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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 129
ANO DE 1968 2 DE FEVEREIRO
IX LEGISLATURA
SESSÃO N. 129 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 1 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs. Fernando Cid de Oliveira Proença
João Muno Pimenta Serras e Silva Pereira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia. - Leu-se o expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Paulo Cancella de Abreu para se referir ao 60.º aniversário, que hoje se celebra, do regicídio; Henriques Mouta, sobre assuntos de interesse para o distrito de Viseu; Peres Claro, para chamar a atenção do Governo sobre a necessidade de se criar um instituto industrial e um instituto comercial em Setúbal, e José Manuel da Costa, que se referiu à vida e à obra dos professores da Universidade de Coimbra Mendes dos Remédios e João Maria Porto.
Ordem do dia. - O Sr. Deputado Vaz Pires efectivou o seu aviso prévio sobre o ensino liceal a cargo do Estado.
O Sr. Deputado Pinto de Meneses requereu a generalização do debate, o que foi deferido.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam as seguintes Srs. Deputados:
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António José Braz Regueiro.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
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Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Horácio Brás da Silva.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José Rocha Calhorda.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 81 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Mensagem do Congresso dos Estados Unidos do México sobre as próximas Olimpíadas.
Telegramas de congratulação pela intervenção do Sr. Deputado Augusto Simões.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Cancella de Abreu.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: Completam-se hoje 60 anos, precisamente 60 anos, após o regicídio. Data lúgubre esta, que constitui mancha inextinguível na conturbada história política da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não esquece, não pode mesmo esquecer aos sobreviventes da geração dessa época e jamais poderá deixar de ser lembrada e de amargurar os corações bem formados dos de então, dos de hoje, dos de sempre. E lugar próprio é este para ser memorada, embora pela voz humilde de um contemporâneo dos factos que antecederam o crime hediondo que cobardemente arrebatou a vida de El-Rei D. Carlos, e do Príncipe Real, seu descendente.
E de referir nesta oportunidade, embora ligeiramente, são alguns factos com aquele relacionados, seus antecedentes ou consequentes.
O ilustre escritor Dr. Rodrigues Cavalheiro publicou e comentou recentemente a expressiva correspondência trocada entre El-Rei D. Manuel II e João Franco, após a mudança de regime.
E, na substanciosa apreciação que fez da atitude do malogrado Soberano, o distinto comentador refere-se, em termos de grande realce e justos, à nobreza do seu carácter e ao modo como, nas suas cartas, Sua Majestade cala a sua enorme dor perante o assassínio do pai e do irmão e a queda da Monarquia.
Na realidade, o Senhor D. Manuel não acusa, não menciona ninguém como responsável pelo crime e pelo descalabro político posterior. Nem um só homem público, nem um conjunto que, pelos seus erros, pelas suas faltas, tornassem possíveis os acontecimentos. Limitou-se a lastimar estes e a pedir insistentemente a João Franco o seu conselho, e a esforçar-se por vencer a irredutibilidade deste, o inexpugnável ostracismo a que ele se votara após a tragédia do Terreiro do Paço.
E o que resultou da discrição do Rei e da obstinada reacção do último Presidente do Conselho de seu pai?
Resultou o enfraquecimento do Poder, que se fazia mister conservar e fortalecer; resultaram o enfraquecimento da autoridade e a lastimável atribuição de causas e efeitos a tudo e a todos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O próprio Dr. Rodrigues Cavalheiro, no . seu lúcido comentário àquela correspondência epistolar, entre El-Rei e João Franco, foi discreto, pois não quis individualizar de modo expresso um ou mais responsáveis pelos factos que, directa ou indirectamente, conduziram à queda do regime, ou melhor, ao nefasto ambiente criado devido a condenáveis processos políticos propícios para tal fim. Mesmo quanto a José Luciano de Castro, chefe do Partido Progressista, aludiu propriamente à dissidência neste Partido, da qual ele aliás não fora responsável. De resto, apesar de ser o principal visado, José Luciano de Castro, manteve-se calmo. Aguardou confiada e serenamente que a verdade se revelasse a toda a luz, isto é, que se soubesse que ele fora vencido na sua opinião expressa no sentido de que o novo chefe do Governo seguinte ao regicídio devia ser João Franco, isto é, o presidente do Governo cessante, por se lhe afigurar ser o único que não cederia perante o crime abominável, e teria força e autoridade para dominar e vencer.
Pois bem: José Luciano de Castro faleceu em 1914, e, que eu saiba, só agora, há poucos dias, só mais de meio século decorrido, esta verdade se revelou! E revelou-a a pena (autorizada do Dr. Augusto de Castro em notável artigo editorial publicado no Diário de Noticias, com a autoridade dobradamemte confirmada pela circunstância de o seu autor ser sobrinho daquele notável estadista e frequentador da soía casa, como declarou.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Em carta publicada logo no dia imediato, o Dr. Rodrigues Cavalheiro não opôs desmentido à afirmação em referência, pois limitou-se a reportar-se ao depoimento de ou trem, que este supusera exacta.
Confesso, Sr. Presidente, que me regozijou pessoalmente o artigo do Diário de Noticias, por amor à verdade, por amor à justiça e porque a realidade histórica confirmou que razão assistira a José Luciano de Castro. E, vamos lá, regozijei-me também por motivo de parentesco afim, que a ele me ligava.
Até, por sinal, a propósito desta circunstância pessoal, é curioso narrar-lhes dois pequenos episódios ocorridos comigo, que revelam um pouco a maneira de ser do Chefe Progressista.
Assim, lembro-me de que, exercendo eu as funções gratuitas de secretário do Ministro da Justiça Prof. Doutor Artur Montenegro e tendo este saído do Governo, pretendi ser nomeado delegado do Ministério Público na longínqua comarca de Mogadouro.
Porém, José Luciano comentou: «O rapazinho tem pressa! ... Pois que espere...!». E eu esperei felizmente ...
Lembra-me também de certo dia, terem sido anunciados distúrbios quando João Franco regressasse de uma viagem ao Norte. Assim sucedeu com efeito, e, quando corri a casa de José Luciano para narrar-lhe o acontecido, ele troçou de mim por ingenuamente lhe ter dito que, para escapar das balas da esquadra do Rossio, eu levantara a gola do meu casaco!...
Risos.
O Orador: - Sr. Presidente: Todos conhecemos a história dos lamentáveis acontecimentos posteriores ao regicídio e antecedentes da mudança do regime político. Seria, portanto, inútil renová-la; e nem as condições de saúde mo permitiam.
Basta recordar o facto de a queda do governo de João Franco ter redundado no regresso puro e simples do regime monárquico-liberalista, que repudiamos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Da desordem e da anarquia dominantes até ao 5 de Outubro e das que lhes sucederam até 28 de Maio basta referir como exemplo, como repugnante exemplo, as romagens sacrílegas às sepulturas dos regicidas, sem sequer ter havido quem por todos os modos impedisse tal vileza demagógica!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas há mais e pior! E muito vale também como sinal dos tempos.
São decorridos alguns anos desde o momento em que, transitando num dos grandes cemitérios de Lisboa após um funeral, deparou-se-me um espectacular jazigo, implantado ao centro da confluência de várias ruas principais, que ostensivamente se exibia à vista dos transeuntes, por mais desatentamente que seguissem o seu caminho.
E, por isso, também a mim não podia passar despercebido o espectáculo infame e revoltante que se deparava aos meus olhos.
A indignação que senti e a minha revolta foram tais que firmei logo o propósito de apresentar um protesto perante as autoridades e trazer o assunto à Assembleia Nacional; e assim fiz.
Do que se tratava, afinal?
Não é demasiado repeti-lo, até porque muitos são hoje os que não me ouviram e igual será o número dos que o ignoram ou mesmo esqueceram.
Aliás, é simples a discrição: da campa erguiam-se dois braços robustos talhados em pedra. A mão de um empunhava uma grossa corrente de ferro quebrada e a mão do outro erguia o facho simbólico tradicional.
O jazigo não indicava nomes, mas dos símbolos facilmente se depreendia que ele glorificava os regicidas. E o epitáfio gravado era este: «Aos salvadores da Pátria». Simplesmente assombroso!
Claramente, fiquei logo convencido de que o Governo da actual situação política ignorava completamente a existência daquela torpeza.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Protestei aqui e perante o Governo da Nação, mediante carta dirigida ao Prof. Doutor Carneiro Pacheco, por ser de todos os Ministros o que eu mais conhecia.
Desnecessário será acrescentar que o resultado foi eficaz: a sepultura dos regicidas foi retirada.
Mas, pensando bem e se ainda fosse possível, talvez houvesse utilidade em dar-lhe outro destino.
Existiu para aí, paredes meias com um estabelecimento creio que de ensino, um «Museu da Revolução». E pena que esteja extinto, pois, exumados os cadáveres, teria sido útil exibi-lo ali, como lição aos vindouros, de que é possível glorificar e consagrar pùblicamente o crime sob o signo de um regime demo-liberal ou demagógico.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Henriques Mouta: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Os problemas económicos, reconhece-se hoje mais do que nunca, são problemas humanos. Por isso, o interesse por eles alarga-se cada vez mais e nenhum responsável lhes pode ficar indiferente. Ora um dos sectores económicos nacionais em processo de desenvolvimento é o da pasta de celulose e de aproveitamento de partículas e fibras de madeira. A sua panorâmica actual, segundo elementos de origem, oficial, pode concretizar-se como segue. Fábricas em laboração: Caima, Cacia; Celbi e Socel, com ampliações já em curso ou previstas. Fábricas em construção ou em projecto: Vila Velha de Ródão, a concluir em 1969, e Cemil, no Minho. São unidades para fabrico de pasta celulósica. Para o aproveitamento de partículas e fibras de madeira: em laboração, Amarante, Porto, Souselas, Tomar, Nazaré e Lisboa é, para breve, Oliveira do Hospital; em projecto, três no distrito de Santarém e outras no Nordeste transmontano.
Já em 1966 saiu um despacho orientador que deve ter influenciado parte dos elementos da paisagem e perspectiva deste sector industrial. Entretanto, novos elementos de informação chegaram do recente inventário florestal. Revelou o inventário uma situação de equilíbrio entre a produção e o consumo de madeira de eucalipto e razoável margem de segurança entre a produção do pinheiro e o consumo da respectiva madeira e derivados. Não se perdeu de vista a conveniência e até possível necessidade do crescimento das unidades industriais, mesmo recorrendo à fusão delas. Pois o aumento da dimensão das empresas pode constituir condição de segurança para elas e até para a economia nacional em que se integram. E empresas com tais dimensões envolvem investimentos que se apro-
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ximam do milhão de contos ou ultrapassam mesmo este montante.
Sr. Presidente e Sr s. Deputados: Com base nestes dados e perspectivas, de feição bem positiva, e sem tirar os olhos do bem comum, a razão de ser das sociedades e governos, um recente despacho de S. Ex.ª o Secretário de Estado da Indústria sustém, por agora, a concessão de licenças para novas fábricas neste ramo industrial, depois de autorizar a instalação no distrito de Viseu de uma nova fábrica de pasta mecânica. Só a evolução conjuntural deste sector nos próximos anos - sublinha-se no referido despacho - revelará se será ou não viável alterar esta política, no sentido do ampliar o número de unidades industriais.
No citado despacho acentua-se ainda que na concessão da licença a Vasco Ferreira dos Santos para a instalação no distrito de Viseu de uma nova unidade foram tidas em linha de conta as características especiais de uma fábrica de pasta mecânica, que não comporta problemas de poluição com a gravidade dos que decorrem da utilização de produtos químicos no fabrico da pasta de celulose.
Esta circunstância reforça, na verdade, outras razões de grande peso no critério desse estadista honesto, que se determina pelo estudo meticuloso dos problemas, pelos interesses da economia da Nação e dentro de um nobre sentido de justiça. S. Ex.ª conhece, mesmo de observação directa, colhida em visitas à Beira Alta, as necessidades e possibilidades - ia a dizer direitos ... - do distrito de Viseu neste sector da sua economia.
Seria realmente escandaloso, como ainda recentemente aqui sublinhei, que a província-matriz do pinheiro visse a matéria-prima escapulir-se para fora e longe, do distrito, suportando volumosos encargos de transporte e deixando o vácuo no centro produtor, condenado à humilhação de ter de se contentar com ver e cheirar os vapores das unidades fabris que alimentava. E o recente inquérito florestal confirmou e ampliou esta perspectiva, as informações e razões determinantes da feliz decisão de ser autorizada a instalação de uma fábrica de pasta mecânica no distrito de Viseu.
Sr. Presidente: Antes de prosseguir, desejo render homenagem à larga visão de uma política económica que, ao fomentar a industrialização, conjuga com ela as necessidades dos sectores regionais da agricultura. Com efeito, no despacho de 11 de Julho de 1966, esteve presente a ideia de estimular a florestação, subtraindo às culturas arvenses as zonas da serra alentejano-algarvia e as do Nordeste. Detenho-me ainda para destacar e aplaudir a iniciativa da Federação dos Grémios da Lavoura do Nordeste Transmontano, que trabalha na instalação de fábricas (fábricas no plural...) de aglomerados de partículas e abras de madeira.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Sempre me pareceu que, se os grémios da lavoura tivessem a dirigi-los homens de iniciativa e de visão, constituiriam um forte apoio da economia local e da política nacional, provando que as críticas não cabem à instituição, quando fundadas, mas aos responsáveis, que nem sempre correspondem, por insuficiência de luz ou de vontade. E na mesma linha de pensamento - desenvolver a indústria, não com sacrifício da agricultura, mas fortalecendo as posições económicas dos proprietários rurais -, o recente despacho de 24 do corrente exige da futura empresa de Viseu que ofereça à subscrição dos proprietários rurais da zona 20 por cento do capital; que garanta ao capital subscrito pela lavoura a sua participação no conselho de administração e no conselho fiscal; que remova eventuais dificuldades de liquidez de recursos que possam inibir a participação da lavoura na realização do capital que lhe está destinado, mediante operações de crédito a realizar por organizações bancárias em colaboração com a empresa; que as acções dos proprietários rurais sejam nominativas e, nos primeiros dez anos de laboração da fábrica, só possam ser transaccionadas para outros proprietários rurais; que, nos primeiros dez anos, as elevações do capital social não alterem a posição do capital e responsabilidades sociais, em detrimento dos proprietários rurais, mas garantam o mesmo equilíbrio. São prevenções, densas de sentido social, a acautelar abusos e manobras dos mais fortes, defesa da lavoura. E merecem incondicional aplauso.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Nunca tomei nem tomarei posição contra os ricos, quem dera que muitos o fossem e cada vez mais. Mas não me calarei na defesa dos pobres, até que todos tenham pelo menos o suficiente. Nem me levantei para fazer uma dissertação académica, nem para meter foice na seara dos técnicos.
Quero, isso sim, aplaudir o sentido social de uma orienção governativa. E também congratular-me com as autoridades distritais e municipais de Viseu, por verem realizada uma aspiração que é o primeiro ou um dos primeiros passos do longo caminho a percorrer sem demora. Congratular-me e aplaudir o seu esforço e a sua perseverança, a sua serenidade, confiança e dinamismo. Congratular-me, sobretudo, com as populações da zona, sorridentes e confiadas, ao verem que, finalmente, o sol desponta e sobrepõe-se às nuvens. Depois da Enafer, já conhecida no País; da Carrasqueira, que está a levantar uma fábrica de moagem de feldspato no Mundão; da Soremo, que está a erguer uma grande unidade para sumos de fruta no Viso, e da Pextratil, que há mais de vinte anos trabalha em Fagilde, chega a nova unidade de pasta mecânica. Ao deserto começam a afluir forças para aproveitar as suas potencialidades e fazê-lo florir em promessas de vida, de melhor vida.
Desejo, muito especialmente, expressar a alegria e o reconhecimento de Viseu, em meu nome pessoal e no dos meus colegas de círculo e das populações daquela zona da Beira. E faço à moda da minha terra: Bem hajam I Bem haja o Governo. Bem haja o Sr. Secretário de Estado da Indústria.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: E já que tomei a palavra para agradecer, bem mais agradável que fazê-lo para pedir, não devo olvidar um outro benefício que Viseu acaba de receber, no âmbito da educação: a construção do Centro de Educação de Crianças Débeis Intelectuais, em duas escolas, uma para cada sexo, uma a funcionar em casa adaptada com várias e vultosas beneficiações e outra em edifício a construir, para o que foi concedida verba superior a 11 500 contos. A relevância social, humana e cristã de institutos educacionais, desta índole ou finalidade, são indiscutíveis. E até por isso não é menor nem menos sincero o reconhecimento de Viseu. Trata-se de uma obra de humanidade, de justiça social para um sector humano mais que os outros carecido de apoio, apoio que redunda em benefício do todo nacional. A S. Ex.ª o Ministro da Saúde o nosso grande obrigado! Completa-se assim o complexo de medidas destinado a ir ao encontro das necessidades das crianças e dos problemas e mesmo angústias de pais e até de professores. Digo completa-se, porque já funcionavam em Viseu, desde há anos, duas classes para crianças inadaptadas. E Viseu a vasta zona a beneficiar directamente, e indirectamente todo o País, com estes institutos, que dão às crianças, simultâneamente, prepa-
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ração literária e iniciação profissional. São caminhos de justiça, de humanidade e de progresso, onde cada passo merece ser assinalado com o devido aplauso.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Peres Claro: - Sr. Presidente: Não foi por acaso, porque nada nele aconteceu por acaso, que o parecer subsidiário da Câmara Corporativa sobre o sector da educação e da investigação do projecto do III Plano de Fomento, ao concluir a exaustiva análise das realidades e carências do nosso ensino, propôs a reorganização do ensino médio e não a de qualquer outro. E que, de facto, o desenvolvimento económico do País exige cada vez mais a presença de técnicos de nível médio, e, se entrarmos em linha de conta com as necessidades já actuais, mas sobretudo futuras, do ultramar, mais se acentua a falta que decerto irá comprometer a execução do Plano. A Câmara Corporativa debruçou-se sobre o problema com particular cuidado, reforçando o que dissera já ao apreciar o projecto do II Plano de Fomento - aliás parece que sem resultado - e acentuando agora que «a remodelação completa do ensino médio e do estatuto profissional dos respectivos diplomados (incluindo a revisão das remunerações e dos títulos) é das necessidades mais imperiosas e urgentes».
«A situação actual é conhecida - afirma-se no parecer a que me referi -: não há estabelecimentos, não há edifícios próprios, não há planos de estudos adequados, não há pessoal docente com preparação específica. Os resultados deste estado de coisas acusam-se na produtividade do ensino: a percentagem de diplomados é a mais baixa de todos os ramos, situando-se nos últimos anos na ordem dos 5 por cento; correlativamente, a das reprovações atinge aqui a sua flecha mais alta: 72,3 por cento no ensino médio comercial. O número de alunos (5015 em 1963-1964) é cerca de 25 vezes inferior ao dos que frequentaram, no mesmo ano, o ensino liceal; o número de diplomados foi 10 vezes inferior ao dos diplomados universitários. Também em 1963-1964 concluíram os seus cursos 261 engenheiros e apenas 46 agentes técnicos. Estes índices traduzem uma situação que se considera das anomalias mais graves do nosso sistema escolar e sintoma revelador da inadequação das suas estruturas às condições da vida actual.» Pois, apesar de tais resultados, mais algumas secções preparatórias para admissão aos institutos médios têm sido ultimamente criadas, fazendo crescer o número de candidatos à frequência, mas aumentando cada vez mais a percentagem das reprovações, logo na admissão, por falta evidente da capacidade dos edifícios.
No distrito de Setúbal, onde a expansão do ensino técnico profissional tem acompanhado o desenvolvimento industrial, há duas escolas com as secções preparatórias - as de Almada e Barreiro, em terras debruçadas sobre o Tejo, desaguando, pois, nesta Lisboa, onde todos os caminhos vêm fatalmente dar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Frequentam este ano a secção industrial 130 alunos e a comercial 61, ou seja percentagem superior a 10 por cento dos alunos matriculados nos cursos que lhes dão acesso. E isto sem contar os alunos que frequentam os preparatórios em Lisboa. Maior seria, porém, a percentagem se na região de Setúbal fossem criados um instituto industrial e um instituto comercial, cuja criação já aqui foi defendida pelo Sr. Deputado Elmano Alves.
Não se desconhece que a região de Setúbal constitui hoje um dos maiores centros industriais do País, com unidades como a C. U. F., a Siderurgia, o Arsenal do Alfeite e a Lisnave, a Sapec ou a Sécil, a Cometna ou a Socel, onde o número de técnicos dirigentes é bastante elevado, rodeadas de um conjunto de outras empresas, que vão desde a montagem de automóveis (cinco fábricas só em Setúbal) à preparação de tomate, abarcando todos os sectores da produção. Ás oito escolas técnicas existentes, com uma frequência, este ano, de 14 036 alunos, 9786 dos quais já em cursos profissionais, garantem a mão-de-obra especializada necessária a tão grande complexo industrial e poderiam dar aos referidos institutos, se funcionassem dentro do distrito, suficiente frequência, com o benefício não apenas da preparação de mais agentes técnicos ou de comercialistas, mas ainda de abrir a muitos mais alunos o caminho de certos cursos superiores, através do ensino técnico profissional, veículo melhor que o 7.º ano liceal para esses cursos.
O elevado número de engenheiros ao serviço das empresas existentes garantiria decerto um complemento valioso ao corpo docente efectivo.
Estou certo de que as razões apontadas não deixarão de ser tomadas em consideração na futura reforma do ensino médio e de que a região de Setúbal, cujo progresso não cessa, antes se acentua de dia para dia, não será esquecida na distribuição dos novos institutos a criar.
Sr. Presidente: Acaba de chegar ao meu conhecimento que, pela Portaria n.º 23 181, publicada em 26 do corrente, foram tornados públicos os novos programas a observar nos cursos professados nos institutos industriais. Será este o começo da reforma total que todos desejamos? O meu desejo é de que sim.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. José Manuel da Costa: - Sr. Presidente: O meu Alto Alentejo, que aqui represento, sempre ficaria em dívida para com a veneranda Universidade de Coimbra se persistisse em manter no esquecimento os nomes de dois homens ilustres ali nascidos e ambos eles servidores altos, competentes e constantes dessa gloriosa Universidade, aqui a todo o momento presente na pessoa qualificada e respeitada de V. Ex.ª e na presença de tantos Srs. Deputados que lá fizeram a sua formação intelectual.
Venho hoje referir-me aos Profs. Mendes dos Remédios, cujo centenário de nascimento passou à pouco num silêncio injusto e ingrato, e João Maria Porto, nosso companheiro de trabalho nesta Casa e que também aqui não foi louvado e recordado na medida dos seus altos méritos pessoais e reconhecido valor nacional a que é nosso dever prestar justiça e homenagem.
Não há muito, um jornal político de Lisboa disse - e eu creio que com bastante razão - ter passado na ignorância de todos e na lembrança de nenhuns o centenário do nascimento do Prof. Joaquim Mendes dos Remédios, esquecido nos ambientes culturais e nos meios políticos, e acrescentava - agora já com menos razão - que os círculos políticos acaso o tivessem voluntariamente afastado da recordação por ter sido ele o primeiro Ministro da Instrução Pública após o Movimento Nacional do 28 de Maio.
A dupla omissão cos planos da cultura e da política seria na verdade imperdoàvelmente injusta e aqui pede a minha voz licença para condenar o desleixo gravoso e para reivindicar, com muito legítimo orgulho da nossa
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comum região de origem, essa proeminente figura de mestre, de investigador, de divulgador da literatura portuguesa que foi Mendes dos Remédios, ao mesmo tempo que soube ser reitor magnífico da sua gloriosa Universidade, director da Biblioteca Geral, criador e organizador de serviços novos de. biblioteconomia, arquivística e numismática, alma dos primeiros cursos de férias e da revista Biblos, de audiência e renome internacionais.
Sr. Presidente: Não tive a honra de ser discípulo da Universidade de Coimbra e nem sequer conheci o Prof. Mendes dos Remédios; devo muito a Lisboa, que me conferiu os meus minguados graus académicos e onde tive mestres eminentes a cuja memória consagro todo o meu reconhecimento e respeito.
Mas não assim nos domínios da literatura e da história literária, pois guardo triste memória - e nisso não sou único - do modo como essas disciplinas eram ao tempo ministradas ali no velho casarão do Convento de Jesus, e como era das Faculdades de Letras do Porto e de Coimbra - aqui pela acção renovadora de Mendes dos Remédios - que nos vinha, para além do trabalho próprio, algum sentido de amor, de disciplina no trabalho, de gosto da pesquisa e até de concepção verdadeiramente nacional da nossa história literária.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Bem sei que a explosão de conhecimentos nos últimos 20 ou 80 anos tem sido assombrosa e bem diferentes são hoje os processos de trabalho, os esquemas metodológicos, os rumos de estudo, de investigação e de crítica e que mestres novos, nas três Universidades metropolitanas, cheios de saber e de competência, estão abrindo horizontes larguíssimos nesse campo primordial da nossa cultura e civilização. Mas não seja esse glorioso progresso razão bastante ou causa justificativa de um imperdoável esquecimento, precisamente nesses meios da cultura, do labor porfiado e tenaz, do trabalho de desbravamento e de seriedade intelectual de um homem que serviu em toda a sua vida, como pioneiro no seu tempo, a Universidade de que era mestre, a sua pátria e também assim aquela afastada nesga de terra alentejana da qual acolhia, com protectora generosidade, todos quantos, incertos do pão da boca, ali a Coimbra iam procurar o alimento do espírito nos clarões de saber da vetusta alma mater.
Profundamente convencido estou de que não foi um esquecimento, terá sido, sim, no tumulto dos nossos dias, um simples, mas lamentável, lapso, e creio bem que o nome de Mendes dos Remédios será relembrado e honrado pelos seus pares naquele ramo da cultura a que se consagrou u ao qual deu tão aturado saber e tão profundo trabalho de investigação, de ordenação e de divulgação, verdadeiramente excepcionais.
Quando assim não seja, aqui fica uma singela, mas sincera, evocação do seu nome e da sua obra, e para que se não diga que também o mundo da política, sempre lamentàvelmente tresvariado e ingrato, o abandonou e menosprezou, lembremos nós o primeiro Ministro da Instrução Pública do 28 de Maio, o homem saudoso do seu labor de mestre e da continuidade da sua vida universitária, que soube, no entanto, na sua efémera passagem pelo Terreiro do Paço, dar solução política e educativa a problemas urgentes e candentes da instituição universitária e da família académica, que, com suas armas de juventude e de audácia, soubera criar clima para a ressurreição da vida pública portuguesa. Penso que nesta Casa não estarei sozinho ao pôr em evidência esta gratíssima e já longínqua recordação.
Tal como o Prof. Mendes dos Remédios, também o Prof. João Maria Porto era natural do concelho de Nisa, e assim eu, ali nascido na vizinhança, sou suspeito ao traçar deles dois o elogio, tanto mais que com ambos havia relações de família, e com o Prof. João Porto tive convívio fraternal e íntimo, e à generosa amizade que ele me dispensava eu sempre correspondi com o meu respeito, o meu afecto e a minha admiração pela sua invulgar personalidade.
Mas alguma coisa em mim vai acima da minha suspeição: é o meu compreensível sentimento de patrício, o natural orgulho de nós outros, alentejanos do Norte, pelo valor e pelas virtudes de tão claras figuras e por terem elas ali recebido a vida e os dons de Deus e por termos a consciência exacta de terem sido; eles ambos, grandes servidores do interesse nacional, apaixonados cultores dos ramos do saber a que se dedicaram, discípulos e mestres da velha e gloriosa escola de que receberam a luz e reflectiram o brilho, e mais ainda do que tudo isso - servidores do homem nos seus valores do espírito, no culto da ciência e até mesmo no puro plano físico, na luta contra » morte e contra a doença, pois tal foi o caso do Prof. João Porto, que tanto apetece relembrar neste preciso momento em que todo o mundo se interessa e preocupa com esporádicas e espectaculares intervenções no campo da cardiologia.
Qualquer dos nossos ilustres colegas Deputados pelo círculo de Coimbra estaria mais do que eu qualificado para desenhar nesta casa o perfil moral e científico do Prof. João Porto, mas eles tiveram por bem deixar falar o coração onde mesmo viesse a faltar a competência. Pois eu só poderei fazê-lo na emoção da minha amizade, e satisfeito ficarei se encontrar eco de concordância nesta casa e se lá no meu Alentejo uma dúzia de bons amigos possa vir a pensar que eu falei honradamente de um homem que todos nós prezámos e respeitámos, como homem de consciência e de ciência, que podíamos fazer ombrear com um Garcia de Orta, um Amato Lusitano, um José António Serrano, de ali vizinhos e que foram figuras cimeiras no mundo da ciência médica e com repercussão internacional.
O Prof. Vaz Serra, decano da Faculdade de Medicina de Coimbra, disse, em nome da escola que dirige, que o Prof. João Porto, «como estudante, assistente, professor, director da Faculdade, director dos hospitais, clínico, cientista, sociólogo, humanista, em qualquer destas actividades tinha sempre conquistado, e ràpidamente, situações de primazia», «criara escola, fizera discípulos de que a escola legitimamente se orgulhava». Não estará aqui o verdadeiro retrato de um mestre, o autêntico perfil de um professor, o justo elogio de um homem de trabalho intelectual?
Uma grande figura da oratória sagrada em Portugal, que foi lustre deste Casa, o cónego Dr. Correia Pinto, disse algures «ser o ensino uma sobrevivência. O professor passa, o ensino fica, mas só assim era aparentemente. A palavra, o gesto, a bondade, o conselho, a lição do professor - tudo isso pela vida fora anda com o aluno, fala na alma do aluno. Tudo isso é uma voz a adverti-lo, uma luz a guiá-lo».
Pois aqui, em Lisboa, na Associação dos Médicos Católicos Portugueses, de que o Doutor João Porto foi fundador, eu julgo não magoar ninguém se disser que todos, de algum modo, se consideravam seus discípulos, na medida em que todos o consideravam mestre de ciência e mestre de humanidade. Dele disse o Prof. Mário Cordeiro:
Viveu na fé, na esperança e na caridade. Lembrar a sua figura é fazê-la viver perto de nós para rece-
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bermos o seu conforto, o seu exemplo, o seu estímulo ao serviço de Cristo e da sua igreja.
E o Prof. Ramos Lopes, no plano puro da vida científica, acrescentou:
Se no sector da cardiologia clínica e científica João Porto procurou ser homem do seu tempo, no sector da cardiologia social procurou e conseguiu ser homem do futuro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pois, Sr. Presidente, é a esse espírito de homem bom e generoso, de mestre e homem de ciência, de figura exemplar de médico e de católico, como dele disse o Prof. Toscano Rico, é a esse nosso companheiro de credo, nosso colega de trabalho nesta Câmara, meu comprovinciano dos mais ilustres e que tanto honrou e serviu e engrandeceu a sua pátria pequena, o seu Alto Alentejo, é a esse enternecido e inesquecível amigo que eu rendo esta homenagem de sentido respeito e gratidão.
E porque juntei dois homens grandes do Alentejo que alguma coisa de si mesmo deram à Universidade de Coimbra e dela, como discípulos e como mestres, tudo receberam, consinta V. Ex.ª, Sr. Presidente, que esta .homenagem nossa, desta Câmara, vá também directamente apontada à própria Universidade - o que havia de ser grato aos espíritos de Mendes dos Remédios e de João Porto -, essa Universidade aqui tão largamente representada em mestres e em alunos, como ali ao lado na Câmara Corporativa, essa Universidade que nos deu V. Ex.ª para nos presidir com a distinção com que o faz, como já nos havia dado outro grande mestre, o meu sempre lembrado e chorado amigo Prof. José Alberto dos Reis, como nos deu um aluno que ali se formou, o Dr. Albino dos Reis, que com tanta dignidade presidiu, em várias legislaturas, aos trabalhos desta casa, como nos deu como leader um homem do nível e da craveira mental do nosso leader Soares da Fonseca, essa Universidade, Sr. Presidente.
Eu ouso expor claramente todo o meu pensamento ... Anda aí, no pobre mercado das chãs políticas, um livro triste e feio - não encontro termos, nem mais feios, nem mais tristes -, livro que pretende denegrir um homem que já se elevou acima de todas as contingências e não hesita, para isso, em achincalhar e degradar uma instituição, precisamente a Universidade de Coimbra, dizendo ser opinião do comum das gentes terem lá sido educadas gerações não no sentido do progressismo justicialista - oh! a passiva complacência das palavras retumbantes! -, mas, sim, no sentido da retrogradação espiritual da . grei! O comum das gentes a pensar isto tudo.! É confrangedor, Sr. Presidente, e aqui estou eu, que não fui aluno dessa Universidade, a lembrar dois nomes sagrados na minha admiração e no meu respeito, que foram de certeza elementos de justiça e de progresso da grei e puderam sê-lo, chegando ao fim das suas carreiras sem rancores na vida e sem ódios no peito.
Nem a todos é dado viver assim caminhando para o fim; e se hoje aqui evoquei com sentida lembrança e singela saudade dois homens que partiram primeiro, fi-lo na certeza de que lhes bastou para servir a grei seguir apenas pelos nobres caminhos da inteligência, do trabalho e do saber, com um grande pedaço de amor no coração e na alma um profundo sentido de generosidade e de beleza.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vaz Pires para efectivação do seu aviso prévio sobre o ensino liceal a cargo do Estado.
O Sr. Vaz Pires: - Sr. Presidente: Quando em 1938 concluí a minha licenciatura com destino ao magistério secundário, era o ensino liceal uma actividade respeitável, a todos os títulos prestigiada e desejada por homens e mulheres. Havia muitos mais candidatos a este grau de ensino do que os que a actividade docente requeria, e pôr isso se havia determinado que a admissão ao respectivo estágio pedagógico ficasse subordinada ao preenchimento das vagas que superiormente fossem estabelecidas em cada ano e para cada grupo e que essa admissão se fizesse através do chamado exame de admissão ao estágio, para, através dele, mais facilmente se impedir que o número de professores diplomados viesse a exceder em muito as necessidades docentes e para se poder fazer a selecção dos mais aptos como convinha.
Na verdade, como já dissemos em comunicação anterior, desejava-se ser professor do liceu, desejava-se sinceramente pertencer a uma classe que gozava de prestígio evidente em toda a parte e com inteira justiça, pela importância inegável da sua actividade para a vida do País e para a valorização espiritual dos Portugueses, pela cultura especial de que dispunha e até porque o professorado liceal foi, muitas vezes, «viveiro» ao serviço do ensino superior, fornecendo-lhe elementos que, tendo honrado de modo singular o ensino secundário, vieram a ser figuras de primeira plana no ensino universitário. Assim sucedeu - para só citar nomes que a minha memória reteve - com Leonardo Coimbra, Agostinho de Campos, Hernâni Cidade, Damião Peres, Costa Pimpão e outros, que a Universidade convidou para as suas cátedras pela sua cultura, pelo- seu real valor e pelo prestígio que haviam alcançado durante o exercício do magistério liceal.
Desejava-se, na verdade, ser professor do liceu, como o prova a circunstância, aqui também já referida anteriormente, de em 1938 se terem apresentado a exame de admissão ao estágio nada menos de 37 candidatos só no 3.º grupo, número que contrasta flagrantemente com os 3 candidatos do 1965 ou com as 4 senhoras admitidas em 1967.
Nestas duas últimas décadas temos vindo a assistir a duas grandes realidades que, na sua evolução, se acompanham em contraste aflitivo, assustador: uma a todos os títulos desejável - o aumento verdadeiramente extraordinário da população escolar dos liceus, que parece não caber em parte nenhuma, prova irrefutável da consciência da necessidade de se educar e instruir; a outra verdadeiramente dramática, preocupante, ameaçadora até de toda a obra educativa - a diminuição vertiginosa do número de candidatos ao magistério liceal e a consequente redução do número de professores diplomados e a inevitável entrega da actividade docente dos liceus nas mãos de pessoas sem a habilitação legal para o exercício de tal tarefa e tantas vezes sem preparação científica ou pedagógica que as recomende para função de tão decisiva importância. Através de campanhas nacionais em boa hora levadas a cabo, ensinámos o povo a sentir a necessidade de se educar e instruir, para agora cairmos na embaraçosa situação de não lhe fornecermos professores que o ensinem.
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Este estado de coisas constitui, em nossa opinião, um dos problemas nacionais mais angustiantes, e é exactamente a preocupação que daí nos advém a verdadeira causa deste aviso prévio.
A apresentação de certos aspectos do problema do ensino liceal nesta Assembleia faço-a, pois, no melhor espírito de colaboração e com a sinceridade de quem defende, a sua própria causa, que considera de inteira justiça.
No sentido de não ferir a paciência benévola de VV. Ex.ªs, farei o possível por apresentar o problema em comunicação curta e linguagem simples, sem a preocupação do pormenor.
Não me competiria a mim, por ser obreiro desta vinha, falar da importância do ensino liceal para a vida do País, Mas para ajudar o despertar de consciências porventura adormecidas, que em muito poderão contribuir para restaurar o prestígio, seriamente abalado, do ensino liceal, eu quereria lembrar que a grande maioria - a quase totalidade - dos portugueses com tarefas de responsabilidade (fora da vida religiosa) cursou o liceu ou foi ali prestar as suas provas de exame e buscar os diplomas necessários à continuação dos seus estudos na Universidade ou que lhe permitiram a entrada nas inúmeras tarefas do funcionalismo.
Na verdade, passaram pelo ensino liceal praticamente todos os estudantes universitários e todos os diplomados por qualquer faculdade ou escola superior, isto é, os professores, os engenheiros, os médicos, os advogados, os magistrados, os farmacêuticos, os investigadores, os economistas, a grande maioria dos oficiais das forças armadas, dos jornalistas, dos arquitectos; em suma: aqueles a quem estão confiadas as tarefas de maior responsabilidade colheram os benefícios do ensino liceal ou ali se foram diplomar. O liceu tem sido, pois, a grande escola que concede o «passaporte» indispensável para o ingresso directo na vida prática, ou para a entrada na Universidade, com vista à aquisição de cultura mais vasta e mais profunda e à consequente aceitação de tareias de maior responsabilidade. Na sua grande maioria, os postos de direcção dos serviços de maior relevância na vida do País - exceptuando as tarefas religiosas, repito - estão confiados a antigos alunos do ensino liceal, a homens e mulheres que o liceu recebeu ainda crianças de 10 anos e entregou à vida ou à Universidade com 17 ou 18 anos, já com orientação definida e com o carácter modelado.
E quantos de nós, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quantos de nós fizeram a sua carreira sem passarem pelo ensino liceal ou sem aí se diplomarem? Não serão difíceis de contar.
A vida do País está, pois, dependente, em grande escala, do ensino liceal, pelo que nunca será demasiado o carinho, o amparo, a protecção, que possa dispensar-se a esta actividade, no sentido de a tornar mais fecunda, pois, o bom aluno liceal virá a ser, normalmente, o bom funcionário, o bom magistrado, o bom médico, o bom professor.
A direcção superior do ensino liceal está a cargo da Direcção-Geral do Ensino Liceal, serviço onde exercem presentemente a sua actividade um director-geral, um chefe de repartição e um grupo de funcionários de secretaria constituído por dois primeiros-oficiais, dois segundos-oficiais, quatro terceiros-oficiais, dois aspirantes e dois dactilógrafos, ao todo catorze pessoas.
Fica-se impressionado e preocupado ao comparar este pequeno número com o volume incalculável de trabalho que resulta dos problemas que, necessariamente, hão-de suscitar os 45 liceus do continente e ilhas adjacentes e as 16 secções liceais em edifícios próprios e os 2142 professores que neles ensinam e os 72 908 alunos que neles aprendem. E chega-se à conclusão, como os próprios serviços reconhecem, de que catorze pessoas, por melhores que sejam as suas qualidades de trabalho, de inteligência, de dedicação, não poderão abarcar todo o serviço de que estão encarregados.
É de esperar, pois, que desta insuficiência resulte um de dois males, a todos os títulos indesejáveis: ou o atraso inevitável do serviço, ou o sacrifício sobre-humano de todos quantos ali trabalham para manterem as suas tarefas em dia, com grave prejuízo para a saúde dos funcionários, dos quais o Estado deseja sempre colher o melhor rendimento.
Não pode adiar-se por mais tempo a revisão e o ajustamento às necessidades presentes do quadro do pessoal que há-de continuar a ter a seu cargo os serviços da Direcção-Geral do Ensino Liceal, e parece-nos imprescindível o seguinte:
Que a Direcção-Geral esteja confiada a um director-geral, com um adjunto;
Que aqueles serviços sejam divididos em três repartições: a repartição do pessoal, a repartição pedagógica e a repartição do apetrechamento;
Que em cada repartição haja um chefe de repartição e um chefe de secção;
Que ao serviço do gabinete do director-geral e das três repartições haja uma secretaria, com o pessoal que os próprios serviços considerem indispensável para o bom desempenho das tarefas de que estão encarregados.
A repartição do apetrechamento teria a seu cargo o apetrechamento dos liceus a criar e o reapetrechamento dos já existentes, para o que disporia de verba orçamental própria e significativa.
A repartição do pessoal e a repartição pedagógica encarregar-se-iam, como é natural, dos serviços agora confiados à Secção do Pessoal e à Secção Pedagógica.
O outro serviço central do ensino liceal é a Inspecção deste ensino, cuja estrutura está também muito longe de poder atingir os objectivos para que foi instituída.
Criada pela reforma de 1947, ela foi, como consta do texto legal, «provisòriamente» constituída por 1 inspector superior e por 4 inspectores. Parece que o legislador já naquela altura, com a palavra «provisoriamente», deve ter querido significar que tal constituição era deficiente e não correspondia ao seu desejo. Pois bem: aquele carácter «provisório» que lhe foi dado à nascença tem já mais de 20 anos de idade, mantendo, pois, a mesma constituição no fim de um longo período durante o qual o número de liceus passou de 39 para 45 e 16 secções liceais, o número de professores em serviço passou de 809 para 2142 e o número de alunos passou de 18 316 para 72 908. A Inspecção do Ensino Liceal mantém a sua constituição inicial e o mesmo processo de trabalho, até com a obrigação para os 4 inspectores de uma ausência de Lisboa durante 20 dias em cada mês. E esta circunstância prejudica notavelmente toda a actividade burocrática a cargo dos inspectores - a apreciação dos relatórios, da distribuição do serviço docente e dos horários de todos os liceus; o registo do rendimento do ensino em cada liceu e em relação a cada professor; a elaboração dos mapas estatísticos sobre o rendimento do ensino; a classificação do serviço de todos os professores do 1.º ao 9.º grupo, além da organização de inquéritos, da elaboração dos pontos para exames, ou
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da orientação desse trabalho, e ainda estudos a que se torna necessário proceder sobre os mesmos.
Se um corpo de 4 inspectores, além do inspector superior, era considerado solução «provisória» para tratar de problemas de 39 liceus e 809 professores, como poderão realizar bom trabalho esses mesmos inspectores se os liceus passaram a ser 45 e mais 16 secções liceais e os professores 2142?
Torna-se, pois, imprescindível e inadiável reestruturar a Inspecção do Ensino Liceal, o que, em nosso entender e até no dos próprios serviços, poderia fazer-se do seguinte modo:
Além do inspector superior, que exerceria o- seu cargo como titular, e não em comissão de serviço, haveria um inspector para cada grupo;
A permanência dos inspectores na sede da Inspecção ou as visitas a liceus fora de Lisboa seriam determinadas pelo inspector superior, de acordo com as necessidades e conveniências do serviço, sem que os inspectores, para terem direito à gratificação mensal que lhes é atribuída, fossem obrigados a ausentarem-se de Lisboa vinte dias em cada mês.
É que a boa marcha dos serviços que têm de realizar-se na sede da Inspecção não é, de modo algum, compatível com a ausência forçada dos inspectores durante duas terças partes do seu tempo de trabalho. For outro lado, a ausência dos inspectores durante 20 dias em cada mês há-de, necessàriamente, lançar sobre o inspector superior, que se mantém na sede, tal soma de trabalho que um homem só não pode, de modo algum, abarcar e que, além disso, o impedirá até de realizar a sua própria função directiva.
Actualizar o quadro da secretaria da Inspecção, adaptando-o às novas exigências do serviço, de acordo com as sugestões que a própria Inspecção deva fazer.
Como se sabe, a população escolar liceal distribui-se por liceus de frequência masculina, por liceus de frequência feminina e por liceus de frequência mista. Há 10 liceus masculinos, 8 liceus femininos e 28 liceus mistos (12 com secção feminina e 16 sem secção feminina).
Os quadros docentes dos liceus masculinos são constituídos exclusivamente por professores; os quadros dos liceus femininos são constituídos só por professoras; os quadros dos liceus mistos são constituídos por professores e professoras se o liceu tem secção feminina, ou só por professores se o liceu não tem secção feminina.
As professoras podem ensinar em todos os liceus masculinos, femininos ou mistos; os professores só podem ensinar nos liceus masculinos e nos liceus mistos.
Tem-se notado, nos últimos anos, uma tendência - aliás muito louvável, por ser justa - no sentido de aumentar o número de secções femininas em liceus de frequência mista, mas ainda temos 16 liceus mistos sem secção feminina.
Ora, a população escolar dos nossos liceus - refiro-me aos do continente e ilhas adjacentes - tem mais raparigas do que rapazes - num total de 72 908 do ano escolar em curso há 35 004 rapazes e 37 904 raparigas, portanto, mais 2900 raparigas do que rapazes, e em cada liceu misto, com ou sem secção feminina, há também mais raparigas do que rapazes.
Em nossa opinião, todo este sistema de trabalho poderia ser mais simples e mais justo:
Solução A - Todos os liceus poderiam ser mistos, isto é, com secção masculina e com secção feminina; neste caso, haveria em cada liceu um reitor, um vice-reitor, uma vice-reitora, um quadro docente masculino e um quadro docente feminino. Professores e professoras poderiam assim efectivar-se em todos os liceus do País, uns e outras nas respectivas secções.
Solução B - No caso - mais provável, aliás - de ter de haver liceus masculinos, liceus femininos e liceus mistos, então os quadros docentes seriam, como agora, constituídos só por professores nos liceus masculinos e só por professoras nos liceus femininos; mas, quanto aos liceus mistos, todos eles deveriam ter secção masculina e secção feminina, isto é, em todos deveria haver um quadro de professores e um quadro de professoras independentes um do outro; tais liceus, dirigidos por um reitor, teriam sempre um vice-reitor e uma vice-reitora.
Possibilitar a efectivação de senhoras em todos os liceus mistos seria uma atitude de justiça para com elas, já porque a população liceal feminina é superior à masculina, já porque as senhoras procuram, em muito maior grau que os homens, o exercício da actividade docente liceal.
Importa também que, de acordo com o mapa escolar liceal do País, se dê satisfação às necessidades culturais da população das várias zonas e se proceda à criação urgente de outros liceus em localidades que os não tenham e noutras onde os liceus existentes tenham uma população escolar excessiva (superior, por vezes, ao dobro da normal).
O curso liceal completo, como todos sabem, tem a duração de sete anos e está dividido em três ciclos - 1.º ciclo: 1.º e 2.º anos; 2.º ciclo: 3.º, 4.º e 5.º anos; 3.º ciclo: 6.º e 7.º anos - , designando-se por curso geral, os dois primeiros ciclos e por curso complementar o 3.º ciclo. Durante os primerios cinco anos, isto é, durante o curso geral, os alunos deverão adquirir cultura geral em grau suficiente para poderem ingressar no funcionalismo ou para poderem prosseguir os seus estudos no curso complementar dos liceus ou em cursos de ensino médio. Por isso, neste ciclo o regime de ensino é o regime de classe, por ser o que mais se adapta à aquisição de uma cultura geral. O 3.º ciclo tem de ser de índole diferente: como os alunos que frequentam o 6.º e 7.º anos pretendem, geralmente, ingressar nas Universidades, o curso complementar dos liceus é essencialmente um curso preparatório do ensino superior, tem de ter carácter pré-universitário, como a lei estabelece, e o regime de disciplina é o mais apropriado ao fim em vista.
Com a entrada em funcionamento do ciclo unificado ou ciclo preparatório do ensino liceal e técnico, já decretada para o ano lectivo de 1968-1969, deixará de fazer parte do curso liceal o que até agora tem sido chamado 1.º ciclo, isto é, o 1.º e 2.º anos. Como ainda não temos conhecimento dos programas respectivos, nem do grau de cultura e preparação pedagógica dos professores que irão encarregar-se do ensino nesse ciclo preparatório, não sabemos, das vantagens ou dos possíveis inconvenientes da sua implantação. Todavia, quem procedeu a estudos sobre o problema e quem se decidiu pelo estabelecimento do ciclo preparatório há-de, certamente, ter colhido dados convincentes e há-de ter chegado à conclusão de que tal modificação no plano de estudos trará reais vantagens sobre o sistema até agora em vigor.
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Limitar-nos-emos, pois, a desejar muito sinceramente que o curso preparatório venha a ser exacta e verdadeiramente um curso preparatório do ensino liceal, isto é, que os alunos saídos desse curso tenham preparação bastante para ingressarem com à-vontade no ensino propriamente liceal.
Quanto à estrutura do que agora se chama 2.º ciclo (3.º, 4.º e 5.º anos), não vemos grandes possibilidades de modificação profunda para melhorar o que está estabelecido, a não ser em dois pontos: essenciais: consideramos imprescindível que o estudo da língua latina se faça a partir do início desse ciclo - do actual 3.º ano - e que se intensifique e aperfeiçoe o estudo da língua portuguesa, para o que o conhecimento do latim contribuirá em grande escala.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A ausência do estudo do latim do 2.º ciclo foi, a nosso, ver, o ponto fraco da reforma de 1947, e os vinte anos de experiência autorizam-nos a fazer esta afirmação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Também seria de toda a vantagem que jovens que, frequentando o 2.º ciclo liceal, pretendem poder dispor de cultura geral razoável adquirissem noções mais precisas sobre a história da arte.
Quanto ao resto, tornar-se-ia necessário retirar dos programas de algumas disciplinas certos pormenores perfeitamente dispensáveis, os quais, porventura, dificultam a aquisição das noções gerais que interessam e roubam tempo que poderia aproveitar-se com maior vantagem.
Esperamos que as comissões que vierem a ser encarregadas, mais cedo ou mais tarde, da revisão dos programas tenham esse cuidado e que se preocupem com a simplificação, no sentido de se poder dar satisfação a esta necessidade absoluta: os alunos nunca deveriam ter nas disciplinas do 1.º ao 9.º grupo mais de 24 aulas semanais - o que, aliás, já sucedia pela reforma de 1936. E que a nossa experiência nos manda dizer que, sendo impraticável a construção de edifícios liceais em número suficiente para aceitar todos os alunos que procuram este ensino, haverá cada vez mais necessidade de montar os serviços com desdobramentos, o que só será possível se as salas de aula forem ocupadas por uns alunos durante o período da manhã e por outros alunos durante o período da tarde: as 6 manhãs dos dias úteis da semana, com 4 aulas cada uma, possibilitarão um total de 24 aulas semanais, sucedendo outro tanto com as 6 tardes.
A organização do serviço docente dos liceus em regime de desdobramento, que sabemos repugnar a muita gente, não tem só os inconvenientes que essas pessoas lhe reconhecem; tem também consideráveis vantagens que a tornam perfeitamente aceitável:
Os alunos dispõem das tardes ou das manhãs para o seu trabalho pessoal, para as actividades circum-escolares do seu agrado ou para o convívio com os seus familiares;
Podem organizar-se turmas mais pequenas, o que é a todos os títulos vantajoso para os alunos, para os professores e para o rendimento do ensino;
Torna-se desnecessário invadir os gabinetes com a instalação de turmas, garantindo assim que eles tenham vida independente e possam servir para as aulas e trabalhos especiais a que se destinam;
Os professores poderão ter todo o seu trabalho docente localizado ou no período da manhã ou no período da tarde, dispondo assim da outra parte do dia para outros trabalhos inerentes à sua função e à actualização dos seus conhecimentos;
Os alunos poderão, normalmente, almoçar em casa com a família, ficando menos dispendiosa a sua vida escolar;
E, enfim, uma solução extraordinariamente barata para o Estado, visto que a mesma reitoria, a mesma secretaria, o mesmo mobiliário, os mesmos gabinetes, o mesmo edifício, servirão uma população escolar que, fora do regime de desdobramento, exigiria dois liceus independentes.
Quanto ao 3.º ciclo - 6.º e 7.º anos -, para além de uma revisão cuidada dos programas no sentido de os actualizar e de os adaptar a certas necessidades respeitantes à montagem do serviço docente e para além de certos retoques respeitantes ao número de horas semanais destinadas a cada disciplina, não vemos necessidade nem conveniência na introdução de modificações profundas. E preciso que não se perca de vista o facto de que o 6.º e 7.º anos constituem um curso preparatório da Universidade; tudo está estruturado nesse sentido, e assim deverá ser. Por isso, embora saibamos que a diversidade de alíneas - nada menos de oito - em que estão divididos estes cursos perturba o sossego de muitos, damos o nosso inteiro apoio a essa diversidade, exactamente porque, para nós, o curso complementar dos liceus é, - como a própria lei determina, pré-universitário, e quanto mais próximos estiverem um do outro os dois cursos e quanto mais directa e mais suave for a transição do primeiro para o segundo, tanto mais fácil será a tarefa dos alunos.
Daí a presença no 6.º e 7.º anos das disciplinas de Grego, de Francês, de Inglês, de Alemão, de História e de Desenho, que a reforma de 1936 lamentavelmente não incluía. Se não houvesse a divisão das várias disciplinas em grupos, de acordo com o curso superior que o aluno pretende seguir, teria de desaparecer do currículo número considerável de disciplinas e então o curso complementar dos liceus deixaria de ser aquilo que ele deve ser essencialmente - um curso preparatório da Universidade. Seria, pois, descabido retirar do curso complementar dos liceus qualquer das disciplinas que ali se ensinam, a não ser que o liceu quisesse perder a sua característica de escola preparatória da Universidade e quisesse condenar os seus alunos a fazerem, em várias disciplinas, uma preparação à toa, indesejável, fora da escola. Ora a Universidade já se queixa tanto da preparação dos alunos que os liceus lhe mandam! ... Que sucederia então?
E aqueles que vêem com maus olhos a existência dos oito grupos de disciplinas no 6.º e 7.º anos, por causa das dificuldades na elaboração dos horários, sabem muito bem que podemos ter as oito alíneas numa só turma e organizar um horário para ela.
Com a criação do ciclo preparatório, o ensino liceal deixa de ter ligação directa com o ensino primário, mas em nada se altera a ligação directa com a Universidade.
A este respeito, confessamos que seria muito do agrado do ensino liceal que a Universidade confiasse mais nas virtudes do ensino pré-universitário e dispensasse todos os alunos do exame de aptidão.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Na verdade, se o liceu é a única escola que prepara os alunos directamente para a Universidade, não vemos qualquer justificação para a existência deste exame.
Aliás, o legislador da nossa reforma de 1947 - da reforma que ainda está em vigor - escreveu: «A matrícula em cada um dos cursos superiores depende de aprovação nas seguintes disciplinas do 3.º ciclo ...» (e seguem-se as disciplinas - artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 36 507); e mais adiante: «As disciplinas que constituem habilitação para a primeira matrícula nos diferentes cursos superiores são as indicadas no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 36 507.»
O facto de se ter escrito: «A matrícula em cada um dos. cursos superiores depende de aprovação nas seguintes disciplinas do 3.º ciclo» e «as disciplinas do 3.º ciclo que constituem habilitação para a primeira matrícula nos diferentes cursos superiores são as constantes do artigo 5.º ...» - repetimos de propósito - levou o pobre ensino liceal a acreditar que a aprovação no 7.º ano dava direito à matrícula na Universidade - acredita-se facilmente naquilo que se deseja! - e manifestou o seu contentamento. Todavia, este pouco duradouro, porque logo a Universidade deu uma interpretação última ao assunto, dizendo que a aprovação no 7.º ano é condição necessária, mas não suficiente, para o ingresso na Universidade, e assim ficou.
Quanto a nós, nem tal interpretação estava no espírito do legislador, nem o ensino liceal soube defender a sua «dama», a não ser que as palavras tenham - o que eu admito - qualquer significado fora do meu alcance. Ora vejamos:
Se está escrito que as disciplinas do 3.º ciclo constituem habilitação para a matrícula nos diferentes cursos superiores, parece que os que possuem aquelas disciplinas estão habilitados a matricular-se nesses cursos, pois se fala em habilitação para a primeira matrícula, e não em habilitação para o exame de aptidão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Simplificando: se eu tiver, por exemplo, um documento do qual possa afirmar que este documento me habilita a entrar nos museus, posso ou não posso entrar?
O que é certo, todavia, é que o exame de aptidão se manteve, com grande desgosto para o ensino liceal, e certamente para os alunos que têm de passar por mais essa prova; e tal exame, se o liceu cumprir bem o seu dever, é absolutamente dispensável.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esperemos que a boa vontade dos homens os leve à perfeita compreensão de que o exame de aptidão constitui para o aluno a violência de um segundo exame dentro do mesmo mês e sobre as mesmas disciplinas em que já foi examinado e aprovado, e que a dispensa desse exame viria, por um lado, aliviar a tarefa do estudante, e, por outro lado, prestigiar o serviço do liceu, que assim entregaria aos seus finalistas diplomas dignos de crédito para todos os efeitos, até para a Universidade, que é a única entidade que não acredita na preparação dos rapazes e das raparigas que concluíram o curso dos liceus com nota inferior a 14 valores.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É estranha esta atitude da Universidade para com o liceu, única escola que lhe prepara os alunos. Temos a esperança - repetimos - de que. quando o plano de estudos do ensino liceal puder ser revisto, a situação será esclarecida e esta deficiência remediada.
Nos liceus, para além da aprendizagem dos assuntos constantes dos seus programas específicos, os alunos têm ainda outras actividades - as chamadas actividades círcum-escolares -, cuja organização está a cargo cio Centro de Actividades Circum-Escolares existente em cada liceu e de que é director o reitor respectivo. A prática dessas actividades, que devem ser escolhidas com critério, de acordo com as possibilidades do Centro, deverá ter como finalidade completar a acção da escola no sentido de dar aos jovens formação mais perfeita, mais completa, de modo a fazer deles os verdadeiros homens de amanhã, na consciência do cumprimento do dever, no respeito pelo semelhante e pela autoridade e no amor de Deus, da Pátria e da Família; e de modo especial no sentido de afervorar em toda a juventude o amor da Pátria e o espírito de sacrifício por ela, onde quer que ela exija esse sacrifício, para que todos os jovens se sintam parte integrante de uma grande organização nacional patriótica de juventude que saiba galhardamente seguir o exemplo dos que diariamente oferecem a sua vida, lá longe, para que a Pátria possa continuar a viver.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como já dissemos anteriormente, os liceus do continente e ilhas adjacentes são frequentados r o ano lectivo em curso por 35 004 rapazes e 37 904 raparigas, num total de 72 908. Esses alunos, ao contrário do que sucedia outrora, provêm hoje de todas as camadas sociais, desde as mais humildes às mais abastadas, e encontram-se dentro do liceu em convívio simpático e natural, o rico com o pobre, o que còmodamente se desloca no seu automóvel com o que vem de longe e a pé. Esse convívio, que apreciamos e louvamos, não provoca, geralmente, quaisquer problemas, antes cria em todos os hábitos de amizade e de compreensão, que contribuem de modo notável para a formação do carácter. Também o aumento crescente da população escolar dos liceus é sinal de progresso, porque através dele se prova que há mais vontade de aprender e mais horror à ignorância. Ora, a escola deve ser como o Sol, que quando nasce é para todos. Por isso, devemos procurar alcançar os meios e as circunstâncias que nos possibilitem aceitar todos os alunos que procuram o nosso ensino, para o que, aliás, já anteriormente fizemos algumas sugestões.
Fundamentalmente, os alunos frequentam as escolas para receberem educação e instrução, isto é, para que, uma vez concluído o curso, tenham carácter bem formado que os torne cidadãos bons e disponham de conhecimentos que os façam competentes nas funções que vierem a exercer. A sua primeira actividade como alunos é a frequência regular das aulas, só devendo faltar por motivos inevitáveis.
Pois o regime de faltas em vigor consente que qualquer aluno, bom ou mau, dê três semanas de faltas, praticamente sem consequências que vão além da perda das aulas a que não assiste, mas determina a perda de ano para qualquer aluno, bom ou mau, que dê mais de seis semana; de faltas (já que o conselho disciplinar tem competência para relevar as faltas correspondentes a três semanas quando se trate de alunos com aproveitamento positivo).
Estão aqui, em nosso entender, dois defeitos que gostaríamos de ver eliminados: achamos demasiado o número de faltas que os alunos podem dar pràticamente sem consequências - o que representa um convite à falta - e consideramos demasiado restrita a competência do conse-
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lho disciplinar nesta matéria. Apreciaríamos que o pripara relevar as faltas correspondentes a três semanas e que o conselho disciplinar passasse a ter competência para relevar as faltas correspondentes a seis ou oito semanas, pois, de contrário, um aluno, mesmo que seja distinto, terá de perder o ano se contrair doença que o mantenha afastado das aulas por um período superior a seis semanas, o que nos parece violento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como todos sabem, os alunos internos dos liceus estão sujeitos a um exame no fim de cada ciclo. Todavia, quando a média final em cada uno do 1.º e 2.º ciclos não for inferior a 14 valores e não houver durante o ciclo qualquer nota negativa, o aluno é dispensado da prestação das provas de exame.
Agora é o próprio liceu que parece confiar só ria preparação, dos alunos aos quais atribuiu a classificação final de 14 valores. Discordamos inteiramente desta determinação legal o entendemos que um aluno interno que tenha tido média geral de 12 valores durante o 2.º ciclo (o 1.º ciclo deixará de estar em causa) pode, sem receio, ser dispensado do exame.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Do mesmo modo, o aluno interno ou externo do 2.º ciclo que, admitido a exame, obtenha nas provas escritas a média de 12 valores pode ser dispensado das provas orais, como deve ser dispensado destas provas em cada disciplina o examinando do 3.º ciclo que obtenha 14 valores na prova escrita ou na média das provas escrita e prática. Alunos nestas circunstâncias só deverão prestar provas de exame ou provas orais se eles próprios o requererem com vista à melhoria de nota.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Gostaríamos também de ver eliminada a «deficiência» dos exames do 2.º ciclo. Nada tem que justifique.
Parece-nos também completamente fora de actualização o regime de concessão de isenção de propinas e de bolsas de estudo. Na verdade, nestes tempos em que a acção social escolar tanto preocupa dirigentes e dirigidos, bem desejaríamos que o número de alunos a beneficiar de isenção de propinas passasse de 10 por cento para 20 per cento da população total de cada liceu u que a carência de recursos a que se refere o artigo 317.º, n.º 1, do Estatuto fosse calculada sobre outras bases. Em nossa opinião, o citado n.º 1 daquele artigo deveria passar a ter a seguinte redacção:
Entende-se, para o efeito de concessão do isenção, que os pais dos requerentes não têm recursos suficientes para a educação dos filhos quando a soma dos seus rendimentos líquidos e dos filhos menores e dos maiores, enquanto estudantes, deduzida a quantia de 4000$ atribuída a despesas forçadas do casal, seja inferior ao produto do número dos filhos, nas circunstâncias atrás apontadas, por 700$, ou por 1400$ se a residência dos pais for a tal distância da sede do liceu que não permita a vida dos filhos em casa deles.
Ainda quanto à concessão da isenção de propinas, repugnaria a alguém que os filhos dos professores dos liceus beneficiassem da isenção de propinas, como sucedia antes de 1947?
Também o regime da concessão de bolsas de estudo estabelecido pela reforma de 1947 está perfeitamente antiquado.
Em 1932-1933, quando era aluno do 7.º ano do liceu, foi-me concedida uma bolsa de estudo de 3000$, pagos durante 10 meses em prestações de 300$; 15 anos mais tarde, em 1947, a nossa reforma estabelece que sejam concedidas 50 bolsas de estudo de 3000$, pagas em 10 prestações mensais de 300$; passados mais 20 anos, isto é, no ano lectivo corrente, as bolsas de estudo que o Ministério da Educação, concede a alunos liceais, embora estes sejam quatro vezes mais do que em 1947, continua a ser 50 e cada bolsa continua a ser de 3000$, paga em dez prestações mensais de 300$. E para um aluno poder ter este benefício precisa de ter carência de recursos e ser distinto, isto é, ter passado no ano anterior com a média final mínima de 16 valores.
Pois bem: os 300$ mensais de 1933 representavam um benefício incomparàvelmente superior aos 300$ de 1967, pelo que o quantitativo das bolsas de estudo tem de ser actualizado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, há entidades estranhas ao Ministério da Educação Nacional que concedem bolsas de estudo a alunos liceais. Essas entidades dão bolsas de estudo que atingem somas muito superiores e só exigem para isso, além de certas circunstâncias económicas dos pais, a nota final de 14 valores obtida pelo candidato no ano anterior. Em nosso entender, as bolsas de estudo a conceder pelo Ministério da Educação Nacional a alunos liceais, uma vez verificada a carência de recursos calculada como para a concessão de isenção de propinas, deveriam passar de 50 para 200, o quantitativo de cada bolsa deveria passar de 3000$ para 8000$, isto é, de 300$ para 800$ mensais, e a classificação mínima deveria passar de 16 para 15 valores.
Ainda quanto à assistência social a dispensar aos alunos dos liceus, para além dos benefícios da isenção de propinas e bolsas de estudo e para além dos benefícios, aliás muito significativos, concedidos através da acção social escolar pelos centros de actividades circum-escolares, todos os alunos dos liceus, pelo facto de estarem matriculados, deveriam gozar de um seguro social.
Para a defesa da saúde física e moral dos alunos é, a todos os títulos, indispensável a presença constante do médico escolar em cada liceu. Na verdade, a evolução física e fisiológica dos alunos, de modo especial, no período que decorre entre os 12 e os 18 anos, deve ser permanentemente acompanhada, como deve ser constantemente defendida a sua saúde física e moral.
Verificando-se que o número de médicos escolares em serviço nos liceus do País é francamente insuficiente para o número de alunos matriculados, torna-se necessário conquistar médicos para o exercício da medicina escolar, criando-lhes mais fáceis condições de acesso, melhores condições de trabalho e remunerando com justiça o seu serviço.
Em nossa opinião, cada liceu deve ter um médico escolar para cada milhar de alunos ou fracção, devendo ser sempre coadjuvado por uma visitadora, também devidamente remunerada, que, além das visitas domiciliárias aos alunos, às quais deverá proceder no sentido de melhor se acautelar a sua saúde moral, auxilie o médico escolar nos trabalhos de maior volume: registo de observações, vacinações, curativos de urgência e pri-
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meiros socorros. Parece-nos de toda a vantagem que a visitadora tenha sempre um curso de enfermagem.
Portugal tem actualmente, em número considerável, edifícios liceais de primeira plana: amplos, de boa construção, com dependências espaçosas, bem situados e dotados de todos os gabinetes, instalações e requisitos exigidos para o ensino.
E de justiça, pois, deixar aqui registada uma palavra de sincero apreço ao Ministério da Educação Nacional, ao Ministério das Obras Públicas e, de modo particular, à Junta das Construções para o Ensino Técnico e Secundário, que neste campo, como em muitos outros, têm levado a cubo excepcionais realizações.
Não são já muitos os liceus do continente e ilhas adjacentes que possam considerar-se mal instalados, a viver em casa imprópria e mal situada, como outrora era uso e costume. Temos até construções liceais de primeira qualidade, de belo traçado, elegantes e robustas, nas quais, por vezes, o granito e o mármore se encontram em harmonia perfeita, construções que nasceram para ficar, para cumprirem o seu destino pelos anos fora e até para perpetuarem a memória de quem com tanta felicidade as concebeu e realizou.
Todavia, embora através dos edifícios em construção e dos que o Ministério espera ver iniciados em 1968 possamos concluir que se caminha a passo firme e decidido para melhorar as instalações do ensino liceal, não foi ainda possível dar a todos os liceus uma casa nova, nem criar liceus em número suficiente para aceitar em regime normal todos os alunos que os procuram; tão-pouco isso se nos afigura fácil, como consequência do elevado custo dos edifícios e mobiliário respectivo e também do aumento sempre crescente da população escolar liceal.
De modo geral, cada edifício, além dos compartimentos destinados à administração escolar, aos professores e aos encarregados de educação, além dos campos de jogos e das dependências destinadas aos alunos durante os intervalos das aulas, dispõe sobretudo de salas de aula, de gabinetes (geografia, ciências naturais, biblioteca), de laboratórios (física e química) e salas especiais (desenho, trabalhos manuais, canto coral, educação física, lavoures). Em regime normal de trabalho cada turma deverá ter a sua sala própria e deverá ter nessa sala todas as aulas que não são consideradas aulas especiais, e estas nos gabinetes e salas destinados a esse fim.
Ora, como já dissemos acima, não tem sido possível aceitar nos liceus, em regime normal de trabalho, todos os candidatos à matrícula, pelo que se tem seguido um de dois caminhos: algumas reitorias têm-se visto obrigadas a utilizar como salas de aula gabinetes, anfiteatros, salas de estar e outros compartimentos geralmente impróprios para tal fim, o que se nos afigura inconveniente, por um lado, porque assim fica impedida a actividade normal dos gabinetes - o que é prejuízo considerável -, por outro lado, porque muitos alunos ficam durante um ano inteiro mal instalados e em condições deficientes de trabalho, o que há-de reflectir-se necessàriamente no rendimento escolar; ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... outras reitorias, sentindo como aquelas a necessidade do melhor aproveitamento dos edifícios, mas tendo em vista respeitar a vida dos gabinetes e a boa instalação dos alunos, adoptaram outra solução: montaram o serviço docente em regime de desdobramento e assim duplicaram a capacidade do edifício.
Para nós - repetimos -, quando um liceu tivesse em número razoável mais candidatos à matrícula do que aqueles que pudesse aceitar em regime normal, deveria funcionar sempre com desdobramento - é uma experiência de oito anos que nos manda fazer esta afirmação -, pois se trata de uma solução prática, simples e económica, que, aliás, outros países vêm adoptando como nós há já alguns anos.
As secções liceais, isto é, as ramificações de liceus com funcionamento fora da sede em outra zona ou em outra localidade, mas sem autonomia administrativa nem pedagógica, têm sido, em muitos casos, a semente de novos liceus. Com elas se tem resolvido o problema do excesso da população escolar de alguns liceus ou se tem dado satisfação a aspirações de certas cidades e vilas, que assim vêem enriquecida a sua vida local com mais uma instituição de grande interesse.
O estabelecimento de tais secções liceais, mesmo com a criação do ciclo preparatório do ensino secundário, que chegará a todas as localidades mais importantes do País, deverá constituir a 1.ª fase da criação de liceus nas localidades que deles tenham necessidade: é também uma solução simples, prática e económica, até pelas facilidades de instalação que as câmaras municipais costumam conceder para o efeito.
A palavra «secção», todavia, usa-se também dentro do ensino liceal com outro significado. Há liceus mistos com secção feminina e liceus mistos sem secção feminina. A secção feminina dos liceus mistos é fundamentalmente a existência, no mesmo liceu de um quadro docente feminino ao lado do quadro docente masculino. Representa, pois. a possibilidade de as professoras se poderem efectivar nos liceus mistos.
Como já também referimos anteriormente, esperamos que, uma vez que no ensino liceal há mais raparigas do que rapazes e uma vez que a actividade docente liceal é procurada em maior escala pelas senhoras do que pelos homens, todos os liceus de frequência mista passem a ter um corpo docente que comporte um quadro masculino e um quadro feminino.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quanto ao material didáctico dos liceus, que deveria satisfazer sempre as necessidades do ensino em quantidade e em qualidade, julgamos necessário que ele esteja sempre actualizado e que se proceda a essa actualização de cada vez que os programas liceais sofram as alterações periódicas que se tornem indispensáveis.
O material didáctico representa papel da máxima importância na actividade decente, uma vez que se pretende - e está certo - que o ensino seja cada vez mais baseado na observação e na experiência. Com a criação de novos liceus e ampliação de outros, com o estabelecimento de secções liceais, com a revisão dos programas, o problema do apetrechamento e reapetrechamento em material didáctico é constante, o que exigirá uma actividade também sem interrupções. É por isso que, em nosso opinião, como também já dissemos, seria de toda a vantagem criar na Direcção-Geral do Ensino Liceal a Repartição do Apetrechamento, com verba orçamental própria e expressiva, para o apetrechamento dos liceus novos e o constante reapetrechamento dos liceus já apetrechados.
Nos liceus, a administração das verbas orçamentais que lhes são destinadas para fazer face às diversas despesas - despesas com pessoal, aquisição e conservação de móveis, conservação do edifício e suas dependências, expediente, comunicações, transportes, etc. - está a cargo de um conselho administrativo, que é presidido pelo vice-
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-reitor e do qual fazem parte o secretário do liceu e um director de ciclo. O tesoureiro do conselho administrativo é o chefe da secretaria, que assiste a todas as reuniões do conselho, assina todos os documentos de despesa, efectua todos os pagamentos autorizados e sobre quem recai, normalmente, o encargo de manter em dia todos os livros respeitantes à administração das verbas orçamentais a cargo do liceu e a organização do processo da conta anual que o conselho administrativo tem de submeter a julgamento do Tribunal de Contas.
Além disso, o chefe da secretaria tem praticamente a responsabilidade de toda a actividade complexa da secretaria do liceu, representada por quinze espécies diferentes de livros e sete espécies diferentes de arquivos, desde a matrícula dos alunos internos e externos até ao inventário dos móveis e material do liceu. É, pois, um funcionário a quem a própria lei atribui funções de grande responsabilidade e que exerce o seu cargo auferindo o vencimento da sua categoria de funcionário - primeiro-oficial, segundo-oficial ou terceiro-oficial -, obrigado a caução nos dois primeiros casos e sem qualquer gratificação de chefia. É coadjuvado no exercício da sua actividade pelo pessoal da secretaria, um pequeno grupo de funcionários que normalmente é obrigado à prestação de horas de trabalho para além das horas normais de serviço para que se possam manter em dia, aliás com considerável sacrifício, as tarefas de que estão encarregados.
As secretarias dos liceus têm cada uma um quadro privativo de funcionários, na maioria dos casos estabelecido já em 1947, hoje em perfeita desactualização. São quadros francamente diminutos em comparação com o serviço que têm a seu cargo, pelo que precisam de ser urgentemente revistos e ampliados de acordo com as actuais necessidades de serviço.
O número de professores em serviço, o número total de alunos internos e externos e o número de turmas em funcionamento determinam, de modo geral, a quantidade de serviço da secretaria de cada liceu. Pois bem: de 1947-1948, ano em que foram estabelecidos os quadros do pessoal das secretarias dos liceus, para 1967-1968, o Liceu de Alexandre Herculano, para tomarmos um exemplo que nos fica à mão, aumentou de 678 alunos internos para 2459; de 809 alunos externos para 1788; de 41 professores para 94; de 21 turmas para 64.
Ora, o quadro do pessoal da secretaria é o mesmo de há vinte anos, e tal situação não pode manter-se sem grave prejuízo para os .serviços ou até sem o perigo de um atraso irremediável. Urge, pois, fazer a revisão dos quadros deste pessoal e das circunstâncias em que o seu trabalho se realiza.
Para o caso do Liceu de Alexande Herculano, por exemplo, que temos a honra de dirigir há mais de dez anos, o quadro deveria passar de um primeiro-oficial, um terceiro-oficial, um aspirante e um escriturário de 2.ª classe (quatro funcionários) para um primeiro-oficial, um segundo-oficial, dois terceiros-oficiais, dois aspirantes e dois escriturários (oito funcionários), aumento que, aliás, nem sequer corresponde ao aumento da quantidade do serviço a seu cargo; o chefe da secretaria deveria receber uma gratificação de chefia correspondente à sua responsabilidade.
Enquanto não fosse possível fazer a revisão e a actualização dos quadros destes serviços, os funcionários, que agora exercem o seu cargo em condições de sacrifício evidente, deveriam ser compensados com gratificações correspondentes a duas horas extraordinárias de serviço em cada dia ou dez horas extraordinárias em cada semana pagas ao preço do outro serviço.
Deixámos de propósito para o fim o aspecto do problema do ensino liceal, que consideramos fundamental e sem cuja solução não valerá a pena resolver nenhum dos outros: é o problema dos professores, ou melhor, da falta de professores. Ter edifícios, ter mobiliário, ter aparelhagem, ter programas, ter alunos e não ter professores equivalerá a ter um grande salão ricamente mobilado e cheio de espectadores, o palco em anfiteatro guarnecido de cadeiras, estantes, partituras e todo o instrumental destinado à orquestra e tudo isto sem músicos nem regente. Deu-se solução a todos os problemas menos um, mas todo aquele dispêndio de nada valeu, pois o objectivo almejado - a realização do concerto - não se atingiu. O público sairá desiludido e o salão, o instrumental e o mobiliário para ali ficarão inúteis à espera de quem os queira ou saiba utilizar.
O mesmo sucederá nos liceus: se não houver professores, não haverá ensino, e os edifícios, o mobiliário, a aparelhagem, para ali ficarão inúteis, sem terem cumprido a missão a que se destinavam e sem justificarem as grandes somas que com eles se despenderam.
Ainda há poucos dias o Prof. José Sebastião e Silva, com a autoridade que lhe dá o seu saber, a sua experiência e a sua devoção aos problemas da educação e do ensino, afirmava pùblicamente:
Hoje, mais do que nunca, o futuro de uma nação depende do número, da qualidade e das condições de vida dos seus professores.
Pois bem: no ensino liceal não há professores senão para uma terça parte dos alunos matriculados e, além disso, não se deseja, de modo geral, abraçar a carreira do professorado liceal. Parece que esta função tem o ferrete do indesejável, o que leva os jovens a fugir desta actividade e a procurar outras profissões. E até os próprios professores já não têm em grande conta a sua profissão como modo de vida, pois procuram encaminhar os filhos, sobretudo quando rapazes, para actividades diferentes do ensino. Portanto, neste conjunto de circunstâncias há dois grandes males que nos afligem: a falta de professores e a falta de vontade de se ser professor. Deixemos falar alguns números:
Em 1947, ano da reforma, para uma população escolar de 18316 rapazes e raparigas, havia 795 professores com o Exame de Estado e 14 eventuais. Em 1967, vinte anos mais tarde, para uma população escolar de 69 376 rapazes e raparigas, quando o número de professores diplomados deveria ter aumentado para 3011, diminuiu para 772, ao passo que o número de eventuais aumentou de 14 para 1370 (quase cem vezes mais!)!
Em 11 de Novembro último o Diário do Governo publicava as vagas de professor efectivo dos vários grupos existentes nos liceus do continente e ilhas adjacentes: ao todo 173 vagas - 137 masculinas e 36 femininas. Mas estas vagas, com excepção dos liceus que foram criados ou ampliados depois da reforma, são as que existem nos quadros docentes estabelecidos em 1947. Se se procedesse à actualização dos quadros em face da população escolar agora existente, teríamos de multiplicar aqueles números por um factor aproximado de 3,8 do que resultaria para os grupos 1.º a 9.º um total de 657 vagas! Pois bem: dos exames de admissão ao estágio feitos em Novembro último, isto é, no mesmo mês em que as vagas foram postas a concurso, resultaram, nos três liceus normais do País e em todos os grupos, 27 aprovações - 3 homens e 24 senhoras.
Este estado de coisas ameaça, na verdade, comprometer toda a obra educativa a cargo do Estado.
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Mas, porque é que não há professores do ensino liceal?
O professorado liceal, ao menos a partir de 1940, tem sofrido sempre de uma doença muito perigosa para qualquer profissão: vencimento deficiente. Isso tem contribuído decisivamente para o abandono desta profissão, para a troca desta actividade por outras mais compensadoras, para a entrega do ensino liceal nas mãos de «pessoas estranhas ao serviço» e para o consequente desprestígio da função. A reforma de 1947, de vantagens incontestáveis para o ensino liceal, quis melhorar as condições de trabalho dos professores, mas, feitas bem as contas, não melhorou: os professores, que até então eram obrigados a 16, 18 ou 20 tempos lectivos semanais de 50 minutos, conforme tinham duas, uma ou nenhuma diuturnidade, passaram a ter obrigação de 18, 20 ou 22 tempos lectivos semanais de 50 minutos, respectivamente. Fazendo a comparação rigorosa da quantidade de serviço semanal a que os professores eram obrigados antes e depois da reforma de 1947, verifica-se que os professores, uns pelos outros, sofreram um aumento de uns 22,2 por cento.
Vejamos agora o que sucedeu com os vencimentos: antes da reforma de 1947 - não queremos referir-nos ao período transitório de Outubro de 1946 a Setembro de 1947, durante o qual os vencimentos tiveram um suplemento de 20 por cento - os vencimentos mensais eram de 1600$, 1800$ e 2250$ para os professores sem diuturnidade, com a 1.ª ou com a 2.ª; após a reforma passaram a ser de 1800$, 2250$ e 2750$, respectivamente.
Feita a comparação, verifica-se que o aumento geral de vencimentos não chegou a 21 por cento. O Estado aumentou os vencimentos dos professores pagando menos: ficou portanto a ganhar; os professores viram os seus vencimento aumentados, mas ficaram a perder.
Da reforma para cá, com o número de professores diplomados a diminuir e com o número de professores eventuais a aumentar vertiginosamente, para atender de qualquer modo toda a população escolar em aumento também vertiginoso, o ensino liceal tem vindo a decair gradualmente, e hoje a situação é francamente desagradável: queixam-se os alunos de que os professores os não ensinam; queixam-se os professores de que os alunos não aprendem; queixam-se os pais de que os filhos não têm aproveitamento; queixa-se a Universidade de que os alunos dos liceus levam consigo uma «santa» ignorância. É exactamente como sucede na casa onde não há pão, com a diferença de que aqui todos ralham e todos têm razão.
Afirmei neste lugar há pouco mais de um ano o que agora me parece oportuno repetir:
É na magreza do vencimento que devemos procurar, sem qualquer receio de erro, a verdadeira causa do abandono da função docente e da crise do nosso ensino.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:
Outras causas há, mas de importância secundária, que têm desviado, há anos já, os jovens dos dois sexos do exercício da docência: a longa duração dos cursos universitários [...], o exame de admissão ao estágio, barreira muito difícil de transpor; o estágio pedagógico de dois longos anos, sem remuneração; a triste e injusta situação do professor agregado, cuja existência, aliás, nada justifica já [...]; a situação do professor auxiliar, que tem vencimento igual ao do professor agregado, só com a regalia de o receber nos doze meses do ano; a carreira curta do professor efectivo, que tem de esperar dez anos por cada promoção e que, quando tiver completado vinte anos de bom serviço - o que pode conseguir com 44 ou 45 anos de idade [...] - não beneficia - nunca mais! - de qualquer melhoria de vencimento, mesmo que tenha de trabalhar outros vinte anos ou mais para chegar à sua aposentação.
Urge, pois, prestigiar por todos os meios [...] a função docente [...] e reconquistar para ela os melhores rapazes e as melhores raparigas, para que se reponha no lugar a que tem direito o prestígio dessa função, para que se eleve até ao nível que possa exigir-se a qualidade do ensino e para que professores e professoras possam exercer a sua actividade com toda a competência, com toda a dedicação, com toda a dignidade e com toda a independência. Pois o professor só o será verdadeiramente quando se entregar com toda a sua alma e com toda a sua inteligência ao convívio amigo dos seus alunos, para que, sem qualquer outra preocupação, possa transmitir-lhes o alimento espiritual que eles vêm procurar à escola e que a escola tem obrigação de lhes proporcionar.
E quais serão então os meios a utilizar para prestigiar a função docente liceal e reconquistar para ela os melhores rapazes e as melhores raparigas?
Apontaremos, a seguir, nas suas linhas gerais, aqueles que, em nosso entender, se nos afiguram necessários - e talvez suficientes - para que, quando produzam plenamente os seus resultados, a crise do ensino liceal tenha sido vencida e a função docente torne a ocupar o lugar de prestígio que lhe compete entre as outras actividades de importância semelhante para a vida do País:
1) Encurtar e simplificar, na medida do possível e sem quebra da valorização que a Universidade deve dar aos seus alunos, os cursos universitários que se destinam ao magistério liceal;
2) Extinguir - até que venha a tornar-se de novo necessário - o exame de admissão ao estágio, dando assim uma prova de confiança à preparação que a Universidade dá aos seus estudantes;
3) Reduzir para um ano lectivo completo o estágio pedagógico, simplificar com sinceridade o serviço de estágio sem, todavia, prejudicar o seu objectivo, e realizar os Exames de Estado logo no fim do ano lectivo;
4) Autorizar que cada estagiário preste doze horas de serviço docente semanal, como professor eventual, no desdobramento do liceu normal que frequente, em vez do serviço docente que está autorizado a prestar no ensino particular em estabelecimento, ou atribuir-lhe uma gratificação mensal de 2500$ durante os dez meses do ano em que fizer o estágio sem ser repetente, e extinguir as bolsas de estudo que anualmente são destinadas a estagiários;
5) Extinguir a categoria de .professor agregado, que já nada justifica, e nomear todos os diplomados com Exame de Estado directamente professores auxiliares, isto é, garantir-lhes trabalho e vencimento durante todo o ano;
6) Reorganizar os quadro dos liceus mistos, de modo a dotá-los todos de secção masculina e de sec-
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cão feminina, para que as professoras possam efectivar-se em todos eles, uma vez que a população feminina destes liceus ultrapassa a masculina, e determinar que nestes liceus haja sempre um reitor, um vice-reitor e uma vice-reitora;
7) Rever os quadros do pessoal docente de todos os liceus e actualizá-los, ao menos gradualmente, de acordo com a sua população escolar;
8) Determinar que todo o serviço prestado pelo professor liceal depois do Exame de Estado seja contado para efeito de promoção, isto é, para aumento de vencimento correspondente a nova diuturnidade;
9) Determinar que a carreira do professor liceal se alongue para poder haver maior número de promoções, de modo que haja professores auxiliares, efectivos sem diuturnidade, efectivos com a 1.ª diuturnidade, efectivos com a 2.ª diuturnidade e efectivos com a 3.ª diuturnidade;
10) Estabelecer que o serviço normal obrigatório para cada professor seja de vinte, dezoito, dezasseis, e catorze tempos lectivos semanais para professores sem diuturnidade, com a 1.ª, com a 2.ª e com a 3.ª diuturnidade, respectivamente;
11) Autorizar os professores que o desejem, e enquanto tal prática for proveitosa para os serviços, a prestar até oito horas lectivas semanais extraordinárias a contar a partir do serviço obrigatório para os professores da sua categoria, ao preço mensal de 260$ para os professores auxiliares e efectivos sem diuturnidade e de 350$ para os outros professores efectivos;
12) Determinar que cada director de ciclo não tenha a seu cargo mais de dez turmas;
13) Determinar que o serviço semanal obrigatório do professor que exerça as funções de secretário do liceu sofra redução igual à concedida aos directores de ciclo;
14) Rever, actualizar e tornar racional a gratificação dos reitores, tendo sempre em vista o número de turmas em funcionamento no liceu respectivo;
15) Rever e actualizar de modo razoável as gratificações do vice-reitor, professor-secretário, directores de ciclo, directores e auxiliares dos gabinetes e chefe do pessoal menor e as respeitantes ao serviço de exames, para que elas produzam a dedicação pelo serviço que delas se espera;
16) Fazer a revisão dos vencimentos dos professores liceais, de modo a colocá-los na posição que deve competir-lhes na escala geral dos vencimentos, o que, em nossa opinião, corresponderia a estabelecer a seguinte série de ordenados mensais:
Professor auxiliar - 5000$;
Professor efectivo sem diuturnidade - 6000$;
Professor efectivo com a 1.ª diuturnidade - 7000$;
Professor efectivo com a 2.ª diuturnidade - 8000$;
Professor efectivo com a 3.ª diuturnidade - 9000$.
O Sr. Veiga de Macedo: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com todo o gosto.
O Sr. Veiga de Macedo: - A exiguidade dos quadros da Direcção-Geral e da Inspecção do Ensino Liceal que V. Ex.ª há pouco referiu, com perfeito conhecimento de causa, não pode deixar de impressionar a Assembleia e para muitos constituirá surpresa, surpresa desagradável. Não oferece dúvida dê que o problema, pela sua acuidade e ainda por se manter insolúvel há dilatados anos, tem sido, e é, fonte de sérias deficiências que se registam em tão importante ramo da instrução pública. Na verdade, o ensino liceal não dará o rendimento que dele se deve esperar, se não possuir adequado e eficaz apoio administrativo e não for devidamente acompanhado e orientado no domínio didáctico e pedagógico.
Ora, os elementos que V. Ex.ª está a apresentar a esta Câmara revelam a existência de lacunas naqueles serviços, que, por si, explicam muitas das anomalias que se notam no ensino liceal, não obstante o esforço meritório da generalidade dos professores e a acção esforçada dos mais directos responsáveis por sector de tão alto interesse para o progresso cultural e económico do País. É caso para me permitir juntar a minha modesta voz ao clamor das justificadas e oportunas palavras de V. Ex.ª, as quais, certamente, não deixarão de encontrar eco no Ministério da Educação Nacional e, sobretudo, no Ministério das Finanças.
Mas, ao pedir a palavra para esta rápida intervenção, moveu-me também o propósito de chamar a atenção para um fenómeno que se está a verificar e a alastrar cada vez mais e vem dando origem a situações bem chocantes. Refiro-me à circunstância de, em diversos departamentos do Estado, se assistir à criação de novos serviços, de novos organismos, de novas comissões ..., não raras vezes à margem dos sectores administrativos ou técnicos tradicionais, quando não em duplicação ou em sobreposição das atribuições que a estes pertencem ou devem pertencer. Esta tendência tem-se acentuado progressivamente, a ponto de em alguns Ministérios se gerarem incompreensões e conflitos entre os serviços clássicos, chamemos-lhes assim, e os que de novo foram instituídos, nem sempre por imposição de necessidades convenientemente apuradas e avaliadas. Poderá dizer-se que a estes novos serviços nada costuma faltar em pessoal e em disponibilidades financeiras. As remunerações que neles se pagam e as categorias profissionais integradoras dos quadros chegam a ser superiores às que vigoram para os restantes serviços públicos, o que está a causar legítimas apreensões e a desmoralizar muitos funcionários de carreira, com larga folha de serviço e que naturalmente hão compreendem diferenciações tão gritantes nos vencimentos e nas condições de acesso e, bem assim, nos próprios regimes de trabalho.
De resto, não se vê como seja de aceitar que, havendo direcções-gerais e repartições com dotações tão desactualizadas e sem pessoal bastante, se criem novos serviços sem se proceder a um estudo geral e racional das necessidades dos vários sectores públicos, de modo a evitarem-se incongruências, desdobramentos ou desajustamentos perturbadores.
Não estou a pensar em qualquer Ministério determinado, mas no que se passa em diversos departamentos estaduais, onde com frequência e a par de serviços essenciais sem os necessários recursos humanos e financeiros, outros surgem, de repente, casuisticamente, dispondo de meios que, provenientes do Orçamento Geral do Estado ou de fundos especiais, se afiguram inesgotáveis, a avaliar pelo volume e natureza dos gastos e pela extensão dos quadros.
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O mal, que se tem agravado nos últimos anos, em parte à sombra da preparação e execução dos planos de fomento, exige se tomem providências enérgicas que a tempo lhe tolham o passo. Se assim se fizer, conseguir-se-ão economias apreciáveis susceptíveis de permitirem a satisfação de necessidades prementes como aquelas que V. Ex.ª acaba de apontar. Nem de outro modo se manterá fidelidade à política de regeneração, austeridade e equilíbrio, que está na base do ressurgimento nacional operado a partir de 1928.
O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª pela sua achega, com a qual concordo inteiramente. Quero, no entanto, dizer o seguinte: os serviços velhos vêm funcionando, os novos têm de funcionar.
O Sr. Agostinho Cardoso: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Sr. Presidenta: - Não, agora interponho-me eu ao orador, não autorizando que V. Ex.ª o interrompa. Já está muito excedido o tempo regimental.
O Orador: - Pela minha parte, só faltam duas folhas.
O Sr. Presidente: - Mas não se esqueça V. Ex.ª de que já excedeu em meia hora o tempo regimental. De maneira que faça V. Ex.ª o obséquio de concluir as suas considerações.
O Orador: - O problema do ensino liceal no ultramar apresenta, na generalidade, aspectos que se assemelham perfeitamente aos do ensino liceal no continente e ilhas adjacentes, o que, aliás, é natural, uma vez que o plano de estudos, os programas, os pontos de exame e as habilitações exigidas para os professores diplomados são iguais em toda a parte.
Todavia, a falta de professores com Exame de Estado é ainda muito mais angustiante do que no continente e nas ilhas. É nos 3 liceus normais de Lisboa, Porto e Coimbra - únicas escolas onde os candidatos a professores do 1.º ao 9.º grupo podem fazer o estágio pedagógico e realizar o seu Exame de Estado - que se preparam, além dos professores destinadas aos liceus do continente e ilhas adjacentes, os professores; diplomados que vão ensinar nos 22 liceus (pràticamente 23 liceus) das províncias ultramarinas, visto que o Ministério do Ultramar não tem a seu cargo, nem no continente, nem em qualquer província ultramarina - como seria talvez de desejar -, liceus normais que pudessem formar professores para os liceus do ultramar.
Este facto vem tornar ainda mais aguda a necessidade de conquistar rapazes e raparigas para a carreira do magistério liceal, criando-lhes condições de trabalho que sejam a todos os títulos razoáveis e até mesmo aliciantes.
De contrário, ficará à espera de solução o problema mais aflitivo que apresenta o ensino liceal, tanto no ultramar como nas ilhas e no continente.
Faça-se uma revisão profunda e proceda-se à actualização de todas os serviços respeitantes ao- ensino liceal e dêem-se ao professor condições sérias de trabalho, com uma remuneração que o não obrigue a procurar fora da sua função um complemento de vencimento indispensável para manter, para si e para a família, um nível de vida compatível com a sua cultura e com o lugar que ele deve ocupar na sociedade - e nascerá de novo, sem qualquer dúvida, o desejo de se ser professor do liceu.
E, quando esse desejo renascer verdadeiramente, então haverá professores para todos os alunos e terá sido resolvido um dos problemas mais angustiantes da nossa época.
Desta tribuna dirijo, mais uma vez, o meu apelo, muito sincero e muito sentido, aos Srs. Ministros da Educação Nacional, do Ultramar e das Finanças e a todos os bons portugueses que porventura, venham a ser chamados a meditar sobre questões de educação e ensino, para que considerem a presente situação do ensino liceal como um problema cuja solução não pode ser adiada por mais tempo sem o grave risco de perda irreparável que ninguém deseja e que muito afectaria o bem-estar da família portuguesa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto de Meneses: - Peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Pinto de Meneses: - Sr. Presidente: Requeiro a V. Ex.ª a generalização do debate.
O Sr. Presidente: - Está deferido o requerimento de V. Ex.ª
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão à hora regimental, tendo por ordem do dia o debate sobre o aviso prévio que acaba de ser efectivado.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
André da Silva Campos Neves.
António Calheiros Lopes.
Arlindo Gonçalves Soares.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
João Mendes da Costa Amaral.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pais Ribeiro.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luciano Machado Soares.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.
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Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
António Magro Borges de Araújo.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Jaime Guerreiro Rua.
James Pinto Bull.
Joaquim de Jesus Santos.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Pinheiro da Silva.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Correia.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Raul Satúrio Pires.
O REDACTOR - Luiz de Avillez.
Requerimento enviado para a Mesa durante a sessão:
Requeiro, nos termos regimentais, que me seja fornecido o livro Vinte Anos de Defesa do Estado Português da índia, edição oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 1 de Fevereiro, de 1968. - O Deputado, Francisco José Roseta Fino.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA