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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 133
ANO DE 1968 9 DE FEVEREIRO
IX LEGISLATURA
SESSÃO N. 133 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 8 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Satúrio Pires enalteceu a figura e a obra do cardeal D. Teodósio de Gouveia, a propósito do 6.º aniversário da sua morte.
O Sr. Deputado Casal Ribeiro fez considerações sobre alguns aspectos da nossa vida política na presente conjuntura.
Ordem do dia. - Continuou o debate sobre o aviso prévio relativo ao ensino liceal.
Usaram da palavra os Srs. Deputados D. Sinclética Torres, José Alberto de Carvalho, Pais Ribeiro e António Santos da Cunha.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
André da Silva Campos Neves.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António José Braz Regueiro.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Francisco José Roseta Fino.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Horácio Brás da Silva.
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Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pais Ribeiro.
José Rocha Calhorda.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul Satúrio Pires.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Sebastião Alves.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 76 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama
Do presidente, da Junta de Freguesia de Várzea Cova, Fafe, apoiando a intervenção do Sr. Deputado António Santos da Cunha sobre a estrada nacional n.º 311.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Satúrio Pires.
O Sr. Satúrio Pires: - Sr. Presidente: Apenas umas breves palavras para assinalar uma data que não deve ser esquecida.
Embora desde o princípio do meu mandato eu tenha ocupado tanto este lugar como a tribuna desta Assembleia quase sempre para expor e chamar a atenção do Governo e do País para os principais problemas económicos e de política social que preocupam a província de Moçambique, donde venho, não me posso alhear das coisas do espírito, nem dos grandes homens que, servindo Moçambique, tão alto serviram a Nação.
São decorridos seis anos que morreu na graça de Deus um grande português e um grande vulto da igreja - o cardeal D. Teodósio Clemente de Gouveia, arcebispo de Lourenço Marques. A sua veneranda figura de patriota e de prelado nunca será apagada da memória dos homens e contra ele não pode o desgaste do tempo e do esquecimento.
O cardeal Gouveia soube ser um grande, bispo português, um símbolo vivo, durante todo o seu fecundo apostolado, daquela comunhão do espírito cristão, no mais alto expoente, com a missão portuguesa no ultramar. O símbolo da mais pura e profunda tradição da grei, em que a cruz sempre guiou e sempre acompanhou a maravilhosa e ímpar expansão lusíada pelo mundo. Descobrir, civilizar, construir pátrias dentro da Pátria, à luz sagrada da doutrina de Cristo, tal foi sempre o pensamento e a acção dos Portugueses desde os confins da nacionalidade até ao presente, até ao futuro.
D. Teodósio foi acima de tudo um grande patriota, prestigiando ao mesmo tempo á Nação e a Igreja e unindo sempre no seu luminoso espírito a sua responsabilidade como pastor de almas e o seu amor à pátria que lhe deu berço.
E nesta época grave para o nosso ultramar, em quê defendemos com as armas na mão a integridade nacional e o espírito de missão que projectamos no mundo, está ainda connosco bem viva a memória deste grande português; deste homem inteligente e bom, verdadeiro exemplo que se impõe apontar à recordação de todos nós.
Foi D. Teodósio o primeiro cardeal de África, e, durante muitos anos, o único.
O enorme prestígio que gozava em Roma e nos mais altos meios europeus e brasileiros foi sempre posto ao serviço da Pátria, esclarecendo, defendendo, explicando a missão transcendente dos portugueses em África e na Índia.
Muito lhe deve a Igreja, sim, mas também muito lhe deve Moçambique.
Tive o privilégio de o conhecer de perto e de acompanhar a sua obra de missionário. Pude admirar a sua inteligência, a sua cultura, a sua modéstia, a sua bondade. Que neste sexto ano passado da sua morte Moçambique possa concretizar uma modesta homenagem à sua memória. E que o Governo e as autoridades responsáveis tornem possível e efectivem a ideia tão justa de lhe erigir uma estátua em Lourenço Marques, naquela terra que tão bem serviu e junto, daquela gente que tanto amou. Faço este apelo por ser de inteira justiça e de tão fácil realização.
A gratidão é sempre um belo sentimento.
Ao terminar, curvo-me reverentemente perante a memória do cardeal Gouveia e peco humildemente a sua intersessão junto de Deus por Moçambique e por Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cazal Ribeiro: - Sr. Presidente: As palavras que vou proferir, e não serão longas (embora longos devam ser os momentos de reflexão que elas provoquem), foram objecto de uma luta de consciência travada dentro de mim próprio: por um lado, o espírito de combate que sempre me anima quando me encontro perante problemas que ao nosso país dizem respeito; por outro,
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a minha condição de homem, que, embora com algumas responsabilidades políticas, nunca delas se serviu, nem servirá, para obter a mais ínfima parcela de uma posição alcançada unicamente à custa de esforço próprio, de muita luta, muita canseira, algumas alegrias e amargas desilusões, não tantas, porém, que dos homens tenha descrito completamente ... E se a ideia de as alinhavar e proferir neste local prevaleceu, foi porque, justamente no momento em que passei as minhas ideias ao papel, se completavam, dia por dia, 41 anos que, em Lisboa, rebentava a revolução conhecida na história pelo «7 de Fevereiro» - a mais longa e a mais mortífera das muitas a que assistira um adolescente de 13 anos de idade imcompletos.
Precisamente à hora em que evoco o facto, combatia-se asperamente na capital deste martirizado país, saído havia apenas um ano do caos em que fora lançado por alguns políticos, na base de cuja acção partidária e negativa estivera a quedado regime monárquico; mais do que no número dos seus adversários políticos, que, em nome de quimeras então em voga, se tinham arvorado em paladinos de uma liberdade que em nada viria a servir o País, e, pelo contrário, impiedosamente o encaminhavam, para a mais rotunda falência financeira e económica, esvaziado o erário público, desprestigiadas as instituições, sem dirigentes à altura, perfeitamente desgovernado, como uma velha nau, embora gloriosa, sem velas, nem comando, à beira do naufrágio...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A revolução de 7 de Fevereiro seria a última tentativa a valer para retirar o poder aos homens do 28 de Maio, valorosos, mas imprecisos ainda quanto à melhor política de saneamento moral e material, que, apesar de todas as boas vontades, ia tardando.
Foi talvez, repito, a evocação desse facto que me decidiu, mais uma vez, a erguer a minha voz nesta Assembleia, onde ocupo um lugar a que nunca aspirei, para, também mais uma vez, lançar um apelo à consciência dos homens da minha geração e aos mais novos sobre factos que ninguém ignora - mas parece - e aos quais urge pôr termo para que outro 7 de Fevereiro não surja e possamos, atentamente e plenos de confiança e de serenidade, «aguentar» até que o mundo, em constante mutação, se aperceba quanto é grande o nosso sacrifício em defender uma civilização que não é apenas nossa, mas de todo o Ocidente, e cuja luz também levámos por esses oceanos na descoberta de novas terras, onde se implantou, com a cruz de Cristo, o génio da nossa raça.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não poderemos perder, no último minuto, os direitos a que nos guindaram feitos antigos, que na história se têm repetido como uma afirmação ímpar de força de vontade e de fé, que está certamente na génese da nossa presença nessas terras distantes, onde o sangue, o suor e as lágrimas dos nossos maiores, e hoje dos nossos filhos, marcam de forma indiscutível uma razão que ninguém se atreve a refutar com argumentos válidos, embora tudo se faça para impedir a nossa presença: o maior exemplo que obsta à subversão total do continente africano, que as forças do mal procuram, e a alta finança de certos países ocidentais estimula, perante a espantosa inconsciência, ou impotência, de algumas nações que ali viveram durante séculos, sem contudo se integrarem, como nós, na alma e no coração dos povos autóctones.
Tudo isto está dito, mas não parece ser de mais repeti-lo, porque elementos há, na política e por toda a parte, que parecem ignorar o mau exemplo que constitui as suas atitudes, não direi sempre hostis, mas, muitas vezes, demasiado reticentes, ia a dizer cépticas!
No momento em que o venerando Chefe do Estado é apoteòticamente recebido na Guiné, embora custe o facto a «certos enviados especiais» de determinado sector da imprensa portuguesa, desmentidos, aliás, pela realidade dos factos, que os écrans da televisão levam à justa apreciação do bom povo da nossa terra; na precisa ocasião em que, em três frentes do espaço português, a nossa generosa juventude dá o seu melhor esforço e o seu sangue na defesa desta terra que devia ser sagrada para todos; portugueses há (e serão de facto verdadeiros portugueses?) que se entretém, à falta de melhor assunto, a minimizar os acontecimentos, sobrepondo a eles dúvidas e interrogações em que denotam apenas covardia, e nunca amor à Pátria; mais perfídia do que a dos nossos próprios inimigos; mais inconsciência do que vontade de remediar os efeitos das leis inexoráveis da natureza, procurando, doentiamente, soluções que, realmente, denotam mais pobreza, de espírito do que vontade construtiva de colaborarem na continuidade do Regime, que incarna, ao fim e ao cabo, a boa causa nacional!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Uns, que se remetem a silêncios estranhos, equívocos, lamentàvelmente mantidos perante mentiras (e sê-lo-ão?) que impunham imediato e indignado esclarecimento.
Outros, com egoísmo mascarado de sagacidade e interesse, dão opiniões - que nunca deram quando deviam - e procuram, agora, soluções que ignoraram quando tinham qualidade e obrigação de se pronunciarem.
Há, realmente, quem se preocupe demasiadamente, não com o destino da Pátria, que é eterna, mas do Regime, que a fez reviver das cinzas em que a tinham lançado, e dos chefes, que foram a alma das realizações efectuadas; mas até esses, que nada fazem de construtivo e apenas falam, não têm nenhum objectivo claro, transparente, determinado - quero realmente crer que não o tenham. Desejarão, porventura, fazer-se notar, para que deles se lembrem, neles pensem, como possíveis soluções daquilo que pretendem constituir o caso português...
Bem instalados na vida, usufruindo situações a que um passado - nalguns casos bem recente - lhes deu discutível direito, mas que o presente nada justifica, criticam, falam e apenas não conspiram porque até para isso seria precisa uma coragem que não têm!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Estas minhas palavras, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não são o resultado de um espírito doentio a trabalhar; todos nós sabemos igualmente que não são fruto de imaginações mórbidas de psicopatas... Todos nós os conhecemos, encontramo-los a cada passo; procuram mostrar-se interessados na vida pública, e apenas defendem os seus interesses - alguns inconfessáveis!
Sr. Presidente: Estamos quase no fim de uma longa e árdua escalada! Quando corremos para Angola, «ràpidamente e em força», sabíamos que a luta seria longa e dura. Vencemos; o mundo começa a acordar de uma longa letargia. Nem sei se o seu despertar, que lenta-
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mente se vai registando, será total e ainda a tempo de salvar o que resta d u humanidade, tal como- a concebemos e desejamos manter. Mas nós, que não adormecemos, nós que lutamos valentemente desde o primeiro momento em que fomos atacados, nós que sozinhos, «gloriosamente sós», enfrentámos o inimigo que nos combatia ou traía; nós que tão poucas ajudas temos recebido no decurso desta longa campanha, por isso são mais valiosas as que se registaram, não podemos, sob pena de também trairmos, abandonar a corrida - contra o tempo, em que mão de mestre nos tem sabido conduzir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Milhares de vítimas civis, centenas e centenas de soldados mortos, cuja memória clama determinação, ou de mutilados, cuja presença ordena brio e coragem, não pedem ser esquecidos, nem a sua abnegação pode permitir tibiezas.
Temos que lutar na frente interna com a mesma vontade de que estão possuídos aqueles que na Guiné, em Angola e em Moçambique jogam a vida a cada instante pela continuidade da Pátria.
Sr. Presidente: V. Ex.ª foi um professor ilustre; é um político esclarecido; não teme nem o mal, nem as consequências de uma constante e patriótica coerência política; V. Ex.ª, melhor do que ninguém nesta Câmara, pode ser o testamento da luta que, às vezes ingloriamente, se trava pela Pátria. São muitos e transcendentes os assuntos que nela se discutem. Mas, fazendo como variante um pouco de política, desmascaremos - mesmo sem ter que mencionar nomes - os que deterioram, ou pretendem - fazê-lo, os alicerces do Regime e oponhamo-lhes a mais aberta, a mais frontal resistência! Sem isso, Sr. Presidente, de nada terá servido o sacrifício a que a. Nação generosamente se tem prestado!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tal como no dia 7 de Fevereiro de 1927, a determinação de alguns apressou o estertor dos inimigos do Regime, é preciso, é urgente, é indispensável, que haja quem vença, sem contestação possível, aqueles que -falsos amigos e correlegionários - constituem o maior óbice à vitória total das nossas gloriosas forças armadas e da nossa política.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio acerca do ensino liceal a cargo do Estado.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada D. Sinclética Torres.
A Sr.ª D. Sinclétioa Torres: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Esta minha intervenção no debate sobre o ensino liceal oficial é mais um testemunho de que no ultramar, neste caso em Angola, também temos os nossos problemas, como aliás, o afirmou o ilustre Deputado Vaz Pires quando leu o seu aviso prévio.
Angola em certos aspectos faz lembrar aquelas crianças que ainda mal se equilibram e querem correr depressa.
É evidente que as crianças chegam à altura de poderem correr e às vezes até se tornam bons atletas!
Tenho a certeza de que também aquela maravilhosa província portuguesa, generosamente mimoseada com todos os recursos, terá, e talvez muito em breve, o seu momento de caminhar firme e segura.
Todavia, por enquanto, dentro da minha modesta maneira de ver, sou de opinião de que em muitos casos, se quisermos usufruir de bons resultados, seria bom termos sempre presente aquele adágio muito nosso, muito português: «Devagar se vai ao longe.»
Sem dúvida que uma das causas das dificuldades que atravessamos é o desenvolvimento em ritmo acelerado que se tem vindo a notar, ano após ano!
Para dar uma ideia muito sumária desse desenvolvimento, direi que em 1960 a província contava apenas com cinco liceus, que eram:
O Liceu de Salvador Correia, em Luanda, o primeiro liceu de Angola, inaugurado em 1919;
O Liceu de Diogo Cão, em Sá da Bandeira, inaugurado em 1929;
O Liceu feminino de D. Guiomar de Lencastre, em Luanda, com data de 1954; e finalmente,
Dois liceus inaugurados no mesmo ano de 1956, que são: o Liceu de Nova Lisboa e o Liceu do Comandante Peixoto Correia, na cidade de Benguela.
Estes cinco liceus oficiais eram frequentados, ao todo, no ano lectivo de 1960-1961, por cerca de 3959 alunos, assistidos por 138 professores.
De estão para cá assiste-se a um verdadeiro renascimento do ensino em toda Angola; mas referir-me-ei apenas ao ensino liceal oficial.
Assim, em 1955-1956 tínhamos apenas três liceus em toda a província.
De 1956 a 1960 passámos a ter cinco, ou sejam os três antigos e mais os dois últimos já referidos, que são os de Benguela e Nova Lisboa.
Finalmente, entre 1961 e 1963, no curto espaço de dois anos, assiste-se, nada mais nada menos, do que à inauguração de quatro novos liceus, que vêm a ser:
O Liceu do Almirante Lopes Alves, no Lobito;
O Liceu de Paulo Dias de Novais, em Benguela;
O Liceu do Almirante Américo Tomás, em Moçâmedes;
O Liceu do Dr. Adriano Moreira, em Malanje.
Pelos elementos que pude reunir em breve espaço de tempo, posso afirmar que a frequência de alunos em todos os nove liceus oficiais foi, no ano lectivo de 1965-1966, de cerca de 8841 alunos, assistidos por 291 professores, e distribuídos da seguinte forma: 4331 para o 1.º ciclo; 3202 para o 2.º ciclo, e 1308 para o 3.º ciclo.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: É chegado o momento de testemunhar desta tribuna o meu profundo sentimento de gratidão, e nele envolvo de certeza o reconhecimento de todos os pais e educadores que por aquelas terras vivem e trabalham, pelo importantíssimo esforço que o Governo tem feito neste últimos tempos e a esta parte no campo da educação naquela província ultramarina.
Foi tudo muito depressa, há deficiências, mas não podemos negar a obra valiosa.
Agradecendo ao Governo, agradeço a S. Ex.ª o Ministro do Ultramar e à Direcção-Geral do Ensino e Secretaria Provincial de Educação, que se debruçaram sobre estes problemas, dando o melhor do seu esforço e do seu saber. De resto, o principal está feito. As dificuldades, as falhas, são problemas locais que dependem essencialmente de uma orgânica bem delineada e também do factor tempo; pois com a instalação dos Estudos Gerais, havemos de
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vir a ter professores competentes e em número suficiente para as necessidades.
Por enquanto é difícil encontrarem-se professores ou professoras em perfeitas condições para o exercício das suas funções. E se nos principais liceus os quadros estão regularmente preenchidos, o mesmo não sucede com os restantes espalhados pela província.
Isto se deve em parte ao facto de os vencimentos não serem aliciantes, embora sejam superiores aos da metrópole.
Aliás, como já tem sido debatido e também estudado, em profundidade pelo Governo, a melhoria de vencimentos para todos, os funcionários públicos da província é uma necessidade que se impõe; mas temos também obrigação de compreender que há outros compromissos bem mais graves e ingentes que não podem ser protelados, como, por exemplo, a promoção social das populações rurais, porque não há dúvida de que o Sr. Governador-Geral Rebocho Vaz está totalmente integrado nas vicissitudes do momento presente quando afirma:
Justiça social e equilíbrio nacional, melhoria de vida colectiva e mais adequada distribuição dos bens materiais são factores limitativos ou impeditivos de qualquer clima subversivo.
É de facto pena que nem todos compreendam esta verdade!
Outro problema que temos é o das licenças graciosas.
Não sou de opinião de que se eliminem estas licenças pelo facto de a professora ou professor fazer falta no liceu, mas concordo plenamente com o Sr. Deputado Rocha Calhorda quando afirmou deste mesmo lugar que essas licenças deviam ser mais controladas.
Devo contudo esclarecer que as licenças graciosas podem ser gozadas dentro da província e podem até ser rejeitadas, no caso de o funcionário fazer falta ao serviço a que pertence.
De resto, sempre tive uma particular estima e admiração pelos professores. Lembro-me de que no meu tempo de estudante, principalmente do ensino primário e secundário, encontrei sempre em cada professor um grande amigo também. Hoje sou mãe e vejo neles os continuadores da obra que nós iniciamos em casa com desvelado carinho e amor, procurando sempre atingir um ponto comum: prepararmos a criança para que amanhã se torne um cidadão útil à Pátria e à sociedade e ainda o nosso próprio juiz.
Ora, com pouco pessoal docente escusado será dizer-se que os professores estão muito sobrecarregados de trabalho, e, quando outra razão não houvesse, bastaria essa para, no caso de estarem nas condições previstas pela lei, lhes ser concedida a desejada licença para um justo e merecido descanso.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Mas se essa é condição necessária e justa, temos por obrigação estudar uma plataforma capaz de suprimir uma outra deficiência também bastante importante: a falta de aulas por ausência de professores, direi mesmo, como já sucedeu, retardar a abertura do liceu por falta de professores.
As consequências deste estado de coisas todos estamos em condições de as deduzir.
Sr. Presidente: Acerca dos programas já os Srs. Deputados que me antecederam nos deram uma perfeita lição, abordando o assunto com clareza e com aquele saber de experiência feito, como diria Camões.
Limitar-me-ei, pois, a formular um voto para que as entidades competentes estudem a sério os programas, e, sobretudo, na elaboração desses programas tenham presente assuntos relacionados com o ultramar, para que a, nossa juventude adquira um conhecimento perfeito de todo o território nacional.
Repito o que já afirmei nesta Assembleia: é necessário que nos livros de estudo se foquem mais amplamente os termos ultramarinos, não só para que os fiquem todos a conhecer, mas ainda porque será uma forma de estreitar cada vez mais os laços de amor e fraternidade que nos devem unir.
O regresso do latim ao curso geral, já aqui tratado, tem o meu voto de concordância.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Que me perdoem os mestres presentes por meter a foice em seara alheia.
Outro aspecto que desejaria deixar assinalado é o problema do livro único.
Longe vai a época em que os livros passavam de pais para filhos. Hoje, nem de irmãos para irmãos.
Como atravessamos um período de grandes e sérias transformações em todos os domínios da ciência, da investigação, da arte e até da própria história, é possível que haja uma justificação plausível para esse sortido de livros.
Mas para Angola também temos um problema grave para solucionar, porque as casas editoras dos livros únicos não conseguem fazer a cobertura total das necessidades da província.
Desta forma, por vezes antes mesmo de as aulas abrirem, já os pais e encarregados de educação estão preocupados porque o livro está esgotado no mercado local.
Com paciência e boa colaboração todos estes casos, com o tempo, serão resolvidos.
Apesar de tudo, foi com profunda satisfação que falei acerca dos problemas de Angola. E sinal de que continuamos a ser um povo que sabe o que quer e o que faz. E, embora enfrentando uma luta à retaguarda, sabemos encarar com invejável optimismo todos os problemas que representam de uma forma irrefutável o desenvolvimento e o progresso de todo o espaço português.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A oradora foi muito cumprimentada.
O Sr. José Alberto de Carvalho: - Sr. Presidente: Durante o debate que o aviso prévio sobre educação e ensino suscitou nesta Câmara foram desenvolvidos os critérios em que assentam as preocupações quanto aos problemas do ensino nos seus diversos sectores. Certamente que em tão vasto campo a atingir pelo aviso prévio os assuntos sectoriais teriam de ser tratados numa grande amplitude definidora das linhas gerais, não podendo descer por isso à preocupação de pormenor que este aviso prévio permite e que tão sabiamente foram definidas pelo ilustre avisante na sua intervenção. Poderia dizer que a valiosa experiência do nosso colega Dr. Vaz Pires e o seu conhecimento profundo dos problemas que envolvem todas as preocupações que estão na base da razão de ser do debate deram-nos a conhecer já tudo o que poderia ser dito sobre o assunto.
Para além dessa intervenção, o facto de estar o Sr. Ministro da Educação Nacional enpenhado em sério e aturado trabalho de renovação das estruturas do nosso
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ensino parece aconselhar que esta minha intervenção se circunscreva a determinado limite. No entanto, julgo que o desejo de todos nós, ao intervir no debate, é contribuir eficientemente para uma melhor concretização desse programa, dando ao grupo de trabalho que o realiza a versão que muitas vezes falha aos que no silêncio dos gabinetes equacionam e resolvem.
O ensino liceal, que até agora se seguia normalmente ao ensino .primário, virá de futuro, e a partir do ano lectivo de 1068-1960, a seguir ao ciclo preparatório, que se situa precisamente na posição intermédia entre o ensino primário e o ensino secundário (liceal e técnico), tendo como finalidade a observação dos alunos e a sua orientação escolar, com vista a descobrir aptidões e tendências e a aconselhar sobre opções futuras, sem postergação, no entanto, da liberdade fundamental de escolha da carreira que se quer salvaguardar (discurso do Prof. Galvão Teles).
No trabalho de preparação para o lançamento deste novo ciclo tem-se empenhado a Direcção de Serviços do Ciclo Preparatório, a qual terá de resolver de forma segura todos os assuntos inerentes e que interessam sobremaneira à sequência dos estudos, razão por que não seria descabida a sua consideração, ao jeito de prefácio, no desenvolvimento deste, debate. No entanto, e considerando as palavras proferidas pelo Prof. Galvão Teles no acto da posse do director de serviços, reveladoras desse cuidado e dessa atenção, parece-me desnecessária a preocupação, pois que nesse dizer se afirmou textualmente:
Demoradas e profundas reflexões, meditação sobre experiências estrangeiras, e nalguns casos seu exame in loco, numerosas consultas c inquéritos, auscultação directa, de necessidades e possibilidades locais, colheita de abundantes dados, intermináveis sessões de trabalho, redacção de delicados textos legais e regulamentares, alguns de grande extensão, definição de planos de estudo, elaboração de programas e directrizes didácticas, preparação e publicação de compêndios, estabelecimento de redes escolares, estudos e diligências sobre instalações, umas difinitivas, outras provisórias, seu apetrechamento, criação e montagem de serviços, realização de cursos de aperfeiçoamento de docentes - eis um enunciado incompleto, e sem dúvida insuficientemente expressivo, da soma de esforços que vem demandando o duplo empreendimento de uma generalizada e renovada escolarização subsequente ao ensino elementar.
Temos assim que o Ministério está atento a todos os problemas, sendo, a causa da demora verificada entre o anúncio do planeamento da acção educativa e a sua total efectivação a grandeza do empreendimento, a dificuldade na obtenção dos meios indispensáveis e a seriedade que se deseja imprimir ao trabalho, critério com que na verdade se concorda, por ser o mais coerente com uma séria política de realizações. Porém, alguns problemas são tão graves, e tão premente é a necessidade de uma solução, que seria bom considerar-se na vantagem que poderia advir para o todo com a sua solução, independentemente do trabalho de conjunto, muito embora se condicionasse essa solução a futuros ajustamentos ditados por uma coordenação que desse conjunto resultasse necessária.
Ao entrar na fase de realização quanto aos planos do novo ciclo, que irá funcionar inicialmente nos mesmos edifícios dos liceus e escolas técnicas, surge como natural a comparação que se fará entre os novos métodos e critérios que irão presidir ao desenvolvimento desses planos e aqueles métodos e planos de ensino que hoje constituem, e continuarão a constituir, os currículos dos diversos anos do ensino liceal. Enquanto ali se tratará de criar um ambiente de renovação pedagógica e espiritual, levando os alunos a uma activa integração na vida escolar, e tendo em conta, no desenvolvimento das matérias dos programas, as interligações das disciplinas no trabalho de formação que se tem em vista, o ensino liceal continuará a proporcionar um ensino divorciado das necessidades que o presente reclama, alheando-se sistemàticamente do aproveitamento dos valores, com vista à sua real integração no ambiente em que terá de viver.
Os programas que hoje regem as disciplinas carecem de realidade, cheios como estão da preocupação, já ultrapassada, da criação de um sentido utilitário, todo ele baseado num exagerado enciclopedismo que cansa e não consegue interessar.
Professores e alunos fatigam-se a estudar a matéria dos currículos, o que não permite aos primeiros as necessárias demonstrações experimentais - tanta vez ainda impossíveis por falta de apetrechamento competente nos liceus -, levando os alunos a uma enfadonha memorização, sem qualquer expressão que os possa esclarecer a respeito da necessidade da obtenção desses conhecimentos.
Ora até nesta fase do desenvolvimento o indivíduo não aceita espontaneamente uma inoculação de saber, sistema que é contrário ao mais elementar princípio pedagógico e, o que ainda é mais evidente, ao mais elementar sentido de preparação do indivíduo para a vida em sociedade.
A rotina impressa nesses programas leva naturalmente os professores a uma rotina didáctica que comanda toda á vida escolar, criando um ciclo que envolve mestres e alunos, privando-os assim de iniciativa e interesse.
Mas o que é pior é que tais programas conduzem os professores a um isolamento da matéria da sua disciplina em relação ao trabalho de conjunto que deve presidir ao desenvolvimento do currículo escolar, prejudicial ao desenvolvimento harmónico do aluno. Esse facto, na maioria dos casos, faz com que se não sinta no ambiente liceal que esta ou aquela matéria não é uma coisa inerte, sem qualquer expressão no trabalho de conjunto, actuando da mesma forma no processo de formação viva da personalidade do educando.
E quando os jovens não sentem o influxo de uma real integração de todos os que têm o dever de contribuir para a sua educação, cedem à, natural tendência de se divorciarem das disciplinas de menor permanência hebdomadária ou daquelas em que o mestre é mais compreensivo e mais companheiro, mantendo-se assim apartados do processo educativo geral, cujo alcance não podem ainda compreender.
Desta forma, não havendo qualquer interligação entre as disciplinas, ignorando-se o valor das ciências no aprendizado das letras e vice-versa, os objectivos deslocam-se para certo ensino verbal, cujos resultados apenas podem ser comprovados por meio de exercícios escritos e algumas chamadas orais.
Pode mesmo dizer-se que, tal como estão organizados os programas, o único ensino possível é o que se divorcia do sentido formativo, parecendo, pois, normal e- certo o modo de avaliação do saber hoje seguido, onde a nota é que tabela o aluno e o exercício é a única forma conhecida para a determinação dessa nota. Desta forma, não há aluno-pessoa, mas aluno-nota, o que se exprime em termos de informação de que tal rapaz é um aluno de treze ou catorze, valores esses através dos quais se pretende abranger todo um conhecimento intelectual e psíquico, ignorando-se os tipos e os perfis psicológicos desses rapazes e raparigas nivelados por um padrão comum.
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Numa natural sequência, aos programas seguem-se os livros e compêndios escolares, os quais enfermam do mesmo mal, e, porque por eles se guiam os professores e se orientam os alunos, poder-se-á afirmar que são os autores desses compêndios os verdadeiros orientadores da acção educativa dos nossos jovens liceais. Sobrecarregados de matéria exposta em linguagem pouco acessível, normalmente os livros não correspondem a um ensino moderno e em conformidade com as necessidades de coordenação que deve presidir aos actos de educação. Vemos por exemplo dar-se num livro excessiva importância a certa parte da matéria em determinada disciplina, enquanto naquela de que especificamente faz parte tal assunto é tratado superficialmente, porque não tem o valor que ali se julgava importante. Tudo isto que se verifica, quer através dos compêndios, quer ainda pela forma como os assuntos são desenvolvidos durante as aulas, mais não é do que mera consequência da falta de coordenação das actividades dos professores dentro dos liceus, ou, aqui com mais importância, pela falta de coordenação que presidiu aos trabalhos de elaborarão dos programas.
Hoje, o professor interessado, a fim de proporcionar aos seus alunos os conhecimentos novos que o interesse e o seu saber obtiveram, procede por adição, tornando-se os livros desta maneira, acrescentados pelos apontamentos verdadeiros monumentos em quantidade de saber, passando assim a ser para determinados alunos obras de arte que se respeitam e não se devem tocar. Parece-me de absoluta necessidade aligeirar os programas existentes para o que hoje constitui o 2.º ciclo, que é a base do ensino liceal e talvez encarar a necessidade de agrupar determinadas disciplinas de modo a serem dadas pelo mesmo professor, que desta maneira garantiria a unidade indispensável ao processo educativo.
Não seria possível, por exemplo, estabelecer uma certa ligação entre a literatura e a história, ou até entre estas disciplinas e a geografia, de modo a possibilitar, o mesmo professor a fazer no ensino a síntese dos conhecimentos destas disciplinas no sentido de uma mais real identidade entre os interesses e as vantagens que resultam para o homem do seu conhecimento? E se algum estudo mais profundo for considerado necessário, ele viria no último ciclo, onde uma mais ampla diversificação por alíneas no sentido de especialização eliminaria o supérfluo e aumentaria o essencial.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pôr-se-á então a questão: qual deverá ser e como determinar o conteúdo dos programas adequados à formação dos homens de que a sociedade de amanhã virá a ter necessidade?
A solução desta questão só poderá ser encontrada, julgo, num trabalho de equipa entre educadores, sociólogos e psicólogos, os quais deverão trabalhar em conjunto na organização dos programas escolares. De qualquer modo, com um só professor para cada grupo, ou com mais de um professor para cada grupo, parece-me que seria da maior conveniência estabelecer certa ligação entre as disciplinas que o constituem, de forma a possibilitar as sínteses que viriam a constituir efectivamente a resposta indispensável e útil à necessidade de saber dos alunos e ao interesse.
E, por esta razão, justifica-se da maior conveniência a criação de gabinetes de coordenação de actividades e de relações humanas dentro dos liceus, que teriam como função não só estabelecer o intercâmbio de opiniões e actividades entre os professores, como ainda a de criar as condições de relações professor-aluno tão úteis à formação de um ambiente propício ao desenvolvimento de um trabalho sério de educação dos jovens, tendo em vista a sua futura integração na sociedade.
Naturalmente que estes factos sugerem a modificação dos métodos e das estruturas, de forma a dar ao professor do ensino liceal a possibilidade de estar mais em contacto com os seus alunos, conhecendo-os, desenvolvendo um ensino de relação que permita ao aluno conhecer-se e avaliar as suas potencialidades. Com a diferenciação que resultará do trabalho de educação processado no ciclo preparatório, ao ensino liceal virão a ser admitidos os alunos que, de qualquer maneira, tenham revelado tendências especiais, ou interesse normal, para as especializações no campo dás ciências humanas, matemáticas ou naturais, o que pressupõe ainda mais a necessidade de conduzir e orientar o ensino sob o aspecto que aqui deixo apontado.
Certos pedagogos pensam que a função natural que compete à maior parte dos; estudantes é menos escutar para reflectir do que agir para reflectir, o que quer dizer que os estudantes do ensino primário e secundário terão de viver um mundo concreto, tanto mais que apenas a partir dos 16 anos é que o jovem encontra em si maiores possibilidades de abstracções e especulações teóricas. No dizer de Dodisson:
Estar frustrado é, com meios normais, não ter encontrado em volta de si o apoio necessário e em si mesmo ,a confiança suficiente para ter interesse, gosto, paciência para se abrir para um mundo de conhecimentos cuja maior parte parece sem ligação com a realidade vivida em cada dia e sem abertura para o dia seguinte. A repulsa dos adolescentes em relação às disciplinas escolares pode ser vencida desde que, através das actividades mais variadas, lhes seja oferecida a oportunidade de se valorizarem, de tomarem consciência de si como indivíduos autónomos e responsáveis.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Desta maneira se deduz que a aprendizagem se não deve fazer através de um ensino de aspecto geral servido de exemplos ou experiências colhidos na vida, mas sim com base numa vida profissional, que necessita para o seu desenvolvimento do Português, do Francês, da Matemática, etc.
Para melhor concretização deste meu ponto de vista direi, com Schwartz, que a instrução não deverá ser nem unicamente abstracta, nem unicamente concreta, nem, consequentemente, unicamente teórica ou prática. Ela deverá partir do trabalho- diário para atingir a cultura, retomar a experiência quotidiana para se expandir u alargar o campo dos conhecimentos, sempre com a finalidade de abrir a visão, permitindo a cada um adaptar-se melhor a toda a transformação.
Mas para a realização deste plano resulta como evidente que não é possível conseguir-se essa finalidade sem que o problema da constituição numérica das turmas esteja resolvido. Tendo um professor diante de si 38 a 40 alunos para cada turma, número que se multiplica segundo a quantidade de turmas de que está encarregado, dificilmente lhe será possível estabelecer os contactos e os conhecimentos individuais que lhe permitam um trabalho de relação que origine a transferência de simpatia indispensável ao clima ideal no sentido da formação da juventude que nos dias de hoje é cometido à escola. Dada, porém, a carência de edifícios, uma solução se impõe - o aproveitamento em pleno dos edi-
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fícios existentes, desdobrando o sen funcionamento sempre que necessário. Concordo em absoluto que é mais eficiente um ensino em regime de desdobramento, desde que os programas e horários estejam orientados nesse sentido, do que o sistema adoptado por alguns liceus de utilizarem as dependências destinadas a ginásios, salas de física, e laboratórios, bem como, e ainda pior, pequenos cubículos ou gabinetes, como salas de aula. Parece desta maneira que se desconhece assim o valor de tais instalações para um bom e moderno ensino, onde, a par de uma instrução e educação intelectual, conta a educação física e artística e o ensino experimental, pelo que as instalações destinadas a essas actividades «levem, estar livres, a fim de que no momento oportuno possam ser utilizadas.
Considerando apenas os aspectos sobre os quais incide a minha atenção, uma reforma do ensino liceal deveria ter em conta:
Matérias, programas e métodos de ensino; espírito de acção educativa, devendo os programas ser concebidos com vista a assegurar aos alunos e professores a maior autonomia possível;
Definição dos critérios sobre os quais se fará a determinação das aptidões individuais, com vista à orientação, procurando-se determinar a modalidade de equilíbrio entre os direitos da família, da própria inteligência e o interesse do País;
Progressão de estudos no sentido da determinação do número de horas necessárias para cada disciplina e número de anos de duração dos ciclos, com vista a uma efectiva e racional assimilação dos programas.
Outros aspectos haveria a considerar se não quisesse confinar-me ao condicionalismo a que me propus no início desta minha intervenção. São fundamentais, porém, e relevantes sobre todos os pontos não só as questões já apontadas, como ainda aquelas que se prendam com os horários e orgânica dos serviços. Não me debruçarei sobre eles, tanto mais que com competência os tratou o ilustre avisante, mas, e ainda na linha do meu pensamento, quero apenas dizer que, no meu entender, cada estabelecimento de ensino, e aqui mais especificamente cada liceu, não deverá cuidar apenas de instruir os seus alunos e de proceder ao seu desenvolvimento individual sem ter em conta a sua integração social.
Ora cada indivíduo vê o seu trabalho e até os seus próprios pensamentos influenciados por muitas condições de vida colectiva que o inspiram, o condicionam e impelem; na medida em que estas condições possam ser tomadas em consideração no processo educativo, melhor se dará o equilíbrio entre a expansão dos atributos pessoais e as necessidades genéricas de adaptação.
Este facto, se outros não houvesse, justificaria o desejo dos povos de albergar nos seus limites os estabelecimentos de preparação e formação da sua juventude.
Por isso mesmo tanta vez nos tornamos aqui paladinos defensores das pretensões dos concelhos, tanto mais que sabemos serem insuficientes os liceus para a satisfação de tantas necessidades sempre crescentes, numa progressão que preocupa o Ministério.
Um outro aspecto a considerar é o do pessoal docente. Em vários países, e a França situa-se no primeiro plano, atendendo à sua preocupação em realizar uma reforma do ensino capaz d« corresponder às suas sempre crescentes necessidades, chegou-se à conclusão de que, é quase impossível modernizar os sistemas educativos sem encarar, em termos da resolução, a questão da falta de pessoal docente convenientemente preparado. Quanto a esta última parte da condicional, chegou-se mesmo a admitir que a preparação deveria ser feita em regime de trabalho contínuo e actual, pela efectivação de cursos de aperfeiçoamento e actualização, o que, em certa medida, viria a resultar mais eficiente, pela permanente actualização a que sujeitaria o pessoal ensinante. Fica, pois, a questão de conseguir atrair à função o número de candidatos indispensáveis para assegurar as reformas, atendendo ao constante» aumento de necessidades que o afluxo, cada vez maior, de estudantes ocasionará.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sem a criação de condições que tornem função remunerada em equivalência com as solicitações feitas pelas entidades privarias, dificilmente será possível vencer essa barreira, pois que, naturalmente, os melhores ou os mais suficientemente dotados económicamente continuarão a encontrar nessa actividade melhores e mais rendosas compensações para a rentabilidade dos cursos que tiraram. Fica então a pergunta sobre se será este o momento mais oportuno para nos lançarmos numa reforma que não poderá vingar sem que esteja suficientemente assegurado essa número de professores em condições de darem função todo o seu tempo e o melhor do seu esforço e saber, precisamente no momento em que o País se encontra seriamente empenhado em «aumentar o seu poder industrial e económico, num grande esforço de desenvolvimento para o qual são necessárias todas as capacidades válidas, que não soubemos preparar em número suficiente.
A melhor oportunidade para essa reforma deixámo-la passar quando ainda era possível encontrar como desempregados muitos licenciados pelas nossas Faculdades e mesmo quando ainda era possível encontrarem-se quadros docentes completamente preenchidos. Infelizmente, quando essa situação se verificou, não se pensou em que necessariamente teríamos de caminhar para um alargamento da escolaridade e para uma abertura mais democrática dos benefícios da educação a todas as camadas da população jovem. Estagnou-se sobre a conquista e, até, em certos sectores, encerraram-se as escolas de preparação de professores, para em seguida, como prova tia falta de visão dos responsáveis, se nomearem professores ad hoc sem o mínimo de preparação pedagógica.
E assim foram perdidos muitos anos e muitas ocasiões únicas de se realizar no País, em boas condições, uma verdadeira reforma.
Em 1964 havia em exercício nos nossos liceus 1966 professores, dos quais apenas 888 possuíam Exame de Estado (551 efectivos, 71 auxiliares e 266 agregados); os restantes eram professores eventuais, sem qualquer preparação específica, havendo entre estes 201 sem qualquer licenciatura. E de então para cá o quadro apresentado não melhorou, tendo aumentado substancialmente o número de professores eventuais, tanto mais seja é sabido terem diminuído as candidaturas aos Exames de Estado nos três liceus normais.
Este panorama não poderá ter modificação rápida, pois que dificilmente se conseguirá obter, tal como hoje se processa o sistema de formação de professores e as condições em que se realiza o estágio, o número para o preenchimento das 1087 vagas ocupadas por professores eventuais. E se se tem de encontrar uma solução, que da forma alguma será possível encontrar a tempo de permitir êxito a qualquer reforma, pareço-me que não seria de desprezar o aproveitamento dessas pessoas que, tendo obtido uma licenciatura, se entregam devotadamente ao ensino, muito contribuindo com o seu esforço e desejo de servir para a consecução dos fins a que se propõe o ensino liceal. Sem o seu concurso nestes anos de carência,
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não sei mesmo como teria sido possível atender aos mais justos direitos do homem, que é o de receber educação e ensino.
Permitindo-se aos professores eventuais com dois anos de serviço efectivo o acesso HO estágio sem exame de admissão e com serviço eventual remunerado, poderíamos caminhar para uma solução que em nada desprestigiaria os serviços, pois que a esses professores não falta a preparação científica que aos restantes é reconhecida. Diz qualquer maneira, parece-me que enquanto vigorar o sistema de dois anos de estágio gratuito passivo de um exame de admissão, que do modo algum se justifica, não será possível resolver-se o deficit de professores que se vem verificando, com tendência para aumentar. Mas, para além de todas as hipóteses mais ou menos válidas, o estabelecimento de bases económicas que permitam um nível de vida compatível com a função tem de ser conseguido, pois que sem isso nada resultará com vista à criação de um bom elenco docente, sabedor e interessado, dado que sem estímulos a função, nos dias que vão correndo, não interessa. O professor tem de sentir-se amparado, estimulado, compreendido e sabendo que a sua vida profissional não termina ali dentro daquelas salas de aula em frente da mesma espécie de alunos, por mais estudioso e interessado que seja; a abertura de uma carreira de acesso ao ensino universitário terá também de ser considerada.
Vou terminar, sabendo que pouco terei contribuído para o esclarecimento dos pontos em que se desdobra este aviso prévio, pois que outros aspectos haveria a tratar. Não vou sequer enunciá-los, fazendo votos, porém, paro, que sejam frutíferos os trabalhos que «silenciosamente, quase subterraneamente», no dizer do Prof. Galvão Teles, se estão a processar no Gabinete de Estudos e Planeamento da Acção Educativa para que, quando venham a receber a luz da ribalta, possam merecer o aplauso unânime da Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pais Ribeiro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De novo nesta Assembleia se levanta o já tão debatido, mas sempre premente, problema do ensino e educação da juventude. Na realidade, as coordenadas que o definem revestem-se de tal magnitude que suscitam não só todas as boas vontades, como obrigam todas as consciências e exigem todas as contribuições, quando esclarecidas e objectivas.
Comportando variadíssimos aspectos, que se entrelaçam e, uns aos outros, se. sobrepõem em disputa de prioridade, diversas terão de ser as soluções indispensáveis, susceptíveis de equacionar e levar a bom termo tão momentoso assunto.
Congregando a juventude as nossas mais sublimes aspirações e condensando em si os anseios de todos nós na perspectiva, do futuro, é credora de todos os esforços e até de todos os sacrifícios que, porventura, nos possa impor ou ordenar.
No labirinto em que no dia de hoje se debatem os espíritos na apreciação de valores existe, frequentemente, um erro de perspectiva. A compartimentação e a incoordenação das actividades tornam distintos e díspares problemas e situações afins e convergentes, que prejudicam ao roubar-lhes a possibilidade de serem apreciadas em conjunto. Esta confusão de valores minimiza determinados problemas em proveito de outros, quando aqueles, efectivamente, apresentam características que deviam guindá-los ao primeiro plano. Assim, problemas de ordem social e educativos, problemas referentes ao homem nos mais diversos momentos da sua existência, tais como problemas de prevenção e higiene, de educação e trabalho, de tempos livres e de habitação, da adolescência e da velhice, da preparação e da adaptação às novas condições de vida, são preteridos em face dos de ordem económica e de muitos outros que actualmente dominam as relações humanas.
Em presença da cada vez mais rápida- evolução que nas últimas décadas se processa, surge-nos, como necessária, uma revisão >e uma readaptação dos problemas fundamentais, em vista a uma apreciação, tanto quanto possível, baseada na confrontação e na síntese.
Se ao Estado incumbe o papel, nobre papel, de ministrar a instrução nos múltiplos e variados sectores em que via se subdivide, sobre os seus ombros impende a- obrigatoriedade da vigilância da (saúda dos jovens escolares durante o período do tempo em que sobre eles se debruça.
Prepare-se a juventude para a vida, prepare-se, porém, para uma vida sã e fecunda.
No intuito de consciencializar a juventude para o futuro é evidente e manifesta-se imprescindível a actuação em equipa dos educadores e dos serviços sociais nesta hora em que, mais do que nunca, a integração e a aglutinação de temas se apresentam totalmente indispensáveis.
Muitos dos assuntos que se nos afiguravam afastados e desligados revelaram-se afins e em conformidade harmoniosa de ideais e finalidades. Desta forma, a biologia, a psicologia, a medicina, a higiene, o trabalho social e a educação convergem para um objectivo comum, em cuja concordância se verificam altamente vantajosos.
Enquanto os serviços sociais, pelo seu contacto directo com as condições de vida da população, conhecem as suas necessidades e carências - origem das discordâncias, inadaptações e injustiças -, os educadores necessitam de informação constante e pormenorizada, que aqueles lhes podem fornecer, para um desempenho consciente do mister que se propuseram. O trabalho da educação tem de se aproximar cada vez mais da vida para resultar fecundo. Impõe-se, assim, a iodos os educadores um conhecimento preciso e claro não só dos problemas de evolução, como da experiência social e dos problemas humanos.
É dentro desta orientação que o sector respeitante à saúde dos escolares, cuja relevância não podemos menosprezar sob pena de vermos ruírem os mais bem arquitectados planos, é dentro desta orientação que este sector - dizíamos - terá de fundamentar-se para que a sua ficção adquira aquela repercussão e aquela, eficiência que temos o direito de exigir-lhe.
A medicina escolar, apoiada, presentemente, nestas directrizes, deverá intensificar a colaboração das equipas médico-sociais e pedagógica em ambiente que lhes proporcione coesão, interesse e unidade, embora a cada uma caiba a sua função específica.
Diminui-se normalmente a acção do médico escolar, que, pelo seu carácter descontínuo, se afigura pouco eficaz.
Uma observação objectiva, porém, apreciará o alto significado e a validade da sua actuação, quando- está se manifeste atenta e cuidada. Não só a natureza das suas funções, como os objectivos que a norteiam, fornecem ao médico escolar uma situação privilegiada para o desempenho óptimo das múltiplas facetas do seu labor.
Efectivamente, não se limita apenas o papel do médico escolar á problemas de natureza- profiláctica e de despistagem, pois também lhe cabe a dupla missão de adaptar a criança ao meio escolar e, inversamente, de adaptar
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o meio escolar ao aluno. Desta forma, o médico escolar participa activamente no equilíbrio e desenvolvimento da personalidade do jovem - tarefa árdua, mas palpitante! -, que alarga a sua acção não sómente ao âmbito da biologia, mas ainda aos sectores da psicologia e da pedagogia.
Neste vasto campo aberto à sua competência, ao seu dinamismo, ao seu poder de persuasão, inserem-se, em síntese, três magnas funções: uma, proteger o indivíduo escolar contra as doenças inerentes à sua constituição ou à sua hereditariedade - a higiene individual -, outra, defender a população escolar das doenças infecto-contagiosas e parasitárias - profilaxia social - e, finalmente, a terceira, estabelecer o equilíbrio do espírito e a firmeza de carácter dos alunos, isto é, a formação moral.
Variada e difícil se afirma, assim, a missão do médico escolar, impondo-lhe uma quase especialização polivalente para, cabalmente, poder corresponder às largas exigências programadas na lei vigente.
Explanam-se tais exigências à higiene física e moral, à educação física, à psiquiatria e psicologia escolar, à apreciação dos horários escolares, ao exame geral ou especial de conformação dos alunos, bem como ao seu exame oftalmológico e otorrinolaringológico.
Dentro deste esquema compete-lhe:
1) A prevenção das perturbações de um regime alimentar desequilibrado qualitativa ou quantitativamente;
2) A defesa contra as doenças infecto-contagiosas, organizando programas de vacinação convenientes e ministrando regras de higiene;
3) A prevenção de acidentes, importante causa de morbilidade e mortalidade;
4) O estudo das causas médicas, familiares, sociais e pedagógicas capazes de suscitarem uma inadaptação escolar;
5) A prevenção da inadaptação social, integrando o aluno no seu ambiente e proporcionando-lhe uma adequada orientação profissional;
6) A apreciação do ritmo da vida escolar em função das horas de trabalho e descanso, de alto significado para, o seu equilíbrio físico e psíquico;
7) A criação de um regime de férias racional e adaptado às condições físicas e psicológicas do jovem;
8) A despitagem das lesões buco-dentárias, que, embora sem carácter espectacular, são, todavia, de consequências graves, pelas complicações patológicas que podem ocasionar;
9) A orientação das actividades desportivas e educação física, visando o seu valor no plano da educação e assinalando os riscos dos seus excessos e defeitos.
Adentro destes moldes e tendo em linha de conta as alterações biológicas e psicológicas da puberdade, é, ainda, da responsabilidade do médico escolar a tarefa de ministrar aos jovens uma educação sexual que lhes esclareça os processos fisiológicos que os perturbam, na medida em que são por eles ignorados.
Neste domínio, sobretudo, torna-se sensível a disponibilidade do médico e a sua comunicabilidade perante os alunos para uma abertura espontânea da parte destes.
Aulas ou colóquios, acompanhados dos modernos meios de divulgação dos novos processos educativos -projecções, filmes, etc. -, em ambiente de diálogo e adaptados à idade dos alunos, facilitariam a acção do médico não só na administração dos princípios básicos da higiene física e moral - acção educativa e formativa -, como ainda facilitariam a despitagem de qualquer comportamento anormal - posições viciosas, deficiências sensoriais, perturbações psíquicas, etc. -, que dariam causa a posteriores observações individuais, com a finalidade de tratamento ou recuperação. Ocasionariam estes encontros, também, o almejado contacto, que criaria da parte dos alunos uma receptividade aos princípios educativos e uma maior confiança nos conselhos do médico.
Exigindo a formação do adolescente, dia a dia, uma acção educativa mais estruturada e mais individual, a personalidade do médico escolar - a sua sensibilidade, a sua simpatia e lealdade -, constitui um valor psicológico tão eficiente no espírito do aluno como o das normas que possa prescrever.
Resumindo: é atribuição do médico escolar elucidar o aluno não só dos perigos que o ameaçam, como de lhe indicar os meios de os prevenir e, ainda, de o preparar para a vida, consciencializando-o da sua qualidade de indivíduo responsável perante si próprio e a colectividade de que é membro.
A higiene do meio exige também a vigilância e cuidado do médico escolar não só no que respeita à salubridade da escola, cubagem, iluminação, ventilação, etc., mas ainda no que se refere ao aquecimento, factor importante, uma vez que o frio é anti-higiénico e anti-pedagógico, criando receptividades mórbidas e distraindo a atenção.
O contrôle da saúde do pessoal docente e dos restantes funcionários mantém-se igualmente na sua dependência, com o fim de despistar qualquer fonte infecciosa de repercussões graves para a população escolar.
A actuação do médico nas escolas com carácter itinerante é, quanto a nós, desaconselhável, por incompleta, dada a amplitude da problemática e a vastidão e grandeza da responsabilidade da função médico-escolar.
Vozes: -Muito bem!
a Orador: - Nunca a assistente social, com uma preparação científica e técnica orientada para uma missão diferente, poderá enfrentar tão lata quão específica tarefa.
A sua função válida e construtiva é indispensável no sector social, não devendo a assistente ser perturbada nem desviada do seu papel - a visitação e a informação.
Embora os conceitos rapidamente evoluam, tanto no espaço como no tempo - aliás do mesmo modo que as civilizações e os indivíduos-, no nosso entender, a passagem da actuação do médico de contínua a itinerante muito contribuiria para a intensificação dos fracassos escolares.
Múltiplas são as causas desencadeantes dos fracassos nas escolas. Não pode, porém, atribuir-se à falta de inteligência a sua totalidade ou mesmo até a sua maioria. De longa data se tem procurado avaliar até que ponto a inteligência é por eles responsável, e nesse intuito se propuseram os testes determinar numericamente o coeficiente intelectual. A discordância verificada algumas vezes entre esse coeficiente e os resultados escolares determina, por um lado, que os métodos escolares e pedagógicos não estão adaptados .às possibilidades intelectuais de determinados alunos, quer quanto à sua programação, quer quanto à sua aplicação, e, por outro lado, que o coeficiente intelectual é susceptível de se modificar em função de condicionamentos extra-intelectuais, tais como: deficiências sensoriais, perturbações psíquicas e estados emocionais.
Porque todas estas condições físicas e mentais podem ocasionar fracassos escolares, que, não sendo totais, são susceptíveis de recuperação, é que a acção do médico
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escolar é preponderante não só para os detectar, como para readaptar e reeducar os alunos.
Meditando conscientemente a problemática da medicina escolar, somos levados A concluir que se torna necessária e urgente não só a actualização da sua orgânica, mas, e sobretudo, uma rigorosa execução dos programas elaborados.
Para corresponder a tais exigências, manifesta-se imprescindível aumentar o número de médicos escolares, em concordância não sómente com o número de alunos, que se apresenta num crescendo contínuo e notável (como se verifica pelos dados estatísticos medicinados nesta Assembleia pelo autor do presente aviso prévio, elucidando que de 39 376 alunos em 1947 se passou a 69376 vinte anos depois), como ainda pela necessidade imperiosa de tornar a acção médico-escolar a cada momento mais completa, elaborada e organizada.
Actualmente, o papel da escola ultrapassa de longe a sua acção pedagógica, pois lhe- cabe a pesada e exigente missão social de formar a personalidade do aluno, física e moralmente.
Se é nos primeiros anos de vida que ela se alicerça, é na escola que se processa a sua eclosão, e é nessa altura que tanto o crescimento somático da criança como o seu desenvolvimento psíquico requerem uma atenta e constante vigilância.
Médicos e professores, em estreita colaborarão, são chamados a plasmar a mesma matéria viva, trabalhando em uníssono (embora com técnicas diferentes) para atingir o fim único de promover e facilitar o harmonioso desenvolvimento do jovem. Conhecedores da interdependência que se verifica, entre a -saúde- B o desenvolvimento intelectual, sabem que é impossível desassociar os diversos aspectos da personalidade dos jovens -biológico; psicológico e social - e que a cada uma destas facetas é necessário prestar idêntica atenção.
A tripla acção do professor, do médico escolar e" da assistente social constitui núcleo vital, indispensável e insubstituível, para a formação não só física e intelectual, como moral e social do homem de amanhã.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. António Santos da Cunha: - Sr. Presidente: Inúmeras vezes, e detalhadamente, esta Assembleia se tem pronunciado sobre os problemas de educação e ensino. Recordo os avisos prévios dos Srs. Deputados Nunes de Oliveira, e Braamcamp Sobral e as. constantes intervenções feitas antes da ordem do dia e nos debates que antecederam a aprovação das leis do meios e das contas públicas.
Está, pois, o Governo mais do que, esclarecido quanto ao pensamento sobre a matéria desta Assembleia, que. pode acreditar, reflecte, como lhe é próprio, o pensamento da Nação.
Através desses avisos prévios e das intervenções já referidas encontram-se, quanto a mim, suficientemente denunciadas as carências do ensino em Portugal, quer sobre a sua eficiência, quer sobre o aspecto de insegurança da formação das gerações que escalam a vida.
Julgo, no entanto, que o aviso prévio que agora «e está debate do se revestiu de características especiais, que entendo, pela minha parte, fazer destacar. Todos sabemos que o ilustre Deputado avisante é um dos mais experimentados servidores do ensino liceal: professor distinto e competentíssimo, dirigente de estabelecimentos deste ramo de ensino, não admirando, portanto, que tenha sido minucios no exame das causas provocadoras dos males que nos afligem neste campo e na apresentação dos remédios para os mesmos.
Podemos, pois, afoitamente dizer que este aviso prévio é como que um programa de acção merecedor de aplauso unânime a que só falta força executória.
Sr. Presidente: Porque sou talvez dos membros desta assembleia aquele que mais vezes se tem aqui ocupado dos problemas ligados à educação, não quis deixar de subir a esta tribuna para de novo pôr em foco alguns dos pactos que disso me parecem merecedores.
Não me demorarei a acentuar a importância que para uma boa solução do problema do ensino- um Portugal tem a imperiosa necessidade de se modificarem as condições económicas dos agentes do mesmo. O Sr. Deputado Pinto de Meneses disse, e eu digo com ele. que é uma verdade incontroveria que não pode deixar de merecer imediata atenção e vem sobejamente demonstrada no aviso prévio do Sr. Deputado Vaz Pires.
O problema não diz, no entanto, respeito apenas ao ensino liceal, mas a todos os ramos de ensino.
Vozes: - Muito bem!
Já aqui largamente apontei a situação deprimente, por injusta - e fi-lo por mais de uma vez -, em que se encontra o professorado do ensino técnico, e isto numa hora em que precisamos, para dar plena, realização às tarefas que temos na nossa frente, de técnicos de todos os graus e espécies.
Ao apontar a situação desses professores, eu disse o que bem se pode. aplicar em grande parte a todos os outros professores, e nomeadamente, aos do ensino liceal:
Perante tudo isto, o que se observa? Cada vez aparecem muros pessoas qualificadas com a disposição de se dedicarem ao ensino técnico, daqui resultando que as funções docentes estejam a ser exercidas, progressivamente a maior percentagem, por indivíduos com habilitações insuficientes ou por elementos que, tendo ou não as habilitações legais, prestam A sim colaboração naturalmente com a intenção primária de reforçarem os seus proventos, dispondo para- tal de escassas horas nocturnas de leccionação, se após o exercício da sua actividade noutra profissão.
Assim se vai criando sub-repticiamente um verdadeiro corpo de mercenários dentro do ensino.
Por outro lado, os que há muitos anos têm vivido exclusivamente do magistério sentem-se desmoralizados, sem estímulos de qualquer natureza, pelo que, desiludidos, vêm abandonando o professorado, buscando noutras profissões a remuneração a que a sua posição social lhes dá direito. E, finalmente, os que teimam em manter-se neste sector da educação nacional vêem-se na ingente necessidade de recorrer ao serviço extraordinário, com manifesto prejuízo da sua saúde e do rendimento escolar, que, neste como noutros sectores do ensino, compete acautelar, pois os resultados estão por vezes bem à vista.
Não há dúvida de que na base de todo este grande problema está a carência de professores, e na base da carência de professores, H, sim situação económica. Há, pois, que tornar a carreira do magistério aliciante, o que actualmente não se dá.
Sr. Presidente: Na efectivação deste, aviso prévio foi dito que, a par da realidade da falta de professorado nas
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últimas décadas, se verificava um constante e extraordinário aumento de frequência nos liceus.
Permito-me recordar as intervenções que tive ocasião de aqui fazer em 16 de Março de 1962, antes da ordem do dia, e em 23 de Janeiro de 1964, na discussão do aviso prévio do meu colega de círculo Sr. Prof. Doutor Joaquim Nunes de Oliveira. Numa e noutra advoguei, em face da doutrina da Igreja e da nossa Constituição Política e das próprias necessidades do ensino, uma ampla política de protecção ao ensino particular, pois no ensino, como noutros problemas de importância vital para a Nação, o Estado não pode dispensar a colaboração da iniciativa privada. Não pode, nem deve.
Peço licença para recordar uma passagem da intervenção de J6 de Março de 1962, depois de ter largamente exposto a doutrina segura que deve iluminar a acção do Estado em tal matéria:
Proteger eficazmente, subvencionar na medida do possível o ensino particular e da Igreja é obrigação de justiça para um estado que reconhece à família o primado na matéria de educação. Só assim será verdadeira a liberdade de escolha; sem condições económicas, ela é como se não existisse e não passa de tolerância.
Mas não é apenas uma questão de justiça; proteger e subsidiar o ensino livre é um acto de boa economia para o Estado. Todos os anos o Ministério se vê a braços com o aumento de candidatos aos liceus. Gastam-se milhares e milhares de contos em edifícios novos e a vaga continua. Ora toda a gente sabe como ficam caras as obras do Estado.
Em matéria de assistência, a experiência está feita em Portugal. Basta comparar, os Hospitais de Santa Maria e de S. João com os das nossas tradicionais Misericórdias. E porque não comparar também as despesas das diferentes escolas de enfermagem?
Noutros países, a experiência fez-se em grande escala no campo escolar. Na Bélgica, o pacto escolar de 1958 veio tornar gratuito o ensino infantil, primário e secundário não só nas instituições do Estado, mas em todas as subvencionadas. Chegou-se à conclusão de que os alunos do ensino particular ficavam ao Estado por menos de metade do que no ensino oficial: respectivamente 11 000, contra 26 000 francos belgas, o que fazia então 6050$, contra 14 300$ por cabeça.
O que se passa com. o ensino no ultramar português, entregue na sua maioria às missões católicas e institutos missionários, com notável economia para os orçamentos, apesar das generosas subvenções, encoraja-nos e confirma que fomentar a iniciativa particular de instituições capazes é uma medida de grande projecção e interesse nacional e económicamente muito acertada. A protecção seria concedida de modo a permitir a ampliação notável das instituições de ensino particular e confessional e, ao mesmo tempo, um maior acesso da classe média ao ensino que muitos desejam.
Seria interessante referir a decisão e êxito com que na maioria dos países europeus se tem caminhado no sentido de proteger e tornar acessível o ensino confessional e particular, mas o tempo não o permite, e não falta o estímulo de verificarmos como é grande a crise desse ensino entre nós e cada vez maior a necessidade de se tomarem medidas efectivas. De resto, o caminho já foi traçado na nossa Constituição. O que se reclama é que se enverede por ele.
O Sr. Deputado avisante, ao referir ,1 avalancha - avalancha que esperamos em Deus seja cada vez mais progressiva- de alunos, que todos os anos aumenta, a procurar ensino nos liceus oficiais, veio dizer da necessidade de acarinharmos o ensino particular, num acto de justiça e de economia para os dinheiros públicos.
O Estado cada vez se vai tornando mais impotente para resolver o problema do ensino, como impotente seria se quisesse só por si resolver outros problemas, como o da assistência e saúde, sem a colaboração das instituições particulares.,
No campo do ensino, como no campo da assistência, sem menosprezar o esforço do ensino particular em geral, têm de se ter em conta as instituições da Igreja, que aos mesmos dão larga e segura colaboração.
Creio firmemente, e ninguém ousará desmentir-me, que a política de subsídios aos estabelecimentos de ensino particular seria frutuosa, e consequentemente aliviria o Estado de pesados encargos.
Sr. Presidente: Foram breves as minhas considerações, e outra intenção não tive que não fossei a de dar o meu humilde tributo para que se consciencializem todos os responsáveis quanto à necessidade de encarar os problemas de ensino, de forma que se possam atingir os objectivos de formar uma geração apta e digna de continuar Portugal.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente:- Vou encerrar a sessão.
O debate continuará amanhã à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
Armando José Perdigão.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Francisco José Cortes Simões.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Paulo Cancella de Abreu.
Rui Pontífice de Sousa.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
António Magro Borges de Araújo.
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9 DE FEVEREIRO DE 1968 2411
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Jaime Guerreiro Rua.
James Pinto Bull.
Joaquim de Jesus Santos.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Manuel da Costa.
José Pinheiro da Silva.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel João Correia.
Manuel Lopes de Almeida.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Rogério Neel Peres Claro.
Tito Lívio Maria Feijóo.
O REDACTOR - António Manuel Pereira
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA