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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 141

ANO DE 1968 1 DE MARÇO

ASSEMBLEIA NACIONAL

IX LEGISLATURA

SESSÃO N.° 141, EM 29 DE FEVEREIRO

Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Ex.mos Srs.:
Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
Para os efeitos do disposto no & 3º do artigo 109º da Constituição, foi recebido na Mesa o Diário do Governo n.º 44, 1ª série, inserindo o Decreto-Lei n.º 48 247.
Usaram da palavra os Srs. Deputados André Navarro, acerca da actividade de organismos políticos externos de facção extremista; Elisio Pimenta, sobre problemas afectos à Santa Casa de Misericórdia do Porto; Santos Bexsa, para se referir ao uso dos pesticidas na agricultura: Lopes Brazão, que chamou a atenção para a situação dos veterinários municipais, e Horácio Silva, que fez considerações acerca dos problemas do povoamento em Angola.

Ordem do dia - Prosseguiu o debate sobre as Contas Gerais do Estado (metrópole e ultramar) e da Junta do Crédito Público referente ao ano de 1966.

Usaram da palavra os Srs. Deputados Barros Duarte e Sousa Magalhães.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso
Alberto Pacheco Jorge.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António Júlio do Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Artur Aguedo do Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batïsta Cardoso.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moneada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco José Cortes Simões.
Gustavo Neto de Miranda.
Horácio Brás da Silva.
James Pinto Buli.
Jerónimo Henrïques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva, Pereira.
João Ubach Chaves.
Jorge Barros Duarte.
José Guilherme Bato do Melo o Castro.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.

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José Manuel da Costa.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Dias das Neves.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecerele Sirvoicar.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente:- Estão presente 67 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

• Telegramas apoiando a intervenção do Sr. Deputado Elmano Alves.

Telegramas de aplauso às palavras do Sr. Deputado Pais Ribeiro. "

Ofício da Federação dos Vinicultores da Região do Douro agradecendo a intervenção do Sr. Deputado Cunha Araújo na sessão de 15 de Janeiro de 1968.

O Sr. Presidente: - Para efeito do disposto no § 3.º do artigo 109.° da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.° 44, 1.ª série, de 21 do corrente, que insere o Decreto-Lei n.° 48 247, que cria, a título temporário, o 3.° Tribunal Militar Territorial, com sede em Lisboa.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado André Navarro.

O Sr. André Navarro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As palavras que passo a pronunciar são a sequência das ditas em outras intervenções nesta Assembleia política sobre as maquiavélicas campanhas que nos movem as forças do mal, pretendendo estas atingir os fundamentos da nossa retaguarda. Assim, a minha única intenção ó pôr de sobreaviso VV. Ex.ª sobre a estratégia e as tácticas de tão perigosos inimigos.

A experiência do passado, pela confirmação do que aqui ficou dito, leva-me a não desistir desta atitude de defesa do sagrado património que herdámos.

Para evitar incómodos aos inimigos de sempre, apenas lhes direi desta tribuna, com lealdade, que não valerá a pena insistir nos seus insultos -e isto em referência não só aos menos responsáveis, os que executam, mas acima de tudo aos que mandam, escondendo-se no anonimato -, pois as suas reacções apenas me levam, por confirmação do benefício da atitude que tomei, a continuar cada vez com mais energia na defesa dos superiores interesses da Nação. Eis tudo.

E, assim, continuemos.

Está passando o Mundo, no momento histórico que decorre, por profundas convulsões políticas, económicas e sociais que atingem, em maior ou menor grau, o âmago de todas as civilizações, digo, de todos os estádios da existência humana no espaço total da sua vivência. Digamos melhor: estamos hoje entrando talvez já na antecâmara da nova era que se avizinha. E esta, de feição supermaterialista, 'pela nova escala de valores do espaço e do tempo, que constituirão os seus meridianos, atingirá os lugares mais recônditos do nosso planeta.

O robot humano cibernético-ordenador, não só informativo, mas dotado também de raciocínio, dominará então, quem sabe, até o fruto admirável da criação Divina, e então assistirá o Mundo, certamente, ao fim de todos os fins. E hoje sopram, infelizmente já todos as sentimos, as brisas talvez anunciadoras desse dramático dia.

São, porém, segundo uns, apenas os ventos cíclicos da história que estão a actuar com intensidade crescente sobre o que resta de um próximo passado e ainda o que se levanta contra a força que deles emana. Segundo outros, o de que nos vamos apercebendo é tão-sòmente o natural rodar dos tempos, de um processo evolutivo subordinado a leis que muito ultrapassam as possibilidades do conhecimento humano.

Estas, entre várias, as teorias que o homem de hoje pretende erigir para explicação da complexa fenomenologia que a cada momento depara no ambiente em que vive.

Vejamos então - apenas como interessado observador político - o que nos parece dizerem os decantados ventos da história e as inúmeras vagas que têm levantado e vão levantando no mare magnum da vida quotidiana.

A história, sendo, ou, melhor, devendo ser, mestra da vida, é, porém, especialmente quando as perspectivas são vistas de muito perto, facilmente deformável nas interpretações julgadas lógicas. E, assim, vá de dar a tais ventos as direcções e sentidos mais díspares, e isto, muitas vezes, apenas conforme conveniências imediatas, ou a curto prazo, de grupos ou partidos.

Não nos devemos admirar, pois, que se tenham cometido através dos tempos erros graves de interpretação, de consequências imprevistas no destino de nações e até de grandes impérios. E temos hoje perante nós um caso de uma catástrofe desta natureza. Foi assim, por exemplo, que a Grã-Bretanha imperial, soprada, de resto como todo o mundo, pela borrasca da descolonização que assola o planeta, foi arrastada, por grave erro político de previsão, a aceitar como inevitáveis os efeitos desses ventos.

Em pouco mais de um quartel assistiu-se então ao liquidar de um empório comercial imenso erigido por um sábio israelita. Na realidade, em menos de meio século trabalhistas e conservadores, de mãos dadas, foram operosos coveiros desta magnífica realização do grande mi-

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nistro da rainha Vitória. E hoje, conforme se pode ler no U. S. News and Wordl Report do corrente mês, de resto já lugar-comum no jornalismo político internacional, "A Grã-Bretanha, governada por um partido trabalhista imbuído pelas doutrinas socialistas de Karl Marx, apresenta-se, no momento que passa, apenas tentando ajustar a sua posição mundial a uma formação de fraco relevo, e ainda assim incerta de se poder adaptar às actuais condições económicas e sociais do mundo moderno."

Direi, encerradas as lojas espalhadas por todo o império e traspassadas algumas das mais valiosas, era faial a insolvência da firma! Foi o que aconteceu, como de resto sempre acontece, quando a empresa realiza apenas trabalho, ou dominantemente o faz no campo árido da gestão materialista.

Em livro de recente publicação, Le défit anécrícain, best seller nos últimos meses em inúmeras livrarias de aquém e de além-Atlântico, o seu muito discutido autor dá-nos a expressão actual de um forte vento da história - mais um, mas este talvez o mais intenso entre os que têm soprado no mundo contemporâneo.

Este vento, partindo das ricas e evoluídas paragens do continente norte-americano e soprado pela inteligência e espírito lucrativo de uma raça de eleição, definirá só por si, assim o cremos, as principais características da nova era que se avizinha. Antevê em tão discutido livro Jean-Jacques Servan-Schreiber, jornalista do Express e do Monde, o panorama deste novo clima que deverá imperar, decorridas poucas décadas, em parcela gigantesca da Terra, abrangendo nela esta pequena península europeia.

E o que será desta velha Europa, berço de tantas e tantas nacionalidades e expoente máximo da civilização que abraçou o planeta, se não forem criados a tempo os necessários meios para que o Velho Mundo possa acompanhar esse Novo Mundo nascente? Novo Mundo da era "tecnetrónica", em que a supergestão empresarial americana constituirá a sua principal expressão, e isto muito antes que soem as 21 badaladas anunciadoras do século que se aproxima.

Será necessário à Europa, então, conforme se deduz do recente artigo do professor da Universidade de Colúmbia Zbigniew Brzezinski, ultrapassar o grande fosso que hoje separa a cultura dos viventes habitando as duas margens do Atlântico.

O progresso da electrónica está produzindo um mundo de supercultura, diz o referido professor universitário, e as relações entre essas superculturas e as tradicionais culturas do passado - embora próximo - constituem o maior problema a solver nos próximos 50 anos. Esta supercultura, largamente influenciada pelo modo de vida americano, com a sua linguagem electronicamente ordenada, terá dificuldade em gerar, na realidade, segundo afirma, novos pólos de progresso cultural.

Os Estados Unidos já estão passando hoje, de facto, pelas primeiras fases da nova era, enquanto a Europa, desunida quanto aos seus interesses vitais, assiste ainda, estática, ao acréscimo das distâncias que a separam do Novo Mundo. E assim é que 75 por cento dos computadores hoje existentes operam nos Estados Unidos, e esta nação, com os encargos incomensuráveis que suporta com a polícia do mundo exterior, por vezes muito mal despendidos, é certo, ainda assim dispõe de quatro vezes mais do que todas as nações industriais do mercado comum reunidas quanto a número de cientistas e de investigadores e mais de três vezes e meia do que a Rússia Soviética conseguiu formar na corrida mantida há meio século com o seu poderoso competidor capitalista.

E estas diferenças tendem a tornar-se ainda mais sensíveis, atendendo ao actual sentido e intensidade de força emigrante da matéria cinzenta europeia, o que lerá levado Lin Pião a dizer que a América do Norte, pelo caminho que antevê, procurará ser, nos novos tempos, a cidade única de um grande mundo rural subevoluído, englobando este a Ásia, a África e a América Latina. Exagero, talvez, mas no fundo este conceito do político chinês maoista encerra uma verdade que é hoje e será no futuro próximo fonte das mais graves convulsões, que serão certamente intensificadas quando o desnível for ainda maior em relação ao terceiro mundo - o da pobreza. E este abrange, presentemente, dois terços da população do Globo! É no sentido profundo da filosófica frase de Lin Pião que devemos entender também a verdadeira intenção das medidas ultimamente anunciadas ao mundo pelo presidente Jonhson e apresentadas como simples defensoras do equilíbrio da balança de pagamentos norte-americana, quando se destinam, sim, num futuro não muito longínquo, julgo, á assimilação total, pelo mundo americano, de um mercado de cerca de 300 milhões de evoluídos europeus. Mercado que traz já hoje para a gigantesca empresa industrial norte-americana elevada parte dos seus reditos, muito superiores ao valor dos investimentos agora condicionados. Esta é, na verdade, uma das modalidades do que eu chamaria de "antipolítica", técnica política hoje tanto em voga, isto usando designação paralela à que o insigne jornalista Dr. Augusto de Castro admiravelmente exprimiu num notável artigo intitulado "A Antiliteratura".

Antipolítica que levará a dizer que hoje em política o que parece não é. Não terá sido, na realidade, o seguir este novo conceito da arte de governar os povos que levou a Rússia, para se assenhorear totalmente do liquidado Egipto após a guerra relâmpago árabe-israelita dos seis dias, a não intervir se não após a consumada derrota do seu aliado? Assim, de facto, pôde o pan-eslavismo, com o máximo de facilidade e mínimo de dispêndio, conquistar as muito desejadas posições estratégicas no flanco sul desta já quase indefensável Europa.

Mas voltemos à análise que estávamos fazendo dos ventos dominantes que sopram presentemente no complexo mundo deste xadrez internacional.

Segundo vários autores, alguns deles até paredes meias com o jornalista da Press Union, os já célebres ventos da história estariam hoje soprando ainda mais violentos, partindo de outra banda, dos lados do Leste - do Médio, Próximo e Extremo Oriente.

Como vemos, o catavento que recolhe os ventos da história é tão volúvel tal qual os que informam os boletins de certas previsões meteorológicas. E assim é que em uma das últimas publicações do Ycar of Crisis, editado por Evon Kirkpatrick, se mostra, com particular evidência, como se recompuseram rapidamente e até se intensificaram ao máximo os ventos marxistas após a grave crise húngaro-alemã, antes do advento do actual período de "coexistência pacífica".

E assim é que hoje todas essas instituições bipolares de informação e propaganda comunista, entre as quais destacamos o Conselho para a Paz Mundial (W. P. C.), a Federação Mundial das Trado Unions (W. F. U.), a União Internacional dos Estudantes (I. U. S.), a Federação Mundial das Juventudes Democráticas (W. F. D. T.), a Federação Internacional Democrática Feminina (W. I. D. F.), a Associação Internacional Democrática dos Advogados (I. A. D. L.), a União Mundial dos Professores (F. I. S. E.), a Organização Internacional dos Jornalista

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(I. O. J.), o Comité para o Desenvolvimento do Comércio internacional (C. P. I. T.), o Congresso Mundial dos Médicos (W. C. D.), a Federação Mundial dos Investigadores (W. F. S. W.), a Federação Internacional dos Combatentes da Resistência (F. I. R.) e a Organização Internacional da Radiodifusão (O. I. R.), entre tantas outras, estão a actuar em uníssono no ataque ao mundo ocidental, e com mais ardor em relação aos países que corajosamente se mantém na primeira linha da defesa da civilização cristã. E dentro desta regra é que partidos comunistas e socialistas europeus, estes últimos servindo de guarda avançada nestas e noutras andanças marxistas, vão minando cientificamente os mais sólidos pilaras espirituais e materiais da civilização ocidental, preparando, conforme estratégia habilmente traçada, o caminho para a há muito premeditada marcha para ocidente dos exércitos eslavos, apoiados numa sólida indústria pesada, indústria erigida à custa do sacrifício de dezenas de milhões de pacientes camponeses e ainda desses muitos milhões de prisioneiros recolhidos em campos de trabalho forçado instalados para lá da cortina de sombra - cerca de 25 milhões, segundo alguns autores- e que constituem a mais importante alavanca da produtividade da indústria pesada soviética.

Esta a verdade e esta, também, a base de alguns negócios de grande tomo realizados com o mundo ocidental, como o da célebre troca de ouro caucasiano pelo trigo norte-americano o canadiano - trigo transladado, imprudentemente, dos silos do mundo livre para os armazéns à prova do ataques 'atómicos da Sibéria, passando a constituir para a Soviécia reserva estratégica de valor inçalculáve1.

E toda esta inqualificável transacção polítïco-comercial foi feita sob a égide de grandes poderes internacionalistas para os quais as fronteiras nada representam ou, quando muito, são linhas de demarcação ilusória que não é necessário, senão aparentemente, respeitar.

Uma das organizações internacionalistas responsáveis por estes negócios, indiscutivelmente, é a que comanda a extensa rede marxista espalhada por todo o Mundo.

A outra, talvez ainda mais poderosa, de carácter super-capitalista, tenta hoje dominar, na penumbra, as mais importantes actividades políticas do Novo Mundo.

"Que existe um governo invisível nos Estados Unidos que trabalha contra os interesses da nação e do povo norte-americano e que utiliza este grande país como instrumento da sua política internacionalista, eis algo que não há que demonstrar", afirmava, ainda recentemente, um jornalista do país vizinho. Só assim se compreende, na realidade, embora com os naturais contratempos, frutos de divergências locais ou regionais, o bom serviço que vem prestando à paz mundial, se assim podemos dizer, o uso do já célebre telefone vermelho . . .

• De entre esses contratempos, citaremos apenas dois, e isto para não incomodar VV. Ex.ma com mais longo relato. O primeiro definiu, contra o que estava previsto pelo internacionalismo mundial, o "rumo nacionalista" do marxismo eslavo, isto em consequência da vitória inesperada da política estaliniana sobre a do opositor internacionalista Trotsky. Este rumo determinou o ressurgir do nacionalismo em vários países do campo marxista - China, continental. Jugoslávia, Roménia e Albânia. O segundo será a falhada, mas ainda assim frutuosa, campanha do senador McCarthy, procurando libertar o SPU grande país das malhas da apertada rede lançada pêlos one worlders. A sua morte em condições misteriosas foi o sacrifício pago por um grande político cristão na luta contra o empório internacionalista, a coberto de várias fundações múltiplos satélites que giram em sua volta, em órbitas paralelas comandadas pelo sol das suas incomensuráveis fortunas.

Esta organização internacionalista domina inúmeras outras instituições de um e do outro lado do Atlântico, como o já célebre Instituto on Pacific Relations, cujos membros, pelo menos alguns deles - como Lattimore, Alger Hiss, entre vários -, foram castigados como perigosos espiões a soldo da Rússia; ainda as nossas bem conhecidas e sinistras organizações American Committee on África e African-American Instituto, principais responsáveis pela morte de milhares de portugueses de todas as raças, cobardemente assassinados nas províncias de Angola e de Moçambique; o Comité para a Europa Livre, e inúmeras outras instituições dispondo de fundos imensos, com larga penetração em diversas universidades americanas, na imprensa, em certas cadeias de rádio e de televisão, etc.

Só como mero exemplo direi a este respeito que o Institute on Pacitic Relations, hoje considerado como verdadeira agência de espionagem soviética, foi o grande responsável pela edição de numerosas publicações destinadas a inquinar politicamente as forcas armadas dos Estados Unidos.

E fico por aqui quanto a estes aspectos bem significativos, pois não chegariam dez tempos regimentais só para enunciar as malefícios que o mundo ocidental tem sofrido como consequência da insidiosa infiltração dos internacionalismo capitalista e marxista nos vários escalões da política e da administração europeia e americana.

De apenas para nós, europeus, nos acautelarmos contra novas e violentas ofensivas internacionalistas, lanço desta tribuna o aviso do que no Velho Mundo já se encontra uma activa gémula desse perigoso polipeiro instalado no Novo Mundo, e que em reuniões várias, com a assistência de ingénuos políticos europeus e sob a égide da pombinha branca da paz internacional, procura instalar dentro dos nossos muros os mais perigosos, por virulentos, elementos de dissolução. E isto, principalmente, onde campeia o já muito usado trampolim socialista ou aparentado.

Não nos devemos, por isso, admirar de que tão bom dirigida orquestra, a que boje não falta qualquer naipe, esteja continuamente, desde a gélida Suécia aos confins de outros pontos cardeais do socialismo europeu e do internacionalismo mundial, pretendendo abafar com os seus sons estridentes os êxitos incontestáveis da política ultramarina portuguesa, bem evidenciados por recente confirmação na última viagem à Guiné e Cabo Verde do nosso lídimo Chefe do Estado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É exactamente em relação ao Défit português, com o sentido que Servan-Seheiber deu ao Défit americain, que eu desejarei oportunamente, dizer algo nesta Assembleia política em continuação deste simples prefácio.

Contudo, para melhor poder então focar a posição nacional perante as tempestades que avassalam a Europa e o Mundo, julgo não ser de desprezar o que puder já ser fixado sobre conexões verificadas entre os destruidores ventos que sopram do Leste e do Oeste o que ameaçam aniquilar a prodigiosa civilização nascida há perto de 2000 anos nas margens desse mar imenso, que infelizmente, já não poderemos apelidar de mare nostrum.

E procurando sintetizar, agora dizendo como Vieira, não querer ser mais longo para poder dizer que fui breve, apresentarei apenas, quanto a acções levadas a cabo por

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interligações internacionalistas, os seguintes casos de maior projecção na política internacional:

1) Divisão artificial, com grave prejuízo para a Europa livre, após o último conflito mundial, dos territórios centrais do continente, e isto sob os altos desígnios internacionalistas de alguns conselheiros destacados do antigo presidente dos Estados Unidos.

Esta divisão arbitrária fez derruir a barreira que durante séculos impediu a progressão do eslavismo para, ocidente:

2) A organização do estatuto da O. N. U. sob os mesmos desígnios, com intervenção dominante de Leo Pasvolsky e de Alger Hiss, mais tarde identificado como espião soviético, a ainda do político marxista Molotov;

3) A destruição, por descolonização forçada, de quase todos os laços que ligavam política e economicamente a Europa à Ásia e ao continente negro;

4) A passagem da índia para a esfera de influência russo-americana e, como passo dominante para este fim, a tentativa de extinção do único farol da cristandade no Indostão -.a martirizada mas sempre portuguesa Goa;

5) A transferência forçada dos interesses europeus para os colossos internacionalistas de Leste e do Oeste, das posições do Médio Oriente petrolífero, do Norte de África e de grande parte da região do cobre da África central;

6) A ofensiva combinada do Leste e do Oeste internacionalista contra a África austral na corrida para o ouro sul-africano;

7) A ocupação de todas as portas do Mediterrâneo, iniciada após o epílogo da falhada tentativa franco-britânica para o domínio do Suez, e consequente perda das posições defensivas do flanco sul da Europa.

É típico, no seguimento desta estratégia, a atitude do socialismo nórdico em relação à última crise grega.

Em tempos já recuados da história, Portugueses e Espanhóis dividiram também, de facto, o mundo desconhecido, mas com o assentimento de um insigne vigário de Cristo, em duas áreas imensas, mas tão-sòmente para se difundir pelo ignoto os primores da civilização cristã.

Assim nasceram inúmeras nações, criadas à, sua imagem e semelhança, e que serão certamente num futuro próximo prósperas imagens projectadas no Novo Mundo pelos povos desta pequena península do ocidente europeu.

A destruição deste sólido bloco peninsular, em que andam empenhados tanto e tantos "U Thants", não nos pode admirar, mas também não nos permite minimizar o esforço que será necessário despender para a defesa da Europa contra tão poderosos inimigos.

Teremos de andar empunhados nesta luta não se sabe por quanto tempo. Temos, porém, por graça de Deus, ao leme de tão grande empresa um dos maiores, se não o maior, da nossa gloriosa história.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E esses maiores deixaram sempre no Mundo luminoso rasto de missão. Ela será, nos tempos que correm, continuada com o mesmo brilho, testemunho do passado entregue pelo presente ao futuro.

Será sempre a juventude de cada geração a indomável fora criadora de cada nova arrancada, e essa juventude tem-se mostrado hoje lídima descendente das várias alas, brilhantes iluminuras dos capítulos de oito séculos de história.

Preservá-la de inquinações doentias, diabòlicamente introduzidas no seu seio pelos espíritos do mal vindos de vários quadrantes, eis o dever de todos, especialmente dos mais responsáveis pelos sectores onde se processam as infra-estruturas que a informam.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Reexportemos, assim, todos esses hippies e drogados vários para as regiões de origem, donde sopram os ventos catastróficos da história, e tenhamos confiança e fé na geração que agora começa a tomar as responsabilidades do poder, pois ela saberá, como as demais, ser, acima de tudo, portuguesa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Elísio Pimenta: - Sr. Presidente: É com sentido desgosto que me vejo obrigado a pedir a palavra.

Grato estou pela compreensão do V. Ex.ma concedendo-ma.

As paixões vão-se diluindo e a paz e a tranquilidade parecem regressar à Santa Casa da Misericórdia do Porto, essa admirável instituição que amo entranhadamente, porque a pude conhecer e servir. Pois que as paixões dos homens não voltem a perturbar a sua vida exemplar de mais de três séculos de exercício da caridade, serviço dos pobres o do doentes, dos órfãos e das viúvas, dos incapazes e dos desamparados, vivência de amor ao próximo, nem sempre, para seu mal, observada entre si pelos chamados a dirigi-la.

Assaltou-me muitas vezes, nestes últimos meses, a tentação de falar dos problemas da Misericórdia do Porto. Não sei quantas pessoas me solicitaram. Entendi, contudo, não o dever fazer, para evitar a acusação de intervir sem qualidade - e talvez a tivesse! - em julgamento que o Governo, no cumprimento de um dever legal, quisera chamar a si.

E nem o desejaria agora, que a decisão foi proferida, mesmo para salientar, com justiça, a independência do Governo, não pouco louvada, até por aqueles que ideologicamente não andam na linha do seu pensamento.

Aceito todas as responsabilidade das minhas palavras, mas rejeito, por não me pertencerem, as resultantes da circunstância de as ter de proferir, embora, repito, com sincero desgosto.

Procurarei ser objectivo, ser breve, ser compreendido por quem me escuta e, também, pelos que andam envolvidos na desavença, ao dizer que a grandeza e o prestígio de instituições como a Misericórdia do Porto e o seu Hospital Geral de Santo António mais ficarão a dever à observância do espírito cristão dos seus instituidores e protectores do que à invocação gratuita dos seus nomes e benemerências.

Para melhor esclarecimento das minhas considerações, permita-se-me um pouco de história, não a história da grandeza dos séculos passados, ouvida aqui contar há dias pelo ilustre Deputado Dr. Fernando de Matos, em trabalho de bela expressão literária, que, segundo afirmou, não passou de um reforço, com novos elementos, da conferência, feita em 1965 na Misericórdia do Porto a convite do provador de então, por coincidência a minha

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humilde pessoa, que rasgadamente o louvou, e agora volta a louvar, mas a história de tempos recentes, não mais de três anos a esta parte.

Em 4 de Janeiro desse mesmo ano de 1965, a mesa administrativa da Santa Casa da Misericórdia do Porto elegeu o seu provedor. Decorridos seis meses, deu escusa do cargo no provedor eleito. As circunstâncias da escusa, por anómalas, provocaram um inquérito, e nele foi lançado um despacho do Sr. Ministro da Saúde e Assistência, no qual se declarou não haver fundamento para a intervenção tutelar do Estado, mas se reconheceu expressamente o muito interesse, competência e zelo postos pelo provedor no exercício das suas funções.

Ao provedor que se seguiu também a mesa, pouco tempo depois, deu escusa do cargo. Mais tarde, instaurou-se novo inquérito, e por nota publicada nos jornais diários de 16 do corrente ficou a saber-se que o Ministério da Saúde e Assistência, invocando o condicionalismo referido nos n.ºs 1.°, 3.° e 4.° do artigo 429.° do Código Administrativo, dissolvera a mesa da Misericórdia, já então com um quarto provedor, e, nos termos do artigo 430.º do aludido Código, nomeara uma comissão administrativa presidida por um antigo membro do Governo e presidente da Câmara Municipal do Porto, individualidade de elevado prestígio, e composta por mais nove pessoas da maior respeitabilidade social, todas elas irmãos da Santa Casa.

Logo a seguir, a comissão administrativa investiu no cargo de director clínico do Hospital Geral de Santo António o antigo provedor Dr. Domingos Braga da Cruz.

Era inevitável, Sr. Presidente, que à volta da intervenção do Governo se gerasse uma perturbadora confusão.

Não faltou, ainda durante o decurso do inquérito, quem afirmasse e fizesse correr que o acto governamental representava uma intromissão ilegal na autonomia da instituição, ignorantes ou esquecidos - não direi que mandando a boa fé para férias, a frase me pertence - de que, constituindo as Misericórdias pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, o Código Administrativo estabeleceu para elas um regime jurídico que as sujeita à tutela do Estado, em conformidade com as leis, decretos, portarias, instruções e ordens emanadas do Governo.

O Governo pode, assim, de harmonia com os termos fixados na lei, e só nesses, fazer subordinar à sua aprovação certas deliberações dos órgão dirigentes, fiscalizar as instituições através de inspecções, fixar à sua administração regras de contabilidade pública, sujeitar ao contencioso administrativo determinadas decisões e dissolver os corpos gerentes.

A tutela do Estado não modifica, todavia, a natureza do corpo colectivo, nem lhe retira a autonomia, apenas limita temporariamente os poderes da sua administração, e, conforme ensina o Prof. Marcello Caetano, "nos termos expressamente fixados na lei, isto é, somente a actos que a lei dispuser, pela forma e para os efeitos nela estabelecidos e pêlos órgãos aí designados".

A base VII da Lei n.° 2120, de 19 de Julho de 1963, que promulgou as bases da política da saúde e da assistência, é bem clara quando diz que "a autonomia das instituições particulares só poderá ser limitada pela tutela do Estado" e, ainda, que "a tutela respeitará a vontade dos instituidores, sem prejuízo da actualização técnica dos serviços e coordenação indispensável à maior eficiência das suas actividades".

Mas, infelizmente, em lugar de se procurar esclarecer os irmãos da Misericórdia e a opinião pública sobre a natureza da tutela do Estado e das circunstâncias em que se processava a intervenção, através de um inquérito pelos órgãos competentes a actos da mesa da Misericórdia, criou-se um clima de intranquilidade e de confusão, fazendo-se até - estou certo, e mais uma vez o quero afirmar, sem qualquer segunda intenção - um apelo solene - a quem este apelo? - para que o Hospital de Santo António não fosse socializado, directa ou indirectamente, total ou parcialmente.

Era legítimo perguntar-se da curialidade desse apelo, quando, porventura, dirigido ao Governo de um Estado assente, doutrinária e constitucionalmente, na moral e no direito, um verdadeiro Estado ético e jurídico, respeitador e fomentador da iniciativa particular.

Também eu recebi um formidável número de protestos de pessoas provenientes de muitos meios e pensamentos contra o que dissera, e, mais ainda, por se julgar saber que a decisão ministerial sobre o inquérito, já em curso há longos meses, estava prestes a ser proferida.

Por isso mesmo, cumpri um dever de lealdade dizendo nesta Assembleia, como apontamento a preceder referência ao baptismo do avião com o nome da cidade onde nasci, a cidade do Porto, as seguintes palavras, que peço licença para repetir exactamente como foram proferidas, constam do texto enviado para o Diário das Sessões e o conceituado diário O Comércio do Porto transcreveu na sua reportagem dos trabalhos parlamentares:

Com à lealdade que lhe devo, quero dizer ao ilustre Deputado, em simples apontamento, da minha surpresa de o ver entrar, dispondo de uma qualidade política que justamente lhe pertence, na apreciação de doutrina, certa na essência, mas errada na oportunidade, por mais parecer aos olhos de tantos, nanja por mim que conheço a sua inteligência e o seu carácter, perturbadora da livre decisão que ao Estado pertence constitucionalmente, e só a ele, como entidade tutelar, e não ladrão de estrada, em questão pendente entre irmãos desavindos sobre interesse de ordem pública. E, para não incorrer na mesma crítica, por aqui me fico, até ver.

Vê-se, na verdade, que não era possível deixar de voltar ao assunto, mas disso não me cabem responsabilidades, e já sem receio da justeza da aludida crítica.

Tenho sincera pena de que aquelas simples e, ao que julguei, claras palavras fossem consideradas inadequadas e injustas, e inadequada e injustamente se fizessem considerações que me forçaram a falar do acontecimento que mais valeria esquecer, salvo se, recordá-lo, puder contribuir para uma tomada de consciência de quantos dele foram responsáveis.

Não vou mais longe. Foram-me dadas explicações, que não pedi, nem desejava, atribuindo-se o que dissera a textos não emendados e sujeitos a más interpretações.

Nunca entendi as palavras contidas nos mesmos textos como dirigidas a minha pessoa, muito embora o meu nome nelas figure por cinco vezes.

Acontece as palavras atraiçoarem, por vezes, o pensamento de quem as profere, ou também permitirem efeitos cujas consequências se não prevêem, por opostos àqueles que delas se pretendia tirar.

Posto isto, quero afirmar que também excluo do que disse e acabo de dizer qualquer intuito de polémica, na qual da mesma forma não me sentiria embaraçado, mas por duas razões fundamentais:

A primeira, é que o Regimento, para dignidade desta Assembleia, não permite o uso da palavra para qualquer espécie de intervenção classificada de polémica, nem admite polémicas de qualquer espécie, mas sim debates, na ordem do dia.

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A segunda, e esta não será a menos importante, é que chegou o tempo de deixar a Misericórdia do Porto em paz, entregue àqueles dos seus irmãos que a farão voltar aos caminhos da caridade traçados pelos instituidores e protectores. Eu sei que há feridas difíceis de cicatrizar. Pois, não sejamos nós, Sr. Deputado Fernando de Matos e eu, a alargar essas feridas, antes se veja no nosso proceder, servindo com a recta intenção de engrandecer e prestigiar a instituição, o cumprimento da fraternidade que jurámos ao transpor as suas portas.

Já ouvi dizer que a fala, a cada passo, desune os homens. Só faço o voto de que esta minha de hoje faça unir.

Mais uma palavra, Sr. Presidente. Escrevi ao Sr. Deputado Fernando de Matos informando-o de que V. Ex.ma me daria hoje a palavra. O ilustre Deputado respondeu-me que estaria aqui a esta hora, o que não acontece, e eu lamento, certamente por motivos de força maior.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

• O Sr. Santos Bessa:- Sr. Presidente: Venho hoje ocupar-me de um problema de economia agrícola que tem graves repercussões na saúde pública e que me parece não estar convenientemente estruturado - o do uso dos pesticidas na agricultura e contra certos agentes vectores de doença.

É assunto de perfeita actualidade, que dia a dia se vai revestindo de maior importância e vai suscitando mais justificado interesse.

Ocupei-me dele, no Verão passado, nas Jornadas de Medicina do Trabalho .da Figueira da Foz, chamando para o assunto não só a atenção dos médicos do trabalho e de todos os demais, como também do próprio Governo, uma vez que o caso o impunha. Passados estes meses, não descortino que, por parte do Governo, se tomem as medidas que ele impõe. Por esse motivo, volto agora a ocupar-me dele na Assembleia Nacional em breve apontamento, na esperança de que o Governo, desta vez, lhe preste a devida atenção.

A designação genérica de pesticidas abrange os produtos destinados a assegurar a destruição ou a prevenir a acção de vírus, bactérias, fungos, vegetais ou animais, nocivos que comprometem a agricultura.

Já lá vai o tempo em que a protecção das plantas e do homem era assegurado, com produtos simples e pouco numerosos - uns inorgânicos e outros de origem vegetal.

Em 1940, os pesticidas usados contra esses elementos que comprometiam o desenvolvimento e a vida vegetal que interessam à agricultura podiam contar-se pelos dedos das mãos' - excediam um pouco a meia dúzia, segundo a afirmação de um técnico competente do nosso Laboratório de Fitofarmacologia.

Mas nestes últimos vinte anos, e, sobretudo, depois da segunda guerra mundial, temos vindo a assistir a uma extraordinária proliferação dos mais variados produtos sintéticos com que o homem pretende dizimar aquelas pragas da agricultura sem cuidar devidamente da sua própria protecção. Mercê do domínio da química, da alteração das moléculas e da substituição dos átomos, o homem pôde colocar à disposição da agricultura (e também da saúde pública) uma enorme série de produtos dotados de "enorme potência biológica" e que penetram "nos processos vitais do corpo, modificando-os de maneira sinistra e, por vezes, mortal". As enzimas que asseguram a vida das nossas células são atingidas por eles, sofrendo mesmo a sua destruição, e por esta via são travados os processos de oxidação e é impedido o funcionamento normal de vários órgãos. E não fica por aqui a sua acção, já que também se podem originar mutações celulares que conduzem a manifestações malignas - afirmação que foi feita por quem conhece de perto tão delicado assunto. Os quadros de intoxicação aguda e de morte que lhes estamos devendo são de todos os dias, como o demonstram os estatísticas •hospitalares e as notícias dos jornais.

A inconsciência, a ignorância, o descuido e até mesmo a maldade têm causados muitos milhares de vítimas, que perecem devido à alta toxicidade aguda de muitos destes produtos.

Se as entidades responsáveis, se a indústria, o comércio e os indivíduos que compram e aplicam os pesticidas tivessem os devidos cuidados, consciencializando-se a si próprios e consciencializando o próximo, o perigo proveniente da toxicidade aguda dos pesticidas seria, praticamente eliminado.

Estas graves afirmações devem-se a um distinto técnico do Laboratório de Fitofarmacologia e foram produzidas há pouco mais de ano e meio na Sociedade das Ciências Agronómicas de Portugal (7 de Junho de 1966).

A toxicidade aguda dos pesticidas é uma das suas características fundamentais. Ela pode ser bem determinada pela acção exercida sobre vários animais de laboratório, como a ratazana, o rato, a cobaia, o cão, o gato, o coelho e o macaco.

É expressa pelo símbolo LD50, isto é, pela quantidade mínima de pesticida capaz de matar 50 por cento de uma população de experiência, quando administrada por via oral ou por outra via, em dose única ou repetida, no espaço máximo de 24 horas. Esta dose refere-se, em geral, a miligramas de pesticida por quilograma de peso de animal e serve para classificar os pesticidas em quatro classes, segundo o seu grau de toxicidade decrescente: I, II, III e IV.

Ora mais de 50 por cento dos pesticidas organofosforados estão incluídos na classe I, a mais tóxica, havendo somente 2 por cento na classe IV.

Os insecticidas organofosforados e outros estão distribuídos uniformemente pelas quatro classes toxicológicas e a maioria dos herbicidas pertence a classe IV (S. Silva Fernandes -1966).

Os casos de intoxicação crónica são menos aparatosos, dificilmente se individualizam por quadros clínicos bem caracterizados, mas têm seguramente uma enorme importância, pelas alterações íntimas do funcionamento das células e tecidos e, portanto, pelas graves repercussões na saúde e na vida dos indivíduos.

Os pesticidas aplicados sobre as plantas em plena vegetação ou, sobretudo, na armazenagem dos seus produtos nem sempre sofrem rápida alteração que lhes faça perder ou atenuar as suas propriedades tóxicas.

Muitos deles, e dos mais tóxicos, têm uma meia vida longa, quer dizer, levam muito tempo a transformar-se.

Dos que são aplicados sobre as plantas, muitos mantêm ainda toda a sua toxicidade no momento da colheita dos produtos.

Os resíduos ingeridos pelo homem podem não ser suficientes para originar quadros agudos; mas como uma das características de muitos deles é a de não serem metabolizados nem eliminados, as doses ingeridas vão-se acumulando e somando e, ao fim de alguns tempo, exercerão, indubitavelmente, acções deletérias de tipo crónico. . As experiências de laboratório podem, para cada pesticida, estabelecer a tolerância, isto é, a quantidade máxima de pesticida que é admissível em cada cultura no momento da colheita, de modo a não provocar intoxicação crónica quando ingerida diariamente.

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Podem também fixar o intervalo de segurança, que é, nem mais nem menos, o espaço de tempo que deve existir entre a aplicação de um produto em determinada cultura e a sua colheita, garantindo assim que o nível dos resíduos seja, nessa altura, inferior à tolerância.

Cada país tem de fixar não só a tolerância. mas também o intervalo de segurança para cada pesticida, já que as condições do meio as fazem variar de país para país.

Pois o nosso país ainda não estabeleceu a tolerância! As que foram estabelecidas para outros países não nos servem, porque um dos factores importantes que as influenciam é o tipo de alimentação.

Quanto aos intervalos de segurança adoptados e difundidos pela Sociedade Portuguesa de Fitiartria e de Fito-marcologia, organizou-se uma lista baseada naqueles que foram fixados noutros países a que se julgou serem os mais adequados para o nosso, à luz de certa experiência nacional sobre a degradação de alguns deles. Se é certo que todos os produtos trazem a indicação do número de dias que deve mediar entre a aplicação e a colheita dos produtos, também é verdade que o nosso lavrador não está preparado para compreender essa necessidade, não tem consciência do perigo que resulta de não respeitar a indicação, e, com a preocupação de salvar, na última hora, as' suas culturas, põe muitas vezes em risco a saúde pública, por enviar para consumo produtos hortícolas e frutos indevidamente tratados. Muitos tem sido os quadros de intoxicação aguda que tal sistema tem originado. São necessários estes pesticidas?

Tem-se afirmado que eles são absolutamente indispensáveis para que a agricultura seja económica e rentável; que só com a aplicação de pesticidas será possível ter produtos alimentares em certas regiões; que, no que toca aos Estados Unidos da América, segundo cálculos que se têm por bem elaborados, a suspensão do uso dos pesticidas traria uma redução de 50 por conto na produção de batatas, de frutos e de algodão e. pelo menos, uma redução de 23 por cento na carne, no leite e na lã.

Numa época em que cerca de dois terços da população do Mundo sofre de subalimentação, não é lícito correr o risco daquela redução, e por isso não se poderá viver sem pesticidas! . . .

A nós interessa-nos sobremaneira fomentar por todos os meios a qualidade e a quantidade da produção agrícola, proceder ao estímulo da produção e acautelar devidamente os produtos; mas interessa-nos, ao mesmo tempo, defender a saúde pública, o próprio homem, a quem esses produtos se destinam.

No termo da Conferência sobre a Defesa Fitossanitária dos Produtos Armazenados, que em Dezembro último se reuniu no nosso país, promovida pela Organização Europeia e Mediterrânea para a Protecção das Plantas, o Sr. Secretário de Estado da Agricultura afirmou que os prejuízos causados em Portugal, nas culturas, pelas doenças e pragas são superiores a l 400 000 contos.

Não está, no entanto, segundo julgo, avaliado o montante de prejuízos causados pela maneira como são aplicados esses produtos, nem os prejuízos causados pelos seus resíduos persistentes. Seria do mais alto interesse saber a quanto monta o prejuízo causado pela mortandade das abelhas, dos peixes e da caça e pelas intoxicações agudas e crónicas dos animais domésticos e do próprio homem.

Por via da economia agrícola, do combate às pragas e da luta com certos agentes vectores de certas doenças e também dos interesses de certa indústria somos obrigados a viver em plena guerra química.

Esta atingirá, directa e indirectamente, o homem, se a condução desta guerra não for devidamente acautelada.

Meus senhores: A ecologia, isto é, as relações dos organismos vivos entre si e o meio que os rodeia, que os envolve e em que vivem, tem sido objecto, nos últimos tempos, de aturados estudos que também abrangem a difusão e a concentração dos pesticidas. O termo, que foi criado há um século, tem hoje uma muito maior amplitude do que a que inicialmente lhe foi atribuída.

Pelo facto de muitos produtos tóxicos terem na atmosfera envolvente, na chamada "troposfera", uma concentração infinitesimal, julgou-se até há pouco que o seu estudo era desprovido de interesse para a, saúde pública e mesmo para todos os seres.

As investigações dos últimos anos vieram demonstrar que esses tóxicos, mesmo nessas concentrações mínimas, não são destituídos de perigos. Porquê? Porque em certas condições podem atingir em certos organismos, por adições sucessivas, concentrações tais que alterem profundamente os seus fenómenos fisiológicos e ponham em risco a sua própria vida.

Abriram as portas deste sector da investigação as observações e os estudos realizados sobre as substâncias radioactivas; foi há dezoito anos que as poeiras radioactivas da bomba de hidrogénio de Bikini nos trouxeram a chave deste importante problema.

Foi sobre o Dragão Feliz, o barco de pesca japonês que se tornou tristemente célebre, que se precipitaram essas poeiras. Mas não foi somente ai que elas exerceram a sua deletéria acção: foram arrastadas pela água e pelo vento, estenderam-se por vários milhares de milhas quadradas do Pacífico, foram lixadas por plantas marinhas que serviam de alimento a pequenos animais e, através destes, passaram para os tecidos dos peixes que os devoraram, entre os quais, uma variedade de atum de que os Japoneses se alimentam em larga escala. Vasto foi o plano de investigação que daqui nasceu, envolvendo múltiplos aspectos, e que foi realizado através das comissões de energia atómica de diversos países.

Entretanto, outros investigadores apuravam que o que se passava com a disseminação, a fixação e a acumulação das poeiras radioactivas através dos vários elementos dos ciclos ecológicos também se verificava com partículas de iguais dimensões que nada têm que ver com elas. É o caso do pólen caído das corolas e dos cristais dos pesticidas lançados sobre as plantas ou na terra.

Uns e outros podem ser arrastados por correntes aéreas ou hídricas e transportados a grandes distâncias. Sobretudo por arrastamento hídrico, os resíduos dos pesticidas podem ser concentrados em doses tóxicas em locais muito distantes dos da sua aplicação.

Os elementos da cadeia populacional das espécies que constituem a comunidade no sentido ecológico podem ir fazendo acumulação de produtos tóxicos de elo para elo, uma vez que esses produtos não sejam eliminados nem metabolizados. O homem é o elo terminal de muitas dessas espécies, e, portanto, o que recebe maiores doses e acumula mais elevadas taxas. Há vários tipos de cadeias, compostas por número variável da elos, e como os tóxicos se vão acumulando do elo para elo, nunca se poderá dizer onde e em que medida é que as substâncias tóxicas libertadas no meio em que vivemos irão produzir os seus maléficos efeitos.

Nas poeiras radioactivas, de elo para elo, podem produzir-se concentrações duas a três vezes superiores. Quanto maior for o número de elementos da cadeia até chegar ao homem, tanto maior será o perigo.

O primeiro pesticida a ser estudado à luz destas ideias foi o D. D. T. Razões de preferência: a sua frequente utilização; a sua toxicidade para diversas espécies de animais; a sua estabilidade e a sua lenta transformação (a sua

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meia vida nas árvores e no solo está calculada em dezenas de anos) e a facilidade da sua detecção.

É um organofosforado que se usa, sem o melhor cuidado e sem a mais ligeira prevenção, no combate a pragas da agricultura, na conservação dos produtos agrícolas, na luta contra os insectos vectores de doenças e em múltiplas aplicações domésticas.

Vem desde a segunda grande guerra a sua difusão, pela descoberta destas acções, embora o produto se conhecesse desde 1874.

Foi o suíço Paul Muller que em 1939 descobriu a sua acção insecticida. e, como tal. foi-lhe atribuído o Prémio Nobel.

A ele se deve grande parte da vitória contra os agentes vectores do paludismo, do tifo exantemático e de tantas outras doenças e, portanto, a vida de muitos milhares de pessoas.

Hoje, porem, está considerado uma das mais perigosas ameaças à vida do homem, e já lhe foi atribuída a causa de muitas mortes.

A sua difusão e a sua meia vida muito longa fizeram com que hoje se encontre espalhado pelo inundo inteiro este resíduo pesticida. Os ventos, as chuvas, as correntes da água, os peixes e as aves de arribação espalharam-no por toda a parte. Chegou mesmo ao Pólo Sul, segundo recentes investigações.

Desde há seis anos, sabe-se. sem sombra de dúvida, qual o risco ecológico do D. D. T.

Foi num pântano do Long Island que as investigações de Woodwell provaram que o D. D. T. que havia sido aplicado contra as larvas dos mosquitos se conservou no Iodo, que os peixes ali existentes o continham em grande quantidade o que as aves carnívoras daquela zona o albergavam numa concentração 75 vezes superior à dos peixes e mais de 1000 vezes superior à dos organismos que estavam na base da cadeia.

Tem-se hoje como extraordinariamente, grave este risco, já que os resíduos do pesticida que os verificam em certos elementos intermediários das cadeias ecológicas, como certos animais, são extraordinariamente elevados e em certas aves carnívoras atingem "proporções catastróficas" (Woodwell).

As poeiras do D. D. T. são facilmente absorvidas pelas mucosas do aparelho respiratório e digestivo. Inaladas ou deglutidas, fixam-se em todos os órgãos que contem gordura, tais como as cápsulas supra-renais, os testículos e a tiróide, quantidades elevadas são depositadas no fígado, nos rins e na gordura dos epíploos. A fixação vai-se fazendo a partir de pequenas quantidades diária ou semanalmente, adicionadas, conforme as exposições ou a alimentação. Mesmo com doses parciais pequeníssimas, como o D. D. T. não se elimina nem se metaboliza, não serão necessários muitos anos para que se atinjam doses 100 ou mais vezes superiores e, assim, níveis tóxicos perigosos.

Experiências em animais têm demonstrado que apenas 3 partes por milhão de D. D. T. já, são capazes de inibir certa enzima de muita importância na fisiologia cardíaca: que 5 partes por milhão originam necroses hepáticas e que, para tanto, bastam 2,5 partes por milhão do dieldrina ou de clordano.

Pois bem: sabe-se, que indivíduos sem qualquer contacto com a aplicação de D. D. T., e só por via da sua alimentação portadora de resíduos, armazenam, em média, 5,3 a 7,4 partes por milhão: que os trabalhadores agrícolas armazenam 17,1 partes por milhão e que os que trabalham em fábricas de insecticidas podem atingir níveis de 648 partes por milhão!

Mesmo as mais pequenas taxas observadas já são superiores àquelas que a experimentação demonstrou serem lesivas do coração e do fígado.

Dois exemplos, entre muitos que se poderiam citar, marcarão o perigo do D. D. T.:

1.° caso. - A sua aplicação em campos de luzerna para extinguir certas pragas: só as galinhas debicam a luzerna conspurcada pelo D. D. T., este passa ao oviducto, aos ovos e ao homem que os come; se são as vacas que nela retoiçam, lá teremos o D. D. T. a passar à glândula mamaria e a aparecer no leite em elevadas concentrações: mais altas, porem, serão as da manteiga preparada com tal leite - aí a concentração pode ir até 65 partes por milhão.

Análises feitas pelo nosso Laboratório de Fitofarmacologia têm demonstrado a existência de resíduos de pesticidas organoelorados em leites, manteigas e natas nacionais.

Eles chegam ao leite através de tratamento do gado contra certos parasitas, do tratamento da forragem para a sua alimentação e do próprio tratamento dos estábulos com produtos organoelorados.

Todas as amostras tinham dois isómeros do D. D. T. e um seria metabolito (pp´DDE). mas, como é natural, em taxas mais altas nas natas e nas manteigas do que no leite.

São iguais às de alguns países, mas superiores às encontradas nos mesmos produtos na Inglaterra e na Dinamarca.

Sabe-se hoje que o pesticida pode passar da mãe para o filho. O D. D. T. foi já detectado no leite humano, e portanto. a criança ao sair podo já receber as primeiras doses de D. D. T., em pequenas, mas regulares adições. Parece, no entanto, que não é este o primeiro contacto.

Sabe-se, por experiências animais, que insecticidas com base no hidrocarboneto tolerado podem atravessar a placenta e atingir o feto.

2.º caso. - A aplicação do D. D. T. nas batatas armazenadas: o lavrador, com a preocupação de as proteger da traça, espalha largamente e sem cuidado o produto aplicado; logo ali. nessa operação, inala ou deglute uma quantidade apreciável de D. D. T., que se fixa nos seus tecidos; a essa vem juntar-se a que lhe será. fornecida todos os dias através da batata assada ou cozida da sua habitual alimentação.

A este respeito já furam feitas experiências no nosso Laboratório de Fitofarmacologia com pó do D. D. T. a 5 e a 10 por cento, com doses de l a 2kg por tonelada de batatas, em cada uma das concentrações.

As análises foram feitas com batata lavada e incidiram sobre cascas e sobre polpas, cruas e cozidas.

A lavagem com água corrente não foi suficiente para remover o D. D. T. Além disso, 131 dias após a aplicação, quer dizer, cerca de (quatro meses e meio depois, os resíduos da casca eram elevadíssimos. A cozedura também não destruiu o D. D. T., e a água da cozedura estava contaminada com o pesticida. Os valores das polpas, em certas modalidades. apresentaram taxas superiores à tolerância de uma polpa por milhão adoptada nos Estados Unidos da América para a batata inteira.

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Sabendo-se como o povo português conserva a batata, como a coze e com que frequência a consome, fácil será calcular a taxa de D. D. T. que terá acumulada nos seus tecidos e em órgãos essenciais.

Já alguém esclareceu a população sobre estes perigos? O que tem feito a assistência técnica à lavoura neste particular?

Já foi proibida a aplicação do D. D. T. na luta contra a traça da batata, como elemento de protecção na armazenagem deste tubérculo? Ou já alguém informou o lavrador do perigo que correm tanto ele como muitas outras pessoas pela maneira como utiliza o D. D. T.?

O Sr. Ubach Chaves:- V. Ex.ma dá-me licença?

O Orador: - Faça obséquio.

O Sr. Ubach Chaves: - Nada tenho a objectar à matéria de fundo versada nas considerações que V. Ex.ma vem produzindo, mas confesso a minha incompreensão por ver eleito especialmente o D. D. T. como exemplo de toxicidade quando são tantos os pesticidas usados em que fenómenos de toxicidade são porventura mais relevantes. Considero, por isso, desajustada a referência a um pesticida, uma vez que as suas considerações parece dirigirem-se a todos os pesticidas e fungicidas em geral.

O Orador: - A referência por mim foi feita ao D. D. T. não significa que seja apenas este o pesticida nocivo à saúde pública. Simplesmente, utilizei-o como exemplo por ser este de entre todos o menos tóxico e o mais conhecido. Alias, mais adiante, como V. Ex.ma poderá verificar, faço alusão à nocividade de outros pesticidas, alguns, sem dúvida, do maior perigo para a saúde pública.

Mas o perigo não está somente nestes produtos da nossa alimentação.

No Verão de 1965 foram analisadas muitas amostras de frutos dos mercados de Lisboa. Vinte delas continham resíduos de pesticidas. Embora os valores encontrados sejam inferiores às tolerâncias estabelecidas nos Estados Unidos da América, muito judiciosamente se afirma no relatório do Laboratório de Fitofarmacologia que são indesejáveis quaisquer resíduos de pesticidas clorados, mesmo que inferiores ás tolerâncias estabelecidas.

Nos anos seguintes prosseguiram as análises, e os resultados foram idênticos. Numa das amostras de tomate havia uma elevada taxa do fentião (uma parte por milhão), o que leva a admitir que o agricultor não respeitou o intervalo de segurança ou aplicou doses muito acima das recomendadas.

- Nas maçãs da certa região pomicola do nosso país também foram encontradas certas percentagens de dioxatião (duas partes por milhão) nas cascas de frutos que tinham sido tratados dois meses antes.

Que medidas tomaram os serviços de saúde dessa região para aconselhar a população a não comer a casca dos frutos? A propaganda excessiva das vitaminas levou muita gente a comer a casca dos frutos. Os pesticidas de agora põem em risco a vida de quem a ingira.

Também nos citrinos foram feitos estudos dos resíduos existentes.

Em certas zonas do Sul do País, agora na parte cimeira das' nossas quase exclusivas preocupações turísticas, usa-se muito a dieldrina para combater certa mosca da fruta. É, como se sabe, um produto altamente tóxico, com tendência para se acumular e persistir nas substâncias gordas dos nossos tecidos. Houve justificado interesse para ali realizar um estudo sobre os citrinos que em Agosto e em Outubro haviam sido sujeitos a tratamentos com caldas, respectivamente, a 0,05 e a 0,1 por cento. Entre 15 e 63 dias após os tratamentos foram feitas, em datas diferentes, sete colheitas de amostras.

O insecticida havia penetrado até ao interior do fruto, atingindo o opicarpo, o mesocarpo e até o endocarpo. Em todas as amostras, mesmo nas de 63 dias depois do tratamento, havia dieldrina.

Nove semanas depois do tratamento ainda as taxas eram superiores às da tolerância dos Estados Unidos da América, da Suécia e da Holanda. O nosso intervalo de segurança é de seis semanas. Os citrinos são habitualmente consumidos em natureza e são muito aproveitados para sumos.

Além de tudo isto. vale a pena recordar o que se passa com certos adubos. Como se sabe, os adubos aldrinizados são frequentemente aplicados em Portugal na fertilização dos solos.

Têm, em geral, l por cento de aldrina. Está calculado que na fertilização de cada hectare ficarão 3,5 kl de aldrina.

Ora o problema da persistência nos solos de resíduos tóxicos clorados tem sido objecto de investigação nos últimos anos.

Mercê disso, tem-se verificado a persistência de aldrina, dieldrina, heptacloro e heptacloro epóxido em solos de aluvião que tinham sido tratados nove anos antes com aldrina e heptacloro, à razão de 5 Kl a 6 Kl por hectare. As plantas podem absorvê-los e levá-los na sua seiva a todos os seus tecidos.

A cenoura é das que mais facilmente o faz. Mas igualmente os incorporam a batata, a alface, o rabanete e outros vegetais.

Também o nosso Laboratório já vem realizando investigações neste sentido desde há dois anos a esta parte. Nos solos de uma florescente vila do Ribatejo foram encontrados fortes resíduos de aldrina e de dieldrina, embora só tivessem sido aplicados adubos com aldrina - é que a aldrina sofre oxidação nos solos e dá origem à dieldrina, que depois persiste neles durante muitos anos. E nos solos de uma formosa cidade do nosso Alentejo foram também encontrados resíduos de dieldrina.

Nem num nem noutro caso se pôde apurar a data da aplicação dos adubos aldrinizados.

Deixo de lado todo o problema da poluição das águas de consumo pelos pesticidas e das substâncias cancerígenas que entram como aditivos em algumas rações do gado - problemas da maior actualidade no campo da saúde pública de muitos Estados progressivos.

Quais são os produtos que compõem a gama dos pesticidas?

Desde 1940 o seu número tem aumentado, e agora conhecem-se mais de duzentos produtos básicos que foram criados para matar insectos, roedores, ervas daninhas e outras pestes. São vendidos, porém, sob diversos milhares de nomes e marcas diferentes.

Quais são os que existem em Portugal?

Em Novembro de 1963 foi iniciada a série de pedidos de homologação facultativa no nosso Laboratório de Fitofarmacologia.

Nos últimos anos tem sido este o ritmo de pedidos de empresas:

Anos Empresas Produtos
1964 5 46
1955 16 231
1966 24 416


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Em 1962 havia sido, porém, já divulgada uma lista dos produtos fitofarmacêuticos comercializados. Não pude apurar quantos dela constavam.

Sei que em 1965 foram feitas quatro edições da lista de pedidos de homologação facultativa. Em Maio de 1966 publicou-se nova lista. De 1965 para 1966 saíram 80 e entraram 121 novos produtos!

Não me foi possível apurar o que se passou em 1967 a este respeito.

Sei, porém, que dessas listas fazem parte muitos produtos que se distribuem pelos quatro grupos de toxicidade que há pouco citei.

Entre eles há produtos muito tóxicos.

No grupo dos organoclorados, além do D. D. T., existem:

O clordauo, de que há um insecticida anunciado com 75 por cento deste elemento de elevadíssima toxicidade;

O heptacloro, que se pode transformar em heptacloro epóxido, que é quatro vezes ainda mais tóxico que o clordano;

A dieldrina, 5 vezes mais tóxica que o D. D. T. quando engolida e 40 vezes mais tóxica quando absorvida por via cutânea;

•A aldrina, de que há pouco me ocupei;

A endrina, o mais tóxico de todos os organoelorados, cinco vezes mais tóxica que a dieldrina.

Entre os organofosforados há três produtos de elevada toxicidade - o paratião, o tepp e o malatião.

E de entre os produtos rotulados como herbicidas ou como sisténicos, muitos deles têm tóxicos poderosos.

Meus senhores: Não se pode dizer que o Governo se tenha alheado deste problema. Ele tomou já algumas providências, de entre as quais é justo salientar as que se encontram abrangidas pela Portaria n.° 17 980, de 30 de Setembro de 1960 (pela Secretaria de Estado do Comércio), o Decreto-Lei n.º 44 480, de 26 de Julho de 1962 (pela Secretaria de Estado da Agricultura), e o Decreto--Lei n.º 47 802, de 19 de Julho de 1967 (da Secretaria de Estado da Agricultura e do Ministério da Saúde e Assistência).

A criação do Laboratório de Fitofarmacologia, onde há um notável grupo de técnicos que se têm consagrado com o maior entusiasmo à solução de tantos dos problemas ligados ao uso dos pesticidas e têm produzido trabalho valioso, que é de toda a justiça realçar neste momento.

No preâmbulo do Decreto-Lei n.° 47 802, do ano passado, afirma-se que derivam da aplicação dos pesticidas graves problemas toxicológicos que é preciso resolver, mas que a sua complexidade não torna fácil a tarefa sem que exista uma estrutura técnico-científica que permita definir critérios racionais conducentes à rigorosa verificação dos diversos produtos usados como pesticidas.

Mercê deste decreto, passou a ser instituída a obrigatoriedade da homologação dos pesticidas, uma vez que o Laboratório de Fitofarmacologia dá garantias bastantes para o realizar. Com ele se pretende conduzir por bom caminho certas empresas, que, mercê do regime de liberdade do comércio destes produtos e dos conceitos errados que os norteiam, se têm preocupado mais com a ideia dos lucros rápidos que desejam obter do que com a resolução de problemas técnicos que deviam ter prioridade.

Dá-se um passo em frente na defesa da saúde pública, no que se refere às condições de venda e de armazenagem, à obrigatoriedade de embalagens e rótulos superiormente aprovados pelo Laboratório e a muitas outras disposições.

Há, porém, um artigo - o 13.° - que não me parece justo nem necessário. Nele se determina que as empresas detentoras de marcas comerciais tenham ao seu serviço um técnico responsável aceite pelo Laboratório de Fitofarmacologia e habilitado com um curso superior adequado, a fim de assegurar a realização da eficiente experimentação biológica do campo dos diferentes produtos e a concretização das determinações contidas no presente diploma e nas regras sobre homologação dos produtos fitofarmacêuticos estabelecidos pelo Laboratório de Fitofarmacologia.

Em primeiro lugar, não me parece adequada à letra de um diploma legislativo a forma vaga e imprecisa de um técnico "habilitado com um curso superior adequado" . . . É curso já existente? É curso que se espere vir a criar?

Depois, também não compreendo que a essas muitas empresas da especialidade que até aqui se têm mostrado mais interessadas pêlos lucros rápidos do que pela solução dos problemas técnicos se lhes vá confiar a realização da eficiente experimentação biológica do campo dos diferentes produtos.

A maioria das empresas detentoras de marcas comerciais julgo serem simples importadoras desses produtos, e estas não terão possibilidades de realizar essa experimentação.

Os problemas da investigação, fabrico e formulação não são realizados pelas empresas que fazem o comércio dos pesticidas, mas sim realizados em laboratórios altamente especializados, assistidos por técnicos universitários, químicos e biológicos, antes de serem lanhados no sector comercial. São anos de trabalho, de laboriosa e paciente investigação, os que precedem esta fase da comercialização.

As empresas nacionais produtoras, para possuírem o respectivo alvará, têm de ter, entre outras obrigações, a direcção técnica de um engenheiro químico.

Não há, portanto, lugar para investigação neste sector da comercialização, nem parece necessária a obrigação do tal técnico de vaga classificação. Quem há-de submeter a criteriosas experiências e verificações os produtos sobre que incidem os pedidos de homologação é o nosso Laboratório oficial de Fitofarmacologia ou o do Instituto de Ricardo Jorge.

O papel mais importante a desempenhar fora do laboratório é junto do lavrador ou de quem armazena, vende ou aplica os produtos.

O rótulo e as instruções, por mais perfeitos e claros que sejam, não chegam para acautelar a população.

Há uma fiscalização intensa e permanente a realizar e há uma assistência técnica permanente a fazer junto do agricultor, a esclarecê-lo, a aconselhá-lo, a acautelá-lo, a protegê-lo. Este é sem dúvida um dos aspectos mais importantes deste complexo problema. E aí, nesse campo, não é o técnico detentor de um curso superior adequado que vai actuar. Nem se presta a isso, nem seria bem recebido pelo lavrador. É o regente agrícola o técnico indicado para tal missão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Muitos são os serviços prestados por esta laboriosa, competente e centenária classe à agricultura nacional. E dentro deste sector dos pesticidas a sua acção tem sido marcada por uma notável actividade.

Sobre desnecessária, esta disposição vem abrir a porta à injustiça. Muitas empresas que têm tido ao seu serviço regentes agrícolas a quem confiaram a missão de assistência técnica junto das empresas e junto dos lavradores ver-se-ão obrigadas a despedir estes técnicos para nomear um tal do curso superior adequado a que a lei os obriga.

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Por isso mesmo, o Sindicato dos Regentes Agrícolas, em sóbria e respeitosa exposição a S. Ex.ma o Presidente do Conselho, solicitou que o texto do artigo 13.° fosse substituído, de modo que aqueles técnicos agrícolas fossem reabilitados e pudessem continuar a prestar às empresas a assistência que até agora lhes vinham dispensando. E eu junto-me a eles para pedir o mesmo, cônscio de que cumpro um indeclinável dever.

Vozes: - Muito bom!

O Orador: - Não sei se o País disporá dos tais técnicos diplomados com curso superior adequado, tantas são as empresas que vendem os pesticidas e tão provável é que um técnico não possa servir mais do que uma empresa, dado o antagonismo dos interesses comerciais em jogo.

Como penso que se possa ter tido em vista os técnicos especializados que estão ao serviço do Estado em vários sectores do Ministério da Economia e nos da Saúde e Assistência, cujos interesses não costumam harmonizar-se com os das empresas comerciais e industriais, ouso repetir a pergunta que já fiz na Figueira da Foz e que até hoje não teve resposta: pode um técnico, ao mesmo tempo, servir uma empresa, e estar ao serviço do Laboratório de Fitofarmacologia, da Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos, do Laboratório Central da Normalização e da Fiscalização dos Produtos, da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas, da Direcção-Geral dos Serviços Pecuários, da Junta Nacional dos Produtos Pecuários ou da Direcção-Geral de Saúde?

Ainda pelo que toca e este decreto, ficam-me sérias apreensões pelo que respeita á saúde pública. Nada vejo nele que envolva modificação da atitude ou da acção dos serviços de saúde neste sector.

Estão a Direcção-Geral de Saúde e o Instituto de Ricardo Jorge devidamente estruturados para corresponderem às exigências deste complexo e crescente problema sanitário?

Eu julgo que não. E penso que o Sr. Ministro da Saúde e Assistência, que olha tão desveladameute os problemas que correm pelo seu Ministério, terá idêntica opinião. De resto, a estrutura, é antiga e os problemas actuais da saúde pública não se harmonizam com a orgânica que eles possuem.

Sei que ele deseja e não tem podido realizar a reorganização do seu Ministério, como já aqui referi numa outra intervenção, como lho impõe a Lei n.° l2120 e como o obrigam os variados problemas sanitários que aguardam novos rumo.

Já aqui requeri, há muitos meses (há tantos que já lhes perdi a conta), que fosse esclarecido acerca dos motivos que levaram o Ministério das Finanças a protelar a autorização pura essa tão necessária reorganização.

Nunca obtive resposta, por mais estranho que o caso pareça e a despeito de já aqui ter lamentado tão profundo e tão prolongado silêncio.

Os casos de intoxicação aguda das crianças, tão frequentes e tão frequentemente devidos a pesticidas e a insecticidas, tão mal acautelados e tão facilmente obtidos, carecem de uma atenção especial.

Já aqui me ocupei, há cerca de um ano, deste momentoso problema pelo respeita a Coimbra. Hoje volto a recordar o caso. solicitando de S. Ex.ma o Ministro da Saúde e Assistência que promova a criação do centro antiveneno de Coimbra, aproveitando as excepcionais condições que esta cidade possui para o efeito, dispondo dos Hospitais da Universidade, do laboratório de toxicologia da cadeira de Medicina Legal, da Faculdade de Ciências e da Escola de Farmácia. O plano está devidamente estruturado, foi aprovado pelo senado universitário e foi enviado ao Governo. Ninguém acredita que a ideia dos compartimentos estanques possa constituir obstáculo à criação deste tão necessário centro.

Á sua criação corresponderá um moderno equipamento, reduzido em material, mas rico de capacidade funcional, pela facilidade, pela rapidez e pela segurança dos diagnósticos, pela possibilidade de tratamento imediato e oportuno e pelas informações telefónicas que o seu serviço permanente pode prestar a zonas muito distantes de Coimbra e em que o transporte dos doentes a centros hospitalares competentes possa ser tão longo que não seja compatível com a urgência do diagnóstico e da aplicação terapêutica.

Sr. Presidente: Enquanto tivermos de aceitar que somos obrigados a manter esta guerra química com produtos do elevada toxicidade em nome da economia agrícola, peçamos ao Governo que acelere o equipamento das suas instituições, no sentido de tornar o menos perigosa possível para o homem.

Há necessidade, de equipar o Laboratório de Fitofarmacologia de modo a poder apreciar todos os pedidos de homologarão, estabelecer os níveis de tolerância, definir os intervalos de segurança e realizar a investigação para que também foi criado. Instituído em Janeiro de 1959, só começou a funcionar em 1960. Os primeiros quatro anos foram consumidor essencialmente na estruturação das técnicas.

As secções de insecticidas, de fungicidas e de herbicidas consomem o tempo a estudar recomendações e esquemas de tratamento em detrimento dos produtos de homologação ou de investigação fitofarmacológica.

A secção de toxicologia tem concentrada quase toda a sua actividade, nas prementes problemas inerentes ao consumo dos produtos agrícolas contaminados pelos resíduos de pesticidas, quer quanto ao seu nível,' quer quanto ao tipo de degradação. Só muito esporadicamente poderá proceder a trabalhos de investigação sobre novos métodos de análise, sobre a penetração dos pesticidas através da cutícola dos produtos e sobre outros problemas fundamentais.

De igual modo a sucção de físico-química, absorvida com a homologação, não poderá fazer a investigação que lhe compete.

Quem se debruçar atentamente sobre os relatórios das actividades do Laboratório em 1965 e 1066 terá, por um lado, de prestar homenagem ao esforço sério que ali se está realizando e terá, por outro, de lamentar que as actividades das diversas secções sejam quase totalmente absorvidas pelos problemas da homologação e que não lhes sobre tempo para a indispensável investigação e para dar outro ritmo ao estudo da contaminação dos nossos produtos alimentares pelos pesticidas, insecticidas, etc.

Pelo que respeita à Direcção-Geral de Saúde, é urgente criar-lhe condições para fazer os inquéritos, a investigação e a fiscalização que este complexo problema sanitário impõe, tanto no que toca à alimentação como a muitos outros aspectos.

O campo vastíssimo do combate aos insectos vectores de doenças reclama uma atenção especializada e constante da Direcção-Geral de Saúde.

A batalha conduzida sob os auspícios da guerra química contra estes agentes está longe do seu termo e não só vislumbra facilmente a derrota destes pequenos seres. Há uma notável diferença entre o espectacular êxito inicial do D. D. T. dos tempos de Paul Müller, que o conduziu à galeria dos imortais do Prémio Nobel, e o que hoje se verifica no mundo dos insectos perante este e outros tóxicos químicos. Vários são os representantes deste

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grupo zoológico que hoje adquiriram, notável resistência à acção mortífera de tais substâncias.

A própria mosca doméstica, que nós tivemos a ilusão de poder exterminar com leves polvilhos ou discretos borrifos de D. D. T., adquiriu, nas mais diversas partes do mundo. uma notável resistência àquele insecticida. Nem o reforço da dose. nem a substituição da droga por outra muito mais tóxica lograram vencê-la! As da Libéria, que já tinham resistido no D. D. T.. responderam aos reforços do ataque com a dieldrina com uma mais intensa multiplicação. Quem sabe se a dieldrina não foi alterar o equilíbrio biológico da Natureza, destruindo inimigos naturais da mosca! . . .

Mas não só a mosca! Há doze anos. Em 1956. já se conhecia vinte espécies de insectos, que muito emitam na saúde pública, que eram resistentes ao D. D. T., sendo cinco deles do grupo dos anófeles.

Mas em 1962 o número passou de 20 para 71. sendo 32 destes simultâneamente resistentes ao D. D. T. e à dieldrina. Quer dizer: de 1956 a 1962 quintuplicou a resistência dos insectos vectores das doenças que a guerra química queria exterminar!

A enfileirar com as moscas e os mosquitos na resistência a esses produtos, apareceram depois os piolhos do corpo - vectores do tifo exantemático -, os percevejos das camas e as pulgas dos vário animais. Quanto ao Acdes Egyptias. o famoso mosquito rajado transmissor da febre-amarela. já só mostrou resistente, em onze regiões do Mundo: nas Caraíbas, no Vietname e na Florida meridional. E em S. João do Porto Bico a sua resistência á dupla - ao D. D. T. e á dieldrina. No grupo dos anófeles, em dois anos, de 1958 para 1960, a resistência ao D. D. T. passou de 3 para 12 e a da dieldrina de 3 para 29 espécies!

Está apurado que esta resistência é genética, transmissível por hereditariedade, e que um só gene pode ser responsável por muitas, resistências específicas a produtos vários do mesmo grupo químico. As gerações a que estes insectos dão origem serão igualmente resistentes aos insecticidas. A guerra química não exterminou aquelas espécies contra as quais foi dirigidos, e tal vou tivesse atingido os seus inimigos naturais. Nada se sabe do que se passará no mundo das pragas da agricultura a tal respeito, mas a lógica permite a hipótese de que coisa semelhante possa dar-se.

Os entomologistas, os geneticistas e outros investigadores tomaram há anos o rumo biológico da luta, em vez da senda da guerra química. A O. M. S. encoraja os países e os institutos especializados a empreenderem estudos sobre a luta genética, tendente a reduzir o potencial reprodutivo dos agentes vectores de doenças, mercê da alteração ou da substituição do material hereditário. Considera a investigação sobre a genética dos vectores uma necessidade urgente, e embora no começo, tem já lugar central no campo das pesquisas e apresenta-se com futuro risonho de vastas possibilidades (Rapport Technique n.° 268, do 1964).

Parece, pois, que está bem patente a falência dos pesticidas contra os agentes vectores da doença, por mais potente que seja a droga e por maior que seja a, dose.

O problema dos substituintes dos pesticidas até agora usados preocupa seriamente a O. M. S. .Em publicação de 1967 (Rapport Technique n.° 356), sobre a segurança do emprego dos pesticidas em saúde pública, o comité de peritos, reunido em Genebra, exortou as autoridades da saúde a encararem com realismo os perigos que podem apresentar os novos insecticidas, tanto os do grupo dos organofosforados como do dos carbonatos, uns e outros inibidores de uma enzima vital - a acotil-colinesterase -, inibição que em alguns é directa e noutros indirecta.

Mais grave do que tudo o que aí fica é o que se afirma no relatório dos peritos da F. A. O./O. M. S. de 1965: que certos compostos hoje usados na agricultura podem provocar cancro em certos animais de laboratório o que isso é um facto inquietante (naturalmente porque o mesmo pode acontecer no homem), mas que só não proíbe a sua aplicação porque a supressão precipitada da venda dos pesticidas criaria, graves dificuldades para agricultura e para os serviços de saúde pública de certos países! . . . Tal qual!

E no anexo 17 do Rapport Technique n.º 265 da O. M. S. diz-se que "os pesticidas correntemente empregados contra os vedores implicam diversos graus de perigo para as populações humanas e animais expostas", e não se nega o perigo que correm as crianças e outras pessoas e até o pessoal que aplica os produtos, pela insuficiência de precauções na conservação dos concentrados de pesticidas ou na sua aplicação.

A tal respeito vale a pena recordar o apelo da O. M. S. de 5 de Setembro de 1967 por causa dos sacos de farinha contaminados pelo insecticida altamente tóxico, líquido, carregados em dois barcos, e do qual resultaram quatro episódios sucessivos de intoxicação maciça de centenas de pessoas, com mais de vinte mortes. O alerta ao porto de origem e aos portos do destino dos dois barcos impediu outros desastres, mas só pôde ser feito depois destes graves acontecimentos.

Sr. Presidente: Não quero terminar sem agradecer aos Ministros da Economia e da Saúde e Assistência e, em particular, à Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais e ao Laboratório de Fitofarmacologia as informações que a este respeito me forneceram.

A exposição que acabo de fazer não tem outro mérito que o de demonstrar a falsa ideia da vitória da guerra química sobre as pestes da agricultura e sobre os agentes vectores de certas doenças; o perigo que essa guerra química, conduzida como o tem sido, representa para a saúde e a vida de todos nós: a necessidade que temos de apetrechar convenientemente os nossos serviços do fitofarmacologia e de saúde pública, para que se, reduzam os perigos dessa, mesma guerra química: a urgência de uma intensa e extensa campanha de educação sanitária em tal matéria; a urgência de pôr cobro à desenfreada propaganda dos pesticidas, herbicidas, fungicidas e insecticidas que não seja acompanhada dos esclarecimentos indispensáveis junto do público; a necessidade de estimular os novos processos de luta que o aparecimento das resistências tem imposto e que hoje são já bem conhecidos, e, por último, pedir a supressão ou a substituição do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 47 8O2, como é de inteira justiça.

Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Lopes Frazão: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Quão grato nos é trazer aqui esta mensagem. que nos cumpre, por dever da doble condição do técnico e de político, mais ainda nestes tempos de virtudes algo embotadas e certa lassidão, em que um "eu" hipertrofiado é o que mais conta e se vai alargando em domínio, a de exaltar a boa vontade, o esclarecimento e o franco entender, bem assim a melhor compreensão, tudo manifestado por alguns responsáveis da nossa administração pú-

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blica intervenientes directos no tão doloso quanto velho e discutido problema, instante de resolução, dos veterinários municipais.

Em breve apontamento e na primeira sessão legislativa, em Fevereiro de 1966, aflorámos este assunto, da maior magnitude no viver nacional, anunciando a sua explanação mais circunstanciada para melhor oportunidade, que agora se nos depara, por o sabermos bem encarreirado no seu estudo e passivo, portanto, de uma solução dignificante e plena de justiça como se impõe e pela qual tanto e há tanto tempo se anseia.

Dissemos então, Sr. Presidente, e sem sombra de exagero, que era angustiosa e insustentável por muito mais tempo a situação desses devotados obreiros de; extraordinário préstimo para o País, entregues num dia a dia esgotante, e tantas vezes penoso, á defesa da saúde das gentes e dos gados.

No tão conceituado jornal O Século, que tem sido um paladino fervoroso da acção veterinária municipal e do seu viver nobilitado, ao qual, por isso, tributo a minha rendida homenagem, foi afirmado, e muito bem, em recente editorial, que "a preservação da saúde animal constitui, na actualidade, uma preocupação quase tão premente como a da preservação da saúde das pessoas".

Os veterinários municipais, lutando a favor de ambas, contribuem, pois, e de que maneira, para a nossa robustez física e económica, imperativos alevantados de um exercício profissional pleno de utilidade e, assim, merecedor do maior carinho das instâncias oficiais. Condicionalismos vários vêm, contudo, estorvando de há muito, numa teimosia de irrealização absolutamente desesperante, o seu gravoso problema de vivência digna.

Têm sido muitas, e até opositivas nos seus critérios, as soluções apontadas para resolver essa situação de caos, motivação maior do descaimento acentuado de uma classe, hoje em franca tendência para a extinção, e de que a vida económica nacional tem tanta necessidade, pela exigência de uma pecuária que se precisa seja altamente quantificada e qualificada, o que nunca será possível sem técnica e sem investigação, e, conseguiutemente, sem técnicos.

Tão grande desacerto de ideias para. a solução de problema de tanta importância no enquadramento técnico-agrário do Pais, que, aliás, diga-se em abono da verdade, a todos nele interferentes tem preocupado seriamente, é, quanto a nós, a causa primeira do seu grande arrastamento.

Este agravo de situação, tamanhamente obsoleta, foi tão longe e marcada de tais danos que, há pouco tempo atrás, se pensou, pensamento que cremos não estar ainda totalmente arredado, em contratar 50 veterinários espanhóis com destino a uma das nossas províncias ultramarina!

E, na verdade, se continuamos com a nossa veterinária marasmada, tal como se encontra, ou temos mesmo que passar sem ela. o que, por inconcepção, não me parece possível, ou então ver-nos-emos obrigados a recorrer a técnicos estrangeiros, o que afinal já hoje se vai vendo, infelizmente, com frequência que desgosta, e isto tão-só por serem cada vez menos, os técnicos nacionais, o que não consente qualidade.

Em boa verdade se diga que a nossa formação profissional tem sido extremamente precária, sem a conveniente quantificação para uma cobertura perfeita, conducente n uma assistência efectiva e a uma investigação aprofundada a intensa, esta naturalmente exercida por um escol saído de uma selecção, que só o número a tem por válida.

A humildade do exercício, por húmile a matéria sobre que é executado, e a sua extrema rudeza que apaga a vida precocernente, isso, aliado à infimidade da remuneração que o retribui, são motivos de nenhuma atracção, digamos, de franca repulsão, para a nossa juventude estudantil em escolha de carreira.

E os veterinários municipais, em número que se avizinha da metade dos técnicos em actuação na metrópole, espalhados por esse País fora, indo aos mais recônditos lugares, são o espelho reflectivo da fiel imagem do valimento de uma classe, que, tão deformada como se mostra, não alicia, antes afasta, até mesmo aqueles, e tantos são, que sentem prazer na prática da animalicultura.

Isto é tanto assim quanto é certo que, pode dizer-se sem receio de desmentido, a classe veterinária temo-la totalmente envelhecida, com a maioria dos seus elementos de mais de 50 anos, à beira da reforma, e, o que é pior, com a única escola de que se dispõe em território metropolitano sem escolaridade que se veja.

A frequência da escola está maximamente diminuída - de 320 alunos em 1934-1935, baixou para 171 em 1960-1961, 160 em 1963-1964 e 174 em 1965-1966. A população escolar em todos os graus de ensino cresceu 150 por cento no período de 1930-1931 a 1958-1959, enquanto a Escola Superior de Medicina Veterinária teve nesse mesmo período um decréscimo de 42,7 por cento! Em 1966 houve nove licenciaturas e em 1965 tinha havido apenas cinco!

O Prof. Doutor Afonso Queiró, em data não muito afastada, referiu que "se não for providenciada com urgência a compensação devida a quem possui como habilitações um curso superior, é claro que os veterinários existentes se manterão, apesar de tudo, no seu posto, mas a escola que os habilitou não terá mais a quem ministrar o seu ensino. (Aliás, segundo consta, já pouco falta para ter mais professores do que alunos . . .)".

Os concursos para os partidos veterinários ficam desertos por toda a parte, e até já nas capitais de distrito! E naqueles ultimamente abertos para o provimento do quadro estatal, com remuneração debilitada, sim, mas um pouco melhor do que a dos municípios, o número de concorrentes tem ficado sempre aquém das vagas a preencher.

A assistência veterinária está a enfraquecer dia a dia, e já temos estabelecimentos zootécnicos e de investigação com brechas hiantes, que não se vê como colmatar.

Neste momento há 80 concelhos sem assistência veterinária, não entrando em linha de conta com as ilhas, onde o problema se apresenta igual, se não pior!

Não podemos tomar em consideração para a metrópole os diplomados dos Estudos Gerais do Ultramar, pois esses nunca serão suficientes para as necessidades imensas das nossas alargadas províncias africanas. Em Tete. região de forte potencialidade pecuária e com os seus 100 000 km3, 11 000 km2 acima da área do nosso território metropolitano, ainda não vai muito tempo decorrido, havia apenas um veterinário!

Sr. Presidente e Srs. Deputados: O Decreto n.º 16 131, de 9 de Novembro de 1928, criando os lugares de inspector municipal de .sanidade pecuária e retribuindo-os justamente - com 5/6 do vencimento dos veterinários do Estado -, trouxe à veterinária portuguesa uma chama de vivificação extraordinariamente alteada. E assim é que de 1835 a 1928 havia apenas a média anual de 1,4 licenciados, média que subiu para 33,1 de 1929 a 1955.

Neste período de fastígio de formação profissional a saúde pública e a nossa pecuração sentiram bem a incidência dos técnicos veterinários portugueses. Extinguem--se a raiva e o terrífico mormo, faz-se decrescer a um mínimo extremamente rebaixado a tuberculose dos bo-

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vinos leiteiros e a mamite contagiosa, minora-se bastante o flagelo carbunculoso. combate-se com êxito a febre-de-malta. erradica-se a língua azul, que ameaçava gravemente o nosso capital ovino, leva-se a nível sumamente elevado a ovinicultura nacional, valorizam-se grandemente, as nossas lãs, acrescenta-se em muito a bovinicultura leiteira e eleva-se a ponto alto a sua produtividade, estimula-se fortemente a produção de cruzados das raças bovinas de carne, melhora-se a suinicultura. avoluma-se enormemente a avicultura, e eu sei lá quanto mais se fez nesta larga época de aura veterinária.

Mas o Código Administrativo, em 1936, acabando com os lugares de inspector municipal de sanidade pecuária, que transformou em partidos veterinários, atribuindo-lhes remuneração mais que insuficiente para um viver condigno do diplomados de grau universitário - o seu vencimento é hoje é de pouco mais de 2000$ -. perturbou toda a acção que vinha a desenvolver, não a consentindo mais expandida, como importava ao País.

Não se pense que a clínica é segura ajuda, porque ela, à parte num ou noutro concelho onde tem lugar qualquer campanha eventual, de duração sempre limitada, é de míngua em 'quase todos. Nem sequer as inspecções de carnes fora dos matadouros são já remuneradas!

Assim é que da média anual enunciada dos 33.1 diplomados se baixou para a de 11,5 de 1956 a 1966, e nos dois últimos anos, como vimos, ela decresce mais, caindo para, 7! E o que são 7 veterinários licenciados por ano?

E sem veterinários nunca teremos a promoção agrária que se pretende e necessita.

Em Franca, alguém alheio à profissão apelidou o veterinário de "missionário do progresso rural", e é bem verdade. Ainda, hoje, apesar de poucos e envelhecidos, os veterinários portugueses estão sempre presentes, com devoção e marcado desinteresse, lutando esforçadamente, em favor da economia nacional, que querem avolumada e cheia de fortidão.

Pela sua tarefa ingente de multiplicar os alimentos nobres de que o homem precisa e o mundo, cheio de fome, reclama, um grande cientista proclamou que "a arte veterinária, bem mereça da humanidade".

O Dr. Kesteven, da F. A. O., disse recentemente que "na campanha contra a fome os veterinários desempenham papel de importância vital".

Por isso, no mundo inteiro, evoluído, o número de diplomados em Medicina Veterinária, contrariamente ao que sucede entre nós, vai em crescendo.

Contra a nossa meia dúzia por ano, a Espanha forma 30, a Bélgica 50, a Dinamarca 55, a Holanda 70, a Turquia 100, a Itália 110, a Inglaterra 180, o Japão 680, etc.!

Nós precisamos, só para manter a profissão no seu nível actual, de 30 diplomados, e para as necessidades efectivas, de 90. Não vamos hoje, portanto, além de um terço do mínimo necessário, e a continuarmos em repulsão, o descaimento acentua-se.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: O pior é que a nossa conjuntura actual de uma balança de comercio externo em franco desequilíbrio, pesando nela fortemente os produtos animais, a que somos obrigados a prover por importações maciças, não se compadece com tanta carência de técnica, e boa técnica. De 12 000 t de carne importadas em 196, passámos para 24 000t em onze meses do ano passado, ou sejam mais de 150 000 contos gastos por ano; a estes se somam os 120 000 contos despendidos com as peles e os 240 000 contos com as lãs. o que tudo perfaz inestimável valor entregue ao fomento da pecuária estrangeira, "da qual somos desnecessariamente tributários", na opinião bem enterdida e criteriosa, que perfilhamos, de S. Ex.ª o Sr. Ministro da Economia.

Mas ainda há que ter em conta que estamos perante um Plano de Fomento da maior importância para a nossa vivência e que tem por grande objectivo a "aceleração do ritmo de acréscimo do produto nacional", devendo ser "particularmente intensivo o crescimento dos produtos de origem animal". O plano exige mais que "a pecuária seja um dos ramos dinamizadores do sector agrícola. devendo o fomento pecuário ter influência marcada na solução da crise económica em que esse sector se encontra". Mas como havemos nós. veterinários, de realizar, na extensão e profundidade requeridas, o que é tido como imperativo absoluto, na pequenez técnica em que nos debatemos?

Tal como o nosso par nesta Assembleia, a que tanto consideramos. pelo seu dilatado saber e sólida experiência, o Sr. Engenheiro Araújo Correia, também cremos "não ser possível, apesar das delações substanciais, fazer a obra necessária, em matéria de melhoramento pecuário, sem uma profunda remodelação nas estruturas dos serviços".

O mesmo ilustre homem publico, ao apreciar as Contas Gerais do Estado relativas a 1965. afirmou no relatório que. relativamente a 1938, a Direcção-Geral dos Serviços Pecuários evidenciou o maior índice de despesa dos serviços oficiais - 845. Para além de outras motivações, que oportunamente, apontaremos, nesse crescimento. naturalmente exagerado, deve ter tido influência de vulto o divórcio, pela vigência do Código Administrativo, dos veterinários municipais nas tarefas em que colaboravam com os serviços do Estado, estes multiplicando-se enormemente e exigindo cada vez mais esforço humano, e aqueles diminuídos na acção que emprestavam. por defeituosa recompensa.

Necessário se torna, pois, e até porque hoje a Direcção-Geral dos Serviços Pecuários não consegue satisfazer o quanto de muito lhe é exigido, que volte a ter por ela a acção municipal, se possível intensificada.

Neste sentido, aquele departamento do Estado submeteu, em tempo, à consideração superior um parecer sobre o qual incidiram judiciosas e realistas considerações da Direcção-Geral da Contabilidade Pública, pela sua 11.ª Repartição, que atestam bem a aptidão invulgar, por vincada compreensão o acerto de ideias, do funcionário que detém a chefia daquele organismo público. Nesse documento, e atendendo aos opostos critérios em discussão, que têm vindo a protelar infindávelmente uma situação de gravame para o País, e extremamente molesta e injusta para aqueles que estoicamente a têm suportado, entendia-se um aprofundamento de estudo e para tal a nomearão de um grupo de trabalho, ao qual S. Ex.ª o Sr. Secretário de Estado da Agricultura, com o seu espírito altamente esclarecido e o propósito afirmado de realizar tão bem quanto lhe é possível, deu plena concordância o despacho imediato.

Sabemos que esse grupo de trabalho, no desejo de sor o mais útil e proficiente, não se poupou a canseiras, e ao fim de intenso e árduo labor, e com a ajuda relevante do Sr. Director-Geral da Administração Política e Civil, do Ministério do Interior, que tão largo contributo deu, com a sua manifesta vontade e saber fecundo, ao melhor encaminhamento deste problema crucial, em opinião unanimo muito de considerar, apresentou a solução que a todos parece a melhor, por válida e prática e plena de exequibilidade, sem sequer ferir desmedidamente o erário público.

Uma palavra do nosso maior reconhecimento devemos a SS. Ex.º os Srs. Ministro do Interior e Subsecretário de Estado do Orçamento, pelo apoio concedido, que foi essencial, possibilitando a nomeação do citado grupo de trabalho, que se tinha como fundamento, e o carinho prometido à finalização considerada mais consentânea.

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Para o Ex.mo Sr. Director-Geral da Contabilidade Pública, que tanto nos sensibilizou com o sentido de oportunidade, que lhe vimos, em favor da justeza das coisas na sua conjugação com o superior interesse nacional, vai a expressão grande do meu mais vivo agradecimento.

Resta-nos. Sr. Presidente, apelar para S. Ex.ma o Sr. Ministro das Finanças para que faça quanto puder por esta causa, tão justa, da dignificação dos veterinários municipais, de préstimo sobrelevado para o País, e hoje sujeitados a uma condição material em extremo deprimente.

Estamos convictos de que S. Ex.ma, pelo que já lhe ouvimos em constrangimento, da "formatura anual de reduzido número de técnicos, contando-se nestes apenas 0,5 veterinários para l milhão de habitantes" e daí o seu proclamo "da necessidade que há de se fazer um intenso esforço no domínio dos investimentos intelectuais e da formação humana", palavras que ilustram bem o saber aclarado de um Ministro, debruçar-se-á, cheio de vontade de bem fazer, como é seu timbre, sobre a questão premente dos veterinários municipais, solucionando-a a bem deles e do País.

Disse.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Horácio Silva: - Sr. Presidente: Na intervenção que me foi grato realizar nesta Câmara em 12 de Janeiro último revelei a intenção de me ocupar oportunamente do povoamento do ultramar português, designadamente de Angola, problema a que atribuo, baseado na minha experiência pessoal e no saber de numerosos autores qualificados, relevância máxima entre 0s problemas nacionais do nosso tempo, dadas as suas conexões próximas e distantes com a defesa e a solidez futura da Nação.

Já em outras intervenções anteriores acerca de Angola tive ocasião de assinalar a necessidade imperiosa de se encontrar quanto antes a solução ou o conjunto de soluções capazes de vencer esse problema fundamental: a necessidade impreterível de atrair para o nosso ultramar a emigração metropolitana, madeirense, açoriana e outras; de promover e de intensificar a fixação dos desmobilizados das forças armadas e de, simultaneamente, proporcionar fixação, na labuta agro-pecuária ou nos empregos, aos muitos milhares de autóctones em promoção acelerada. E este o problema base, na verdade o mais agudo da nossa grande província do Atlântico, e o que é inquietante é que se agrava a cada dia que passa - em face daquela mesma acelerada promoção ë da explosão escolar dos últimos anos -, plenamente justificando as preocupações desta Assembleia, aliás patenteadas em numerosas intervenções, das quais me permitirei salientar agora apenas algumas das mais recentes - a do Sr. Deputado Gonçalo Mesquitela, a propósito de Moçambique, e as da semana finda, do Sr. Deputado Nunes Barata, uma e outras muito brilhantes, cheias de revelações e ensinamentos, inspirados pelas mais patrióticas intenções.

É óbvio que essas preocupações não são apenas nossas, dos componentes da Assembleia Nacional. São-no também, especialmente desde 1961, sobretudo do Governo, como o provam, além de basta legislação e das ansiedades de crescimento ultramarino implícitas no III Plano de Fomento, as muitas facilidades de passagens, concedidas grátis por intermédio do Ministério do Ultramar, a quantos portugueses queiram ir para Angola o ali tenham família ou emprego, e as tentativas de povoamento e fixação, dirigidas ou não, que naquela província se encontram em curso. E preocupações idênticas têm-nas também tido outras entidades responsáveis, como é o caso da Companhia do Caminho de Ferro de Benguela, cuja experiência de colonização, realizada ao longo de mais de quinze anos, nas décadas de 30 a 50, foi. das tentativas pretéritas, a mais minuciosa, mais completa, mais rodeada de virtualidades de êxito e também a mais económica de quantas se realizaram até então. Teve ainda o Caminho de Ferro de Benguela o mérito de patentear nos seus relatórios anuais não um triunfo espectacular - que se reconhece não ter estado nos seus desígnios essenciais -, mas a demonstração iniludível e bem clara de quanto se pode esperar de uma colonização dirigida, com base agrária. E esse "quanto" bem pouco é, infelizmente, como se verá adiante. Sr. Presidente: Assinalei há pouco o vivo interesse que vem merecendo ao Governo o povoamento do nosso ultramar, e, fazendo-o. não procedi senão ao reconhecimento de um facto, pois esse interesse manifesta-se a cada momento. E em fins de 1961 foram criadas as juntas provinciais de povoamento. A de Angola entrou quase logo em funções. A sua obra na província começou em 1903, e u data do seu último relatório, que possuo-o de 1966-, tinha já expressões de certo modo válidas, não tanto do ponto de vista do povoamento propriamente dito -e muito menos do povoamento alienígena-, mas sim do da criação de vastas infra-estruturas capazes de auxiliar, apoiar e esclarecer quantos, alienígenas ou autóctones, queiram dedicar-se à agricultura ou u pecuária em Angola, entre aqueles os desmobilizados das forças armadas. Destes, até no fim. do ano de 1966, tinham sido colocados naquela província apenas uns 4800 (uma parte deles por intermédio da Junta, e RO centena e meia no povoamento agrário), pena sendo que não houvesse vingado a ideia, que a Junta se havia proposto realizar, da criação de aldeias-fortins, ou aldeias castrenses, nas zonas próximas da fronteira. A ideia, em Luanda, superiormente julgada inoportuna (porque cara - a sua expressão estratégica não sobrelevaria o seu preço?), veio a ser posta de parte.

Mas inserem-se entre as referidas infra-estruturas os núcleos principais de povoamento agrário, em número de 28, situando-se 11 no Norte, nos distritos de Luanda, Cuanza Norte, Malanje e Huíge; 11 no Centro, nos distritos de Huambo, Bié e Huíla; l no extremo sul, no Chitado, e 3 a leste, no distrito do Moxico, correspondendo ás Brigadas Regionais do Uíge, Cuanza Norte. Malanje, Luanda. Cuanza Sul, Planalto Central (no Huambo, parte da Huíla e Bié), Brigadas Regionais do Sul e do Moxico e Brigada de Estudos e Construção de Obras de Engenharia.

Os núcleos de povoamento agrário -29 dos quais dispunham já de parques de máquinas instalados até ao fim do ano de 1966- somavam então 46, sendo 24 de povoamento alienígena. 9 de povoamento misto, 7 de reordenamento rural autóctone e 6 de povoamento cabo-verdiano.

O número de colonos de várias origens, incluindo aborígenes de Angola, instalados pela Junta Provincial de Povoamento nos cinco anos decorridos de 1962 a 1966 soma 2498, dos quais 840 metropolitanos ou oriundos das ilhas adjacentes, 419 cabo-verdianos, l timorense, 1235 autóctones e 8 estrangeiros, aos quais se juntaram pessoas de família, elevando-se o número total a 13 041 indivíduos. Destes, 3787 são metropolitanos e ilhéus da Madeira e Açores, 2004 cabo-verdianos, 7237 nativos de Angola, l timorense e 12 estrangeiros. Mas é de referir, por alarmante na sua expressão, que, havendo sido admitidos no ano de 1966, já citado, 287 novos pó-

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voadores -172- europeus, 28 cabo-verdianos e 87 autóctones-, as desistências no mesmo ano, das quais 3 por expulsão, somaram 245! E nestas incluem-se 196 de metropolitanos, dos quais, assim, desistiram mais 24 do que se instalaram em 1966. Será preciso acentuar que este caso impressionante exige esclarecimento urgente e completo?

Mas o facto é que, para realizar tal obra de povoamento, na verdade mínima -e menor ainda quando se afere pela grandeza e necessidades de Angola -, precisou a Junta Provincial de Povoamento de instalar, e isso é talvez um índice da complexidade- ou da magnitude do empreendimento, larga, infra-estruturas, que absorveram já várias centenas de milhares de contos em construções, preparação de terras, pequenas barragens, açudes, diques, máquinas e ferramentas, sementes e adubos, gados, ajudas de toda a espécie a povoadores ou a agricultores de livre iniciativa, assistência a populações naturais das áreas da Junta e, naturalmente, em vencimentos e salários aos 1015 funcionários e assalariados que constam dos seus mapas de pessoal em 31 de Dezembro de 1960!

O orçamento da Junta no ano em apreço ascendeu a 296 894 contos (de receitas gerais ordinárias e extraordinárias) e as desposas somaram 228 972 contos, donde um remanescente saldo do exercício de 72 922 contos, cerca de um quarto das receitas totais. Pura muro esclarecimento acrescentarei que as receitas da Junta são totalmente fornecidas pela província, delas avultando em 1966 cerca de 120 000 contos de imposto de consumo para fins de povoamento e perto de 60 000 contos de selo de povoamento, que em Angola é obrigatório em toda a espécie de documentos, inclusive na correspondência de circulação interna.

Os gastos ordinários da Junta naquele ano cifraram-se em cerca de 160 000 contos -exactamente 159 422 contos -, dos quais 84 098 contos foram atribuídos a manutenção de estruturas e 75 324 contos a execução. Afigura-se de interesse não deixar de assinalar que entre as despesas de manutenção de estruturas se incluem 14 500 contos de comparticipação, mais que justificada nas despesas da defesa nacional e nas de execução, outros 14 000 e tantos contos atribuídos a empreendimentos de reordenamento rural, por ventura o objectivo mais provavelmente atingível, e por isso mais profícuo, da actividade da Junta, já que no ano em referência não teve de despender mais de 16 333 contos - 10 por cento apenas da despesa ordinária!- com os poucos colonos que lhe coube instalar, pois decerto mais não houve!

Não estará aqui a indicação clara de que os nossos jovens camponeses da metrópole, depois de haverem cruzado o oceano para o serviço militar, se não seduzem já pela miragem (e as responsabilidades) de uma propriedade agrícola em África para o resto da vida, quando lhes é mais sedutora a perspectiva de um emprego onde quer que seja, bem remunerado e com as vantagens sociais do nosso tempo, cada vez maiores, emprego que lhes proporcione, nalguns anos, o aforro de alguns contos com, que regressem à "pequena pátria", 'que é verdadeiramente a da sua preferência?

Sr. Presidente: Qualifiquei há pouco o reordenamento rural - do qual se espera, em resumo, a promoção sócio-económica realizada nos meios rurais -, porventura e por agora, o objectivo mais atingível e decerto mais proveitoso da acção da Junta Provincial de Povoamento de Angola, se ela se intensificar até ao nível do razoável. São os factos e o próprio relatório das actividades da Junta que parecem apontá-lo. Nesse reordenamento tem decerto estado, e virá naturalmente a estar, implícita a movimentação conveniente das populações carecidas - entre estas os recuperados da subversão terrorista e as centenas de milhares de regressados do êxodo imposto pelo terrorismo. E certamente compreenderá a fixação de outras populações, de fidelidade comprovada, nas zonas estratégica, aliciando-as pelos meios de acção postos ao seu alcance, entre eles o exemplo, os ensinamentos, a água, a assistência e o apoio de maquinaria, sementes, adubos e outros pelas brigadas regionais de povoamento e dos núcleos já instalados. É do reordenamento rural e do paralelo reordenamento das populações das zonas suburbanas - aliás já também em curso, há anos. em vários distritos de Angola, designadamente nos de Luanda. Benguela e Huambo, até por acção dos próprios governos distritais - que podem resultar, com a promoção cultural e sócio-económica, a correcção de vários erros e desunidos do passado e, com ela, a adesão consciente das populações atrasadas à nossa obra em África, adesão que é, no conceito de um ilustre, ex-governador-geral de Angola, o coronel Silvério Marques, "a mais importante defesa contra o terrorismo", defesa que - cito - "consiste em fortalecer a população, por forma a couraçá-la contra ele e a odiá-lo". ."Não há", acrescenta aquele antigo governador-geral, "dispositivo militar ou de segurança eficiente que se equipare à disposição de não aderir e de combater."

Mas, mesmo neste restrito capítulo do reordenamento rural, a obra realizada em cinco anos pela Junta nos seus núcleos de povoamento - excepção feita de numerosos auxílios prestados às populações - pode e deve considerar-se mínima, pois que se traduz somente pela instalação de 1235 agricultores autóctones e suas famílias em sete núcleos de povoamento rural e em nove de povoamento misto. Neste ponto, certamente muito menos do que seria de esperar de um organismo de l015 funcionários e assalariados e de centenas de milhares de contos de dispêndio anual, muito embora, como se disse, em grande parte aplicados em estruturas a sua manutenção, estruturas, diga-se em abono da verdade, de que temos ouvido as maiores homenagens por parto de quantos as conhecem.

A obra de reordenamento rural e suburbano e dos núcleos de povoamento, a obra de fomento do ultramar, tem de facto alto interesse, nacional, como já acentuei no começo desta intervenção. Julgo até que ela deveria sediar-se no próprio Ministério do Ultramar, no seio do Governo Central, e assumir, em Angola como em Moçambique, o nível político e administrativo de secretarias provinciais. Mas teria de se rever a sua acção e a sua obra teria de se multiplicar muitas vezes e ser fortalecida com maiores possibilidades de autodefesa e vigilância, para começar a corresponder às ambições dos que a sonharam: a de ser capaz, de "fechar as portas do Norte" (expressão do coronel Silvério Marques), como agora as do Leste, isto é. as portas de infiltração do terrorismo - pergunto a mim próprio se as aldeias-fortins preconizadas pela Junta de Povoamento não teriam aí o seu lugar próprio, insubstituível -, do terrorismo que a Nação tão valorosamente enfrenta há sete anos feitos e, sob a égide de Salazar, há-de enfrentar, sem dúvida, até que o mundo compreenda finalmente ou o inimigo se canse e a vitória e a paz nos recompensem do gigantesco, generoso e nobre esforço a que Portugal, na linha exacta das suas mais bela tradições, tem sabido ser nobremente fiel.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Antes de atingir o termo das minhas considerações de atingir o termo das minhas considerações de hoje, não deixarei de assinalar que os objectivos base que impuseram a criação da Junta Provincial de Povoamento de Angola - decerto as de canalizar para aquela nossa grande província, «rapidamente e em força», excedentes demográficos da metrópole e ilhas adjacentes - só por sombras se mostram atingidos, como o demonstra, sem margem a quaisquer dúvidas, o facto de se haverem ali instalado apenas, em cinco anos, 840 colonos daquela origem, os quais, com os seus familiares, somam 3787 indivíduos, num período em que os excessos demográficos da metrópole se cifram por várias centenas de milhares de pessoas.
Assinalo um facto, não pretendo atribuir o demérito ou o fracasso à Junta de Povoamento. Mas julgo de sugerir nesta Assembleia a necessidade de se averiguarem as causas profundas do fenómeno. E julgo indispensável e urgente capacitarmo-nos todos de uma realidade irrecusável, qual é a de que não é possível impor por decreto o povoamento do ultramar ou o rumo das correntes migratórias.
As provas disso estão em que para um saldo demográfico de 106 000 indivíduos em 1966 emigraram daqui legalmente para o estrangeiro, no mesmo ano 120 000 e mais 46 000 clandestinamente, enquanto para o ultramar seguiram naquele mesmo ano, apenas 10 787.
Na sua extraordinária conferência de ha um ano e meio no Palácio Foz, integrada no ciclo de notabilíssimas conferências sob o signo de «Celebrar o passado, construir o futuro» com que a situação muito se honrou, o Sr. Brigadeiro Kaulza de Arriaga, focando a necessidade de colocar em Angola 1 milhão de metropolitanos e outro tanto em Moçambique - necessidade que se impõe até por imperativo de sobrevivência da Nação que hoje constituímos - concluiu que, pelo ritmo actual, só dentro de um século atingiremos tal objectivo. Ora, pelo que se observa em relação aos anos de 1962-1966, nem mesmo em cem anos se alcançaria o desiderato, a solução de um problema que os mais altos interesses nacionais exigem, à escala do nosso tempo, se atinja no espaço de uma geração.
Repito: é uma realidade iniludível que nem o povoamento do ultramar, nem os fluxos migratórios se impõem por decreto. Podendo, embora, ser favorecidos por inserções ajudas, propaganda, etc., e canalizados ou, mesmo, de certo modo dirigidos, eles terão de surgir espontaneamente, como resultado do encontro de interesses recíprocos - os dos emigrantes potenciais e os dos territórios que deles carecem. Estes aliciarão aqueles com a facilidade de encontrarem trabalho, melhor paga, possibilidades de aforro e logicamente, a livre transferência deste.
Eis o que abunda no estrangeiro e tem abundado especialmente em França, para onde em 1966, emigraram mais de 73 000 portugueses, elevando a respectiva colónia naquele país a mais de 270 000 compatriotas nossos. Dessa tremenda hemorragia demográfica de 1966 - a maior de todos os tempos no nosso pais - 48 000 eram mulheres e mais de 20 000 eram indivíduos em plena juventude, entre os 25 e 29 anos, 27 00 agricultores e pescadores, 6 000 empregados comerciais e 22 000 operários diversos.
E eis o que tem faltado, e falta para aliciar povoadores alienigemas em Angola, onde havendo tanto e tanto que fazer para valorizar aquela terra imensa e desentranhar as suas imensas riquezas e onde os nossos compatriotas do solar lusitano (além de obterem, em vários casos, passagem grátis) encontrariam sempre acolhimento fraternal, melhor paga do que na metrópole, a mesma língua as mesmas feições urbanísticas, os mesmos usos e costumes e maiores possibilidades de ascensão pessoal e social, a verdade é que não abundam ali os empregos, porque não abundam os investimentos, e estes faltam porque falta ainda entre nós - e é preciso e urgente que não falte - a coordenação de uma política económica para o espaço nacional. Uma política económica que não facilite, por exemplo, a aquisição ao estrangeiro - até de países mais ou menos inimigos ou antiportugueses - de milhões de contos de produtos tropicais (açúcar, milho, algodão, tabaco, amendoim) que poderiam e deveriam ser fornecidos aos preços internacionais pelo nosso ultramar, evitando uma autêntica hemorragia de divisas e logo eliminando no espaço português o problema cambial.
E mais, o que já tive a honra de expor a esta Câmara em anteriores intervenções: a regulamentação do crédito a médio e longo prazos pelo Ministério das Finanças e a supressão do problema das transferências cambiais, que, não sendo de modo algum inelutável, não tem razão de existir, como observarei mais uma vez em próxima intervenção, se VV. Ex.ªs., Sr. Presidente e Srs. Deputados, tiveram a paciência de me escutar.
Sr. Presidente: Termino com um voto. O de que as entidades competentes se mostram receptivas a este apelo, o apelo de que encare com urgência o povoamento do ultramar nas suas múltiplas implicações, a que a Junta de Povoamento não pode, evidentemente, responder, mesmo que a sua acção se mostre inteiramente válida e perfeita. Essas múltiplas implicações foram esboçadas nas palavras que antes proferi, e quero afirmar, por último, que o fiz unicamente inspirado pelo bem da Nação.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre as Contas Gerais do Estado (metrópole e ultramar) o da Junta do Crédito Público referentes ao ano de 1966.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barros Duarte.

O Sr. Barros Duarte: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há na vida dos povos momentos que mercê de determinada sequência de factos ou confluência de fenómenos sociais económicos e políticos se tornam significativamente graves: tal é por certo o momento que o mundo e a nossa pátria, em particular, estão vivendo. O clima próprio desses momentos da história não pode ser o de uma mera rotina das coisas. Nem mesmo para aqueles actos que a opinião pública e o paroxismo funcionarista asso, quiseram ritmar e definir.

Por outra parte, o critério e o espírito que nesses momentos devem estar na análise de situações que se tenham criado e no equacionamento e resolução de problemas suscitados não podem ser os mesmos que em determinados períodos da história dos povos, se diluem num cómodo rotativismo e equilíbrio de influências e interesses particulares ou numa flacidez serpejante que nunca arrisca simpatias, prestígio e oportunidades. O critério que se procura e o espírito que se informa estão, na verdade, no serviço e no sacrifício em favor de uma causa comum. E nisto, quantas vezes se é surpreendido por aquela voz anónima, impessoal, que formula e repete comentários e críticas, desabafa assombros escandalizados

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ou reticência insinuações pungentes e que ninguém mais ousa! ...

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendi que estas considerações poderiam constituir um preâmbulo útil ou necessário à apreciação das Contas Gerais de Estado de 1966.

O parecer que sobro estas apresentou a Comissão da Assembleia Nacional paru as Contas Públicas teve por relator um nome de há muito consagrado pelo respeito e admiração do todos nós, o Sr. Engenheiro Araújo Correia mestre insigne e experimentado, a quem rendo as minhas sinceras e melhores homenagens, exprimindo ao mesmo tempo e- de um modo geral, o meu voto de concordância à aprovação das contas do exercício financeiro de 1966, tanto da metrópole como do ultramar.

Na parte, relativa às províncias ultramarinas, o parecer opõe à análise das contas dois factos ponderosos de significado. Primeiro, a guerra ali nos foi imposta com todas as suas implicações na economia nacional. Em seguida, os grandes investimentos que, apesar de tudo, para lá se têm movimentado da metrópole.

Sobro n facto daquela guerra, lêem-se no referido documento estas graves palavras: «Gastaram-se um operações militares elevadas cornas que se desviadas para o fomento económico e suciai, ao menos parcialmente, bem poderiam ter influído no bem-estar das populações autóctones.» Mais adianto, porém, são inteiramente, c com toda a justiça, ressalvados os benefícios resultantes da presença das forças armadas no ultramar e registados no progresso das suas torras. «Não se pode dizer», lê-se, «que, à parte o natural efeito de retardamento, sejam inúteis, no aspecto económico em relação às províncias ultramarinas, as quantias ali gastas.» «Uma parcela do sen progresso nos últimos anos revelado por melhoria de consumos», prossegue o parecer, «provém das somas utilizadas pelas forças militares no próprio território.»

A propósito dos grandes investimentos da metrópole no ultramar, que têm permitido um surto palpável de progresso naquelas terras, não farei mais do que esboçar um rápido comentário. Trata-se. Sr. Presidente e Srs. Deputados, de um facto que não direi já decorrer do sublime preceito da- raridade cristã, nem mesmo do simples princípio da solidariedade humana, mas antes, daquela misteriosa lei que em qualquer árvore transporta a seiva, geradora da vida, da raiz para o tronco e- do tronco para os ramos. E estes sabemos nós onde os braceja este velho País, roble - gigante de oito séculos que a história consagrou com o nome de Portugal! ...

Mas nem por se tratar de- uma lei da história, de um corolário da nossa definição política, de um pendor da nossa índole ou instinto da raça - quase uma lei da Natureza -, nem por si isso virá a ser menos sentida pela gratidão das i

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Passo agora a analisar mais particularizadamente alguns aspectos das contas públicas da província de Timor referentes ao ano de 1966.

As receitas ordinárias acusam um aumento de 8450 contos sobre as de 1965. O índice daí resultante, na base de 100 referida a 1938. é de 1072 atingindo, assim, Timor, pela primeira voz a casa dos 1000, pormenor em que supera todas as outras províncias ultramarinas de governo simples.

Na balança de pagamentos também se verifica o saldo positivo de 19 933 contos, traduzindo um aumento de 5993 contos sobre idêntico saldo do ano anterior. Esta posição, porém, não seria de modo algum possível, se não tivessem contribuído para o equilíbrio 107 281 contos de investimentos da metrópole, pois os negócios de exportação não produziram mais do que 67 739 contos, sensivelmente metade das entradas para pagamentos das importações e pouco mais de metade dos investimentos da metrópole acima referidos. «Mas não é possível continuar indefinidamente este processo de equilíbrio», conclui o parecer, denunciando o parasitismo económico em que tem vivido Timor, merco cia sua administração permanentemente, deficitária.

O comércio externo revela o maior deficit de há muitos anus - 106 052 contos. Enquanto u importação, em 1906, foi a maior do sempre, cifrada em 141 468 contos, a exportação em contrapartida, foi relativamente, a mais baixa, apenas de 35 416 contos. Os crescentes desequilíbrios anuais na balança do comércio denunciam uma situação económica e financeira de tal modo anómala que a Comissão de Contas não duvidou formular juízo tão grave o severo como este: «Já o ano passado», diz o parecer da Comissão, «se considerou séria a situação mas a gravidade de ]966 requer medidas que sustenham este acréscimo contínuo no deficit» E mais adiante: «Há necessidade de olhar o fundo da questão. Se as exportações continuam a diminuir nesta cadência, dentro em pouco a situação da província - será impossível.»

Para ocorrer a este estado do coisas adoptaram-se providências, que pareceram adequadas, para incrementar e melhorar a produção agro-pecuária e para criar novas indústrias e reestruturar a aperfeiçoar as que já existiam; impuseram-se normas mais rigorosas na disciplina do comércio inferno o externo, deste principalmente: procedeu-se a uma necessária revisão de pautas e tabelas: houve ainda que se abolir o regime vigente de quase gratuitidade nos serviços de assistência sanitária nas suas várias modalidades, assim como se teve de optar por uma maior operosidade do ensino secundário em relação aos seus beneficiários, na mesma linha de pensamento que, em anos anteriores, impusera 30$ adicionais a cada contribuinte para subsidiar o ensino a cargo das comissões municipais.

São dignas de louvor as intenções que inspiraram ao Governo da província tais medidas e todo o esforço e sacrifício que elas subentendem. No entanto, cumpre interpor aqui algumas breves considerações.

Em primeiro lugar, a par das disposições acima referidas, haveria também que se exercer uma vigilância- e um contraiu mais rigorosos nas requisições para obras de Estado, em execução dos respectivos projectos e tarefas. Evitar-se-iam revisões e correcções inúteis de projectos e estudos, nem se teria que refazer ou simplesmente abandonar obras vultosas, estimadas em centenas ou milhares de contos. Por outro lado, não deveria ser meramente perfunctória a vigilância exercida na aplicação dos planos de fomento, para se obviarem excessos e diluimentos prejudiciais. E todo este rigor deveria ainda progredir até à revisão de determinadas formas de remuneração em certos serviços públicos.

No programa de compressões a empreender para a recuperação económica de Timor haveria a encarar igualmente a hipótese da extinção de certos serviços quase inactivos, injustificados.

Quanto à revisão pautai, atrás aludida, que impôs uma nova disciplina ao comércio interno e externo sobretudo, permita-se-me dizer que, ressalvadas todas as boas intenções que a ditaram, receio vir ela a revelar-se excessivamente gravosa e, por isso mesmo, dissuasória da actividade comercial que urgia apenas regular, mas não estrangular. Nem se poderá reputar inteiramente infantil o receio de que a província, enferma, venha a ser vítima da mesma cura.

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No que respeita ao comércio externo, o parecer recomenda uma integração cada vez mais perfeita no espaço económico português e insinua intercâmbio regular com a vizinha, Austrália.

Quanto ao primeiro problema, não se afigura fácil deparar-lhe uma solução cabal. Importaria, antes de mais, intensificar em certa medida as carreiras marítimas nacionais entre Timor e outras províncias ultramarinas e a metrópole e fixar-lhes uma periodicidade curta. Na frequência actual, ou se fazem encomendas muito modestas, e então, depressa se atinge a carência, ou só opta por volumes maiores, e. então, haverá que se imobilizar, por tempo dilatado, uma percentagem assaz elevada de capitais, nu sua- generalidade muito exíguos. Além disso, os riscos de deterioração, as quebras, seriam demasiados para economias tão frágeis. A par de tudo isto, talvez se não possa ainda afastar inteiramente a hipótese do uma situação internacional menos tranquila ou menos favorável à nossa navegação naqueles mares do Sudeste da Ásia. Uma situação em que teríamos que recorrer forçosamente a transportadores c mercados estrangeiros. Estes, por uma reacção que facilmente se pressente, poderiam então oferecer-nos um acolhimento algo diferente daquele que desejaríamos.

Por outro lado, a prática de preços mais convidativos e a extraordinária proximidade dos mercados estrangeiros do Extremo Oriente tornam inevitavelmente mais difíceis as relações comerciais du Timor com a metrópole c os outros territórios nacionais, com excepção do Macau.

A tudo isto acresce ainda o facto de que praticamente, o comércio da província se efectua através de cerca de 300 comerciantes chineses, nos quais se incluem uns 20 importadores-exportadores. Esses comerciantes estabeleceram há muito, em Singapura c Hong-Kong, relações comerciais bem definidas o reforçadas por laços de amizade c de família que muito dificilmente se lhes podem deparar no espaço económico português, a não ser em Macau. O assunto necessita estudo mais cuidadoso.

No que se refere a um intercâmbio regular entre Timor e Austrália, diversas tentativas só têm feito já nessa direcção, com interesse cada vez maior de ambas as partes. Mas a província terá de elevar muito mais a sua produção para interessar, em termos de continuidade, um país tão industrializado e desenvolvido como a Austrália. As quantidades presentemente exportáveis da nossa produção situam-se em nível ainda bastante doméstico, perdoe-se-lhe; o ilogismo da expressão.

Do lado indonésio também se verificaram contactos no mesmo sentido, que podem vir a ser muito úteis, tendo-se ultimamente registado o seguinte movimento comercial com aquele país: exportação, cerca de 1000 contos; importação, cerca de 8000 contos. Deste movimento, porém, resultou o saldo negativo de 7000 contos, que virá a agravar o desequilíbrio da nossa balança de comércio. Acresce que a quase totalidade das divisas entradas são escudos de Timor pagos pela importação do produtos indonésios, que. depois, terão de ser reexportados c constam da tabela seguinte:

[... ver tabela na imagem]

Um reajustamento parece ser absolutamente, necessário para se evitarem operações tão pouco lucrativas de futuro.

De tudo o que ficou dito, sem dificuldade se poderá concluir por um desenvolvimento mais acelerado e significativo das fontes de receita do nosso território de Timor. As principais dessas fontes devem procurar-se no sector agro-silvo-pastoril, no turismo e, no aproveitamento do subsolo.

No capítulo da pecuária tomaram-se as medidas necessárias para proteger a riqueza existente e aumentá-la c aperfeiçoá-la, inclusivamente pela aquisição, sobretudo, de novas raças de gado bovino.

Na agricultura procurou-se incrementar as quantidades e melhorar a qualidade de milhos, arroz c café. Para tanto, empreenderam-se obras de hidráulica, pura garantir uma conveniente irrigação dos campos de arroz. Duas destas obras, porem, construídas nas ribeiras de Lacló Lóis, foram destrocadas e soterradas logo após a sua construção, havendo-se nisso perdido largas centenas de contos. Ignoro se posteriormente, se procedeu a qualquer inquérito no sentido de se aclararem as verdadeiras causas. Além das obras du irrigação, criou-se em Manatuto um campo experimental para a cultura de arroz e importaram-se novas e mais aperfeiçoadas alfaias agrícolas, inclusive tractores.

Quanto ao café, ainda o produto mais rico da província, instalaram-se nas zonas principais da sua cultura várias unidades de despolpa, que vêm, assim, substituir com larga vantagem os processos tradicionais do seu tratamento, que muito o depreciavam nos mercados de sua procura. No intuito de elevar, em quantidade e qualidade, sua produção, abriu-se no vale de Gleno um campo experimental dirigido por técnicos da M. E. A. U. e já com resultados positivos.

O café Arábica do Timor é o seu ex-libris, com posição soberana, conquistada há muito, nos mercados do Norte da Europa. É um café de altitude e sombra. Gostaria, por isso, de perguntar porque será então que se experimentam plantas deste tipo na planície e a descoberto? Será porque no seu habitat normal o Arábica é mais sensível ou muito sensível à Hemileia vaxtatrix! Ou será pelo propósito de desenfeudar a sua cultura da mão-de-obra local, cada vez mais rara e mais dispendiosa e facilmente substituível nu planície, onde se podem empregar meios mecânicos, ao contrário do que sucede nos cafezais plantados na encosta dos montes?

O Arábica de Timor é um café de grande procura, mas n sua produção é mais cíclica do que ânua. Esta particularidade moveu os plantadores a preferirem-lhe o híbrido, que segundo presumo, não é mais do que uma variante do Arábica, mas com a vantagem de ter uma produção ânua abundante e quase com a mesma cotação comercial do primeiro. Este híbrido é planta indígena de Timor, e creio estar já a ser requisitado por vários países cafeicultores através dos nossos serviços especializados. Resiste bem ao fungo acima referido.

A produção de 1966 foi apenas do 1496 , que renderam 27 828 contos. O parecer sugere a colocação do café de Timor nu Austrália, que, todavia, ainda não é grande consumidora deste produto. O que ela importa é segundo penso, sobretudo o café Robusta, de cotação comercial bastante inferior à do Arábica.

Penso que u defesa do café de Timor se pode enquadrar neste raciocínio. Os grandes produtores de café encontram-se na América do Sul e em África, ao passo que é na Europa se encontram os melhores mercados do produto. Torna-se, assim, patente que Timor não pode

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competir com os grandes produtores de café, nem nas quantidades de produção, nem nas distâncias a vencer para a sua melhor colocação. Resta-lhe apenas um título comendatório: supremacia de qualidade. Daqui se infere que todos os esforços expendidos na protecção cio café de Timor devem convergir no sentido do máximo do produção e rio melhor da qualidade.

No sector da silvicultura prestou-se mais atenção à cultura do sândalo, que foi, até praticamente meados do século XIX a maior fonte de riqueza de Timor e o seu ex-libris. Manteve-se a proibição do seu corte c intensificaram-se os cuidados com os seus viveiros.

A verba gasta no capítulo agro-silvo-pastoril atingiu 8525 contos do Plano Intercalar c foi reputada excessiva pelo parecer da Comissão de Contas, talvez em face dos resultados obtidos.

Turismo. O turismo é uma indústria moderna e complexa, mas oferece largas perspectivas, podendo definir-se como um filão de ouro, desde que a sua estrutura esteja bem montada e o seu funcionamento se processe a nível satisfatório.

A riqueza paisagística e folclórica de Timor, a beleza das suas praias e a amenidade do seu clima nas altitudes constituem título justificativo da atracção turística exercida principalmente sobre os territórios do Norte e Oeste da Austrália. Durante o ano de 1966 entraram em Timor cerca de 1000 turistas estrangeiros, australianos na sua grande maioria. As entradas era divisas devem ter atingido a soma de 3200 contos. As de 1067 terão, porventura, subido a 4000 contos, embora rigorosamente se devessem contabilizar 5000. em face do aumento de turistas que nesse imo se verificou. A diferença é imputada a fugas difíceis de controlar no presente condicionalismo. Presume-se que o sector comercial e a própria actividade hoteleira sejam os principais, quase únicos, responsáveis desta diminuição.

A verba anual atribuída ao turismo polo Plano Intercalar foi de 2500 contos, o que é nitidamente insuficiente para as deficiências n suprir e as grandes vantagens a esperar.

A indústria hoteleira ao serviço do turismo em Timor conta já onze unidades: quatro pousadas do Estado, duas estalagens no interior e cinco pensões na capital, duas das quais se podem considerar pequenos hotéis, com mais de vinte quartos cada uma.

Para as excursões e outras deslocações dos turistas dispõe a C. I. T. de transportes terrestres próprios, além de outras viaturas, que aluga quando se torna necessário.

O turismo é tombem servido por carreiras aéreas internas mantidas com dois pequenos bimotores de oito lugares, cuja tripulação, apenas de quatro homens, se multiplica heroicamente em esforços e sacrifícios para corresponder às necessidades da província e ainda atender a certo número de voos solicitados pelo surto turístico.

O turismo em Timor, Sr. Presidente e Srs. Deputados, encontra-se praticamente numa fase embrionária. O seu desenvolvimento depende das infra-estruturas, que infelizmente, não correspondem, por enquanto, a todo o potencial latente na terra timorense e ao interesse cada vez mais patente do estrangeiro, sobretudo do Australiano.

O sistema rodoviário da província, ainda bastante imperfeito, precisa de importantes rectificações e melhoramentos. A verba que lhe foi assinada para o ano de 1963 não excedeu os 7806 contos, o que é de uma exiguidade extrema para as grandes necessidades deste capítulo, mesmo que não se adopte como termo de confronto o custo de uma auto-estrada, cujo metro quadrado pode avaliar-se em 12 contos aproximadamente.

Atento o panorama 'actual da indústria turística em Timor e também as enormes limitações financeiras da província, seria porventura mais avisado conceder-se a exploração turística ali a empresas particulares nacionais ou estrangeiras que mais garantias oferecessem e às quais coubesse construir e manter as unidades hoteleiras julgadas necessárias e montar e explorar carreiras de camionagem turísticas. O Governo estudaria as condições a impor-lhes: licenças, impostos, taxas, número de empregados nacionais a terem em vários escalões, etc. Ficaria, assim, a província mais liberta para melhor atender à sua rede de estradas, aos pequenos aeródromos, etc.

Já várias conversações só realizaram, nos últimos dois anos, entre as companhias aéreas australianas T. A. A. e A. N. S. E. T. e o Governo de Timor para o estabelecimento de carreiras aéreas regulares entre a província e o país vizinho, pura servirem o movimento turístico vindo, sobretudo, dos seus territórios do Norte e Oeste. Além disso, penso estar em vias de formação, e com sede em Díli, uma empresa de turismo estrangeira acreditada, com capital volumoso inglês e australiano.

Do lado da Indonésia também se tem notado interesse no turismo do Timor português. Sobre o assunto, transcrevo o que se lê no relatório da C. I. T. de Timor relativo ao ano de 1966:

A criação de uma atmosfera turística em Timor chamou a atenção da Indonésia para a conveniência do Darwin ser ligada por carreiras aéreas à ilha de Bali, com paragem em Baucau, Díli e Kupang. Assim continua o texto] o turismo dos dois países será grandemente fomentado.

Acrescentarei somente que no ano transacto o presidente e director técnico da G. A. R. U. D. A. - companhia indonésia de transportes aéreos - e o gerente de uma agência de turismo da mesma nacionalidade visitaram o Timor português para uma rápida sondagem, e conversações com o Governo da província tendentes ao estabelecimento de um intercâmbio turístico enfare esto e a Indonésia. É de presumir que aquelas conversações venham, num futuro próximo, a concretizar-se em termos proveitosos para ambas os partes.

Resta-me agora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, falar dia exploração das riquezas do subsolo timorense. Circunscrevo-me aos petróleos que se presume existirem no Timor português.

Já em documento datado de 26 de Maio de 1019 se referia a estes problema o comandante Júlio Celestino Montalvão e Silva, nos seguintes termos:

O que em Timor tem aparecido no género de companhias de petróleo tom sido o que os Ingleses chamam «cil cats», coisas para bluff c transferência.

Noutra parte do referido documento, aquele ilustre oficial dá-nos esta informação:

Ultimamente apareceu em Timor um engenheiro inglês, Scott, representante da Langkat Company, grande companhia petrolífera de Samatra, e que dizia ter comprado à Intenational Petroleum Company os seus direitos as concessões de Suai. Esse engenheiro [continua a citação ] visitou a região v procedeu a estudos que o levaram a afirmar que eram A melhor coisa que havia em Timor e mais garantias podia dar a uma companhia de bem empregar o seu dinheiro.

O que acabo de transcrever vem justificar as esperanças na existência de petróleo em Timor. Outro argumento abonatório desta tese é a própria insistência na pesquisa desses petróleos. Com efeito, devem já ser mais de uma

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dezena as diversas companhias, que se sucederam umas às outras, interessadas nos petróleos do Timor português desde os fins do século passado, (segurado penso. Ainda a corroborar a hipótese da existência desses petróleos. peço licença a VV. EX.(tm) para recordar o contrato recentemente celebrado entre o Governo Português e a Companhia dos Petróleos de Timor, S. A. R. L., contrato a que se refere o Decreto n.º 48 077, de 27 de Novembro de 1967.

Pelo n.º l da base XXIII do contrato, fica a concessionária obrigada a pagar à província de Timor, durante o período da concessão uma renda anual de superfície do 1000 contos?, independentemente do êxito das pesquisas e pelo n.º 4 da base. anterior, fica a Companhia obrigada a despender anualmente na província 3000 contos. Finalmente, pelo n.º l da base XXIV, também se obriga a concessionária «a pagar ao Estado, a título de direitos de concessão e como mínimo antecipado do imposto de rendimento do mesmo ano, 12,5 por cento do valor da venda no local da extracção ou à boca do poço, do todas as substanciais referidas no n.º l da base I que forem produzidas para venda em cada ano civil». Quer dizer: na pior das hipóteses, terá a concessionária que pagar directamente ao Governo de Timor 1000 contos anuais e gastar na província 3000 coutos por ano, durante o período de validade da concessão, que expira em 31 de Dezembro de 1971, mus susceptível de duas prorrogações de dois anos cada uma e mediante condições estipuladas nu decreto atrás citado.

Caberia aqui uma observação. Sr. Presidente, e Srs. Deputados: Ainda que se admita a existência de importantes jazigos, petrolíferos no Timor português, os êxitos da sua prospecção, pesquisa e, exploração não poderão deixar de estar sujeitos a um, condicionalismo complexo., em que se não pedem esquecer influências económicas o financeiras muito importantes do mundo dos petróleos. Do qualquer modo, rasgam-se, novas perspectivas na economia de Timor.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Acabei de analisar alguns dos principais «aspectos da vida económica da nossa mais longínqua província ultramarina. Foi muito o que ali sã fez pela terra e pela gente. A terra só terá significado pela gente que a habita, e esta é a própria carne da Pátria. Para a manter unida «o corpo tudo se deve empreender e suportar e tudo será pouco se a unidade não for perfeita. Aquela unidade que irrompe da consciência colectivo de que todos somos um só povo, no conceito de, uma unidade de família. Unidade profunda, mantida pela identidade do interesses colectivos, servida e expressa pela unidade de território, unidade de língua a de lei, unidade de obediência e de destinos. E quantas vezes robustecida pêlos laços do sangue e pela comunhão da religião!

Deste sentido de unidade, meus senhores, eloquente e sublimo exemplo nos deram, as populações nativas de Timor no fim do último conflito mundial, em 1945.

Haviam decorrido tires longos anos de ocupação estrangeira. Tropas aliadas desembarcavam agora na parte então holandesa de Timor para urgir e garantir a retirada das forças nipónicas. Viriam posteriormente oferecer o seu apoio ao Governo do Timor português para a sua reocupação. O governador da província, porém, capitão Ferreira de Carvalho, numa inspiração nascida dos grandes momentos da história e num golpe de feliz audácia ou apenas num gesto de tranquila certeza no portuguesismo de um povo simples e bom, antecipa-se n qualquer auxílio estranho o manda reocupar todos as sedes de circunscrição e todos os postos administrativos por homens acabados de sair do campo de concentração, esqueletos vivos, desarmados pobremente vestidos o sem dinheiro praticamente. A notícia corre célere, por tudo o Timor português. As populações nativa? acorrem em massa não em tropel amotinado, mas em demonstração apoteótica de unidade nacional. Desfraldam-se novamente, e com orgulho indomável, velhas bandeiras nacionais religiosamente escondidas em bambus ou cestos durante a tempestade. O encontro entre as populações e as autoridades portuguesas, realizado sem auxílio nem protecção de ninguém, é do maré alta do júbilo, de ressurgimento a unidade nacional cada vez mais estreita. E para tanto ninguém dissera uma palavra, esboçara o mínimo gesto de propaganda. Tudo aconteceu com tanta naturalidade e singeleza! . . .

Sr. Presidente Srs. Deputados -: Este é o povo simples e bom de Timor que, há mais de quatro séculos, desafia a história para se afirma eternamente português. Esta a sua interpretação de unidade nacional aprendida, não em livros, mas na lição quotidiana de uma vida simples, em que todos se sentem iguais e todos se sentem um, numa definição única de Portugal maior! . . .

Disse.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sousa Magalhães: - Sr. Presidente: Tenho> a honra de pela primeira vez. participar na discussão das contas gerais do Estado acto dos mais importantes da nossa actividade parlamentar, pela projecção que tem na vida política, económica t- social da Nação. De facto, as contas são o retracto fiel de toda a actividade nacional, constituindo um autentico depoimento sobre a situação económico-financeira do Pais.

A sua apreciação, segundo as leis da contabilidade pública, e a sua legalidade orçamental já foram atentamente, escalpelizadas pelo Tribunal de Contas, em toda a sua minúcia.

Não vou, por isso, fazer uma análise aprofundada às contas no seu aspecto técnico, nem ao bem elaborado parecer da respectiva Comissão desta Assembleia, de que fui relator o distinto Deputado e economista Sr. Engenheiro Araújo Correia, que mais uma vez pôs as suas reais qualidades de estudioso ao serviço do País.

Com efeito, tudo ai se aprecia e comenta com uma clareza notável e em obediência à verdade e com o mais sadio patriotismo, se faz quando tal se julga necessário, uma crítica sã e construtiva aos actos da Administração, apontando as medidas consideradas mais adequadas â defesa dos superiores interesses nacionais.

A nós compete, fundamentalmente, o seu julgamento político, pois a Nação deve saber como foram administradas as verbas arrecadadas pêlos diversos serviços públicos.

Julgo, por isso oportuno fazer alguns comentários, mais com a intenção de prestar um depoimento sobre alguns aspectos que considero essenciais do que de trazer matéria nova ao debato:.

Começarei por fazer algumas considerações sobre o nosso comércio externo, na sequência daquelas que já aqui formulei quando se discutiu a Lei de Meios o que tantas preocupações me deixaram.

De facto, nos últimos anos tem vindo a verificar-se contínua elevação do deficit da balança comercial da metrópole, particularmente nítida em 1966, ano em que atingiu a elevadíssima cifra de 11 594 000 contos.

Este deficit tem sido compensado pelas receitas do turismo e pelas remessas dos emigrantes, que se acentuaram nos últimos anos. Embora o turismo nacional (portugueses no estrangeiro) também tenha crescido assustadoramente,

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o saldo com o turismo atingiu a elevada verba de 5 118 000 contos; por sua vez, nas transferências privadas as remessas subiram para 4 537 000 contos, o que perfaz um total de 9 655 000 contos. Assim, como diz o ilustre relator das Coutas no seu esclarecido parecer, «o problema consiste em obter receitas de cambiais de gente que vem utilizar o sol, o mar e a doçura do nosso clima e receber o produto do esforço do trabalhador português na valorização de recursos de países estrangeiros>. Mas deve acentuar-se que uma e outra destas receitas são aleatórias, pois enquanto a primeira depende do nível das economias dos países donde silo originários os turistas, a segunda reflecte as condições económicas dos países onde se processa o trabalho dos emigrantes. E já parece notar-se um certo afrouxamento num e noutro caso, resultante da desvalorização da libra o da pó só tu c da crise económica que tem afligido n Europa.

Assim, afigura-se-me ser indispensável diminuir o déficit. da nossa balança comercial pela contracção das importações e expansão das exportações. Analisada a estrutura do nosso comércio externo de acordo com as secções da pauta, verifica-se que em 1966 só em 6 das 21 secções houve um saldo positivo das exportações sobre as importações. Foram elas: os produtos das indústrias alimentares, com saldo positivo de 2 489 000 contos: a madeira, a cortiça, etc., com 2 127 000 contos; o papel e as suas matérias-primas, com 120 000) contos; as matérias têxteis e obras, com 791 000 contos: o calçado, chapéus, etc., com 177 000 contos, e, finalmente, as obras do pedra, gesso, etc., onde tivemos um saldo positivo de 446000 contos.

Das 6 secções indicadas, 3 somaram quase 60 por cento do total das nossas exportações: os produtos alimentares, a madeira, a cortiça, etc., e as matérias têxteis e obras, o que constitui grande vulnerabilidade, pois qualquer crise na indústria têxtil ou acordos internacionais podem influir logo na exportação.

Seria aconselhável criar boas estruturas de exportação, pois grande parte dos produtos nacionais não têm capacidade nem força para se lançarem em mercados estrangeiros, especialmente nos dos países mais evoluídos.

Seria, por isso, conveniente que tentássemos vender novos produtos para os países mais atrasados, cujas actividades não estão ainda em condições de concorrer com muitas das nossas, em vez de insistir em exportar os produtos tradicionais, alguns com procura em declínio ou flutuante.

Quanto às importações em 1966, quase metade (47.5 por cento) foi constituída por fornecimentos industriais, que, juntamente com os bens de equipamento (24,5 por cento), totalizaram 72 por cento do mercadorias importadas relacionadas com as indústrias. No caso dos produtos alimentares, havia em 1962 nítido saldo a favor das exportações, mas em 1966 esse saldo diminuiu, em virtude de as importações terem crescido muito mais do que as exportações.

E o momento de chamar a atenção para a quantidade enorme de artigos estrangeiros de toda a espécie, sumptuários ou não, que se exibem e oferecem nas lojas e nas montras dos nosso estabelecimentos comerciais. É preciso preparar os Portugueses, desde a escola, no sentido do preferirem os artigos nacionais. Infelizmente, hoje ainda há necessidade de vender artigos nacionais com rótulos do estrangeiros, quando os nossos são tão bons como os melhores!

Não compreendo, francamente (e isto só a título de exemplo), por que se oferece tanto vinho do Reno na quadra do Natal, por que se bebe tanta cerveja enlatada e se utilizam tantos tecidos estrangeiros! . . .

A justificar tudo isto temos a barreira dos interesses comerciais alheios, tanto de fora (dampinj, subsídios à exportação, etc.) como cá de dentro, onde o grande comércio de importação está em mãos de grupos portugueses tradicionais, com poderosas situações criadas e que de forma nenhuma querem perder!. . .

Impõe-se a mais severa austeridade o completa eliminação das importações de artigos supérfluos e não indispensáveis! ... A austeridade requerida parece que para muitos é letra murta, e é preciso que todos se compenetrem de que o momento é de sacrifício o de que ao com a ajuda de todos a luta travada contra o inimigo poderá ser levada a bom termo. Também precisamos de ganhar a batalha no campo económico-financeiro, e se todos colaborarmos, ganhá-la-emos com certeza.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Feitas estas breves considerações sobro o nosso comercio externo, seja-me permitido abordar, ainda que ao de levo o problema da localização industrial, pela influência que pode vir a ter na aceleração du ritmo de desenvolvimento das regiões menos favorecidas e, consequentemente, na diminuição da fuga continua dos campos.

Não é novidade para ninguém que pelas deficientes condições de vida e de trabalho o homem rural se haja desinteressado do meio campestre, emigrando para zonas onde o trabalho é mais bem remunerado e permanente. O êxodo rural e agrícola, cada vez mais acentuado, originou, assim, baixíssimos índices demográficos em vastas regiões, pelo que hoje apenas se verifica nessas zonas uma acentuada presença du mulheres, velhos e crianças.

Podemos afirmar que o desinteresse pelos trabalhos agrícolas é devido, fundamentalmente, ao facto da insegurança de emprego ou da falta de garantias de produção, levando os elementos rurais mais activos e mais aptos a escaparem-se para as grandes vilas ou cidades, acossados pela miragem e pelo desejo de salários mais elevados e pelas ofertas de maiores vantagens sociais, culturais e recreativas, que até então não usufruíam.

Com efeito, torna-se manifestamente visível a falta de todo um programa de assistência social que possa exercer acção adentro dos meios rurais, a exemplo do que hoje se pratica, nas zonas industrializadas, que, ao contrário daquelas, beneficiam também de um abono de família, o qual se torna urgente outorgar as famílias camponesas.

Não há dúvida de que se verificam, acentuados desequilíbrios económicos o sociais entre os portugueses que vivem no interior rio País e os que habitam o litoral. Derivam eles, antes de tudo, de que uns trabalham em regiões economicamente desenvolvidas e outros em regiões economicamente atrasadas. A justiça e a equidade exigem que os Poderes Públicos se esforcem por reduzir ou eliminar esses desequilíbrios, promovendo um desenvolvimento económico harmonioso em todos os sectores da produção, com particular relevância para uma política atenta do domínio rural.

Foram já propostos alguns esboços estruturais de acção regional, pelo Ministério da Economia, nos domínios de apoio às autarquias locais, em iniciativas visando a valorização regional (casos dos Açores. Mondego o Alentejo), e criadas comissões técnicas regionais, por despacho de 31 de Março de 1966.

Do mesmo modo, também o Ministério das Obras Públicas tem concebido e executado esquemas de valorização regional de grande, importância c projecção, particularmente baseados na criação de infra-estruturas essenciais

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ao desenvolvimento (casos do Plano da Rega do Alentejo e Plano de Ordenamento Hidráulico da Bacia do Mondego). E ainda muito recentemente o actual Ministro das Obras Públicas criou a Comissão do Nordeste,- com o objectivo de promover o desenvolvimento económico dessa região.

Mas... apesar das medidas já tomadas, a acção efectiva nesse capítulo continua empurrada e vai sofrendo adiamentos que hão-de torná-la cada vez mais difícil, pelo seu retardamento. Com efeito, a análise aprofundada a que se procedeu na preparação do III Plano de Fomento permitiu confirmar a existência- do vincadas disparidades regionais no continente c o seu agravamento no último decénio.
Na verdade, utilizando como indicador a capitação de produto (em contos por habitante) calculada para os anos de 1953 e 1964, verificam-se, claramente as desigualdade que em 1964 caracterizavam a situação regional do continente. O distrito do Setúbal, que beneficia de desenvolvimento industrial dos concelhos K limítrofes, da capital, é o único que se aproxima do de Lisboa, que., por sua vez tem uma capitação quase dupla da média do continente. Os distritos do Porto de Aveiro são, em todo o litoral, os únicos que também ultrapassam a capitação média, mas muito abaixo dos de Lisboa e Setúbal.

(Ver a tabela na imagem.....)

De uma maneira geral, os distritos do litoral, desde Braga a Setúbal, e ainda o de Faro, distinguem-se dos do interior, que se situam nas últimas posições; entre estes, apenas Custeio Branco, pela sua importante indústria de lanifícios, e os distritos de Portalegre e Évora, devido à estrutura do sector agrícola e um começo de industrialização, surgem menos desfavorecidos.

Considerando, porém, os problemas de natureza que; a evolução das capitações em grande parte reflecte e tomando A capitação de Lisboa como termo de comparação, verifica-se que de 1953 a 1964 apenas dois distritos - o de Aveiro e Setúbal- revelaram tendência para melhorar a sua. posição um relação a Lisboa. Em todos os outros, incluindo o distrito do Porto, agravaram-se as disparidades apontadas, acentuando-se com maior nitidez precisamente em relação aos distritos do interior, mesmo quanto a Castelo Branco e a todo o Alentejo.

No entanto, há um pulsar evidente de aspirações por esse País fora que bastaria estimular e orientar para que se convertessem em forças de arranque de progressivas realizações desde o Alto Minho ao Baixo Alentejo, passando por Trás-os-Montes e Beiras.

As experiências locais de desenvolvimento comunitário com Sever do Vouga o no Cachão, levadas e efeito sem grande ajuda dos Puderes Públicos, mostram um caminho que seria necessário percorrer á escala nacional, paralelamente às iniciativas estatais, como a da valorização do Alentejo ou a do Plano do Mondego.

A valorização regional, Concebida o executada na amplitude que os atrasos do Pais reclamam, deverá ser o objectivo fundamental do nosso planeamento. Para esse estorço existem elementos básicos que ó necessário coordenar c impulsionar, uma vez que como já aqui tenho afirmado, não abundam os quadros técnicos em Portugal. Torna-se, por isso, imperioso assegurar a audiência o respeito e a colaboração aos mais directos interessados, que são as forças vivas locais, a gente que trabalha, as populações regionais, puis constituem indispensáveis factores de êxito numa acção valorizadora, que precisa de desprender-se das concentrações du serviços e interesses em Lisboa e descentralizar-se numa execução francamente positiva.

Vozes:- Muito bem!

O Orador:-Como é do conhecimento geral, um dos mais delicados e importantes aspectos da economia planificadora é o desenvolvimento industrial, pois sabido que o nível do rendimento das comunidades fortemente, industrializadas é superior ao das comunidades agrícolas ou até produtoras de matérias-primas.

Não admira, portanto, que todos os países atrasados procurem com afinco intensificar a sua produção industrial, o que quase sempre se verifica no litoral ou nas zonas mais ricas em minérios ou mais férteis sob o ponto de vista agrícola. Desta lei natural e económica deriva em geral, um como que abundou de outras regiões da comunidade menos afortunada, que podem ler, e às vezes têm riquezas ou possibilidades potenciais, mas que, por influência de factores geográficos diversos, se mantém até tarde em estado de atraso que contrasta fundamentalmente com zonas vizinhas prósperas.

Vemos assim quão importante é o problema da localização industrial, quer para evitar o êxodo rural, quer para impedir um crescimento desmedido das cidades. Mas numa economia do tipo da nossa há que tomar em conta a atitude dos empresários perante as diferenças geográficas dos preços dos factores e dos custos de transferência, o que os levará, logicamente, a escolher o lugar onde seja mínimo o custo dos produtos fabricados.

Este é o aspecto que o problema toma sob o ponto de vista do empresário, com os seus direitos legítimos e egoístas de lançar empreendimentos para auferir o maior lucro possível. Mas que seria do equilíbrio económico-social só mitras forças não surgissem a contrapor-se à vontade do empresário, entregue a si próprio?

É ao Governo que pela sua função altruísta de procurar n equilíbrio na justiça colectiva, compete encontrar as medidas que se contraponham àquela vontade.

E como agir então? É evidente que tal como aconteceu com o preço dos factores produtivos, também o montante das cargas tributárias a suportar pelo empresário contribuirá, para determinar a orientação local em certo sentido. De facto, como diz o economista Edgar Hoover, os impostos podem considerar-se., para o efeito do estudo da localização, como um acréscimo de encargos de um ou

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mais dos factores da produção. Isto quer dizer que mantendo-se iguais as demais condições, o empresário proferirá a localização onde forem menores as cargas de ordem tributária, pode em alguns casos, ser precisamente este o factor decisiva na sua resolução final.
Os impostos podem ser. portanto, importantíssimo instrumento determinante da localização da actividade económica, e o Governo tem, assim, possibilidade do fazer deslocar o centro de gravidade de determinados tipos de indústrias para regiões mais atrasadas. Nestas regiões deverá o Governo criar pólos de desenvolvimento, que serão um dos principais instrumentos da política de desenvolvimento regional.
Efectivamente, a expansão descentralizada da indústria só poderá ser conseguida pela concentração do investimento naqueles pontos que ofereçam garantias de maior influência sobre o conjunto da região, não sendo de aceitar a disseminação do investimento, principalmente quanto ao custo das infra-estruturas, por improfíqua e dispendiosa.
Nesta ordem de ideias, o ilustre Deputado Sr. Engenheiro Virgílio Cruz, ao defender, com a autoridade que todos lhe conhecemos, a valorização de Trás-os- Montes, especialmente o distrito de Vila Real, que, com o de Viana do Castelo, é o de mais baixa capitação de rendimento do País, afirmou que "a zona de Vila Pouca de Aguiar apresenta boas características em terrenos, água e condições sociais para regar uma área da ordem dos 1000 ha, de que resultarão um aumento apreciável de riqueza, tanto agrícola como pecuária, e ainda as condições para instalar a indústria adequada que valorize as suas produções e forme um pólo de desenvolvimento regional".
Não posso deixar de secundar as palavras do illustre Deputado, pois, com efeito, Vila Pouca de Aguiar, além de estar situada no centro geométrico do Distrito de Vila Real, é bem servida por várias estradas nacionais, uma das quais é a n.º 2 do país, e pela linha de caminho de ferro de vale do Corgo. Pena é que a estrada de Amarante a Vila Real, pela serra do Marão, não tenha um traçado moderno, no sentido de atender às necessidades, cada vez mais intensas, do tráfego, o que muito encurtaria a ligação de Vila Pouca de Aguiar e Vila Real com a cidade do Porto.
Os Transmontanos esperam que o Sr. Ministro das Obras Públicas, profundo conhecedor das belezas da serra do Marão e do traçado antiquado da sua estrada, mande estudar novo traçado, no sentido de rectificar, alargar e eliminar muitas das 350 curvas dos 25 Km da vertente de Amarante.
Assim, Vila Real e todo o Nordeste ficariam muito mais perto da capital nortenha, centro dinamizador de toda a actividade económica do Norte do País.
Sr. Presidente: Dos breves comentários que acabei de fazer, permito-me salientar, em síntese, os seguintes pontos:

1.º Necessidade de pôr dificuldades à importação de artigos sumptuários ou não indispensáveis;
2.º Conveniência de fomentar as exportações, criando boas estruturas para o efeito;
3.º Alargamento dos benefícios da previdência aos trabalhadores rurais;
4.º Criação de pólos de desenvolvimento, com estímulos fiscais, nas regiões mais atrasadas que já disponham das infra-estruras indispensáveis.

E com isto vou terminar, Sr. Presidente, dando o meu voto às conclusões do parecer das contas públicas, formulando os mais sinceros desejos de que os sãos princípios que têm norteado a nossa Administração nas últimas décadas continuem a ser escrupulosamente seguidos.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador foi muito cumprimentado.

P Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão, à hora regimental, sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

André da Silva Campos Neves.
António Calheiros Lopes.
António dos Santos Lopes.
António dos Santos Martins Lima.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Augusto César Cerqueira Gomes.
D. Custódia Lopes.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Francisco José Roseta Fino.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Hirondino da Paixão Fernandes.
João Duarte de Oliveira.
José Alberto de Carvalho.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Rocha Calhorda.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Leonardo Augusto Coimbra.
Manuel Henriques Nazaré.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Raul Satúrio Pires.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Pontífico de Sousa.
Sebastião Soares Santos Torres.

Srs. Deputados que faltaram á sessão:

Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António José Braz Regueiro.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Ernesto de Araújo Lacerda e costa.
Fernando de Matos.
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Gabriel Maurício Teixeira.
Henrique Veiga de Macedo.
Jaime Guerreiro Rua.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Maria de Castro Salazar.

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2578 DIÁRIO DAS SESSÕES Nº. 141

José Pais Ribeiro.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Rafael Valadão dos Santos.
Rui Manuel da Silva Vieira.

O REDACTOR - Luiz de Avillez.

Requerimento entrega durante a sessão:

Nos termos regimentais, solicito que me seja fornecida a publicação Vinte Ano de Defesa do Estado Português da Índia.

Sala das Sessões, 29 de Fevereiro do 1968. - O Deputado, Manuel de Souza Rosal Júnior.

Imprensa Nacional de Lisboa

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