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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 130
ANO DE 1968 3 DE FEVEREIRO
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 130 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 2 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 115, que insere o relatório das contas de gerência e exercício das províncias ultramarinas de ]966; e outro ao n.º 132, que insere o relatório e contas da Junta do Crédito Público referentes ao ano de 1966.
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado António Santos da Cunha falou sobre o problema rodoviário nacional.
Ordem do dia. - Iniciou-se o debate sobre o aviso prévio relativo ao ensino liceal.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Pinto de Meneses e Peres Claro.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
André da Silva Campos Neves.
Antão Santos da Cunha.
António Calapez Gomes Garcia.
António Furtado dos Santos.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Horácio Brás da Silva.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
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José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José Pais Ribeiro.
José Rocha Calhorda.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Colares Pereira.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 66 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Diversos, de apoio ao discurso do Sr. Deputado Augusto Simões sobre vendedores ambulantes de azeite.
Nota da Secretaria de Estado do Vaticano enviada à Embaixada de Portugal junto da Santa Sé:
A Secretaria de Estado de Sua Santidade apresenta os seus atenciosos cumprimentos à Embaixada de Portugal junto da Santa Sé e, em resposta à nota verbal processos n.ºs 1,2 e 1,3 - S. E. 52, de 29 de Novembro passado, tem a honra de comunicar que fez chegar às mãos do Santo Padre o exemplar, junto enviado, do Diário das Sessões da Assembleia Nacional portuguesa de 7 daquele mês, que insere o discurso do presidente da mesma Assembleia e o do Deputado Mário Galo, ambos referentes à peregrinação de Sua Santidade a Fátima.
Mais tem esta Secretaria de Estado a informar que o Santo Padre muito apreciou os dois autorizados documentos G que agradece sensibilizado os bons votos que ambos os oradores, interpretando o sentir unânime da Assembleia Nacional portuguesa, houveram por bem formular pelo seu rápido restabelecimento.
A Secretaria de Estado aproveita a oportunidade para renovar à Embaixada de Portugal junto da Santa Sé os protestos da sua mais alta consideração.
Vaticano, 3 de Janeiro de 1968.
O Sr. Presidente: - Como estão presentes só 66 Srs. Deputados, não posso pôr à votação uma solicitação que tenho aqui. Ficará, portanto, para quando houver número.
Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputa-lo António Santos da Cunha.
O Sr. António Santos da Cunha: - Sr. Presidente: Inúmeras vezes, e detalhadamente, esta Assembleia se tem pronunciado sobre os problemas de educação e ensino. Recordo os avisos prévios dos Srs. Deputados Nunes de Oliveira e Braamcamp Sobral e as constantes intervenções feitas antes da ordem do dia e nos debates que antecederam a aprovação das leis de meios e das Contas Públicas.
Está, pois, o Governo mais do que esclarecido quanto ao pensamento sobre a matéria desta Assembleia, que, pode acreditar, reflecte, como lhe é próprio, o pensamento da Nação.
Através destes avisos prévios e das intervenções já referidas encontram-se, quanto a mim, suficientemente denunciadas as carências do ensino em Portugal, quer sobre a sua eficiência, quer sobre o aspecto de insegurança da formação das gerações que escalam a vida.
Julgo, no entanto, que o aviso prévio que agora se está debatendo se revestiu de características especiais, que entendo, pela minha parte, fazer destacar. Todos sabemos que o ilustre Deputado avisante é um dos mais experimentados servidores do ensino liceal; professor distinto e competentíssimo, dirigente de estabelecimentos deste ramo de ensino, não admirando, portanto, que tenha sido minucioso no exame das causas provocadoras dos males que nos afligem neste campo e na apresentação dos remédios para os mesmos.
Podemos, pois, afoitamente dizer que este aviso prévio é como que um programa de acção, merecedor de aplauso unânime, a que só falta força executória.
É-me muito grato fazer ressaltar, como lhe é devido, a, todos os títulos notável, intervenção aqui feita pelo Sr. Deputado Ilmo. e Revmo. Cónego Mouta, e isto não só no exame que fez das desnecessárias minúcias dos programas, como também da natureza de certos compêndios que andam pelas mãos dos escolares e só servem para desnacionalizar e descristianizar a juventude. Estou certo de que perante esta denúncia pública daquele Deputado o Governo vai sem demora tomar medidas enérgicas, pois. de contrário, teríamos que acreditar que a traição é tão larga que nada há a fazer.
Sr. Presidente: Porque sou talvez dos membros desta Assembleia aquele que mais vezes se tem aqui ocupado dos problemas ligados à educação, não quis deixar de subir a esta tribuna para de novo pôr em foco alguns dos aspectos que disso me parecem merecedores.
Não me demorarei a acentuar a importância que, para uma boa solução do problema do ensino em Portugal, tem a imperiosa necessidade de se modificarem as condições económicas dos agentes do mesmo. O Sr. Deputado Pinto de Meneses disse, e eu digo com ele, que é uma verdade incontroversa que não pode deixar de merecer imediata atenção e vem sobejamente demonstrada no aviso prévio do Sr. Deputado Vaz Pires.
O problema não diz, no entanto, respeito apenas ao ensino liceal, mas a todos os ramos de ensino. Já aqui largamente apontei a situação deprimente, por injusta - e fi-lo por mais uma vez -, em que se encontra o professorado do ensino técnico, e isto numa hora em que precisamos, para dar plena realização às tarefas que
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temos na nossa frente, de técnicos de todos os graus e espécies.
Ao apontar a situação desses professores, eu disse, o que bem se pode aplicar em grande parte a todos os outros professores e, nomeadamente, aos do ensino liceal:
Perante tudo isto, o que se observa? Cada vez aparecem menos pessoas qualificadas com a disposição de se dedicarem ao ensino técnico, daqui resultando que as funções docentes estejam a ser exercidas, progressivamente em maior percentagem, por indivíduos com habilitações insuficientes ou por elementos que, tendo ou não as habilitações legais, prestam a sua colaboração naturalmente com a intenção primária de reforçarem os seus proventos, dispondo para tal de escassas horas nocturnas de leccionação, após o exercício da sua actividade noutra profissão.
Assim se vai criando sub-reptíciamente um verdadeiro corpo de mercenários dentro do ensino.
Por outro lado, os que há muitos anos têm vivido exclusivamente do magistério sentem-se desmoralizados, sem estímulos de qualquer natureza, pelo que, desiludidos, vêm abandonando o professorado, buscando noutras profissões a remuneração a que a sua posição social lhes dá direito. E, finalmente, os que teimam em manter-se neste sector da educação nacional vêem-se na ingente necessidade de recorrer ao serviço extraordinário, com manifesto prejuízo da sua saúde e do rendimento escolar, que, neste como noutros sectores do ensino, compete acautelar, pois os resultados estão, por vezes, bem à vista.
Não há dúvida de que na base de todo este grande problema está a carência de professores e na base da carência de professores, a sua situação económica. Há, pois, que tornar a carreira do magistério aliciante, o que actualmente não se dá.
Seja-me lícito referir as magníficas intervenções dos Srs. Deputados Marques Teixeira e Elísio Pimenta. Dois experimentados educadores e dignos soldados - a todos os títulos - do bom combate. O último advogou uma mais estreita colaboração entre os pais e a escola através de comissões de pais de alunos. Magnífica ideia, que deve ser generalizada, porque sei que, com êxito, já está sendo posta em prática, pelo menos, num liceu de Lisboa.
Sr. Presidente: Na efectivação deste aviso prévio foi dito que, a par da realidade da falta de professorado nas últimas décadas, se verificava um constante e extraordinário aumento de frequência nos liceus.
Permito-me recordar as intervenções que tive ocasião de aqui fazer em 16 de Março de 1962, antes da ordem do dia, e em 23 de Janeiro de 1964, na discussão do aviso prévio do meu colega de círculo Sr. Prof. Doutor Joaquim Nunes de Oliveira. Numa e noutra advoguei, em face da doutrina da Igreja e da nossa Constituição Política e das próprias necessidades do ensino, uma ampla política de protecção ao ensino particular, pois no ensino, como noutros problemas de importância vital para a Nação, o Estado não pode dispensar a colaboração da iniciativa privada. Não pode, nem deve.
Peço licença para recordar uma passagem da intervenção de 16 de Março de 1962, depois de ter largamente exposto a doutrina segura que deve iluminar a acção do Estado em tal matéria:
Proteger eficazmente, subvencionar na medida do possível, o ensino particular e da Igreja é obrigação de justiça para um Estado que reconhece à família o primado na matéria de educação. Só assim será verdadeira a liberdade de escolha; sem condições económicas, ela é como se não existisse e não passa de tolerância.
Mas não é apenas uma questão de justiça, proteger e subsidiar o ensino livre é um acto de boa economia para o Estado. Todos os anos o Ministério se vê a braços com o aumento de candidatos aos liceus. Gastam-se milhares e milhares de contos em edifícios novos e a vaga continua. Ora toda a gente sabe como ficam caras as obras do Estado.
Em matéria de assistência, a experiência está feita em Portugal. Basta comparar os Hospitais de Santa Maria e de S. João com os das nossas tradicionais Misericórdias. E porque não comparar também as despesas das diferentes escolas de enfermagem?
Noutros países, a experiência fez-se em grande escala no campo escolar. Na Bélgica, o pacto escolar de 1958 veio tornar gratuito o ensino infantil, primário e secundário, não só nas instituições do Estado, mas em todas as subvencionadas. Chegou-se à conclusão de que os alunos do ensino particular ficavam ao Estado por menos de metade do que no ensino oficial: respectivamente, 11 000 contra 26 000 francos belgas, o que fazia então 6050$ contra 14 300$ por cabeça.
O que se passa com o ensino no ultramar português, entregue, na sua maioria, às missões católicas e institutos missionários, com notável economia para os orçamentos, apesar das generosas subvenções, encoraja-nos e confirma que fomentar a iniciativa particular de instituições capazes é uma medida de grande projecção e interesse nacional e econòmicamente muito acertada. A protecção seria concedida de modo a permitir a ampliação notável das instituições de ensino particular e confessional e, ao mesmo tempo, um maior acesso da classe média ao ensino que muitos desejam.
Seria interessante referir a decisão e êxito com que na maioria dos países europeus se tem caminhado no sentido de proteger e tornar acessível o ensino confessional e particular, mas o tempo não o permite e não falta o estímulo de verificarmos como é grande a crise desse ensino entre nós e cada vez maior a necessidade de se tomarem medidas efectivas. De resto, o caminho já foi traçado na nossa Constituição. O que se reclama é que se enverede por ele.
O Sr. Deputado avisante, ao referir a avalancha - avalancha que esperamos em Deus seja cada vez mais progressiva - de alunos, que todos os anos aumenta, a procurar ensino nos liceus oficiais, veio dizer da necessidade de acarinharmos o ensino particular, num acto de justiça e de economia para os dinheiros públicos.
O Estado cada vez se vai tornando mais impotente para resolver o problema do ensino, como impotente seria se quisesse, só por si, resolver outros problemas, como o da assistência e saúde, sem a colaboração das instituições particulares.
No campo do ensino, como no campo da assistência, sem menosprezar o esforço do ensino particular em geral, tem que se ter em conta as instituições da Igreja que aos mesmos dão larga e segura colaboração.
Creio firmemente, e ninguém ousara desmentir-me, que a política de subsídios aos estabelecimentos de ensino particular seria frutuosa, e, consequentemente, aliviaria o Estado de pesados encargos.
Sr. Presidente: Foram breves as minhas considerações, e outra intenção não tive que não fosse a de dar o meu humilde tributo para que se consciencializem todos os
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responsáveis quanto à necessidade de encarar os problemas de ensino, de forma que se possam atingir os objectivos de formar uma geração apta e digna de continuar Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para iniciar o debate do aviso prévio sobre o ensino liceal a cargo do Estado, o Sr. Deputado Pinto de Meneses.
O Sr. Pinto de Meneses: - Sr. Presidente: Pedi a generalização do debate do aviso prévio sobre o ensino liceal a cargo do Estado, porque os assuntos nele tratados são da mais alta importância, e por saber que a esta Câmara, onde se encontram professores, pais e políticos da educação, não é indiferente a temática apresentada pelo Sr. Deputado Vaz Pires. Na verdade, cabendo ao ensino liceal a dupla tarefa de preparar os jovens para os empregos médios da sociedade e para o ingresso nas escolas superiores, ele tem reflexos intensos e persistentes sobre a vida da Nação, e disto não pode alhear-se a Assembleia.
Por certo que a apreciação de só este sector do nosso sistema escolar não permite a análise de todos os seus problemas, visto alguns deles resultarem das ligações que tem com outros ramos de ensino. Só num debate geral sobre todo o sistema se poderia focar, com as verdadeiras tonalidades de luz e sombra, a vera imagem do sector liceal. Mas, assim só, talvez ganhe em intensidade o que perde em extensão. É uma esperança.
Agradeço, Sr. Presidente, a bondade de ter concedido a generalização do debate e aproveito a feliz circunstância de, na pessoa de V. Ex.ª, prestar homenagem a quantos sobraçaram a pasta da Educação Nacional, e sobretudo aos reformadores do ensino liceal, Cordeiro Ramos, Carneiro Pacheco e Pires de Lima, que, animados pelo propósito de bem servir, deram notável impulso ao aperfeiçoamento do nosso esquema educacional. Posto que divergindo em múltiplos aspectos, dominava-os o mesmo lema de tornarem a juventude intelectual, moral e fisicamente mais sã. E não parece que tenha saído frustrado o seu intento, pois, à luz e calor dessas três reformas, foram educadas várias gerações, a última das quais está, presentemente, dando excelente conta de si na defesa armada da Pátria. E esta uma nota positiva do mais alto valor que a verdade e a justiça mandam salientar e creditar na conta das benemerências dos citados reformadores. Aos que estão e aos que vierem cumpre manter as coordenadas de orientação que aqueles estadistas assinaram à educação, pois elas são firme e provada garantia da nossa perdurabilidade na coesão, integridade, independência e liberdade.
