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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 135
ANO DE 1968 14 DE FEVEREIRO
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 135 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 13 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Leu-se o expediente.
Para, os efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, foi recebido na Mesa o Diário do Governo n.º 30, inserindo o Decreto-Lei n.º 48 236; também se recebeu na Mesa a resposta do Governo à nota de perguntas apresentada pelo Sr. Deputado Braamcamp Sobral na sessão de 30 de Janeiro findo.
Foi lida a nota de perguntas e a resposta do Governo.
Usou da palavra o Sr. Deputado António Crus, que recordou a assinatura, há três séculos, do tratado de pau com Castela, em 13 de Fevereiro de 1668.
Ordem do dia. - Continuou o debate do aviso prévio acerca do ensino liceal a cargo do Estado.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Pinto de Mesquita e Araújo Novo.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 18 horas.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António Magro Borges de Araújo.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Correia Barbosa.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
Horácio Brás da Silva.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Janeiro Neves.
José Maria de Castro Salazar.
José Pais Ribeiro.
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José Rocha Calhorda.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Raul Satúrio Pires.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 67 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte:
Expediente
Telegramas
De aplauso ao debate sobre o aviso prévio acerca do ensino liceal a cargo do Estado.
De apoio à intervenção do Sr. Deputado Vaz Pires.
De aplauso à intervenção do Sr. Deputado Fernando Matos.
De apoio às palavras do Sr. Deputado António Santos da Cunha.
Ofício congratulando-se com a intervenção do Sr. Deputado Peres Claro.
O Sr. Presidente: -Para efeito do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 30, 1.ª série, de 5 do corrente, que insere o Decreto-Lei n.º 48 236, que prorroga para a vigência do III Plano de Fomento, podendo o produto das séries que venham a ser emitidas ser utilizado para financiamento dos empreendimentos previstos no referido Plano, bem como para a cobertura de outras despesas extraordinárias que sejam autorizadas pelo Ministro do Ultramar, a autorização concedida ao governador-geral de Angola pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 46 378 (empréstimo amortizável denominado «Obrigações do Tesouro de Angola. 5 por cento, 1965, Plano Intercalar de Fomento para 1966-1967»).
Pausa.
O Sr. Presidente: -Está na Mesa a resposta do Governo à nota de perguntas apresentada pelo Sr. Deputado Braamcamp Sobral na sessão de 30 de Janeiro findo.
Vão ser lidas a nota de perguntas e a resposta do Governo.
Foram lidas. São as seguintes:
Nos termos do n.º 1 do artigo 96.º da Constituição Política e da alínea c) do artigo 11.º do Regimento da Assembleia Nacional, formulo respeitosamente ao Governo as seguintes perguntas:
Que disposições foram tomadas pelo Governo, desde 25 de Janeiro de 1967 até à presente data, tendo em vista:
1.º A criação e difusão em larga escala de boa literatura para jovens?
2.º A eficiente actuação da Comissão de Literatura e Espectáculos para Menores, nos termos do Decreto-Lei n.º 41 051, e a adaptação dos seus processos de trabalho às exigências actuais?
3.º A harmonia de critérios dos vários departamentos oficiais, cuja missão, através de órgãos de censura é defender a população, e sobretudo a mais jovem, de leituras, audições ou espectáculos que possam ter efeitos maléficos do ponto de vista moral ou político?
4.º A adaptação às circunstâncias actuais das disposições legais insertas no Decreto-Lei n.º 41 051; que respeitam à Comissão de Exame e Classificação dos Espectáculos, e, bem assim, a elaboração da correspondente regulamentação?
5.º A defesa efectiva, nos termos das leis em vigor, da entrada de menores nos locais em que pelas mesmas leis lhes é vedado ou condicionado o acesso?
6.º A intensificação da repressão das actividades que atentam contra a moral e os bons costumes e, em particular, da difusão de literatura obscena e pornográfica?
7.º A viabilidade efectiva, nos aspectos desejáveis e possíveis da intervenção orientadora do Ministério da Educação Nacional nos estabelecimentos de ensino oficiais, não dependentes daquele Ministério?
8.º O consentimento legal à Hierarquia da Igreja Católica para uma inspecção permanente, nos estabelecimentos de ensino oficial, à actuação dos professores de Religião e Moral?
9.º A criação de uma entidade que estude os problemas específicos da juventude, conforme se preconizou no n.º 11 da moção aprovada na sessão desta assembleia realizada em 25 de Janeiro de 1967?
Lisboa, 25 de Janeiro de 1968. - O Deputado, Manuel José d'Almeida Braamcamp Sobral.
Elementos de resposta relativos à nota de perguntas apresentada pelo Sr. Deputado Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral na sessão da Assembleia Nacional de 30 de Janeiro de 1968.
1.º Têm-se tomado as iniciativas consentidas pelo condicionalismo financeiro, que melhorou apreciável-
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mente, mas ainda não é de molde a permitir a mais vasta acção que desejaria promover-se.
Assim, pelo que respeita à Mocidade Portuguesa, e dentro do período considerado (o último ano):
a) Reorganizou-se o Serviço d
c) Acha-se em organização o Dia do Livro Infantil;
d) Depois de atentos estudos, lançou-se o jornal infantil Pisca-Pisca, que se julga destinado a desempenhar importante papel neste sector, dada a sua excelente apresentação gráfica e o seu cuidado conteúdo, que se procura tornar aliciante e, ao mesmo tempo, de alto sentido formativo;
e) Estão em curso estudos para o lançamento de outra publicação periódica, destinada a grupos etários superiores;
f) Lançou-se o Boletim do Circulo de Formação Juvenil e de Cultura Apologética, que tem por fim valorizar a utilíssima acção desse Círculo, recentemente criado;
g) Melhoraram-se sensivelmente o jornal Talha-Mar e o Boletim do Círculo de Estudos Ultramarinos;
h) Vem-se incrementando a restante actividade editorial, tendo-se publicado recentemente várias obras e estando projectadas outras.
Entre as primeiras destaca-se, pelo seu significado histórico e especial valor formativo, como documentário completo e fidedigno da viagem de Sua Santidade a Portugal, o livro Mensagem de Um Peregrino de Fátima - Paulo VI, sendo ainda de citar Poesia para a Juventude e Kanoik - Lendas de Timor, bem como os trabalhos escolhidos pelo júri do Prémio Ensino - 1966, do Círculo de Estudos Ultramarinos.
Das segundas, acha-se preparada uma antologia de poesias e contos seleccionados em concursos literários promovidos pela Mocidade Portuguesa, a qual sairá a lume no Dia do Livro Infantil;
i) Foi promovida e está em curso uma campanha tendente a chamar a atenção para anteriores publicações da Mocidade Portuguesa, de algumas das quais se projecta fazer reedições.
Pelo que respeita à Mocidade Portuguesa Feminina, também se revigorou a sua secção de publicações, com vista a melhorar a apresentação e o conteúdo das publicações periódicas que edita, em todas as quais se insere sempre uma lista de livros recomendados.
Tem-se dado forte impulso à publicação de jornais pelos centros de actividade circum-escolares que funcionam nos estabelecimentos de ensino.
2.º Tem o Governo sempre considerado, no plano que lhe é próprio, os problemas relacionados com o exercício das atribuições legais confiadas à Comissão de Literatura e Espectáculos para Menores, cuja estrutura e modo de intervenção se tem por agora entendido conveniente manter. A eficácia das instituições oportunamente criadas e dos métodos adoptados no seu funcionamento se afigura dever-se em boa parte que os problemas sociais que integram as atribuições da mesma Comissão não revistam em todo o caso entre nós o mesmo grau de agudeza que se lhes assinala em muitos países. Mas a melhoria possível dos seus meios de acção é objecto de estudo.
3.º Integrados os serviços em causa, ao menos na sua maior parte, no mesmo departamento do Governo, são-lhes definidos sempre critérios fundamentais de actuação comuns.
Rigorosamente não se põe, portanto, um problema de harmonia de critérios.
Mas a harmonização das actividades dos vários órgãos e a fidelidade aos critérios comuns no exercício das suas atribuições específicas são asseguradas, não apenas no plano antes referido, mas também por frequentes contactos entre os seus responsáveis e mediante as necessárias reuniões de trabalho.
4.º Os princípios por que se orienta a Comissão de Exame e Classificação de Espectáculos e os pertinentes meios de acção estão definidos nos Decretos-Leis n.ºs 41051, de 1 de Abril de 1957, e 42 660, de 20 de Novembro de 1959, e no respectivo regulamento interno.
Tem-se entendido que estes diplomas mantêm a necessária eficiência e constituem armadura jurídica válida, mesmo perante as actuais necessidades.
5.º Pelo que respeita ao Ministério da Educação Nacional, a Obra das Mães pela Educação Nacional, à qual compete propor através daquele Ministério os agentes voluntários, está a estudar a criação de um corpo de agentes mais numerosos e com carácter de maior permanência.
6.º A repressão das actividades atentatórias da moral e dos bons costumes, designadamente no aspecto da difusão da literatura obscena, está garantida pela lei e tem-se efectivado adequadamente através da acção dos tribunais.
No tocante à prevenção das mesmas actividades, constitui esta séria preocupação do Governo, que a tem promovido, quer policialmente, quer pela frequente e firme intervenção dos vários serviços incumbidos por lei de a realizar.
Mediante intervenção directa dos serviços de censura foram proibidos, por imoralidade ou pornografia, durante o ano findo, 87 livros nacionais e estrangeiros. E, durante o mesmo período e pelo mesmo fundamento, foram impedidos de circular no País 146 números de revistas e jornais estrangeiros.
Algumas destas publicações vieram a ser proibidas a título permanente.
7.º Pelo menos em relação a vários estabelecimentos de ensino oficiais, não dependentes do Ministério da Educação Nacional, é já prática seguida estarem os mesmos sujeitos à sua orientação pedagógica.
8.º O problema está a ser estudado pelo Ministério da Educação Nacional e pela Hierarquia.
9.º O estudo dos problemas específicos da juventude é realizado, sob a superior orientação do Ministro da Educação Nacional, com o concurso do Subsecretário de Estado da Juventude, pelos seguintes órgãos:
Junta Nacional da Educação, através da 8.º secção, instituída pela recente reforma daquele
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organismo, e a que se deu carácter representativo, pois que, além do presidente, de um vice-presidente e de quatro a seis vogais nomeados pelo Ministro, tem como restantes vogais: um representante da Igreja; o inspector-chefe dos Espectáculos, o director dos Serviços de Censura; um representante da Emissora Nacional; o presidente da Comissão de Literatura e Espectáculos para Menores; o director-geral da Educação do Ministério do Ultramar; um representante do Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa; uma representante do Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa Feminina; uma representante da Obra das Mães pela Educação Nacional; o inspector superior do Ensino Particular; um representante da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho; o director-geral da Assistência, e um representante do ensino particular;
Gabinete de Estudos e Planeamento da Acção Educativa, como órgão técnico de apoio aos outros serviços do Ministério no que concerne ao estudo e planeamento da acção educativa, em que naturalmente se integram também os aspectos específicos da juventude;
Mocidade Portuguesa;
Mocidade Portuguesa Feminina;
Centro Universitário do Porto;
Serviços Sociais da Universidade de Lisboa;
Serviços Sociais da Universidade Técnica de Lisboa;
Serviços Sociais da Universidade de Coimbra.
Estes cinco últimos organismos também têm por missão estudar os problemas que se inserem na órbita de acção de cada um.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado António Cruz.
O Sr. António Cruz:-Sr. Presidente: Recordemos hoje que foi assinado há três séculos o tratado de paz com Castela que deu termo à Guerra da Independência, consolidando o movimento da Restauração. Recordemos assim que a 13 de Fevereiro de 1668 acabou todo um período, longo de 27 anos, de campanhas que obrigaram a esforços não consentidos pelas nossas possibilidades e a sacrifícios dos maiores, só porque, recuperada a liberdade inteira de Portugal e restituído o seu trono a um rei natural, importava dizer que nos assistia razão inteira e que Deus não desamparava a nossa causa. E dizê-lo naqueles termos mais adequados às circunstâncias, de toda a vez que a liberdade e a integridade da Pátria estão em perigo: de armas na mão, de penas afiadas, de ânimo resoluto.
Bem antes de ser assinado em Lisboa, e há precisamente três séculos, o tratado de paz, já na fronteira do Minho haviam sido iniciadas conversações no propósito de se estabelecer um armistício. Assim o desejava Castela: enfermo Filipe IV, temia a rainha que por sua morte viessem a desencadear-se sucessos de todo perigosos para a própria unidade da coroa espanhola. Por outro lado, não menos obrigava Castela a desejar a paz o facto de se terem encadeado, logo após a assinatura do tratado dos Pirenéus, batalhas decisivas onde a vitória sempre sorriu às armas de Portugal: e assim no Ameixial em 1663, e logo em Castelo Rodrigo, para, finalmente, quando iam decorridos dois anos, o exército castelhano sofrer a maior derrota em Montes Claros.
Aliás, as tropas castelhanas não haviam conhecido melhor sorte em qualquer uma das quatro campanhas da Guerra da Independência. Logo na primeira, que findou em 1644, com a batalha do Montijo, mostraram-se os Portugueses bem animados de espírito ofensivo, em todas as entradas ou incursões ao longo da fronteira. Da segunda campanha, que. se prolongou até à morte de el-rei Restaurador, detivemo-nos, porém sempre de armas na mão, nas posições mais indicadas para a defensiva, enquanto na outra frente, qual era a das cortes e chancelarias europeias, os nossos diplomatas travavam outros combates não menos duros. Depois, com a terceira campanha, há uma ofensiva geral dos Castelhanos, possibilitada pela circunstância de lhes ter sido possível reagrupar junto da nossa fronteira aquelas forças que andavam dispersas por outros lugares onde tiveram de sustentar a luta. Mas toda a ofensiva, então desencadeada, veio a findar no dia 14 de Janeiro de 1659, quando o conde de Cantanhede venceu a batalha das Linhas de Elvas, libertando do cerco aquela praça de armas. A derradeira campanha foi aquela a que me referi há pouco, ao dizer das batalhas que tiveram decisiva influência junto da corte espanhola e levaram a rainha a tentar a negociação da paz.
O menos cultivado na matéria, ignorando o pormenor, poderá desconhecer o que foram, para nós, os 27 anos de guerra, como dilatado período de privações e de provações de toda a ordem. Poderá desconhecer que então se correu o risco sério de tudo perder: mais do que a vida de cada português, a liberdade e a honra de Portugal. E para que saiba quanto custou manter a Pátria na sua integridade e restituída a um rei legítimo bastará, assim o creio, trazer para aqui uma página do cronista-mor da Restauração, que foi o conde da Ericeira, arrancando-a ao seu Portugal Restaurado.
Contendo uma narrativa de espanto, como lhe chamou o alto espírito de António Sardinha, essa página, dedicada ao cerco de Elvas, reza assim:
Porém a guerra, nem ainda a fome, eram os maiores perigos, que experimentavam os sitiados; e peste era o maior dano, porque não foi o contágio de menos lastimosa execução, ainda que as doenças não foram daquela qualidade; porque multiplicando-se com os dias as enfermidades, houve nos últimos muitos em que chegava a 300 o número dos mortos, originando este excesso monstruosos efeitos; porque os vivos perderam de sorte o horror aos defuntos, e não sepultados, que nas guardas lhe serviam os corpos dos mortos de assento para jogarem. De noite, os soldados auxiliares e da ordenança que não tinham quartel nem conhecimento algum na Praça, iam dormir aos alpendres das igrejas e as roupas dos cadáveres, que estavam nelas, lhes serviam de cobertura ... A febre, e a debilidade corrompia de tal sorte os miseráveis soldados, que tão hediondos e insuportáveis eram os vivos, como os mortos, e este pestilento ar se difundiu de tal sorte por toda a circunferência da Praça, que depois de socorrida não se atreveram a entrar nela muitos dos que vieram no exército.
Onde, quando houve sofrimento maior, de toda a vez que esteve em perigo a liberdade e a integridade de Portugal?
Não será preciso dizer que a Restauração foi um movimento dirigido contra Castela, ao pretender-se estudar, na sua origem e consequências, a revolução do 1.º de Dezem-
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bro de 1640. Importa, sim, referir e bem acentuar que foi esse um movimento a favor de Portugal, na sequência de toda a acção que venceu séculos, e logo a partir da independência do Condado Portucalense, para sempre corresponder às imposições de uma individualização fundamentada nas características que apartavam, no concerto geral da Península, a comunidade radicada no Noroeste, de face voltada para o Atlântico.
Por força de carência de toda a ordem, e logo no que tocava a fortaleza de ânimo quanto no que dizia respeito ao mesmo sustento para os corpos, não estavam os Portugueses, em 1580, possuídos de uma capacidade de resistência que impedisse, até, a ambição de Filipe II de Espanha, ainda que só orientada no propósito de conseguir instalar, em toda a Península, uma monarquia dualista. E não resistiram mais do que breves dias e apenas escassos milhares, quando não sómente umas centenas, pois que mais não acorreram a pegar em armas e a dar apoio ao infortunado D. António I, Prior do Grato e rei de Portugal durante um curto e acidentado reinado. A reacção válida veio depois, quando recobrada a força de ânimo e a serenidade. E então nem sequer se admitia a possibilidade de ser mantida a monarquia dualista, com os tronos de Portugal e de Castela separados, porém reservados os dois para um só monarca.
Aquando do início da mesma reacção, intentaram os Castelhanos a unificação que de há muito lhes sorria, bem como ao seu monarca, mas que receavam concretizar. A toda a arremetida logo correspondeu, do nosso lado, um refervilhar de entusiasmo, afervorados muitos dos bons portugueses na pregação do nosso «Evangelho». Bastará referir o que sucedeu, a esse propósito, aquando da visita do duque de Bragança a Évora, em 1635 - visita essa que teve, inequivocamente, uma intenção política, reavivando esperanças e fomentando a congregação de todos os patriotas.
O duque entrou na cidade no dia 9 de Agosto e foi recebido com tais honras que mais parecia tratar-se da visita de um monarca do que de um nobre, embora da sua estirpe. Dessa visita e das festas celebradas em sua honra quero apenas relembrar aqui um episódio.
Pregou na Sé o jesuíta P.e Gaspar Correia. Acabado o sermão, todo ele um panegírico, o pregador voltou-se para o duque e dirigiu-se-lhe deste jeito:
- Espero ver-vos com uma coroa ...
Aqui, o pregador fez uma pausa. Após ela rematou:
- Coroa de graça, coroa de glória!
Mas a intenção da pausa foi bem compreendida pelo povo que se comprimia na Sé. E pouco faltou - diz o cronista do facto - para o duque ser ali mesmo aclamado como rei de Portugal.
Dois anos decorridos, a 21 de Agosto de 1637, a mesma cidade de Évora servia de teatro aos tumultos mais sérios de todos quantos se registaram durante o domínio filipino. Na tarde do dia 22 aparecia afixado um edital assinado por «Manuelinho» e no qual se invocava a Justiça de Deus para os traidores e perseguidores da Pátria. Estes acontecimentos passaram à história com a designação de «Alterações de Évora». Mas - ocorre perguntar -, como foi possível um tal movimento de carácter acentuadamente nacional? Quem o fomentou? Quem o dirigiu?
Causas as mais diversas concorreram para a sua eclosão. Foi importante, sobretudo, a acção desenvolvida pela Companhia de Jesus. Do alto do púlpito, os jesuítas chamavam o povo ao cumprimento dos seus deveres para com a nacionalidade. Por outro lado, procuravam despertar-lho o ardor patriótico, valendo-se da pena. O. que tornou possível, portanto, as alterações de. Évora foi o ambiente de há muito preparado.
Os tumultos de Évora tiveram repercussão em todo o Reino. Quem o afirma é o próprio Filipe IV. Segundo uma carta sua, ainda inédita, registaram-se também «alvoroços no Algarve, alguns arruídos no Porto e em Santarém e alguma coisa em Viana». A reacção, da parte de Castela, foi violenta. Todavia, importa registar que a nobreza sé houve com galhardia, batendo-se por esta concessão: que os negócios dos Portugueses fossem resolvidos pelos Portugueses.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Após as Alterações de Évora, foram chamados a Madrid, sob o pretexto de Filipe IV os querer ouvir acerca do estado do Reino, alguns religiosos agostinhos, dominicanos e jesuítas e os arcebispos de Braga, Évora o Lisboa, além dos representantes da nobreza. Em boa verdade, a causa da viagem era outra. Segundo Vivanco, cronista da época, o monarca pretendia mas ura repreendê-los:
Os nobres, por não se terem oposto totalmente à plebe, tomando contra ela as armas para reprimir a rebelião; e os religiosos, porque, em lugar de predicar o Evangelho, repreender os vícios e refrear os povos, os concitavam a maiores rumores e levantamentos. Eu mesmo [refere ainda, o cronista] ouvi ao primeiro-ministro queixar-se dos frades daquele Reino.
Entretanto, os clamores redobraram em todo o Reino. As violências de Castela, longe de intimidarem o povo, mais o animavam à revolta. Sucediam-se os papéis clandestinos. Um deles era ao jeito de petição dirigida a Jesus Cristo pela cidade de Lisboa, que se via em grave aperto, pois «estava reduzida a tão infeliz estado de miséria que lhe não faltava mais do que rebentar com desesperação». E que pedia Lisboa? Que Deus ressuscitasse o seu «marido», morto nos areais de Alcácer-Quibir. Pedia um rei natural!
Por seu lado, os conspiradores lançaram-se abertamente na preparação do movimento. No ano seguinte de 1638, chegou a Lisboa, em Novembro, D. Duarte de Bragança, irmão do duque. Procurou-o D. António de Mascarenhas e deu-lhe conta das calamidades que assolavam o Reino, lembrando-lhe de caminho que o seu «valor devia empenhar-se em conseguir a liberdade da Pátria e restituir ao duque, seu irmão, o ceptro, que por tantos títulos lhe era duvido». Acrescentou ainda que u fidalguia estava descontente e já disposta a sacudir, como havia deliberado, o jugo de Castela.
Não escondia o povo qual era o seu desejo - e bem o denotava de toda a vez que podia dizer do seu descontentamento. O clero, longe de se alhear, antes concorria, decisivamente, para que a onda de insubmissão alastrasse, vindo a dominar Portugal inteiro de aquém e de além-mar. Do ânimo da nobreza ficou testemunho insuspeito nos textos contemporâneos. Unidos, queriam os três braços tradicionais do Reino que fosse restituído o trono português ao seu rei legítimo. Para tanto, reconquistaram a nossa independência e souberam consolidá-la, mantendo aquela luta que durou vinte anos e que findou há três séculos.
Repito palavras de há pouco: não será preciso dizer que a Restauração foi um movimento dirigido contra Castela. Importa, sim, dizer que foi um movimento a favor de Portugal.
Há três séculos, porque soubemos colocar no mesmo plano, sem manobras de estranhos, os interesses de Castela e Portugal, lográmos conquistar a paz da Pe-
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nínsula. Alicerçámos um tratado no mútuo respeito e no reconhecimento da individualidade, bem caracterizada, de cada um dos nossos países. E não mais foi preciso, a bem dizer, negociar, com fim idêntico, um novo tratado. Bastou apenas, e já em nossos dias, reafirmar princípios e dizer de uma aspiração comum a toda a Península. Bastou, na verdade, que Portugal e Espanha, recuperada a sua liberdade inteira, tivessem os seus destinos confiados a quem, num e noutro país, personaliza as mais caras aspirações dos dois povos: o Prof. Salazar e o Generalíssimo Franco.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - E que tanto bastou para que fosse concebido e firmado b Pacto Peninsular - expressão actual, e à distância de três séculos, daquele tratado que consolidou a nossa liberdade, recuperada na manhã do 1.º de Dezembro de 1640.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio acerca do ensino liceal a cargo do Estado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pinto de Mesquita.
O Sr. Pinto de Mesquita: -Sr. Presidente: Um dos ilustres Srs. Deputados que me precedeu nesta tribuna, sobre a ordem do dia em curso, salientou ser este o terceiro, desde o aviso do Sr. Deputado Nunes de Oliveira, de uma sequência do avisos prévios em que a instrução secundária se vê em causa. E isto, ou directamente como neste aviso e no primeiro, ou através da educação nacional da nossa mocidade - aviso do Sr. Deputado Sobral -, de que a mesma instrução é aspecto proeminente.
Segundo o artigo 50.º do regimento da Assembleia, corresponde o regime dos avisos prévios a uma iniciativa de um deputado, ou para tratar grave problema da Administração Pública, ou para sugerir ao Governo a conveniência de legislar sobre aspirações ou necessidades públicas. Sob qualquer destas duas formas são os avisos prévios sempre dirigidos ao Governo, e estes, quando generalizada a sua discussão, é de praxe fecharem-se com moção ao Governo também endereçada.
Nesta, ordem de ideias, sobre a matéria em discussão já tive ensejo de discretear, largamente, na sessão de 31 de Janeiro de 1964, aquando do primeiro dos citados avisos, e na de 24 de Janeiro do ano findo, aquando do segundo. Neste fiz um apanhado do essencial dito no primeiro, a fim de levar ao conhecimento dos Srs. Deputados da nova legislatura o meu modo de ver sobre alguns dos múltiplos aspectos de tão vasto tema.
Dirigindo-se, pois, sobremaneira no Governo tal género de intervenção, naturalmente este deve estar, através dos respectivos sectores, no conhecimento suficiente do que se tem passado nesta Casa, pelo que respeita aos anteriores avisos. Parece, por isso, que seria esta boa altura de me confinar a prudente silêncio.
Demais, porque sinto que o meu repertório está quase esgotado.
(Não apoiado).
Em todo o caso, tratando-se de problema que tanto me anda no espírito, vivido centenàriamente a partir da tradição paterna, e depois pela experiência própria - pessoal, filial e de avô -, atrevo-me a algo acrescentar ao que disse. Isto, já porque algo há também de novo legislado, embora não muito, já, sobretudo, pelas perspectivas reformadoras que se esboçam.
E o falar-se com possível proveito, se for caso disso, é antes que elas se cristalizem legislativamente.
Bem haja, por isso, o Sr. Deputado Vaz Pires pela oportunidade, se permanente sempre, como nunca instante, deste seu aviso.
Nos anteriores foram encarados os aspectos do ensino liceal sobretudo pelo interesse do melhor aproveitamento dos estudos pelos escolares. Neste aviso, formulado por tão experiente professor, reitor de um liceu, acompanhado por vários outros Srs. Deputados, também professores do ensino secundário, ou superior, vem-se-nos revelar a gravidade da crise actual do recrutamento dos mestres respectivos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tem-se verificado um aumento espectacular, mas sadio, da frequência nos liceus, consequente, em parte, ao arrasto da instrução primária obrigatória efectivada, mas, sobretudo, ao sorvo vindo de altas aspirações quanto às possibilidades que melhor nível de vida autorizam a tantos.
Em face desse aumento de estudantes liceais - cerca de 18 000 para 70 000 nos vinte anos de 1947 para cá -, o número de professores por alunos baixou correspondentemente de 1 para 23 a 1 para 35!
E já nem falamos especialmente nos professores do quadro permanente, pois quanto a estes o seu número, até em absoluto, mostra-se alarmantemente regressivo. De tudo isto nos informam os dados fornecidos pelo douto avisante.
Esta deserção profissional dos mestres não pode também deixar de reflectir-se grandemente na qualidade do ensino.
Sobre estes aspectos da crise do ensino liceal e os remédios aconselháveis ponderaram já autoridades expertas na matéria mais que o suficiente para que a eles nos afoitemos. Só nos cumpro, por isso, manifestar a esses oradores o aplauso que merecem.
Apenas, quanto ao estímulo a ser dado para se vencerem os óbices da carreira docente, parece-me dever encarar-se, entre facilidades de acesso a conceder a qualificados professores que se revelem destacadamente, a da possibilidade de acesso ao magistério superior, que hoje não têm normalmente.
Essa promoção não se verificaria escolarmente bem mais proveitosa do que aquela, que se tem por vezes verificado, de um acesso mais breve à cátedra antes servir a demasiado pronta promoção para mais lucrativas posições fora dela? Mas, se de longe tem sido sempre mais ou menos assim!
E passemos adiante a tratar antes problemas que já versámos na simples qualidade atrás declinada de entre filho e avô - ou seja, simplesmente, na de pai de família.
Nessa qualidade sugerimos, no aviso de 1964, que os pais estivessem representados sempre nos estabelecimentos de ensino secundário, quando o não pudessem ainda ser por delegação das respectivas associações adrede fomentadas, como em Franca, através de um representante delegado das correspondentes câmaras municipais - que são corpo electivo e, portanto, representativo.
Sr. Presidente: Vem aqui a propósito felicitar S. Ex.ª o Sr. Ministro da Educação Nacional pela publicação da
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reforma da Junta Nacional da Educação, em 22 de Maio de 1965, acompanhada do respectivo regulamento (Decreto-Lei n.º 46 348 e Decreto n.º 46 349), onde se vislumbram linhas directivas importantes para as reclamadas reformas de ensino.
No n.º 2.º do artigo 16.º desse regulamento, entre as atribuições da Junta se conta «a adopção de providências estimuladoras da iniciativa privada no domínio da educação e, bem assim, de providências tendentes à coordenação da acção do Estado, da família e das escolas particulares, e fiscalização e eventual oficialização destas últimas».
E bem animadora a perspectiva que a directiva assim definida nos aponta.
Bem se mostra, primeiro, que o Estado encara estimular o desenvolvimento da escolaridade particular, em face da pujança - para ele só invencível - do crescimento escolar; segundo, através da sua fiscalização, vir a promover a oficialização dessas escolas; terceiro, coordenar, com os da família, os esforços de todos estes institutos, quer do Estado, quer particulares.
Eis, finalmente, a antevisão de uma brecha séria no monopolismo estadual do ensino oficial, não pelo que respeita às suas directrizes gerais e programáticas, que ao Estado cumpre sempre, em benefício geral, fixar, mas pelo que respeita à sua realização.
Um reparo há a fazer. Falando-se de família, onde é que, para a sua representação lídima, na Junta, a introduz o diploma? Em parte alguma.
E nem se diga que entre os respectivos vogais nomeados há sempre numerosos pais. Mas não é nessa qualidade que passam a funcionar na Junta. E tanto que, se isso se considerasse implícito, não seria preciso no diploma aludir-se aos «esforços da família», nominalmente.
Algures, creio, já sugeri que a designação de representante ou representantes na Junta se fizesse, enquanto não houvesse associações de pais reconhecidas, por delegados eleitos por esta Câmara ou pela Corporativa que estivessem nas condições de o ser e não dependessem, naturalmente, do Ministério da Educação.
Renovo aqui essa sugestão.
Sr. Presidente: Nas minhas referidas intervenções critiquei o regime da reforma de 1947, porque ela, em reacção contra a anterior, estabelecia um regime em que o 1.º ciclo era sobre o brando, como uma espécie de simples extensão da instrução primária, com a deficiência, mesmo em relação a esta, do esquecimento da história pátria.
Quanto ao 3.º ciclo, critiquei-o como uma espécie de introdução já especializada ao ensino superior, em prejuízo da cultura geral.
Afinal, só os três anos do 2.º ciclo seriam caracterizadamente de ensino secundário. Pela concentração do tempo, tal regime obriga, só por si, os alunos a um esforço esmagador; sem falar já no despropósito, pelo exagero, de alguns programas, antes dirigidos à passividade da memória do que ao estímulo do entendimento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na sequência desta forma de ver, defendi a necessidade de se regressar ao estudo do latim desde o 3.º ano, já como indispensável à defesa da língua pátria, já pela sua virtude formativa, em si mesmo.
Assim se venceria o vão esforço de se aprender português sem a infra-estrutura do latim, que nas escolas se tem verificado. Isto sem falar da importância que o conhecimento da língua-mãe tem para, n, aprendizagem de todas as neolatinas.
Estou a ver hoje a objecção de uma dificuldade. A do menor número de professores que, desde que o latim foi postergado do curso geral, estejam em condições de bem regê-lo.
Não seria a altura do recurso, para o efeito e enquanto o vazio se não refaz, a professores eventuais, que devam para tal estar aptos? Marcadamente eclesiásticos - enquanto ainda em número os houver que saibam latim razoavelmente.
Assim, só me pode dar satisfação verificar o apoio que o regresso ao estudo do latim encontra nesta Câmara, sobretudo traduzido pelos qualificados professores que nela vamos tendo o ensejo de ouvir.
Quanto a outros pontos que referi, pouco se poderá adiantar, dado que as linhas-mestras da futura reforma se acham ainda em estaleiro.
Do círculo preparatório, sequer saíram ainda os programas.
Porém, dos princípios de orientação que a ele presidirão servem-nos já de esperançosa perspectiva vários passos adiantados pelas estações responsáveis.
Salientemos, por recentes, e a título exemplificativo, os seguintes:
a) O que a propósito de tecnicismo se postula na introdução do capítulo sobre educação e investigação do III Plano de Fomento:
Além do valor que têm em si os conhecimentos desinteressados, o certo é que não se podem ajustar a fins práticos no campo técnico os que não hajam sido primeiro adquiridos especulativamente, por via cientista.
b) As palavras proferidas no mesmo sentido e em várias circunstâncias por S. Ex.ª o Ministro da Educação, e recentemente ainda no acto de posse do primeiro director de serviços do director do ciclo preparatório do ensino secundário.
Com tal orientação, devemos regressar com a experiência de 70 anos aos princípios directores da primeira reforma instituída pelo Decreto n.º 2 de 22 de Dezembro de 1894, isto é, o verdadeiro espírito do ensino por classes, onde no respectivo relatório se postulava:
A regência de cada cadeira não é uma função isolada; tem lugar, programa e horário em meio da transmissão com outras disciplinas ...
Os mestres devem combinar-se para o exercício de cada dia, e para o estudo com os seus alunos.
Em lógica, com tais propósitos, se estabeleceu então o «curso uniforme».
Seria curioso analisar, para efeito de lição para a reforma em preparação, as alternâncias a que tem estado sujeita a programática liceal desde a reforma do ensino por classes, decretada em 1894 em ditadura, pois em outro regime seria difícil ao tempo tê-lo conseguido.
No relatório que precede o respectivo diploma, alude-se expressamente às dificuldades e pressões contra as quais se teria de arrostar.
Compreende-se: no regime anterior era possível completarem-se os estudos secundários em cinco anos e até menos. Com outros cinco de formatura, aí tínhamos como consequência ver-se o menino bacharel antes da maioridade! Atendendo à estreiteza do nosso nível económico, às tradições inveteradas, ver-se o bacharel lançado trio novo, que alívio para a família!
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Isto não é uma crítica, retrospectiva. Apenas uma observação explicativa da reacção que o alongamento do curso por mais dois anos não podia deixar de provocar.
Por outro lado, os velhos professores, alguns, aliás, excelentes dentro das suas disciplinas, por natural individualismo, inclinavam a aceitar mal as coordenadas associativas de um regime de classes.
O estado lastimoso do ensino anterior chegara, porém, a tal ponto que a reforma prosseguiu na sua experiência.
Houve umas três mudanças ministeriais partidárias, e só passados dez anos, pelo Decreto de 29 de Agosto de 1905, um governo de partido contrário àquele que promulgara a reforma veio a quebrar o seu uniformismo. Não foi ao ponto de repor o regime anterior à reforma, reconhecendo o respectivo relatório que aquela reforma, a que não se podia negar merecimento, representara uma reacção legítima contra a desorganização a que tinha chegado o ensino secundário.
No entanto, à cabeça das razões pelas quais se vinha abrandar o rigor da reforma sente-se que estava a pressão dos pais e tutores dos alunos, no sentido do alívio do curso.
Não foi possível encurtar a sua duração, mas desdobrou-se o primitivo ciclo de cinco anos em dois ciclos, e isto, decerto com benefício, e bifurcou-se o último ciclo, e isto mais discutivelmente, em Letras e Ciências, segundo o destino dos respectivos alunos.
De resto, dentro do seu critério, o diploma de 1905, bem como o seu relatório, acha-se formulado com muita segurança e nele se atendeu a aspectos relevantes, como, por exemplo, a importância da educação física.
Nele, o latim,, que no anterior regime ocupava com o português sete anos, viu-se reduzido a quatro anos para os alunos de Letras e a dois para os de Ciências.
É de notar que este sacrifício se fazia em proveito das línguas vivas, atendendo a sermos um país com ultramar. Ora, precisamente a presença do nosso ultramar hoje melhor nos mostra a necessidade do latim para que a língua portuguesa corra menos riscos de se degradar, constituindo sempre para ela - o latim - baliza pronta de confiança.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas continuemos. Já dentro do actual regime político se regressou ao programa uniforme. Outros critérios vieram depois de novo rompê-lo, em parte sob o signo da tecnicidade e da especialização.
Os resultados do regime liceal vigente estão à vista, sobretudo no estado deplorável em que os alunos chegam aos cursos superiores, marcadamente pelo que se refere ao nível de cultura geral, indispensável ambiente para o desabrochar profícuo do espírito. E aqui recordo o aforismo francês, invocado a propósito pelo Sr. Ministro da Educação, de que mais vale «tête bien faite» do que «tête bien pleine».
Como atrás deixámos dito, o quanto vai transparecendo da orientação ministerial deixa-nos uma animadora esperança de que o futuro Estatuto da Educação e a sua programática correspondam às exigências, não de um maior comodismo, mas da mais equilibrada, útil e utilizável cultura. Útil para o escolar, utilizável para a Nação !
Neste sentido, será de urgente benefício que termine o suspeitoso e deseconómico desdobramento dos exames: o final logo seguido do de admissão.
Até para que, Srs. Deputados, se não passe este paradoxo, que seria cómico, se não fosse deplorável, de se ver serem admitidos a cursos superiores alunos que nas cadeiras específicas, logo nos primeiros anos destes, se vêem reprovados em percentagem elevadíssima, atingindo por vezes proporções de hecatombe.
Num meio em que o bom senso pesa, será isto coisa que possa continuar? Demais, quando, como nunca, estamos carecidos ao máximo de diplomados para fazer face às nossas necessidades metropolitanas e, ainda mais, às ultramarinas!
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Só demonstra este estado de coisas que, por cima de se processar desniveladamente de umas escolas para outras, com as consequentes e inconvenientíssimas transumâncias, não corresponde o 3.º ciclo especializado dos liceus, por um lado, à sua finalidade. Por outro lado, que a receptividade das Universidades aos escolares chegados do liceu também não devo jogar com o devido acerto e coordenação.
Mas regressemos ao ensino secundário, que o superior está fora deste aviso prévio.
Sr. Presidente: Para terminar, na sequência do que aflorámos no aviso de 1964, melhor concretizámos no de 1967 e vemos defendido agora desta tribuna marcadamente pelo ilustre Sr. Deputado Valadão dos Santos, não despontará já o tempo para se encarar, com os dois anos do preparatório, um curso liceal de oito anos? Tal se vê na maior parte dos países europeus!
Isto permitiria satisfazer, com grande benefício cultural dos estudantes, e consequente incremento e prestígio do escol nacional, a uniformidade do curso até ao 7.º ano, e destinar um 8.º ano à especialização relativa ao curso superior a que o candidato se destina.
Isto a estabelecer-se que este ano preparatório do ensino superior se; fizesse, ainda no liceu, porquanto há quem, com argumentos de peso, sustente que ele melhor cabe já no âmbito universitário.
Mas, seja como for, inconvenientes, quanto ao tempo despendido, insignificantes, se pensarmos que hoje grande número de alunos, ante a magnitude dos programas para o 5.º ano, já o desdobram, como por lei está previsto. E assim, lá temos os oito anos. Contando, por outro lado, com o número de reprovações, aí temos que grande parte dos alunos já carecem praticamente de, pelo menos, oito anos para realizar o curso.
Por outro lado, não será possível, em parte dos cursos superiores, reduzi-los também em um ano? Em certas modalidades desses cursos se verifica também um exagero de matérias, das quais algumas deveriam só interessar especialidades.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Isso, aliás, creio estar em estudo.
E, dado este recado, fiquemos hoje por aqui, Sr. Presidente.
Estes enredados problemas da instrução liceal são como a manta do Diabo, que quanto mais se pretende puxar para um lado mais nos descobre do outro. E tanto que acabamos por preconizar soluções que serão censuradas decerto por representarem simples recurso à deseconomia da facilidade. Ou seja, já quê entramos na metáfora da manta, a de se lhe dar mais pano.
Risos.
Mas nos seus fracassos, nas suas carências, e até nas suas, infelizmente, hoje menos frequentes glórias, é que se revela toda a importância formativa que ao curso secundário pertenço ou devia pertencer para a formação de um escol, e cujas deficiências de fundo dificilmente se podem mais tarde remediar! Acrescentaremos: bem mais
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dificilmente que correspondentes deficiências em cursos superiores.
E isto, precisamente, não constitui aferidor que nos permita medir toda a validez de um curso secundário criteriosamente recheado decerto, mas sobretudo solidamente formativo, e, portanto, projectivo?
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Araújo Novo: - Sr. Presidente: Não foi sem emoção que há dias ouvi o ilustre Deputado Sr. Dr. Vaz Pires referir-se, nesta tribuna, ao respeito devido aos abnegados professores do liceu e ao prestígio da sua altíssima missão.
Creio bem que o mesmo sucedeu então a quantos tiveram o prazer de escutar e aplaudir o seu oportuno trabalho, porquanto a todos sobejavam razões para se emocionarem. Por mim, confesso que me senti recuar no tempo algumas dezenas de anos e surpreendi-me a evocar algumas figuras prestigiosas do ensino que a minha sensibilidade afectiva carinhosamente retém, num misto de respeito e veneração em que o tempo se não atreveu a tocar e que a lembrança guarda quase religiosamente.
Almas temperadas no contacto das almas, inteligências cultivadas no estudo aturado e sério das matérias que ensinavam, puderam preparar amorosamente para a vida gerações sucessivas de jovens que, ao longo de muitos anos, lhes passaram pelas mãos. Quantas inteligências não despertaram e aguçaram; quantas outras não esclareceram; quantas vontades não espartilharam; quantas trevas não dissiparam com o seu muito saber; quantos hábitos de trabalho não conseguiram criar; quantas vocações revelaram e encorajaram!
Ser professor é, simultaneamente, glória e responsabilidade! Já uma vez o disse, mas não há mal que o repita: ser professor é, em certa medida, dispor da possibilidade de prolongar a própria pessoa, transmitindo-a pela palavra, pelo convívio de anos e pelo exemplo, àqueles a quem o professor se dá pelo ensino. É ir, por intermédio dos discípulos, até onde pessoalmente nunca foi possível chegar; é estar onde nunca se foi; é ver completado, muitas vezes e sob muitas formas, um gesto, uma aspiração ou um simples desejo que um dia porventura se esboçou no mais íntimo da alma, mas que o tempo, por estreito, não deixou que se realizasse; é, pode dizer-se com certa verdade, multiplicar-se espiritual e intelectualmente nos discípulos e criar um certo e estranho privilégio de ubiquidade.
Os caracteres que o professor forma, as vontades que fortalece, as inteligências que desbrava e aos poucos ilumina, sempre hão-de reflectir um pouco do seu carácter, uma parcela da própria vontade, um facho maior ou menor da sua inteligência.
Os jovens normalmente copiam, e imitam aquilo que os impressiona. Por isso mesmo, o professor que lhes preenche uma boa parcela da vida - a de maior receptividade - e tanto os impressiona a muitos títulos, mesmo sem querer e até sem. dar por tal, influencia necessariamente com a sua personalidade intelectual e moral os alunos que se lhe entregam quando o escutam, que o seguem quando o admiram e que, quando o aceitam, sempre acabam por o imitar.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Isto significa que um professor, só porque o é e na medida em que como tal se realiza, pode ser fonte benéfica de. luz, como poderá ser condenável abismo de sombras, se não estiver à altura da sua gravíssima missão ou nela falhar.
Ao recordar aqui a alta missão dos professores, não posso deixar de erguer o meu pensamento para quantos encheram a minha vida de estudante. Saúdo os vivos, que continuam na minha admiração; evoco respeitosamente os mortos, que vivem sempre na minha saudade.
Sr. Presidente: As pessoas atentas aos graves problemas que afligem o ensino liceal a cargo do Estado têm notado, como já aqui foi dito, um declínio desse ensino que seria mau menosprezar ou esquecer. Procurar as causas do mal é o primeiro e porventura mais sério passo para acertar com o remédio; apontá-las depois aos responsáveis para que sobre elas se debrucem e procurem debelá-las, bem pode ser o segundo. Bem andou, pois. o Sr. Deputado Vaz Pires em trazer à discussão da Assembleia Nacional este sério e momentoso problema.
Várias são as causas que têm feito enfermar o ensino liceal nos nossos dias: umas comuns a todos os liceus e que são um mal generalizado do nosso tempo; outras específicas deste ou daquele liceu e que, por isso, não têm relevo para a discussão em curso. Das primeiras, pois, porque constantes e capazes de afectar a generalidade do ensino, é que temos de cuidar.
O nosso tempo pôs à disposição das massas as mais diversas distracções.
Por sua vez, os processos de divulgação descobertos pela técnica levaram-nos & todos os recantos da terra, desde a cidade mais cosmopolita à mais afastada aldeia sertaneja escondida na serra. A rádio e a televisão, sobretudo, sendo meios admiráveis de informação, cultura s recreio, reúnem, ao mesmo tempo, virtudes e malefícios potenciais que não podem ser ignorados. Se instruem, educam, divertem, distraem e, enfim, ajudam os mortais a suportar o fardo pesado da vida, em. contrapartida roubam-lhes o tempo e diminuem-lhes consideràvelmente o poder de concentração e reflexão. Ora sem concentração e reflexão, bases de estudo, o rendimento escolar tem necessariamente de sofrer. Os jovens, sempre mais propensos e abertos às distracções que os solicitam, não aproveitam como devem o tempo destinado à preparação das lições de que os professores diariamente lhes pedem contas. O estudo faz-se aos repelões, sem regularidade, à pressa, sem a seriedade que fornece a melhor formação para brilhar na escola e depois triunfar na vida. A televisão, sobretudo, veículo admirável de cultura e instrução, como acontece já com a telescola, não está de todo inocente no decrescimento da preparação escolar dos nossos dias. E o lado mau das coisas boas.
A rádio e à televisão outras distracções se juntam ainda, todas aliciantes, apaixonantes, capazes de monopolizar conversas, atenções, horas de estudo.
Desde o futebol e demais desportos ao cinema, tudo serve para roubar tempo ao estudante e para lhe enfraquecer a capacidade de retenção que as tarefas escolares dia a dia reclamam.
Sem dúvida que estes são factores que têm contribuído poderosamente para um menor rendimento escolar, mas a meu ver estão longe de explicar tudo. Demais, neste capítulo, é à família, sobretudo, que compete vigiar e não ao Estado. Podemos, pois, passar adiante.
Vejamos outros factores que têm influído no declínio do ensino.
Ao percorrermos os programas oficiais relativos aos diversos ciclos em que o ensino liceal está dividido, logo nos impressiona o salto exagerado que do 1.º para o 2.º ciclo sofre o número de disciplinas: cinco para o 1.º ano e 2.º; nove para o 3.º, 4.º e 5.º anos. Fere-nos um tanto esta disparidade!
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Se o número de disciplinas do 2.º ciclo é, na verdade, exagerado e sobrecarrega os alunos que o frequentam, não é menos reparável o somatório de pormenores, a meu ver, escusados, que parecem deliciar certos pedagogos. Eu sei que há professores que lhes saltam por cima e se limitam ao essencial. Mas sucede que, em anos de exame, é a essa minúcia escusada que se recorre na elaboração dos pontos para os tornar mais selectivos. Claro está que isto leva os professores briosos a não esquecer as tais minúcias para que os seus alunos possam cumprir nas provas finais.
Há que simplificar quanto antes o programa relativo ao 2.º ciclo, já que não se vê grande possibilidade de eliminar algumas das disciplinas que o constituem. E por isso que, neste ponto, não estou inteiramente de acordo com o ilustre autor do aviso prévio que sugeriu o regresso ao latim e a inclusão, se bem ouvi, de uma nova disciplina- a História da Arte.
Se muito me alegraria ver o latim outra vez no programa do 2.º ciclo, confesso que não vejo grande possibilidade de juntar ao programa actual mais duas disciplinas, o que elevaria para onze o seu número! A menos que para tal se sacrificassem algumas das existentes ou se lhes restringisse muito a extensão.
Lembro-me de que talvez se pudesse recorrer às disciplinas semestrais para alívio de horários e libertação de tempo de estudo. Teríamos, assim, aplicado ao ensino liceal o que já tem sido praticado no ensino superior.
Outro facto de indiscutível influência no baixo rendimento do ensino liceal a cargo do Estado tem de procurar-se no processo de recrutamento do elemento docente.
O mal é conhecido, mas não vejo senão vantagem em relembrá-lo.
Há que assentar definitivamente nesta verdade comezinha: na base do fraco rendimento do elemento docente está o baixo vencimento que lhe é atribuído. Não pode sentir entusiasmo pelo ensino quem vê o seu trabalho mal remunerado. O que pelos seus reais talentos tem a consciência de que pode aspirar a desempenhar outras ocupações mais bem remuneradas, decerto que não procurará dedicar-se ao ensino. E aqui começa o primeiro desfalque no elemento docente: a qualidade baixa.
Depois, aquele que se dedicou ao ensino - e tantos são -, mesmo que lhe sobejem qualidades pedagógicas e possa contar com uma vocação decidida, esse mesmo se tem de pensar em acudir ao orçamento doméstico com outras ocupações estranhas ao liceu, já não renderá o que poderia render se esse problema estivesse para ele resolvido. E é outro desfalque.
Quem ensina tem de viver para o ensino dentro e fora d u liceu: dentro, enquanto dá as suas lições e procura pelos meios ao seu alcance despertar o interesse dos alunos pelas matérias cuja regência lhe foi confiada; fora, enquanto prepara convenientemente as lições diárias, elabora com consciência os pontos escritos ou os corrige; enquanto se actualiza pelo estudo de forma a prestigiar-se perante os discípulos que o ouvem e o julgam dia a dia com um sentido sempre agudo e severo de parte interessada.
Quer dizer: a manterem-se os baixos vencimentos actualmente em vigor, o recrutamento dos professores far-se-á entre elementos cada vez menos hábeis, porventura pedagógica e cientificamente menos preparados, com prejuízo evidente para o aproveitamento geral dos alunos.
Se os proventos são exíguos, em contrapartida, as dificuldades dos cursos que dão ingresso no professorado liceal e as inerentes depois às funções docentes são por de mais pesadas. E é outra razão de desfalque.
Mas vejamos: vencida a fase universitária, sempre dispendiosa e longa, surge o indispensável e difícil estágio nos poucos liceus normais do País.
E certo que o estágio foi um tanto simplificado para os professores, não se compreendendo muito bem por que o não deva ser também parai as senhoras, uma vez que da sua frequência advém sempre uma natural melhoria de nível para o elemento docente. (Demais, verificou-se que o desinteresse por parte do elemento masculino continuou, apesar das tais facilidades).
A natural dificuldade do estágio, a que deverá seguir-se o não menos difícil Exame de Estado, acresce a circunstância ponderosa de o tempo de estágio não ser pago, como é urgente e indispensável que aconteça.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não se compreende, em verdade, tal comportamento, a que deve pôr-se termo. Durante o estágio, os futuros professores leccionam, isto é, trabalham para o bem público, mas o seu trabalho não tem qualquer remuneração - é como se nada valesse!
É claro que o número de candidatos a Exame de Estado, em face do que fica dito, não é o que poderia e deveria ser.
A falta de remuneração, em certos casos, chega a ser um óbice invencível, por os candidatos não disporem de recursos que lhes permitam fazer face às despesas inevitáveis. E aqui está outro motivo sério de desfalque.
Mas as dificuldades não ficam por aqui.
Feito o Exame de Estado, passa-se à condição de professor agregado. Mas por quanto tempo?
Anos e anos, às vezes dezenas de anos, com a incerteza do local de trabalho, com um número de horas semanais invariavelmente alto, como se o tempo e o cansaço não fossem comuns aos «agregados», «auxiliares» e «efectivos»! ...
Por outro lado, os «agregados», enquanto não passem à categoria de «auxiliares», não auferem o menor vencimento durante os dois meses de férias!... Porquê?!
Em contrapartida, os colégios são obrigados, e muito bem, a pagar as férias aos professores do ensino particular que os servem. A que título o Estado se autodispensa de remunerar as férias dos professores agregados (e eventuais) e impõe a sua remuneração no ensino particular?!
Chega a duvidar-se de que o Estado seja pessoa de bem, como nos ensinaram sempre, ao vermos esta dualidade de critério.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Urge também remediar este mal, que toma foros d(c) muito injusto, demais se nos lembrarmos do que o professor agregado está habilitado com o Exame de Estado que falta ao professor do ensino particular.
Nenhuma desculpa serviu até agora para explicar esta anomalia, nem creio que a possa haver.
Mas continuemos.
O professor chega ao quadro auxiliar depois de vários anos de paciente espera, mas por quanto tempo permanecerá nele?
Depende das vagas, e estas são muito poucas, em virtude de o seu número ser exíguo em face das reais necessidades do ensino e ter havido uma resistência em o alargar, o que também se não compreende. Os quadros são por de mais apertados, desactualizadíssimos, e, portanto, há professores auxiliares que terão de esperar pela sua
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hora, que algumas vezes chega depois ... da hora da morte.
A permanência no quadro auxiliar, porém, não se reflecte apenas no vencimento que os professores auxiliares Auferem pelo facto de não haver diuturnidades para eles. Esta circunstância faz com que o número de horas semanais se mantenha invariável durante longos anos, como se a idade não subisse e o cansaço, por um estranho milagre, fosse coisa desconhecida para estes serventuários! ...
Será que a resistência física dos professores auxiliares, só porque o são, é constante, inalterável e consideràvelmente maior que a dos professores efectivos?
Deixo a interrogação sem resposta, por a julgar desnecessária.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Demora longos anos a chegar a efectividade. Em certos grupos, há professores que atingem a idade da reforma sem nunca serem efectivos!
Se se trata de uma senhora, o caso agrava-se ainda mais, e já vamos ver como.
As senhoras não podem efectivar-se nos liceus mistos sem secção feminina, embora lá possam exercer funções docentes, quer como agregadas, quer como auxiliares.
Para fazerem parte do quadro efectivo terão as senhoras de recorrer às vagas abertas nos liceus femininos ou nos liceus mistos com secção feminina. Isso significa que muitas vezes não podem concorrer. A família constituída, o emprego do marido, o lar montado, enfim, os vários interesses criados durante os anos de longa permanência no quadro de auxiliares e ainda como agregadas, tornam difícil e desaconselhável a sua deslocação. Isso as condena a permanecer, no quadro auxiliar para o resto da vida, com todo o rosário de inconvenientes: número de horas de aula, renúncia a diuturnidades, pior vencimento, etc.
Compreende-se muito bem que não pode arranjar-se uma solução ideal para cada caso, mas pode diminuir-se o número de dificuldades que presentemente afligem as professoras que pretendem efectivar-se. Criem-se secções femininas em todos os liceus do País, como aqui já foi sugerido e é inteiramente razoável que aconteça, em face de a população escolar feminina assim o exigir por toda a parte. O número de alunas é já hoje maior que o número de alunos, e isso constitui razão ponderosa para que as secções femininas se criem com urgência onde ainda as não haja.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Outro ponto em que inteiramente estou de acordo com o Sr. Dr. Vaz Pires é o da abolição desse anacrónico, ilógico e dispendioso exame de admissão aos liceus e ainda com o de aptidão à Universidade.
Não entendo, nunca entendi, a manifesta desconfiança que tal exame representa, quer para o ensino primário, quer para o ensino liceal! ...
Por que não acreditar na competência e honestidade do professorado primário? Não são os júris de exame constituídos por professoras e professores escolhidos pelas direcções escolares, que muito bem conhecem a sua capacidade e critério de justiça?
Por que não há-de pensar-se o mesmo relativamente aos professores do ensino liceal que preparam e aprovam alunos destinados ao ensino superior?
Importa criar um clima de mútua confiança entre os professores dos diversos graus do ensino. Dela depende muito o prestígio dos professores e também do próprio ensino ministrado.
Para que manter, pois, os exames de admissão? Eles só servem para sobrecarregar com trabalho alunos e professores e para desencadear, quanto aos primeiros, alguns distúrbios nervosos.
Os exames de admissão implicam: alunos que se deslocam das suas terras; despesas com a hospedagem durante vários dias nos meios onde vão prestar provas, não só com os candidatos, mas também com as pessoas que os acompanham, despesas suportadas tantas vezes com considerável sacrifício económico para o magro orçamento familiar. Enfim, trabalho escusado e tempo perdido para os professores, despesas para os candidatos e suas famílias, cansaço maior pelas energias gastas com repetições de exames que se equivalem em mérito, mas que se avolumam consideràvelmente na fadiga de todos.
Depois, em que mês se efectuam os exames de admissão? Em Julho. Ora este mês, em Portugal, é dos mais quentes, se não o mais quente do ano, portanto dos menos aconselhados- para um trabalho rendoso. À natural indisposição dos alunos, cujo estado de saturação atinge nesse mês o seu máximo, soma-se ainda o calor próprio da quadra estival, que os diminui.
Também a disposição dos professores não é a melhor. Fatigados por um ano inteiro de intenso trabalho, estão naturalmente ansiosos por começar as bem merecidas férias. As tarefas do ano lectivo já então se somaram os trabalhos penosos dos exames finais do 1.º, 2.º e 3.º ciclos, que lhes tomam semanas inteiras, dias e noites na correcção e classificação dos pontos escritos, trabalhos nos júris que duram semanas e semanas ... Onde parará já a disposição dos professores para julgarem os examinandos com a necessária serenidade?
Outro ponto ainda.
Ficam isentos de provas finais os alunos que obtenham 14 valores de média geral nos anos que precederam os exames do 1.º e 2.º ciclos.
Por que não usar de igual critério para o 3.º ciclo?
Será que o sistema é mau para o 3.º ciclo e bom para o 1.º e 2.º?
Também não posso deixar de considerar exagerada para a isenção do exame final a média de 14 valores. Os 12 valores devem bastar para criar uma margem de relativa segurança e até certeza quanto à obtenção de aprovação final do aluno que consegue durante o ano tal valorização.
Demais, não me parece sério o critério de considerar mais seguro o julgamento feito no curto espaço de alguns minutos e num ambiente de natural nervosismo do que o julgamento feito ao longo de vários meses do ano lectivo. Acontece até que muitas vezes são os mesmos professores que leccionaram durante o ano que formam o júri e examinam os próprios alunos.
E de duas uma: ou confirmam o juízo já feito - e é trabalho escusado; ou o corrigem reprovando o candidato - e é deprimente e vexatório para os seus méritos de julgador, que não soube sê-lo durante o ano lectivo!
Tenho para mim que, se os professores atentassem bem na contradição que representa para eles próprios o reprovarem em exame final o aluno que classificaram para se apresentar a esse exame (máxime os de 12 ou 13 valores), não haveria um só desses alunos que perdesse o ano. Reprovar nesses casos é uma triste confissão de falência que não depõe lá muito bem do professor que embarca em tal sistema.
Sr. Presidente: Vou terminar.
Há muito que rever no ensino liceal, e essa revisão, que se impõe por muitas e boas razões, requer com-
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2436 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 135
petência, estudo e devoção. Por isso mesmo é trabalho difícil, ao alcance de poucos, mas eu não duvido de que o Ministério da Educação Nacional, que conta com tantos e devotados servidores, o possa fazer.
Tenho para mim que nenhuma batalha estará completàmente ganha enquanto não pudermos vencer esta urgente batalha do ensino liceal a cargo do Estado. Dela depende a educação dos responsáveis de amanhã, e, por isso mesmo, dela depende a sorte das outras batalhas travadas em todas as frentes, quer nos voltemos para o campo económico, técnico, político, ético, cultural ou social.
Eis por que, à semelhança do que sucedeu com o Sr. Dr. Vaz Pires, também eu apelo para o Sr. Ministro das Finanças, de cujo espírito de colaboração com o Ministério da Educação Nacional dependerá, em última análise, a sorte desta grande, desta batalha maior que temos de ganhar urgentemente a bem da Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: -Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá- sessão, à hora regimental, tendo por ordem do dia a continuação e porventura conclusão do debate sobre o aviso prévio acerca do ensino liceal a cargo do Estado.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas.
Requerimentos enviados para a Mesa durante a sessão:
Ao abrigo do Regimento, roqueiro que me seja facultado um exemplar da publicação oficial Vinte Anos de Defesa do Estado Português da índia, editada por intermédio do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Lisboa, Palácio da Assembleia Nacional, 13 de Fevereiro de 1968. - O Deputado, José Fernando Nunes Barata.
Ao abrigo do Regimento, requeiro que me seja facultado um exemplar da publicação oficial Vinte Anos de Defesa do Estado Português da índia, editado por intermédio do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Lisboa, Palácio da Assembleia Nacional, 13 de Fevereiro de 1968. - O Deputado, José dos Santos Bessa.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
André Francisco Navarro.
André da Silva Campos Neves.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
António José Braz Regueiro.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Gabriel Maurício Teixeira.
Hirondino da Paixão Fernandes.
João Duarte de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José de Mira Nunes Mexia.
José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Leonardo Augusto Coimbra.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves.
Simeão Pinto de Mesquita de Carvalho Magalhães.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Antão Santos da Cunha.
António Júlio de Castro Fernandes.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando de Matos.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Jaime Guerreiro Rua.
Joaquim de Jesus Santos.
José Coelho Jordão.
José Henriques Mouta.
José Manuel da Costa.
José Pinheiro da Silva.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel João Correia.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Rafael Valadão dos Santos.
Tito Lívio Maria Feijóo.
O REDACTOR - Luiz de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA