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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 140
Ano de 1968 24 de Fevereiro
ASSEMBLEIA NACIONAL
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 140 EM 23 DE FEVEREIRO
Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo
Secretários Exmos. Srs. Fernando de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 2O minuto».
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Tito Limo Feijão referiu-se à viagem do Sr. Presidente da República á província de Cabo Verde, pondo em relevo o entusiástico acolhimento de que foi alvo por parte das populações locais.
O Sr. Deputado Âguedo de Oliveira fez considerações sobre alguns desregramentos do trânsito automóvel, acentuando o perigo que constituem para a vida dos cidadãos.
O Sr. Deputado Pais Ribeiro tratou da problemática de que se rodeia o aproveitamento do material lenhoso da bacia do Tâmega.
O Sr. Deputado Gonçalo Mesquitela assinalou a morte do comandante Correia de Barras, antigo governador-geral de Moçambique, fazendo o seu elogio.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sobre as contas gerais do Estado (metrópole e ultramar) e as contas da Junta do Crédito Público relativas a 1966.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Pacheco Jorge, Calapez Garcia e Mário Galo.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam as seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
André da Silva Campos Neves.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Anulo Santos da Cunha.
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António Moreira Longo.
Artur Âguedo de Oliveira.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Gonçalo Castelo Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Horácio Brás da Silva.
James Pinto Buli.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
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João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José Pais Ribeiro.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Raul Satúrio Pires.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Sebastião Alves.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 68 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 50 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofício da Secretária-Geral da Presidência do Conselho informando que o Tribunal de Contas proferiu, em sessão de 9 de Fevereiro corrente, a declaração geral de conformidade sobre a Conta Geral do Estado (metrópole) respeitante ao ano de 1966 e, em sessão de 16 de Fevereiro corrente, a declaração geral de conformidade sobre as contas gerais das províncias ultramarinas relativas ao mesmo ano.
Telegrama do Engenheiro Manuel Veloso, de Lourenço Marques, apoiando a última intervenção do Sr. Deputado Satúrio Pires.
O Sr. Presidente: -Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Tito Lívio Feijóo.
O Sr. Tito Lívio Feijóo: -Sr. Presidente: Regressei há pouco mais de duas horas de Cabo Verde, aonde me havia deslocado, a convite do Governo da província, a fim de fazer parte da comitiva que acompanhou o. venerando Chefe do Estado na recente visita a cada uma das ilhas do arquipélago.
Tive já o prazer de saber da forma apoteótica como S. Ex.ª foi recebido nesta cidade de regresso da triunfal e já histórica viagem que acabou de realizar e sei que todos os portugueses, quer residentes nos diferentes territórios nacionais espalhados pelo Mundo, quer mesmo no estrangeiro, foram diariamente informados, através da imprensa, da rádio e da televisão, do brilhantismo e do entusiasmo eminentemente patriótico com que decorreu a autêntica peregrinação realizada, primeiramente à Guiné e em seguida às terras de Cabo Verde.
Na antevéspera da partida do ilustre Presidente para a auspiciosa visita tive ocasião de me referir, nesta Assembleia, ao transbordante entusiasmo que se alastrou por todos os recantos do portuguesíssimo arquipélago Cabo-Verdiano quando foi conhecida a notícia da viagem presidencial. E, agora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, posso aqui afirmar, depois de ter presenciado de perto toda a ,magnitude da calorosa recepção que em todas as ilhas lhe foi tributada, que o que se viu e se ouviu transcende tudo quanto de grandioso se pudesse imaginar, mesmo para receber o mais alto magistrado da Nação, Almirante Américo de Deus Rodrigues Tomás, que, dias antes do seu glorioso desembarque na centenária cidade da Praia, havia sido eleito, sucessivamente e por aclamação, cidadão honorário de cada um dos treze concelhos da província, tendo em atenção os seus altos méritos e os relevantes serviços prestados à Pátria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pedi a palavra, Sr. Presidente, não com a pretensão de melhor descrever tão histórico quão patriótico acontecimento, mas apenas para que o povo de que me honro de ser um dos representantes nesta Câmara pudesse, agora por meu intermédio e deste lugar, manifestar mais uma vez todo o seu reconhecimento ao venerando Chefe do Estado, que, sem olhar a canseiras ou sacrifícios, visitou cada uma das ilhas, afinal pequenos pedaços de Portugal espalhados pelo Atlântico, onde há mais de 500 anos se aloja uma população que os Portugueses criaram sob o signo da cristandade e que, em eloquentes manifestações de acendrado patriotismo, soube, como ninguém, exteriorizar todo o seu sentimento de gratidão pela hora alta que lhe foi proporcionada com a presença de tão insigne visitante.
Em todas as ilhas, milhares e milhares de pessoas, de todas as idades e condições sociais, se deslocaram das suas aldeias, percorrendo, quantas vezes a pé, dezenas de quilómetros, para aclamarem delirantemente, numa euforia indescritível, o supremo magistrado da Nação e expressarem perante a sua augusta pessoa toda a nobreza dos seus sentimentos, imbuídos de tão forte patriotismo que a tudo e a todos resistirão eternamente, de forma a conservar intacto o sagrado culto do amor à Pátria que nos tem permitido manter neste mundo politicamente conturbado a mesma posição que assumimos há mais de meio milénio, de fraternidade entre todos os portugueses, sem distinção de etnias ou de religiões, estejam eles onde estiverem. Conforme tive ocasião de há dias aqui dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é este o segredo da vitória dos nossos princípios, a essência da nossa política e a. razão de ser da nossa própria existência como nação independente.
Em todos os lugarejos das diferentes ilhas por onde passou S. Ex.ª o Presidente da República, a alegria incontida da população em apoteóticas manifestações não deixou dúvidas de que o povo de Cabo Verde, com esta autêntica peregrinação nacional agora realizada, viveu um dos momentos de mais alto sentido patriótico da sua
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já longa história. Posso aqui dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a viagem do insigne Chefe do Estado às ilhas de Cabo Verde representou uma verdadeira romagem às terras daqueles que, ontem como hoje, tombaram na Flandres em Angola, na Guiné, em Moçambique ou na índia, em defesa dos nossos legítimos direitos.
A cordial forma de receber do povo cabo-verdiano, que muito emocionou S. Ex.ª o Presidente da República, traduziu, fielmente, pela sua manifesta espontaneidade, a singeleza de uma gente que nas horas altas de fervor patriótico se esquece, deliberadamente, das vicissitudes de uma vida dura que a natureza lhe impôs, para exprimir na singeleza dos seus costumes e da sua maneira de ser o seu verdadeiro, consciente e incondicional amor à Pátria.
Teve o Sr. Presidente da República ocasião de verificar, in loco, a dureza da vida do cabo-verdiano que, lutando dia a dia, tenazmente, contra a natureza agreste da terra que lhe serviu de berço, vem conseguindo, sem desfalecimento, sobreviver a todas as vicissitudes, numa prova de estoicismo que desafia ioda a imaginação. Ouvi várias vezes o venerando Chefe do Estado, com a sua já tradicional simpatia, exprimir a sua admiração pelas qualidades do povo de Cabo Verde, e, por isso daqui, traduzindo a simplicidade e a gratidão dessa boa gente, peço vénia para expressar todo o seu reconhecimento a S. Ex.ª, símbolo mais alto da Pátria e que, numa vida inteira e intensamente vivida com o único objectivo de servir Portugal, tem conseguido, graças às suas altas virtudes, prestigiar o País, unindo a Nação, que tão justamente o elegeu, no sentido da intransigente defesa da integridade dos nossos sagrados ideais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pôde o mais alto magistrado da Nação verificar o manifesto progresso processado, especialmente nestes últimos quatro anos, em todas as ilhas, e resultante dos vultosos investimentos que na província vêm sendo feitos mercê dos substanciais auxílios financeiros concedidos pelo Governo Central para- a execução dos planos de fomento. A concretização desses planos só tem sido possível graças à actuação do Governo de Salazar, hoje, como sempre, tão justa e delirantemente lembrado e aclamado em Cabo Verde, o homem que tem conseguido, com a sua inteligência ímpar, numa vida inteiramente dedicada ao ressurgimento nacional e com uma visão que desafia os mais categorizados estadistas dos nossos tempos, amalgamar todas as potencialidades nacionais, com o superior objectivo de melhorar o nível de vida de todos os portugueses.
Teve S. Ex.ª ocasião de verificar, pelas constantes aclamações também dirigidas ao Sr. Ministro do Ultramar, Prof. Silva Cunha, o quanto o povo cabo-verdiano está reconhecido a tão ilustre membro do Governo pela obra notável que, mercê das suas altas qualidades de inteligência e de trabalho, vem realizando no seu Ministério a favor de Cabo Verde e do seu povo, que igualmente jamais perdeu qualquer oportunidade, durante a visita presidencial, de expressar, em significativas aclamações, toda a sua gratidão ao seu ilustre governador, comandante Sacramento Monteiro, pela inteligente e sensata orientação que sempre tem imprimido ao Governo da província, onde já realizou, durante os cinco anos de sua administração, uma obra a todos os títulos relevante.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: O ilustre Chefe do Estado, ao completar a sua gloriosa viagem às províncias de Cabo Verde e Guiné, encerrou o ciclo das visitas às terras portuguesas de África, iniciado em Setembro de 1963, deixando para a história, e em letras de ouro, uma das páginas mais brilhantes da vida política do País.
A forma delirantemente patriótica, a alegria contagiosa que em todas as ilhas a todos indiscriminadamente atingia à medida, que a augusta pessoa do Presidente Américo Tomás do povo se aproximava e por este era envolvida em apoteóticas manifestações de júbilo, mostraram já ao Mundo, mais uma vez, que o entendimento entre todos os portugueses é uma realidade incontestável e será para sempre o seguro suporte da nossa unidade nacional.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Aguedo de Oliveira: - Sr. Presidente: Apesar de tudo, a vida humana não desce de preço. O noticiário internacional, as declarações dos condutores, a guerra latente ou declarada, criam em muitos a ideia da que a vida humana todos os dias desço de preço, mercê da truculência e do desprezo.
Mas a filosofia do nosso tempo, o direito c a sociologia lutam pela sua valorização, procurando acrescer o seu respeito.
Por isso, as grandes cidades não devem ser luna-parques, filmes de expectativa angustiosa, campos de corrida, onde o simples mortal esteja mais próximo do fim.
O direito de existir é fundamental. A Constituição do 1822, em idade o mais velho documento político deste género, testemunho de romantismo jurídico e político, proclamação dramática contra as calamidades sociais, estabelecia no seu artigo 3.°:
A segurança pessoal consiste na protecção que o Governo deve dar a todos para poderem conservai-os seus direitos pessoais.
Mais tarde, o Código Civil de Seabra, inspirado na filosofia jurídica de Krauss, estabelecia nos artigos 359.º e 360.º:
O direito de existência não só compreende a vida e a integridade pessoal, mas também o seu bom nome e reputação, em que consiste a sua dignidade moral.
Este direito era um direito originário, tirado da natureza do homem e que a lei civil consignava e protegia como fonte e origem dos demais direitos.
Não era necessária a cooperação de outrem para o afirmar.
Era, por isso, inalienável, e, quando violado, implicava obrigação do reparar a sua ofensa.
Á sua lei não dependia de qualquer lei, mas de leis formais e expressas - quer dizer inequivocamente afirmativas.
A Constituição da República de 1911, inspirada nos princípios liberais e vintistas, sintetizava em três os direitos públicos individuais - a liberdade, a segurança individual e a propriedade.
Tratava-se de objectivos fundamentais que abarcavam todo o capítulo (alias título II) de direitos c garantias do carácter individual.
A Constituição nacionalista de 1933 proclamava, no artigo 8.°, n.° 1.°, o direito à vida e à integridade pessoal.
Tal direito era para ser usufruído e garantido constitucionalmente nas leis e actos administrativos, não podia ser suspenso, nem restringido, a não ser nos termos constitucionais.
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E - note-se bem - era, por igual, atribuído a portugueses e estrangeiros, o que estava significando a sua universalidade e ligação às práticas civilizadas das nações ocidentais.
Ainda estou lembrando o tempo em que o grande mestre do positivismo jurídico, Duguit, baseado num conceito fundamental de interdependência, nas conferências famosas proferidas em Buenos Aires, se mostrou hostil a certos jogos de circo e espectáculos de arena, por porem em perigo demasiado a vida e segurança individual.
Mas agora saltemos para uma rápida referência à filosofia jurídica e ao ressurgimento dos direitos individuais, nas concepções destes nossos tempos: tempos confusos, cruéis e violentos!
Ouçamos a lição dos mestres:
O valor do homem em si é uma convicção geral e, por isso, devia dispensar leis e recomendações de protecção e salvaguarda. Os outros não suo apenas meios, e, por isso, devemos respeitar neles aquilo que nós somos.
Os fracos não podem ser esmagados e devem ser defendidos da intemperança e dos abusos.
As práticas ameaçadoras levantam-se contra os princípios. A segurança pessoal, o direito à vida, a integridade e os direitos naturais da pessoa humana nas cidades modernas são ameaçados, postos em perigo, desdenhados ou, clamorosamente, atentados, em todos estes casos, sobretudo entre nós:
a) Quando as zebras e passagens de peões não garantem isenção de choque e salvaguarda de perigo automobilístico;
b) Quando tal sinalização se encontra apagada ou obliterada, o que torna equívoca a regulamentação;
c) Quando alguns agentes pretendem despachar uma fita contínua de veículos;
d) Quando, nas curvas, ao contrário das grandes capitais, se lançam os carros com a maior velocidade, destemperadamente;
e) Quando n sinalização não contem: «peões esperem» e «passem peões».
f) Quando, nos núcleos centrais das cidades, não existem, como em Bona e Colónia, ruas interditas às viaturas, para facilidade comercial;
g) Quando tapumes e vedações reduzem a área útil das vias e deixam desprotegidos os transeuntes;
h) Quando estacionadores se aliam aos cabouqueiros das grandes concessionárias para reduzir a superfície utilizada e ampliar o perigo e riscos;
Etc.
Claro que reconheço que os nossos peões são distraídos, lentos e tardos, e que as nossas cidades mostram tabuleiros acidentados e enviesados. Mas, por muito vivos e cuidadosos que aqueles fossem, é sempre risco gravíssimo atravessar o Cais do Sodré e o Campo Pequeno, do lado do Palácio Galveias, e outros pontos mal sinalizados e desprotegidos. São ilhas de pesadelo, e o hospital e o banco espreitam de todos os lados.
Podia dar outros exemplos.
Vou concluir.
Os danos eminentes, as situações de perigo, os riscos gravíssimos, correspondendo a impetuosidades nefastas, a corridas delirantes e a desrespeitos inqualificáveis, ofendem o direito à vida e as garantias fundamentais.
Ofendem os direitos históricos e naturais, bem como são indignos de uma comunidade civilizada e respeitadora.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pais Ribeiro: - Sr. Presidente: Seja-nos permitido levantar de novo a voz para trazer à apreciação desta Assembleia um problema que reputamos da maior acuidade, não só sob o aspecto económico, como ainda sob o aspecto social.
Há aproximadamente um ano que procurámos expor nesta Câmara, num breve estudo, a vasta problemática de que se rodeia o aproveitamento do material lenhoso da bacia do Tâmega. É este assunto que novamente apresentamos, focado por nós unicamente sob a óptica do interesse regional e nacional, consistindo numa exposição sucinta, mas imparcial, de um problema essencial e premente para a região cujos interesses, nesta Assembleia, nos cumpre defender.
Foi naquela altura preocupação nossa explorar este tema, quer em extensão, quer em profundidade, no intuito de fornecer elementos pormenorizados, susceptíveis de permitirem a observação do assunto em toda a sua plenitude.
O valor dos elementos colhidos, porque possibilitava uma apreciação justa e clara, pareceu-nos capaz de suscitar a adesão das entidades responsáveis, no sentido de alcançar do seu elevado critério de julgadores a merecida solução favorável.
Traduziam as nossas palavras - singelas e despretensiosas embora - o eco dos anseios da população de toda aquela vasta região, a que não faltava, nem falta, o apoio das diversas entidades políticas, administrativas e corporativas.
Tão valioso patrocínio constitui idóneo testemunho da validade de tais anseios e dá autenticidade aos interesses e necessidades da gente daquele rincão transmontano.
É demonstrativo do carinho que tal problema merece as entidades citadas o encontro havido entre todas elas e S. Ex.ª o Secretário de Estado da Indústria, onde se esquematizaram e resumiram as premissas da situação em causa.
Este largo empreendimento, equacionado convenientemente no sistema de coordenadas económico-sociais que encerra, é contribuição notável e acentuadamente progressiva, não só para a valorização de uma das mais pobres regiões do País, como para o incremento do seu bem-estar populacional.
Sendo o distrito de Vila Real possuidor de magra comercialização e de difícil rentabilidade agrícola (constantemente prejudicada pelas condições edafo-climáticas e pelo êxodo rural, sempre crescente e acentuadamente vincado), vê-se a braços com sérias dificuldades e labuta, ardentemente, em prol de uma merecida, embora ligeira, elevação do seu nível sócio-económico.
Sem industrialização de qualquer espécie, somente antevê possibilidades de aproveitamento turístico, que a singular beleza da sua paisagem lhe proporciona.
Na realidade, desde Régua a Chaves, de Mondim a Alijó, uma sucessão de cambiantes, os mais variados, policromam as suas encostas com o verde-negro das serranias, o verde matizado das vinhas, o álacre verde das pequenas, mas ubérrimas, veigas.
A espaços, vertentes adustas, imponentes na sua rudeza, e manchas douradas que a patina do tempo soube imprimir, com arte, aos velhos solares espalhados adrede pela região, são índice da sua capacidade turística e constituem exigência que deve merecer do Governo a melhor atenção, visando um aproveitamento esclarecido e rentável.
Mas é de sangue novo, generoso e forte, portador de energias e criador de vitalidade e dinâmica - perdoem-nos a comparação médica que o jeito profissional susci-
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tou -, é de um elemento assim, renovador e vitalizador, que o distrito precisa para alcançar o grau de desenvolvimento que lhe cabe na orgânica da Nação e abandonar o último lugar da escala de rendimento par capita, que actualmente e infelizmente ocupa.
Este ressurgimento somente lhe poderá advir do aproveitamento industria] da sua pujante e vigorosa riqueza florestal, vocação premente do solo da região, com manifesta incidência na bacia do Tâmega. Ilustraremos dizendo que 80 por cento desta, área - largos hectares - estão florestados, sendo os restantes 20 por cento ocupados por uma agricultura ruinosa, de proventos negativos, consequência das suas condições geofísicas.
Tais percentagens são demonstrativas, não só do elevado coeficiente do material lenhoso existente, como da fácil e rápida- expansão da sua capacidade produtiva.
A falta de utilização do produto, que acentuadamente ali se faz sentir (como o comprova a diminuição de preços da madeira, quer nas fábricas, quer nas arrematações, frequentemente desertas), exige a criação de centros de consumo na região, que escoem a matéria-prima e lhe garantam a normalização de preços compensadores, para estímulo dos produtores e incremento do desenvolvimento florestal e, consequentemente, económico e social.
Perante uma zona de evolução lenta, urge fomentar condições favoráveis a um rápido crescimento e a um desenvolvimento progressivo das suas possibilidades naturais.
Surpreende-nos, portanto, profundamente, que no último despacho orientador sobre pasta de celulose, exarado por S. Ex.ª o Secretário de Estado da Indústria em 6 de Janeiro de 1968, se mantenha a localização de futuras fábricas de celulose, em princípio, na zona superior da bacia hidrográfica do Douro, entre o Pinhão e o Focinho, como constava no despacho orientador, exarado por S. Ex.ª em 11 de Julho de 1966. Ora os dados fornecidos pelo último inventário oficial, aliados à justiça e à verdade, sobejamente atestam ser a única localização adequada, justa e imparcial, para uma indústria de celulose no Norte do País, o centro geográfico da bacia do Tâmega, ou seja Mondim de Basto, cujo perímetro florestal se aproxima dos 10 300 ha, com 90 por cento de arborização de pinheiro bravo, não incluindo as extensas áreas florestadas dos particulares.
Não resistimos à tentação de recordar o estudo fotogramétrico terminado em Dezembro de 1966, que citámos na nossa intervenção de 9 de Março do ano findo e nos fornece elementos rigorosos e esclarecedores referentes à distribuição e actualização do povoamento florestal do vale do Tâmega, no duplo aspecto da existência de pinhal bravo dominante e dominado e suas respectivas fases de desenvolvimento, e onde se patenteia que a área de povoamento puro e dominante atingiu, nesse ano, 118 241 ha.
Tais investigações permitiram concluir, com larga margem de segurança, ser a possibilidade regional deste material lenhoso de 3 m3 a 4 m3 por hectare e por ano. Desta forma, foi possível concluir também que os 118241 ha arborizados proporcionam uma produção média anual de 461 528 m3 respeitantes a povoamentos puros e dominantes e 4648 m3 respeitantes a povoamentos dominados, que perfazem, assim, o total de 466 176 m3 anuais.
Este volume de material lenhoso permite, não somente, satisfazer uma indústria do celulose, mesmo que lhe seja atribuído o consumo anual, já importante, de 300 000 m3 de madeira, mas, ainda, ultrapassá-la em 166176 m3, excesso que permitirá, porventura, ou uma laboração em maior escala, ou a abdicação do produto em favor de empresas congéneres.
Se acrescentarmos o- estes dados o desnível existente entre o peso da matéria-prima e o seu valor, torna-se manifesta a necessidade da construção de centros industriais na própria região, pois se verifica economicamente desaconselhável a edificação de unidades fabris afastadas do centro de produção lenhosa, já que o transporte enormemente onera o produto. No caso presente, o transporte da madeira pode atingir, se desviada para outro local, 50 a 60 por cento do seu próprio custo, com acentuado prejuízo para a população, quer ocasionando o aviltamento do preço de venda, quer minando a possibilidade do desenvolvimento sócio-económico regional.
Os pobres, mais pobres ficarão; a região, diminuída na sua única riqueza, mais pobre ficará.
Ignoramos, se a realização em conjunto, que no referido despacho é proposta a três peticionários que isoladamente estavam interessados na obtenção de licença de uma instalação industrial de celulose:, dificultará ou não a instalação da referida indústria. Pressupomos que sim; mas, seja isolada, seja conjuntamente, é urgente que no Tâmega se crie um pólo de desenvolvimento regional, para aproveitamento do material lenhoso aí existente e utilização remuneradora da mão-de-obra local. Reduzir-se-á ainda, desta forma, o êxodo rural, espectro que, progressivamente, vai minando e enfraquecendo o País.
Não menos nos surpreendeu, ainda, a anulação da licença concedida para a instalação de uma fábrica do aglomerados de fibras de madeira em Ribeira de Pena, uma vez que foi solicitada, em devido tempo, a prorrogação do prazo fixado para a sua construção, tanto mais que esta atitude não é concordante com as medidas tomadas em casos semelhantes. A criação no vale do Tâmega das duas unidades industriais de celulose e de aglomerados já solicitadas, sendo complementares, possui alto significado económico para o aproveitamento total do material lenhoso da região.
Utilizando somente as matérias-primas locais - que a todos os títulos lhe pertencem -, bastam-se a si próprias, sem recearem concorrências, nem pretenderem monopólios.
Sr. Presidente: E difícil escalonar os diferentes graus de debilidade económica nas regiões subdesenvolvidas, mas, quando nelas subsiste o desejo de progresso, este constitui a forca propulsionadora do seu aperfeiçoamento.