Sr. Presidente: A vigente reforma liceal, publicada em Setembro de 1947, há, portanto, vinte anos, espaço de tempo suficiente para se poder julgar dos seus méritos e defeitos, não responde hoje às necessidades culturais da Nação. Não responde, e não admira, porque, nos tempos modernos, em vinte anos alteram-se sensivelmente as determinantes sociais, económicas e culturais de um povo, e, por consequência, evoluem também os conceitos do ensino. Aos múltiplos objectivos, apontados nos diplomas reformadores, entre os quais avultam o aperfeiçoamento das faculdades intelectuais, a formação do carácter e o revigoramento físico juntam-se agora outros, impostos por novos condicionalismos. Assim, e para não alongar, citamos apenas três.
Primeiro, o aumento dos meios de produção e o desenvolvimento das investigações científicas e dos meios técnicos puseram à disposição de todos quantidades enormes de bens de toda a ordem e ampliaram as possibilidades de acesso aos centros de instrução. Concomitantemente, a industrialização em grande escala levou à modificação qualitativa da própria estrutura do ensino, fazendo com que, além de ser um bem de consumo enquanto meio de aperfeiçoamento da pessoa, se torna também um bem de produção como factor de qualificação da mão-de-obra e condição de participação na vida social. Daí duas consequências: o prolongamento da escolaridade obrigatória e o alargamento para todos de uma maior cultura de base.
Segundo, a multiplicação incessante de pedidos, que as actividades fazem para verem completados os seus quadros superiores, leva à necessidade de alargar a base de recrutamento para os estudos universitários. Das antigas restrições de entrada, em que até se pensava no numerus clausus, passou-se, por imperativo das circunstâncias, para uma atitude mais aberta. Presentemente, os Governos condicionam o ingresso nas escolas superiores a provas mais suaves. A Universidade já não dificulta; convida, incita e apela para que a juventude a frequente no maior número possível.
Terceiro, e isto toca-nos particularmente, surgiu, sob pressão dos acontecimento dos últimos anos, uma consciência mais viva das nossas autênticas dimensões nacionais. O homem português, que descobriu e fecundou, em todos os continentes, imensos espaços de missão e trabalho, carece de uma escola que lhe avive, em lições de grandeza equivalente, a noção das suas responsabilidades e dê a preparação adequada ao aproveitamento das parcelas do todo nacional. O ensino não poderá mais ser tíbio ou medíocre em face dos programas de valorização ultramarina.
O Sr. Veiga de Macedo: - Muito bem!
O Orador: - Nunca como agora se sentiu tanto o dever de aplicar o mesmo conjunto de energias que os nossos maiores puseram no aumento e consolidação da vasta nação pluricontinental que somos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Bastariam, pois, estes três novos factores para obrigar a refazer o nosso sistema escolar, e de uma maneira especial o ensino dos liceus. Porém, há aspectos intrínsecos da actual orgânica liceal que reclamam a revisão da sua estrutura. É a estes que me vou referir, considerando, em primeiro lugar, o plano de estudos e os programas, e depois os exames, o livro único e o pessoal docente. Como sempre, limitar-me-ei aos pontos essenciais.
O plano de estudos.
Como se sabe, o plano de estudos nos dois primeiros ciclos assenta no regime de classe, pelo qual se procura o desenvolvimento harmónico e gradual das faculdades do aluno mediante o estudo das diversas matérias em íntima coordenação e numa espécie de entreajuda. É o regime que melhor corresponde aos objectivos do curso geral, em que se demanda o desenvolvimento, não por parcelas, mas global, de toda a personalidade juvenil.
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Simplesmente, a realidade não tem correspondido a este desiderato. Cada disciplina é ensinada desligada das outras. O professor trata de cumprir o seu programa, e, em regra, não se esforça por combinar a ligação do ensino com os outros. E isto porque, sobretudo no 2.º ciclo, o currículo de nove disciplinas é um convite à dispersão e descoordenação. E certo que o legislador pressentiu o inconveniente, e como que indicou o caminho ao escrever:
O aluno que, embora tenha de estudar num ano sete ou oito disciplinas, apenas tiver de aplicar apreciável esforço no estudo de duas ou três, não se fatigará e poderá facilmente assimilar o que lhe ensinam.
Estas palavras significam que se pretendia fazer incidir a quase totalidade das atenções sobre duas ou três disciplinas fundamentais. Mas, como a lei não disse quais eram essas disciplinas, cada professor considerou a sua fundamental, e tratou de exigir tanto como os outros. Daí o tornar-se este ciclo um autêntico calvário, pois estudar simultaneamente nove matérias é tarefa que ultrapassa a capacidade do estudante médio.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, o escasso número de horas concedido no plano a algumas matérias (por exemplo, uma ao Desenho e duas ao Francês, à Geografia e às Ciências Naturais) tornam pràticamente infrutífero o seu ensino, devido à longa intervalação de uma aula para outra. Por isso, o 5.º ano, que neste 2.º ciclo é o ano de exame, converteu-se numa barreira difícil de transpor. De tal forma que o Governo viu-se obrigado a seccionar esse exame em duas partes, Letras e Ciências, reconhecendo assim a impossibilidade de a generalidade dos liceais vencer o ciclo apenas em três anos.
É um problema difícil de resolver, dado que todas as disciplinas são realmente indispensáveis à cultura geral. Uma solução seria seccionar o 2.º ciclo em dois currículos, um de Letras e outro de Ciências; porém, isto leva a antecipar a opção por uma especialidade para uma idade em que os elementos indicadores da vocação e das aptidões não estão normalmente bem definidos.
O Sr. Veiga de Macedo: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com todo o gosto.
O Sr. Veiga de Macedo: - A antecipação da opção a que V. Ex.ª se refere seria, quanto a mim, contra-indicada e perigosa.
O Orador: - Esta solução será a adequada quando um dia o ciclo comum de base estiver, com outras dimensões de tempo e de conteúdo, preparado para a sua função seleccionadora de aptidões.
O Sr. Veiga de Macedo: - Nem mesmo na hipótese que V. Ex.ª formula vejo como se poderá preconizar qualquer subdivisão entre as disciplinas de Letras e Ciências do ciclo comum do liceu. Tal bifurcação seria manifestamente prematura e inconveniente.
O Orador: - Outra solução seria aumentar para oito anos o curso dos liceus, pois que, assim, far-se-ia melhor a distribuição das disciplinas. Mas esta solução, que, aliás, já se pratica em muitos países, só seria viável desde que se encurtassem os cursos universitários (o que, diga-se de passagem, já há muito se impõe para certas carreiras); mas, mesmo assim, encontraria franca oposição no sentimento do País.
O Sr. Veiga de Macedo: - E muito bem. Sete anos chegam bem, se os programas forem criteriosamente elaborados, se o ensino for feito com eficiência, se os professores forem seleccionados a preceito e estimulados e prestigiados na sua nobre missão de instruir e educar.
O Orador: - A terceira solução estaria em dar plena execução ao pensamento do reformador de 1947, tornando obrigatória a frequência das nove disciplinas, mas condicionando a passagem de ano à obtenção de aproveitamento classificado apenas em quatro ou cinco das que se considerassem fundamentais. Em meu entender, é este o processo que temos de seguir sem hesitações, se quisermos aliviar os adolescentes e as famílias do pesadelo que para eles representa o actual 2.º ciclo.
Quando se tratou de resolver o problema do excessivo número de disciplinas, a vítima foi o Latim; mas, a meu ver, foi eliminado do curso geral sem argumentos convincentes. Com efeito, a alegada inutilidade imediata para a vida e a expressa aversão geral pelo estudo do latim, a admitirem-se como certas, não eram exclusivas deste idioma, pois de quase todas as disciplinas podemos dizer que são imediatamente inúteis para a vida, e de algumas que eram e são geralmente tão combatidas como o Latim.
Não desejo, Sr. Presidente, reavivar esta questão, até porque, com latim ou sem ele, com matemática ou sem ela, com francês ou sem francês, o Mundo continuará a girar eternamente em seus gonzos. Mas cabe fazer algumas perguntas singelas. Não é verdade que o único país latino onde não se estuda o latim é Portugal?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não é verdade que com a sua supressão o nível intelectual dos estudantes não melhorou?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não é verdade que o seu desconhecimento torna praticamente inacessível quase todo o nosso património cultural do século XVIII para trás? Não é verdade que o seu estudo constituía um óptimo meio para o fortalecimento da memória, a aquisição do hábito de síntese, o rigor de expressão e o apuramento do método? Não é verdade que ele se faz indispensável para o aprendizado consciente e reflectido da língua portuguesa?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como disse, Sr. Presidente, não desejo reacender esta questão, pese embora ao meu afecto por este idioma, no qual me foi dado ler os trechos mais deleitosos, conhecer os pensamentos mais sublimes e aprender a mais profunda verdade de Deus e do homem. Por isso, só mais duas anotações: primeira, nunca encontrei entre milhares de professores que conheço um só que fosse contra o ensino do latim, e julgo que esta unanimidade tem o valor de prova peremptória; segunda, a língua portuguesa, por força do desregramento prosódico e gráfico que o desconhecimento do latim acelerou, corre o risco de perder um dia a sua unidade, o que, é evidente, trará à Nação terríveis prejuízos.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Mas adiante. Vamos ao 3.º ciclo. A reforma vigente adoptou aqui um critério novo. Deixando o regime de classe, passou ao regime de disciplinas, estabelecendo oito secções diferentes, consoante o curso superior que o estudante deseje frequentar. Criou, assim, oito cursos pré-universitários, em que os alunos pudessem adquirir sólidos conhecimentos basilares para os seus estudos maiores. Em princípio, parece que nada haveria a objectar, pois, sendo o 3.º ciclo o vestíbulo da Universidade, era congruente que os liceais aprofundassem as matérias que melhor os formavam para ela. No entanto, este critério tem inconvenientes. Primeiro, não facilita, para empregar um termo muito em voga, a reconversão do estudante que errou na escolha da alínea ou secção; aquele que opte por uma determinada alínea não pode seguir outra diferente sem fazer a cadeira ou cadeiras que lhe faltem; e, se o quiser fazer, terá que voltar ao princípio. Segundo, em nenhuma alínea se encontra um elenco completo de disciplinas que satisfaça as necessidades fundamentais de um universitário; por exemplo, em quase todas as secções não se prossegue o estudo de uma língua viva, o que me parece grave numa época, como a nossa, de intensa comunicabilidade internacional. Falta também em todas elas uma cadeira de Cultura Portuguesa, onde se estudem em nível adequado as características gerais do comportamento dos Portugueses no tempo e no espaço, mediante sínteses equilibradas de noções da literatura, história, geógrafa e economia nacionais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quanto a mim, a bifurcação em Letras e Ciências pode evitar melhor estas deficiências, porque adia durante dois anos a escolha de um curso superior e permite a adopção de mais matérias, sem deixar de atender na mesma à especialização pré-universitária que se pretende.
O Sr. Veiga de Macedo: - Não me parece, na verdade, que se justifique uma subdivisão do 3.º ciclo liceal em tão grande número de secções ou alíneas como as que vigoram desde 1947.
O Orador: - Outra deficiência no plano de estudos é a reduzida atenção que se presta à educação pela arte. Da música apenas se aprende canto coral; mas, sem uma educação musical sistemática, esta actividade pouco mais é do que uma fantasia. E, no entanto, nunca se careceu tanto como hoje de uma formação humana baseada no apuramento da sensibilidade e no culto da beleza. A vida contemporânea, vertiginosa e enervante, faz perder o equilíbrio psíquico, que a arte, e em especial a música, muito ajuda a restabelecer. Num mundo voltado para a técnica e para o útil imediato, a educação musical poderá parecer um luxo, mas a verdade é que ela dá mais rendimento ao trabalho, aumenta a espiritualidade e fortalece o estudo das outras disciplinas.
Das artes plásticas quase se pode dizer o mesmo. Embora os actuais programas se refiram à leccionação da arte nas aulas de História e Desenho, não prevêem uma doutrinação separada. Daí a ignorância geral dos rapazes pelos problemas artísticos, para os quais a escola não os prepara.
Por último, Sr. Presidente, uma palavra sobre a educação física, cuja influência no desenvolvimento psicossomático ninguém ignora. Classificada como actividade circum-escolar, com duas sessões semanais no 1.º e 2.º ciclos, e uma no 3.º, não é considerada disciplina básica, não obstante a sua máxima importância para o revigoramento físico, a saúde e a modelação do carácter. Por preconceitos que o desleixo de uns e a rotina de outros têm alimentado, não se dá a esta disciplina o valor que ela efectivamente tem. A isto acresce a falta de meios materiais e humanos. Apesar de os efectivos escolares crescerem multitudinàriamente, não cresce no mesmo passo o número de diplomados e de instrutores. Já em 1963-1964 se precisava de 166 diplomados, e havia pouco mais de metade; e de mais de 100 ginásios, e havia 41. A escassez de instalações faz com que, nalguns liceus, muitos alunos não tenham aulas de Educação Física, ou tenham apenas metade das estabelecidas na lei. Há muito que fazer neste sector, porque não se desconhecem os gravíssimos prejuízos resultantes da falta de intensa e metódica actividade gimnodesportiva numa idade particularmente delicada da vida.
E passo ao segundo tema: os programas. É opinião unânime dos entendidos que os programas devem ser simplificados e actualizados. Opinião a que eu adiro. Realmente, não há razão, por exemplo, para se darem, na disciplina de Português, umas vagas noções de morfologia latina, visto que não têm qualquer eficácia. Também não se compreende que na Geografia do 4.º ano, com duas aulas por semana, se meta toda a Ásia, as Américas e ainda a África; que na História do 5.º ano se ensine todo o período que vai da Revolução de 1640 até à Segunda Guerra Mundial; que nas Ciências Naturais do 4.º ano se inclua o estudo da mineralogia, botânica e zoologia, com pormenores excessivos, como o estudo do aparelho digestivo e respiratório de vários animais; e que na Química se fale durante dois anos e meio de ácidos e bases e só no fim desse tempo o aluno aprenda a identificar tais substâncias. Assim como também há programas que devem ser actualizados, isto é, postos a par do progresso das ciências e dos meios técnicos.
Esta actualização é particularmente urgente nas línguas vivas, cujo ensino através de representação gráfica perdeu muito do seu valor perante os modernos instrumentos audiovisuais; a exemplo do método maternal, intuitivo e lógico, uma língua hoje aprende-se ouvindo e repetindo, vendo e descrevendo, fixando estruturas e mecanizando a expressão oral. Mas nas outras disciplinas, nomeadamente na Matemática e nas Ciências Naturais, também se não pode demorar a modernização dos programas. Têm-se realizado vários colóquios de professores liceais e universitários, cujas conclusões neste aspecto urge aproveitar.
Agora, a questão dos exames. Procurou-se com a actual reforma um regime que oferecesse garantias de justiça e igualdade para todos os alunos. Para isso criou-se um sistema do ponto uniforme, e a sua elaboração passou a ser encargo de uma repartição especializada. Por outro lado, dando satisfação às aspirações do professorado do ensino particular, admitiu-se a representação desta classe nos júris de exame, e mais tarde permitiu-se o funcionamento destes júris nas escolas privadas. Para maior objectividade no julgamento das provas escritas, introduziu-se o critério do anonimato, e, para remediar os possíveis erros de classificação, permitiu-se o recurso aos que se julgassem prejudicados.
Assim, com todos estes cuidados, progrediu-se notavelmente na imparcialidade e objectividade da classificação das provas escritas. E, no entanto, todos os anos se agita esta questão na imprensa e no convívio social. Assim tem sido, e assim continuará a ser, pela razão de que a infalibilidade não é própria dos homens, mesmo quando pro-
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fessores muito competentes. Há quem sustente que os exames, para os alunos internos dos liceus, não têm razão de ser; sujeitos a provas escritas e a chamadas orais durante o ano, classificados no final de cada um dos três períodos, não seria necessário submetê-los a exames no fim de cada ciclo. Mais dizem os defensores desta tese que a tendência nesse sentido ganha terreno, pois já se dispensam os alunos que obtenham a média de 14 valores no conjunto dos anos do ciclo, e que é preciso acelerar essa tendência, fazendo do exame não um transe de perdição, mas sim um meio de salvação.
Em seu entender, portanto, só deveria haver exames para os alunos que não tivessem obtido média de passagem, aos quais se dava mais uma possibilidade, e para os que quisessem valorizar as suas classificações. Convenhamos em que é uma tese tentadora. Mas, como para se poder julgar da sua validade se teria de fazer a experiência durante alguns anos, e, em matéria escolar, as experiências gerais custam caro à Nação, entendo que, para se sair deste embate de posições, se devia fazer a experiência num dos três liceus normais do País, naturalmente os mais bem preparados para o efeito.
De qualquer modo, impõe-se uma solução.
As estatísticas de 1964-1965 dizem que as percentagens dos alunos aprovados nos exames do 2.º, 5.º e 7.º anos foram, respectivamente, 66,8, 65,5 e 37,5. Estes números denunciam uma realidade inquietante, para cuja explicação não bastam o mau ensino de alguns professores e a impreparação dos alunos. Também não bastarão os vícios de elaboração e os erros de classificação dos pontos. Tudo isto contribui, e muito; mas a raiz do mal está na saturação do plano de estudos e dos programas, e, sobretudo, na obrigação, quanto a mim insustentável, de o exame versar sobre toda a matéria do ciclo.
Vejamos agora o livro escolar, objecto também de controvérsia. Pelo artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 36 507, de 17 de Setembro de 1947, para o ensino de cada disciplina nos diferentes anos de um ciclo foi adoptado em todos os liceus o mesmo livro. Era o início do regime do livro único. Este regime tem duas vantagens: a vantagem económica, muito importante para as famílias, de não ser preciso adquirir novos livros, quando o aluno mude de estabelecimento, e a vantagem didáctica de ajudar à uniformização do ensino, vantagem esta de grande repercussão, especialmente nas provas de exame. Apesar disso, existe uma corrente de opiniões contra o livro único, cuja eliminação até tem sido recomendada em colóquios e conferências de especialistas.
Em substância, objecta-se contra ele com o facto de alguns livros serem deficientes e conterem erros de doutrina; nos concursos serem muitas vezes preteridos os melhores autores, o que desencoraja a produção; e não raro haver inversão de valores entre o autor e os relatores da comissão. Argumenta-se ainda com o irregular funcionamento das publicações, pois todos os anos faltam livros no começo do ano, e ainda com a pobreza das edições e com os prejuízos materiais das casas editoras. Destas objecções todas, as três primeiras são muito para meditar. Realmente, a existência de livros únicos com erros de doutrina é um grande atentado contra a sua adopção, dado que um dos objectivos do sistema era precisamente a verdade e segurança dos ensinamentos. Depois, a precariedade na escolha de um livro para único resulta do critério dos relatores; assim, livros considerados modelares por um relator são deficientes e antipedagógicos no parecer de outros.
Além disso, surge por vezes o caso curioso de os relatores aprovarem dois ou três livros em mérito absoluto, mas, como só pode ser escolhido um, os autores dos livros excluídos ou recebem uma pequena compensação ou não recebem compensação nenhuma, não obstante o valor didáctico dos compêndios ser equivalente, o trabalho despendido pelos concorrentes quase o mesmo e a sua competência idêntica. E esta falta de estímulo agrava-se ainda com a desigualdade das compensações: o autor de um manual destinado ao 1.º ciclo é muito mais bem remunerado do que o autor de um livro para o 3.º ciclo, apesar de, em regra, os livros deste ciclo serem mais difíceis de fazer. Ora, há pessoas para quem estes defeitos bastam para se pronunciarem pela condenação do sistema.
Estamos, assim, perante um problema. Contra o que se possa julgar, moral e politicamente não há razão para se defender ou condenar um outro sistema, pois a obrigação de os livros, para correrem, serem aprovados pela Junta Nacional da Educação garante a protecção da juventude contra os compêndios inconvenientes. Portanto, o problema é predominantemente de natureza pedagógica, e, em parte, de natureza económica. Ora, enquanto os pontos de exame forem uniformes para todo o País (e nada aconselha o contrário), os livros não podem deixar de ser únicos, visto que as consequências da aprendizagem por livros diferentes, com métodos, anotações, trechos, argumentos e distribuição desiguais, seriam calamitosas para os estudantes, como é fácil de calcular. Todavia, o problema subsiste e bem merece a melhor ponderação do Ministério da Educação Nacional, sobretudo no que respeita ao funcionamento das comissões de escolha e publicação dos manuais.
Finalmente, o problema da falta de professores, o mais grave dos que afectam o ensino liceal, e que resulta não tanto da carência de agentes, mas sim da escassez cada vez maior de agentes habilitados com o Exame de Estado. As estatísticas mostram que na metrópole em 1964-1965 havia ao serviço 2715 professores, sendo 1073 homens e 1642 mulheres; que, daquele total, 1661 tinham mais de 50 anos; e que mais de metade eram eventuais. Isto significa que a profissão está cada vez mais desmasculinizada, o que traz certos inconvenientes para os jovens das idades mais adiantadas; que grande parte dos professores caminha para o declínio de forças físicas, e, portanto, para uma fase de menor rendimento; e que a maioria não possui as habilitações consideradas indispensáveis por lei. É certo que, no tocante a estes últimos, isto é, os eventuais, há alguns que, devido a uma longa prática de ensino, ou à posse de qualidades excepcionais, se tornaram óptimos profissionais, mas isto não acontece em número suficiente para tranquilizar as famílias e os responsáveis escolares.
Para esta realidade impressionante, que é a falta de professores devidamente habilitados, apontam-se várias causas.
Em primeiro lugar, a causa económica, que eu, de tão conhecida que é, me abstenho de comentar.
A segunda causa é a dificuldade das promoções; após um currículo moroso de habilitações (licenciaturas em cinco anos, curso de Ciências Pedagógicas, e estágio de dois anos, tudo isto pago por ele), o diplomado não tem garantida a sua colocação definitiva. Uma vez ao serviço do Estado, tem que percorrer a via-sacra das categorias de agregado, auxiliar e efectivo, e envelhecer dentro desta para poder subir no abecedário dos vencimentos.
A terceira causa reside nas condições de trabalho. Com turmas de 40 alunos e mais, o professor consciente e brioso não pode exercer o seu mister com eficácia, visto que o ensino, nestas idades, para ser proveitoso, tem que ser individualizado. Um exemplo: um professor do 4.º grupo (História) pode ter 10 turmas, ou sejam 450 alunos.
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Terá esse professor de fazer chamadas orais a todos eles; terá de classificar, por período, 900 pontos escritos. Como lhe será possível acorrer às precisões dos mais fracos, conhecer bem cada um dos discípulos e atribuir-lhes a classificação justa de aproveitamento?
Outra causa é a inexistência de estímulos. É, de facto, uma carreira sem horizontes. Devia ser um caminho para o magistério universitário, como foi em tempos com magníficos resultados, mas não é. Devia ter, dentro de si mesma, escalões profissionais, mas não tem. Devia ser preferida para certas funções relevantes da política educacional dentro e fora do País, mas tal não acontece.
E bastaria indicar só estas causas para se compreender a razão que afasta os jovens da carreira do professorado. Mas não devo fazer silêncio sobre uma outra, que, apesar de secundária, merece reparo. Refiro-me ao critério de classificação para efeitos de concurso. O critério é a nota do Exame de Estado acrescida de meio valor por cada ano de serviço até vinte. Parece que esta aritmética representa a face da justiça, e, no plano determinista, representa realmente. Mas esta servidão eterna à nota do referido exame tem muito mais de iníquo do que a predestinação absoluta, porque despreza os méritos de um professor que se distinga por dedicação e competência excepcionais, ou pelos serviços prestados à cultura nacional. Para já, seria um grande progresso suprimir o limite de vinte anos acima indicado, permitindo que o concorrente somasse meio valor por cada ano de serviço, independentemente das categorias e sem qualquer limitação de tempo.
Por último, devo dizer que concordo com o Sr. Deputado Vaz Pires em que é necessário facilitar o acesso ao estágio de preparação pedagógica. O exame de admissão, como agora se faz, com matérias praticamente ilimitadas, é simplesmente inadmissível; não há em qualquer exame do nosso sistema escolar sujeição tão absurda. Depois, a frequência desse estágio, se quisermos ter concorrentes, deve ser remunerada, porque parece e é descarídade obrigar o estagiário a dois anos de preparação à sua custa, quando o benefício não é só para ele, mas também para a Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Além disso, o curso de Ciências Pedagógicas, que devia dar uma visão perfeita dos conceitos de educação e dos melhores processos pedagógicos, não prepara adequadamente para a vida docente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - De há muito se impõe a criação de um instituto de pedagogia, onde o candidato a professor possa obter a devida preparação científica para o ensino.
Sr. Presidente: Ao expor sucintamente a minha opinião, não pretendi apresentar qualquer solução salvadora, a qual, dada a extrema delicadeza e complexidade das questões e a incessante deslocação dos seus pontos de gravidade, não sei mesmo se será possível encontrar, não obstante abundarem por esse País além formosos talentos, dos quais, parafraseando o dito atribuído a Napoleão: «Na mochila de um soldado anda virtualmente o bastão de marechal», poderemos dizer que trazem potencialmente em suas canetas a assinatura de grandes reformadores.
Também não pretendi esgotar a matéria. Estes temas são longos e padecem infindas controvérsias, tanto eles dependem da filosofia, experiência e interesses de cada um. Só o recensear os pareceres dos doutos e indoutos seria trabalho penoso de anos.
Pretendi apenas chamar a atenção, ou, melhor, chamar novamente a atenção, para alguns pontos fundamentais, em que é urgente e possível fazer algumas beneficiações.
Em conclusão, entendo que devemos tornar os caminhos da nossa juventude mais planos e seguros, sem tanta sobrecarga de matérias escusadas e sem a série de barreiras que, em prova e contraprova, se lhe impõe inutilmente, e honrar e favorecer a carreira do professor, por forma que ele possa cumprir, eficientemente e sem graves preocupações extrínsecas, a sua função de transmitente da cultura e a sua missão de educador. Num tempo em que a família não pode ou não quer cumprir a totalidade dos seus deveres, a escola vê aumentados os seus trabalhos e responsabilidades, cabendo-lhe o encargo de despertar e manter nos jovens o amor aos grandes ideais e a consequente conformação da vida, que é o supremo objectivo de uma autêntica educação nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Peres Claro: - Sr. Presidente: Ainda ressoam nesta Casa os ecos do aviso prévio sobre os problemas da educação da juventude, aqui trazido pelo Sr. Deputado Braamcamp Sobral e tão amplamente secundado por tantos de nós e aprovado em expressiva moção por todos nós, e já hoje se ouvem mais palavras sobre educação, em debate de novo aviso prévio que o Sr. Deputado Vaz Pires, com a sua autoridade de pedagogo, aqui houve por bem efectivar. E quase nem interregno de tempo aconteceu, porque ao longo da longa discussão do projecto do III Plano de Fomento o sector da educação foi dos mais debatidos e todos lhe trouxeram sempre valiosa achega. Mas antes houvera a aprovação da nova Lei da Caça, em que se concluíra que o melhor impedimento à destruição sistemática das espécies era a educação dos próprios caçadores. Sempre e sempre a educação. E naturalmente, porque todo o acto humano é reflexo de uma educação e todo o esforço do homem é feito no sentido de preparar os caminhos para as novas gerações e educar estas no sentido desses caminhos. Civilizar, em suma, é educar, ou educar é civilizar. Tanto faz. A realidade é que a todos nós interessam, em mais ou menos larga medida, os problemas da educação. E a ninguém pode parecer mal que eles sejam levantados aqui ou ali, por este ou por aquele, porque todos temos uma experiência a invocar - a nossa própria experiência - e, em qualquer circunstância, uma experiência a transmitir.
