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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 136

ANO DE 1968 15 DE FEVEREIRO

IX LEGISLATURA

SESSÃO N.º 136 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 14 DE FEVEREIRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid de Oliveira Proença
José Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 123.
Deu-se conta, do expediente.
O Sr. Deputado Nunes Barata requereu vários elementos sobre estudos realizados nos últimos dez anos relativamente à reforma do regime jurídico das sociedades anónimas.
O Sr. Deputado Melo Giraldes falou sobre a forma de cobrança do imposto de transacções.

Ordem do dia. - Terminou o debate sobre o aviso prévio relativo ao ensino liceal a cargo do Estado.
Usaram da palavra os Srs. Deputados D. Custódia Lopes, José Manuel da Costa, Braamcamp Sobral e V az Pires, tendo este, autor do aviso prévio, mandado para a Mesa uma, moção, que foi aprovada por unanimidade.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Alberto Henrique s de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
André da Silva Campos Neves.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António José Braz Regueiro.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
D. Custódia Lopes.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Henrique Veiga de Macedo.
Horácio Brás da Silva.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Fernando Nunes Barata.

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José Gonçalves de Araújo Novo.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José Pais Ribeiro.
José Rocha Calhorda.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Raul Satúrio Pires.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 80 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 123, correspondente à sessão de 23 do mês findo. Se nenhum Sr. Deputado deduzir qualquer reclamação, considero-o aprovado.

Pausa.

O Sr. Presidente: -Está aprovado.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Cartas

De Adelino Rodrigues discordando do ensino liceal gratuito.
De J. Ponto, proprietário e gerente da Azores Travel Agency, aplaudindo as medidas que permitem a ida para o Canadá das mulheres e filhos dos emigrantes portugueses naquele país.

Telegrama

Do Dr. Manuel Meira Ramos apoiando o discurso do Sr. Deputado Fernando Matos em defesa da Misericórdia do Porto.

O Sr. Presidente: -Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Nunes Barata.

O Sr. Nunes Barata: -Sr. Presidente: Pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte

Requerimento

Ao abrigo do Regimento requeiro que me sejam fornecidas cópias dos estudos realizados nos últimos dez anos relativamente à reforma do regime jurídico das sociedades anónimas.
Dada a eventualidade de uma multiplicidade de estudos que dificulta a satisfação do que solicito, pretendo, pelo menos, cópia dos estudos realizados que porventura tenham versado os seguintes pontos:

1) Novo regime para a constituição das sociedades anónimas;
2) Reorganização do sistema de contabilidade da empresa;
3) Regras sobre a administração e a gerência das sociedades;
4) Reelaboração do estatuto das assembleias;
5) Regulamentação dos diferentes tipos de alteração do pacto social e de todos os desnivelamentos na posição dos associados;
6) Providências sobre os aspectos em que se desdobra o crédito para cada tipo de empreendimento;
7) Estatutos jurídicos dos accionistas e dos obrigacionistas;
8) Defesa das minorias;
9) Aperfeiçoamento do sistema de publicidade;
10) Revisão do sistema de nulidades e das demais sanções em geral.

Pretendo ainda cópia dos estudos tendentes à regulamentação das sociedades de economia mista, particularmente os existentes sobre as sociedades de economia mista para o desenvolvimento regional.

Palácio da Assembleia Nacional, 14 de Fevereiro de 1968. - O. Deputado, José Fernando Nunes Barata.

O Sr. Melo Giraldes: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No dia 10 de Janeiro do corrente ano, o Exmo. Sr. Deputado Peres Claro chamou a atenção da Câmara para as justas reclamações do comércio e indústria motivadas pela forma como está sendo cobrado o imposto de transacções.
Pedi a palavra a V. Ex.ª para me referir ao mesmo assunto, não porque à intervenção daquele meu ilustre colega faltasse fosse o que fosse para que merecesse a devida audiência de quem de direito, mas porque as suas afirmações foram de tal modo ao encontro das angústias daqueles sectores que não pude deixar de me fazer eco do clamoroso apoio que suscitaram no meu círculo e das esperanças que alimentaram.
As dificuldades de ordem financeira que o Estado enfrenta na actual conjuntura podem não ser conhecidas em pormenor por toda a Nação, mas por toda ela são reconhecidas como muito grandes e, assim, o imposto de transacções foi aceite, pelas «actividades» a ele sujeitas, com o mesmo espírito com que por todo o povo português têm sido aceites sacrifícios de outra ordem, e bem mais pesados, que a todas as famílias vai custando a nossa missão no ultramar.
São aceites porque são compreendidos e são compreendidos porque se sabem necessários.
Mas o certo é que, apesar dessa aceitação, tem-se levantado uma onda de reclamações e, digamos, até de indignação, não contra o imposto de transacções propriamente dito, mas contra o sistema de cobrança, a que falta

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senso prático e de que resultam problemas de escrita que criam às empresas dificuldades, arrelias e encargos que, por serem escusados, não só prejudicam o rendimento do trabalho como envenenam o seu ambiente.
O processo é desproporcionadamente complexo e dispendioso.
Além dos livros de contabilidade habituais, obriga à escrituração de mais dois jogos de livros, num total de seis, e ainda ao preenchimento de fichas especiais para cada artigo em que é preciso lançar a entrada e saída diária de cada um.
Não é preciso tratar-se de uma indústria ou comércio muito grande para ter em armazém milhares de artigos, de centenas de qualidades diferentes, alguns dos quais vão sofrendo modificações.
Pois cada artigo, conforme a sua espécie, tem que percorrer esses seis livros desde que entra até que sai da fábrica e de cada vez que muda de qualidade, num peregrinar lento e monótono, mas que no total prende a atenção e o tempo a uma ou mais pessoas.
Para concretizar um pouco, pensemos nas muitas transformações por que passa um carregamento de madeira desde que entra numa serração até chegar às variadas formas por que pode sair da fábrica. E, diariamente, podem entrar vários carregamentos ...
Para cada um deles teria de ser calculada a cubicagem, em metros cúbicos, para efeito de lançamento numa das tais fichas.
Este trabalho é impraticável, pois obriga a medir toro por toro ou unidade por unidade para se calcular, em metros cúbicos, a madeira que, na origem, foi avaliada em unidades, em toneladas, a olho; e poucas vezes ao metro cúbico, o que supõe a possibilidade de dispor, ou desviar de outros serviços, pessoal em número elevado para o fazer, o que, hoje em dia, não se verifica em caso algum.
Esta matéria-prima sofre transformações de que resulta uma diversidade grande de tipos de madeira, com aplicações diferentes, e ainda desperdícios que são vendidos ou inutilizados.
Normalmente, o público faz as suas encomendas em metros quadrados de madeira ou em tábuas. Há, no entanto, que calcular em metros cúbicos o montante dessas vendas, e por cada comprador, para lançamento nas ditas fichas.
Para manter tal escrita em dia, e de acordo com a fiscalização, reparem VV. Ex.ªs na infinidade de operações aritméticas que têm de ser efectuadas no acto da compra, repetidas com cada fabricação e ainda novamente realizadas na venda final, e isto tudo para se chegar a um resultado que, dadas as alterações de forma por que vai passando esta matéria-prima, nunca se pode considerar rigorosamente exacto.
E o que se observa numa serração observa-se numa indústria gráfica, num armazém ou noutros estabelecimentos onde, embora em espécies e unidades diferentes, há sempre uma multiplicidade de artigos que permanentemente têm de ser inventariados e movimentados para cumprir com as normas em vigor.
Para satisfazer tais exigências torna-se necessário contratar ou distrair pessoal habilitado numa época em que todos lutam com a sua falta, o que traz preocupações que, nalguns casos, chegam a ser maiores que as da própria gerência da empresa, o que facilmente se compreende se atendermos à necessidade em que se vêem alguns empresários de serem eles a fazer ou vigiar esse serviço para evitar penalidades para as quais a escassez de pessoal, a sua incompetência, a falta de tempo, não valem como atenuantes.
Além disto, o tempo gasto com este trabalho, seja quem for que o execute, representa sempre um encargo, por vezes superior ao próprio imposto, que a situação financeira das firmas não comporta, que agrava o custo comercial e industrial e que, por ser improdutivo, não pode deixar de se reflectir negativamente na economia nacional.
O sistema é infernal, não prestigia quem o mantém e justifica plenamente as reacções que está provocando.
É que, conforme o Sr. Deputado Peres Claro dizia, e muito bem, como é seu costume, «se faltar à lei, na sua execução, o sentido das realidades, ela provoca irritações que só redundam em mal-estar e no descrédito do próprio Estado».
Ora, a execução do imposto de transacções, carecendo, em absoluto, do sentido das realidades, não tardou em produzir aqueles maus frutos. Ninguém foge nem reclama do imposto, e tanto menos que quem, afinal, o vem a pagar é o público consumidor.
O que está em causa é o sistema de cobrança, que está causando, na vida industrial e comercial, uma perturbação altamente prejudicial à rentabilidade e ao ambiente do seu trabalho, que acabará por ser prejudicial também ao País.
Não é criando dificuldades e preocupações desnecessárias que se estimula a actividade criadora indispensável a um aumento do produto nacional de que hão-de provir os meios para o Estado resolver os seus problemas, nem que se favorece o clima de compreensão e generosidade que não pode faltar à Nação para continuar, sem pressas nem abrandamentos, a luta em que está empenhada.
A cobrança do imposto de transacções não pode deixar de se fazer, mas, certamente, que poderá ser feita por forma mais simples, que não exija gastos inúteis de energias.
E essa simplificação que espera o comércio e a indústria. Mas com a ansiedade de quem, para responder com o devido espírito às necessidades governamentais e não tendo disponibilidades supérfluas, precisa que lhe deixem utilizar em paz e com a maior economia os limitados recursos humanos e financeiros que as circunstâncias actuais tão avaramente lhe oferecem.
Não tenho solução concreta a propor, nem para tanto me reconheço competência, mas afigura-se-me que a cobrança à saída da fábrica, com o devido ajustamento de taxa, poderia dar satisfação a estas esperanças sem prejuízo do público nem da receita que o Estado precisa de obter do imposto de transacções.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio acerca do ensino liceal a cargo do Estado.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada D. Custódia Lopes.

A Sr.ª D. Custódia Lopes: - Sr. Presidente: Tenho escutado com muita atenção o importante e oportuno debate acerca do ensino liceal a cargo do Estado, sobre o qual os ilustres Deputados que me antecederam fizeram já com brilho largas considerações.
Mesmo com risco de repetir uma ou outra ideia já aqui exposta, entendi que, como professora de um dos liceus do ultramar, devia subir a esta tribuna para dar o meu modesto contributo ao presente aviso prévio, apre-

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sentado pelo experimentado professor e reitor Deputado Vaz Pires, a quem felicito pela ideia do aviso e pelo magnífico trabalho que apresentou à Câmara.
Como já aqui foi referido pelo ilustre Deputado avisante, o problema do ensino liceal no ultramar reveste-se das mesmas características do da metrópole, visto que ambos se baseiam no mesmo plano de estudos, programas, livros e professores.
Contudo, a estas características e às dificuldades que se levantam para o ensino liceal na metrópole acrescentam-se as que resultam do condicionalismo do meio.
A umas e outras me referirei nesta minha intervenção.
Sr. Presidente: Frequentam actualmente o ensino liceal a cargo do Estado, nos seis liceus da província de Moçambique, 6156 alunos, o que representa já um número apreciável. Contudo, o aumento de alunos em relação ao ano lectivo anterior foi no total de 234 alunos, o que se me afigura diminuto.
Julgo poder atribuir-se este pequeno aumento de frequência neste ramo de ensino a dois factores principais: por um lado, à preferência que as famílias de menos disponibilidades financeiras dão ao ensino técnico, de cursos mais facilitados, mais breves, mais práticos, para se ganhar a vida, e muito menos dispendiosos; por outro lado, ao grande número de reprovações que se verificaram nos exames de admissão.
Agora que pela nova reforma do ciclo unificado estes exames desaparecerão, parecerá descabido analisá-los. No entanto, farei sobre eles algumas considerações a propósito do ensino do português nos liceus, um dos aspectos de que me ocuparei neste aviso prévio.
Por elementos que me foram fornecidos pela Inspecção Provincial de Educação de Moçambique, verifica-se que dos 3566 alunos que efectuaram este ano exames de admissão aos liceus da província foram admitidos 2478, tendo, portanto, ficado reprovados 1088 alunos, ou seja uma percentagem de 30,5 por cento, que me parece elevada.
Penso que não caberá toda a responsabilidade desta alta percentagem de reprovações, nem aos professores primários, que na grande maioria fazem por cumprir o melhor que podem o programa que lhes é imposto em classes muitas vezes superlotadas, nem aos professores dos liceus, que procuram geralmente fazer justiça ao inquirir dos alunos os conhecimentos mínimos exigidos na entrada para o liceu. A culpa caberá, antes, a uma série de circunstâncias: ao excessivo número de alunos de cada classe, aos programas sobrecarregados, aos métodos inadequados, aos livros de textos, que excedem, muitas vezes, a capacidade interpretativa de crianças de pouca idade, e, sobretudo, à desconexão que tem existido entre o que se ensina na escola primária e o que se exige no exame de admissão.
Uma das causas principais das excessivas reprovações nos exames de admissão aos liceus tem sido, particularmente em Moçambique, a deficiente ou defeituosa preparação que os alunos das escolas primárias têm da língua portuguesa, uma das disciplinas basilares do exame de admissão ao ensino secundário.
Embora o Ministério do Ultramar, pela reforma do ensino primário do ultramar de 1964, tenha procurado melhorar este estado de coisas, reformando os programas, mandando elaborar nas províncias de Angola e de Moçambique livros adaptados ao condicionalismo do meio e instituindo uma classe pré-primária para o ensino oral da língua portuguesa às crianças que a desconhecem por completo ou dela têm fraco conhecimento, a verdade é que estas louváveis medidas não foram ainda suficientes para debelar o mal que todos os anos, pela altura dos exames de admissão, tem causado tantos fracassos aos alunos, desgostos aos pais e descontentamento aos professores.
Numa província onde a população escolar é heterogénea, constituída por alunos de diferentes e variadas etnias, dos quais muitos não têm o português como língua materna, é evidente a dificuldade que muitas dessas crianças sentem ao pretenderem exprimir-se nos exames orais ou desenvolver o tema que lhes é apresentado na prova de redacção, que tem sido a causadora da maioria das reprovações nas provas escritas dos exames de admissão.
Torna-se, pois, necessário que no ensino primário, agora ampliado com a 5.º e 6.º classes, e mo ciclo unificado, onde se fará a preparação dos alunos para os liceus, se dê a esta matéria uma especial atenção, intensificando-se o seu ensino, através de uma metodologia actualizada.
Como já disse nesta Câmara, julgo ser de toda a vantagem que o ciclo unificado ou preparatório se torne extensivo a uma vasta camada da população escolar, para que, através dela, se possa escolher, indistintamente, os mais aptos para a formação de técnicos e diplomados de que a Nação carece. E volto a referir a necessidade que há de este ensino se tornar no ultramar gratuito ou, pelo menos, acessível às diferentes camadas da população, de níveis sociais e económicos bastante diversos. Seria uma medida socialmente justa e da maior relevância na promoção social e económica das populações menos favorecidas.
Não sabemos ainda qual a orientação dos programas do ciclo unificado, nem qual a preparação exigida aos professores que irão dar os cursos. Contudo, segundo foi anunciado, far-se-á na metrópole uma preparação intensiva, suponho que a partir de Março, através da telescola para os professores que desejem adaptar-se a este ensino.
Não sabemos também quando começarão a ser preparados os professores para tal ensino no ultramar, mas diz-se que o ciclo unificado se iniciará no próximo ano lectivo. Começando o ano lectivo, em Moçambique, geralmente a 10 de Setembro, parece-me que não resta já muito tempo para a necessária e especial preparação, tanto mais que, infelizmente, não podemos ainda recorrer, no ultramar, à telescola, meio eficiente e rápido para a expansão do ensino.
Julgo que seria oportuno que se aproveitasse o curso de adaptação que vai ser ministrado através da telescola, para, registando-o em filmes; de 16 mm, levá-lo a todas as escolas técnicas elementares do ultramar, onde, segundo penso, vai ser ministrado o ciclo unificado ou preparatório. Suponho que tais escolas estarão já equipadas com a aparelhagem necessária ou poderão sê-lo sem grandes despesas.
Sr. Presidente: O ensino do português nos liceus está intimamente ligado ao ensino desta matéria nas escolas primárias.
Seria por este último ensino que se teria de começar na remodelação que urge fazer-se no ensino do português quanto aos programas, aos livros, aos métodos e aos tempos lectivos a consagrar-lhe.
Não se deu nunca ao ensino da língua portuguesa a importância, a atenção, direi mesmo, o carinho, que merece. Ensina-se o português como qualquer outra disciplina, ou antes, sem as preocupações que as outras disciplinas suscitam, porquanto estas necessitam, para o seu ensino, de professores especializados, enquanto para ensinar português todos se sentem habilitados, basta - quantas vezes - saber falar!

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Assim é que, com a falta extraordinária e angustiosa de professores, a disciplina de Português tem sido, não raras vezes, ensinada por professores que não são da especialidade e por quem não possui os conhecimentos necessários da língua nesta fase escolar.
Mas o defeito vem de muito mais longe!
Os próprios professores diplomados não tiveram nunca durante os cursos universitários uma cadeira que ensinasse o português como língua viva, pois que nas Faculdades de Letras os estudos de língua portuguesa que se fazem são de natureza filológica, histórica ou linguística. Não há propriamente uma cadeira de Língua Portuguesa.
Este facto é mais uma razão da necessidade de uma reforma na formação dos professores do ensino liceal e também da necessidade de se criar uma escola normal para professores do ensino secundário ou um instituto de ciências pedagógicas, onde os jovens que quisessem seguir a carreira do professorado liceal pudessem aprender a didáctica das matérias que iriam leccionar no futuro.
De outro modo, haverá sempre um desajustamento entre o que se aprende nos cursos e o que se ensina.
Há, entre outros aspectos, a necessidade de se fazerem estudos da língua portuguesa para o espaço português, no sentido de se criar um português básico ou fundamental para um ensino mais rápido e adequado da nossa língua, sobretudo no ultramar.
No ensino das línguas nos liceus não nos podemos atrasar em relação ao que se vai fazendo lá fora no estudo das línguas vivas.
Sei que alguns professores dos liceus da metrópole têm sido enviados como bolseiros aos principais centros estrangeiros de línguas, para aí se familiarizarem com a didáctica moderna no ensino das línguas vivas, trazendo para o nosso país uma experiência que se reflectirá benèficamente no ensino das línguas nos liceus.
Seria de desejar que estas medidas se tornassem extensivas aos professores dos liceus do ultramar ou, então, que os professores dos liceus da metrópole já actualizados nesse campo pudessem levar os seus conhecimentos aos do ultramar em cursos que se poderiam realizar durante as férias grandes. Para tal seria também necessário que se apetrechassem os liceus nesse sentido.
No curso geral dos liceus, a disciplina de Português, que no 1.º ciclo se chama Língua e História Pátria, é ensinada, actualmente, em cinco tempos lectivos semanais no 1.º ciclo e em três no 2.º ciclo. E de convir que, com os actuais programas sobrecarregados e com turmas de 30 alunos ou mais, os três tempos semanais no 2.º ciclo são insuficientíssimos.
Bastará dizer que no 5.º ano, ano de exame, o professor terá de ensinar aos alunos todo um programa que consiste em excertos de Os Lusíadas, parte da Lírica camoniana, o Auto da Alma, de Gil Vicente, textos da Selecta Literária, extraídos da literatura medieval e clássica, desde Fernão Lopes aos historiadores quinhentistas, além da gramática, em que se incluem breves noções da língua latina, que os professores dão, segundo a sua preferência pela língua do Lácio, uns mais, outros menos.
Devo dizer que estas noções de latim, desarticuladas, com palavras explicadas aos alunos como curiosidade, segundo o próprio programa, pouco adiantam no ensino do português neste ciclo, embora eu creia que o latim possa vir em auxílio do português para seu melhor conhecimento, mas não ensinado deste modo.

Vozes: - Muito bem!

À Oradora: - O professor de Português tem, pois, de explicar toda esta matéria do programa, fazer chamadas aos alunos para inquirir dos seus conhecimentos, corrigir os pontos escritos e classificá-los, e ainda fazer revisões da matéria dada nos anos anteriores, visto que, tratando-se de ano de exame, as provas incidirão sobre toda a matéria ministrada nos três anos do ciclo. E tudo isto em três tempos lectivos, que não chegam a ser três horas reais por semana!
E evidente que não pode sobrar tempo ao professor para conversar com cada um dos seus alunos, para com eles trocar ideias, desenvolvendo-lhes o vocabulário, corrigindo-lhes a dicção, criando-lhes hábitos de reflexão, em suma, para lhes ensinar a elocução, que tanta falta faz no ensino do português.
Por sua vez, ao aluno, sobrecarregado com os pesados programas de nove disciplinas, que certos professores com zelo excessivo ainda dificultam, não lhe sobeja tempo para fazer leituras de obras literárias para além dos textos dados nas aulas.
De tudo isto resulta que os alunos saem, muitas vezes, dos cursos dos liceus sem saberem expor as suas ideias, quer oralmente, quer por escrito, atribuindo-se a culpa, geralmente, ao professor de Português.
Muito mais haveria a dizer sobre o ensino do português nos liceus, mas não quero abusar da paciência de VV. Ex.ªs entrando em pormenores sobre o seu ensino, nem é esse o único propósito deste aviso prévio. Não posso, porém, deixar de focar, muito sucintamente, mais três aspectos desse ensino nos liceus que reputo essenciais e que são: a falta do Português nos cursos complementares de Ciências, a necessidade de uma profunda reforma no ensino da gramática e os livros de textos.
Ao primeiro aspecto me referi já aquando do aviso prévio sobre educação em 1964, e vários Srs. Deputados, no presente debate fizeram também sobre ele pertinentes considerações que coincidem com a minha opinião de que o ensino do português no 3.º ciclo deveria ser comum aos alunos dos cursos de Letras e de Ciências, embora, quanto a mim, com programas diferentes, dando-se mais desenvolvimento, como é óbvio, aos dos cursos de Letras, ainda que os actuais programas devam ser reformados, visto que, pela sua extensão, não permitem que os alunos tenham tempo para ler mais demoradamente obras literárias tão necessárias nesta fase pré-universitária.
Com o Português nos cursos de Ciências, os alunos teriam a possibilidade de se habilitarem melhor ao uso da língua falada e escrita, ao mesmo tempo que poderiam conhecer um pouco mais da literatura do seu país.

Vozes: -Muito bem!

A Oradora: - Repito o que também já disse sobre a incongruência de um aluno poder tirar um curso superior sem nunca ter tido aproveitamento na disciplina de Português, enquanto noutros países os alunos não podem sequer ingressar em qualquer Universidade sem aprovação na língua materna.
Quanto à reforma gramatical de que há uma necessidade urgente, já foram feitos estudos sobre a unificação gramatical, tendo-se até publicado um livro nesse sentido, mas não me consta que as gramáticas tenham sido remodeladas, nem que os professores de Português se estejam a actualizar nessa matéria, e importa que o sejam, visto que se continua a ensinar a gramática portuguesa de uma maneira tradicional já ultrapassada, ao gosto de cada professor, alguns dos quais fazem dela um fim e não um meio para o entendimento mais perfeito da língua,

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exigindo dos alunos uma excessiva memorização de conceitos e nomenclaturas difíceis e ininteligíveis para as suas mentalidades.
Haverá, pois, que se determinar nitidamente nos programas do ensino do português a matéria gramatical a exigir, unificando-se a nomenclatura e simplificando-se as noções gramaticais. Que se actualizem também os métodos do ensino da gramática, de modo que esta se torne verdadeiramente um precioso auxílio para o estudo do português e um meio para uma melhor compreensão da nossa língua.

O Sr. Veiga de Macedo: - V. Ex.ª dá-me licença?

A Oradora: - Com todo o gosto.

O Sr. Veiga de Macedo: - Se outros méritos não enriquecessem o debate que nesta Assembleia está a decorrer sobre o ensino liceal - que os tem, e valiosos -, bastaria a intervenção de V. Ex.ª, minha senhora, para justificar o aviso prévio apresentado pelo Deputado Dr. Vaz Pires.
Na verdade, é fundamental e candente a questão que V. Ex.ª está a analisar com superior critério e perfeito conhecimento de causa: não fosse ela a do ensino e disseminação da língua pátria nas nossas províncias ultramarinas.
A questão é, quanto a mim, aquela que, pela sua natureza e pelas suas enormes e decisivas repercussões, mais insistentemente reclama a corajosa e esclarecida intervenção dos responsáveis. Quando, há cerca de um ano, me foi dado visitar Moçambique, que percorri de lés a lés, encantado e emocionado, impressionaram-me vivamente os problemas do ensino e da educação, ainda longe de se mostrarem cabalmente solucionados. Chocou-me sobremaneira - para que não dizê-lo? - que a língua portuguesa, nesse portuguesíssimo território, não tivesse ainda a expansão exigida por iniludíveis e irrecusáveis imperativos de carácter nacional.
Por isso, aproveitei a oportunidade que então me foi oferecida para, publicamente, formular o voto de que, também em Moçambique, se vença, em plenitude, a batalha da instrução, e de que a língua comum, «a madre língua portuguesa», factor essencial de aglutinação nacional e expoente admirável e insubstituível de cultura, venha, em poucos anos, a ser falada por todos os portugueses, dos diferentes credos e raças, pois só dessa forma poderá avivar-se e frutificar o diálogo, permanente, construtivo e pacífico, da lusitanidade e do espírito cristão.
Pois é o mesmo voto que, de novo, me permito formular, agora, aqui nesta Assembleia. Desta forma, se pretendo dar voz a um grande anseio do meu espírito - que o é de todos nós -, quero também associar-me, em preito de homenagem, às oportunas e avisadas palavras que V. Ex.ª fez recair sobre um problema de fundo de flagrante actualidade e tão íntima e indissoluvelmente ligado ao da própria unidade nacional.

A Oradora: - Agradeço a V. Ex.ª as palavras gentis que me dirigiu e muito me honraram, porquanto elas valorizam o meu trabalho, vindas, como vêm, de uma pessoa que no campo da educação é realmente das primeiras do País.
Relacionados com o ensino do português estão os livros de leitura e as selectas literárias.
Embora esteja consciente da dificuldade que há de se encontrarem livros de leitura e selectas que satisfaçam cabalmente o ensino do português, não poderei deixar de chamar a atenção para a necessidade de se escolherem com o maior cuidado os livros de textos para o ensino do português, tanto para a instrução primária como para o ensino secundário, os quais devem estar adaptados à mentalidade dos alunos a que se dirigem, tendo em conta também os locais e ambientes em que estes vivem.
No ultramar, como já acima disse, procedeu-se, para a instrução primária, à elaboração de livros nas províncias de Angola e de Moçambique, não só para que se desse oportunidade aos professores do ultramar de se revelarem como autores, mas também para que, conhecedores do meio ambiente, pudessem escolher textos que melhor se adaptassem às crianças das escolas primárias do ultramar. Contudo, quanto a Moçambique, nem sempre se escolheram os melhores livros, devido à escassez d a autores e de obras.
Julgo que se poderia dar uma solução a esta crise de bons livros de textos, se estes fossem elaborados por um grupo de professores escolhidos para esse fim pelo Estado, os quais, recebendo uma justa remuneração, trabalhariam em comum na sua elaboração, pelo menos dos livros únicos. Penso que desta maneira mais facilmente poderiam produzir-se obras que satisfizessem e permanecessem por mais tempo nas escolas, evitando-se as despesas que as famílias têm de fazer com as constantes mudanças de livros, o que torna oneroso o ensino e é causa de grandes preocupações, sobretudo às famílias de menos recursos e com muitos filhos a estudar. Este problema, de resto, já foi aqui muito bem observado pela ilustre Deputada Sinclética Torres quando disse que «antigamente os livros passavam de pais para filhos e hoje nem de irmãos para irmãos».
Quanto aos livros únicos para os liceus da metrópole e do ultramar, que, na minha opinião, devem manter-se, em benefício da uniformidade e coordenação do ensino, terão, todavia, de ser feitos de acordo com os diversos ambientes em que os jovens vivem.
Os livros de Português, particularmente, deverão conter, não só textos bem representativos da cultura portuguesa, mas também trechos bem escolhidos referentes à metrópole e ao ultramar, aos seus ambientes próprios e à sua vida actual, para que os alunos, tanto os de cá como os de lá, tenham uma visão actualizada do conjunto português.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Além disso, os trechos deverão ser bem graduados quanto às dificuldades das ideias, da linguagem e da forma, pois que nem sempre os melhores escritores ou os notáveis oradores serão os mais próprios para os livros de textos dos primeiros anos dos liceus.
Para este aspecto da elaboração de livros, permito-me chamar a atenção dos responsáveis na matéria para que se façam livros que vão ao encontro das necessidades espirituais e dos interesses dos alunos para que se lhes desperte assim o gosto pela leitura e pela disciplina de Português, que, muitas vezes, aborrecem, porque os assuntos dos textos não lhes despertam interesse.
Reparo que voltei a ocupar-me demoradamente do ensino do português quando há tantos outros aspectos do ensino liceal que mereceriam a nossa atenção.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: -Mas porque a maioria deles foi aqui tratada largamente, eu não poderei acrescentar nem mais, nem melhor.
Quis dar à Câmara, tomando o ensino do português como exemplo, uma ideia das dificuldades que se põem ao professor do liceu no ensino que tem de fazer de extensos e pesados programas em escasso tempo.

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O que acontece com o Português, acontece com o Desenho, com a História, com as Ciências, com a Matemática e com tantas outras disciplinas, por exemplo com o Francês do 2.º ciclo, dado em dois tempos lectivos semanais. No entanto, no exame exige-se ao aluno que interprete textos bastante difíceis, para o que seria necessário que tivesse já um perfeito conhecimento da língua.
Mas, apesar dos programas extensos e do pouco tempo, há professores que, olhando só para si e para o seu saber, que ninguém contesta, se esquecem da finalidade do ensino que ministram, da coordenação que deve haver entre as várias disciplinas e da idade dos alunos a quem se dirigem, exigindo-lhes um esforço que vai muito para além das suas capacidades, o que acontece também, por vezes, nos exames, com o excessivo rigor e pormenorizado interrogatório, o que dá lugar a recriminações por parte dos pais, que, valha a verdade, nem sempre contribuem para a tarefa da educação zelando pelos estudos dos filhos.
Ora, não é o melhor professor aquele que sabe muito. Há professores dos liceus que ensinam mais facilmente, e até com certo brilho, os cursos complementares do que os dos primeiros anos, isto porque não estão psicologicamente preparados para descer à mentalidade de alunos tão novos e, exigindo demasiado, não são, decerto, os melhores professores destas classes.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Seria de desejar que os reitores se preocupassem também com este aspecto do ensino liceal.
Aos inspectores caberá fiscalizar e orientar o ensino de modo que ele se processe equilibrado, harmónico e coordenado em todos os seus aspectos.
De tudo se conclui que há necessidade de se seleccionar nos programas das diferentes disciplinas do ensino liceal o que é indispensável do que é acessório, de conceder maior relevo às disciplinas fundamentais, entre as quais se salienta o Português, para o qual se torna necessário um aumento de tempos lectivos semanais no 2.º ciclo, e ainda proceder-se à orientação e actualização dos professores.
Quanto aos professores, já vários Sr s. Deputados se referiram à razão principal da falta de professores no ensino liceal a cargo do Estado e que é, sem dúvida, a fraca remuneração que recebem após um longo e trabalhoso curso.

Vozes: -Muito bem!

A Oradora: - Os jovens, tentados por profissões mais remuneradoras, de menor responsabilidade e menos fatigantes, não seguem com facilidade esta carreira, mesmo que sintam vocação para ela. E de ano para ano vai aumentando nos liceus a falta de professores.
No ultramar, essa crise é ainda mais acentuada, tendo-se necessidade, todos os anos, de se recorrer aos indivíduos que possuam o mínimo de habilitações exigidas para o magistério secundário e que é uma licenciatura. Mas, porque estes não chegam, aproveitam-se alguns outros que apenas têm a frequência de determinadas cadeiras das Faculdades. Assim, o quadro de professores do ensino liceal em Moçambique no ano lectivo de 1967-1968 é o seguinte:

46 professores efectivos com Exame de Estado;
72 professores contratados sem Exame de Estado;
105 professores eventuais.

Já nesta Câmara me referi à necessidade de se criarem no ultramar os estágios para os professores dos liceus, o que viria resolver a falta de professores e melhorar a qualidade do ensino.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Sei que o Ministério do Ultramar tem diligenciado por resolver este problema, que se arrasta há seis anos, quando foram criadas nos Estudos Gerais Universitários as cadeiras pedagógicas indispensáveis à frequência do 2.º ano do estágio.
Nessa altura, foram muitos os professores contratados e os licenciados que se matricularam na Universidade para as obterem, com o fim de poderem frequentar os estágios que se anteviam para breve. Decerto razões ponderosas obrigarão a esta demora. Havendo em todo o ultramar 23 liceus, julgo que se justificaria bem a criação dos estágios nas províncias de Angola e de Moçambique, o que daria aos licenciados e professores contratados, que já têm as cadeiras pedagógicas, a satisfação de poderem, finalmente, completar o curso do professorado secundário a que se devotaram. Por outro lado, muito teria a beneficiar, não só o ensino liceal das províncias ultramarinas, mas também o da metrópole. Quanto ao alvitre aqui feito por um dos Srs. Deputados que me antecederam, de se permitirem horas extraordinárias aos professores dos liceus no sentido de uma melhoria de ordenado, devo dizer que esta medida já é aplicada no ultramar, onde há professores que chegam a dar 30 horas semanais, o que, pedagogicamente, devido à fadiga, não me parece ser a melhor medida, e que se reflectirá, sem dúvida, no rendimento do ensino.
Sr. Presidente: Vai-se entrar numa nova era do ensino liceal com a entrada em vigor da reforma do ciclo unificado, preparatório daquele. Da preparação dos alunos deste ciclo dependerá o progresso do ensino liceal por que todos ansiamos, pais e professores.
Entretanto, há problemas que merecem ser considerados pelo Governo e que foram expostos à Câmara durante o presente aviso prévio.
Quanto ao ultramar, terminarei com dois votos que me parecem de extrema importância na solução dos problemas que foram ventilados sobre o ensino liceal a cargo do Estado:
O desejo de uma mais estreita colaboração no campo da pedagogia do ensino liceal, entre o Ministério do Ultramar e o Ministério da Educação Nacional, e o voto de que no orçamento da província de Moçambique se compense mais largamente o sector da educação.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Sei que nesta conjuntura tem sido grande o esforço neste campo, mas não ainda o suficiente.
Esperemos que o desenvolvimento económico de Moçambique dê à educação da província o lugar prioritário que verdadeiramente merece, para bem da Nação, visto que é pela educação de toda a sua juventude que ela há-de valorizar-se e prolongar-se no futuro.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A oradora foi muito cumprimentada.

O Sr. José Manuel da Gosta: -Sr. Presidente: Hesitei bastante em intervir no presente debate, por múltiplas razões. Tenho responsabilidades passadas nesta matéria como homem do ofício; estou ultrapassado em muitos

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aspectos do problema em causa; julgo errada uma grande parte da problemática de todo o nosso ensino; e, na minha idade, já se vai estando carecido daquela audácia, de imaginação criadora que é indispensável no conceito, na acção e nas ambições da vida educativa, sem estreiteza de ânimo e sem subordinação à rotina, viciosa ou forçada, das circunstâncias contingentes.
Por outro lado, entendo que o aviso prévio do meu querido amigo e colega Dr. Vaz Pires é .exaustivo, concludente e esclarecedor, inserido no estado actual das coisas, mas algum tanto circunscrito aos aspectos técnicos e administrativos, que lá irão direitos a quem tem obrigação de os atender mas que, de certo modo, escapam à natureza, índole e competência desta Câmara.
Somos uma Câmara política, e serão assim as grandes linhas do problema da educação aquilo de que devemos ocupar-nos Paulo majora canamus! É o que pretendo fazer, bastando, quanto à essência do aviso prévio, dar-lhe todo o meu apoio e adesão no geral das suas alegações, necessidades, exigências, exposição de soluções e desenvolvimento de pormenores expostos com tanto saber e experiência.
Quanto ao mais, seguiremos por outros caminhos ... se a Câmara estiver disposta a ouvir-me e V. Ex.ª mo consentir.
Em matéria de educação, o que está em causa em Portugal é o próprio conceito da educação no seu aspecto global, nesta cruz dos caminhos em que proclamamos revolucionàriamente uma educação eminentemente nacional e nos vimos depois forçados a atender uma situação de facto, de desorientados nortes na instrução necessária e suficiente e de situação caótica, por excesso de alunos, falta qualitativa e quantitativa de professores, ausência de espírito e de saber pedagógicos, elenco de matérias atrofiadas e não aferidas às realidades, horários forçadamente possíveis e não humanamente estabelecidos, divórcio da escola e da família e ansiedades e aspirações novas das gerações que se encontraram perante um mundo, ao mesmo tempo admirável e apocalíptico, no qual se consideraram, sem culpa, mas viram nos seus antecessores a dramática responsabilidade de lá se terem encontrado.
Quando o departamento governamental adequado se designava de Ministério da Instrução Pública, a instrução lá ia seguindo seus trilhos normais, sem excelência de grandezas nem afrontosas misérias de incapacidade e impotência.
Havia um regime de estudos baseado no trabalho - trabalho de saber e de aprender a saber -, havia mestres profissionalmente habilitados e socialmente respeitados, em quantidade suficiente, modestos nas aspirações, honrados e prestigiados no agregado humano em que viviam e na dignidade e na honra da sagrada profissão que exerciam. Não existia então o clima de desagregadora desconfiança entre os vários ramos do ensino; todo o sistema escolar, toda a ligação educativa e todo o pessoal ensinante eram potencialmente qualificados e competentes e, porque assim era, cada um assumia as suas responsabilidades próprias, para ser digno delas perante os escalões superiores, uma vez que os tinha e lhes eram reconhecidos expressa e tacitamente.
Mas já no campo ideológico e filosófico se passavam as coisas de modo diferente. O País sofria uma crise moral, social, política e cívica, crise orgânica da vida colectiva portuguesa, da qual seria responsável, sim, um certo escol da Nação, mas não o era o decurso normal e habitual da vida da escola, tomada esta no seu sentido de pura actividade profissional.
Mudaram as circunstâncias políticas, a Nação procurou refazer as suas estruturas sociais e reavivar conceitos ancestrais que só poderiam ser válidos se desde logo a audácia dos cometimentos nascesse e se lançasse adiante, no âmbito do ensino, por ele acreditando e reavivando o espírito novo da vida pública portuguesa e nele alicerçasse uma mentalidade nova que fosse penhor da Nação restaurada e sopro transcendente daquela sagrada «oficina das almas» que devia ser, no sentido da Revolução Nacional, a suprema ambição da escola ao serviço da Pátria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Da Instrução Pública se transitou para a Educação Nacional, e lá se foi ao Garrett buscar a frase - aliás de não muito respeitável construção -, e, assim, o Ministério da Educação Nacional nasceu sob o lema terrivelmente responsabilizante de que nenhuma educação poderia ser boa se não fosse eminentemente nacional.
Já, porém, era mais difícil de saber ao certo o que isto queria em verdade dizer, e mais complicado ainda era escolher os justos caminhos para consegui-lo!
Houve então luminosos e promissores lampejos de entusiasmo e de audácia, ambiciosas e salutares medidas de renovação de instituições, de exaltação de valores nacionais, de revolução do espírito e de virilização da juventude, e, por ela, de revigoramento dos próprios fundamentos vitais da grei.
Tudo estava em saber se o Ministério assumia ou não uma responsabilidade harmónica com as suas capacidades, se o binómio instrução-educação viria a ser real ou artificioso, se uma preponderância do educativo sobre tudo o demais seria possível, viável e eficiente no clima em que a Revolução Nacional nascera e se ia desenvolvendo nos seus ímpetos, aspirações e ... hesitações!
Ser-me-ia doloroso tirar, agora à distância dos tempos, a conclusão exacta do êxito ou do fracasso daquele condicionalismo que deixei exposto. Teremos alcançado, na realidade, uma educação verdadeiramente nacional? Terão sido atingidas as aspirações implícitas nas linhas mestras em que se desenhou a fisionomia nova do departamento do Estado responsável pela educação?
Aqui, na Assembleia, já têm sido dadas várias respostas a estas perguntas, e não se diga, em rigor, terem elas sido francamente optimistas e daqui resulta, como parte de um todo, a gravidade do tema de que nos estamos ocupando e o ponto em que se situa o problema do ensino liceal. Se quiséssemos dar uma síntese de fácil apreensão diríamos: «Lá íamos cantando e rindo, mas a verdade é que a escola havia deixado de ser risonha e franca», isto é, não conseguíramos levar a cabo com conscienciosa audácia uma revolução educativa eminentemente nacional e víamo-nos a braços, pela evolução das circunstâncias, com um problema técnico, concreto e absorvente nos puros domínios da instrução pública, pela avalancha explosiva da frequência escolar, pela incapacidade de formar mestres que fossem ao mesmo tempo educadores e instrutores, pela falta ideológica de um binómio educação-instrução que conjugasse os ideais da Revolução com as aquisições científicas e técnicas da pedagogia e da didáctica, para as quais não estávamos preparados e a que não soubemos aderir e adaptar-nos, por nossa estreiteza de nacionalismo político e desconfiança e medo dos progressos educativos que se iam alcançando noutras latitudes, onde os estudos das ciências da educação iam evoluindo, acompanhando as exigências dos tempos, a marcha da civilização e o espírito da cultura.

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E acabámos por cair num ciclo vicioso: nem educação eminentemente nacional, de que perdemos o aparatoso conteúdo viril, nem instrução adequada ao tempo e às exigências de uma época de profundas transformações na formação do homem, na finalidade do saber e na técnica do convívio entre professores e alunos e, de ambos, nas estruturas sociais do País e do mundo contemporâneo.
E entrámos, assim, num estatismo pouco esclarecido, não definimos princípios filosóficos que fossem base da acção educativa, fizemos, sim, códigos escolares, necessariamente acrescidos de uma espantosa burocracia de circulares e de regras menores que meteram a educação e a instrução numa verdadeira camisa de forças, da qual estavam ausentes as sempre ansiosas inquietações da pedagogia, o sagrado culto do ensino, o nobilíssimo sacrifício de ensinar e de aprender, o amor, que é a mais perfeita fonte da comunicabilidade entre mestres e alunos - e não seja eu quem o diga, mas esse grande pedagogo que foi Pestalozzi quando asseverou, marcando um caminho novo à arte e aos métodos de ensinar: «Eu sou o que sou, pelo meu coração ...»
Na educação moral e cívica, onde o coração teria de cantar mais forte, até os melhores parece terem falhado, e aí direi que raros se poderão sentir em paz com a sua consciência, designadamente quando atentarem em que uma grande parte das novas gerações teve de procurar o seu bem onde o encontrou e não raros foram achá-lo fora das concepções do verdadeiro ideário nacional.
Da organização política e administrativa se fez um pesadelo, se não mesmo uma traição, onde só algumas raras excepções de mestres esclarecidos terão conseguido vencer uma livresca sistemática política, lá onde se devia ter pretendido dar ao homem português em formação uma consciência nova da nacionalidade e das suas reais e intrínsecas instituições civilizadoras e históricas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Olhe-se também aí aos resultados coletivos da educação física e repare-se em como ela, por virtude da escola, pouco ou nada tem que ver com a formação integral do homem na força do seu corpo e do seu carácter, destreza e agilidade físicas, e como ela em muito pouco contribui para o surto das actividades desportivas, que em certas modalidades tão intensamente se vivem no nosso país, mais ainda por espírito clubista do que por entusiasmo e amor à pureza e à fortaleza do corpo e da alma.
Não quis deixar de fazer alusão a estas disciplinas do elenco educativo, tantas vezes consideradas disciplinas de rodapé, mas de tão grande influência e importância na formação global do homem, mais integral e complexa do que o própio currículo tradicional e clássico dos estudos.
Mas outras são as minhas intenções ao interferir neste aviso prévio, ao qual têm sido já trazidas informações e sugestões utilíssimas que o transportam muito para além do seu âmbito demasiadamente circunscrito. Muito haveria que dizer sobre o ensino particular, não a cargo do Estado, como ele devia ser, prestigiado na essência e na forma, liberto da garra e da similitude do ensino estatal, fonte de experiências novas e de opções possíveis que arrancassem o Estado daquelas obrigações assumidas no plano cultural e no próprio plano financeiro e que, ao fim de contas, não pode honrar suficientemente, o que afinal só contribui para seu desprestígio e desorientação.
Mas isso daria azo a grandes cogitações e eu venho agora aos três pontos fundamentais que desejo abordar, e são eles: a) O problema da língua materna; b) O caso da formação de professores; c) O ensino no ultramar e suas implicações com o ensino metropolitano.

A língua pátria.

Este tema é fundamental onde e quando quer que se trate de ensino e de educação. Eu li há dias, escrito pela pena de um jornalista francês que não blasona de nacionalista e antes penso que «joga um pouco a ponta-esquerda». Pois dizia ele:

Perverter uma língua, e perverter o espírito, é renegar a alma da nação no que ela tem de mais íntimo e de mais precioso.

E sabem VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, a que propósito isto vinha? Pois pela oportuna circunstância de o Sr. Pompidou, primeiro-ministro de França, e o Sr. André Malraux, ministro da Cultura, terem proposto e feito adoptar pelo Conselho de Ministros uma decisão criadora de um alto-comissariado para a defesa da língua francesa.
Pois em Portugal, não obstante o nosso nacionalismo, universalidade idiomática da metrópole, ultramar e Brasil, da nossa tímida preocupação com o ensino da língua junto dos núcleos dos- portugueses residentes em países estrangeiros, aqui, na metrópole e no ultramar, é possível a um aluno liceal chegar ao termo do seu curso sempre «cortado» por deficiência na disciplina da língua pátria! Quando digo que é possível, quero dizer que já tem acontecido.
E que dizer do quanto ela anda aí abastardada no falar comum, nos livros estrangeiros que se lêem traduzidos, na literal e apressada versão das notícias das agências noticiosas, no papaguear barbarizado, estrangeiro e impreciso, ignorante, de tantos faladores da rádio e da televisão, nas legendas de películas cinematográficas importadas, nas obras de minicultura livremente recebidas do Brasil e escritas, não direi já apenas em mau português, mas mesmo em má linguagem brasileira do próprio Brasil?
Isto que estou dizendo cabe dentro do aviso prévio, e de certo modo o excede em amplitude, mas tenho a preocupação de me desprender da rotina da minha profissão e de, nesta Câmara política, falar precisamente em termos de política, o que sempre tenho feito contra ventos e marés! Perdoem-me se estou errado!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tempos houve em que quase toda a imprensa mantinha uma secção de divulgação linguística u todos nos lembramos de um Cândido de Figueiredo, um Agostinho de Campos, um Artur Bivar, um Manuel Múrias, um Rodrigo de Sá Nogueira e muitos outros, e mais recentemente, através dos aparelhos de televisão, das doutas e tão comunicativas palestras do saudoso Dr. Raul Machado!
Hoje a asneira anda mais livre, e não há muito tempo um programa humorístico da nossa radiotelevisão tinha como estribilho da personagem central este mimo: «Tá-se mêmo a ver, non tá-se?»
Dir-me-ão que é isto um pormenor cómico sem relevância, mas é aí que está o erro e o grave é que ninguém o remedeia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estas coisas entram no ouvido de centenas de milhares de pessoas, muitas delas com notável tendência para o ordinário, como entram pelos olhos

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tantas outras coisas perniciosas e deseducativas, estranhas à nossa índole, sensibilidade e necessidades culturais.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Alguém poderá perguntar-me - e praza a Deus o não façam - o que pode ter isto que ver com o ensino liceal a cargo do Estado ...
Pois é aí mesmo que está a raiz do problema. É que o Estado acaba, afinal, por ser, ou parecer, o grande responsável por tudo que corre mal, na educação como em tudo o resto, e como educação é tudo e o Estado tem por assim dizer o rígido privilégio dela, tire cada um as conclusões que entender!
O meu falecido mestre e querido amigo professor Agostinho de Campos, que no seu tempo encheu de luminosa audácia, alegria e competência os altos escalões do Ministério da Educação Nacional (ao tempo, da Instrução Pública), escreveu no Comércio do Porto em 1933:

A língua nacional é das maiores riquezas que nos são próprias, consubstanciada com a nossa própria existência ... Por perguiça de organizar uma defesa necessária e urgente, por inconsciência da perigosa ameaça que sobre nós pende, estamos ressequindo, alegre ou distraìdamente, o nosso carácter, e cultivando sem peias a abdicação e a decadência.

Pois essa perguiça e tudo o mais que tão profeticamente dizia Agostinho de Campos, ainda disso não acordámos em 1968, e eu creio não errar se disser que uma das grandes crises dos nossos quadros docentes do ensino médio será precisamente a de professores de Língua e de Literatura Pátrias, hoje quase disciplina de complemento a preencher horários, à falta de titulares especializados e competentes. Voltámo-nos para as línguas anglo-saxónicas, como se daí nos viesse algum bem!
De ideia em ideia venho à questão do latim, que não desejo ressuscitar, mas dentro do meu tema é matéria de primeira grandeza.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Três leves anotações:
a) Nunca percebi, e creio que não é de perceber, ter o latim sido expulso, do plano dos estudos liceais, por homens de extraordinária categoria pessoal e de formação nitidamente humanística;
b) Um ministro brasileiro da Educação, creio ter sido o Dr. Gustavo Capanema, ao dar as razões pormenorizadas de uma reforma do ensino liceal no plano pedagógico e técnico, ao referir-se ao latim, disse:

Não carece de mais prolongadas razões: é um título de dignidade da civilização ocidental.

c) O meu querido amigo, colega e companheiro Flávio Resende, professor insigne da Faculdade de Ciências de Lisboa, recentemente falecido, contou-me um dia o seguinte: chegou à Alemanha como bolseiro do Instituto de Alta Cultura (Ciências Naturais) e procurou o sábio mestre que havia de encaminhar-lhe o trabalho e o estudo. Este inquiriu da sua preparação científica em todo o pormenor, do seu conhecimento da língua alemã e do seu possível saber na disciplina de Latim. Flávio Resende, intrigado com a última pergunta, lá foi respondendo que passara pelo liceu durante dois anos na cadeira de Latim, mas que seguira depois a carreira das ciências e o latim lá ficara sepultado na tumba das coisas inúteis, esquecidas e aparentemente desnecessárias. O sábio mestre alemão disse então ao seu pupilo estagiário, já professor efectivo de Ciências Naturais dos liceus portugueses e candidato a títulos universitários, que alcançou brilhantemente: «Pois, meu senhor, o seu primeiro ano de bolseiro vai ser ocupado apenas e só no estudo do alemão, para que nos entendamos todos, e no estudo do latim, que é a disciplina indispensável à formação do espírito de todo o homem culto, e depois veremos o resto!»
Não quero insistir mais e passo adiante ... deixando a VV. Ex.ªs os comentários adequados.
Sr. Presidente: Tenho mais que dizer e vou abreviar este capítulo da minha intervenção. Não quero, porém, deixar de chamar a esclarecida atenção da Câmara, direi melhor, a responsável obrigação desta Câmara, para um passo de um discurso recente do Sr. Ministro do Ultramar na primeira reunião do Gabinete de Estudos da Direcção-Geral da Educação do seu Ministério. Disse então o Prof. Silva Cunha:

Porei em especial relevo o que respeita à intensificação do uso da língua portuguesa, pois é este o meio mais poderoso de reforçar os laços entre todos os que integram a Nação. É aqui que mais deve insistir a nossa acção. É neste ponto que devemos ser mais intransigentes com os desvios, mais pertinazes no esforço, mais insatisfeitos com os resultados obtidos.

E não foi por acaso que o ilustre Subsecretário de Estado da Administração Ultramarina, dias antes, se referia ao mesmo assunto nos seguintes termos:

Mas quando se cultiva o amor à Pátria, colocamos logo na sua base, como factor de decisiva importância, a Língua.

E acrescentou, com um saber de experiências feitas:

Também com especial apreço atentei neste ponto por se dever ter em conta que o emprego das línguas vernáculas ou dos dialectos está reservado exclusivamente aos fins estabelecidos em acordos ou previstos na lei, a observar, portanto, em sua letra e espírito, tanto mais que o avanço da cultura e da própria evolução social e económica ficariam seriamente abalados se o idioma nacional não fosse posto ao seu serviço.

O idioma nacional ao serviço integral da existência da Pátria!
Estará a Câmara conscientemente responsável da gravidade deste problema que lhe estou pondo e que bem merecia ele as honras de um aviso prévio?
Batem-se os soldados, a consciência nacional foi dinamizada por um homem que resolveu «agir rapidamente e em força», ouvido por uma juventude que tem necessidade e capacidade para ouvir e entender essa palavra «força» e de ser impelida por acontecimentos transcendentes para cumprir todo o seu dever, e de que modo ela o tem feito!

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Mas a língua-mãe é uma arma moral que tem de ser o alicerce da vitória militar, e aqui recordo o que venho dizendo para pedir que se ouça um clamor vindo de longe e atinente à criação de um instituto da língua portuguesa, para o qual estão já traçadas linhas gerais de acção, postos alvitres, colhidas adesões!

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Só falta fazer o que é preciso, e os passos dos discursos dos Srs. Ministro do Ultramar e Subsecretário de Estado da Administração Ultramarina bem realçaram a importância, a gravidade, a oportuna imprescindibilidade de também neste caso «agir rapidamente e em força», não subestimando um problema que, a não se resolver, fará de nós um país subdesenvolvido nos domínios da cultura e nos próprios destinos essenciais e existenciais da Nação.

O problema da formação dos professores:

Sr. Presidente: Vão já passados cerca de 40 anos, passei pelas «forcas caudinas» dos examentes de admissão à Escola Normal Superior e do Exame de Estado.
Não fiz na vida académica coisa mais difícil e aparentemente mais desnecessária, com imensos e soleníssimos júris, dos quais, aliás, não tenho razão de queixa sobre a maneira como me trataram.
Mas o que me marcou profundamente como professor de ensino liceal foi o estágio profissional no Liceu de Gil Vicente, orientado e dirigido por um homem com quem tive durante toda a vida as mais contundentes divergências políticas, mas que- era um pedagogo de excepcional categoria, pelo amor. aos alunos, sensibilidade educativa, habilidade de tratamento com jovens das mais variadas idades, saber ordenado e sistemático das matérias a ensinar e objectividade na linha de condução dos alunos-mestres, que nós então éramos, sob a sua orientação, vigilância e ensinamentos.
Refiro-se ao professor Luís da Câmara Rego, um metodólogo de primeira plana com quem aprendi a ensinar, mau grado as divergências ideológicas que sempre nos apartaram.
Vem isto a dizer que se aprende a ensinar como o engenheiro aprende a lidar com obras e com máquinas, como o médico aprende a observar doentes, como o advogado aprende a advogar e o farmacêutico a distinguir os símplices e drogas de quem dependem a saúde e a vida das pessoas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Fala-se aí muito em «vocação» para o ensino, e ela existe sem dúvida nenhuma, e é necessário espevitá-la, mas é rara, é mesmo raríssima, e em certo momento da nossa vida escolar foi na «vocação» que pusemos a nossa confiança, porque isso era mais fácil e mais barato, e chegámos ao cúmulo de extinguir as escolas do magistério primário durante vários anos, o que nos privou de uma classe profissional e social que sempre foi em toda a parte elemento de influência cultural nos pequenos agregados humanos, onde poucos mais havia cio que o sacerdote e um ou outro autodidacca que pontificava no café ou na farmácia, com a volubilidade de quem fala por falar, com pseudo-autoridade e sem real noção de responsabilidades sociais ou morais. E daqui advieram várias circunstâncias calamitosas: a decadência dos estudos pedagógicos, a consciência da sua utilidade e necessidade, o rebaixamento do nível do ensino e o desprestígio do professorado, que deixou de ser uma classe social e profissionalmente qualificada e se tornou em sucedâneo ocasional e mesquinho -e mal pago- do que devia ser uma pequena elite das pequenas sociedades, organizações em todo o território nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sofreu o ensino, e do mesmo passo sofreu a vida social orgânica, o conjunto harmónico dos pequenos aglomerados humanos, o sentido cívico das nossas vilas e aldeias de aquém e de além-mar, sofreu o produto líquido racional e fomo-nos deixando cair num inconsciente materialismo de que somos legitimamente acusados e que era precisamente o inverso dos princípios que nortearam a parte séria e doutrinária da Revolução Nacional. O problema da carência de professores é efectivamente um problema de remuneração de funções, pois ninguém vive sem o necessário à dignidade da vida própria, das necessidades familiares e do respeito humano a que cada um se sente com legítimo direito. Mas eu julgo ver uma outra causa, porventura mais significativa e mais profunda: o desprestígio crescente do pessoal ensinante, a diferença radical de tratamento em comparação com outras actividades menos responsáveis socialmente, a milícia ocasional e constantemente variável desse eventualismo pedagógico que não teve coragem nem necessidade de enfrentar as dificuldades de uma orientação profissional, porque na lei da oferta e da procura de professores importa deitar mão ao que aparece a fim de que os alunos tenham, se não quem os ensine, ao menos quem os aguente, como quer que seja, até porque os familiares, regra geral, só se dão conta da gravidade dos acontecimentos no final do ano, no desastre dos exames e às vezes na liquidação pura e simples dos meninos amimados e abandonados em quem o dinheiro de algibeira substituiu comodamente a constância da autoridade paterna e a vigilância diária dos seus trabalhos próprios e actividades escolares. A família deixou de ter paciência para aturar os filhos! Creio que o mal é grande e costuma dizer-se que para grandes males grandes remédios. E quais podem ser esses grandes remédios?
Pois prestigiar moral e materialmente os verdadeiros profissionais do ensino, limitar as peias que lá conduzem, abolir exames abstrusos de dispensável reduplicação, permitir e impulsionar o acesso dos professores de ensino secundário ao ensino superior, deixar que professores do ensino superior, aos quais não é exigida qualquer preparação pedagógica, desçam até aos liceus e neles façam as suas experiências de ensino e aí tomem contacto com o material humano que hão-de vir a receber depois nas escolas de que são mestres.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nivelar por cima, já que tão maus são os resultados de se ter nivelado abaixo da linha de terra, que é, como quem diz, abaixo do mais mediano interesse cultural da Nação. Anda aí agora em voga uma forma de actividade educativa e pedagógica a que por certo se não hão-de negar determinados méritos e possíveis efeitos úteis: o ensino pelos meios áudio-visuais, de que será padrão a telescola e instrumento a Radiotelevisão Portuguesa. Mas a televisão é uma espécie de teia de Penélope: destece à noite o que de dia vai urdindo e por outro lado ver é só observar e ouvir será, simplesmente, informar-se, mas ler é outra coisa, ler é escolher, é entender, é recolher no espírito, é compreender, é, no fim de contas, trabalhar de conta própria e em profundidade, é queimar as palavras, como diziam os Antigos, ou «puxar aos varais da gramática», como dizia um velho latinista meu conhecido.
Mas tudo isto é, afinal de contas, um remendo ocasional, é um recurso confiante e hábil às aquisições brilhantes,

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mas discutíveis, do modernismo e das novas técnicas, mas o caso profundo fica por resolver nos seus aspectos fundamentais.
Andam tristes os nossos pedagogos, e o reitor francês Capei lê já disse que um «pedagogo triste é um triste pedagogo !».
A Igreja precisa do sacerdotes, a escola precisa de professores e sem uns nem outros pode ser inglório o esforço dos soldados na linha de batalha e pode ser & paz uma derrota moral no que depois da guerra há-de vir a ser a Nação na sua vida de espírito, valor da cultura e expoente da civilização que com tão largo sacrifício defendeu.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Sempre os sacerdotes foram notáveis educadores; pois a nova Universidade Católica muito bem poderá vir a criar uma Faculdade de Pedagogia, que o Estado seria interessado em ajudar e patrocinar sem quebra das respectivas independências e com proveito para ambos.
Por outro lado, nunca será de mais encarecer a espantosa acção desenvolvida no meio cultural português pela Fundação Calouste Gulbenkian, onde homens como Azeredo Perdigão, Francisco Leite Pinto e Ferrer Correia têm exactíssima noção do valor do saber, e do saber ensinar a saber. Foi mesmo um deles que há pouco disse que «saber é poder».
Pois bem, a Fundação é independente do Estado e soberana nas suas decisões, mas não lhe parecerá mal que nestas ponderosas circunstâncias a Assembelia Nacional lhe solicite um cuidado e um esforço ainda maiores, conducentes à concessão de bolsas de estudo e a outras quaisquer medidas de acção no sentido de ajudar a preencher esta grave lacuna que é a falta de professores bastantes para tão densas e sempre crescentes massas escolares. Se a Divina Providência deu a Portugal um Calouste Gulbenkian, seja providencial a acção dos seus ínclitos dirigentes em problema de tamanha grandeza nacional e de tanta beleza na vida do espírito.
E o Estado, cruza os braços? Parece que é o que tem feito, a avaliar pelos resultados, mas não será bem assim, e aí temos três liceus normais, que, para serem perfeitos, só lhes falta serem menos herméticos e mais abertos à vida contemporânea e ao alargamento da sua específica função de formação de professores. E aí temos também a metodologia e a didática do ensino técnico profissional, que faz o que pode com o material humano que lá lhe chega, mas às vexes sacode, numa exigência excessiva, que em certas matérias não faz sentido nem tem razão de ser.
Tenho ouvido aí falar, e até já aqui nesta Assembleia, na criação de um instituto de pedagogias ou coisa que o valha. Confesso que não realizo muito bem o que isso seja ou pudesse vir a ser, e nem é por caturrice, mas sim porque ainda, estou lembrado do fracasso das existentes escolas normais superiores que, com outro nome, pretendiam precisamente ser, e não eram, institutos de pedagogia ... Um instituto de pedagogia, um só, para tão grandes precisões territoriais, onde? Um instituto de pedagogia sem pedagogos, para quê? Um instituto de pedagogia sem uma exacta concepção das ciências da educação, então como?
A meu ver, temos de abrir caminhos novos, certos, audaciosos, corajosos e circunstanciais, para não perdermos o rumo nem nos enganarmos conscientemente, pois um erro agora cometido seria acrescentar uma catástrofe a uma situação já de si bem dramática.
O que temos todos é de nos rejuvenescer, ter audácias, correr ao sabor dos tempos, não nos convencermos de que um país velho nunca poderá voltar a ser um país novo, temos de filosofar ao mesmo tempo que vivemos e não depois, temos de pôr a par do produto bruto nacional, que tanto nos preocupa, a altura do espírito, a liquidez da cultura, a sobrevivência nacional pela instrução e pela educação.
Penso, por exemplo, no Brasil, onde as ciências educativas vivem do amor e da paixão daqueles muitos que as cultivam. E penso aqui na vizinha Espanha, onde o ministro lbañez Martin - hoje embaixador em Lisboa - deu um tal impulso à causa do ensino e da investigação que ainda hoje são obra sua, ou continuidade dela, as grandes aquisições culturais da Espanha nova. E não precisou para tanto de vir aos sectores universitários!
E penso num Veiga de Macedo que, vindo de outros campos de actividade, teve, no Ministério da Educação Nacional, a maior audácia e a melhor eficiência que este Ministério já teve desde que se intitula Ministério da Educação Nacional.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Pois essa chama de entusiasmo e desenvoltura ele a transportou para o Ministério das Corporações, e lá ficou como sucessor do mesmo nível a marca do seu trabalho e do seu dinamismo.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - É disto que nós precisamos, Sr. Presidente, de sair do casulo, de desmitificar instituições, de desentorpecer organismos, quadros e pessoal, de estudar soluções novas, ambiciosas, eficazes e oportunas» de abrir a bolsa e ter coragem para comprar «saber», em vez de queijo suíço ou espargos enlatados, e ter tanta consciência de que tão bem gasta é a fazenda aplicada ao pão do espírito como aquela que anualmente se utiliza para adquirir o pão da boca.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Não estou a falar do louco, nem creio estar a dirigir-me a surdos ou indiferentes. A Inglaterra, a França, a Alemanha encontraram-se no pós-guerra com um problema de excesso de alunos - todos aqueles que não tinham idade de estar nas frentes de combate - e de carência absoluta de professores - todos aqueles que deixaram a vida na defesa das respectivas pátrias e mais quantos, por esta ou aquela razão, não regressaram à actividade docente. Nenhuma destas nações teria sido capaz de resolver o problema por morosas soluções clássicas e tradicionais, mas também se não convenceram de que esse problema pudesse ser insolúvel ou resolvido pelo amadorismo de um quadro de complemento que viesse desenfastiadamente trocar, por uma má moeda corrente, uma má moeda de educação e de instrução. O caso era sério de mais para isso ! E impunham-se soluções drásticas, corajosas e novas, soluções de formação acelerada, como nós diríamos, o pelas quais os futuros educadores tinham sempre de provar, antes e acima de tudo, que possuíam o saber requerido, dispunham de virtude necessária à essência da profissão e estavam dispostos a adquirir, como alunos-mestres guiados, orientados, conduzidos e pagos, aquela habilidade profissional que só vem com a observação, a experiência e os estágios junto de quem tem, em conjunção, amor do ensino, sen-

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tido da comunidade escolar, saber aplicado e variado, consciência do homem potencial que existe sempre em cada aluno quando colocado na escola e em frente do mestre.
E encontrou-se gente, criou-se estímulo profissional, não se deu azo à radicação de pessoal mercenário, lançaram-se campanhas de sedução de mestres, gastou-se dinheiro que entrou no capital moral das respectivas nações, interessaram-se as famílias, e a instrução e a educação foram tidas por bens colectivos a que ninguém podia ser estranho ou indiferente.
Claro que os países a que me refiro têm as suas crises, também têm juventude desorientada, mas souberam restaurar um padrão docente que os recolou no âmbito das suas tradições pedagógicas e no alto nivelamento das suas práticas docentes.
Sr. Presidente: Não temos professores suficientes, não podemos tê-los em breve prazo, mas também não podemos perder tempo em procurá-los e formá-los quanto antes. Terá assim o Ministério das Finanças de abrir a bolsa e o Ministério da Educação de abrir o âmbito das suas largas ambições para estudar a solução exacta e mandar ver o que se faz, nesses domínios, lá onde a experiência venceu problemas com os quais nós nos vemos agora assoberbados. É, pois, um problema de abertura: nem para a direita, nem para a esquerda. Para a frente, que é para onde caminham os homens e as nações orgulhosas e ambiciosas, da sua história civilizadora e do seu programa espiritual e moral.
Sr. Presidente: Afloro, agora, o meu terceiro tema: o ensino no ultramar e suas implicações com o ensino metropolitano, e logo me surge uma consideração que julgo essencial. A íntima, rápida e permanente cooperação, colaboração, coordenação de ideias e de acções, unidade de pensamento mesmo na diversidade de situações, que se impõe entre os dois departamentos do Estado. Se ainda continuamos a pensar que a educação tem de ser iminentemente nacional, pois aí estará agora o verdadeiro sentido nacional da educação a que ninguém pode pôr peias ou entraves, nem descuidos, nem atrasos.
Tem sido prodigioso o esforço do Ministério do Ultramar nos domínios do ensino, tão grande que assusta pela crise enorme de crescimento a que está sujeito tudo aquilo que cresce desmesuradamente e depressa. Mas vê-se que há consciência disso e tenta-se de todo o modo procurar as soluções possíveis e dar as instruções convenientes a quem in loco tem de cumpri-las. Além, no entanto, serão ainda mais agudos os problemas de excesso de alunos e de carência de professores. Aqueles têm de ser ensinados com toda a competência e intensidade para que se não sintam frustrados, nem os melhores nem os piores, com as consequências que a experiência de outras regiões de África já nos ensina.
No que respeita aos professores, há que formá-los ali mesmo, nos Estudos Gerais, pela aquisição do saber, na austeridade social para aquisição da virtude, na preparação pedagógica pela coragem de ir lá mesmo ministrar as respectivas ciências preparatórias e lá se realizarem os próprios estágios e Exames de Estado, pois muito provável é que os possíveis candidatos os não possam seguir na metrópole, até por falta de meios para deslocação e estadas longas. Claro que vejo a dificuldade do problema, mas ninguém pode ignorar que quando os militares dão por finda a sua missão se organiza a vida civil à volta dos interesses, e estes não poderão, na via espiritual, senão girar e evoluir em torno da Igreja e da escola, em volta dos sacerdotes e dos professores que têm de ser, ali mais do que em parte alguma, portugueses de pura lei e intensas almas de educadores. Às necessidades reais juntar-se-ia o estímulo, e se todos somos portugueses de modo igual dentro da Nação Portuguesa, não há-de esquecer-se que as dessemelhanças individuais são inequívocas, várias as idiossincrasias no complexo ultramarino e que os modos de ensinar e de aprender são - variáveis de indivíduo para indivíduo, de continente para continente, de raça para raça. São factos naturais de observação e experiência e para eles há que preparar-se, naturalmente.
Dir-me-ão que ando nas nuvens, se conhecendo as dificuldades daqui procuro agravá-las além; se sabendo que dos 23 liceus ultramarinos alguns há que não têm um só professor diplomado com Exame de Estado, se não tendo a maioria deles vice-reitores ou ao menos aquele pequeno grupo pedagógico-administrativo que orienta o ensino e realiza as tarefas administrativas convenientes, como se poderá alcançar o que preconizo?
Pois, senhores, mobilizando a Nação em peso, e não apenas a juventude apta a morrer pela Pátria. Não valerá talvez nada a pena de morrer pela Pátria se a não soubermos ou quisermos manter, para além da guerra, mais viril, mais unificada e mais consciente de si mesma.
Quando há pouco votámos a Lei do Serviço Militar, sempre me pareceu, com alguma melancolia, que deveríamos antes ter discutido e votado uma lei sagrada do serviço nacional a que todos fossem chamados nas tarefas, nos sacrifícios, nas responsabilidades, na contribuição pessoal e material, enfim, na consciência perfeita de que esta guerra não é um simples desenrolar de acções militares para vencer o terrorismo, mas um acto colectivo dos Portugueses para guardarem a própria Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E que diremos dos livros de texto e dos pontos dos exames escritos? Repetimos: a Nação é una, mas as necessidades e as circunstâncias são variáveis! Colabora o Ministério do Ultramar na feitura dos livros escolares e na organização dos pontos de exame? Julgo saber que não, e se o meu juízo é certo, o caso está erradíssimo, como errada está a posição relativa da disciplina de Português no currículo dos estudos liceais ultramarinos. Sempre pensei que a disciplina da língua pátria, bem como a Matemática, devia ser inserida, no curso dos estudos, de princípio a fim, qualquer que fosse o destino que os alunos houvessem de vir a dar aos seus estudos superiores. Não estaria uma tal medida indicada no desenvolvimento de todo o ensino médio do ultramar? Lá, onde aparecem armas de todas as proveniências, fosse essa a nossa arma preponderante, exclusiva se pudesse ser, pois a língua portuguesa teve sempre o condão de levar consigo alma de Portugal que se não extinguiu e espírito de português que a tudo tem sobrevivido.
Sr. Presidente: O Ministério da Educação Nacional está agora colocado numa situação de extrema responsabilidade e de incalculáveis possibilidades futuras, tanto para a metrópole como para o ultramar. Quero referir-me à criação do ensino primário complementar (5.ª e 6.ª classe) e do ciclo preparatório do ensino secundário. Pode e deverá estar aí a raiz de uma futura estruturação escolar prática e realista, sem a rigidez das reformas muito estudadas e pouco ou nada experimentadas, legalistas e teorizantes, portanto.
No caso do ultramar, permitir-me-ia pedir a atenção para um pormenor que não é tão insignificante quanto

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pode parecer. Não havendo ensinança de nenhuma língua viva no curso complementar e devendo este ser, democraticamente, tão extensivo quanto possível, ele será no ultramar motivo de discriminação, pois os seus normais utentes serão os nativos, aos quais fica vedado o acesso ao ensino secundário por carência de uma disciplina que, nas pequenas localidades, poderá não haver quem a leccione ou então o faça de maneira onerosa e, portanto, impossível.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Problema secundário? Talvez, mas nesta matéria creio não haver pormenores despiciendos e julgo que se encontrará solução justa e adequada, tanto na metrópole como no ultramar, mas parecendo-me que no ultramar o caso se reveste de aspectos políticos que não podem ser esquecidos nem desleixados.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Os meus colegas do ultramar estarão nesta matéria bem mais esclarecidos do que eu (não apoiadas), mas apraz-me render aqui homenagem à emoção pedagógica, à clarividência dos altos responsáveis dirigentes e dos serviços e à cristalina consciência que, no Ministério do Ultramar, existe e se demonstra em relação aos problemas educativos.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - «O futuro das pátrias depende essencialmente dos educadores», disse-o há dias o Sr. Subsecretário de Estado da Administração Ultramarina, e acrescentou:

Temos feito um esforço enorme na valorização e divulgação do ensino no ultramar e continuaremos a procurar resolver os mil problemas criados por aquilo a que já se chamou, com propriedade, a explosão da educação.

E o Ministro, que é um mestre, um pedagogo, um homem de acção e de trabalho incansável e imperturbável, fazendo há tempos um sintético balanço da actividade do seu Ministério no sector da educação, disse:

Prosseguiremos tendo sempre presente que não podemos perder tempo e que a nossa obra será defeituosa se não obedecer à preocupação de dar à juventude uma formação integral, dotando-a dos conhecimentos necessários para a luta pela vida, mas formando-lhe também, o carácter à luz dos princípios da moral, insuflando nela as virtudes cívicas, robustecendo-lhe o corpo, para fazer de cada criança, de cada jovem, um elemento útil e consciente da comunidade portuguesa.

Eu sei, Sr. Presidente, que divaguei por longe dos limites do aviso prévio, mas quis de propósito desprender-me de uma possível deformação profissional e quis falar em termos de política da educação sob alguns dos seus aspectos que tenho por fundamentais.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Já disse, e repito agora, que dou todo o meu apoio e franca anuência às linhas directivas e às soluções tão conscientemente traçadas e propostas no lúcido trabalho do Sr. Deputado Vaz Pires. Aqui tem o meu ilustre colega, na Câmara e no professorado, a camaradagem de uma voz envelhecida, o acordo de sentimentos de quem já viveu os mesmos problemas, a solidariedade um tanto céptica de quem já teve as mesmas ilusões.
Estou desde há muito convencido de que o povo português não tem nem cabeça nem alma pedagógicas. E individualista, errante, aventureiro, imediatamente interessado, dócil mas impaciente, lírica e sensualmente amoroso, mas socialmente humorista e crítico. Ora, a pedagogia é amor, é sentido de comunidade, é acção e paciência, é dádiva e sacrifício, ansiosa na idealização mas lenta nas formas de agir, é, enfim, uma coisa séria que para o ser não precisa de abdicar do bom humor nem da alegria constante de ter sempre confiança em si mesma e sempre esperança no aperfeiçoamento espiritual, moral, intelectual e físico daqueles a quem se aplica e para quem trabalha.

O Sr. Veiga de Macedo: - Muitíssimo bem!

O Orador: - O povo português é ansioso e rápido, não tem empenho nem paciência para esperar muito tempo e isso, que tem sido por vezes fonte de grandes virtudes, é, em matéria de educação, um defeito regressivo e os resultados, penso eu, estão aí bastante bem à vista. Um povo que vive de esperança e não sabe esperar, que criou o mito sebastianista e não há modo de convencer-se de que o trabalho escolar é duro, longo, perseverante e totalitário, no sentido nobre e perfeito do termo, isto é, exige a confiança, a esperança e a paciência de todos, o trabalho exaustivo de todos.
Num recente discurso, o ilustre Ministro da Educação Nacional, Prof. Galvão Teles, disse ao País:

Decerto, senhores, se continuará a trabalhar, estudando e realizando, porque assim o exigem os altos desígnios em que se está empenhado de dar cada vez mais ensino a mais portugueses.

Muito bem, Sr. Ministro, nós só acrescentaríamos, com a devida vénia e respeito, a tão altos desígnios, uma pequenina anotação que é, aliás, um grande mandato imperativo de quem superiormente nos governa: Mais ... e melhor!
Por aqui nos podíamos quedar, sem excesso de pessimismo e sem optimismo real e imediato. Mas já seria injustiça descabida e omissão imperdoável não referir a notável comunicação ontem feita pelo Sr. Ministro da Educação Nacional aos órgãos de informação, a propósito dos problemas da educação no III Plano de Fomento. Pomos de lado os aspectos financeiros, administrativos, de obras públicas e de fomento material. Tudo isso só obriga nos aspectos externos, mas pode não resolver nada nos aspectos internos do problema em causa.
Retemos, porém, alvoroçadamente, duas afirmações substanciais do Prof. Galvão Teles. Uma: a de que «... em breve serão anunciadas as actividades extraordinárias de carácter pedagógico, científico e cultural». Outra:

Os investimentos devem concretizar-se sobretudo em pontos estratégicos, definidos em conformidade com critérios prioritários. Entre estes avultam estudos de planeamento e sobre a definição dos grandes princípios orientadores da política educativa, em geral, e da política científica, em particular, revisão e aperfeiçoamento das infra-estruturas técnicas e administrativas de natureza educacional, formação, actualização e aperfeiçoamento de professores e in-

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vestigadores e dos agentes daquelas infra-estruturas, revisão e aperfeiçoamento do sistema escolar, acção social escolar, renovação de instalações e apetrechamento.

Bem haja, Sr. Ministro, ao pôr o seu talento, o seu entusiasmo e a sua capacidade de trabalho ao serviço de uma causa que precisa de dinheiro - e agora o tem! -, mas precisa, acima do dinheiro, de uma alma, de uma consciência, de um amor, de um sentido das realidades de que V. Ex.ª, uma vez mais, deu prova. Deus o ilumine no seu caminho, e se a Assembleia Nacional, neste aviso prévio e em outras circunstâncias, tem corajosamente exposto apreensões, discordâncias, críticas e até desilusões, pensamos nós agora que o Ministério da Educação Nacional vai ter tanto heroísmo e decisão nas suas actividades quanto são grandes o exemplo e as exigências da juventude que se bate em África e daquela outra que se apronta para render a guarda mas exige que a retaguarda só tenha os olhos postos na continuidade definida e no progresso indefinido da Nação Portuguesa. Este aviso prévio pode, assim, terminar no alvoroço esclarecido de uma grande esperança!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Braamcamp Sobral: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No curto período de quatro anos, é esta a terceira vez que a Assembleia Nacional debate interessadamente temas de educação, apresentados em aviso prévio. E uma demonstração concludente da muito especial atenção que os problemas respeitantes à formação da nossa juventude merecem ao segundo órgão da soberania nacional. Este facto constitui, por isso, também um valioso exemplo de bem servir a Nação, que me honro de sublinhar.
O Sr. Deputado Vaz Pires, com saber de experiência feito, trouxe agora à nossa apreciação uma objectiva análise de questões várias, que se interligam na problemática do ensino liceal a cargo do Estado.
Nada é necessário dizer acerca do interesse e da oportunidade deste aviso prévio. Um e outra são evidentes. E, por isso, de justiça agradecer ao ilustre Deputado avisante a sua iniciativa e felicitá-lo por ela, e ainda pela clareza e profundidade da sua exposição. Faço-o manifestando-lhe ao mesmo tempo, e uma vez mais, o meu muito apreço pelas suas múltiplas qualidades que tão generosamente tem sabido pôr ao serviço desta Câmara.
Penaliza-me não poder acompanhar esta manifestação de apoio à justa cruzada a que V. Ex.ª meteu ombros com uma contribuição condigna do seu trabalho e daqueles que antes de mim foram apresentados nesta tribuna. Estou, contudo, presente principalmente para vos dizer que compartilho inteiramente das apreensões que aqui foram reveladas sobre o ensino liceal, e compartilho também dos votos já formulados para que o Governo não demore as decisões que sobre este assunto, desde há muito tempo, se vêm apresentando como necessárias e prementes.
Para além deste propósito, a minha intervenção neste debate só poderá ter algum valimento pela circunstância de ter sido há anos (infelizmente não poucos) aluno de um liceu e ser actualmente pai e encarregado de educação de oito alunos que recentemente frequentaram ou estão frequentando liceus de Lisboa.
E só esta qualidade permite que me detenha alguns curtos momentos sobre um aspecto da matéria ou análise, que, não estando directamente referido no sumário do aviso prévio, não pode, contudo, estar ausente, e não está, do espírito do seu autor. Refiro-me às relações entre o liceu e a família dos seus alunos.
Decerto ainda muito se poderá dizer sobre o tema escolhido pelo Sr. Deputado Vaz Pires, mas creio, fora de dúvida, que sobre os tópicos básicos do mesmo já foi dito o necessário para que o Governo conheça o pensamento da Assembleia.
Liceus, professores, alunos, programas, livros, horários, material, exames, etc., são alguns títulos de capítulos amplamente desenvolvidos, tendo ficado diagnosticadas as causas dos males que se verificam, e, em muitos casos, registadas também, sugestões válidas para soluções a adoptar.
O Ministério da Educação Nacional que, depois de reorganizada a Junta Nacional da Educação e criado o Gabinete de Estudos e Planeamento da Acção Educativa, ficou, sem dúvida, com melhores e mais seguras possibilidades para estabelecer os seus planos de acção e fundamentar as suas decisões, estará agora, naturalmente, em condições especialmente favoráveis para aproveitar a útil colaboração que a Assembleia Nacional lhe oferece com este debate. Útil e generosa, porquanto não absorveu qualquer verba do seu orçamento.
Mas considero oportuno recordar que, mesmo nas actuais condições, os estudos do Ministério da Educação Nacional continuam a ser afectados pela circunstância de não poder nesses estudos ser devidamente considerado o autorizado parecer dos pais dos alunos.
Ninguém até hoje me explicou cabalmente porque não existe ainda em Portugal, à semelhança do que se verifica em tantas outras nações, uma associação de pais com legal audiência nos departamentos oficiais que sobre os filhos decretam ou decidem.
Mas o que é verdade é que não existe.
Claro está que esta lacuna não afecta apenas as decisões do Ministério da Educação Nacional, mas creio não vir a despropósito referi-la expressamente no debate de um assunto no qual muito especialmente se faz sentir a ausência desta associação.
Mas há, por vezes, situações que são misteriosas ao longo de anos e que de um momento para o outro se modificam. E não esclarecendo o mistério passado deixam, porém, de preocupar-nos pela modificação operada
Estou a recordar-me de uma dessas situações, muito directamente ligada à matéria deste aviso prévio.
Durante sete anos (tantos quantos Jacob serviu Labão, pai de Raquel) tentei por todos os meios pessoais ao meu alcance obter, no Campo de Santana, uma explicação para o facto que eu considerava inconcebível de não haver coincidência nos períodos de férias do Natal e da Páscoa para os alunos dos ensinos primário e secundário. De 1960 a 1967 formulei verbalmente, e muitas vezes, a necessária pergunta a vários responsáveis de diferente nível na escala hierárquica e nunca obtive resposta elucidativa. Quase sempre se limitaram a dizer-me que era muito difícil uniformizar os períodos de férias.
VV. Ex.ªs compreenderão talvez agora melhor porque me referi a este assunto na efectivação do meu aviso prévio, em Janeiro do ano passado, com não disfarçado azedume:
De repente, surge no Diário do Governo, de 17 de Maio de 1967, um decreto-lei com três simples artigos, que resolve o problema com lapidar simplicidade. O mistério da situação passada não se esclarece, mas a questão resolve-se.

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E óbvio que a minha intervenção aqui nada contribuiu para a decisão do Governo, nem as minhas diligências pessoais terão sequer elevado o número das solicitações recebidas no Ministério e que, como se diz no preâmbulo, foram consideradas. Pouco importa! Congratulo-me com a publicação do Decreto-Lei n.º 47 713, e como pai felicito o Governo.
Por capricho do destino, a nova disposição entrou em vigor precisamente no ano em que deixei de ter filhos matriculados no ensino primário.
Não deixo, por isso, de estar feliz, até porque não necessitei, como Jacob, de cumprir mais sete anos de trabalho.
Pelo facto recordado, é de admitir que a possibilidade da criação de uma associação de pais, nos moldes que noutra ocasião já aqui defendi, surja, também, de um dia para o outro.
Deus queira, pois continuo a considerar indispensável que os pais, através de uma representação adequada e legal, possam dar o seu testemunho autorizado e insubstituível sobre questões fundamentais que aos filhos dizem respeito.
E tal testemunho tem muito particular importância, como decerto concordarão, nas questões de educação, entre as quais se inclui a que está sendo objecto de apreciação nesta Câmara.
Sabemos que os pais, por falta de tempo, recursos ou competência, não podem, pessoalmente, desempenhar-se da missão que lhes cumpre por direito indiscutível de educar os seus filhos.
É, pois, natural e lógico que a família chame em seu auxílio alguém apto para dar o ensino educativo que compete à acção dos primeiros responsáveis. E este auxiliar da família é a escola. A escola é, por conseguinte, uma instituição originariamente saída da família e não deve nunca perder esta sua índole de auxiliar e sucursal da família.
O professor, que é a alma e a vida da escola, é, pois, um mandatário da família que nele parcialmente delegou a educação dos seus filhos.
A própria origem etimológica da palavra professor - profari- indica que ele fala em nome de outrem.
Até alguns dos mais audaciosos defensores da escola laica (como Ferry e Briand, por exemplo) concordaram nesta reivindicação dos direitos educativos da família.
Ora, pelo que me tem sido dado observar, esta doutrina, apenas esboçada (pois o seu desenvolvimento ficaria aqui deslocado), ou é ignorada ou caiu no esquecimento da maioria dos agentes de ensino.
E, nos liceus, muito mais que nos estabelecimentos de ensino particular, faz-se especialmente sentir que o exercício da função docente se processa à margem daquela doutrina. E assim é, em grande parte por virtude das enormes dificuldades que se opõem ao necessário e frequente contacto entre os professores e os encarregados de educação; em muitos casos sem grande responsabilidade para aqueles, e por culpa apenas do errado condicionalismo imposto à actividade docente.
Desde 1954 que filhos meus se encontram frequentando liceus nesta cidade de Lisboa.
No decurso destes catorze anos, uma única vez, e bem recentemente, um professor manifestou interesse e desejo de conversar comigo acerca da actividade escolar de um dos meus filhos.
É claro que acorri prontamente ao seu encontro. Como era de prever, foi extraordinariamente proveitosa e construtiva a conversa, e dela muito beneficiámos todos três.
De minha iniciativa, algumas vezes me pareceu extremamente conveniente estabelecer contacto com professores dos meus filhos, mas a circunstância de só poderem estabelecer-se por intermédio de directores de ciclo ou de turma, e segundo horários estabelecidos, a horas a que as minhas obrigações profissionais me impedem normalmente de me deslocar aos liceus, fui forçado a reduzir as minhas diligências a casos excepcionais que me não deixaram, aliás, grande vontade para repetir.
Numa dessas iniciativas fui recebido por um director de ciclo, em audiência colectiva, na companhia de mais dez encarregados de educação.
Com uma paciência nada superior àquela que, na actividade comercial, costumamos ter para os angariadores de publicidade, aquele professor (tido por muitos por um bom pedagogo) despachou em cerca de meia hora todos os consulentes, tomando por vezes vagas notas e mostrando-se sempre apressado.
Em determinada altura, como resposta a um pai que pedia para melhor controlarem a atenção do seu filho nas aulas, pois sabia que ele, por estar numa das últimas carteiras, se distraía na leitura de livros de quadradinhos, respondeu tranquilamente que já tinham desistido de lutar contra essa doença e que os professores não podiam estar a preocupar-se com isso.
E, escolhidos ao acaso, relato agora dois episódios de natureza muito diferente, para decerto modo ilustrar a minha afirmação de que o ensino requer frequente contacto dos pais dos alunos com a escola.
Certo dia, uma das minhas filhas mostrou-me um caderno diário onde uma sua professora tinha escrito uma judiciosa observação sobre o seu aproveitamento e da qual eu devia tomar conhecimento.
Li, apreciei a observação e escrevi no mesmo caderno uma curta e correcta nota, que pensei constituir um esclarecimento útil para a autora da observação.
Pois a dita professora disse simplesmente à minha filha para riscar ou apagar o que eu tinha escrito, ao que a minha filha respondeu que o não faria por considerar essa atitude uma falta de respeito para com o seu pai.
Convocada, dias depois, a meu pedido, para uma reunião comigo, no gabinete da directora de ciclo, a professora em causa não compareceu.
A directora de ciclo, que lastimou as duas atitudes da professora, apresentou-me desculpas e disse-me que trataria do caso e que não me preocupasse mais.
No final desse ano, o caderno diário, onde foram escritas aquelas curtas frases, foi pedido à minha filha, sob pretexto banal, e devolvido no dia seguinte, dele não constando já nem a minha resposta nem a minha assinatura, por terem sido apagadas pela zelosa professora.
Noutro liceu, uma senhora professora, reconhecida muito justamente como uma profissional de bom nível, chegou certo dia com atraso à aula e com aspecto cansado.
Durante largos minutos, e para explicar o atraso, desabafou com os alunos as suas infelicidades, pois estava sem criada e tinha de fazer muitos trabalhos caseiros antes de ir para o liceu.
E tão bem viveu o seu drama que terminou as suas considerações oferecendo, seriamente, um valor suplementar na nota do período ao aluno que lhe arranjasse uma cozinheira.
Não me parece, nos tempos que vão correndo, que tenha sido generosa, mas meu filho, ao contar-me a rir o episódio anedótico, sempre foi insinuando se não seria possível arranjar-se uma cozinheira para a professora, o que me levou a recordar-lhe quais eram os métodos honestos de melhorar as classificações no liceu.

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Este episódio, decerto modo cómico, tem, contudo, como os filmes de Charlot, a sua faceta trágica, que não me passou despercebida e me avivou até o meu sentimento de profunda admiração por tantas professoras e professores que, arrostando com dificuldades imensas que a obsoleta remuneração lhes impõe, se esforçam, apesar de tudo, por prosseguir no exercício da sua nobre missão e por cumprir o melhor que podem e sabem.
Não tive, por isso, coragem de fazer sentir àquela professora, nem ao director de ciclo, o efeito deseducativo da sua insólita e infeliz oferta.
Mas estas e outras erradas atitudes de certos agentes de ensino, quaisquer que sejam as atenuantes possíveis, e que com muita frequência chegam ao meu conhecimento, dificultam extraordinariamente a acção educativa dos pais, que à luz da doutrina cristã, e tendo sobretudo presente o 4.º mandamento, desejam incutir sempre nos seus filhos o tão necessário respeito pelos seus pais e pelos seus professores.
Em contrapartida, chegam ao meu conhecimento com não menos frequência atitudes pouco louváveis de alunos que põem à prova a paciência, a bondade e a firmeza dos professores, reagindo estes de forma a merecer toda a minha consideração e admiração.
E enquanto se não dá o milagre do aparecimento dá uma associação de pais com voz activa na educação estatal, preconizo ao menos que cada liceu procure estabelecer um maior contacto entre professores e encarregados de educação e uma mais íntima colaboração entre uns e outros, de cuja acção conjunta tem de resultar a educação dos alunos.
Todos os anos, quando preencho os documentos para a matrícula dos meus filhos, tenho a ingenuidade de pensar que aquele contacto é, pelos liceus, desejável, tão grande é o interesse que os impressos manifestam em saber o meu nome, a minha morada e o meu número do telefone. Mas, ano após ano, verifico que se trata apenas de burocracia repetida e inútil.
Em Agosto do ano passado tive a paciência de elaborar uma pequena estatística sobre o assunto, que depois mandei ao Ministério da Educação Nacional, por me parecer curiosa.
Soube mais tarde que também no Ministério a acharam curiosa, mas ... ficaram por aí. Por isso, já calculo que para o próximo ano o sistema se manterá. Verificara eu que, para fazer a inscrição de três filhos no mesmo liceu, um no 1.º ciclo e dois no 2.º ciclo, tive de escrever, nos vários impressos que lá entreguei, 51 vezes o meu nome, 71 vezes a minha morada 68 vezes o meu número de telefone e 38 vezes a minha profissão.
Isto, além de todas as outras indicações relativas àqueles três filhos ou a mim próprio, que só tive de escrever uma ou duas dúzias de vezes, o que não merece, por isso, referência especial.
Parecia-me que bastaria haver em cada liceu um ficheiro geral dos alunos, de cujas fichas constassem todos os elementos necessários sobre o aluno e o encarregado da educação.
Mas esta ideia antiburocrática tem, com certeza, muitos opositores.
Não há dúvida nenhuma de que há quem coleccione papéis ou indicações inúteis com o mesmo entusiasmo que outros coleccionam selos ou peças de louça da Companhia das índias.
Mas ao menos que esse gosto pessoal se não cultive à custa do tempo e do trabalho dos outros.
No caso que acabo de referir, coube-me preencher, além do mais, todas as folhas das cadernetas dos professores e nelas colar, evidentemente, as respectivas fotografias.
É uma norma do liceu que, quero crer, se não fundamenta numa exigência dos professores.
Só não escrevi as faltas e as notas, mas se o sistema se mantiver para o ano não terei dúvida em fazer, se mo pedirem, o trabalho completo. Teremos todos, naturalmente, menos preocupações durante o ano lectivo.
Srs. Deputados: Embora alguns reitores e professores, com verdadeiro sentido da sua missão, vejam no pai do aluno o principal responsável pela sua educação, na qual transitória e especificamente o liceu colabora, o que na prática se passa, e dia a dia se observa, leva-me a considerar conveniente que se recorde à generalidade dos responsáveis pelo ensino liceal (visto que é deste ensino que estamos a tratar) que nós, pais e encarregados de educação, não somos meros contratantes que, mediante o pagamento de importâncias legalmente estipuladas, e de outras estabelecidas por decisão dos Exmos. Reitores, adquirimos o direito de serem ensinadas aos nossos filhos as matérias programadas.
A nossa posição é bem diferente e tem de ser entendida como realmente é e atrás se referiu.
E também não é aquela a posição dos liceus. Leccionar matérias programadas é interpretação erradamente rígida da simplicista definição de ensino, que se lê nalguns dicionários.
O ensino dos liceus, para além de uma cultura mínima de base, deve constituir para o aluno um continuado exercício para o raciocínio e, fundamentalmente, uma bem orientada preparação para a aplicação presente e futura da sua inteligência e da sua memória.
O curso dos liceus acaba; o curso superior, que pode seguir-se, também acaba, mas a necessidade de estudar acompanha-nos pela vida fora.
Por isso, para além da missão educativa que os professores devem ter sempre, como base da sua função docente, é preciso ensinar aos alunos a estudar.
Infelizmente, esta preocupação só raramente se revela e por isso, na generalidade dos casos, o estudo torna-se mais penoso e menos proveitoso para os alunos, recaindo sobre os pais, directa ou indirectamente, a tarefa que no liceu devia ser realizada.
Creio bem que já nos bastaria, e isso, sim, compete em primeiro lugar aos pais, a árdua luta diária contra a onda de irresponsabilidade que atinge em regra os adolescentes, o que, agravada com as múltiplas solicitações da hora presente a que estão sujeitos os nossos filhos,- os leva lamentavelmente a estudar menos do que devem, daí resultando numerosas reprovações de que todos somos vítimas.
Sublinho, pois, uma vez mais: sem um perfeito entendimento entre a escola e a família, de que ambas, por se completarem, só podem beneficiar, correm os jovens riscos graves que deviam evitar-se.
Tanto pode a escola destruir, sob o domínio do espírito materialista, o que os pais instilam na alma dos seus filhos, como pode a família, por carência educativa ou maus exemplos, destruir o que penosamente o professor se esforça por construir.
Srs. Deputados: Vou terminar.
Em presença do que tem sido analisado e preconizado neste debate, é-me lícito desejar e prever que no futuro:

A escolha do local de construção dos novos liceus, mercê da carta escolar quase ultimada, obedecerá mais às necessidades escolares das regiões e menos a razões políticas;
As novas condições de admissão, promoção e remuneração dos professores tornarão a carreira docente mais atractiva e prestigiada;

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Os programas serão simplificados e criteriosamente adaptados à mentalidade dos alunos e aos objectivos fundamentais do ensino;
Os exames de admissão ao liceu a à Faculdade serão abolidos;
Os horários serão estabelecidos de forma a obter-se o melhor rendimento possível da utilização dos liceus e da actividade dos professores e alunos;
Os livros oficialmente adoptados obedecerão a moldes didácticos mais aperfeiçoados e serão postos à venda com a oportunidade devida e a preços mais acessíveis;
Os estabelecimentos de ensino particular serão auxiliados pelo Estado, com vista a um maior alargamento do ensino liceal em condições económicamente melhores para os alunos que frequentam aqueles estabelecimentos;
E, finalmente, haverá um frequente contacto entre os corpos docentes dos liceus e os encarregados de educação dos alunos que os frequentam.

Assim, será colocado o ensino liceal a cargo do Estado na situação que lhe permite assumir as responsabilidades que lhe são inerentes, situação da qual, e por carências múltiplas, se encontra extraordinariamente afastado.
Embora alguns cépticos possam pensar que eu terminei as minhas considerações com a síntese de um sonho, permito-me sublinhar que elas deverão entender-se como uma síntese, aliás incompleta, daquilo que neste sector da instrução tem de fazer-se.
E o que tem de ser, diz o povo, tem muita força.
E ainda de ter presente a circunstância de o ensino liceal com toda a gama de graves problemas, ser apenas uma alínea do vasto sumário que mencione todos os graus e todas as espécies de ensino.
A tarefa a realizar no sector da instrução é, portanto, de grandes dimensões. Mas nunca em Portugal deixámos de enfrentar corajosamente as grandes realizações, quando as mesmas são consideradas indispensáveis e indiscutíveis quanto aos seus objectivos. E eu não tenho dúvidas de que a Nação está perfeitamente compenetrada da grandeza e da premência desta tarefa e, portanto, realizá-la-á.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para encerrar o debate o Sr. Deputado Vaz Pires.

O Sr. Vaz Pires: -Sr. Presidente: Durante duas semanas e em dezanove comunicações feitas desta tribuna assistiram VV. Ex.ªs e toda a Assembleia Nacional ao debate de problemas respeitantes ao ensino liceal a cargo do Estado. Pelo número e pelo alto nível das comunicações feitas após a efectivação do aviso prévio, do interesse geral que rodeou o tratamento deste problema, da repercussão do mesmo em todo o País, de modo especial no meio liceal, e da larga difusão, a todos os títulos excelente, pontual e ordenada, que a impresa, a rádio e a televisão quiseram dar-lhe durante todo este tempo, poderemos certamente concluir que o ensino liceal é um problema nacional que muito preocupa o País e que todos gostariam ver resolvido, e que a apresentação deste assunto à discussão nesta Assembleia se revestiu de evidente oportunidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se assim não fosse e se a defesa do prestígio do ensino liceal não tivesse lugar entre as causas justas, estaria eu aqui agora a lamentar o tempo perdido, o esforço baldado, a paciência desperdiçada.
Assiste-me, todavia, a convicção de que o tempo foi bem aproveitado, o esforço teve pleno êxito e a paciência aplicação generosa. E por isso que as primeiras palavras desta minha última comunicação, que, suponho encerrará a discussão do assunto nesta Câmara, são de agradecimento e agradecimento muito sincero:

A V. Ex.ª, Sr. Presidente, pela maneira sábia, ao mesmo tempo firme e compreensiva, como dirigiu todas as sessões em que o aviso prévio foi debatido;
Aos Srs. Deputados que quiseram apresentar comunicações sobre o problema, em manifestação amiga do seu espírito de colaboração para com o Deputado avisante, e cujos nomes ilustres eu gostaria de deixar aqui mencionados: Pinto de Meneses, Peres Claro, Valadão Santos, António Cruz, Henriques Mouta, Elísio Pimenta, Marques Teixeira, José Alberto de Carvalho, Pais Ribeiro, Santos da Cunha, D. Sinclótica Torres, Barros Duarte, Paixão Fernandes, Araújo Novo, Pinto de Mesquita, Braamcamp Sobral, D. Custódia Lopes e José Manuel da Costa, a cujo saber, experiência e labor este aviso prévio fica devendo o interesse que suscitou;
A todos os outros ilustres Deputados, aos quais ficamos a dever a boa vontade, a atenção e a paciência com que assistiram ao longo debate;
À rádio, à televisão e à impresa, pela amabilidade, prontidão e carinho com que souberam levar a toda a parte as notícias da apresentação e da discussão do nosso problema e despertar o interesse e a solidariedade de inúmeras pessoas de todos os pontos do País;
Bem hajam todos por esta admirável manifestação de amizade e espírito de colaboração que em mim calarão fundo para sempre.

Estivemos, pois, empenhados na discussão de um assunto que interessa praticamente a todos, pois que, directa ou indirectamente, raras são as famílias - ao menos as que vivem em localidades onde se ministra o ensino liceal - que não tenham qualquer ligação com esta actividade.
De modo geral, suponho poder afirmar que as comunicações dos ilustres Deputados que intervieram no debate não contrariaram a linha de pensamento expressa no texto do aviso prévio, donde se conclui que o ensino liceal constitui problema de facetas claras que não deixam dúvidas a ninguém. Produziram-se afirmações que praticamente foram confirmadas ou aceites por todos, de tal modo elas não admitem contradição.
Porque se operaram modificações profundas na vida do homem nos últimos vinte anos, e tão variadas foram as conquistas da ciência e as consequências do último conflito mundial, uma reforma pedagógica publicada há vinte anos há-de carecer, necessariamente, de revisão e actualização. E essa a grande necessidade que quereríamos apontar através do aviso prévio, pelo que tivemos a preocupação de mostrar as modificações profundas que se operaram nas circunstâncias em que se vem realizando o ensino liceal desde o ano da reforma até ao presente, modificações que dizem respeito aos serviços centrais, aos tipos de liceu, às condições de trabalho dos professores, ao plano de estudos, aos programas, às necessidades de instalação do serviço docente, ao aproveitamento dos edifícios existentes e à construção de outros, ao apetrecha-

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mento dos gabinetes, às tarefas de direcção, à vida escolar dos alunos e às condições sociais dos mesmos, aos serviços de secretaria, modificações que de algum modo se ligam àquelas duas grandes realidades que na sua evolução se têm acompanhado em contraste verdadeiramente preocupante: o aumento progressivo do número de alunos e a diminuição também progressiva do número de professores diplomados.
Estruturas criadas há vinte anos para servirem o ensino liceal e que ainda não sofreram alterações no sentido de as ajustar às novas necessidades e exigências deste sector da vida nacional não aguentam por mais tempo o peso de um trabalho que, no seu conjunto, quase quadruplicou, e exigem revisão, reestruturação e actualização imediatas, sem o que, como é evidente, resultarão prejuízos inevitáveis para o serviço e para todos os que dele esperam eficiência e pontualidade.
Por isso não hesitámos em apontar as circunstâncias precárias em que se realiza a própria actividade dos serviços centrais do ensino liceal - a Direcção-Geral do Ensino Liceal e a Inspecção -, cuja reestruturação e adaptação às novas exigências do serviço se nos afiguram imprescindíveis e inadiáveis; e fizemos até sugestões que nos pareceram razoáveis sobre o modo como é possível proceder a essa reestruturação.
Sobre os tipos de liceus salientámos - o que, aliás, foi corroborado pelos ilustres Deputados que se referiram ao assunto - a vantagem de todos os liceus mistos terem um quadro docente masculino e um quadro docente feminino, solução que seria francamente justa, já que a população liceal tem mais raparigas do que rapazes, já porque as senhoras procuram mais a actividade docente liceal do que os homens.
O problema dos exames liceais e a sua simplificação, isto é, a conveniência que haveria no estudo da possibilidade de maior número de alunos vir a ser total ou parcialmente dispensado das provas de exame, também não suscitou divergência de opiniões durante o debate. É, na verdade, regalia que todos consideramos justa e desejável.
Sobre a dispensa do exame de aptidão à Universidade não se ouviram aqui vozes discordantes. Na verdade, não se vê justificação capaz para um sistema de trabalho que obriga os alunos a sujeitarem-se, dentro do mesmo mês, a um segundo exame sobre as mesmas matérias em que já foram examinados e aprovados num primeiro exame, antes isso nos parece uma violência de que resultam vários inconvenientes e nenhuma vantagem.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Também não se notaram discordâncias sobre a necessidade imperiosa de se fazer a revisão e a adaptação às circunstâncias presentes das condições de concessão da isenção de propinas e das bolsas de estudo e de se proceder à instituição do seguro social. Nada justifica, na realidade, que a isenção de propinas e as bolsas de estudo assentem em bases antiquadas para o cálculo da carência de recursos, que o quantitativo das bolsas de estudo seja o mesmo que era há 35 anos e que o número de bolsas de estudo que o Ministério da Educação Nacional directamente pode conceder seja o mesmo de há 20 anos, agora que a população escolar dos liceus é quatro vezes superior.
Também foram concordantes as vozes que aqui se fizeram ouvir relativamente ao melhor aproveitamento dos edifícios liceais existentes - enquanto não é possível construir outros - para acolher os alunos que neles desejam matricular-se, dando preferência à organização do serviço docente com desdobramentos, assim como quanto à necessidade de se manter sempre actualizado, em qualidade e em quantidade, o material didáctico de cada liceu.
A medicina escolar mereceu especial atenção durante o debate. O ilustre Deputado Pais Ribeiro fez sobre este assunto brilhante comunicação. Em nada foi contrariada a afirmação da necessidade de melhorar as condições de trabalho e de remuneração dos médicos escolares, com vista a resolver o grave problema da falta de médicos em serviço nos liceus, e também da necessidade de cada médico escolar ser auxiliado por uma assistente social ou visitadora escolar para melhor se defender a saúde física e moral dos alunos.
Também sobre o trabalho das secretarias dos liceus e a necessidade de urgente actualização dos quadros daqueles serviços e da criação de melhores condições de trabalho dos funcionários respectivos não houve opiniões divergentes a registar.
Sobre a preparação e recrutamento dos professores dos liceus do ultramar reconheceu-se, também sem discordâncias, a vantagem de o Ministério do Ultramar, com 23 liceus a seu cargo, ter, talvez, dois liceus normais, um em Angola e outro em Moçambique, até para evitar que os portugueses nascidos naquelas províncias, e que nelas podem fazer os seus cursos de escola primária, liceu, Universidade, e aí desejem exercer o magistério liceal, tenham de deslocar-se ao continente só para fazerem o estágio pedagógico.
Quanto ao plano de estudos, considerámos o facto de o curso liceal dever passar, em futuro próximo, a ser constituído só por dois ciclos, uma vez que o actual 1.º ciclo será substituído pelo ciclo preparatório do ensino secundário.
Para o primeiro desses dois ciclos, que deverá corresponder ao actual 2.º ciclo, aconselha-se o regime de classe, já em vigor, com vista a aquisição de uma cultura geral, mas para alcançar esse objectivo afigura-se-nos de inegável vantagem a introdução do latim em todos os anos deste ciclo e a aquisição de melhores conhecimentos sobre a língua pátria e a história da arte.
Para o segundo desses dois ciclos, que deverá corresponder ao actual 3.º ciclo, parece ser imprescindível o regime de disciplina, já que este ciclo não pode deixar de ser preparatório dos cursos superiores - o ensino liceal é o único ensino que prepara para as Universidades! Sobre a estrutura deste ciclo formularam-se duas opiniões que não coincidem: uma, a que chamarei solução A, aconselhando o regresso ao estabelecimento de dois únicos grupos de disciplinas (Letras e Ciências); outra, que designarei por solução B, apoiando a constituição de vários grupos de disciplinas, como agora sucede, com vista à preparação directa para o curso superior preferido.
Temos aqui um problema de importância incontestável.
A solução A - regresso aos dois grupos de Letras e Ciências - foi perfilhada sem hesitação pelo ilustre Deputado Pinto de Meneses, que lhe reconhece a vantagem de não apressar tanto a escolha definitiva do curso superior.
Agora vejamos: Supomos que está no espírito de todos que as disciplinas de Filosofia e Organização Política e Administrativa da Nação sejam obrigatórias para todos os alunos do 6.º e 7.º anos. Se, como julgamos de evidente vantagem, o Português passasse a ser também obrigatório para todos, haveria três disciplinas comuns a todos os alunos do 3.º ciclo: o Português, a Filosofia e a Organização Política; o grupo de Letras teria mais, talvez, o Latim, o Alemão e a História; o grupo de Ciências teria mais, possivelmente, as Ciências Naturais, as

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Ciências Físico-Químicas e a Matemática. Isto para cada aluno ter só seis disciplinas diferentes, como agora sucede, visto que maior número de disciplinas implicaria diminuição do número de aulas de cada uma delas, e assim ficaria prejudicado o início de especialização que deve caracterizar a aprendizagem neste ciclo.
Mas então desapareceria dos programas do 3.º ciclo, que não pode, de modo algum, perder o carácter de preparatório da Universidade, o estudo de cinco disciplinas que agora se aprendem: o Grego, o Francês, o Inglês, a Geografia e o Desenho. E o liceu poderá dispensar-se de ensinar estas disciplinas no curso complementar que é especificamente pré-universitário? Mas então quem é que há-de ensinar o Desenho aos futuros estudantes de Belas-Artes e Engenharia? E quem há-de ensinar o Grego aos futuros estudantes de Filologia Clássica, o Francês aos de Filologia Românica, o Inglês aos de Filologia Germânica, a Geografia aos de Ciências Geográficas? Ora, o liceu é a única escola preparatória da Universidade: então nós queremos que o liceu prepare ou também achamos bem que não prepare?
Na minha opinião, pois, a solução A - regresso aos dois grupos de Letras e Ciências - seria, na verdade, um regresso, mas um regresso desaconselhável.
A solução B, agrupamento das disciplinas em vários grupos, à semelhança do que presentemente está em vigor de acordo com os cursos superiores que os alunos pretendem seguir, é o único sistema que, criando facilidades aos alunos, permite que o liceu cumpra, através do seu 3.º ciclo, a função que a lei lhe confere de única escola preparatória da Universidade. Mesmo que o Português, a Filosofia e a Organização Política sejam comuns a todos os grupos de disciplinas, como me parece de toda a vantagem, é perfeitamente possível que os alunos do 6.º e 7.º anos aprendam no liceu todas as disciplinas que mais lhe interessem para o curso superior que escolherem.
Quanto a nós, como já dissemos ao efectivar o aviso prévio, damos inteiro apoio a esta última solução, que foi uma das grandes virtudes da reforma de 1947.
Relativamente ao problema dos professores, ou melhor, da falta de professores diplomados, o mais grave de todos os problemas do ensino liceal, todas as muitas vozes que aqui se ergueram a tal respeito foram unânimes em afirmar que o número de professores existentes é muito inferior ao que seria necessário para atender a população escolar existente, e que não se deseja hoje ser professor do liceu; e todas essas vozes sublinharam a urgente necessidade de criar novas e mais fáceis condições de acesso à carreira de professor e mais compensadoras condições para o exercício desta profissão, que só deverá ser confiada a pessoas competentes e a todos os títulos idóneas para cargo de tal importância. E fizeram-se sugestões concretas para atingir estes objectivos: simplificação dos cursos universitários de Letras; admissão ao estágio pedagógico sem exame; redução do serviço de estágio para um ano lectivo; serviço de estágio remunerado; extinção da categoria de professor agregado; alongamento da carreira de professor até à 3.ª diuturnidade; contagem, para efeito de diuturnidade, de todo o tempo de serviço; e, de modo especial, revisão e racionalização dos vencimentos e gratificações dos professores.
Queria agora, Sr. Presidente, pedir licença para entregar a V. Ex.ª uma moção sobre o assunto que acabámos de debater.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: -Não há mais nenhum orador inscrito, pelo que está concluído-o debate relativo ao aviso prévio sobre o ensino liceal a cargo do Estado.
Vai ler-se a moção que o Sr. Deputado Vaz Pires acaba de enviar para a Mesa.

Foi lida. É a seguinte:

Considerando a excepcional importância que o ensino liceal tem para o desenvolvimento do País, não só como escola de preparação para a vida, mas também como estudo preparatório de cursos do ensino médio e do ensino universitário;
Considerando que a reforma do ensino liceal em vigor data de 1947 e que, entretanto, se operaram modificações profundas, sobretudo como consequência das inúmeras conquistas levadas a efeito no campo da ciência e nos métodos de transmissão dos conhecimentos;
Considerando que o próprio funcionamento dos serviços de ensino liceal em muito se têm modificado, como consequência do aumento salutar mas extraordinário da população escolar;
Considerando, finalmente, como imprescindível a revisão profunda e o ajustamento às novas realidades de todos os serviços que dizem respeito ao ensino liceal;
A Assembleia Nacional emite os seguintes votos:

De que se reformem e actualizem com a maior brevidade os serviços da Direcção-Geral do Ensino Liceal e da Inspecção do Ensino Liceal, dando-lhes nova estrutura e ajustando-os às prementes necessidades deste grau de ensino;
De que se criem novos liceus onde a população escolar o justifique, quer dotando certas localidades deste grau de ensino, quer descongestionando certos liceus que presentemente têm excessiva população escolar, e que se proceda à revisão e actualização dos quadros docentes dos liceus, considerando a absoluta necessidade de estabelecer em todos os liceus mistos um quadro docente masculino e um quadro docente feminino;
De que se proceda à revisão do plano de estudos do ensino liceal, actualizando e simplificando os programas e mantendo, por mais aconselháveis, o regime de classe no 2.º ciclo e o regime de disciplina no 3.º ciclo, examinando ao mesmo tempo a eventual conveniência do estudo do latim a partir do 2.º ciclo e introduzindo o estudo do português para todos os alunos do 3.º ciclo;
De que se revejam as condições de frequência escolar dos alunos, se simplifique o serviço de exames, se actualize o regime de concessão de isenção de propinas e bolsas de estudo e se proceda à revisão das condições em que devam realizar-se os serviços da medicina escolar para defesa eficiente da saúde física e moral dos alunos;
De que se atente na indispensabilidade da criação, dentro do ensino liceal, de um serviço de orientação profissional que permita encaminhar os alunos com mais segurança segundo as suas verdadeiras aptidões e tendências e de acordo com as necessidades do País;

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De que, com toda a possível urgência, se dê solução adequada ao mais grave de todos os problemas do ensino liceal - a falta de professores diplomados.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 14 de Fevereiro de 1968. - O Deputado, Martinho Cândido Vaz Pires.

O Sr. Presidente: - Ponho em discussão a moção.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra sobre a moção, vai votar-se.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.

Amanhã haverá sessão à hora regimental, tendo por ordem do dia o início da discussão da Conta Geral do Estado das províncias ultramarinas e da Junta do Crédito Público.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Calheiros Lopes.
Arlindo Gonçalves Soares.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Francisco José Roseta Fino.
Gustavo Neto de Miranda.
Hirondino da Paixão Fernandes.
James Pinto Bull.
João Duarte de Oliveira.
José Alberto de Carvalho.
José Dias de Araújo Correia.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Fernando de Matos.
Francisco José Cortes Simões.
Gabriel Maurício Teixeira.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Jaime Guerreiro Rua.
Joaquim de Jesus Santos.
José Coelho Jordão.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Henriques Mouta.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Correia.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Rafael Valadão dos Santos.
Tito Lívio Maria Feijóo.

O REDACTOR - António Manuel Pereira.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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