A população do distrito de Vila Real, pelo confronto com os níveis industriais das outras regiões, tem consciência da sua pobreza, primeiro passo dado no sentido de a combater. Quer melhorar as suas deficientes condições económicas, utilizando e fazendo progredir os recursos naturais com que foi dotada.
Cabe às entidades responsáveis não frustrar as suas tentativas, não menosprezar os seus anseios, não diminuir ou destroçar as suas possibilidades. Diremos mais: cabe às entidades responsáveis auxiliar e fomentar o desenvolvimento das zonas subdesenvolvidas, protegendo, estimulando e valorizando as realizações locais, quando progressivas e justas, pois só assim se integrarão convenientemente na política económico-social definida pelo Governo, que a Lei do Meios e o III Plano de Fomento preconizam.
É dentro deste espírito que, uma vez mais, ousamos pedir ao Governo seja apreciado tão magno problema, de cuja resolução favorável tanto esperam as gentes de Vila Real.
Vozes - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Gonçalo Mesquitela: - Sr. Presidente: São palavras tristes e palavras de tristeza as que vou proferir. Foi hoje a enterrar o Sr. capitão-de-mar-e-guerra Pedro Correia de Barros, que foi governador-geral de Moçambique. A nós, e falo por mim e pêlos meus colegas de Moçambique, esta notícia afectou-nos profundamente, pela estima e pelo altíssimo respeito que tínhamos pêlos grandes serviços e pela figura moral do Sr. Comandante Correia de Barros. Numa época em que todos os valores nacionais têm de ser aferidos pelo seu heroísmo e grandeza, o Sr. Comandante Correia de Barros estava, com certeza, nas linhas cimeiras dos homens portugueses.
Tive a honra de trabalhar com ele com muita assiduidade durante dois anos e meio, e desse trabalho, a par do muito que aprendi, tirei uma grande lição: sem menosprezo para nenhum outro, conheci nele um dos homens de mais carácter com que contactei em toda a minha vida. Foi o comandante Correia de Barros dedicado servidor da Pátria, devotado servidor do ultramar, quer como presidente do Leal Senado de Macau, quer em Moçambique, como seu primeiro secretário provincial, voltando depois a Macau como governador da província, regressando a Moçambique como governador-geral.
Recentemente tinha sido nomeado conselheiro do Conselho Ultramarino, e exercia actualmente elevadas funções no Departamento da Defesa Nacional.
Foi uma vida inteira dedicada a Portugal e aos Portugueses. À sua perda faz com que a Pátria perca um fiel servidor, com que as forças armadas percam um distintíssimo oficial e com que o ultramar perca um servidor acima da média. Acima disto, aos homens bons deste País a sua perda causa o desaparecimento de um dos melhores. Deus tenha em paz a sua grande alma, pois bem o mereceu.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre as contas gerais do Estado (metrópole e ultramar) e as coutas da Junta do Crédito Público relativas a 1966.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Jorge.
O Sr. Pacheco Jorge: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Analisar as contas do Estado é, como já aqui foi dito, verificar como o Governo deu execução h autorização que lhe foi confiada para a cobrança das receitas e efectivação das despesas da Nação.
O ilustre relator das contas públicas desta Assembleia, Sr. Engenheiro Araújo Correia, mais uma vez nos faculta um precioso parecer, a que de resto, já estamos habituados, que, pela clareza da sua exposição e análise e agudeza e oportunidade das suas observações, muito vem facilitar o trabalho de quem sobre elas se debruce, quer para estudar e comentar o panorama geral das contas da Nação, quer para se ocupar de um ou outro sector das receitas ou das despesas, quer ainda para, com os olhos postos numa determinada região, sobre elas tecer as suas considerações.
É meu propósito ocupar-me de alguns aspectos das contas referentes à nossa província de Macau, procurando desenvolver e esclarecer, se tanto me for possível, algumas judiciosas e pertinentes observações feitas pelo ilustre relator que, a meu ver, merecem ser salientadas e ponderadas por quem de direito.
Antes de o fazer, porém, desejo endereçar ao Sr. Engenheiro Araújo Correia as minhas sinceras e efusivas felicitações por mais este excelente trabalho prestado à Nação e renovar-lha o preito da minha maior admiração e respeito.
Sr. Presidente: Como já se previa, em virtude do surto de prosperidade que Macau vinha atravessando nos últimos anus, as suas contas referentes ao ano de 1966 fecharam com um saldo positivo de 36 509 contos, superior no do ano anterior em cerca de 5000 contos, e é o segundo saldo mais volumoso desde o ano de 1954, que apenas acusou um saldo de 3723 contos, sendo ainda de se notar que, desde esse ano de 1954, apenas os anos de 1950, 1962, 1963, 1964 e 1965 acusaram saldos superiores a 10 000 contos, sendo o mais elevado o do ano de 1964, com a bonita soma de 30 500 contos.
As receitas ordinárias da província foram também superiores às do ano anterior, e, tendo-se em consideração que em 1938 estas receitas eram da ordem dos 30 000 contos, contra 285 000 contos cobrados em 1966, o índice é da ordem dos 928, um dos mais altos de todo o ultramar português, como muito bem observa e realça o ilustre relator.
No capítulo das receitas extraordinárias, ao contrário do que sucede em quase todas as restantes províncias ultramarinas, em que a percentagem maior é constituída por empréstimos, Macau, desde o ano de 1965, vem dispensando o recurso a empréstimos e subsídios reembolsáveis. No ano de 106G apenas se utilizaram 1646 contos provenientes dessa fonte, sendo 278 contos do subsidio reembolsável e 1368 contos provenientes de empréstimos. O grosso das receitas extraordinárias é constituído pêlos saldos de exercícios lindos, que, no ano de 1966, atingiram a cifra de 40 000 contos, números redondos. Daí que, para fazer face às despesas extraordinárias, apenas se utilizassem 2,6 por cento provenientes de empréstimos e subsídios, o que merece o devido relevo.
Os principais capítulos das receitas ordinárias de Macau foram: em primeiro lugar, como de resto acontece nas demais províncias ultramarinas, a «Consignação das receitas», com 84 552 contos, representando 29,6 por cento; logo a seguir vêm as «Taxas», com 67 891 contos, ou 23,8 por cento, o que julgo constituir caso único, o de Macau. Destas últimas receitas ressaltam, com esmagadora margem, as «Receitas eventuais», com cerca de 52 000 contos, na sua maior parte proveniente das taxas de licenças para o comércio do ouro, com mais de 40 000 contos. Estas taxas sobre o comércio do ouro têm vindo gradualmente a aumentar e já o foram, substancialmente, para o corrente ano de 1968.
De realçar ainda como um capítulo importante das receitas ordinárias da província, ocupando o terceiro lugar, é o das «Industrias em regime tributário especial», com 36 986 coutos, a que corresponde a percentagem de 12,9 por cento.
Como se vê, apenas os três capítulos acima citados perfazem 66,3 por cento, ou seja aproximadamente dois terços do total das receitas de Macau, que se acham distribuídas por sete capítulos.
No que se refere às despesas ordinárias, foram elas da ordem dos 230 567 contos, superiores às do ano de 1965 em 11 664 contos; mas é de notar que as receitas ordinárias excederam as despesas em 55 500 contos, o que permitiu que uma parcela deste excesso fosse utilizada no pagamento de gastos extraordinários.
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De entre as despesas ordinárias ressaltam, pela ordem da sua importância e volume, as referentes a «Encargos gerais», com a quantia de 66 099 contos, a que corresponde a percentagem de 28,7 por cento, seguindo-se-lhes as despesas de «Administração geral e fiscalização», com a importância de 51 479 coutos, ou sejam 22,3 por cento do todo, e ficando em terceiro lugar as dos «Serviços de fomento», com a importância de 43 152 contos, ou 18,7 por cento.
Estes três capítulos absorvem, por si sós, cerca de 70 por cento do total dos onze capítulos de que se compõem as despesas ordinárias da província.
Dentro do capítulo da «Administração geral e fiscalização» gastou a província a quantia de 18 841 contos com a segurança pública, 16 786 contos com os serviços de saúde e 6674 contos com a instrução pública.
Conquanto se compreendam e se admitam perfeitamente as despesas com a segurança e saúde públicas, nos montantes já referidos, julgo, contudo, de certo modo exíguo o despendido com os serviços de instrução.
A população escolar de Macau está computada em cerca de 50 000 alunos, a maior parte dos quais pertencente a escolas chinesas particulares e com cerca de 15 000 alunos sob a dependência da Diocese de Macau.
As escolas oficiais portuguesas e a sua frequência constituem urna minoria; daí, presumo, a exiguidade das despesas com a instrução pública. Contudo, quer-me parecer que agora, mais do que nunca, se impõe a incrementação do ensino da língua e história pátria nas escolas particulares, . . .
O Sr. Veiga de Macedo: - Muito bem!
O Orador: - ... que na sua grande maioria, não incluem nos seus programas o ensino da língua e história de Portugal, ao passo que é praticamente obrigatório o ensino do inglês.
É de certo modo compreensível, e eu admito-o perfeitamente, o ensino da língua inglês; nessas escolas, pois é de todos sabido que no Extremo Oriente é ela a língua estrangeira por excelência e a que mais possibilidades de colocação dá aos que a dominem. Contudo, tal circunstância não deve, a meu ver, impedir que, em Macau e nessas escolas, se ensine concomitantemente o português; mas para isso importaria que fosse o Governo a tomar a iniciativa, promovendo a criação dos respectivos cursos e financiando ou subsidiando as escolas que nos seus programas incluíssem o ensino de português.
Estou convencido de que seria a forma de, em relativamente pouco tempo, haver mais chineses em Macau a falarem o português, o que só poderia trazer vantagens para ambas as partes.
Presentemente, quem chega a Macau pela primeira vez não pode deixar de se impressionar com o facto de só raramente ouvir falar o português nas ruas; e, se porventura entrasse em algum estabelecimento comercial, notaria desde logo que ali, além do chinês, a outra língua que porventura se falasse seria necessariamente o inglês.
Esta circunstância c notada, não só pêlos portugueses vindos de outras paragens, como pêlos próprios estrangeiros que pela primeira vez nos visitam.
Quero crer que, com a divulgação da língua portuguesa por meio do seu ensino pago, ou subsidiado, pelo Estado nas escolas particulares, se poderá, de algum modo, atenuar a situação actual, que, embora estranha, tem justificação e terá de ser tolerada pelas razões já acima referidas.
A ponderação do Governo fica a sugestão.
Passando agora no capítulo respeitante às despesas extraordinárias de Macau, o seu montante atingiu 62 620 contos, superior em 16 110 contos às do ano de 1965.
A maior parte destas despesas foi feita com a execução do Plano Intercalar de Fomento, onde se despenderam 49 641 contos, ficando a diferença de 12 979 contos para outras despesas extraordinárias.
Destas, há que relevar o empréstimo gratuito concedido ao Leal Senado da Câmara de Macau, no montante de 7400 contos, as despesas com as obras de protecção das encostas junto às estradas de Cacilhas e do Engenheiro Trigo, em virtude dos desmoronamentos causados pelo temporal dos dias 12 e 13 de Junho, na importância de 2477 contos, e as despesas feitas para reparação dos estragos consequência, dos tumultos nos dias 3 e 4 de Dezembro de 1966, de triste memória, que importaram em 2311 contos.
Como já atrás ficou dito, a contrapartida para as despesas extraordinárias da província é proveniente, na sua quase totalidade, dos seus recursos próprios, saldos de exercícios findos e fundo de reserva, tendo sido apenas de cerca de 2.6 por cento a contribuição proveniente de empréstimos.
Para a execução do III Plano de Fomento, que teve início no corrente ano. a província de Macau conta apenas com os seus próprios recursos, sendo também, neste aspecto, caso único em todo o ultramar português. Na execução deste III Plano de Fomento, orçado em 432 800 contos, a comparticipação do Estado, na qual se compreende a administração provincial, a administração local e os organismos autónomos, é de 166 500 coutos, ou sejam 38,5 por cento, ficando os restantes 61,5 por cento, correspondentes a 266 300 contos, a cargo da actividade privada, particulares e empresas, o que julgo merecer referência especial, tanto mais que estes últimos investimentos se destinam principalmente a actividades de turismo e ao desenvolvimento industrial da província.
Sr. Presidente: Por esta brevíssima resenha se pode concluir ter sido desafogada, em 1966, a posição financeira da província de Macau, consequência do seu surto de progresso e bem-estar económico.
E assim foi, de facto.
Sucede, porém, que, possivelmente mal habituados ao clima de tranquilidade da província, ao carácter pacífico da sua laboriosa e ordeira população, que por mais de uma vez suportou, sem grandes reacções, desmandos de certos sectores da Administração, e, obcecados com a euforia das grandes obras e empreendimentos e com as vultosas receitas que - iam enchendo os cofres da província, se não deu a atenção devida a evolução política e social das regiões circunvizinhas, nem se teve a percepção, aliás lógica e óbvia, da influência que tal evolução necessariamente iria exercer sobre a juventude da grande massa populacional de Macau de idêntica etnia. Só assim se poderá explicar que já nos últimos meses do ano de 1966, pequenos incidentes e atritos, aparentemente de somenos importância, não fossem desde logo solucionados com honra para ambas as partes, antes se deixassem arrastar, desenvolvendo-se e avolumando-se, qual bola de neve rolando pela encosta, tudo levando de roldão. Perante tão sérios acontecimentos, que exigiam actuação rápida e oportuna, notaram-se hesitações e até incompreensões, que, desnecessariamente, contribuíram para o agravamento da situação e impuseram uma solução que talvez pudesse ter sido menos desprestigiante e onerosa. Macau agora sofre as consequências que necessariamente, se reflectirão também na sua vida económica.
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Sr. Presidente: Que tão tristes e lamentáveis acontecimentos, cujos efeitos estamos estòicamente suportando, sirvam ao menos de lição para o futuro, para que se não repitam os mesmos erros e se crie a convicção de que, para se governar a minúscula província de Macau, acima de tudo tem que estar bom senso, tacto político e espírito de compreensão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Há que se observar, com redobrada atenção e cuidado, a evolução dos acontecimentos e estar-se atento aos inúmeros problemas que nascerão da actual situação, para prontamente se lhes encontrar a solução que melhor se coadune com os interesses da província, possibilitando a continuação da sua era de prosperidade e progresso à sombra da bandeira de Portugal!
Sr. Presidente: Estranha o ilustre relator, engenheiro Araújo Correia, aliás com perfeito cabimento e em repetição das observações que produziu relativas às contas do ano de 1965, que, sendo Macau um centro consumidor de certo relevo e aumentando de ano para ano o volume das suas importações, que em 1966 atingiram 1550 000 contos, depois de subtraído o ouro, apenas tenha importado dos territórios nacionais 22 000 contos. Observa, por outro lado, o mesmo relator, que os territórios nacionais consomem relativamente alta percentagem de produtos macaenses, esclarecendo que do montante global das exportações de Macau 23,3 por cento se destinaram ao ultramar português e 25 000 contos foram exportados para a metrópole, e acrescenta:
Ora, um exame da natureza das importações mostra serem possíveis muito maiores consumos de mercadorias nacionais e, dado o volume das exportações, parece que as dificuldades de transporte não são motivo impeditivo.
 província pode comprar e consumir mais produtos nacionais e até servir de entreposto para o seu consumo em países vizinhos.
E um assunto a estudar, que interessa vivamente à zona do escudo e até aos interesses da província, pêlos lucros que poderia trazer à sua população.
Têm a minha total concordância as judiciosas considerações produzidas pelo ilustre relator, que, como disse, são, de certo modo, a repetição daquilo que já observara aquando do seu parecer sobre as contas do ano de 1965. À insistência, por parte de S. Ex.ª, em tocar a mesma tecla nas considerações sobre as contas ora em apreciação quererá certamente significar, não só a importância que tal assunto reveste, como ainda a pouca, ou nenhuma, receptividade por parte dos sectores interessados, pelo que achou por bem insistir.
Também eu, Sr. Presidente, por mais de uma vez em intervenções nesta Assembleia me referi ao assunto, procurando chamar a atenção de quem de direito para o problema posto e sugerindo a solução que me pareceu ser a melhor. Assim, na minha intervenção de 10 de Março do ano findo, apresentei várias sugestões com vista a incrementar as exportações e importações bilaterais entre Macau, por um lado, e a metrópole e restantes províncias ultramarinas, por outro, o que viria possibilitar os pagamentos interterritoriais por compensação, evitando ou, pelo menos, atenuando as necessidades de transferências que, com as suas demoras e atrasos, tanto têm prejudicado os industriais e comerciantes de Macau.
Á propósito dos transtornos e inconvenientes causados aos exportadores e industriais de Macau, recebi ontem, ao fim da tarde, um longo telegrama do presidente da Associação dos Exportadores de Macau, em que me foi dado conhecimento do pedido feito pela referida Associação ao Governo da província para que insistisse junto do Governo Central pelo pagamento mensal mínimo de l milhão de patacas, ou sejam 5000 contos, por parte de cada uma das províncias de Angola e Moçambique, visto serem irrisórias as actuais transferências mensais daquelas províncias. Mais me informa que, desde Junho do ano findo, Angola está a dever à província, por artigos para ali exportados, a quantia de 30 000 contos, e Moçambique está a dever 3ô 000 contos. Esta situação está causando sérios embaraços e graves preocupações aos exportadores e industriais da província de Macau, e por isso solicitaram das entidades oficiais que lhes fosse dada pronta e eficaz solução. Frisa o mesmo telegrama que tanto Angola como Moçambique continuam muito interessados na compra dos produtos oriundos de Macau.
Ao Sr. Ministro do Ultramar, respeitosamente e em nome dos interessados, venho renovar o apelo feito, que me parece perfeitamente justificado, certo de que S. Ex.ª, a exemplo do que se passou há cerca de um ano, não deixará de lhe prestar a devida atenção e de encontrar a melhor forma de resolver tão agudo problema, a bem da indústria macaense e para prestígio da nossa administração.
De entre as medidas então preconizadas para a permuta de mercadorias entre Macau e o resto do mundo português salientarei as seguintes:
a) Que se constituíssem missões técnicas das províncias interessadas e dos industriais da metrópole que a Macau se dirigissem para estudar a possibilidade de colocação dos seus produtos, não só em Macau, como, por intermédio desta, nas regiões do Extremo Oriente, de tão grande potencialidade de consumo. Concomitantemente, estas missões poderiam informar e esclarecer os industriais de Macau da possibilidade de colocação dos produtos macaenses, não só na área da sua influência, como ainda nos territórios seus vizinhos;
b) Que Macau enviasse a sua missão à metrópole e ao ultramar português para idênticos fins;
c) Que se eliminassem as medidas ainda vigentes que impossibilitam a aquisição de certos produtos que se encontram afectos a determinados consumidores, como é o caso da rama de algodão que Macau pretendeu importar de Angola e Moçambique ao preço do mercado internacional, para uma sua fábrica, o que não conseguiu por impedimento legal;
d) Que se estabelecesse em Macau um centro de exposição permanente dos produtos metropolitanos e ultramarinos susceptíveis de colocação, com todos os elementos de informação que normalmente possam interessar ao importador em potência. Adverti ainda que esses produtos teriam necessariamente de ser equiparáveis, em qualidade e preço, aos produtos similares de outras origens que naquelas paragens abundam;
e) Que se fizesse propaganda racional e intensiva dos mesmos produtos.
Foram estas, Sr. Presidente, a traços largos, as medidas que então sugeri e nas quais torno a insistir, à semelhança e exemplo do ilustre relator das contas.
Acrescentarei ainda, por me parecer pormenor pertinente e relevante, que os produtos nacionais sujeitos a
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acondicionamento terão ainda que apresentar embalagem decente e condigna, e que, infelizmente, nem sempre assim sucede com os nossos produtos.
Outro factor, a meu ver, igualmente importante para se conseguir o fim em vista, é o da propaganda nos locais ou regiões aonde esses produtos se destinam. Sem uma propaganda bem orientada e de vistas largas, dificilmente um produto, novo ou velho, poderá conquistar ou manter posição de relevo no mercado. Basta atentar-se na propaganda da Coca-Cola, Pepsi-Cola, Seven-Up, e te., produtos por de mais conhecidos no Extremo Oriente e que, no entanto, não cessam de despender verbas consideráveis com a sua propaganda.
O mesmo acontece com as diversas marcas de cigarros americanos e ingleses lançados no merendo oriental.
De igual modo os vinhos, conservas e queijos franceses e italianos são, a- cada passo, anunciados nos jornais das principais cidades do Oriente, - como sejam Hong-Kong, Tóquio, Manila. Banguecoque, etc., em grandes parangonas e com resultados positivos.
Presentemente, no Extremo Oriente, excluindo Macau. dos nossos produtos, infelizmente, quase se não fala, por serem, na sua maioria, desconhecidos: como honrosa excepção citarei os vinhos Mateus Rose, Sondem em e Macieira, que, de quando em vez, aparecem anunciados na imprensa de Hong-Kong, ignorando se o serão também nas outras cidades atrás referidas.
É de facto lamentável que tão pouco se tenha feito, e, como português, entristece-me verificar o desinteresse dos industriais e produtores portugueses pêlos mercados do Extremo Oriente, onde a nossa permanência de quatro séculos, em situação especialíssima, poderia ter assegurado uma posição de relevo que não soubemos ou não quisemos aproveitar.
Mas talvez ainda- não seja tarde; o mercado é imenso, e as suas possibilidades, praticamente ilimitadas.
Impõe-se o apoio e auxílio do Estado e uma conjugação racional de esforços por parte dos industriais e produtores portugueses para se conseguir o fim em vista.
Com engenho, boa vontade e perseverança conseguiremos também ocupar o lugar que nos compete no mercado mundial.
Disse.
VOZES: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Calapez Gania: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: AS coutas gerais do Estado de 1966 e o seu notável parecer situam-se, uma vez mais, naquela linha de continuidade que tem dignificado a nossa administração e contribuído para prestigiar esta, Câmara. Antes de me referir a alguns dos seus aspectos, permita-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, que apresente as minhas respeitosas homenagens ao ilustre Deputado Sr. Engenheiro Araújo Correia, distinto relator deste parecer. Quero agradecer-lhe, especialmente, a clareza da sua análise, que permite, até aos profissionalmente não preparados para essa árdua tarefa, com a compreensão dos diversos problemas económicos nacionais.
Sobre este ano de 1966 soube S. Ex.ª alertar-nos quanto à relevância representada pelo acréscimo verificado nas receitas totais, que quase atingem 20 milhões de contos, com 16 942 496 contos para as receitas ordinárias, e ao pequeno desenvolvimento do produto interno bruto.
Parece-nos que o esforço tributário exigido pêlos acontecimentos de África não poderá, só por si, explicar tais anomalias.
Porque, de harmonia com os pareceres dos anos anteriores, a dizerem-nos que «tudo leva, pois, a crer que os financiamentos de guerra também concorrem para a melhoria do produto e não foram sem proveito económico os gastos de tão elevadas somas», temos de encontrar n explicação das insuficiências e atrasos nos instrumentos de produção.
Também, quanto a nós, é este o magno problema, agora agravado pela sangria das correntes migratórias, internas e externas. E, sendo o capital humano o mais alto potencial de desenvolvimento do País, não podemos assistir à sua sistemática delapidação sem sentirmos a mais grave preocupação. Por isso, louvamos o Sr. Deputado Nunes Barata pela oportunidade e necessidade dos esclarecimentos que, sobre esta matéria e com tanto brilho, está a trazer a esta Assembleia. Damo-lhe todo o nosso aplauso e temos a certeza de que tão importante e exaustivo trabalho encontrará a melhor receptividade nos departamentos responsáveis. Porque, além do mais, a nossa juventude, que tão corajosamente tem defendido e honrado o nosso querido Portugal, não poderá continuar a encontrar, no seu regresso e para satisfação das suas legítimas aspirações, só aberto o caminho da emigração.
De tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se tira a ilação de que não podemos continuar a considerar o esforço da guerra que nos impuseram como algo de transitório na sua repercussão económica. Os sacrifícios de ordem económica não podem ser suportados, indefinidamente, por sobrecargas fiscais, pelo que se torna necessário fazer «depressa c em força» a sua adaptação a nossa estrutura económica.
Em boa hora o Governo, por intermédio do III Plano de Fomento, enfrentou tal conjuntura c programou as soluções. Mas, para que não sofra delongas na sua aplicação, é necessário dar aos serviços os meios suficientes, admitindo até para a sua obtenção seguir caminhos diferentes dos habitualmente trilhados.
Há que ter em conta- que é muito alto o juro que se paga pela perda emigratória de grande parte cia nossa população activa!
Não podemos continuar a exportar «músculo» quando tanto necessitamos de cérebros aptos em corpos sãos para o nosso desenvolvimento.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Depois destas considerações e fiel à linha de rumo - factor humano - que as enforma, permitam-me VV. Ex.ªs. que mo debruce sobre alguns capítulos cãs contas gerais do Estado.
Por condicionalismo pessoal, não posso deixar de me referir & situação angustiante vivida pela maioria dos habitantes da minha querida província do Baixo Alentejo.
Tendo, embora, os lavradores as suas explorações situadas na zona metropolitana de maior dimensão e que melhores possibilidades oferece, atónitos, verificam, na sua grande maioria, que ano após ano piora a sua situação económica. É tudo isto, basicamente, porquê? Por, erradamente, seguirem, por não haver outra opção, determinado tipo cultural.
Assim, temos, numa área total do mais de l milhão de hectares, somente 200 000 com aptidão agrícola para as culturas arvenses mais usuais. No entanto, a ocupação actual das referidas culturas atinge os 650 000 ha, donde resulta, pelo menos, um desequilíbrio cultural numa área aproximada de 350 000 ha.
Desde sempre se verificou tal assimetria, mas, no presente, tudo se precipitou mais rapidamente, porque desapareceu o precário equilíbrio existente quando se deixou de ter ao dispor barata e abundante mão-de-obra.
O recurso à máquina foi, na maior parte dos casos, mais uma ilusão e só restou a esperança do auxílio estatal, por
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subsídios. Assim, aparecem subsídios de compensação de prejuízos, de ajustamento de produção e depois os do reconversão cultural. Todos afinal, na prática, convertidos em subsídios de cultura, concedidos sobro cada quilograma de trigo entregue à Federação Nacional dos Produtores de Trigo, não trazendo, portanto, benefícios sensíveis para as zonas mais necessitadas e acentuando ainda mais fortemente os desequilíbrios económicos existentes.
Felizmente, para o Alentejo e paru o País, o Governo estava atento, e, assim, por intermédio, especialmente, dos Ministérios das Obras Públicas e da Economia, vieram as directrizes necessárias para possibilitarem n esta vasta zona transtagana uma contribuição mais positiva para o perturbado equilíbrio da nossa balança alimentar. E a hidráulica agrícola, o fomento pecuário e o repovoamento florestal foram o travejamento em que há-de assentar o seu programa de desenvolvimento.
Assim o reconheceram o Governo, a Câmara Corporativa e esta Assembleia ao elaborarem e aprovarem os programas sectoriais do III Plano de Fomento, de que não resistimos a recordar alguns dos objectivos e os mais importantes investimentos. Assim no n.º 10 daqueles programas definem-se como principais objectivos:
A elevação da taxa médio, de acréscimo do produto agrícola:
A elevação do nível de vida da população ligada ao sector:
A melhoria da contribuição da agricultura para a, balança comercial, pela satisfação em maior grau da procura interna de bens alimentares e pelo aumento das exportações.
E no seu n.º 15:
A necessidade inadiável de se melhorarem as condições que se verificam no aproveitamento dos regadios estabelecidos pelas obras de rega já concluídas aconselha a tomar providências que visem a realização de obras complementares conducentes ao melhoramento fundiário e à criação de infra-estruturas indispensáveis à intensificação cultural a que conduz a rega.
Por outro lado, a entrada em funcionamento da 1.ª fase do Plano de Rega do Alentejo exigirá, igualmente, as indispensáveis medidas para- que, no mais curto prazo de tempo, se atinjam os índices de produtividade indispensáveis à rentabilidade da obra.
Deste modo espera-se- que seja significativa- a comparticipação das áreas regadas e das que virão a sê-lo no aumento do produto bruto durante a execução deste Plano, quer através do acréscimo anual do produto de legumes e tubérculos, das frutas, de produtos hortícolas e horto-industriais, quer nu crescimento dos produtos relativos à carne e ao leite.
Quanto aos investimentos, apontamos do empreendimento n.° 2 o n.° 33:
A par da conclusão de alguns trabalhos em obras da l.ª fase especialmente no aproveitamento do Mira, deverá iniciar-se a 2.ª fase do Plano de Rega do Alentejo, constituída pêlos aproveitamentos do Alto Sado, de Odivelas do Crato e do Guadiana.
O aproveitamento do Alto Sado destina-se a regar 3600 ha de várzeas do curso superior do Sado desde Torre Vã até Alvalade, onde se faz a ligação das terras beneficiadas por este- aproveitamento, pelo de Campilhas e pelo sistema de rega do Baixo Alentejo.
O aproveitamento de Odivelas beneficiará 7300 ha, situados entre as ribeiros de Odivelas e de Figueira, perto de Ferreira do Alentejo, e em terras de várzea ao longo da margem esquerda do rio Sado, entre a foz daquela ribeira e Santa Margarida do Sado. Simultaneamente, com a criação das duas albufeiras previstas neste aproveitamento, resolver-se-á o abastecimento do água de diversas povoações.
O aproveitamento do Crato, a integrar posteriormente no sistema de roga do Alto Alentejo,' regará 4000 ha de terras entre Alter do Chão e a ribeira de Seda.
A primeira parte do aproveitamento do Guadiana, além da construção da barragem neste rio e da respectiva central hidroeléctrica, abrangerá n sistema de rega de todo o bloco da margem esquerda c do um primeiro bloco na margem direita, interessando 45 100 ha dos l09 700 ha que virão a ser regáveis a partir da mesma albufeira do Guadiana.
Com o aproveitamento do Alto Sado a que se confere - prioridade, por ser complementar da obra dos vales de Campilhas e do S. Domingos, e com a conclusão dos trabalhos da l.ª fase do Plano, despender-se-á a importância de 380 000 contos.
A execução dos restantes empreendimentos fica condicionada, à obtenção de maios financeiros adequados, nomeadamente através da utilização de crédito externo.
Com os aproveitamentos do Roxo o do Mira, a área do regadio existente (4883 ha) será aumentada com mais 22 667 ha e a sua adaptação ao novo tipo de exploração está a merecer a melhor atenção ao Sr. Ministro da Economia, e, por isso, quero, desta tribuna, como alentejano e ainda na qualidade de presidente da direcção da Cooperativo do Mira, apresentar a S. Ex.ª os mais respeitosos agradecimentos.
As Juntas de Colonização Interna o da Hidráulica Agrícola estão já a auxiliar eficazmente os agricultores destas zonas, e estamos certos de que lhes serão, de futuro, facultados os meios necessários para que a sua acção se torne cada vez mais eficiente.
Apesar da falta de formação técnica, atrevo-me a dizer a V. Ex.ª que os terrenos destes perímetros são constituídos por solos de Pliocénico, com espessura mínima de 30 cm a 40 cm, mais ou menos iguais à maioria das áreas já beneficiadas pela rega.
Quanto aos investimentos previstos, não posso deixai de salientar o da primeira parte do Guadiana, por ela constituir o ponto de partida para criar no Alentejo o seu pólo de desenvolvimento principal. Como é óbvio, quando estamos a falai- das regiões alentejanas, a que, como já referimos, só ao distrito do Beja cabe mais de 1 milhão de hectares, não é com pequenos pólos de desenvolvimento, embora para nós muito importantes, que se consegue- um rápido crescimento da taxa do produto agrícola bruto; por isso, até neste, aspecto estritamente de economia agrícola, ela é imprescindível, com A sua bacia de regolfo, de enorme extensão, apresenta-se vantajosa relativamente à produtividade dos terrenos submersos, como indica o seguinte esquema: Percentagens
Aluviões 66,3
Solos esqueléticos, delgados c de afloramentos
Rochosos 74,1
Solos evoluídos, mas na sua maior parte com declives exagerados para as culturas arvenses 19,5
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Os terrenos a beneficiar por esta barragem do Guadiana são de natureza argilo-calcária (barróides) e areno-argilosos de rochas eruptivas, que, embora capazes de regulares produções arvenses, apresentam um índice de mais-valia bastante pronunciado; são, portanto, terrenos de maior fertilidade que os compreendidos nos aproveitamentos da 1.ª fase do Plano e situam-se nos concelhos de Álvito, Vidigueira, Cuba, Moura, Ferreira do Alentejo, Serpa e Beja.
Quanto à sua localização - Alqueva -, também possuímos a informação de que ela foi determinada por factores topo-geológicos e é tecnicamente a mais apropriada, sendo interessante saber-se que a sua construção permitirá, por sua vez, o aumento das potencialidades hidroeléctricas já existentes no local previsto para a construção da barragem da Bocha da Galé (Pulo do Lobo), esta só hidroeléctrica.
A capacidade energética obtida pelo somatório destas duas barragens será factor importante na industrialização da zona sul do País e já seria no presente necessária a existência da sua função compensadora para o bom funcionamento das redes eléctricas dessa mesma zona sul.
Interessante e importante será acentuar também a valência desta albufeira no futuro abastecimento de água das populações de várias terras dos dois distritos (Évora e Beja).
Por tudo o que se frisou e ainda mais por aquilo que os mais conhecedores desta matéria poderão acrescentar, chegámos à conclusão do que a barragem de Alqueva é para o Alentejo o seu necessário e inadiável nervo motor.
Se me alonguei sobre este ponto, é porque julgo a execução integral e tão rápida quanto possível desta obra absolutamente necessária para modificar o nosso problema alimentar, diríamos melhor, o problema de subsistirmos, dando ao País a certeza de que o solo alentejano, bem aproveitado, tem potencialidades suficiente? para a fixação condigna das suas gentes.
O interesse nacional reclama-o, pois só assim o Alentejo poderá contribuir com toda a sua capacidade produtiva para o engrandecimento da grei.
O problema social alentejano, preocupante na sua essência, tanto para os governantes centrais como para os responsáveis regionais, teve uma achega de optimismo com a construção das obras de rega e da Base Aérea de Beja. Alas, se houver paragens ou remissões, tudo se perderá, porque (felizmente para ele!) o Alentejano já perdeu a resignação de estar, dia após dia, desempregado e recorrerá ao abandono da terra onde nasceu.
Não tenhamos ilusões a este respeito: o Alentejo ficará deserto se não lhe criarmos as condições favoráveis ao seu desenvolvimento.
A energia e a rega estão na base de qualquer desenvolvimento regional e cremos existirem no Alentejo as condições óptimas para uma rápida rentabilidade.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Foi pela imprensa que tivemos conhecimento da intervenção feita sobre esta ordem do dia pelo nosso distinto colega Sr. Engenheiro Virgílio Cruz. E, se estamos absolutamente de acordo com S. Ex.ª, sobre a necessidade de incrementar ao máximo a expansão das culturas regadas, não podemos deixar de manifestar a nossa total desaprovação às considerações do ilustre Deputado acerca do funcionamento dos impropriamente chamados «grandes regadios».
Lamentamos que as fontes de informação em que se apoiou o tenham levado a pronunciar-se com inexactidão sobre um problema do maior interesse para a Nação. Disse, segundo li, que nesses empreendimentos cpor vezes, obtida a água e construídos os diversos canais que a levam à boca de rega, ela não é aproveitada e a terra continua longe de produzir o rendimento possível». Mas, na realidade, acontece normalmente a antítese, e são raros os anos em que não se restringe, por carência de água, a área útil, e tal facto constitui até um delicado problema para as associações de regantes. Isto sucede no vale do Tejo, no do Sado, em Campilhas, no Algarve, no Divor e, certamente, dentro em breve no Caia, Roxo e Mira.
O Sr. Virgílio Cruz: - V. Ex.ª, dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Virgílio Cruz: - V. Ex.ª, sem ter assistido à minha intervenção, e mesmo sem a ter lido na íntegra, no Diário das Sessões, comenta sem base segura o período que diz:
Nas obras de hidráulica agrícola realizadas pelo Estado têm-se encontrado várias dificuldades e, por vezes, obtida a água e construídos os diversos canais que a levam à boca de rega, ela não é aproveitada e a terra continua longe de produzir o rendimento possível.
A afirmação contida neste período não é nova e é até pacificamente aceite por quem conhece bem estes problemas, porque ela apoia-se em três bases sólidas:
1.ª - Apoia-se no Relatório ao Projecto ao III Plano de Fomento, onde o Governo, no vol. I, a p. 529, se refere à necessidade inadiável de melhorar as condições de aproveitamento dos regadios estabelecidos pelas obras de rega já concluídas. E nas pp. 548 e 544 salienta a necessidade do racional aproveitamento dos regadios em exploração e até inscreve 700 000 contos para despender no hexénio de 1968-1973 em novos e antigos empreendimentos;
2.ª - Apoia-se na Corporação da Lavoura, que, certamente conhecedora e interessada na boa solução dos problemas das obras dos regadios, sustenta, tanto em comunicação pública dirigida ao País em Agosto de 1967, como no comunicado dirigido aos membros da Comissão Eventual que nesta Assembleia estudou o III Plano de Fomento, sustenta, como digo, os mesmos pontos de vista expressos no período em apreciação e insiste pelo mais completo aproveitamento das obras já realizadas;
3.ª Apoia-se nas próprias realidades.
Sem falar nos casos da Idanha e do Lis, basta referir o relatório do exercício de 1966 da Associação de Regantes e Beneficiários do Vale do Sorraia, que tenho aqui, e onde se vê que em 1959 só foram regados 15,2 por cento da área do perímetro do projecto de rega e em 1966 só foram regados 62 por cento da área desse perímetro.
O Orador: - Como a seguir procurarei demonstrar, a minha discordância resulta da intencionalidade que julgo existir na vossa frase, mas não colide com as citações que V. Ex.ª apresenta.
Como não tive o prazer de ouvir V. Ex.ª, conheço, como disse, a sua intervenção só pêlos relatos da imprensa, e o sentido que dei a essa frase foi o seguinte: nos grandes regadios do Sul existe desinteresse pela água, não sendo, por isso, defensável dar-lhes tratamento prioritário.
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O Sr. Virgílio Cruz: - Parece que o sentido dado por V. Ex.ª, à intervenção que aqui realizei não coincide com aquele que eu lhe quis dar, porque em dada passagem eu disse:
. . . para um progresso firme precisamos dos grandes e dos pequenos regadios, mas de uns e de outros só devemos executar aqueles que, pelo exame equilibrado das realidades, assegurem conduzir a produções abundantes e baratas e garantam a rentabilidade dos investimentos.
O Orador: - Sendo assim, estou na defesa de toda a rega, inteiramente de acordo com V. Ex.ª.
Pêlos esclarecimentos de V. Ex.ª, os meus agradecimentos, e pela minha, nesse caso, hipotética discordância, apresente a V. Ex.ª, as minhas desculpas.
Sem esquecer a importante acção do Ministério da Economia, julgamos útil acrescentar que o fomento dos regadios com escala industrial tem sido impulsionado e parcialmente suportado polo sector privado: indústrias transformadoras e regantes. Tem sido a indústria a fazer os viveiros, o ensaio de culturas, a divulgação de novas técnicas e os tratamentos fitossanitários; e tudo isto relacionado com uma boa prospecção de mercados.
Fazemos esta demonstração para o sossego do muitos espíritos, demasiado preocupados com as verbas que hão-de caber ao Estado nas futuras adaptações.
A necessidade da existência deste tipo de regadios, para possibilitar a proliferação dos aproveitamentos individuais de pequena e média dimensões, é tão evidente que não podemos deixar de manifestar estranheza por tantas reticências.
O que realmente importa é regar muito e célere, para que se dê a inversão da nossa balança alimentar.
Este caminho está assinalado no parecer em discussão quando diz:
Um raio do luz na exploração agrícola é dado pelo grande desenvolvimento na cultura do tomateiro em terrenos regados. Em 1966 a exportação de polpas, massas c concentrados elevou-se a quantia superior a 575 000 contos, o que é notável, dado que a cultura se iniciou há poucos anos.
Em 1967 continuou a aumentar a referida exportação, e se, além do tomateiro, pensarmos na carência de carne e leite, noutras culturas susceptíveis de industrialização (por exemplo: algodão, beterraba, tabaco, vegetais desidratados e fruticultura) e ainda nas infra-estruturas alimentares necessárias para se poder atingir o nível turístico que pretendemos, verificamos que já devíamos ter ultrapassado o período das «quixotescas lutas por sua dama».
Dizia há dias um vespertino, na sua nota do dia e com muita oportunidade, que para eliminarmos rapidamente o desajuste entre a estática das estruturas e a dinâmica da tecnologia carecemos de preparação psicológica e temos de estar atentos, receptivos e capazes de entender. É esta a posição que todos devemos tomar, e, por isso, só quero recordar que a área dos regadios programados pelo Estado para todo o território metropolitano deve ser computada em 320 000 ha. Que ao sul do Tejo existem mais de 800 regadios particulares, alguns financiados pelo Estado, e que estão previstos aproveitamentos idênticos para uma área de mais de 10 000 ha.
Tudo isto porque a rega, em moldes actualizados, exige, além do binómio água e terra, que aos seus termos se possam aplicar as novas aquisições da técnica.
E se a apetência do Alentejo pela rega parece serôdia, reparai que, não dispondo de água corrente, só agora lhe criaram as condições necessárias para a poder armazenar e utilizar.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Apesar do reconhecermos o valor do acréscimo de verba verificado no referente A instrução, também aqui nos parece sor de aconselhar um maior incremento nos investimentos, mesmo sem a proporcionalidade habitual no valor do produto nacional.
No mundo presente é o grau de preparação intelectual dos seus habitantes que transforma em próspera uma nação, e já não se discute a rentabilidade dos investimentos que se façam neste campo. Torna-se, pois, imprescindível proceder a uma revisão profunda dos nossos métodos de ensino, tal como tantos ilustres colegas o têm dito nesta Câmara.
Com professores mal remunerados, insuficientemente, preparados, trabalhando em mus condições pedagógicas c distribuindo a sua actividade por outros sectores, não é possível atingir objectivos satisfatórios. Muito há já feito, mas, se não corrigirmos as anomalias com brevidade, poderemos chegar a um resultado inverso do pretendido, porque o Estado despenderá verbas vultosas, mas não formará as elites de que necessita.
Também não queremos deixar de lembrar o papel que, cada vez mais, cabe à educação física e a saúde escolar. Com o desejável aumento da escolaridade obrigatória, torna-se premente o maior desenvolvimento da sua acção, pois só a escola poderá dirigir correctamente o desenvolvimento físico dos seus alunos. No exercício da nossa profissão, verificamos frequentemente a sua carência, tanto em crianças como em adolescentes e adultos.
S. Ex.ª, o Ministro de Estado pôde afirmar em comunicação aos órgãos de informação, que os capítulos «Instrução» e «Investigação» terão apreciável melhoria nas dotações do III Plano de Fomento, e a recente comunicação do Sr. Ministro da Educação também nos trouxe palavras de esperança; aguardemos, pois, que este Plano possa fazer o milagre que o País há tanto tempo deseja e espera nestes tão importantes e decisivos sectores da vida nacional.
E não quero terminar sem umas palavras sobre os nossos problemas da saúde.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não queremos deixar sem um ligeiro apontamento o que ao Ministério da Saúde e Assistência se refere no relatório das contas gerais do Estado. Faz-se nele referência a sensível subida anual média do ano de 1966, verificando-se que ela resultou, sobretudo, de maiores gastos pela Direcção-Geral dos Hospitais, com 604 175 contos, verba nunca atingida nos anos anteriores e que revela um acréscimo de quase 300 000 contos em relação a 1965. E o próprio relatório afirma que é necessário reforçar as dotações deste Ministério, quer por não haver uma cobertura eficiente nos serviços de saúde nos hospitais e outros, quer porque os aumentos de pessoal e material nos últimos anos justificam melhores dotações financeiras.
No início desta nossa modesta intervenção pude referir a preocupação pela primazia do factor humano no conjunto de todas as orientações que tendam para o engrandecimento da Nação, e seria entrar em lugares-comuns se quisesse demonstrar todo o valor da saúde dos povos como alavanca primeira deste engrandecimento. Sabe-se que é assim e já não se discute. Não há riqueza sem elevada qualidade humana, e esta pressupõe saúde capaz.
Aliás, na formação integral que se deseja para «todos os homens e para o homem todo», se há que considerar o factor económico em toda a sua relevância, não pode ele separar-se do humano, e este pressupõe como primeiro degrau a saúde. Por isto concordo com a afirmação feita no relatório quanto à necessidade do reforço de ver-
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bas para este Ministério, mas ele tom de ser substancial. E se é certo que a maioria dos serviços carecem desse reforço, a fim de intensificarem a sua obra ou montarem estruturas mais eficientes, quero referir-me, especialmente, à organização hospitalar, por ser reconhecida come a de maior urgência e imperiosa necessidade. Não quero, esta afirmação, menosprezar outros serviços que serão igualmente carecidos, tais como os de assistência materno-infantil, os serviços de saúde e os de assistência psiquiátrica, este orientado por recente legislação, mas carecida dos meios de acção para lhe dar cumprimento: bastará lembrar a necessidade premente da criação efectiva dos centros distritais de assistência psiquiátrica.
O distrito de Beja, com os seus 283 152 habitantes, necessita, com a maior urgência, do seu centro; não é uma consulta mensal realizada por especialista que à cidade se desloca do Algarve que pode resolver satisfatoriamente o problema.
Não será este o momento mais indicado, mas, com licença de V. Ex.ª, Sr. Presidente, atrevo-me a apelar para os Srs. Ministro da Saúde e Assistência e para o director do Instituto de Assistência Psiquiátrica para acorrer, com toda a urgência, ao nosso distrito de Beja, que tão carecido está da montagem do seu centro distrital de assistência psiquiátrica.
A organização hospitalar não tem, como diz o relatório que vimos a apreciar, «uma cobertura eficiente dos serviços de saúde nos hospitais», e nós diremos, acentuando essa afirmação, que na realidade ainda estamos longe de possuir uma capaz rede hospitalar. Queremos prestar a nossa homenagem ao Sr. Ministro da Saúde e Assistência pelos esforços que vem fazendo nesse sentido, revelados, como dominante preocupação, desde o inicio da sua gerência e abordados, publicamente, por S. Ex.ª, nas posses conferidas aos Ex.mos. Provedor do Hospital Escolar do. Porto e Administrador dos Hospitais Civis.
E, para não me alongar desmedidamente, farei referência curta ao discurso de S. Ex.ª, proferido em Coimbra no dia 19 de Dezembro de 1967, em visita que fez aos Hospitais da Universidade. A leitura deste discurso esclarece-nos perfeitamente do conhecimento total do Sr. Ministro quanto a este magno problema hospitalar. Não deixa S. Ex.ª, de mostrar Ioda a grandeza do problema nas suas diferentes implicações, nomeadamente, até, nas dificuldades que surgem, não apenas no domínio da carência de técnicas e de estruturas orgânicas, pois elas envolvem também «toda uma mentalidade de trabalho cuja modificação se torna imperiosa». Temos fé na extrema boa vontade do Sr. Ministro, e porque S. Ex.ª tem os conhecimentos que neste discurso bem se revelam, juntaremos à fé toda a nossa esperança de que na vigência do III Plano de Fomento muito se consiga na estruturação da obra, adentro das principais medidas neste III Plano previstas, tudo de acordo com os estudos, alguns exaustivos, que têm vindo a ser feitos, como foi, por exemplo, o das carreiras médicas.
Por tudo isto nos dispensamos de outras referências à incapacidade e insuficiência da nossa actual e inexistente estrutura hospitalar. O Governo, como se demonstra neste discurso de Coimbra, está atento ao problema, conhece-lhe as premissas e não deixará de fazei-os maiores esforços no sentido de dar à metrópole portuguesa, no mais curto espaço de tempo possível, a verdadeira organização hospitalar, que é, realmente, imperiosa o que constitui, sem dúvida, uma das maiores premências de toda a população portuguesa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Mário Galo: - Sr. Presidente, prezados Colegas: As nossas contas gerais do Estado, nu sua condição de pecas de base da consideração executória de outras peças que são os correspondentes orçamentos gerais do Estado, não comporiam comentário:, salvos os que conduzem pura e simplesmente à nossa declaração firme de aprovação cubai dos seus desenvolvimentos de vária ordem elucidativa - tílias generosos de forma e conteúdo adjuvantes de apreciação.
Por de mais se sabe que uma conta geral é um relato - em quantidades e por natureza- suscitado pela execução de uma peça de estirpe legislativa a partir desta mesma Assembleia Nacional e com as alterações que nos correctos quadros constitucionais se introduzem em pormenores distributivos de encargos perfeitamente domináveis pela observação de quem de direito - e é tal peça o Orçamento Geral. Assim sendo, e porque se trata de um trabalho que apenas se tem de prevalecer das aplicações naturais da contabilidade pública, resta que os elementos humanos do competente departamento do Estado obedeçam as regras para ao Pais serem fornecidas contas sintéticas e analíticas da vida funcional da Nação no Âmbito público. O que, valha a verdade, não é assim tão simples, pois há «notas», daquelas que precisam de toda uma longa teoria de caminhos afluentes e efluentes para- que as peças indicativas, demonstrativas, justificativas e comparativas se juntem (mas não se misturem amorfamente) e se coloquem em firme e natural justaposição para a formação de textos e quadros de feição harmoniosa e sistematicamente representativos da verdade executória de um orçamento como o do Estado. Harmonia em surto que parece simples - para leituras fáceis -, mas que não deixou de ser complicadíssimo de manobra e execução técnicas. E nisso vai o elogio merecido para a Direcção-Geral da Contabilidade Pública, à frente da qual se encontra o Dr. Aureliano Felismino, a quem. como a toda a sua equipa cimeira e subordinada, presto a melhor homenagem.
Se, além disso, nos lembrarmos de que os contas gerais ainda são objecto de meticulosa observação pela Comissão das Contas Públicas desta Assembleia, Comissão que sempre se tem desempenhado da sua missão com brilho notável, que muito me apraz reconhecer e muito louvar, brilho a que não é estranha a presença douta e experiente do seu presidente e relator, o nosso ilustre Colega Engenheiro Araújo Correia; e se não nos esquecermos de que as contas gorais se tornam também objecto, a outras luzes e para fins diferentes, de exame pelo Tribunal de Contas, cuja declaração geral de conformidade se torna indispensável, também nos termos constitucionais; se de tudo isso nos lembrarmos, não restam dúvidas quanto a que as referidas contas gerais são correctamente relevadas, representando a expressão contabilística estática de uma linha contínua ou dinâmica de expressões da mesma índole, partindo-se das origens previsionais, passando pelas estações de toda a alteração decorrida sob égide legal e chegando ao ponto final da execução gerencial da peça orçamental definitiva.
Por outro lado, as nossas contas gerais poderiam limitar-se a muito pouco de descritivo para além do necessário à arrumação dos quadros indicativos e finais da execução orçamental. E já cumpririam a missão que lhes cabe na orgânica administrativa do País, ao mesmo tempo que se ficaria cabalmente com a noção da verdade contabilística da gerência dos dinheiros públicos. Acontece, porém, que essas nossas contas gerais são sempre acompanhadas de relatórios, que na escala essen-
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cial nos põem ao corrente da evolução conjuntural (e mesmo estrutural) das economias internacional e nacional. Circunstância essa com a qual nos congratulamos, pois nos é proporcionado um panorama do que se passa lá fora e cá dentro nos campos das políticas económicas e financeiras.
E até a forma como os quadros contabilísticos e outros são ordenados e apresentados nos levam a conhecimentos específicos e gerais da vida nacional nos seus números e significados fundamentais.
Ora, sendo então que quanto à sua condição de peça contabilística e descritiva -de grande vulto e apreço, sem embargo - mal é preciso falar-se da Conta Geral de 1966 (como das que a precederam) - salvo, repito, para dela se dizer que deve ser aprovada-, a verdade é que proporciona a oportunidade de se falar de qualquer dos assuntos que interessam à vida nacional. E dessa circunstância me prevaleço para algumas considerações que me parece deverem ser salientadas, inclusivamente para a solicitação de cuidados que se impõem para evitarmos que os encargos das nossas obrigações históricas, consubstanciadas principalmente na defesa do ultramar, nos levem para situações mais desfasadas ainda quanto a forças económicas, hoje de consideração imponente no conspecto internacional.
Porque, se é verdade que grandes dispêndios temos feito e faremos com a defesa imperiosa do ultramar português, terras que são tão portuguesas como qualquer das que se encontram na parte europeia que ocupamos na Península Ibérica, do Minho ao Algarve, e de tais dispêndios nos orgulhamos, a um tempo pelo dever em cumprimento e pelo que de esforço e sacrifício material isso representa - não menos verdade e imperioso é que, perante esses esforço e sacrifício material, tudo devemos fazer no sentido de um trabalho de compensação, em estilo de ressarcimento por outras vias, das fontes de que retiramos o potencial económico e financeiro respectivo. E sim porque, se o não fizermos com a intensidade e com a extensão necessárias, principalmente na metrópole (a parte do espaço português que tem suportado o peso mais saliente daquele esforço material), sem dúvida as fontes poderão deixar de se apresentar com aquela abundância que nos tem permitido seguir a expressão do Sr. Presidente do Conselho, quanto à defesa ultramarina: «Aguentar!» E «aguentar» significa também alinhar todas as forças, todos os parâmetros de consideração no campo da nossa economia, mobilizando todas as vontades e todas as potencialidades, onde quer que elas possam e devam ser procuradas e se possam e devam manifestar «em força e imediatamente», para me aproveitar de outra fórmula de actuação preconizada pelo Chefe do Governo, quando se pôs à nossa consciência a ideia de serem defendidas as nossas terras ultramarinas.
Com o que quero dizer que, onde quer que elas, vontades e potencialidades, se encontrem, devem ser procuradas, estimuladas, acarinhadas, para se manifestarem por impulsos próprios e por impulsos induzidos. Para o que, naturalmente, tais vontades e potencialidades terão de ser acolhidas, na sua manifestação, olhando-se ao mérito de empreendimentos projectados, mesmo que fujam dos cânones do convencionalismo instituído por pessoas e fórmulas-estas admitidas ou não nas prioridades ou proposições orientativas do III Plano de Fomento, e aquelas se apresentando, por vezes arrogantemente, no nosso tablado económico-financeiro, como que as únicas detentoras do saber e da iniciativa.
Sr. Presidente, prezados Colegas: Falei em encargos que a metrópole tem estado a suportar - orgulhosamente, entenda-se - com a defesa do ultramar. Â própria Conta.
Geral que temos em apreciação fala-nos de enormes encargos com a defesa e segurança - inscritos, tais encargos, em «Despesas extraordinárias». E referem-se esses grandes encargos exactamente, no seu maior montante (de longe o maior), aos gastos com o envio e manutenção das forças armadas extraordinárias destacadas no ultramar, para sua defesa. Encargos que se tomaram por deveres irrecusáveis de cumprimento, mas que nos dizem imediatamente que devemos trabalhar cada vez mais no sentido de cá e no ultramar promovermos surtos de interesse na produtividade e consequente melhor rentabilidade possível dos capitais aplicados para fins de fomento económico, independentes, portanto, dos gastos com as forças armadas. Produtividade que, na metrópole e no ultramar, e na medida do possível, contribua para uma constante suavizarão de custos da produção nacional com o objectivo de concomitantes abaixamentos dos preços de venda, tornando estes mais (cada vez mais!) competitivos nas grandes pugnas comerciais com os produtos estrangeiros, nos mercados interno e externos.
Ora, em abono de quanto acabo de dizer, vejamos, primeiro, exactamente como grande indicativo da necessidade de entrarmos em caminhos de austeridade auto--imposta ou mesmo compulsiva, quer no âmbito oficial, quer no privado, pondo-se de parte complexos de qualquer ordem, incluindo os que se prestam a considerar situações económicas (na sua detenção) como intangíveis ou insubstituíveis por iniciativas frutuosas de novos empresários ou susceptíveis de o serem desde que amparados decididamente por departamentos de toda a índole (oficial e privada), mesmo departamentos que têm a missão (e a obrigação) de outorgarem créditos olhando apenas ao mérito dos empreendimentos e à honestidade (investigada ou não) dos que desejam aparecer nas linhas mestras das empresas industriais, agrícolas ou comerciais (ou tudo ao mesmo tempo), vejamos, dizia eu, como grande indicativo de tal necessidade de imperioso aproveitamento de iniciativas frutuosas, um quadro inscrito no trabalho Despesas com as Forças Militares Extraordinárias Destacadas nas Províncias Ultramarinas, da autoria do há pouco indicado Sr. Dr. Aureliano Felismino, director-geral da Contabilidade Pública (edição da Imprensa Nacional de Lisboa), quadro que se refere a despesas extraordinárias a cargo da metrópole. Esse quadro (que o autor refere de 1961 a 1967, até 1966 já efectivas, e quanto a 1967 ainda as orçamentadas, à espera da sua consideração em conta geral) é o seguinte: '
Despesas com as forcas militares extraordinárias destacadas nas províncias ultramarinas, a cargo da metrópole
Milhares de contos
Já constantes das contas gerais do Estado:
1961 2 428
1962 3 264
1963 3 355
1964 3 592
1965 4 156
1966 4 467
Constante do orçamento geral:
1967 5 154
1961-1967 26 416
valor total, este, a que deverá acrescer, em 1968, pelo menos, valor como o de 1967, o que dará, desde 1961 até final de 1968, à volta de 32 milhões de contos. E esta
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importância é de cerca de duas vezes a receita ordinária prevista para o corrente ano de 1968 no Orçamento Geral do Estado.
Por outro lado - e, com isto, se desfazem muitas ideias erradas e se concita de novo a atenção de quem a deva ter no sentido das já apontadas austeridade e viragem de conceitos de apreciação perante empreendimentos novos - novos de gentes ou novos de finalidades -, vamos tomar um quadro de índices de preços por grosso em Lisboa, quadro que bem demonstra o asserto (e o acerto) quanto a tal atenção. Teremos o quadro:
Índices de preços por grosso em Lisboa
[Ver Tabela na Imagem]
Trata-se do chamado «dispositivo complementar» do quadro destes índices, no qual se notam as influências que no «índice geral» têm os «Produtos da metrópole» e os «Produtos do ultramar», principalmente estes últimos, que começaram a ter tal influência desagradável logo a partir de Setembro de 1949, contrapondo-se à área dos baixos índices restantes, de que o dos «Produtos da metrópole» teve afastamento, mesmo de 1960 para 1967, como o quadro bem o mostra - ambos, finalmente, se contrapondo aos índices dos produtos restantes, incluindo os originários do estrangeiro.
E com isso se quer referir que os preços dos produtos integralmente originários da metrópole e do ultramar são os que mais crescentemente têm estado a influir na elevação do índice geral do» preços por grosso em Lisboa - de que irei fixar também o competente «dispositivo fundamental» -, não sem que primeiro se diga que, apesar de mais crescentemente elevados os preços dos produtos ultramarinos, não nos temos tentado a substituí-los por similares estrangeiros:
Dispositivo fundamental
[Ver Tabela na Imagem]
Nota. - Com preços (seus índices) superiores pó da respectiva mídia e considerando apenas o ano de 1967, virá o seguinte sub-quadro dos índices do dispositivo fundamental [base (100): 1948]:
[Ver Tabela na Imagem]
Evidentemente, estes últimos quadros (especialmente o referente ao dispositivo fundamental), cujo ano de base inicial (1948) é praticamente o mesmo que o dos preços nu consumidor (seus índices) também em Lisboa (l de Julho de 1948 a 30 de Junho de 1949) - esses quadros mostram-nos que os referidos índices dos preços por grosso têm evoluído com menor agudeza do que os preços (seus índices) no consumidor. Com efeito, e tomando apenas os anos de 1964 a 1967, o mês de Outubro de cada um desses anos proporciona-nos o seguinte quadro:
[Ver Tabela na Imagem]
E este último quadro, prezados Colegas, bem nos fala da incontenção dos preços no consumidor perante os preços por grosso (e faz-se chamada especial para a linha «Só alimentação» de ambos os grupos, por ter mais ampla homologia). O que também, entre o mais, se pode (e certamente se deve) atribuir à elevação (pertinente de consideração em preços de venda) mais do que proporcional de outros factores, como aumentos de salários e de impostos e contribuições. Como quer que seja: um desfasamento a pedir revisão de circunstâncias, até as das notações estatísticas, estas últimas em curso de revisão com o inquérito que o Instituto Nacional de Estatística tem entre mãos quanto às receitas e despesas familiares.
Sr. Presidente, prezados Colegas: Em boa verdade, a vida tem estado, quanto ao seu custo, em aumento, o que é verificado seja por quem for que, de qualquer modo e em qualquer intensidade, tenha de enfrentar as contas das mercearias e de outras lojas de retalho, assim como as demais que temos de suportar no quotidiano da nossa existência. E que não são só os indicadores oficiais - sabidos através das emissões do prestimoso, ainda que destituído de meios materiais, Instituto Nacional de Esta-
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tística - que o dizem, em números a um tempo frios e escaldantes: são as próprias queixas das donas de casa, que sabem (de ciência certa e bem feita, em boa verdade ...) que os acréscimos do custo de vida entre nós são bem mais agudos e constantes do que o inculcam os números oficiais. Elas, as donas de casa, apontam multiplicadores de expressão mais elevada. E não raro muitas delas terminam as suas considerações dizendo, em tom sobranceiro de firme desabafo: «Ai, que se fosse eu a mandar « ...»
E com isto quero dizer que anseio por que acabem os trabalhos do inquérito acerca das receitas e despesas familiares que o Instituto Nacional de Estatística tem em curso e que, segundo as previsões deste alto departamento da Presidência do Conselho - um departamento que poderá vir a ser uma infra-estrutura de grande relevo na vida nacional (e que, por isso mesmo, se encontra inscrito no mapa dos Encargos Gerais da Nação) - inquérito que, dizia eu, estará, segundo as previsões daquele Instituto, terminado na primeira quinzena do próximo mês de Março.
Trata-se de um inquérito cujo objectivo, como muitos sabem -e muitos nem sequer de tal se dão conta-, é a colheita de informações que venham a permitir ao Governo promover, em bases seguras, a estruturação e o fomento da economia nacional - o que é muito bom - e também estabelecer um esquema de ponderação que torne possível a revisão do índice de preços no consumidor. Com o que, neste último caso, muito se contribuirá para, entre o mais, confrontação ou cotejo «preços-remunerações salariais e outras», que amplamente e por sua vez contribuirá para a extirpação de desfasamentos entre esses tópicos de oposição: o que se ganha e o que se gasta.
Por outro lado, anseio também por que, após o termo do inquérito, tudo se faça no sentido de serem obtidas e dadas a lume todas as linhas fundamentais e secundárias do referido esquema de ponderação, para que os índices revelem uma entrada decisiva pelas áreas das realidades de que tem estado afastadas, principalmente pelo que de obsoleto, impreciso ou indefinido há na «realidade» em que assentou a ideia inicial do índice vigente e se foi modificando ao longo dos tempos, até que se reconheceu, felizmente (e não muito cedo ...), que chegara a hora de se entrar em caminho novo consubstanciado nos resultados do inquérito já quase terminado.
Como quer que seja, e para que as coisas se processem com o mínimo de novo desfasamento entre a realidade «custo de vida» e a realidade «remuneração paga a quem trabalha», bom será que tudo esteja a postos para as considerações e concretizações finais a que têm direito aqueles que não vêem subir o que ganham, mas que vêem subir tudo, directa ou indirectamente, o que precisam de pagar para seu sustento e da família.
Naturalmente, como os salários e outras remunerações têm sido aumentados - várias vezes significativamente - e esses aumentos representam bastante de adequação aos preços de venda reais (que não os meramente postos nos índices da estatística oficial) no consumidor, tudo nos pode levar a crer fundamentalmente em que o aumento mais do que proporcional (e real) do custo de vida advirá intensamente do aumento das contribuições e dos impostos incidentes nos custos de produção. E todos eles incidem, desde que suportados pelas empresas, ainda que não se sabe bem a que fontes lógicas vão beber os nossos legisladores que retiram do custo dos exercícios, por exemplo, a contribuição industrial, como que a inculcarem que tal ónus não se integra no custo do produto e no respectivo preço de venda. De mais a mais, sabendo-se que as contribuições e os impostos pagos ou a pagar pélas empresas de vária índole aumentaram multiplicativamente
várias vezes, a partir da entrada em vigor do estabelecido na actual legislação tributária.
Sr. Presidente, prezados Colegas: No magistral «parecer» emitido pela distinta Comissão das Contas Públicas desta Assembleia Nacional surgem, com relevância adequada às circunstâncias, números e considerações acerca do nosso comércio externo. Ora, porque muitos inadvertidos julgam que estamos a percorrer caminhos deficitários, sim, mas não perigosos, nesse comércio, bom é que nos apercebamos de que tais caminhos têm sido grande mal nosso, só resistindo a nossa balança de pagamentos aos males da nossa balança de comércio porque tem havido os benefícios de outras fontes de que não devemos esperar eternamente ajuda decisiva.
E desejo, então, em abono das considerações que fiz até aqui, alinhar alguns números ligados à nossa vida comercial com o estrangeiro - refiro-me à vida comercial do todo do espaço português -, números que me permito, para facilidade de recurso, buscar num boletim recentemente emitido pelo operoso Gabinete de Estudos Económicos, Financeiros e Estatísticos do Banco Nacional Ultramarino, em trabalho da autoria do Sr. Dr. Freitas Mota.
Ora, se tomarmos o quinquénio 1961-1965, teremos que o deficit de todo o espaço português (metrópole e ultramar-) no seu comércio com o estrangeiro atinge a soma acabrunhante posta no seguinte quadro:
Comércio especial com o estrangeiro
1961-1965
[Ver Tabela na Imagem]
Se a estes totais de saldos juntarmos os de 1966 e dos meses de Janeiro a Novembro de 1967 e só os referentes à metrópole, teremos o seguinte impressionante quadro:
Saldos da balança comercial do espaço português com o estrangeiro
Milhares de contos
[Ver Tabela na Imagem]
Isto é: um saldo negativo total de mais de 66 milhões de contos - sendo que a metrópole, no período de Janeiro de 1961 a Novembro de 1967, apresentou, só à sua parte, um saldo negativo de mais de 62 milhões de contos. Ora, mesmo considerando que muito do importado constitui apetrechamento e remuniciamento para efeitos industriais,
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a verdade é que um saldo negativo anual médio de uns O milhões de contos na metrópole no seu comércio com o estrangeiro nos últimos sete anos coisa é de muito nela se ponderar, e não de ânimo leve, é bem de ver.
Que devemos promover surtos de interesse quanto n unidades novas de índole industrial, agrícola e comercial para as necessárias compensações de gastos no ultramar, que, quanto a reprodutividade económica, não são propriamente integrais - independentemente da natureza patriótica dos mesmos -, eis que o inculcam factos que constantemente verificamos e que poderão redundar em tensões sociais susceptíveis de advirem de origens mesmo insuspeitadas. E que podem ser provocadas pela guerra comercial que nos deve ser feita em moldes de competição, com a introdução - que sabemos estar a ser promovida - por nações altamente desenvolvidas nas suas unidades industriais, agrícolas e comerciais de tecnologias apuradas, contra as quais nada podem as nações em mera via de desenvolvimento económico (como Portugal metropolitano)- e pior estando as nações e os territórios caracterizadamente subdesenvolvidos (ultramar português, por exemplo). Estádios económicos esses nossos, que ainda há pouco a própria O. C. D. E. os caracterizou, em publicação própria, sem contestação da nossa parte.
Sr. Presidente, prezados Colegas: Pouco falei, afinal, da Conta Geral de 1966 em si. Porém, não quis deixar de, sob influência de números e situações nela expressos ou meramente implícitos, promover as singelas considerações que impuseram à minha consciência as circunstâncias da nossa posição no mundo económico - posição delicada.
E vou terminar, dando a minha aprovação n essa Conta Geral - e faço-o no grato cumprimento de um dever. E dou essa aprovação não sem que reitora os devidos louvores à forma como ela está apresentada - aliás, a exemplo das anteriores, umas e outra de modo brilhante. Louvores que sinceramente julgo que outros formularão também.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. À próxima será no dia 29, quinta-feira, à hora regimental, sobre a mesma ordem do dia. Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 25 minutos.
Requerimento enviado para a Mesa durante a sessão:
Ao abrigo do Regimento, roqueiro que me seja facultado um exemplar de cada número da, publicação do Ministério das Obras Públicas Boletim da direcção-geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais.
Palácio da Assembleia Nacional, 23 de Fevereiro de 1968. - O Deputado, José Fernando Nunes Barata.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
António José Braz Regueiro.
António dos Santos Martins Lima.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Correia Barbosa.
Duarte Pinto do Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gustavo Neto de Miranda.
João Duarte do Oliveira.
José Dias de Araújo Correia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Dias das Neves.
Luciano Machado Soares.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Paulo Cencella de Abreu.
Rui Pontífice de Sousa.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arautos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
António Maria Santos da Cunha.
Artur Alves Moreira.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando de Matos.
Jaime Guerreiro Rua.
Joaquim de Jesus Santos.
José Coelho Jordão.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Henriques Mouta.
José Pinheiro da Silva.
José Rocha Calhorda.
José dos Santos Dessa.
Manuel Amorim do Sousa Meneses.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel Lopes de Almeida.
Rafael Valadão dos Santos.
Rogério Noel Pêros Claro.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
O REDACTOR - Januário Pinto.
NACIONAL DE LISBOA