Estou em crer que, entre nós, o maior mal está em muito se falar da educação e pouco se resolver sobra melhor educação. Em França, que se tem por modelo de tantas coisas, há reformas de ensino com uma frequência que perturba o nosso tradicional conservantismo. Será que eles não percebem nada de pedagogia e de didáctica, para andarem sempre em trocas e ensaios, ou será que nós por cá temos tão assentes ideias que as reformas de ensino se mantêm pelos anos fora, mesmo quando todos pedem nova reforma, por se verificar que os tempos ultrapassaram as intenções dos homens e que o desinteresse dos alunos não resulta do abaixamento geral do nível intelectual?
Não sei o que dizem os relatórios dos reitores dos nossos liceus sobre o plano dos estudos em vigor, mas sei o que falam e sofrem com ele professores e alunos e tenho visto pautas de resultados que são demasiado más para levarem a outra conclusão que não seja a de que o plano não serve a quem o executa. Se me perguntarem como deve ser, eu francamente responderei que não sei, nem
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me compete aqui dizê-lo como Deputado, mas apenas trazer aqui o facto político de um mal-estar generalizado, e de há. muito, sobre a forma como se processa o ensino liceal. Procurarei apontar algumas das razões desse mal-estar.
Como todas as estruturas, a do ensino liceal assenta em linhas mestras, cuja verificação tem de ser feita periodicamente, para que não sofra tanto dano toda a estrutura. Apenas a duas dessas linhas de política de ensino me vou referir, por serem, em meu entender, as de mais forte influência na solidez do conjunto: a preocupação de uma cultura de base em extensão e profundidade e a aliciação de homens para a função docente.
Do ponto de vista dos encarregados de educação, os programas estão sobrecarregados de matéria, exigindo dos alunos, exactamente na crise da puberdade, um esforço mental a que muitos se recusam. E, apesar disso, o desenho interessa apenas uma hora por semana no plano do 2.º ciclo, preparação insuficiente para quem pretende seguir preparatórios em que se exige tal matéria ou para despertar gosto por ela e definir assim um futuro. E, apesar disso, o ensino do latim faz-se apenas depois do 5.º ano, exigindo-se, porém, neste ano uma articulação do ensino da língua portuguesa com as raízes da língua latina, apresentada com mais ou menos minúcia, conforme a formação do professor.
Todos sabemos, porém, que o que falta a muitos alunos não é tempo, nem inteligência para abarcar a ciência da pilha de livros da sua preparação liceal; o que sobretudo lhes falta é método de estudo, é disciplina de estudo. Com a nossa mentalidade de adultos, apesar da preparação especial que alguns tenhamos, nós não podemos avaliar, na sua totalidade, a perturbação de espírito de um criança que, saída da instrução primária, mergulha num mundo de outras e mais responsáveis exigências. Ela deve ser como o náufrago perdido entre ondas. Generalizada a psicose de que assim é, por extensão do mar da sabedoria, antes mesmo da efectivação da matrícula nos liceus, já os pais asseguraram aos filhos a presença diária do chamado «explicador», isto é, daquele que há-de ser o acompanhante dos filhos durante o estudo, o verdadeiro preceptor, o que orienta, o que conclui.
Mas como a procura é maior que a oferta, cada um desses preceptores se equipara aos professores e assim se duplica a confusão no espírito dos alunos e cada um, à deriva, se agarra à tábua que melhor serve à sua maneira de ser. O fracasso da maioria é uma defesa contra a perturbação em que os professores, os explicadores e os pais os mantêm para além da perturbação natural de quem entra num mundo novo e de que eles, na melhor das boas-fés, os procuram salvar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não sei mesmo se não haverá já explicadores de explicadores. Parece-me que sim. Assim, não há dinheiro que chegue aos pais para a educação dos filhos, nem tempo que sobeje aos filhos para a convivência com os pais ou com as crianças da sua idade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tão atarefado se anda hoje aos 11 anos como depois aos 30 já com encargos de família, em busca de proventos. E a mocidade passa sem ter brincado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A preocupação que resulta da verificação de não terem as crianças tempo para brincar leva o pedagogo a procurar introduzir no currículo dos programas escolares tempo para brincar. E os pais, que entendem que na escola os filhos estão para estudar, aceitam naturalmente mal que a escola perca tempo e o faça perder, no seu entender, claro, às crianças. E temos assim outro binómio de forças, entre as quais a criança continua a ser joguete. De um lado, a escola a atender à necessidade lúdica da criança; do outro, os pais no receio de que essa actividade distraia os filhos do que têm por essencial. E, no meio, a criança a ouvir: agora estuda, agora brinca, estuda, brinca, e sem coragem para mergulhar no estudo e sem vontade de brincar, quando a mandam.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As brincadeiras das crianças, para serem verdadeiramente salutares ao espírito, têm de ser criadas e dirigidas por elas próprias, segundo códigos secretos que escapam aos adultos. Decerto que a escola deverá proporcionar tudo aquilo que concorra para a formação dos jovens que lhe são entregues, mas deve igualmente dar-lhes a possibilidade de encontrarem fora do programado pela escola os meios de mais completamente se realizarem. O problema não é de fácil solução, porque admite controvérsia válida dos vários ângulos sob que se encare. Trago-o aqui apenas para vincar a sua pertinência.
Sob o ponto de vista dos alunos, muita da matéria a aprender, pela minúcia de que se reveste, exige enorme esforço de memorização, dando assim aos psitacistas melhor oportunidade de êxito. Os jovens são muito sensíveis, como sabemos, a tudo o que represente injustiça, e isto de sobrepor a memória às outras faculdades tem o sabor de uma injustiça feita às qualidades que mais valorizam os homens, como sejam a capacidade de raciocínio e a inteligência.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pelo mesmo motivo, eles não compreendem que se dê prevalência às provas orais ao findar do curso geral. Pode um aluno, com provas escritas em que deu suficiente notícia do seu saber, ficar reprovado por ter nas provas orais, por circunstâncias alheias ao seu conhecimento da matéria, dois resultados negativos. Ele não é julgado pelo conjunto das provas, nem pela média das provas, mas por duas provas orais, as mais sensíveis às contingências de tempo, de lugar e de pessoas.
Prevê ainda a lei que o aluno possa terminar o curso geral com duas deficiências, uma em cada secção, que podem ter sido motivadas por uma dessas tais contingências da prova oral, mesmo com provas escritas suficientes. Aqui, porém, é uma média que se considera, mas a dos resultados orais, mas quantos alunos não vêem assim alterado o rumo da sua vida, por não poderem seguir o curso da sua predilecção? Pois se no 7.º ano se admitem já dois exames de repetição na época de Outubro, porque não permitir a tentativa de anular uma das deficiências em nova época, se for de continuar tal modalidade selectiva?
A importância que se dá às provas orais, quando em tempos idos eram as escritas que prevaleciam, pois até duas eram consentidas em cada exame para se escolher a melhor, provoca nos próprios alunos uma inibição que a frequência das aulas não contraria, porque nessas aulas o professor mal tem tempo para expor a matéria e quando
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conversa com os alunos é, em geral, por escrito. A chamada escrita não é invenção minha.
Ainda sob o ponto de vista dos alunos, muita da matéria ensinada não tem visível utilidade e os compêndios são grossos tratados que os adultos editaram para a demonstração orgulhosa de que sabem muito.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não podemos esquecer que à juventude de hoje é proporcionada uma literatura de tão avançados recursos didácticos que nela os problemas mais complexos da ciência são tornados acessíveis aos mais leigos e que, a par dos mais arrojados progressos, a juventude acha obsoletos fenómenos e princípios apresentados em seca exposição e no articulado de leis que têm de ser decoradas. Isto significa que ao excesso de matéria se acrescenta o fastio de uma didáctica posta fora de moda pelas revistas juvenis de divulgação.
Sob o ponto de vista dos professores, os programas demasiado extensos não permitem a averiguação amiúde da sua apreensão pelos alunos, forma até de o professor aferir o seu poder expositivo e de comunicabilidade, nem a revisão cuidadosa da matéria dos anos anteriores, tarefa que se deixa então à exclusiva responsabilidade dos alunos, abafados, eles também, sob o peso do programa do ano.
E, vivendo-se neste regime de cada um em luta contra o tempo, falta este para aquilo que a escola deveria dar (e, se o não der, ninguém o dará jamais) e que é a criação de hábitos de ordenação mental e material e a criação do gosto de estudar por estudar, verdadeiro factor de progresso de um povo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sair-se da escola com horror ao estudo, cultivar-se apenas por obrigação ou na mira única de uma posição social vantajosa, é um mau capital para uma nação que tem sobretudo de contar, para a sobrevivência no mundo de hoje, com a capacidade de trabalho dos seus filhos. Isto poderá ser filosofia, e não nego mesmo que não seja utópico nos tempos de hoje, mas, quanto mais se abastardam os princípios, maior é a necessidade de os proclamar, para que não esqueçam.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: A outra linha mestra que enunciei foi a da evidente aliciação de homens para a função docente., e nela me ferem também os laivos de injustiça que tingem essa boa intenção. Estão por de mais apontadas as razões do afastamento dos homens da arte de ensinar. Razões de ordem material, dizem quase todos; eu direi que também, e em muito, razões de ordem vocacional e de ordem moral. Desprezemos, porém, as razões e atenhamo-nos à verificação dos factos: os homens não vão para o ensino, apesar do engodo que se lhes atira, tratando-se mal as mulheres a quem se permitiu adquirirem exactamente as mesmas habilitações universitárias. Aqui residem os tais laivos de injustiça a que me referi. Os homens que tenham dois anos de colocação como professores eventuais poderão entrar no estágio sem exame de admissão; as mulheres têm de fazer o exame. Os homens e as mulheres com quatro anos de prática são dispensados do exame de admissão, mas enquanto os homens fazem um só ano de estágio, as mulheres têm de fazer dois. Não se conquistam os homens, por óbvias razões, nem as mulheres, com este tratamento diferente. Mas as mulheres que se sujeitam ao Exame de Estado não são mais bem tratadas, porque, estando preenchidas as vagas femininas de efectivas e de auxiliares, só lhes resta engrossar, e nas mesmas condições, a falange de eventuais sem ganho nas férias. Entretanto, muitas vagas masculinas continuam disponíveis e poderiam ser preenchidas, sem esforço especial para a Fazenda, porque estão criadas, por mulheres, embora a título precário, até ao aparecimento de homens. Não é fazendo a segregação das mulheres que se conseguem homens. É preciso mantermo-nos dentro das realidades.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quando os problemas entram em círculo vicioso, difícil é sair-se dele. Antes da explosão demográfica escolar a que vimos a assistir há cerca de duas décadas, ser professor era ter uma posição social marcada, era pertencer a uma classe prestigiada, na qual era honroso entrar-se. Por restrições que se mantiveram ou impuseram, como se estivéssemos em período normal de frequência, a entrada de professores para os quadros não acompanhou o aumento do número de turmas. Houve, pois, que recorrer a eventuais sem preparação pedagógica e muitos sequer sem as habilitações legais completas. Depressa, em maioria, os eventuais passaram a dar o tom ao ensino, e, porque nem sempre esse tom é o mais conveniente, as críticas que provoca repercutem-se sobretudo no prestígio daqueles que constituem o quadro permanente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A classe dos professores não é hoje uma classe prestigiada, nem prestigiante. Até aqueles que, sujeitando-se ao exame de admissão, não são considerados sequer aptos para a frequência do estágio de preparação para professores são admitidos no ensino como eventuais. A esses, ao menos, por decência moral, se deveria vedar o acesso ao ensino. Sei bem poder-se argumentar que, assim sendo, seriam castigados os que se dispusessem ao estágio, mas cuja entrada era negada, aliás com base em provas de cultura geral, e que os outros, embora com as mesmas deficiências, mas prudentemente escondendo-as, eram considerados. Sei bem poder-se argumentar assim, neste como em outros casos, e porque sei quão difícil é ser-se mentor em tal matéria é que termino, confessando humildemente as minhas críticas e sugestões, não como boas, mas como minhas. E cada um terá as suas, bem mais válidas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A próxima sessão será na terça-feira, dia 6, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Pacheco Jorge.
António Calheiros Lopes.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
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António José Braz Regueiro.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
João Duarte de Oliveira.
João Mendes da Costa Amaral.
João Ubach Chaves.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme Bato de Melo e Castro.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Rafael Valadão dos Santos.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves.
Teófilo Lopes Frazão.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Magro Borges de Araújo.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Fernando de Matos.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Jaime Guerreiro Rua.
James Pinto Bull.
Joaquim de Jesus Santos.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Henriques Mouta.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel João Correia.
Manuel Lopes de Almeida.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Raul Satúrio Pires.
Simeão Pinto de Mesquita de Carvalho Magalhães.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Tito Lívio Maria Feijóo.
O REDACTOR - António Manuel Pereira.
Requerimento enviado para a Mesa durante a sessão:
Requeiro que, nos termos regimentais, me seja fornecido o livro de edição oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros Vinte Anos de Defesa do Estado Português da Índia.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 2 de Fevereiro de 1968. - O Deputado, António Furtado dos Santos.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA