. Não, e a prova é que, com a lei ainda vigente, a de 1937, e com alguns diplomas legais complementares publicados pelo Governo, tem sido possível defender o território nacional e combater o terrorismo onde quer que ele apareça.
Esta lei, então, destina-se a agrupar num corpo nobre de doutrina o que a evolução, a experiência e as necessidades aconselham. Ë, portanto, assim, também, necessária.
Ainda, a lei que discutimos, é tanto para a paz como para a guerra. Quero eu dizer que, cessando as obrigações e deveres que temos para com a defesa das províncias, com esta mesma lei se continuará a definir a forma de prestação do serviço militar dos cidadãos portugueses. Não visa a guerra, como maldosamente se ouve para aí dizer.
Não, Sr. Presidente, esta lei é normal, aparece naturalmente, é necessária e não visa só a guerra, porque também visa a paz.
Se é assim, perguntarão uns tantos, mas por que agora?
É o problema da sua oportunidade, mas da sua oportunidade política, segundo creio, e não da sua oportunidade quanto aos efeitos.
Para mim, e creio que para muita gente, numa lei, mesmo em política, pouco se deve medir pela sua oportunidade. Mede-se, sim, por ser ou não ser necessária, que é o mesmo que dizer por se destinar ou não a satisfazer o interesse geral, e sublinho geral, da Nação.
Quantas e quantas vezes se tem assistido por esse Mundo fora, e cá em casa, à publicação de leis que têm de esquecer os interesses ou a força de grupos políticos ou económicos para satisfazer os interesses de todos? Perante a Nação essas leis continuam a ser oportunas, porque necessárias; perante aqueles grupos elas poderão não o ser. Chegaria assim a um alargamento do conceito de oportunidade, para além do de tempo, que não necessito de desenvolver. E não necessito de ir mais longe, visto que a lei que apreciamos só agora é proposta à Nação porque levou mais de oito anos a estudar e a elaborar. E levou este tempo todo porque, como lei do serviço militar, que é geral e obrigatório, mexe com cada cidadão de per si.
Por outras palavras: tem que definir para cada indivíduo ou para cada grupo de indivíduos os seus direitos e os seus deveres, as suas obrigações e regalias, e tudo isto com justiça e com sentido humano.
É uma lei extremamente delicada. Deve ser elaborada com o máximo cuidado. Necessita de tempo. Se ela tivesse levado um ano a elaborar e a aprovar por esta Assembleia, teria sido promulgada talvez antes do eclodir dos acontecimentos de Angola e, com certeza, muito antes dos da Guiné e de Moçambique. Ninguém então diria, como se ouve agora dizer às tais vozes orquestradas a que me referi, que a lei se destina a fazer face aos graves acontecimentos que o Governo enfrenta no ultramar.
Sr. Presidente: Analisados estes três pontos, desejo, de seguida, abordar alguma matéria substantiva da proposta, e fá-lo-ei em linguagem simples, para que toda a gente entenda. Procurarei ser objectivo. Por isso, tentarei fugir aos termos jurídicos da proposta, sempre que possível, e limitar-me-ei a discutir outros três problemas, por os considerar os mais importantes: a obrigação do serviço militar para os mancebos a partir dos 18 anos, a duração da prestação do serviço efectivo nas fileiras e a reclassificação dos mancebos, ou, como é mais conhecida, a reinspecção.
A lei não pretende vestir um uniforme e dar uma espingarda ao jovem que fez 18 anos. A lei o que pretende, quanto aos jovens dos 18 aos 20 anos, é, por um lado, dá-los a conhecer mais cedo às forças armadas (e não só aos 20 anos como até aqui) para efeitos do seu melhor aproveitamento para o serviço militar efectivo aos 21 anos, por outro, apertar as condições de obrigatoriedade para todos os jovens, com vista a evitar que alguns, por serem ricos, ou pobres, ou por outra qualquer razão, possam, sob pretexto fácil, ausentar-se para o estrangeiro, para estudar ou emigrar.
Estabelece, portanto, um princípio saneador e igualitário no campo social e altamente benéfico ao interesse das forças armadas, por permitir a estas, com maior antecedência, estudar e distribuir os mancebos pelos diversos serviços e especialidades de acordo com as aptidões, qualificações ou habilitações profissionais de cada um, com proveito para os próprios mancebos e para as forças armadas.
A este conjunto de jovens dos 18 aos 20 anos chamar-se-á reserva de recrutamento, que, aliás, já estava prevista na lei de 1937, e, em termos práticos, a obrigação militar que resulta para cada jovem é: ir aos locais indicados na lei no ano em que fazem os 18 anos, dar o seu nome e preencher de seguida um boletim onde indicam, entre outras coisas, as suas habilitações; em cada um dos anos seguintes, entregar um novo boletim, com o fim de corrigir a evolução das suas habilitações.
É evidente que em circunstâncias extremamente graves da vida nacional, dentro do conceito da Nação em armas, estes jovens poderiam ser chamados a prestar o serviço efectivo nas fileiras. Mas devo esclarecer, e todos percebem porquê, que uma decisão que visasse tal fim seria extremamente penosa. Que me recorde, só os Alemães, na última guerra mundial, tomaram a decisão de mandar para as linhas de combate os jovens com mais de 15 anos, quando na parte final da guerra, desesperadamente, a tentavam vencer.
Ainda me lembro bem das reacções da humanidade contra esta atitude. Lembro-me eu e lembram-se com certeza VV. Ex.ªs
Não, rapazes portugueses, fé e confiança, porque ninguém vos ama mais do que a Nação que vos acarinha e vos respeita.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A lei estabelecerá, se esta Assembleia o aprovar, e é esse o parecer da vossa Comissão de Defesa, que o serviço efectivo nas fileiras será de dois anos, e este será o tempo normal, e sublinho normal, de serviço efectivo. Esta prestação de serviço compreenderá o período de instrução e o período de praça pronta para o serviço (desculpem-me esta expressão, mas ela está generalizada entre todos os mancebos).
Quando circunstâncias de segurança e defesa nacionais e imponham, este tempo normal poderá ser prolongado por mais dois anos, dentro dos condicionamentos prescritos na lei. Para além destes dois anos, para determinadas especialidades e quadros, este período ainda poderá ser pró-

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longado segundo decisão do Ministro da Defesa Nacional. Conselho de Ministros ou até Assembleia Nacional, conforme os casos.
Mas deixemos os casos que poderei classificar de especiais e tratemos do interesse do grosso da massa recrutável, ou seja da grande maioria dos cidadãos em idade militar.
Para estes, a obrigação do serviço efectivo nas fileiras traduz-se assim:
Um indivíduo é incorporado aos 21 anos, recebe seis meses de instrução, embarca para prestar serviço numa província ultramarina e regressa ao fim de dois anos.
A duração do serviço efectivo prestado, nesta hipótese, que é a melhor, foi de dois anos e meio.
Um indivíduo é incorporado aos 21 anos, recebe seis meses de instrução, embarca para prestar serviço numa província ultramarina dezoito meses após a conclusão da instrução e regressa ao fim de dois anos.
A duração do serviço efectivo prestado, nesta hipótese, que é pior, foi de quatro anos.
Portanto, pode dizer-se que para a grande maioria dos cidadãos portugueses, o dever de defender o território nacional obriga-o a uma permanência nas fileiras de um período de tempo que pode variar entre dois anos e seis meses e quatro anos. É o que tem acontecido.
O voto que aqui teremos de formular é o de que o embarque para as províncias ultramarinas se faça o mais próximo possível do fim do período da instrução, sempre, bem entendido, de acordo com as possibilidades dos serviços militares e as necessidades operacionais.
E chego assim, Sr. Presidente, a uma conclusão fundamental para o esclarecimento dos objectivos que me propus.
A lei que estamos discutindo não traz qualquer agravamento no que respeita às obrigações militares à grande maioria dos cidadãos, em relação àquelas que eles presentemente cumprem.
Se estas obrigações se agravarem, e peçamos a Deus que tal não aconteça, não é por culpa desta lei, nem do Governo. E porque a Nação pede aos seus filhos maiores sacrifícios para a manter íntegra e una. E nós suportá-los-emos com o sublime pensamento do dever a cumprir.
Poderei acrescentar, mas não demonstrarei, para não me alongar excessivamente, que, vinda a paz, esta lei trará muito maiores benefícios aos cidadãos do que aqueles que eles tinham antes de 1961.
Finalmente o problema da reclassificação ou da reinspecção, como é mais conhecida.
Trata-se de dar às forças armadas a possibilidade de classificar de novo aqueles indivíduos que, tendo sido submetidos às provas de classificação, ou, se quisermos, de inspecção, na altura própria, foram considerados inaptos para a prestação do serviço militar.
Hesitei em trazer este assunto à discussão na generalidade, por ele não se situar no âmbito das coisas gerais, mas sim do das coisas especiais. Seria talvez melhor abordá-lo durante a discussão na especialidade.
Mas como, sem dúvida, o poder de reclassificação que se pretende conferir às forças armadas pode criar aos indivíduos que venham a ser abrangidos pela reclassificação um estado de dúvida sobre quando e até quando podem ser chamados a prestar serviço efectivo nas fileiras, e como o número e qualidade desses indivíduos também interessa à sociedade, por estas razões entendi trazer o assunto à generalidade, embora não me dispense de, na especialidade, a ele voltar, se necessário.
A reclassificação visa, essencialmente, dois objectivos: emendar anomalias ou injustiças que porventura tenham surgido durante as operações de classificação; e dar ar forças armadas a possibilidade de satisfazer as necessidades orgânicas quando lhes faltem indivíduos para determinadas especialidades.
Portanto, visa a igualdade de todos os cidadãos perante o princípio da obrigatoriedade do serviço militar e visa a satisfação de necessidades críticas das forças armadas.
Face a estes dois objectivos, não posso concordar, primeiro, que a reclassificação constitua uma disposição transitória da lei, segundo, que nela se limite a extensão da reclassificação só até aos mancebos das quatro primeiras classes das tropas licenciadas, ou seja até aos 33 anos.
As necessidades reais das forças armadas obrigam a estender a reclassificação até aos 45 anos para determinados casos e para determinadas especialidades.
A questão, Sr. Presidente, não tem qualquer importância para a grande maioria dos cidadãos portugueses e mesmo para a grande maioria dos especialistas civis de que as forças armadas possam necessitar.
Por isso a hesitação de que já falei em trazer o assunto à generalidade da discussão.
Mas como pode parecer poder excessivo a conceder ao Estado, merece análise um pouco mais pormenorizada.
Suponhamos uma necessidade crítica das forças armadas numa especialidade: por exemplo, médicos.
Em termos gerais, e sempre para ser objectivo, admitamos que organicamente é preciso um médico por companhia, ou 140 homens. Se para preenchimento orgânico de unidades que embarcam para o ultramar houver uma falta de 60 médicos no contingente anual, das duas uma, ou seguem para o ultramar sem qualquer apoio sanitário 8400 homens (60X140) ou os serviços de recrutamento terão que ir buscar os 60 médicos onde os houver.
Como ninguém deseja que o primeiro caso aconteça, por todas as razões evidentes, agravadas pelo facto de aqueles homens irem entregar a sua vida ao serviço da Pátria, resta o segundo, para o que é necessário que às forças armadas seja dado o respectivo poder da lei. E o poder para reclassificar quando e até onde for necessário.
Bem entendido que é duro, é mesmo muito duro, no conceito puramente humano, exigir a um médico, a um farmacêutico ou a um veterinário, aos 45 anos de idade, o cumprimento das obrigações militares efectivas.
Para atenuar este inconveniente é que eu antevejo a possibilidade, tal como já foi sugerido por outros ilustres Deputados, especialmente os nossos distintos colegas que hoje usaram da palavra, de, para certas especialidades, se necessário, o serviço voluntário feminino dar uma participação mais efectiva.
Sr. Presidente: Prometi ser breve, e, assim, por aqui me fico. Durante a discussão da especialidade os membros da Comissão de Defesa terão oportunidade de esclarecer outras questões sobre o delicado problema que estamos debatendo.
Não concluirei sem mais uma nota dentro dos objectivos que me propus.
As forças armadas fazem a guerra para cumprir o mais sagrado dever que a Nação lhe pode confiar: defender o que à Nação pertence. Fazem a guerra para obter a paz. Obter a paz, o mais rapidamente possível, com os meios que a Nação lhe pode dar. Não fazem a guerra pelo prazer da guerra. Não fazem a guerra subordinados a conceitos materialistas. A vida que arriscam todos os dias, na mata e na estrada, no avião e no barco, nas bases e nos quartéis-generais, não tem preço. Só a Pátria lhes pode pagar, agradecendo-lhes, enaltecendo-os, sublimando-os. E a Pátria somos todos nós. E fazem a guerra

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2258 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 123

sem ódio, como tem sido afirmado pelos altos chefes militares responsáveis, porque o ódio não entra no coração dos bons portugueses.
Muito obrigado, Sr. Presidente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Não há mais nenhum orador inscrito para o debate na generalidade e não há também nenhuma moção que vise a retirar a proposta da discussão. Nestas condições, declaro encerrado o debate na generalidade. Este continuará amanhã, à hora regimental, na especialidade.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 liaras e 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António José Braz Regueiro.
António Moreira Longo.
Artur Alves Moreira.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando de Matos.
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Hirondino da Paixão Fernandes.
James Pinto Buli.
José Alberto de Carvalho.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Pais Ribeiro.
José dos Santos Bessa.
Leonardo Augusto Coimbra.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Bui Pontífice de Sousa.
Simeão Pinto de Mesquita de Carvalho Magalhães.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
André da Silva Campos Neves.
Antão Santos da Cunha.
António Magro Borges de Araújo.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Jaime Guerreiro Rua.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Coelho Jordão.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Pinheiro da Silva.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Correia.
Manuel Lopes de Almeida.
Raul Satúrio Pires.
Raul da Silva e Cunha Araújo.

O REDACTOR - Luiz de Avillez.

Proposta enviada para a mesa durante a sessão.

Proposta de aditamento

Proponho que aos números do artigo 24.º da proposta segundo o parecer da Câmara Corporativa sejam aditados os dois seguintes números:

6.º Os alunos em condições de poderem beneficiar do disposto na alínea a) do n.º 1.º, mas que se tenham inscrito no curso superior posteriormente à época designada no n.º 2.º do artigo 12.º, para as operações e provas de classificação deverão requerer o adiamento até 30 de Novembro do ano em que se inscreverem, sustendo-se, quanto a eles, os efeitos da classificação.
7.º Fica o Governo autorizado a modificar o regime deste artigo, por efeito de um melhor ajustamento eventual, segundo as circunstâncias, para a prestação do serviço militar pelos estudantes.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 23 de Janeiro de 1968. - O Deputado, Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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