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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 134
ANO DE 1968 10 DE FEVEREIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 134, EM 9 DE FEVEREIRO
Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Ex.mos Srs.
Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a, sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Deputado Fernando de Matos pôs em relevo a benemerante acção desenvolvida pela Santa Casa da Misericórdia do Porto no seu Hospital Geral de Santo António prestando homenagem à memória de D. Lopo de Almeida, originário instituidor dama Hospital.
O Sr. Deputado Pinto Bull descreveu a visita do Sr. Presidente da República à Guiné, enaltecendo o entusiástico acolhimento que lhe foi dispensado pelas populações daquela provinda.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate do aviso prévio do Sr. Deputado Vaz Pires sobre o ensino liceal a cargo do Estado.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Burros Duarte e Hirondino Fernandes.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 60 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
André da Silva Campos Neves.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro),
Francisco Elmano Martins da Cruz Alves.
Francisco José Roseta Fino.
Gonçalo Castel-Branco da Costa da Sousa Macedo Mesquitela.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Horácio Brás da Silva.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
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Jorge Barros Duarte.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Janeiro Neves.
José Rocha Calhorda.
José Soares da Fonseca.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
D. Maria de Lurdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Raul Satúrio Pires.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
O Sr. Presidente: - Estão presentes Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Fernando de Matos.
O Sr. Fernando de Matos: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: No dia 29 de Janeiro findo, no Hospital Geral de Santo António, pertencente à Santa Casa da Misericórdia do Porco e por esta legitimamente administrado, após uma missa- rezada na- igreja privativa, celebrou-se um solene Te Deum e foi fornecido um almoço a cinco pobres.
A intenção da Santa Missa foi o sufrágio da alma de D. Lopo de Almeida. O solene Te Deum foi cantado em acção de graças pelas benemerências do dito Hospital. O almoço a cinco pobres foi servido pessoalmente pelo provedor e mesários da Santa Casa.
Esses piedosos actos de culto a Deus e amor ao próximo vêm-se realizando, todos os anos, desde 29 de Janeiro de 1585, ou seja desde há 383 anos, em cumprimento das últimas vontades de D. Lopo de Almeida, originário instituidor do Hospital de Santo António.
Em breves anotações, e porque se fala, apreensivamente, em reformas hospitalares, vou tentar demonstrar que é digno, justo e oportuno homenagear nesta ilustre Assembleia Nacional a nobilíssima figura de D. Lopo de Almeida e consagrar a ingente obra caritativa e assistencial e o verdadeiro carácter do Hospital de Santo António, que, por ter substituído o velho Hospital de D. Lopo, se considera fundado por esse excelso benemérito.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: D. Lopo de Almeida era parente próximo do primeiro vice-rei das índias, D. Francisco de Almeida. Filho do contador-mor do reino, D. António de Almeida, era sacerdote católico e possuía uma avultadíssima fortuna.
Em Fevereiro de 1584 foi dado conhecimento ao provedor da Misericórdia do Porto, Afonso Ferraz, de que D. Lopo falecera em Madrid, no dia 29 do mês anterior e que deixara uma herança de enormíssimo valor à Misericórdia do Porto.
Tal nova excitou toda a população portuense, que ardia na ansiosa expectativa de vê-la confirmada e na curiosidade natural de conhecer pormenores do testamento:
Imediatamente foi enviado a Madrid Lourenço Sarto, caminheiro da Relação, o qual percorreu, com a maior rapidez que lhe foi possível, as 90 léguas que separam a Cidade Invicta da capital espanhola.
Regressou em 18 de Março, tão ofegante de fadiga quanto exuberante de regozijo.
Sim, era verdade, como se comprovava pelo traslado do testamento que trazia consigo.
Tudo lá estava exarado, nítida e inequivocamente.
Quase se decoraram as disposições essenciais que diziam:
Os pobres são os meus direitos herdeiros, pelo que deixo por meu universal herdeiro o hospital e obras pias que mando instituir, e por meu testamenteiro e administrador a Misericórdia do Porto.
A esse hospital deixo tudo quanto se achar à hora do meu falecimento, sem em minha herança poder entrar irmão, nem irmã, nem sobrinho, nem outra pessoa alguma.
Mando que na dita Misericórdia me façam uma capela decentemente ornada, em que, à minha custa, esteja o Santíssimo Sacramento, com uma lâmpada de dia e de noite, sem nunca faltar luz, e um capelão com missa quotidiana.
Mando que a dita Misericórdia mande recolher continuamente os enfermos.
Toda a fazenda que eu deixar, cumpridos os legados, quero que se gaste em curar os pobres.
Mando que me digam um aniversário todos os anos ... com cinco tochas que terão cinco pobres... e lhes darão de jantar a todos cinco juntos.
Mais estipulações continha o testamento, todas reveladoras de um ardente amor a Deus e ao próximo.
E, na conclusão da parte dispositiva, lia-se uma cláusula, plena de significado e alcance, pela qual, «se a Misericórdia do Porto não cumprisse o que lhe era ordenado, os bens passariam para a Misericórdia de Braga ou para Lamego, nos termos que indicava».
Note-se bem: no caso de incumprimento por parte da Misericórdia do Porto, a herança com que se instituíram o hospital e obras pias não passava para o rei, nem para a Câmara Municipal, nem para outras entidades públicas, «mas sim para outras Misericórdias».
Considero importantíssimo e actualíssimo insistir nessa cláusula do maior de entre os milhares de benfeitores da Misericórdia do Porto. Quem, legitimamente, podia possuir e administrar a enormíssima fortuna com que se instituiu o Hospital de D. Lopo, substituído, depois, pelo de Santo António, era a Misericórdia do Porto, ou a de Braga ou a de Lamego, mas nunca o Estado ou qualquer organismo oficial, para utilizar a terminologia do direito público moderno.
E desculpem VV. Ex.ªs que abra parêntesis fará referir o idêntico sentido do essencial de duas outras expressões da última vontade, o que se justifica pelo seu eloquentíssimo valor jurídico e moral.
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Trata-se de cláusulas testamentárias de dois outros generosos benfeitores da Misericórdia do Porto, que foram o barão de Nova Sintra, instituidor do estabelecimento humanitário que tem o seu nome, e José Monteiro dos Santos, com cuja fazenda a mesma Misericórdia construiu os chamados «hospitais menores».
O primeiro estipulava que «as mesas da Misericórdia administrarão e conservarão, in perpetuum, o estabelecimento e seus bens», o que exclui a possibilidade de sem subversão de princípios legais ou sem violência, a irmandade ser privada de tais conservação e administração.
O segundo foi ainda mais explícito ao dispor que «o estabelecimento será entregue, bem como os seus capitais, à Santa Casa da Misericórdia do Porto, se se verificar a condição da sua existência autónoma, pois se, em qualquer tempo, a mesma Santa Casa deixar de existir ou for englobada no Estado e for administrada como simples instituto de assistência pública oficial, o referido estabelecimento não acompanhará a sorte desta Santa Casa e passará a funcionar com os seus rendimentos sobre si e como estabelecimento independente».
Eis, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quão grande é a responsabilidade e a honra que impendem sobre a Misericórdia do Porto, e quais são as luzes que iluminam o seu caminho, e quais os comandos jurídicos, morais e históricos que vinculam a sua acção e o seu comportamento.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Mas voltemos ao tema específico destas -N considerações.
De posse do traslado do testamento de D. Lopo, a Misericórdia cumpriu-o escrupulosamente, começando por transferir para a capela-mor da sua igreja os restos mortais do insigne benfeitor.
Quanto aos doentes, começaram a ser tratados num velho hospital, enquanto não se instituía o de D. Lopo, que veio a ser instalado em dependências da velha albergaria de Rocamador.
A afluência dos infelizes carecidos de tratamento foi sempre aumentando, de tal sorte que as mesas da Misericórdia, embora carecidas de meios, mas confiadas na Providência Divina, iniciaram, cautelosa e comedidamente, a construção do novo hospital.
Entretanto, um rico portuense, de nome Manuel Fernandes, falecido em Ormuz, legou à Misericórdia uma grande fortuna, que, com o acréscimo de outros legados de vulto, permitiu a conclusão do novo hospital na esquina das Buas dos Caldeireiros e das Flores, o qual ficou com capacidade para recolher entre 150 e 200 doentes. Isto, nos começos do século XVII.
Mas o Porto crescia. Além disso, ao hospital acorriam infelizes de todas as partes do País e, até, do estrangeiro. A todos a Misericórdia atendia, conforme a natureza das necessidades.
Nos meados do século XVIII a Misericórdia já possuía sete estabelecimentos de bem-fazer, mas não descansou no seu desejo de acolher todos os necessitados, todos os que a procuravam para minorar sofrimentos, todos os que se pudessem considerar beneficiários da caridade cristã, traduzida na prática das obras de misericórdia corporais e espirituais, que tal era a razão de ser da sua criação e da sua existência.
O Porto albergava, então, mais de 60 000 almas e já era, sem contestação, no dizer de um escritor coevo, a segunda cidade do reino, «na riqueza, na dignidade e na grandeza».
Já nessa época se podia aureolar com os epítetos de «cidade do trabalho e da caridade», que o grande Padre Américo viria a consagrar com a, sua sentida exclamação: «meu Porto, meu Porto, quão tarde te conheci!»
Só uma cidade assim podia possuir uma instituição da grandeza da sua Misericórdia.
E só uma Misericórdia tal podia tomar a arrojada decisão de mandar construir um hospital no qual coubessem tantos doentes quantos o procurassem - um novo Hospital de D. Lopo, mais gigantesco e imponente.
Empolgados com tal ideia, os mesários na sessão de õ de Fevereiro de 1769, deliberaram mandar colocar o projecto e dispor a quantia anual de dois contos de réis para as obras, declarando, textualmente, como se vê na acta, que essa importância, suposto que limitada, é contudo, suficiente para incitar os ânimos devotos a concorrerem com as suas esmolas, como tem mostrado a experiência nesta cidade.
Foi encarregado da feitura, do projecto o arquitecto inglês John Carr, que o ultimou em Outubro de 1769, declarando que o rei de Inglaterra o tinha visto com admiração e aprovação.
Era, realmente, um assombro, justificando perfeitamente as 500 libras do seu custo.
A primeira pedra foi lançada em 15 de Julho de 1770, com a solenidade e brilho festivo que extasiaram toda a população citadina, transbordaste de júbilo ë orgulho.
Foi-lhe dado como oráculo o grande português Santo António, que, por ser taumaturgo, havia de fazer o milagre de suscitar nas almas generosas as ajudas necessárias ao bom termo da grandiosa edificação.
Essa fé não foi iludida, pois de toda a parte afluíam dádivas, legados, doações, heranças, especialmente de portuenses estabelecidos no Brasil.
Como é natural, num empreendimento de tal vulto houve altos e baixos, num afã laborativo. Em dado momento, um irmão benemérito tomou à sua conta todas as despesas da obra durante quinze dias.
O orçamento era de dois milhões de cruzados, mais de 100 000 contos de hoje, mas os encargos agravavam-se com o decurso do tempo.
Lucidamente, o hospital ia-se construindo por partes, de modo a que o funcionamento não dependesse do acabamento integral.
Ora, quando as obras estavam quase concluídas, ocorreu um episódio gravíssimo, que parece de hoje, e que reputo muito oportuno relatar aqui:
Em 1843, o Estado liberal era devedor à Misericórdia da elevada quantia de 434 509$367 réis. Como as solicitações feitas ao Governo para solvência de tal dívida estavam sendo vãs, a mesa dirigiu uma exposição à Câmara dos Pares.
Então, o Governo, além de não pagar, intentou chamar a si a administração das Misericórdias, o que provocou inaudita celeuma e clamorosos e generalizados protestos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como imediata consequência, os legados dos benfeitores cessaram, pelo que as obras estiveram paradas durante largos anos.
Foi essa a primeira investida do Poder Central contra a autonomia e independência das Misericórdias.
Felizmente, a violência não se consumou. Com a acalmia dos ânimos, também a generosidade, temporariamente estancada, novamente abriu as comportas e se exprimiu em caudalosas correntes de donativos, serviços e outras ajudas, como para compensar o tempo perdido por culpa do Estado.
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E eis que depois de tanta coragem na decisão inicial, de tanta constância, de tanto zelo de tanto sacrifício e tão grande confiança rã Providência Divina, o Hospital de .Santo António foi ultimado, e ele lá está na zona monumental da cidade da Virgem, honra, glória e orgulho da sua Misericórdia, padrão maior da caridade lusitana. Casa mais querida do Porto e dos Portuenses.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É administrada em coordenação e solidariedade com os restantes 22 estabelecimentos e instituições, através das quais a Misericórdia cumpre a sua missão iniciada há perto de 500 anos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Como fica demonstrado, o Hospital Geral de Santo António pertence, de direito e de facto, à Santa Casa da Misericórdia do Porto, pois foi ela que o mandou construir e pagar, com os seus reinos próprios e os formidáveis auxílios dos benfeitores que a ela, e só a ela, entregaram e confiaram grande, médias e pequenas fortunas, além de dedicações, orações e serviços incalculáveis, pois a caridade não tem conta nem medida.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Quer no tempo da monarquia propriamente dita, quer na fase do liberalismo coroado, queria a primeira e segunda repúblicas, ninguém atribuiu ou pode atribuir ao Estado a ideia e a deliberação iniciais, o projecto, o começo, a continuação, a conclusão e o funcionamento da majestosa casa dos enfermos.
Assim, é indiscutível a conclusão de que, jurídica, moral e historicamente, a propriedade, a posse e a administração desse Hospital pertencem unicamente, integralmente, insofismavelmente, à Santa Casa da Misericórdia do Porto, que é uma confraria canonicamente erecta, instituída para a prática de obras de misericórdia corporais e espirituais, dotada de personalidade jurídica, autónoma e independente.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Sobre esse ponto existe a mais completa unanimidade entre todos os historiadores, juristas, canonistas ou simples amadores (como este humilde colega vosso) que se têm ocupado do assunto. Falece-me o tempo para maiores explanações, pelo que me limito a chamar a lúcida atenção de VV. Ex.ªs para o pequeno estudo que, há tempos, tive a honra de lhes enviar e cujas considerações, por isso, me abstive de repetir agora.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Perdoem-me que experimente a vossa paciência com o gasto de mais alguns momentos.
As bases ideológicas do sistema político vigente e a sua concretização nos diplomas fudamentais do nosso direito publico conduzem u síntese constantemente invocada, glosada e louvada de que o actual regime português repudia igualmente o liberalismo e o socialismo nas suas raízes filosóficas e nas suas consequências práticas, superando-os através de uma orgânica corporativa de associação.
Vozes: -Muito bem !
O Orador: - Em nossa república unitária e corporativa, o Estado tem essencialmente uma missão de arbitragem nos conflitos e do coordenação e fiscalização das actividades de interesse geral.
Porá do âmbito constitucional do direito público e da gestão dos bens do domínio público, quer rã economia, quer na assistência, quer nas relações laborais, quer nas outras manifestações da vida colectiva, quando está em jogo o bem comum, o Estado arbitra, coordena, fiscaliza, supre, subsidia, mas não administra.
A nossa ordem jurídica, como resulta dos princípios gerais e dos preceitos fundamentais do direito público e do direito privado, não permite, por exemplo, que o Estado nomeie gerentes, ou técnicos, ou professores, ou médicos, ou quaisquer outros serventuários, para actuarem nos bancos, nas companhias de seguros, nos hospitais das Misericórdias, ou das ordens religiosas, ou de entidade industrializada, nos estabelecimentos de ensino particular, nas empresas transportadoras ou de navegação, etc., sem prejuízo do seu poder de coordenação, fiscalização, condicionamento e arbitragem.
Ora, nós temos de nos governar por princípios e por normas, e não por desejos, interesses, intenções ou critérios particularistas, por melhores que pareçam a quem os defende.
Como ninguém se pode arrogar o monopólio da clarividência, os desejos, as intenções e os critérios particularistas são sempre susceptíveis de controvérsia, especialmente pela inevitável dose do subjectivismo de que se revestem.
Por isso, só o respeito poios princípios e pelas normas fundamentais da vida política e social constitui critério plausível da actuação fundamento da adesão a qualquer sistema político por parte dos seus prosélitos.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - A pureza do Regime, nos seus fundamentos ideológicos, tem de ser defendida e salvaguardada, sob pena de assistirmos ao desenvolvimento de um processo de desintegração que pode ser fatal.
Quando assistirmos à dissociação do binómio Regime-Governo, e quando o liberalismo capitalista fizer frutificar a sua «flor do mal», que é a plutocracia, como disse Salazar, quando, finalmente, o socialismo se for impregnando na administração pública sob disfarce de tecnocracia e burocracia, então só teremos de entoar um treno dolentíssimo sobre o nosso futuro. Caveant consules! ...
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - É sabido que os inimigos da nossa soberania sobre as províncias ultramarinas procuram atacar o interior da cidadela.
A unidade e a coesão em volta do Regime purificado e dos seus venerandos chefes, Almirante Américo Tomás e Doutor Oliveira Salazar, devem constituir preocupação absorvente de todos os responsáveis da Administração e da política.
Não criemos cisões, desgostos, dúvidas e desalentos, que conduzem à indiferença e à perda de muitas dedicações.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Tudo isso é desunir, e desunir é enfraquecer, e1 enfraquecer é servir os inimigos. Nunca é de mais repetir tão evidentes verdades.
Vozes: -Muito bem !
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O Orador: - Â cidade do Porto ama a sua Misericórdia e o seu Hospital de Santo António. São as suas mais antigas e mais queridas instituições. Julgam-nas protegidas na sua independência e autonomia pelos princípios fundamentais do Regime vigente, e nem o próprio liberalismo anticlerical, quer coroado, quer republicano, se atreveu a consumar violências contra elas.
O Porto, por mal conhecido, não é, muitas vezes, bem compreendido. Alexandre Herculano, em síntese lapidar, fez o retrato honrosíssimo do seu carácter colectivo e das suas virtudes.
O Sr. Almirante Américo Tomás tem-no visitado com frequência e sempre declara que estima o Porto, que sente satisfação quando lá pode. permanecer e que se honra com a qualidade de «Cidadão Portuense», que a Câmara jubilosamente lhe outorgou.
Em nome dos princípios, em nome da memória de D. Lopo e dos milhares de benfeitores da Misericórdia, em nome da unidade e da coesão interna, faço aqui solenemente um apelo para que o Hospital de Santo António não seja socializado, directa ou indirectamente, total ou parcialmente.
Não desgostemos o Porto, que só merece carinho e compreensão e que tem a maior honra e o maior orgulho em albergar no seu seio a sua Misericórdia, que é a maior instituição de caridade e assistência particular de todo o Mundo.
Como irmão e antigo mesário e estudioso dos problemas e da história dessa portentosa instituição, e como Deputado pelo Porto, senti o dever de consciência de fazer este apelo e de o fundamentar com a suficiência que o tempo disponível me permitiu.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto Bull: - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Acabo de chegar da Guiné, dessa martirizada Guiné que sofre as provações desta guerra sem quartel que do exterior desencadearam vai para seis anos, mas cuja população conseguiu durante estes últimos cinco dias colocar em segundo plano as preocupações impostas por esse clima de guerra, confiante em que a defesa da província estava bem entregue nas mãos dos valorosos elementos das forças armadas, para apenas dedicar, de alma e coração, todo o seu entusiasmo e patriotismo na recepção que preparara ao venerando Chefe do Estado, quem, sem se furtar a canseiras, nem aos perigos que poderiam advir de uma visita às terras da Guiné neste momento difícil da vida da Nação, decidira concretizar a sua promessa feita há dois anos para se deslocar àquela província.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A visita de S. Ex.ª o Presidente da República às terras da Guiné constituiu mais uma epopeia a incluir nas páginas da nossa já volumosa história pátria. Ela constituiu, como já aqui eu afirmara, mais um grande serviço que o Sr. Almirante Américo Tomás prestou ao País e é mais um cometimento a realçar o génio português, sempre pronto a defrontrar todos os perigos, sempre que as circunstâncias de momento exijam a demonstração da nossa vitalidade.
Prometeu S. Ex.ª que, em sequência das visitas a outras parcelas do mundo português, visitaria oportunamente as províncias de Cabo Verde e Guiné, e, como bom português, não deixou de cumprir a sua palavra. Sulcando os mesmos mares que os nossos antepassados percorreram, levou às gentes da minha terra os sentimentos amigos dos portugueses de todo o mundo luso e a certeza de que, neste momento difícil da vida da província todos eles se solidarizavam e tinham fé em que a Guiné haveria de resistir aos duros golpes por que está passando e cedo voltará a trilhar o caminho seguro de desenvolvimento económico e cultural que estava seguindo.
Nunca duvidei do êxito desta histórica viagem e combati sempre as tibiezas e as dúvidas de alguns velhos do Restelo que a todo o transe procuravam por palavras surdas dificultar tão objectiva quão significativa viagem.
Sinto-me hoje recompensado com a alegria que ainda conservo do feliz desfecho de tão importante visita, e, embora já estejam passadas cerca de 48 horas desde que o venerando Chefe do Estado deixou o porto de Bissau, todo eu vibro ao recordar a exaltação patriótica que o povo da minha terra entusiasticamente evidenciou durante os cinco inesquecíveis dias de contacto com a «nobre figura de português que é o Sr. Almirante Américo Tomás, um homem que, em toda a sua simplicidade e em toda a sua natural bondado, é o perfeito espelho das virtudes da nossa gente».
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Para ver e saudar tão augusta figura acorreram a Bissau gentes de todos os pontos da província e de todas as etnias e condições sociais. Todos envergaram as suas vestes de gala para vir receber e testemunhar a sua simpatia, o seu respeito e a sua gratidão ao primeiro magistrado da Nação.
Fulas e saracules de Bafatá e do Gabu, com o seu séquito de músicos e bailarinos, emprestavam certa alegria ao ambiente da cidade em festa; papéis do Biombo e prabis e balantas de Nhacra e Mansoa, com as suas danças características e coros maravilhosos, atraíam a atenção da população enquanto se aguardava a chegada do majestoso Funchal; as bijagós com os seus saiotes de ráfia e colares de búzios, acompanhadas por rapazes ornamentados de chifres, dançavam alegremente; os alegres mandingas de Farim tocavam entusiasticamente os seus instrumentos típicos e os manjacos de Teixeira Pinto e Cachou, com os seus panos característicos, exibiam-se em danças típicas, e tantos outros que se comprimiam em todo o percurso que S. Ex.ª devia utilizar até à Catedral e depois até ao Palácio do Governo.
Forças armadas de todos os ramos e os rapazes e raparigas da Mocidade Portuguesa, entremeados pela população civil, abrangendo elementos de todas as etnias, completavam o cenário deslumbrante que nessa magnífica tarde do dia 2 do corrente emoldurava as ruas de Bissau.
O Funchal acabava de atracar e S. Ex.ª o Governador, acompanhado da comissão de honra, entrou a bordo para saudar o venerando Chefe do Estado.
S. Ex.ª, sorridente e afável, recebeu no limiar do cais as chaves da cidade que o presidente da Câmara, acompanhado da respectiva vereação, lhe entregara, e iniciou-se em seguida o cortejo em direcção a Sé, onde o venerando Chefe do Estado foi recebido por S. Ex.ª Ex.ª o Prefeito Apostólico, rodeado do clero e muito povo. O Sr. Almirante Américo Tomás deu entrada na Sé sob o pálio a cujas varas pegaram os comandantes das três armas, o presidente da Câmara Municipal, o juiz de direito e o Deputado da Assembleia Nacional.
Terminado o Te Deum, o cortejo dirigiu-se para a Praça do Império regurgitando de gente e onde o Sr. Presidente da República foi de novo bastante aclamado antes de entrar no Palácio do Governo, onde teria lugar a sessão de boas-vindas, porque a sala da Câmara Municipal era pequena para comportar as autoridades civis e militares, o funcionalismo, o comércio e a população da cidade au-
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mentada com uma mole de gente chegada de todos os pontos da província.
As cerimonias prosseguiram com o mesmo entusiasmo durante os dias de permanência do venerando Chefe do Estado na Guiné e todo o programa foi rigorosamente cumprido, merecendo referência especial a homenagem aos mortos militares, levada a cabo no cemitério local, e a visita ao hospital militar, onde S. Ex.ª teve palavras de carinho para com os doentes e procurou dar-lhes ânimo e coragem. No Bairro da Ajuda, o Sr. Almirante Américo Tomás teve a oportunidade de apreciar a grande obra iniciada pelo governador da província, general Arnaldo Schulz, há menos de dois anos, e que mostra o que pode fazer um governante desde que de alma e coração se dedique a uma obra.
O bairro compõe-se de mais de 200 casas destinadas aos elementos da população económicamente mais débeis, os quais, em pouco mais do dez anos, podem ser os verdadeiros donos das respectivas casas, mediante uma pequena renda mensal. Visitou ainda o venerando Chefe do Estado o Asilo de Bor, onde as Irmãs Franciscanas de Maria estão levando a cabo uma verdadeira obra social tendente a melhorar o nível de vida das raparigas nativas ou a educar as crianças abandonadas.
Não quis S. Ex.ª deixar de dar o estímulo de uma palavra de incitamento às forças vivas que labutam na província, e assim procurou contactar com o sector industrial, visitando o complexo industrial da Sacor, o bloco da Sociedade Comercial Ultramarina e a unidade fabril da Empresa António Silva Gouveia. O venerando Chefe do Estado teve uma palavra amiga para os administradores dessas empresas, aos quais incitou a continuarem melhorar a obra existente.
Nas visitas às terras de Bafatá e Gabu, S. Ex.ª foi aclamado por milhares de nativos que quiseram mostrar ao Chefe do Estado que mesmo nesta hora difícil queriam continuar a ser portugueses e não se importavam do dar o seu sangue para a defesa do solo pátrio.
Em Bolama, Bubaque e Safim o venerando Chefe do Estado foi alvo de uma apoteótica recepção, que ultrapassou todas as expectativas e que deu a todos os presentes a certeza de que toda a população da província tinha uma única preocupação: não ceder um palmo do solo pátrio, resistir até à última gota do seu sangue e, integrado na família lusa, tudo fazer para dignificar esta ditosa Pátria que todos amamos.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - E, depois de cinco dias de intenso calor patriótico, de verdadeira fé e unidade nacional, S. Ex.ª deixou a Guiné a caminho de Cabo Verde, aclamado por uma verdadeira multidão que enchia fuás e avenidas que dão acesso ao cais onde S. Ex.ª embarcou de novo no vapor Funchal, rumo à cidade da Praia, onde deve ter chegado esta manhã e onde, estou certo, teve a repetição da inolvidável recepção que lhe foi dispensada na Guiné.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deixei a Guiné há menos de seis horas e desejo que as minhas primeiras palavras nesta Câmara sejam simultaneamente de saudação aos nossos irmãos da metrópole e de felicitações a S. Ex.ª o Governador da Guiné pelo feliz resultado desta memorável visita, felicitações que torno extensivas a todos aqueles que colaboraram nas cerimónias levadas a cabo durante a visita presidencial, e gostosamente quero realçar o meu regozijo pelo comportamento de toda a população da Guiné durante o decorrer da visita.
Que Deus continue guardando o venerando Chefe do Estado e nos ajude a aniquilar o mais cedo possível a onda do terrorismo que campeia nalgumas regiões da Guiné.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate do aviso prévio do Sr. Deputado Vaz Pires sobre o ensino liceal a cargo Estado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barros Duarte.
O Sr. Barros Duarte: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate sobre o ensino liceal a cargo do Estado, objecto do aviso prévio da autoria do ilustre Deputado Dr. Vaz Pires, trouxe a esta tribuna autorizadas vozes da experiência e do saber que larga e particularizadamente discutiram aspectos assaz relevantes da problemática enunciada. Depois de ter tido o prazer de ouvir, com o maior interesse e proveito, a brilhante e exaustiva exposição do experimentado e douto autor do aviso prévio e após outras sábias lições sobre a matéria do debate ouvidas a outros ilustres oradores que me precederam, não posso subtrair-me a rogar a VV. Ex.ªs que me perdoem a temeridade do meu débil depoimento neste lugar de tanta eminência. Temeridade que só o não é porque nasceu da humildade sincera de uma atitude de serviço em prol de uma causa por todos havida como legítima e sagrada. E nisto apenas posso cobiçar uma honra, a do mérito pelos séculos atribuído à voz do povo, quando este, na sua instintiva simplicidade, se pronuncia sobre coisas graves e santas: «Voz do povo ..., voz de Deus! ...»
Meus senhores: o aviso prévio cujo debate nos ocupa situa-se na linha cronológica de outros dois avisos prévios, com ele estreitamente afins, efectivados pelos Deputados Srs. Nunes de Oliveira e Braamcamp Sobral, um na última legislatura desta Câmara, outro em Janeiro do ano transacto. Por outro lado, não se afigurou impeditivo da apresentação deste aviso prévio o facto de três meses antes, em 16 de Dezembro de 1966, haver o Sr. Ministro da Educação Nacional comunicado solenemente ao País estar já muito adiantado o projecto de um Estatuto da Educação, no qual se estatuiriam providências adequadas sobre o ensino liceal e se proveria do modo conveniente à reforma do respectivo Estatuto, como legitimamente se pode conjecturar. Poderia, no entanto, o aviso prévio em debate, situado na sequência imediata da comunicação ministerial acima aludida, parecer uma decisão exageradamente pressurosa, se o seu significado de insistência não realçasse, por si mesmo, a importância da problemática em estudo e discussão.
O ensino liceal, independentemente de qualquer argumento externo, deriva a sua importância da própria essência em que se define. O artigo 1.º do Decreto n.º 36 507 formula a sua definição nos seguintes termos:
O ensino liceal revestirá carácter simultaneamente humanista, educativo e de preparação para a vida, pela determinação, disposição e conteúdo das disciplinas, pela selecção dos métodos e pela utilização de outros meios adequados.
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O artigo 2.º, glosando o anterior, afirma ter o ensino liceal por objectivo:
Preparar para a sequência de estudos e ministrar a cultura mais conveniente para a satisfação das necessidades comuns da vida social, a par dos fins de revigoramento físico, de aperfeiçoamento das faculdades intelectuais, de formação do carácter e do valor profissional e do fortalecimento das virtudes morais e cívicas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Será deste ensino que se há-de formar, num futuro mais ou menos próximo, a grande maioria da sociedade portuguesa, sobretudo a sua camada média. E será deste ensino que hão-de sempre viver as nossas escolas superiores. E nesta célula mater que mais decididamente e com maior nitidez se inicia o processo formativo daquilo que poderia chamar-se tronco e cérebro do Portugal de amanhã. E isto, sobretudo, se se enveredar pelo alargamento da escolaridade obrigatória até aos 17 anos, e, por outro lado, não vier a minguar nem a coragem dos grandes empreendimentos, nem os meios necessários para a correspondente gratuitidade.
Tanto aquela obrigatoriedade como a liberalização do ensino liceal, pelo menos até ao 2.º ciclo, podem, dentro de anos, vir a concretizar-se em legislação oportuna e apropriada. Uma e outra constituem fenómenos consecutivos ao ritmo de mutações de que é susceptível o mundo de hoje. E encontram suficiente justificação na importância intrínseca do ensino liceal e nas grandes vantagens que daí advêm para a Nação.
Nesta matéria, meus senhores, as experiências precursoras de outros países, como a França, a Alemanha, a Suécia, a Inglaterra e, no Oriente, a Austrália e a Formosa, são indicativas do que é realizável entre nós.
E tudo isto se apresenta plausível, quando se parte da convicção legítima de que o ensino liceal é efectivamente o principal factor de qualificação da nossa camada média, cujo valor percentual, relativamente a toda a população portuguesa, se eleva cada vez mais.
Mas se o ensino liceal se reveste de tanta importância, teremos de convir em que será pelo critério desta mesma importância que se há-de aferir tudo o que, de algum modo, se relacione com aquele ensino. Por outro lado, teremos de reconhecer que o grau de aferimento da competência e idoneidade dos professores, da qualidade dos programas de estudos, dos compêndios e livros de texto, dos exames, não poderá ser outro senão o da superlatividade. E o ponto de referência de tudo o que se legisle ou se diga ou se venha a fazer em toda a problemática do aviso prévio em discussão não poderá ser outro senão o de uma formação integral e superlativa a dar à juventude que acorre aos nossos liceus e que assume para a Nação as mesmas proporções de relevância que as pedras de um edifício em relação a este.
Daqui se poderá mensurar todo o cuidado em situar convenientemente o aluno no espaço e no tempo. Primeiramente no espaço. Situá-lo no espaço cósmico, no espaço-Nação e, dentro dos limites nacionais, no espaço-região.
O espaço cósmico tem por fronteiras a imensidade do firmamento e a vastidão dos mares. Cabem aqui, numa fraternidade universal, todos os povos da Terra e todas as culturas humanas. É perante esta universalidade, que não discrimina, que os espíritos e os corações novos se dilatam em rasgos de generosidade e de heroísmo e se elevam a sublimes altitudes do pensamento.
No espaço-Nação, aprenderão os nossos rapazes e raparigas a chamar "nosso" ao cruzeiro que projecta a silhueta nas velhas paredes do templo de Deus; "nossos" aos gran-monumentos de pedra ou mármore - Alcobaça, Batalha, Jerónimos, Torre de Belém; "nosso" ao trigo humilde que punge do chão rasgado pela relha do arado e loureja nas searas.
Finalmente, no espaço-região são os longes do nosso ultramar que se vislumbram, um ultramar imenso e disperso. Tão diverso nos costumes e raças, nos mitos e nos falares dialectais, mas tudo tão uno, ao mesmo tempo, no palpitar dos corações e no sentimento de família, da grande família lusíada! Gabe aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma sugestão. O respeito e o carinho que de todos nós merecem as vastidões humanas do nosso ultramar recomendam um melhor aproveitamento das suas características e valores locais, não só na feitura de livros de texto, como ainda na inserção de um ano de antropologia social na formação de professores que se destinem ao ensino liceal no ultramar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O ineditismo da sugestão é apenas parcial, dado que muitos funcionários administrativos dos quadros ultramarinos documentam já as suas habilitações literárias com aquela cadeira, além de outras.
Mas importa ainda, meus senhores, situar o jovem dos liceus no tempo. No tempo-transcendência, no tempo-história e tradição, no tempo-vida.
Antes de tudo, no tempo-transcendência do diálogo com Deus; dos sãos princípios e das convicções profundas; do conceito da honra e do dever; da noção do sacrifício e do heroísmo.
Em seguida, no tempo-história e tradição, que não é mais do que aquele misterioso metabolismo que transmite aos vindouros as lágrimas, os suores, o sangue de gerações passadas; lendas e factos de luto ou de glória; crenças e língua, costumes e leis; monumentos e terras, tudo seiva imortal de velhas raízes, mergulhadas no tempo, a oito séculos de profundidade! ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A palavra oportuna aqui não pode ser outra senão que as fontes da nossa vitalidade histórica se mantenham puras e sempre vivas, nunca poluídas, traiçoeiramente conspurcadas. Traiçoeiramente e quantas vezes impunemente! ...
Resta-nos o tempo-vida, em que devemos situar o jovem dos liceus. Define-se pela velocidade, pela vertigem, em que pensamento e acção se atropelam, o presente se precipita sobre o futuro e quase com este se identifica. Pensa-se em termos de futuro. Fala-se, escreve-se, canta-se, reza-se, pensa-se, trabalha-se, vive-se ao ritmo do devir e numa tonalidade que se não conhecia quase no pretérito. Quanta firmeza e equilíbrio a contrapor a tudo isto! ... A opor à vertigem das grandes tentações do cientismo e do tecnicismo que materializa: números, foguetões, satélites! ... Corre-se o risco de mutações constantes e imprevistas, da imaturidade permanente, da instabilidade que ameaça a alegria de viver e construir. O homem desencadeou forças e liberdades que já não pode ou ainda não conseguiu disciplinar. Cumpre ao mestre, num esforço inteligente e dedicado de contrabalançar este pendor, cultivar no jovem aquilo a que G. Marcel chama "les puissances d´émerveillement", Albert Dondeyne "les facultes métaphysiques" e o Vaticano II, na Constituição Gaudium et Spes, define como "capacidade de admiração, de introspecção, de meditação, de formulação de
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um juízo critico e pessoal, de um sentido religioso e moral.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A contrapor ao tempo-vertigem dos nossos dias conviria, porventura, regressar ao latim, língua disciplinadora do pensamento e da palavra, ou mesmo aos rigores da lógica e da crítica, em que se precisam os conceitos e se disciplina o raciocínio e se tempera o fio de aço de uma dialéctica que penetra até à medula das coisas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os compêndios de Filosofia actualmente adoptadas regurgitam de psicologia - espécie de terra de ninguém onde todas as incursões duvidosas são possíveis e onde o rapaz ou a rapariga pode ser cobaia de psicologias experimentais de qualquer.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, importa, em todo o processo de formação do aluno do liceu, que se mantenha unidade de ensino e de comportamento, convergência de pensamento e acção, para não se desorientar, diminuir, distorcer e deformar o espírito, o coração e a personalidade do jovem estudante.
Cumpre, Sr. Presidente e Srs. Deputados, denunciar abertamente à consciência e ao Governo da Nação toda a sub-repção vermicular de ideologias deletérias, de insinuações malévolas, erros e calúnias que se acumulam na impunidade e se disseminam sem receio em certas aulas de Filosofia, História e Literatura, em certos textos utilizados. A traição que deste modo se comete é multíplice. É traída a confiança do Estado; traída a confiança da Nação; traída a confiança da Igreja; traída a confiança dos pais, que tranquilizaram a sua consciência na competência e idoneidade dos mestres e na vigilância das entidades responsáveis. É traída a inocência de uma juventude em que a Pátria deposita as suas esperanças. E o pior é que se trata de traição impune e traição remunerada. Remunerada com dinheiro de todos nós. E há quanto tempo? ...
Quando a simples omissão injustificada da função docente seria fraude, que dizer da distorção malévola do múnus sagrado de cultivar e formar a juventude de uma Pátria em guerra? ... Meus senhores, as anomalias e abusos referidos por vários oradores ilustres, nesta mesma tribuna, são verdades surpreendidas na história de todos as dias, verdades dolorosas e humilhantes. Verdades que reclamam verdade de pensamento e de acção. Verdades que reclamam humildade de serviço à Pátria. Verdades que reclamam coragem de medidas prontas e eficazes, para salvaguardar o futuro de uma Nação gloriosa que desafia todas as tempestades da História.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Hirondino Fernandes: -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não há muito tempo ainda, dizia alguém com larga experiência da vida e alguma desta tribuna, que não era sem certo receio que subia os degraus que acabámos de subir.
Tomámos o caso como modéstia, e era-o da sua parte; nós, porém, não sei como chegámos ao cimo. A menos que, e aí está por certo a razão a contrabalançar o peso da responsabilidade estivesse, como estava, como está, a leveza do nada que temos a dizer.
Por que nos não teríamos calado, estarão VV. Ex.ªs para pensar. Antes que o façam, esclarecemos: sómente porque as qualidades de inteligência e de carácter e de trabalho do Dr. Martinho Vaz Pires moralmente nos obrigam a lançar uma faúlha que seja, e por bem minúscula que possa ser, para a causa da fogueira que entende e pretende atear.
Somente por isso, que, de resto, do ensino liceal apenas conhecemos aqueles magros pontos em que com o técnico, que desde sempre abraçámos, se entrelaçam.
Também não é necessário que de outro modo suceda: o autor do aviso prévio em questão, bem como os ilustres colegas que nos precederam, e, sem dúvida, os que se hão-de seguir, com superior competência e invulgar brilho, tudo deixaram dito.
A ser assim, nós apenas queremos, embora correndo o risco de repetir ideias já defendidas, dizer duas palavras, sem nexo talvez e descoloridas por certo, sobre a quinta das alíneas do aviso prévio em discussão: o professor.
Gostaríamos de falar também do plano de estudos: sua duração, disciplinas que o constituem e respectivos programas, interligação das mesmas. Mas, por outro lado, não sabemos onde as coisas vão parar com os ciclos unificados e, pelo outro, tal facto requeria uma não total adesão ao técnico, que inteiramente nos absorve.
Sem embargo dos sete anos passados pelo liceu, alguma coisa ficou ainda viva hoje ou mais viva ainda mercê de comentários múltiplos de professores, de alunos, de encarregados de educação: o problema de certo joio a empanar a beleza e riqueza da farta seara que, apesar de tudo, a todos levanta para a vida.
Visto este joio pelo prisma do concreto, citem-se para não falar noutros, inúmeros problemas de história e geografia e ciências naturais, por exemplo, que nunca mais na vida será necessário saber e, bem assim, outros, por exemplo, também de português, que a tudo conduzem menos àquilo que em nosso fraco entender devia ser preocupação exclusiva de tal disciplina: criar gosto pela leitura - pela "página impressa", como diria o grande pedagogo Sebastião da Gama -, levar os alunos a bem falarem e bem escreverem a língua de Camões.
O Sr. Veiga de Macedo: - Pelos vistos, não é fraco, mas bem forte, o entender de V. Ex.ª
O Orador: - Dirão: há! Mas neste caso, se tal se não consegue, isso é culpa dos professores. Já lá vamos. Antes, porém, deixem-nos dizer que não é só bem dos professores. É-o também de muito problema de gramática, sem a chave do qual se passaria perfeitìssimamente na vida; e este é-o em resultado da falta que nos fazem, como um dia já dissemos, um dicionário de base e uma gramática também de base a regularem nossos passos.
Porque assim é, certo dia fomos encontrar vários alunos a saberem de cor um conto, que alguém propositadamente compusera, onde apareciam os 20 ou 30 valores, ou lá quantos são - quem sabe dizer-mo ao certo? - da palavrinha "que"! ...
E isto tudo que acabamos de dizer, e aqui é que está essencialmente a gravidade do caso, em detrimento de outras coisas sobre que bem mais convinha falar-se: a nossa terra e as nossas gentes, aquela é estas nas suas multifacetadas. dimensões, a interessarem com certeza e, daí, a delas aproveitarem, como se impõe, a totalidade dos alunos, venham eles donde vierem.
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Claro, em turmas menores do que por vezes o professor é obrigado a ter e, por outro lado, com aquele material - desde, os clássicos mapas até às modernas salas de línguas - que ainda não possui inteiramente.
Esquecido de que Roma e Pavia se não ergueram num dia, gostaríamos de num salto de gigantes ver as salas de aula todas elas apetrechadas com o que de melhor a técnica inventou a produzir frutos nas mãos hábeis do professor.
Gostaríamos, mas sabemos que tal não é possível. De resto, a máquina só por si nada faria se à sua frente não estivesse alguém que a soubesse pôr a carburar perfeitamente, como, de resto, já aqui foi acentuado.
E este é que é o ponto fulcral do problema: com as calhas tortuosas e rotas, a perderem água, jamais o moinho funcionará nas devidas condições.
Dar a VV. Ex.ªs uma amostra suficientemente clara da falta de professores no sentido mais nobre da palavra - se é que ainda o tem, o que cremos - não seria tarefa difícil se para o caso pudéssemos invocar a pouca experiência que do ensino técnico temos.
Por um lado, não sei por que devamos não o fazer, que ensino liceal e técnico tudo é ensino secundário; pelo outro, porém, não vale a pena recorrer a este, que, mesmo assim, também aquele nos oferece exemplos deveras flagrantes para o fim em vista. Porque assim é, para que havemos de ir a casa alheia se nos remediámos nesta nossa com aquela dúzia ou dúzia o meia de casos que, amavelmente, alguém nos comunicou, e outros que nós conhecemos?!
A mais insignificante. das aulas assenta na solução destes três quesitos: o que ensinar, a quem o ensinar e como o ensinar.
Não temos para o primeiro dados suficientemente abundantes que nos mostrem claramente a sua não satisfação, mas tal também não interessa sobremodo, sendo por de mais manifesto que só muito raramente estará por completo dentro da matéria que vai ensinar o professor - falamos, como facilmente se depreende, dos professores provisórios - a quem faltam dois ou três ou quatro anos para conclusão do seu curso (e são alguns, nos dois ensinos, os nestas condições) e que tão-pouco o pode estar aquele que vai leccionar disciplinas para as quais não teve a mínima preparação específica (como algumas vezes sucede, agora sobretudo no liceal).
Se passarmos ao segundo dos quesitos, o problema adquire, se possível, maior gravidade, porquanto, sendo cada aluno um caso particular - psicologia diferencial -, os 20 ou 30 ou 40 de cada turma hão-de, forçosamente, ser 20 ou 30 ou 40 casos, qual deles mais particular.
Antes de rasgar o caminho, procura o topógrafo conhecer o terreno sobre que se há-de marchar; aqui, o professor, que acima citámos, começa e termina as suas aulas, esta como aquela, a este aluno como àquele, hoje como ontem.
Não variando estilo, nem tom, fala uma vez, muitas vezes ... quando não dita apontamentos dali, da secretária, tudo ao jeito ainda do velho magister dixit, enquanto lá para trás se joga à batalha naval! E assim uma vez, duas vezes, incompreensivelmente, três ou quatro ou mais vezes até como nós fizemos e vimos fazer.
Simplesmente é outro nos dias de hoje o material bélico. A lança e a espada de ontem deram lugar à pistola-metralhadora, à granada de mão, ao morteiro. Quem se admira, pois, do deflagrar involuntário de uma ou outra bomba, ali, no meio dos soldados todos, no decorrer de operação de tão larga escala? E o pobre do inadvertido aluno, por exclusiva culpa da falta de conhecimentos pedagógicos do professor, não só1 perdeu a lição, como foi ainda para a rua, sem quaisquer contemplações, com falta de castigo.
Entramos, assim, no terceiro dos quesitos, que, dissemos, desde o primeiro momento se punham ao professor: como ensinar.
Tirado ao acaso, de entre os vários que nos foi proporcionado ver, reza assim o sumário, já arquivado, de um daqueles professores do ano lectivo findo: "Chamadas à matéria estudada". Certo, se não viessem logo estoutros: "Chamadas de revisão da matéria estudada", e logo "Chamadas" e, depois e ainda. "Chamadas" e "Chamadas" e "Chamadas".
A tanta chamada seguiram-se, não, por certo, as respostas que seria de esperar, mas novo ciclo durante o qual se "amontoaram" novos e muitos capítulos a ter que papaguear, porquanto cá estão os mesmos sumários do mesmo professor X do liceu Y: "Chamada escrita", "Correcção da chamada escrita" e logo "Chamadas", "Chamadas", cinco ou seis vezes "Chamadas".
Mudando de professor e de disciplina, novos exemplos encontraríamos, dezenas, se não centenas, por esses liceus fora. De alguns sabemos.
No final de cada aula, cujo diapasão de planejamento e execução será fatalmente o do curso, pôr-se-ão estes professores o problema do que aprenderam os alunos?
Na maior parte dos casos, acreditamos, sinceramente, que o façam. Acreditamos na sua boa vontade em acertar ou, melhor talvez, na sua preocupação de acertar. Mas II preparação literária a pedagógico-didáctica não é a que baste, e os erros surgem ...
Ser professor, porém, não é só isto. Muito longe, ser professor é mais do que ser conhecedor de uma disciplina e sobre ela saber dar aulas; ser professor é. principalmente, como dizia o prezado colega Dr. Martinho Vaz Pires, entregarmo-nos com toda a nossa alma e com toda a nossa inteligência ao convívio amigo dos alunos, dando-lhes - dizemos os agora - o amparo, a orientação, a dedicação, a justiça, a paciência, a simpatia de que carecem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ser professor é, sobretudo, isto, e isto é o que essencialmente é difícil, para mais no período crítico que os jovens atravessam do 1.º ao 5.º ano dos liceus: -ser professor é ficar na memória e no coração dos nossos alunos pela vida fora, quando eles foram nossos alunos dos 11 ou 12 aos 15 ou 16 anos.
Mas a que virá tudo isto?, perguntarão. Apenas para mostrar, como é evidente, nada como ver para crer, a pertinência do presente aviso prévio a procurar reconquistar para o professor o terreno perdido, anulando, assim, os erros de que os apresentados são uma pálida amostra.
De resto, do mais muito está feito e o que não está fácil é fazer-se. Umas centenas de máquinas, umas dúzias de novos empregados, tudo é fácil: difícil é apenas e fazer renascer o gosto pela profissão de professor, dados os encargos que, aceite a proposta actualização dos seus vencimentos, que é condição sine qua non, o caso necessariamente implica.
De qualquer das maneiras, ela é a única solução para tal ou, pelo menos, a base necessária em que hão-de assentar as possíveis soluções. De outro modo continuar-se-á a assistir à fuga - primum vivere ... - para actividades mais compensadoras dos poucos elementos válidos que o coração - e aqui está um outro factor
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deveras importante, como muito bem viu o prezado colega Dr. Rogério Peres Claro -, que o coração, dizíamos, ainda prende ao ensino, tendo de consequentemente lançar-se mão dos tais "elementos estranhos ao serviço", que os substituem já, em muitos casos, do ensino primário ao superior.
E perdoe-se-nos o parêntesis para reafirmar que assim terá de ser, e sem delongas, desde o primário ao superior, passando pelo secundário, onde todos os professores deverão ter, neste aspecto, a igualdade de tratamento que, no presente estado de coisas, incompreensivelmente, só os efectivos têm.
Mas fechemos o parêntesis para, retomando o fio da meada, de novo repetir que é imperioso olhar, com olhos de ver, para a situação económica dos professores, que, nos dias de hoje, é deveras precária.
Todos sabemos que, em certos aspectos, eles estão em condições que os restantes não conhecem: ninguém deixa de invejar as férias do Natal e Páscoa, e depois as outras, as tradicionalmente chamadas "grandes". Concordamos em que é uma situação que os demais funcionários não têm; mas estes hão-de concordar também em que, terminadas as horas normais de trabalho - e assim a pretensa vantagem se anula -, só o professor tem exercícios para fazer e corrigir, só o professor tem planos de lição a elaborar e, a bem dizer, só o professor tem páginas e páginas obrigatoriamente a ler pela vida fora, por ela toda, se quiser ser, como tem de ser, honesto.
Olhem-se com olhos de ver e depois, para evitar casos como os acima citados, vá-se até onde necessário: não suprimiremos as magras férias do Natal e da Páscoa, absolutamente necessárias para retemperar os nervos; mas, das outras, retirem-se oito ou mesmo quinze dias para, com os alunos já longe, ou, de preferência, com os alunos ainda longe, na calma das bibliotecas e gabinetes e salões, proceder, todos os anos, a cursos de formação e actualização pedagógico-didáctica, a organizar pelas próprias escolas sob, naturalmente, a superior orientação da Direcção-Geral: cursos televisionados, a que se seguirão debates; cursos filmados ou gravados; cursos a levar a efeito por professores do quadro para o caso designados pela Inspecção; leitura e respectiva crítica a livros; etc.
De preferência com os alunos ainda longe, diremos.
O ciclo preparatório para o ensino secundário vai começar com cursos pouco mais ou menos do género. A sua frequência será razão de preferência na colocação dos professores (provisórios, claro) e a subsequente aprovação em exame final, para os que assim o entenderem, reduzirá, em caso de estágio, o tempo normal deste.
Diz sempre muito bem o caro colega Dr. Peres Claro, cada um tem as suas ideias e nós temos agora esta: por que não hão-de os professores retomar oito ou quinze dias antes de 1 de Outubro ou de 20 de Setembro - estão em férias, que deverão ser-lhes pagas, pelo menos desde 1 de Agosto -, por que não hão-de retomar o seu serviço para, nas condições expostas, se prepararem, calmamente, para o novo ano que começa?
Olhem-se com olhos de ver, e vá-se mais longe ainda, numa grande parte dos casos as promoções implicam, para os diferentes funcionários, muito trabalho, muito estudo, concursos.
Aqui basta ser-se professor do quadro para, ao cabo de dez anos - também é muito só ao cabo de dez anos, e também é pouco só duas vezes na vida -, para, ao cabo de dez anos, ter a primeira diuturnidade. Pode vegetar-se, pode o professor continuar no ponto em que saiu do estágio, indiferente a possíveis novos processos, a possíveis novas descobertas da técnica.
Pois, se tal situação nos aprouvesse, contra nós falaríamos: sejam, por todas as razões, estes os professores - haverá um em cada grupo, pelo menos, a dirigir no começo de todos os anos os cursos de que falámos, enviando a uma comissão de inspectores devidamente constituída o resultado dos mesmos cursos. E este o seu tirocínio (que implica actualização) para as diuturnidades, a última das quais, uma quarta, reduzido, naturalmente, o tempo das primeiras, seria só acessível, qual espécie de generalato, a quem tivesse apresentado neste e noutros campos bons ou mesmo relevantes serviços.
E os professores provisórios que o pretendam submetam-se, como vão submeter-se os do ciclo preparatório para o ensino secundário, a um exame, que lhe trará as mesmas prerrogativas que aquele traz àqueles. Deixará, assim, de neste ano aparecer um e para o próximo já aparecer outro, sempre todos sem nada saberem.
No princípio de cada ano, nos tais oito ou quinze dias, se ministrarão noções de pedagogia; no princípio do ano se ministrarão noções de didáctica; no princípio do ano se ministrarão noções de orientação escolar.
Criticar-se-ão planos de lição, conhecer-se-á o material da escola e a bibliografia sobre as matérias que a cada um particularmente interessam ...
Tudo isto se poderá fazer então, para além do muito mais que os respectivos responsáveis máximos possam achar por bem fazer-se até ao dia em que tudo estiver feito.
Parece-me que são horas de começar a descer os degraus desta tribuna. Ao preparamo-nos para isso, como professor que somos, põe-se-nos o problema: mas, afinal, qual foi a nossa contribuição para o assunto em debate?
Ao começar, afirmávamos nada ter a dizer; ao chegar ao fim, achamos nada ter dito do muito que quereríamos.
Porque assim aconteceu, desceríamos estes degraus mais vergados ainda do que o fizemos ao subir, se não fora a consolação de que quanto de importante se podia dizer sobre o assunto tudo foi dito pelos distintos autor do presente aviso prévio e colegas, que sobre tal aviso se têm debruçado.
Tornamo-nos, assim, tranquilos, porque, na medida em que lhes damos a nossa adesão, passamos a dizer muita coisa.
Aqui fica, portanto, ela, só não que num ou noutro pequeno pormenor: caso do latim, que não cremos seja necessário absolutamente para nada num curso* geral como o 5.º ano, e mais um ou dois que não vale a pena citar.
O Sr. Fernando de Matos: - Não apoiado!
O Orador: - Porque assim é, poderemos descer tranquilos os degraus que há momentos subimos?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima sessão será na terça-feira, dia 13, sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 50 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
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António Augusto Ferreira da Cruz.
António José Braz Regueiro.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Cândido de Medeiros.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Francisco José Cortes Simões.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gustavo Neto de Miranda.
James Pinto Bull.
João Duarte de Oliveira.
José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pais Ribeiro.
José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Leonardo Augusto Coimbra.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Alves.
Teófilo Lopes Frazão.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Antão Santos da Cunha.
António Magro Borges de Araújo.
António Maria Santos da Cunha.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Jaime Guerreiro Rua.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Henriques Mouta.
José Manuel da Costa.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
Júlio Dias das Neves.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Correia.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Rafael Valadão dos Santos.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Tito Lívio Maria Feijóo.
O REDACTOR - Januário Pinto.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA