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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 144
ANO DE 1968 7 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.° 144, EM 6 DE MARÇO
Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Ex.mos Srs.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente. Usaram da palavra os Srs. Deputados Rui Vieira, para um requerimento; Águedo de Oliveira, sobre problemas de emigração: Duarte do Amaral, acerca de questões de interesse no campo da política interna; Sousa Magalhães, para tratar de problemas de transporte na região do Porto: Henrique Monta, sobre emigração: Augusto Simões, que chamou a atenção do Governo para anomalias no comércio de produtos oliecolas: Albano Magalhães, no sentido de expor a presente situação nos sectores de montagem de veículos automóveis e de peças de acessórios.
Ordem do dia. - Continuação do debate sobre as contas gerais do Estado (metrópole e ultramar) e da Junta do Crédito Público referentes a 1966.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Cortes Simões, Pinto Bull e Castro Salazar.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Itita Vass.
André Francisco Navarro.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António José Braz Regueiro.
António Magro Borges de Araújo.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Arlindo Gonçalves Soaros.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Agnodo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto Salazar Leite.
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Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
Horácio Brás da Silva.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pais Ribeiro.
José Pinheiro da Silva.
José Bocha Calhorda.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Sebastião Alves.
Sebastião Garcia Bamirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Tito Lívio Maria Feijóo.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 93 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Aplaudindo a intervenção do Sr. Deputado Elmano Alves;
Apoiando as palavras do Sr. Deputado António Santos da Cunha proferidas na sessão de l do corrente;
Congratulando-se com as afirmações do Sr. Deputado Amaral Neto sobre o problema do azeite.
O Sr. Presidente: - Tem n palavra para um requerimento o Sr. Deputado Rui Vieira.
O Sr. Rui Vieira:-Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro, ao abrigo do artigo 11." do Regimento da Assembleia Nacional, com vista a uma intervenção que pretendo fazer, que, com a maior brevidade, me sejam fornecidos os seguintes esclarecimentos:
I - Pelo Ministério das Comunicações:
a) Razões que levaram à não renovação do contrato de concessão do serviço de cargas e descargas no porto do Funchal à Empresa do Cabrestante, L.dª, a qual desde 1488, ano em que se constituiu, até 30 de Setembro do imo transacto, se desempenhou dessa tarefa;
b) Motivos de se não ter procedido, após o termo daquele contrato, a novo concurso público, com vista à adjudicação desse mesmo serviço no ano ou anos seguintes;
c) Qual a base contratual que está a regular a prestação do serviço em causa pelo Sindicato dos Carregadores e Descarregadores do porto do Funchal?
II - Pelo Ministério das Corporações:
d) Qual o diploma ou base legal ou princípios doutrinais que permitem ao Sindicato dos Carregadores e Descarregadores do Porto do Funchal realizar directamente a prestação do serviço de cargas e descargas, substituindo, assim, a empresa que vinha realizando tal serviço?
c) Quais os outros portos do País e, se possível, os dos países estrangeiros (considerando apenas, como é óbvio, os situados aquém da "cortina de ferro") onde o serviço de cargas e descargas não é realizado por empresas privadas concessionárias e são os sindicatos dos carregadores e descarregadores, ou organismos afins, que contratam directamente a prestação desse trabalho com as entidades portuárias?
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O Sr. Águedo de Oliveira: -Sr. Presidente: Em Dezembro de 1929 escrevi em A Voz uma série de artigos sobre a saída maciça de portugueses que dispunham de capacidade de trabalho e na pujança da vida para os países novos da América, da África e da Oceânia.
À emigração deixara de ser uma saída normal para se converter num fenómeno social patológico. Ensinava-se assim.
Levavam os emigrantes a família quando podiam e iam no ânimo de não regressar mais à terra a que voltavam as costas. Eu chamava-lhe uma transfusão de sangue que anemiava profundamente o corpo social da origem e ia vivificar as terras novas do globo, fornecedoras de matérias-primns e importadoras de fabricos. Os emigrantes atravessavam os oceanos.
Pensavam os economistas da época que a brecha aberta seria preenchida em breve pelo aumento da taxa de natalidade e por um acréscimo de ocupação no país de saída, beneficiado ainda pelas remessas em ouro.
Mas tal não se deu.
Hoje o caso é bem diverso.
Através das fronteiras, com destino a países próximos - com lei ou sem ela -, homens, mulheres e novatos válidos procuram trabalho com remunerações altas ao serviço da recuperação e sobreexpansãn das grandes nações industriais.
A vida humana é um dom, mas também é uma fonte de energia e um bem precioso, e o país que a exporta perde a maior riqueza, ou seja, perde as capacidades dos seus filhos, declina nas actividades gerais e vê-se, no fim, com os ganhos ilusórios de uma entrada de moeda estrangeira.
A mobilidade de trabalho, mais oportunidades e melhores condições são, em todo o caso, um atractivo irresistível para uma economia rural ou urbana que remuneram deficientemente e que mão oferecem prontas elevações de classe e de bem-estar. Por outro lado. o contágio mental faz de um desejo uma reacção generalizada. Mas a brecha não se preenche.
E o desenvolvimento atrasa, na origem.
A pirâmide social estreitece no centro: e contemporizar ou assistir sem valer parece um paradoxo, no meio de intervenções e direcções de toda a ordem.
Agora, estamos em face de uma transfusão maciça, clandestina ou legal, a pé ou por meios mecânicos, que parece expatriação, a despeito dos ganhos nacionais em capitais e câmbios.
Sobre o processamento, destino e condicionalismo do fenómeno maciço da emigração actual produziram-se três documentos mais que apreciáveis.
O primeiro foi um inquérito local de O Século, chamado "A Grande Miragem", de Outubro de 1967, que mostrava a amplitude e dramatismo do problema.
Depois, perto do Natal do mesmo ano, foi publicada uma pastoral colectiva dos prelados metropolitanos, acentuando os deveres morais e familiares das colectividades e dos países que fornecem abrigo e recebem as altas potencialidades do sangue novo alheio e fixando como causalidade as melhores remunerações, mas lutando sempre pela dignidade humana.
Por fim, aqui na Assembleia, o Dr. Nunes Barata, nosso ilustre colega, trouxe depoimentos vários produzidos lá fora que facultavam elementos de estudo e apreciações não conhecidas entre nós, geralmente.
Quando foi dos estudos do III Plano de Fomento, mostrou-se a deficiência dos cálculos dos planeadores intercalares, que prognosticavam, para 1966 e para 1967, números de saída que andavam por um quarto a um quinto das realidades.
Mostrei que os números facultados pelos registos franceses de licenças, pelos Srs. Mário Murteira e Ferreira de Almeida, pelo inquérito da imprensa, pela Junta da Emigração, pelo Fundo de Desenvolvimento da Mão-de-Obra, estes só de chefes de família activos revelavam discrepências espantosas e da ordem das dezenas de milhares.
Os mais aproximados da realidade pareciam ser na altura, os do Instituto Nacional de Estatística corrigidos no entanto.
Impressionou-me a vaga de desesperança e hostilidade contra o trabalho rural, motores que reagiam à prática de desfavor rural.
Chamam-se agora estes fenómenos, fenómenos de atracção e repulsão, mas esta última palavra não gosto dela porque muitos anseiam por voltar, construir uma casinha típica, dispor de uma horta ou de um pequeno pomar e rever as cenografias sentimentais onde se criaram, fragosas que sejam elas.
Como se está verificando um fenómeno tão patente, visível, excedente e proclamado não está medido com rigor e talvez não esteja ainda inteiramente estudado nas suas origens e efeitos.
Sobre um alvitre proposto, desejo desde já manifestar certo receio - o da liberalização como regularização de situações e de problemáticas consequências.
Nós podemos liberalizar, mas os países de entrada é que não o farão e hão-de acrescentar novos condicionalismos.
Aquela, tão do agrado de certos economistas, desencadeará um novo surto de saídas - parece-me. Ampliará a vaga de desertores. E irá aumentar as dificuldades dos que bracejam lá fora.
Estas minhas considerações vêm para pedir no Governo a organização de dois documentos:
1.º Um estudo cuidado ou um inquérito sobre a situação real, alojamento, salários, bonificações sociais, regimes de trabalho e contratos, descontos e custos de alimentação a que estão sujeitos, os nossos emigrantes e ainda o seu estado de saúde, destinados à Assembleia:
2.° Que, em vez de estatísticas em conflito, haja realmente "uma estatística".
Muito obrigado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Duarte do Amaral: - Sr. Presidente: Nas palavras que proferi nesta Assembleia, vai para dois anos, entendi dever chamar a atenção para o sentido a dar às fórmulas usadas tempos antes pelo venerando Chefe do Estado e pelo Sr. Presidente do Conselho, segundo as quais nos encontrávamos em ano de revisão, e não apenas de consagração, a que se seguiriam outros em que seria necessária a reflexão ponderada do regime em vigor.
E concluí, nessa minha intervenção, baseado não tanto numa concepção pessoal como sobretudo nos exemplos que de todos os lados se oferecem ao exame de um observador atento, que a existência e conservação dos grandes princípios não pode impedir a reforma dos meios com que em cada época esses princípios são aplicados; que a evolução verificada nas estruturas sociais e na mentalidade dos povos, sobretudo a partir da segunda grande guerra mundial, obriga a estudá-las e a conhecê-las melhor para
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adoptar novos métodos capazes de permitir actuar sobre elas; e, enfim, que o exame franco e aberto dos problemas, desde que bem orientado, só pode ser útil e deve ser feito enquanto é tempo.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Estas ideias mestras, cuja evidência me parece ressaltar imediatamente do seu mero enunciado, foram amplamente confirmadas por vários oradores - e dos mais ilustres chamados a colaborar no ciclo de conferências "Celebrar o passado, construir o futuro", onde vozes autorizadas defenderam a abertura de "novos horizontes aos caminhos a percorrer pela Nação nos anos vindouros, indo assim ao encontro de gerais aspirações e anseios" (Doutor Mota Veiga); onde vultos eminentes sustentaram a necessidade de não confundir "aqueles que, inebriados e presos pulo passado, se satisfazem em sobreviver ou pouco mais" e "aqueles que, em face dos problemas que o presente lhes põe, buscam cuidadosamente no passado ensinamentos preciosos para uma nova arrancada" (Prof. Daniel Barbosa); e onde, por último, personalidades esclarecidas opinaram que não se podem prosseguir na construção do futuro, quer com os que "por sistema se apostam em denegrir e apoucar", quer com os que "se isentem incomodados sempre que se lhos perturba o sono burguês do imobilismo suicida em que caíram" (Dr. Rebelo de Sousa).
Estava então longe de mim, como hoje está e como certamente também estava dos eminentes políticos citados, esquecer a grande, a extraordinária obra em todos os campos realizada.
Sobretudo tinha e tenho presente que um país que mantém a ordem nas finanças, aprovando a tempo os orçamentos e as contas públicas, que defende com brilho a sua moeda, que mantém uma vida normal no seu território e aguenta vitoriosamente a guerra movida na fronteira de três territórios do ultramar, tinha e tenho presente que esse país não está doente e pode até estar orgulhoso das suas vitórias.
O Sr. Pinto de Meneses: -Muito bem!
O Orador: - Está, portanto, apto, Sr. Presidente, a fazer uma nova arrancada, mas precisa de a fazer.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - A verdade é que até agora não se foi ainda muito longe no caminho das renovações que se impõem; e, por isso, o ambiente político que hoje se vive por esse país fora, o clima psicológico que se vai criando na capital e fora dela, não regista infeliz e em grande parte injustamente o optimismo e a confiança que são indispensáveis à vida sã de uma comunidade nacional que deseje progredir e trazer todos os seus alhos aos benefícios da civilização, que muitos deles ainda não possuem.
Ainda há bem pouco tempo uma categorizada revista de problemas actuais publicou um editorial - que alcançou a maior repercussão - no qual se principiava por escrever que "impressiona, embora não surpreenda, verificar como se tem difundido de alto a baixo, quase de extremo a extremo da nossa sociedade, um pessimismo doentio que projecta as cores mais sombrias sobre o presente e o futuro da gente portuguesa" (Rumo, n.° 132, Fevereiro de 1968).
Não há dúvida, pois, de que o mesmo diagnóstico vai cada vez mais sendo partilhado pela opinião responsável do País: é tempo de conceber e aplicar uma terapêutica.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Para alguns, porventura, o remédio estará no aperfeiçoamento dos critérios e na melhoria da eficiência dos órgãos governativos e dos serviços públicos, com vista à resolução cabal e pronta dos numerosos e variados problemas correntes da Administração que permanentemente se deparam aos governantes.
E certamente há muito a fazer nos diversos sectores por que tem de desdobrar-se a acção dos Poderes Públicos nesta segunda metade do século XX.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Quer no sector da economia, onde se torna imperiosa uma acção enérgica para, além do mais, atacarmos de voz a crise da agricultura, passarmos o crescimento do produto nacional bruto da taxa em que nos últimos anos vivemos para a de 7 por cento, prevista no Plano; quer nos sectores da educação, da investigação e da saúde, onde se faz mister aliar a imaginação criadora à execução eficiente, sem cair no erro de pensar que a elevação dos níveis cultural, científico e sanitário do povo português se obtém fazendo apenas regulamentos e obras públicas; quer no sector das instituições locais, que vão da simples necessidade de renovar dirigentes aos problemas mais complexos, como, entre outros, o da orgânica administrativa da região de Lisboa - maior - e o da reforma das estruturas das finanças municipais, que se vêem adiados com grande prejuízo; quer, finalmente, no vasto sector da administração ultramarina, onde aos problemas de natureza idêntica aos atrás mencionados acrescem questões específicas a reclamar soluções ousadas, na senda da unidade económica, da descentralização administrativa, da promoção social dos nativos e da integração inter-territorial das comunicações intelectuais e dos transportes - em todos estes sectores, e são apenas os prioritários, não há dúvida nenhuma de que os Poderes Públicos são hoje postos à prova, dia a dia, e o julgamento que da sua acção se faça contribui notavelmente para desanuviar ou carregar o ambiente político do País.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Mas a verdade, Sr. Presidente, é que: isto que é preciso acrescentar à obra já realizada e que totalmente mudou a vida do povo português, mesmo feito com melhor critério, com maior eficiência, com mais disciplina, não será bastante; a boa administração é quase sempre condição necessária da vitalidade de um regime, mas quase nunca é uma condição suficiente. Ë preciso, ainda, para além de tudo isso o que se fez c de tudo o que há a melhorar, fazer política: dar mostras de optimismo e de confiança no futuro, criar um clima psicológico são, ouvir como deve ser as reclamações e as sugestões, debater serenamente os problemas, compreender a ânsia de renovação e de progresso que anima os portugueses de hoje, chamar às mais altas responsabilidades as novas gerações, adoptar métodos e processos adequados à transformação em sociedade industrial por que está passando o Portugal agrário em que nascemos.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Nesta ordem de ideias, creio que o condicionalismo cultural e sócio- económico que o nosso país
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atravessa impõe - como tem imposto sempre através da história e ainda, agora se vê bem junto de nós - que se dê toda a atenção possível a dois aspectos do maior interesse político: firmar o prestígio das instituições e liberalizar o debate das opiniões.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Do muito que poderia dizer a este respeito, limitar-me-ei a expor o seguinte:
Quanto ao primeiro aspecto que referi, é indispensável encarecer sobretudo o que à Assembleia Nacional respeita, não só porque apenas se compreende a sua existência ser prestigiada, mas ainda porque a história de determinadas instituições revela uma evolução pendular, sempre perigosa quando as oscilações são de grande amplitude.
A sessão legislativa que está prestes a findar representa já um grande progresso com a vinda de mais alguns membros do Governo a esta Casa. A tal iniciativa, muito louvável, mas de intensificar, outras se devem seguir, de entre as quais, por um lado, saliento a aprovação das bases sobre a generalidade dos mais importantes regimes jurídicos de interesse nacional, e não apenas de alguns deles, e, por outro lado, recordo a sugestão (que apresentei aqui em 1959) de que se estabelecesse a praxe de no começo de cada sessão legislativa, o Presidente do Conselho ou um ministro por ele autorizado comparecer na Assembleia para informar os Deputados, e através deles o País, sobre o destino dado aos assuntos versados na sessão anterior que não houvessem tido resposta especial e concreta.
O Sr. António Santos da Cunha: -Muito bem!
O Orador: - Quanto ao segundo aspecto há pouco mencionado, creio que se torna imperioso, por todos os motivos, dar execução aos preceitos constitucionais que consideram a opinião pública como elemento fundamental da política e administração e determinam que uma lei especial definirá os direitos e deveres das empresas e dos profissionais do jornalismo, de forma a salvaguardar a independência e dignidade de todos, dentro do interesse geral, que é indispensável acautelar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Aplicar estas sábias disposições constitucionais não é apenas executar a nossa lei fundamental: será também, sem sombra de dúvida, um acto de sabedoria.
Sr. Presidente: Vou terminar, mas, antes, desejo ainda acrescentar algumas palavras. Fala-se muito, e com razão, em manter uma retaguarda saudável, em conservá-la em tudo digna do heróico sacrifício da nossa juventude. O facto de estar a ser assaltada parte da terra portuguesa devia, mais ainda do que a extraordinária obra realizada, bastar para o assegurar; mas os povos, compreensivelmente, nunca estão satisfeitos. Pois urna retaguarda saudável consegue-se se nos debruçarmos sobre os problemas de que falei e se os resolvermos sem hesitações e sem medo.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Pura isso é apenas preciso que se diga, como se disse há anos a respeito de Angola e como há séculos no concelho de Torres Vedras sobre Ceuta o proclamou João Gomes da Silva, ao olhar para as cabeças já encanecidas de tantos e tão bons portugueses: "Russos, além!".
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sousa Magalhães: - Sr. Presidente: Há cerca de um ano, deste mesmo lugar, apelei para o Sr. Ministro das Comunicações no sentido de satisfazer uma das maiores necessidades e aspirações do povo valonguense - o estabelecimento de uma carreira urbana do Serviço de Transportes Colectivos do Porto ligando a sede daquele concelho com a capital nortenha.
S. Ex.ª, atento a todos os problemas de transportes e comunicações, depressa despachou favoravelmente o pedido da carreira oportunamente feito pelo conselho de administração daquele serviço público, que, como também nessa altura acentuei, está empenhado numa extraordinária obra de remodelação total, obra essa que mereceu os mais rasgados elogios do Sr. Ministro quando, em Outubro passado, veio à Comissão Eventual desta Assembleia proferir uma magistral lição sobre transportes e comunicações.
No âmbito desse plano de remodelação e na sua continuação, propõem-se aqueles serviços estabelecer mais duas carreiras de extraordinário interesse para a região: uma, periférica, ligando entre si todos os concelhos da Federação de Municípios do Porto, exceptuando o de Vila Nova de Gaia, pela sua posição geográfica, e que muito virá facilitar os transportes e relações interconcelhias, e entre freguesias de um mesmo concelho: outra, servindo a populosa freguesia de Alfena, do concelho de Valongo, que, desse modo, ficará ligada com a cidade do Porto através de Cabeda e Ermesinde.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Apesar de se tomar quase desnecessário enaltecer a importância destas carreiras, não me furto à tentação de fazer alguns comentários.
Com efeito, os núcleos urbanos, devido a factores geoclimáticos e às possibilidades criadas para se exercerem as actividades do homem, localizaram-se por forma a constituírem pontos nodais como centros de actividades intelectuais e económicas.
Satisfeitas as exigências essenciais das populações locais, estas puderam dedicar-se a actividades diversificadas que originaram, assim, o estabelecimento e a intensificação das comunicações e transportes, base de todo o progresso.
São estes mesmos factores que continuam através dos tempos a promover a criação e a expansão dos aglomerados urbanos e das áreas imediatamente vizinhas, verdadeiros dormitórios, com maior crescimento do que as próprias cidades centrais e atraindo populações com poder económico relativamente baixo.
O crescimento demográfico e o desenvolvimento económico contribuíram, portanto, para a espantosa evolução económico-social da humanidade, iniciada com a revolução industrial, no século passado, e que ainda está era plena evolução no presente.
As actividades e o bem-estar das populações dos aglomerados urbanos dependem essencialmente das facilidades de deslocação que se lhes proporcionarem. Os transportes desempenham, por isso, função de relevo no desenvolvimento e evolução das estruturas económico-sociais dos aglomerados urbanos e em todas as suas relações com os espaços territoriais em que se integram.
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Ora, Alfena, embora, tenha a sua vida própria, é, hoje, fundamentalmente, um dormitório da cidade do Porto, donde partem diariamente muitas centenas de operários, estudantes, funcionários públicos e empregados de toda a espécie que se dirigem àquela cidade, para aí exercerem as suas profissões e, dessa forma, angariarem o sustento para si o para os seus.
E verdadeiramente doloroso ver-se, no século XX, nos caminhos e estradas, em direcção aos seus trabalhos, escolas e outras actividades, tanta gente a pé, principalmente estudantes, que vão frequentar as escolas e liceus na cidade do Porto, percorrendo 3 km e mais até ao centro de Ermesinde, onde já podem beneficiar dos modernos autocarros do Serviço cie Transportes Colectivos.
O percurso que os Alfenenses mais desejariam ver servido por bons transportes, pois não dispõem de nenhuns, é o troço da estrada nacional n.º 105-1, desde o cruzamento da estrada nacional n.º 105 até à estação de Ermesinde.
Esse percurso serviria os lugares mais populosos e centrais de Alfena, como a Igreja, Cabeda e Reguengo, e ainda outros lugares das proximidades.
Mas afigura-se-me que de Ermesinde para o Porto, em vez de seguir o trajecto da actual carreira n.º 109. pela Rua de Rodrigues de Freitas, seria de muito mais interesse para a região que seguisse pela Rua de José Joaquim Ribeiro Teles até à Formiga e daí até ao Alto da Maia, pela Avenida do Engenheiro Duarte Pacheco.
Dessa forma servir-se-iam vários lugares da vila de Ermesinde, altamente povoados, como a Costa, Sá. Formiga e Palmilheira, e uma zona muito industrial com alguns milhares de operários. O Colégio de Ermesinde, com grandes tradições no ensino secundário, e o Seminário do Bom-Pastor, da Diocese do Porto, em fase de grande adiantamento e que custará perto de uma centena de milhares de contos, também muito beneficiariam e, certamente, acabariam com as suas carreiras privativas que agora suo obrigados a fazer, por não haver boas ligações, nem com o Porto, nem com Ermesinde.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ao apoiar e defender esta justa aspiração dos povos alfenense - e ermesindense, devidamente patrocinada pelas juntas de freguesia e pela Câmara Municipal de Valongo. não pretendo de forma nenhuma lesar os legítimos interesses de terceiros, mas somente, contribuir, ainda que modestamente, para servir o público que até agora tem estado mal servido.
O Sr. Elíslo Pimenta: - Muito bem!
O Orador: - As carreiras regulares que pasmam em Alfena e se dirigem no Porto vêm de longe quase sempre repletas e só dificilmente, nelas se conseguem lugares. Por isso, e ainda porque seguem um trajecto completamente distinto - a estrada nacional n.º 105 -. não seriam muito afectadas pelo estabelecimento das carreiras que estou defendendo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -Entendo, porém, ser necessário planear e coordenar os transportes em comum, urbanos, suburbanos e interurbanos, de modo a conseguir-se melhor complementaridade das infra-estruturas e concorrência disciplinada nas explorações entre os diversos transportadores.
Desta forma, ficaria assegurada a unidade funcional do sistema, pois os diversos meios de transporte não devem ser considerados isoladamente, mas como partes integrantes de um conjunto chamado a satisfazer as necessidades pelo mínimo custo económico e social
O Sr. Elísio Pimenta: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: Até agora apenas me referi aos meios de transporte, mas parece-me ser absolutamente pertinente uma referencia às vias a utilizar que, de forma nenhuma, estão de acordo com as exigências do desenvolvimento económico da região. Com efeito, quer a saída do Porto por S. Roque da Lameira e Rio Tinto, quer a saída por Costa Cabral e Areosa, estão desactualizadas, dificultando o movimento e provocando permanentes engarrafamentos de trânsito, com todos os seus conhecidos inconvenientes. Ruas estreitas, mau piso, traçado antiquado e, principalmente, muito movimento são as principais causas de todas as dificuldades.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A necessidade de dar vazão a um tráfego em constante progresso e permitir a circulação de veículos cada vez mais velozes e cada vez mais pesados implica a construção de uma via rápida que dê escoamento fácil ao tráfego para todo o Nordeste, que, presentemente, se faz em deficientes condições pelas estradas nacionais n.ºs 15.105 e 208. Estas três estradas, pelo recenseamento do tráfego feito em l965 pela Junta Autónoma de Estradas, abusavam, um movimento médio diário de 15 512 veículos, contra- 10 377 em 1960., o que representa um aumento de 50 por cento no período considerado.
Nesse, mesmo intervalo de tempo, o tráfego na, Ponte de D. Luís I passou de 22 353 veículos para 21 696, isto é, houve um decréscimo de 657 veículos, ou seja de, aproximadamente, 3 por cento. Esta diminuição foi devida à entrada em serviço da Ponte da Arrábida; que já em 1965 acusou um movimento médio diário de 7577 veículos e uma ponta máxima horária de 1048, contra 2025 na Ponte de D. Luís I.
A manter-se entre 1965-1970 a mesma percentagem de aumento ou diminuição do tráfego médio diário do verificado no, período do 1960-1965, teremos nas estradas nacionais n.º 15, .105 e 208, em 1970, o movimento diário de, aproximadamente, 23 500 veículos, contra 21000 na Ponte de D. Luís I. Isto quer dizer que o movimento de veículos na futura via nordeste só será superado pelo tráfego da estrada nacional n.º 7, praticamente dentro da cidade de Lisboa, que em 1965 tinha um movimento médio diário de 23 779 veículos. Ainda para melhor elucidação, pois podem servir de termo de comparação, direi que em 1965 pela Auto-Estrada do Norte, próximo do posto da portagem, passaram 7803 veículos, em média, e pela estrada nacional n.º l3 que liga o Porto a Viana do Castelo, transitaram diariamente, também em média, 9470 veículos.
Peço desculpa, Sr. Presidente, de ter maçado V. Ex.ª com estes números, mas apenas pretendi demonstrar que se impõe, sem perda de tempo, a construção da saída do Porto para Nordeste, de forma a dar escoamento fácil ao tráfego que actualmente, se dirige a Santo Tirso. Guimarães, Faie, pela estrada nacional n.º 105, o a Valongo, Paredes, Penafie, Marco de Canaveses e Trás-os-Montes, pelas estradas nacionais n.º 15 e 208. A via a construir, desde o fim da Avenida de Fernão de Magalhães, na Circunvalação, até ao lugar da Formiga, em Ermesinde, deverá desde já ter características de auto-estrada moderna, para grande desafogo do tráfego rápido e intenso, como os números que citei bem justificam.
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O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Amaral Neto: - Sem pagar portagem?
O Orador: - Evidentemente.
Os povos alfenense e ermesindense e as autoridades locais confiam no interesse- sempre manifestado pelo presidente da Câmara Municipal do Porto e director delegado do Servido de Transportes Colectivos, absolutamente credores da gratidão de todos os Valonguenses, como exuberantemente lhes foi manifestado aquando da inauguração da carreira Porto Valongo, e no critério de justiça do Sr. Ministro das Comunicações, de quem dependerá, em última análise, a decisão final.
Quanto à via nordeste, o Sr. Engenheiro Machado Vaz, que durante cerca de dez anos presidiu com superior critério aos destinos da Câmara Municipal do Porto e actualmente é o nosso Ministro das Obras Públicas, conhece, melhor que ninguém, a grande necessidade da sua construção. Há. Portanto, que aguardar, serena e confiadamente, do Seu espírito esclarecido e dinâmico a decisão que tanta satisfação trará a muitas centenas de milhares de portugueses.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Henriques Mouta: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Muitas coisas mudaram. neste quase século decorrido, após a publicação da Reserce Nocarum em 1891. Predominava, então, na teoria e na prática, uma concepção individualista e gananciosa nas actividades económicas. Negava-se relação entre mural e economia. Era uma economia sem alma ou cuja alma era o lucro individual, alheio à função social do capital e do trabalho. Lei suprema, a concorrência ilimitada. Preços e salários, dependentes exclusivamente, do mercado. Imperava a lei do mais forte, nascida do fisiocratismo, de uma filosofia naturalista, consagrada pela Revolução Francesa, que, tão lógica como desastradamente, abolira as corporações. Muitas coisas mudaram, repito. E hoje, mercê de uma experiência de várias décadas, tão dolorosa como dramática, e de, uma doutrinação não menos autorizada que persistente, desde Leão XIII a Paulo VI. admite-se que os problemas económicos são problemas humanos, como ainda recentemente tive a oportunidade de sublinhar nesta Câmara. E, agora, todos nos admiramos de que tivesse sido possível assumir aquela tal posição o pensamento económico e, mais ainda, que essa posição haja sido considerada como avançada, moderna e definitiva - libertadora. Como são precários os idealismos revolucionários! E quão anémica tinha a alma o século XVIII!
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Nos problemas económicos enraízam as migrações do homem, individuais ou colectivas, pacíficas ou violentas, dentro dos territórios de cada comunidade ou de país para país, desde o nomadismo distante aos bandeirantes e das invasões da Europa pelos Bárbaros às invasões da África, no século XX, pelos civilizados ... É um fenómeno humano, universal no tempo e no espaço. e uma constante, da pré-história e da história. E confirma que o homem é um ser dinâmico, que o planeta está em colonização permanente, que a vida é movimento, passagem do não ser para o ser. viagem pelo planeta do muro viator que não se destina a ser prisioneiro, definitivamente, do orbe terráqueo.
Na actualidade, as migrações assumem volume e intensidade excepcionais e características muito particulares com duas correntes dominantes: a do turismo, migração dos tempos de paz e prosperidade e da riqueza e mediania, e a do trabalho, da necessidade e facilidade das comunicações, do aumento espectacular das populações e do também espectacular crescimento económico, que, por não ser regular nem geral, ocasiona deslocações em massa de indivíduos atraídos por salários mais elevados e já despertos para mais altas e legítimos aspirações.
A corrente do trabalho tem sempre esta direcção: do campo à cidade, dos pequenos para os grandes meios e dos países mais agrícolas para os mais industrializados.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Portugal não constitui uma excepção, é. antes, um exemplo. Em vinte anos, de 1940 a 1960, mais de l milhão de rurais abandonou o campo. De 1917 a 1966 emigraram para o estrangeiro l 400 000 portugueses, número que subirá a milhão e meio se lhe adicionarmos os contingentes clandestinos que não é exagerado estimar em 100 000. A evolução é ascensional: 1962, 33539; 1963. 30 519; 1964. 55 646: 1965, 80 056, e 1966, 120 239. Nos últimos dez anos o número de emigrantes ultrapassou o meio milhão. O índice, máximo foi atingido em 1966, e 61 por cento dirigiram-se para França. Os números bastam para vermos que se trata de um êxodo nacional e sobretudo, rural. Este êxodo cria problemas nos países que exportam e nos que importam mão-de-obra. Problemas não apenas para as nações, também e muito mais para os indivíduos: problemas humanos.
Não admira, pois, que os Estados se preocupem com eles, por motivos de segurança, todos, e também, mais ou menos todos, por graves razões de humanidade. Nem se estranha que a densa problemática, subjacente ou decorrente do fenómeno, constitua causa de preocupação e um dos capítulos da pastoral da igreja, a começar nas cumeadas e centros e atingindo a periferia, em contínua linha de atenção e presença.
Dos movimentos migratórios, que revestiram aspectos de tempestade, pela força e violência e dimensão das ondas humanas, se ocuparam, solicitamente. Pio XII, em 1941, 1947, 1948 e, sobretudo, em 1952, na Manga Carta Emigrante, a constituição Erul Família; João III, na Mater et Magistra, em 1961, e na Pacem in Terris, em 1963: e Paulo VI na Popilorum Progressio. Em Portugal, publicou o episcopado uma pastoral colectiva, em 1967. Documento notável, sem favor, pela sua largueza, profundidade e objectividade. Nele se faz vigoroso e veemente apelo a todos os portugueses e se tomam ou preconizam medidas ou decisões com vista a uma necessária humanização da condição do emigrante. Jesus merece leitura, reflexão e resposta de todos nós . . .
Sr. Presidente e Srs. Deputados: A tempestade do êxodo rural levanta clamores e gritaria nas praias, por ameaçar as barcas das economias privadas, com reflexos na economia nacional. E eles tem chegado aos meus ouvidos, de vários cantos do meu distrito, mesmo em cartas de pessoas que não conheço. E solicitam intervenções, no sentido de bloquear a emigração, como se fora possível acalmar as ondas com diques de papel e como se não fosse anti-natural construir muros nas fronteiras s fazer das nações vastos campos de concentração. A emigração é um direito humano, natural e consagrado pelo direito das gentes, não suprimível, apenas condicionável, porventura limitável, não arbitrariamente, mas em função do bem comum, julgado à luz de um critério sadio, equilibrado e verdadeiramente humano.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
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O Orador: - O grande Pio XII tomou porfio nítida, nos termos seguintes: "O próprio direito natural, não menos que o sentimento de humanidade, obriga a assegurar nos homens a possibilidade de emigrarem, pois o Criador "In universo dispõe todos os bens, em vista de os fazer servir ao bem de todos". João XXIII insistiu neste ponto. E o Código de Moral Internacional de Malines condensa e concretiza ainda mais a doutrina.
A emigração supõe e cria problemas. Estes, porém, são humanos. E, por isso, nunca podem ser resolvidos contra a humanidade, e sê-lo-iam adoptando-se o processo radical de negar ou suprimir um dos direitos do homem, como e o da emigrarão. Este direito, todavia, não dispensa de certas obrigardes para com a pátria, como sublinha o citado Código de Malines: "O país de proveniência tem o direito de subordinar a emigração dos seus súbditos à quitação prévia de certas obrigações sociais, tais como a do serviço militar e do pagamento de impostos".
E o Código de Malines avança: "Medidas mais rigorosas poderão . . . ser decretadas, para suster uma corrente colectiva, cuja amplitude a tornasse gravemente prejudicial". Ë a afirmação do primado do bem comum sobre o particular.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: As grandes correntes migratórias, contrariamente ao que julgam algumas pessoas, não tem só inconvenientes, também vantagens: económicas, culturais e cívicas e mesmo religiosas.
E traduzem-se em mais equitativa distribuição dos meios de vida, permuta de valores humanos e consequente enriquecimento recíproco. Os emigrantes podem e devem ser também embaixadores das virtudes de um povo e da uma mensagem espiritual. Mas no momento presente, Há ondas migratórias assumem proporções dramáticas. O drama do emigrante não é só literatura, é história, história contemporânea. Drama integrado de muitos dramas pessoais e familiares, já com aspectos de drama nacional, e agravado pela exploração de miseráveis traficantes, conhecidos por engajadores, e dos não menos miseráveis, apesar de opulentamente ricos, patrões gananciosos, que jogam criminosamente com a fome dos trabalhadores, reduzindo os salários a nível de injustiça e desumanidade. Famílias desarticuladas, esposos separados à procura do pão, filhos seus à sombra protectora e a firmeza da autoridade paterna, mais que a mágoa da saudade ... as amarguras e riscos e tentações da solidão, por vezes dificuldades de emprego e frequentemente a dureza de trabalhos a que na sua terra se não sujeitariam ... e assaltos de lobos vestidos de cordeiro, a falta habitação, do carinho do lar e do calor humano dos vizinhos das suas terras, as investidas de traição de alguns dos seus concidadãos . . . tão cúpidos como repugnantes, a ignorância da língua, a consequente dificuldade de contacto com o medo . . . a escola e o professor, a Igreja. o pároco e o catequista, o médico, o hospital e a enfermeira ou assistente social, são problemas que somam o multiplicam em série, criando situações variadas, delicadas e de grande complexidade social, pondo em risco a dignidade humana das pessoas, a sua dedicação à família, a sua lealdade, à pátria e mesmo a fidelidade ao próprio Deus.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Situações tão complexas requerem medidas várias e convergentes para serem eficientes. Só por grande simpleza alguém suporia que tudo seria resolvido com despachos ministeriais e organismos estaduais.
As tarefas são tantas e tão árduas que não dispensam a colaboração de todos, de entidades oficiais e particulares, da Igreja e do Estado, visto estarem, em causa membros débeis da comunidade ou comunidades. Apontar essas medidas antes de conhecer o complexo causal da emigração seria algo semelhante a receitar antes do diagnóstico ou combater uma doença com anestesia, para não dizer com panos quentes.
A extensão, acuidade a dificuldade da problemática estão bem definidas nestas palavras da Mater et Magistra: "É incontestável . . . a existência de um êxodo das populações agrícolo-rurais para aglomerados ou centros urbanos, êxodo que se verifica em quase todos os países e que às vezes assume proporções maciças, criando complicados problemas humanos de difícil solução".
Descendo ao campo da etiologia, aponta João XXIII vasta ordem de factores, a que atribui desigual influência. Entre eles, não esquece, o "ambiente fechado e sem perspectivas dos meios rurais, o engodo de fortunas rápidas, a miragem de maior liberdade e mais facilidades e o desejo de novidade, e de aventura de que é vítima a presente geração". Mas, sublinhando que o. fenómeno constitui um aspecto nova da questão social, aprofunda: "É consequência do desenvolvimento económico que exige transferência do mão-de-obra e estimula a procura de melhores salários, ocasionando a baixa da população agrícola e o aumento da que trabalha nos serviços e na indústria". João XXIII dá especial relevo ao facto de o sector agrícola, quase por toda a parte, ser um sector deprimido, no Índico da produtividade e do nível da vida.
A deslocação de massas populacionais procede do desenvolvimento a falta de desenvolvimento. Paradoxo? Nau. Apenas de desnível de desenvolvimento entre países, entre zonas territoriais do mesmo país e entre sectores económicos da mesma comunidade. A indústria precisa da mão-de-obra dos meios agrícolo-rurais e oferece-lhe superior salário, melhores condições e outras vantagens. Sr. Presidente e Srs. Deputado: Seria ilusão supor que os problemas se resolvem apenas com medidas de fomento da economia. Elas são indispensáveis, mas não bastam. Mostra-o o exemplo da Itália. Também neste país se verificam deslocações maciças. Internas, de sul para norte, dos pequenos para os grandes meios, dos centros do menos para os de mais de 20 00O habitantes.
Nos últimos dezasseis anos mudaram de residência, dentro da Itália, 20 milhões. As deslocações internas deram-se também de sector para sector, ocupando já em 1966 o secundário 40 por cento da população activa, o terciário 34 por cento e o primário 26 por cento. Mas o rendimento global deste sector, em l965, não ultrapassara 15 por cent.- do rendimento nacional. As deslocações para exterior atingiram, nos últimos dezasseis anos, 4 milhões e desde 1955, dirigem-se predominantemente para outros países europeus. Não obstante, a Itália está a subir e salientar na panorâmica económica da Europa, Constitui una excepção no fenómeno da recessão económica generalizada das comunidades europeias. Tanto de oeste como de leste, sendo recentemente apontada por Lex Echox de Paris como digna da "Fita Azul" da actual conjuntura.
A Inglaterra é outro exemplo. A sua elevada industrialização não logrou furtá-la ao desemprego e à humilhante crise económica, generalizada. Não se trata de um país subdesenvolvido, mas da mãe da revolução industrial. E também lá existe o fenómeno da emigração, emigração dos trabalhadores da inteligência. Nos doze meses de 1962 a 1968 emigraram para a América do Norte 930 cientistas e engenheiros ingleses. De 1957 a 1963. com o mesmo rumo, atravessaram o Atlântico 3422 investigadores qualificados e 25 737 engenheiros. Em 1966 fizeram idêntica viagem mais de 1000 especialistas. E, na última década, estes
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turistas de 1.ª classe, destinados a laboratórios americanos, ultrapassaram os 7000. Já se não fala da América Latina, donde emigraram para a América do Norte, nos últimos cinco anos, cerco de 20 OO0 diplomados. Verdadeira "exportação de cérebros". Exportarão, mercado, oferta, e procura de "máquinas" de pousar, de trabalho intelectual, com outrona de manual. E para ser mercatura completa e completamente degradante, nem faltam os engajadores para esta emigrarão. . . dos evoluídos engajadores, cujo negócio de reservas e divisas cerebrais é rendoso e ruidoso na Bolsa de Londres. O dinheiro é rei nas repúblicas, na de Cartago como na dos Estados Unidos da América, como na monarquia da loura Albion. Assiste-se a um culto exagerado e generalizado dos valores materiais, com negligência e desprezo dos espirituais. E até se negam. A inteligência nega a inteligência, mesmo na linguagem corrente. Hoje, certos mestres ... do materialismo, burguês ou marxista, não importa, não dizem que A ou B é inteligente . . ., apenas que e um "grande cérebro". Por isso é que se fala da "exportação de cérebros" . . .
Na Itália há quem diga que o país, a braços com o nomadismo das populações de casa às costas, como colónia de caracóis, está a pagar o preço do seu desenvolvimento. Não se deduza daqui, porém, que o remédio está em não promover o desenvolvimento. Seria, retardar e mesmo impossibilitar a cura destes males. Até lembra, (tal ideia) a sugestão daquele "estiangeirado" português, aliás muito louvado pelas correntes do progressismo ateu, preconizando que não se dessem letras aos campónios para eles não fugirem das terras, que ficariam sem braços para a enxada e o arado que as cultivam. Neste sentido propõe Ribeiro Sanches a extinção das escolas primárias nas aldeias, amarrando os rurais à terra- pela corda do analfabetismo . . . Mas não era superior a mentalidade de Voltaire, ao sublinhar, nas suas cartas, que mão se pensasse em instruir os lacaios, pois o povo - esclarecia -- é como os bois, precisa só de feno e aguilhão.
Tal mentalidade errónea, atrasada e desumana seria escandalosa. Os remédios para as doenças económicas das nações não estão no analfabetismo, mas na instrução, embora também esta não chegue para fazer os povos prósperos e, muito menos, felizes. Mas sem ela no mundo moderno não há prosperidade.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Queremos todos pão e instrução para a nossa gente, que a instrução também é pão . . . do espírito e prepara para o trabalho. Que faremos para o conseguir? Não esperemos tudo dos governos, numa tarefa que só pode levar-se a bom termo com a colaboração de todos . . ., e não apenas com ingénuas confianças em milagrosas intervenções dos Poderes Públicos. Estes, porém, também não podem ficar inactivos, e cabe-Ihes parcela grande nas responsabilidades comuns. Sentiu-o, já- no seu tempo, Oliveira. Martins, ao apresentar nesta Câmara um projecto de lei sobre o êxodo rural e naturais saqueias, solicitando tréguas à política, efervescente da época, para se ocupar de tão momentosa problemática, evocando, a propósito, a "trégua de Deus", com que a Igreja, na Idade Média, combatia o clima desordeiro criado pelos guerrilheiros feudais e suas pugnas privadas.
Que se há-de fazer então? Excluído o remédio radical da proibição, que não seria justa (a procura de pão merece muito respeito e mesmo a aspiração de subir de nível de vida é muito legítima . . .), importa recorrer a um complexo de providências capaz de atenuar as consequências dasastrosas e de proteger e fortalecer os resultados positivos da emigração. Da proibição resulta, infalivelmente, a emigração clandestina, com todo o seu cortejo de dramas e sofrimentos de vária ordem. E até do simples condicionamento. Este, porém, é necessário para se não ampliarem as dimensões do drama. E conjugue-se, com ele, mais eficaz repressão das indecorosas manobras dos engajadores, parasitas do pão amassado com as migalhas dos pobres e as lágrimas de infelizes e desesperados.
Mas é preciso ir mais além. Para se combater a rarefacção do campo; para que os meios rurais não constituam cemitérios ou ruínas de uma civilização decrépita por onde vagueiam velhos o inválidos - situação agravada pela diminuição da natalidade e da mortalidade, graças ao avanço da ciência o recuo da mural: para que os proprietários rurais não cedam à tentação de transformar a propriedade rústica em urbana; para que não tenhamos de importar cada vez mais pão, leite e carne; para que o campo possa produzir mais com menos braços e dispensar cada vez maiores excedentes de mão-de-obra, necessários nos sectores terciário e secundário, é preciso fazer mais alguma coisa, preparar a ressaca, o regresso ao campo, neutralizando os excessos e desequilíbrios do urbanismo romano com o contrapeso do ruralisrno germânico.
O complexo saneador abrangerá mecanizacão parcial ou total, mas crescente ou progressiva; a industrialização dos produtos agrícolas, na medida do possível, no local da produção; distribuição de unidades industriais nas zonas do interior e Nordeste, corrigindo os desníveis regionais de desenvolvimento; promover, prudentemente, o emparcelamento de uma propriedade dispersa e fragmentada; reajustamento dos preços dos produtos agrícolas, pois não é razoável se faça a industrialização com o maior peso de sacrifícios para a lavoura .... nem que as empresas possam fixar discricionàriamonte os preços das matérias-prirnas originárias dos meios rurais, que seria estímulo ao capital, arrancando a pele ao rural; a eliminação prudente do excesso e dos excessos dos intermediários; promoção do corporativismo: aumento da eficiência, dinamismo e sanidade dos organismos corporativos, confiados a pessoas com desejo e capacidade de servir; armazenamento em silos ou frigoríficos dos excedentes da produção para anos deficitários, etc.
Tudo isto supõe ou envolve uma rede de infra-estruturas - estradas, transportes, comunicações, água potável, Electrificação, assistência sanitária, habitação, instrução de base e técnico-profissional, sem esquecer condições para o florescimento da vida religiosa e recreativa.
Entre as medidas condicionantes da solução dos problemas de modo a suster o êxodo rural, a Mater et Magistra aponta as seguintes: "estabilidade de poder de compra da moeda, elemento positivo para o ordenado desenvolvimento de todo o sistema económico"; "carga tributária proporcional à. capacidade tributária" dos proprietários rurais, pois na agricultura "os rendimentos são mais lentos e mais sujeitos a riscos e maiores as dificuldades do credito": . . .
O Sr. Sousa Magalhães: -Muito bem!
O Orador: - ... até por isso mesmo um sistema de seguros sociais na agricultura, substancialmente igual ou equivalente aos dos outros sectores, mesmo recorrendo a processos equilibrados de redistribuição da renda total;. ..
O Sr. Sousa Magalhães: - Muito bem!
O Orador: - ... empresas de dimensão familiar, servidas por cultivadores preparados, actualizados e técnica-
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mente assistidos; rede de iniciativas cooperativistas: defesa dos preços por meio do autodïsciplina, apoiada, se necessário, na acção moderadora dos Poderes Públicos.
Reconhece a encíclica a grave dificuldade deste último ponto, derivada do facto de os produtos agrícolas serem de primeira necessidade e, consequentemente carecerem de permanecer acessíveis a todos os consumidores. Mas adverte que não pode aduzir-se essa razão "para forçar toda uma categoria de cidadãos a um estado permanente do inferioridade económico-social, privando-a de um poder de compra indispensável".
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não basta tomar medidas ou providências e oferecer facilidades. Importa ensinar a aproveitá-las, a umas e outras, que o grosso das populações, exactamente as mais precisadas de apoio, ignoram-nas ou não sabem utilizá-las. Estou a pensar nas facilidades da benemérita Junta de Colonização interna em matéria de créditos. Muitas destas coisas a que faço ou fiz há pouco referência estão previstas no III Plano de Fomento, em sequência de medidas anteriores, que se pretendem alargar, completar e intensificar. Estamos em presença de uma das mais esperançosas e mais árduas tarefas da Nação, e nenhum português responsável recusará participar nela com a sua empenhada e leal colaboração. As medidas recordadas e apontadas pelos economistas e pelas directivas das encíclicas pontifícias são de aplicar nos modos e graus que o ambiente e meios permitem, sugerem ou exigem, nunca indiscriminadamente, e sempre convergentemente.
Sr. Presidente o Srs. Deputados: O que provoca as grandes catástrofes nas grandes massas de água e enxurradas das tempestades é não encontrarem leito bastante, nas levadas, ribeiros e rios que transbordam, em investidas furiosas e arrasantes. Nau é o caso da panorâmica social portuguesa. Não falta escoamento. O que é preciso é intensificar o trabalho, de orientá-lo melhor, sem causar danos nem vítimas, para o ultramar. Remédio e necessidade para cá e para lá ... na solidariedade do todo português, económica, social e política. Não se esqueça que não se pode parar nem precipitar, mas sim e apenas acelerar e perseverar.
Perseverar no meio das dificuldades que não faltam e perante as impossibilidades. Na verdade, as realizações ficam sempre algo aquém das aspirações ... e até das necessidades. E as encíclicas sociais não deixam de fazer a prevenção. O facto, todavia, não autoriza que esmoreçam o nosso esforço e o nosso entusiasmo.
E a Igreja acorreu com a sua intervenção doutrinal, orientadora e estimuladora, a nível mundial e nacional ou regional. Foi criado o serviço católico de emigração, com sede em Lisboa e representações diocesanas. E também o Dia Nacional do Emigrante, com vista a consciencializar esta nação cristã das responsabilidades dos católicos, neste domínio ... E existe ainda, e já de há anos, um director nacional das Obras de Emigrarão, nomeado pela Santa Sé. Tem sido prestimosa a acção da Caritas Portuguesa, em colaboração com a Junta Nacional da Emigração, que nunca a recusou e a que se deve um trabalho muito positivo, na esfera das suas atribuições, como lembra a recente pastoral colectiva do episcopado português. Esta pastoral faz apelo aos leigos, militantes emigrantes e emigrantes militantes, para serem solícitos e generosos na caridade para com os irmãos e conacionais em dificuldades no estrangeiro. Apesar da geral escassez do clero, são já 36 sacerdotes destacados para trabalho missionário junto dos emigrados. Já e apenas, porque são poucos, são nada para as necessidades, para 600 000 portugueses: só l para 10 000 no Canadá, para 20 000 na França, para 50 000 na África do Sul, para 70 000 na Venezuela. Que podem fazer dois sacerdotes, na África do Sul, para 100 000 emigrados? A Igreja dispõe-se a maiores sacrifícios, facilitando a ida de' mais missionários. E, entretanto, vem organizando visitas de missionários a núcleos de emigrados e missões itinerantes, integradas numa pastoral itinerante.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não bastam missionários. São precisas escolas e professores portugueses para os filhos de portugueses; assistentes sociais, preparadas, apoiadas e defendidas suficientemente; uma imprensa de língua, coração e alma portuguesas; reagrupamento das famílias, sempre que seja possível, alargamento dos convénios sociais, entre Estados, em regime de autêntica reciprocidade; aperfeiçoamento do ordenamento jurídico e administrativo, que condiciona a emigração.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Seria injusto se afirmasse que os departamentos responsáveis têm estado alheios, parados ou reticentes. Não é favor reconhecer os seus esforços e canseiras, por vezes em condições de excepcional dificuldade. Mas há que prosseguir numa obra de grande, transcendência para os superiores interesses da Nação e de profundo sentido de humanidade. Respeitando os direitos que nascem da natureza e são reconhecidos e reforçados por uma constituição eminentemente social; enfrentando dificuldades objectivas e circunstanciais, que emprestam a esta hora portuguesa uma grande histórica; crescendo em fé e perseverança, em coragem e decisão, em trabalho e generosidade, em dinamismo e organização, vamos até ao fim, até à vitória, na luta por uma comunidade cada vez mais humana, mais cristã, mais portuguesa e mais feliz.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: Quando há dias tratei nesta Câmara da trágica situação criada aos vendedores ambulantes de azeite pela medida discriminatória da Portaria n.° 28 092, saída da Secretaria de Estado do Comércio em 27 de Dezembro findo, por lhes interditar a venda da mistura oleícola denominada "lotado corrente" a granel, que deixa exclusivamente para o comércio retalhista fixo. fiquei com a esperança de que se reconsideraria na inoportunidade e desconveniência dessa medida, eliminando-a ou, ao menos, introduzindo-Ihe as modificações que o seu amplo descabimento impunha.
Justificava a minha esperança, além do mais, o facto de que abonada somente na "necessidade de fiscalização", essa medida, que conduz, ao banimento de uma classe pelo drástico encurtamento da esfera de acção que lhe cria, se apresenta como odiosa e, em absoluto, contrária à letra e ao espírito de leis fundamentais, como são a Constituição Política e o Estatuto do Trabalho Nacional, que como é óbvio, não podem ser postergadas pelas disposições mais ou menos arrojadas de uma simples e unilateral portaria!
Não obstante o somatório das razões invocadas, menos por mim do que pelos muitos a quem tal medida atinge duramente e pelas entidades administrativas de vários concelhos do Norte e do Sul do País, que também vêem nessa medida um substancial encurtamento do seu progresso económico-social, pelas grandes perturbações que ela fez nascer num lícito ramo de comércio, onde só alguns são réprobos, como outros o são em outros ramos das lícitas actividades comerciais, sabe-se que a Junta
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Nacional do Azeite e mais a Comissão de Coordenação Económica, para as quais foram canalizadas as mencionadas reclamações, as têm considerado não merecedoras das suas superiores atenções, pelo que relegaram o seu estudo, ao que parece, para mais longínquas oportunidades.
Entretanto, a Junta Nacional do Azeite, como órgão superior dentro do problema, empenhou-se e está empenhada em forte campanha de fiscalização e de repressão dos vendedores ambulantes, procurando estorvá-los de continuarem o comércio cuja licitude a portaria não pode atingir, já que a sua actividade se destina aos direitos de sobrevivência, que pertencem por inteiro si própria, personalidade humana, se não for delinquente.
Desse empenho, que a muitos tem parecido singular, resulta, contudo, irrefragàvelmente, que a única razão da medida discriminatória, ao proibir a venda ambulante a granel do lotado corrente por dificuldades de fiscalização, não tem fundamento que a possa justificar, uma vez que a fiscalização, taxada de difícil ou impossível, se tem realizado com plena eficiência, como sempre o tem sido desde que existe um corpo de fiscais especialmente interessado em a executar.
Ao que me informam, criou-se até um clima repressivo de elevado expoente, com sanções logo aplicadas, de que não vislumbro o cabimento no actual condicionalismo legal, todo ele imbuído do espírito tradicional de que nullum crimen sine lege e nulla poena sine lege.
Resulta, necessariamente, daqui, que a inanidade da razão da medida discriminatória não consente que a mesma se mantenha, pois tudo quanto restrinja o exercício de uma profissão lícita tem necessariamente de se basear não em mandamentos de diplomas de valor restrito, mas em determinações expressas de preceitos legais com forca constitucional superior às de simples portaria.
Desta sorte, e no rigor dos princípios, permitida como foi a mistura de óleos com o azeite para formar o cocktail oleícola, que é o "lotado corrente", e entregue a sua venda a granel ao público pelo comércio retalhista, tem de entender-se que todo o comércio retalhista a pode efectuar pelos meios de actuação que lhes são próprios, isto é, quer em estabelecimentos fixos, quer nas vendas ambulantes.
Ë a igualdade perante a lei que impõe a similitude de tratamento das duas formas de comércio retalhista, aliás alicerçada em princípios básicos da mais transcendente validade, expressos na própria Constituição.
Proceder diversamente, a coberto de mandamento inscrito em portaria, é a todo o ponto, editar uma medida que não prima pela sua legalidade ou pelo seu conformismo com os princípios ético-jurídicos que lhe cumpria respeitar.
Se houver que declarar-se irrita ou antinacional a actividade do comércio ambulante de azeites e dos outros artigos que são objecto deste ramo do comércio retalhista, essa medida tem de ser frontal, directa e expressa, por viu de lei ou diploma que se lhe compare um força, para dar as necessárias garantias que uma simples portaria não pode fornecer.
Todavia, Sr. Presidente, não é com a abolição do comércio ambulante de azeites, que vem sendo exercido, como aqui disse, há mais de um século, quer por forma directa e incisiva, quer pela maneira dissimulada como a aludida portaria a pretende, obter, que se resolverá o magno problema do abastecimento público das gorduras vegetais de que carecemos e a gravíssima situação da nossa olivicultura, que, no actual condicionalismo, caminha em ritmo acelerado para a ruína total.
Embalar ou não embalar os produtos oleícolas para a sua entrega ao público não será nunca o problema essencial, a despeito de ser um importante problema.
O que se me afigura essencial é procurar o aprovisionamento dos produtos oleícolas de que carecemos para a alimentação humana, colocando-os no diferenciado lugar que a cada um pertence dentro do verdadeiro condicionalismo dos superiores interesses de toda a economia nacional.
É por isso que, a meu ver, a embalagem desses produtos, tal como foi decretada e autorizada, levanta problemas de gravidade bem maior do que a hipoteticamente, resultante da actuação dos vendedores ambulantes.
Efectivamente, ao permitir-se a utilização de recipientes de plástico confeccionados pelas entidades embaladoras prejudicou-se com o mesmo golpe toda a nossa indústria vidreira e até a que se dedica à produção desta matéria e agravou-se a nossa balança comercial com expulsão de divisas, dado que o plástico é importado, como importadas são as máquinas que fabricam os recipientes e até as cápsulas que obturam os mesmos recipientes, ou pelo menos a mntéria-prima do que são confeccionados. Este processo de encerramento das embalagens prejudica, por sua vez, a lavoura nacional e a indústria corticeira, pois permite a substituição das rolhas de cortiça pelas aludidas cápsulas, o que diminui a procura deste nosso valioso produto.
Isto significa que a embalagem dos produtos oleícolas, tal como se executa actualmente, pode parecer mais barata, mas certamente que não o será sob o ponto do vista dos nossos interesses económicos totais, porque encurta a esfera de acção de outras indústrias já estabelecidas entre nós e de saliente utilidade, ao mesmo tempo que obriga ao dispêndio de divisas com avultadas importacões.
E se se tiver em conta que são necessários muitos milhões de recipientes para o regular abastecimento de um consumo que vai aumentando gradativimente, pode avaliar-se até que ponto sobe o prejuízo com o abandono dos produtos nacionais.
Por outro lado, o público consumidor dos produtos embalados, a quem é obrigatoriamente indicado o preço do recipiente, sente-se desgostado por saber que paga uma autêntica inutilidade, cujo natural destino são os esterquilíneos nacionais.
O regime de embalagens dos produtos oleícolas exige, portanto, um estudo que o coloque ao servido da verdadeira economia nacional.
Todavia. Sr. Presidente, as grandes perturbações do sector olivícola nacional e o seu sucessivo empobrecimento não provêm directamente da embalagem ou da não embalagem do azeite.
As origens das grandes anomalias económicas deste sector encontram-se principalmente no reiterado desfavorecimento que o azeite vem sofrendo perante os óleos comestíveis, o que está a conduzir a lavoura para um aumentado desinteresse pela cultura da oliveira, tornada cada vez menos rentável.
Havida como árvore quase sagrada, à qual a lei até conferia protecção especial, punindo severamente o seu arranque, como sucedia com o Decreto n.º 3387, de 26 de Outubro de 19I7, a oliveira foi perdendo o seu prestígio a ponto de, pelo Decreto n.° 29 391, de 9 de Janeiro de 1939, já ser consentido o arranque das que se apresentassem, caducas. Nos nossos dias esse prestígio evolou-se completamente, pois quer do Norte, quer do Sul do Pais - principalmente no Sul está a proceder-se ao arranque maciço do bom olivedo, para dar lugar à plantação do eucalipto, tido como a árvore do futuro, a despeito dos ventos da ganância dos intermediários das fábricas de celulose e
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aglomerados de madeira o estarem a desvalorizar a seu talante.
A este facto insólito de depredação de uma riqueza tradicional, outros se juntam de semelhante teor, como, por exemplo, o abandono de olivais bem frutados, por carência de mão-de-obra e sobretudo porque o azeite que deviam produzir não renderia o suficiente para pagar a respectiva apanha, tão aviltada anda a sua cotação.
Se continuar a indiferença perante este lamentável estado de coisas, serão de verdadeira calamidade as suas implicações da nossa economia, a curto e a longo prazos.
É que continuarmos dentro do actual condicionalismo em que governa o nítido desfavor do nosso azeite, e um acentuado favoritismo pêlos restantes óleos comestíveis, cada vez dependeremos mais do estrangeiro, porque pela nossa míngua de oleaginosas ali teremos de ir buscar as maciças quantidades de gorduras vegetais de que vamos carecendo em quantidades sempre crescentes.
Razão soberana tem, por isso, a Corporação da, Lavoura quando, pela sua secção do Azeite reunida em 17 de Novembro do ano findo, equacionando tão momentoso problema, decidiu submeter ao Sr. Ministro da Economia um bem elaborado programa de nove pontos essenciais, em que se deixam indicadas concisamente as medidas de maior relevância para dar remédio aos gravíssimos males de que está a sofrer a produção do azeite entre nós.
Todavia, e ao que parece por inspiração da Junta Nacional do Azeite, como decorre das portarias em que se vem estatuindo os vários regimes de comercialização do azeite, ainda não se deu o passo corajoso que tão necessário se torna, como a adopção dessas medidas.
Eu não sei, Sr. Presidente, se para esse atraso terá contribuído o facto de, no antagonismo entre o azeite e os restantes óleos comestíveis, os dois organismos de coordenação económica, aos quais incumbe a defesa do sector de cada um - a Junta Nacional do Azeite e a Comissão Reguladora das Oleaginosas -, estarem sob a direcção ou presidência de uma mesma pessoa.
O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com todo o gosto.
O Sr. Amaral Neto: - Eu não sei se é inconveniente que essas duas rédeas estejam na mesma mão, ou se não é.
O Orador: - Eu também não sei. No entanto, são os actos que de certa maneira caracterizam as pessoas. Já diz o Evangelho que pelos frutos é que se conhecem as árvores. De maneira que, neste caso, V. Ex.ª fica a saber tanto como eu.
Afigura-se-me que, como nos cânones de advocacia, se trata de defesas incompatíveis de interesses antagónicos de que uma única pessoa não pode encarregar-se, e por isso estranho o facto que indicia uma falta de dirigentes em que se não pode facilmente acreditar.
Seja, porem, como for, o certo é que o nosso azeite continua fortemente desvalorizado e a sofrer uma inclemente pressão dos outros óleos vegetais, que são havidos e tratados como os grandes salvadores das nossas carências oleícolas, que obstinadamente se consideram como resultantes de situação absolutamente irremediável.
Parece-me, no entanto, Sr. Presidente, que, se se começassem a executar imediatamente os vários pontos preconizados pela secção do Azeito, da Corporação da Lavoura, designadamente a revalorização do preço do azeito pela contribuição dos outros óleos vegetais importados e a definição de uma política continental de produção de óleos vegetais, se alcançariam a breve trecho resultados espectaculares na melhoria do nosso sector oleícola, reintegrando na nossa economia valores que estão em risco de perder-se.
Desconheço a razão, se alguma razão existe, para não se praticar entre nós a política seguida noutros países, de garantir a pureza e a genuinidade do azeite, aproveitando, desde logo, todo o que se apresente com características organolépticas, correspondente ao tipo extra, e facilitando a refinação dos mais graduados, para com eles compor o tipo internacionalmente conhecido como azeite Riviera, que o nosso mercado desconhece.
Estou em crer que desta forma se valorizaria muito mais o nosso azeite de maior graduação do que misturando-o com os outros óleos vegetais para ser vendido ao público a preços manifestamente artificiais, como são os do lotado corrente, em que aparece a grada anomalia de o óleo ser cotado por preço inferior ao que lhe correspondo quando vendido estreme.
Por outro lado, se tivermos em conta que o lotado corrente se vende por 15$60 ou 15$80 cada litro e o azeite virgem do tipo fino, que é o mais barato, se cota por 23$50 também cada litro, encontraremos uma diferença de 6$70 entre o preço deste e daquele, que desencoraja os consumidores de adquirirem o azeite.
Os preços do lutado corrente, a persistir-se na ideia de continuar a mistura, deverão ser revistos por forma a eliminar as distorções que causa.
Pelo que concerne à definição de uma política de produção continental de óleos vegetais, que com todo o cabimento foi proposta pela Corporação da Lavoura, ela é uma gritante necessidade.
É inegável que o nosso olivedo não produz o azeite necessário e suficiente á integral satisfação das crescentes exigências do consumo interno de gorduras vegetais e às possibilidades da exportação que se nos oferecem, pelo que se tem de recorrer ao suprimento dos óleos vegetais provenientes de outras oleaginosas.
Por outro lado, sabe-se também que se não torna possível aumentar em curto prazo a produção do nosso azeite, dada a depauperação a que chegaram as nossas oliveiras.
Tais postulados impõem que na defesa da economia nacional se encarem as possibilidades do suprimento pela nossa lavoura dos déficits de gorduras vegetais antes de se persistir na política de importação maciça de oleaginosas, que só tem praticado e com que se estão a favorecer substancial e principalmente a economia dos países estrangeiros, entre os quais a de inimigos nossos, inimigos ostensivamente, operantes.
Dentro dos mandamentos da política de valorização integral dos nossos elementos fundamentais, há que melhorar a cultura da oliveira e a produção do azeite e ao mesmo tempo fomentar a cultura das espécies oleaginosas para as quais os nossos solos mostrem melhores aptidões, com apropriados incentivos e as devidas garantias, fornecendo assistências técnicas e financeiras que se mostrem necessárias, para o que o Estado dispõe de todos os recursos dos seus organismos específicos.
Por muito que se gaste no arranque dessa política, nunca tais gastos representarão desperdícios de dinheiro, porque, investindo-se o necessário e a tempo e horas, os resultados serão largamente compensadores.
Por outro lado, uma política nacional de produção de oleaginosas tendente ao equilíbrio dos consumos das gorduras vegetais ainda representará para a nossa empobrecida, e desanimada agricultura o oferecimento de perspectivas do mais transcendente significado e fomentará até a indústria que se dedica á extracção dos óleos vege-
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tais, hoje dependentes das maciças importações da matéria-prima de que carecem.
Impõem ainda, essa política razões de imperiosa necessidade de se equilibrar ou, pelo menos, reduzir sensivelmente o desequilíbrio da nossa balança de pagamentos, diminuindo o mais possível as importações.
É que segundo pude apurar noutras fontes, designadamente no doutíssimo parecer das contas públicas, que nanja nos elementos que pedi ao Ministério da Economia, que me não foram fornecidos - nem creio que o venham a ser -, as importações de oleaginosas têm custado à nossa economia um avultadíssimo gasto de divisas, que, considerando apenas os anos mais recentes, se traduziram no dispêndio de 561 560 contos em 1965, que aumentaram para 593 958 contos em 1966 e cresceram ainda em 1967, em cujo 1.º semestre já totalizavam 437 591 contos, caminhando assim vertiginosamente para o milhão de contos!
Este volumoso caudal de exportação de divisas é, na verdade, impressionante pelo muito que, por si mesmo, significa e pela gravidade das implicações que suscita, quando devidamente esmiuçado.
Efectivamente, as contas mostram que a parte mais substancial destas divisas se dirigiu ao estrangeiro, pois para as nossas províncias ultramarinas apenas reverteu, nos aludidos anos, o valor de 91 977 contos em 1965, que baixou para 75 838 contos em 1966, cotando-se em 79 928 contos no fim do 1.° semestre de 1967.
Mas a parte de leão, a robustíssima maioria deste impressionante caudal dos nossos recursos, cifrada em cerca de meio milhão de contos em cada ano, essa arrecadaram-na e têm-na arrecadado a Nigéria, a Gâmbia, o Senegal e o Sudão, nossos odientos inimigos que tanto se comprazem a acarinhar o terrorismo do Portugal africano, certamente com a ajuda dos lucros pingues das oleaginosas que nos vendem!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Lamento, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não poder dar circunstanciada notícia do condicionalismo destas vultosas importações de oleaginosas; não o posso fazer, todavia, por não dispor de elementos suficientes, que me não foram fornecidos, a despeito de os haver solicitado, como já notei.
Mas o que referi, e aliás só corrobora o que com cuidadosa minúcia e integral cabimento aqui foi há dias referido pelo Sr. Deputado Amaral Neto no seu importantíssimo depoimento, demonstra cabalmente que a integridade dos nossos direitos indiscutíveis se não compadece com semelhantes anomalias.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Havendo oleaginosas que carecem dos calores tropicais para se criarem e desenvolverem, certamente que as podemos cultivar nas nossas províncias ultramarinas, cujo solo ubérrimo propiciará colheitas abundantes, valorizando assim as economias respectivas!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas havendo também oleaginosas que os solos metropolitanos podem produzir, não deve ser desprezada essa possibilidade, que responderá, pelo menos em parte, à pergunta formulada ansiosamente pela lavoura nacional, quando, desorientada, pretende saber o que deve cultivar e como deve cultivar e pode render o produto do seu esforço.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Depurados: Eu apoio inteiramente as judiciosas e cabidas considerações do Sr. Depurado Amaral Neto na defesa intransigente, a todos os títulos brilhante, da nossa olivicultura.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O nosso azeite é uma valiosa riqueza nacional de características específicas que os outros óleos vegetais não possuem.
Não deviam os organismos oficiais, nados e criados para fomentarem a incrementarão desta riqueza, ter-se acomodado às naturais dificuldades que se lhes depararam e não terem feito tudo quanto deviam para a salvaguardar, como lhes competia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O azeite, por um lado, e os restantes óleos vegetais, por outro, todos têm lugar nos domínios da nossa economia, mas em lugares absolutamente diferentes.
O Sr. Calapez Garcia: - Muito bem!
O Orador: - Valorizar uns e outros como o exigem os superiores interesses nacionais são tarefas de que não podem continuar alheados organismos oficiais, como a Junta Nacional do Azeite, a Estacão Nacional de Olivicultura, a Direcção dos Serviços Agrícolas e até a própria Comissão de Coordenação Económica, já que a Comissão Reguladora das Oleaginosas e Óleos Vegetais se tem mostrado especialmente activa.
Continuar-se como até aqui, a assistir ao crescente depauperamento do azeite, que é uma das nossas principais fontes de riqueza, pagando com caríssimas importações o remédio paliativo, que, longe de curar, cada vez mais agrava o mal, é que me não pareço que possa justificar-se.
E termino, Sr. Presidente, por evidenciar uma vez mais que, havendo tantos e tão fundamentais problemas para resolver antes de atingir um escopo de estabilidade de uma apropriada comercialização do nosso azeite e dos outros óleos comestíveis, me parece de todo infundamentado sacrificar, com a odiosa medida de discriminação a que aludi, uma classe com mais de 100 anos de labor, como é a dos vendedores ambulantes de azeite, dentro da qual não há mais delinquentes do que na grande maioria das lícitas actividades comerciais e industriais.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Albano de Magalhães: - Sr. Presidente: Na sessão de 22 de Março de 1967 requeri nesta Assembleia que me fossem fornecidos certos elementos relativos à montagem do veículos automóveis em Portugal.
Os requerimentos foram dirigidos aos Ministérios da Economia, das Finanças e do Exército.
Decorridos que foram uns 40 dias, já do Ministério do Exército me eram fornecidos os elementos solicitados.
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E na perspectiva de uma resposta dos restantes Ministérios posso afirmar que a escassos dias de um ano passado sobre a data dos requerimentos ela ainda não chegou.
Pena é que o encerramento desta sessão legislativa, no dia 9 de Março, não me permita usar da palavra no próximo dia 22, para aqui mesmo celebrar o 1.º aniversário do silêncio, passividade e desinteresse dos Ministérios da Economia e das Finanças pelo conteúdo desses requerimentos, que visavam esclarecimentos sobre assuntos de urgente e indiscutível interesse nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Deste condicionalismo, uma primeira ilação me é permitido tirar.
É que, não obstante a guerra que persistentemente nos é imposta no ultramar, exigindo esforços e sacrifícios de toda ordem á Nação inteira, quer a linha da frente, quer a da retaguarda, do Ministério do Exército, mostram encontrar-se ordenadas e sempre que solicitadas respondem prontamente "presente".
E a contrastar com elas, e não obstante as largas, permanentes e difundidas notícias pela imprensa e pela rádio do progresso económico do País e da estabilidade financeira, certo é que se verificam existir na máquina burocrática estadual elementos obstativos da realização do interesse nacional, não dando uns, atempadamente, não querendo dar outros, sistematicamente, quaisquer respostas, quando solicitadas pelas vias oficiais e destinadas apenas a conhecer, para de uma forma sã colaborar com esse progresso económico e uma mais perdurável estabilidade financeira.
Vem-me à ideia a cena comezinha que infelizmente as nações de hoje como as de ontem sempre viveram:
A do pobre pedinte que nos estende a mão e ou lhe damos esmola, ou, à falta dela, sentimos o dever de supri-la com uma resposta, simples é certo, mas sempre devida e merecida: "tenha paciência, será para outra vez, quando tiver!"
Ideia absurda, a pôr de parte, é certo, pois nem o Deputado é um pobre pedinte, nem o Governo carece de meios para responder.
A segunda conclusão é aquela que me pode levar a afirmar que as actuações destes Ministérios, definidos pelo seu mutismo e alheamento ao conteúdo dos requerimentos formulados, são, afinal, o reflexo dessa sua mesma passividade e estado de adormecimento, em relação a problemas de urgente necessidade de resolução, na medida em que perigam num futuro próximo com a estabilidade económica e financeira de um dos principais e actuais sectores da produção nacional.
Não me deixo, porém, dominar pela lógica e ainda quero admitir que entre o receber e o responder a um requerimento de um Deputado haja que pôr tempo em meio, um ano se necessário, e aproveitá-lo para os referidos Ministérios se debruçarem atentamente sobre uma forma de solução pronta e eficaz, no sentido exclusivo da satisfação do interesse económico nacional.
Quero assim afirmar que aceito que nos bastidores dos Ministérios algo se esteja a passar num sentido construtivo, e nada me surpreenderá que na sequência desse trabalho surja um diploma legislativo, dimanado pelo Governo, eventualmente, depois do encerramento da Assembleia Nacional.
Será, afinal, a demonstração de uma verdade que sempre defendemos e apoiámos.
É que o Governo, quando falo aqui em Governo refiro-me, evidentemente, aos dois Ministérios já citados, sempre se preocupou em dar solução pronta e imediata aos problemas de urgente necessidade nacional.
Só que o Deputado requerente ficará colocado, por culpa do Governo, nesta triste situação:
Requereu e confiante e pacientemente aguardou o fornecimento dos elementos solicitados;
Eles não chegam ao cabo de um ano e, entretanto, encerra-se a presente sessão legislativa.
E é depois dela encerrada que vem a surgir, por hipótese, o diploma legislativo, tão desejado e necessário para orientação definida dos planos industriais.
Bem ou mal, pior ou melhor, ele surge.
E o Deputado?
Não informado oportuna e devidamente, vê-se impossibilitado de cumprir o seu dever de prestar colaboração séria e sã ao Governo; de lhe dar a conhecer, em suma, os princípios basilares que política e economicamente deverão constituir as paredes mestras desse edifício legislativo.
E nem se pretenda, por parte dos Ministérios, defender-se a ideia de que o Deputado pode ser informado posteriormente.
Essa formal informação só pode levar intacta o destino dado aos papéis inúteis e rasgados lançados nos cestos dos papéis . . .
Perante esta ameaçadora previsão, um caminho resta ao Deputado requerente: antecipar as considerações que o interesse nacional reclama, para segurança da indústria automóvel e, consequentemente, para garantia da estabilidade e confiança do produtor nacional, que investiu, ou está a investir, os seus capitais, correndo um risco grave que leva na sua esteira a vida de milhares de empregados.
Vejamos, pois, como se estão a passar as coisas.
Com o fundamento de que "a importação de veículos automóveis é responsável por uma das mais fortes parcelas de desequilíbrio da balança comercial portuguesa", entendeu o Governo - e muito bem - tornar obrigatória a montagem de veículos dentro do País.
Para realização deste escopo, surgiu o Decreto-Lei n.º 44 104, de 20 de Dezembro de 1961.
Nas suas disposições surge definida a linha de orientarão traçada, que pode resumir-se assim:
Obrigatoriedade de:
1) Montagem de veículos dentro do País;
2) Alguma incorporação de peças nacionais;
3) Irredutibilidade da incorporação efectiva obtida em qualquer ano;
4) Incorporação de trabalho nacional não inferior a 15 por cento do custo do veículo completo.
No § 2.° do artigo 1.° do diploma citado logo se prevê que a percentagem mínima de incorporação de trabalho nacional "poderá ser elevada até 25 por cento, a partir de l de Janeiro de 1965, por portaria dos Secretários de Estado do Comércio e da Indústria, se as condições de economia nacional o aconselharem".
Para estimular a incorporação de trabalho nacional acima do mínimo obrigatório, estabeleceu ainda o diploma um sistema de descontos nos direitos dos veículos, em função do volume de incorporação, de tal modo que, excedendo essa incorporação 60 por cento do custo do veículo completo, eles tomavam a característica de "produtos de fabricação nacional", nos termos do Decreto n.° 37 683, de 24 de Dezembro de 1949.
Havia, pois que proceder à regulamentação do Decreto-Lei n.° 44 104, o que veio a suceder só dois anos depois com a publicação do Decreto n.º 45 453, de 18 de Dezembro de 1963.
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A dois longos anos de expectativa, foram submetidos os industriais portugueses de pecas e acessórios, bem angustiosos para os industriais conscientes, que, com vista ao conveniente desenvolvimento das suas instalações em face do novo mercado que se lhes antolhava, já tinham em execução vastos programas de desenvolvimento, cuidada planificação e investimentos efectuados da ordem de centenas de milhares de contos.
E surpreendentemente e contra a previsão legal estatuída no Decreto-Lei n.° 44 104, que fixava como limite mínimo obrigatório, "irredutível para todos os casos" de incorporação de trabalho nacional, a percentagem de 15 por cento, vem o artigo 22.° do regulamento dar como componentes do trabalho nacional incorporado:
1) Os produtos nacionais empregados;
2) A mão-de-obra directamente aplicada;
3) As despesas gerais inerentes á operação.
Se para mal da economia nacional já era irrisória, embora aceitável de início, a incorporação de 15 por cento estabelecida no Decreto-Lei n.° 44 104 (em Espanha a mínima obrigatória é de 80 por cento), e mais que generosa a oferta de "descontos" concedida pelo Ministério das Finanças, para estimular a incorporação, ela periga em ser praticamente nula ao estabelecer-se sem dose ou medida de composição, como um dos seus factores determinantes "as despesas gerais inerentes à operação".
É que salta à vista que nas despesas gerais inerentes à operação cabe tudo, designadamente o que não é nacional, mas que o artigo 22.º do decreto regulamentar nacionaliza e apelida aflitiva e arbitrariamente como trabalho nacional incorporado . . .
Em duas palavras apenas - a lei básica estabelece um mínimo obrigatoriamente irredutível de incorporação de trabalho nacional.
O legislador do decreto regulamentar ao definir trabalho nacional incorporado encontra uma fórmula capaz de reduzir substancialmente o que deveria ser efectiva e irredutivelmente sempre mais de 15 por cento de trabalho nacional.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - É desta forma simples que se desvirtuam os bons intentos patenteados no decreto base e que tinham em vista, como já se disse, diminuir o desequilíbrio de uma das mais fortes parcelas da balança comercial portuguesa.
Enquanto a indústria nacional de peças e acessórios se apetrechava, em termos de algumas importantes unidades estarem ainda longe de atingir neste momento os planos de produção com qualidades e preços de nível europeu, e criando, só como fruto desse desenvolvimento, empregos em número superior aos da totalidade das linhas de montagem, estas - salvo uma ou outra honrosa excepção - só àquela recorrem quando não pode deixar de ser.
Comportamento, portanto, absolutamente contrário ao interesse da economia nacional, que reclama clamorosamente adequada disciplina que lhes imponha a incorporação de determinados componentes ou peças que o mercado português produza.
Objectar-se-á, no entanto, que algumas das mais importantes linhas de montagem tem maioritária representação de capitais estrangeiros ou são obrigadas pelas circunstâncias a subordinar-se à sua férrea orientação. E com esta objecção chegam ao ponto de creditarem elementos constitutivos de um automóvel a preço inferior ao seu custo, praticando autêntico dumping e dispensando por forma sensível a incorporação efectiva dos produtos nacionais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, tendo a seu favor a disposição regulamentar que admite considerar como incorporação de trabalho nacional "as despesas gerais inerentes à operação", encontram nela uma capa misericordiosa para cobrir vultosos dispêndios, que só por serem contabilizados nos mesmos livros alguma coisa tem de comum com a operação de montagem . . .
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Convirá ainda lembrar, nau parecendo necessário acrescentar mais seja o que for, que, não havendo qualquer limite estabelecido quanto à forma de conjugação dos factores determinantes do trabalho nacional incorporado, qualquer gracioso aumento de remuneração de mão-de-obra pode, no fim de contas, ser predominantemente pago pelo Estado, ao reduzir os direitos dos veículos na medida em que por aquele motivo, aumenta "a incorporação de trabalho nacional".
A falta de elementos exactos acerca da incorporação em cada marca - exclusão feita muito honrosamente ao Ministério do Exército -, arriscamos afirmar que em 1967 a incorporação média nos veículos ligeiros se deve ter situado acima dos 38 por cento, devendo, quanto a veículos pesados, ter ultrapassado os 40 por cento.
Lamentavelmente, modestos os números encontrados!
Mas a culpada não é a indústria nacional. Sem embargo de se reconhecer que as respectivas infra-estruturas estão ainda muito aquém do desejado e do possível, produtos há que, concorrendo sem receio com os estrangeiros, ainda não são aplicados nos veículos cá montados, ou são-no em quantidades inferiores à actual capacidade de produção.
A manutenção do condicionalismo legal vigente, já devidamente realçado, colocando nas mãos das linhas de montagem a combinação arbitrária dos elementos constitutivos do trabalho nacional incorporado, é a verdadeira causa do estado de insegurança, de desânimo e de falta de crença no Governo por parte dos industriais portugueses.
Deverá ainda acrescentar-se que a par desta intranquilidade de produção da indústria nacional as linhas de montagem ainda beneficiaram no último ano de descontos nos direitos aduaneiros, que devem ter ultrapassado os 300 000 contos. Isto no momento crucial que atravessamos, em que a defesa da integridade nacional impõe pesados sacrifícios a toda a grei, que não a elas, linhas de montagem, em relação a algumas das quais as respectivas fábricas de origem, como é sabido, ajudam até a alimentar a guerra que temos de suportar!
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Do exposto resulta a imperiosa necessidade de se insistir com o Governo para que, através do providências legislativas urgentes e adequadas, imponha a maior incorporação possível de trabalho nacional, eliminando as disposições legais em vigor que alimentam e permitem desvios substanciais à realização desse objectivo.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
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O Orador: - E como solução imediata - enquanto outras se estudam - a alteração do artigo 22.º do Decreto n.° 45 453, de forma que se deva considerar por "trabalho nacional incorporado" aquilo que efectivamente é nacional.
Para tais efeitos, deverá, pois, passar exclusivamente a englobar os produtos nacionais empregados e a mão-de-obra aplicada, directa e indirecta.
E quanto a esta, e para obviar aos inconvenientes já apontados, apenas deverão ter influência os ordenados e salários correntes nas respectivas profissões ou das que mais se lhes aproximem.
E para garantia da consecução de tal fim dispõe o Governo de um serviço técnico altamente qualificado: o Fundo de Desenvolvimento da Mão-de-Obra, do Ministério das Corporações e Previdência Social.
A perniciosa ausência, até à data, das providências legislativas adequadas e urgentes provocou já sensível agravamento do lamentável condicionalismo aludido.
Tais providências, de autêntica sobrevivência para a economia e indústria nacional, destinam-se afinal a assegurar o cabal preenchimento das finalidades pretendidas com a montagem obrigatória dos veículos automóveis no Pais, cuja deficiente e insuficiente legislação - agravada ainda por complacente interpretação de algumas das suas disposições - vem dia após dia, comprometendo a estabilidade da indústria nacional.
Com efeito, ou se impõe por forma imediata e inexorável uma rapidamente crescente incorporarão de produtos nacionais nos veículos cá montados, ou não se criará jamais a infra-estrutura industrial capaz de sobreviver ao desarmamento aduaneiro previsto paru 1979.
E a triste realidade do momento é a de que os já frutuosíssimos esforços em tal sentido enviados e conseguidos pelos industriais portugueses de peças e acessórios, longe de estarem a ser legitimamente amparados, estão, ao invés, à mercê de paradoxais e desencorajadores factores!
E isto porque de obedientes destinatários - que deveriam ser - de uma sã política económica, as linhas de montagem, sempre ressalvadas honrosas excepções, têm-se progressiva e habilmente tornado autênticas beneficiárias de uma regulamentarão legal destinada a produzir efeitos de sentido diametralmente inverso.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Sem prejuízo de se reafirmar a deficiente e insuficiente contextura da legislação em vigor, certo é que não poderá deixar-se de simultaneamente reconhecer que ela, em si mesma, contém reais virtualidades e possibilidades para atingir a parte apreciável do desiderato proposto.
Assim, se, por um lado, partiu de irrisórios mínimos de incorporação obrigatória (& 2.° do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 44 104), procurou logo atenuar os reduzidos efeitos do tal disciplina, quer através de incentivos de ordem fiscal para maiores incorporações (artigo 3.°), quer através da proibição de se reduzirem em anos seguintes os máximos níveis de incorporação em qualquer ano atingidos (artigo 7.º). Para além, porém, de o regulamento deste diploma - Decreto n.° 45 453, de 18 de Dezembro de 1963 - ter vindo tardia e perigosamente definir como "trabalho nacional incorporado" nos veículos não só os produtos nacionais empregados e a mão-de-obra directamente aplicada, mas também "as despesas gerais inerentes à operação" (artigo 22.°), faltou ainda - como indispensável pressuposto de um plano de desenvolvimento económico - uma norma que facultava ao Governo, através de conveniente e prévia selecção, poder compulsoriamente determinar a incorporação progressiva daqueles componentes de acordo com as necessidades e possibilidades da indústria nacional.
E a falta de tal disposição, imperiosamente desejada para bem da economia nacional, vem afinal colocar nas mãos das linhas de montagem o modo de combater, protelar ao impedir o progresso quantitativo e qualitativo da indústria nacional.
Habilidades de interpretação, tácita ou expressamente consentidas, permitindo que a bel-prazer ou à luz dos exclusivos interesses das linhas de montagem possam deixar de ser incorporados, de um momento para o outro, componentes nacionais fabricados nas melhores condições e já anteriormente por elas adquiridos, possibilitando até que uma incorporação verificada em dois ou três meses possa vir a ser considerada incorporação regular e contínua.
Por outro lado, não permitindo o Decreto-Lei n.º 44 104 que a incorporação efectiva obtida por cada oficina de montagem num ano possa jamais ser reduzida, vem assistindo-se na prática, por parte de algumas linhas de montagem e com uma plena aquiescência da Direcção-Geral dos Serviços Industriais, à verdadeira derrogação deste princípio.
Para tanto basta que os fabricantes de automóveis introduzam uma pequena modificação que seja no modelo existente, para que, apelidado de "novo modelo", obtenha imediatamente da Direcção-Geral dos Serviços Industriais a dispensa de obrigatoriedade de incorporação já atingida, voltando ao princípio, à tal irrisória incorporação de 15 por cento, como se estivesse no primeiro ano de laboração.
De novo entram em função os benefícios fiscais, e a produção dos industriais de peças e acessórios sofre uniu brusca e grave baixa, dada a quebra de encomendas.
Em resumo: instabilidade e insegurança na produção; redução substancial das receitas estaduais, e impossibilidade de se obter até 1979 um complexo industrial capaz de poder sobreviver à importação de veículos.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bom!
O Orador: - Torna-se, pois, urgente que se defina o que seja, "novo modelo", por forma que possam eficazmente eliminar-se causas, cujos efeitos perniciosos a longo prazo estão já a fazer-se sentir no erário público e na economia nacional.
Tudo isto se impõe para que só efective o pressuposto de montagem obrigatória de veículos no País, que assentava e não poderá jamais deixar de assentar numa vasta e bem delineada infra-estrutura de indústrias complementares, que a realidade actual demonstra terem criado até à data um número de empregados largamente superior ao que resultou da criação das próprias linhas de montagem.
Vêm estas considerações a propósito do mutismo e alheamento dos Ministérios da Economia e das Finanças ao conteúdo dos requerimentos por mim formulados acerca de um ano e que não obtiveram qualquer resposta.
Parece-me ter demonstrado que os requerimentos eram oportunos e que a resposta, para além de merecida e devida, muito poderia decidir desta minha intervenção.
Porque ela não veio, assiste-me o direito de antecipar um juízo.
As considerações acabadas de expor não estão totalmente certas porque assentam em premissas erradas?
A culpa só ao Governo pode ser imputada, por não me haver fornecido as premissas solicitadas.
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Ou antes, estão inteiramente certas porque suo efectivamente verdadeiras e exactas as premissas?
A culpa é ainda e também do Governo, pela morosidade demonstrada em resolver um problema que a economia nacional urgentemente reclama.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre as contas gerais do Estado (metrópole e ultramar) e da Junta do Crédito Público relativas a 1966.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cortes Simões.
O Sr. Cortes Simões: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: A semelhança dos anos anteriores, foram-nos presentes as contas gerais do Estado relativas ao ano de 1966.
Desejava, por imperativo de consciência, associar-me às palavras de justo apreço que desta tribuna têm sido dirigidas à comissão que elaborou o parecer e, particularmente, ao seu ilustre relator, Sr. Engenheiro Araújo Correia.
Nesta ligeira, e curta análise das contas gerais é meu propósito, devido não só às minhas próprias limitações, como à diversidade e complexidade dos assuntos em causa, focar aspectos sectoriais relacionados com a actividade agrícola.
Uma leitura atenta do capítulo relativo ao comportamento do comércio externo durante o ano de 1966 deixou-me deveras sobressaltado. As considerações nele contidas fizeram surgir, em meu espírito, um mundo de dúvidas e preocupações que não me é possível ocultá-las perante V. Ex.ª, Sr. Presidente, e VV. Ex.ªs, Srs. Deputados.
Na lista de produtos importados, oriundos do sector primário, salientam-se pelo seu volume e valor o trigo, milho, arroz, oleaginosos, tabaco, açúcar, algodão, etc.
Em 1965 o déficit da balança do comércio atingira cerca de 10 milhões de contos; em 1966 piorou, pois subiu a 11 504 000 coutos.
Este déficit já atinge 65 por cento das exportações.
Avisadamente se lê no parecer que a facilidade de importar o que não há é altamente gravosa para a economia interna. Induz à inércia e pode, no futuro, trazer surpresas e sacrifícios difíceis de evitar.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Solidarizo-me inteiramente com este sério aviso, que, concomitantemente, constitui um apelo dirigido ao bom senso de todos os responsáveis, face aos problemas resultantes da guerra que nos é imposta do exterior. Não nos podemos esquecer, em qualquer momento, desta dura realidade: a Nação está em guerra e, como tal, hoje - mais do que nunca -, nada pudemos fazer que para enfraquecer a frente interna.
Quanto ao que se passa no sector agrícola, escreve o ilustre relator do parecer:
Nu agricultura, as fracas colheitas, em especial dos cereais, têm exigido grandes importações do trigo. A importação de cercais atingiu uma cifra da ordem de l 635 000 contos, correspondentes a 801 000 t. A importação de trigo subiu para cifra próxima de 830 000 contos e a do milho, atingiu 566 000 contos.
Já em 1965, no parecer sobre as contas gerais do Estado, o engenheiro Araújo Correia chamava a nossa atenção para o grande desequilíbrio entre a importação e a exportação de produtos alimentares.
Em 1965 esse desequilíbrio subiu a l 442 000 contos e não vislumbrámos possibilidade de melhoria para o ano de 1967 ao tomarmos contacto com os elementos oficiais já publicados e referentes aos primeiros onze meses. (Vide
quadro IV).
QUADRO I
Importação de produtos de origem animal e vegetal Valor em contos
Fonte: Boletim do Instituto Nacional de Estatística n.° 12 - Dezembro, 1966, Idem n.° 11 - Novembro, 1967.
[Ver tabela na imagem]
Além das grandes importações de trigo e milho, a importação de sementes oleaginosas somou 791 432 contos, sendo cerca de 600 000 contos de sementes de amendoim, com casca e sem casca.
Um reparo só impõe pela não intensificação do nosso comércio com o ultramar, especialmente naquilo que ele produz ou pode vir a produzir.
Temos, por exemplo, o milho importado dos Estados Unidos, México e Angola, mas com acentuada preponderância para os dois primeiros. No que se refere ao amendoim, apenas pouco mais de 10 por cento era proveniente do nosso ultramar, sendo o restante, em regra, originário de países que nos hostilizam por palavras e por actos, o que é bem mais grave.
Ao analisarmos as principais importações, deparam-se-nos resultados que nos afligem, na medida em que podemos concluir das consequências da situação do sector primário, mau grado os esforços feitos para a sua melhoria.
O valor dos produtos alimentares importados em 1962 orçou por 2 065 000 contos, porém, a exportação proporcionou um saldo positivo de cerca de l milhão de contos.
Em 1966 o panorama evoluiu desfavoravelmente, não só porque a importação subiu para 4 598 000 coutos e a exportação foi inferior em cerca de 122 000 contos.
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Muito sensatamente se afirma no relatório:
O que há de notável na comparação entre os dois anos de 1962 e 1966 é que as cifras de bens de consumo, na importação e na exportação, são semelhantes. O Pais não fez progressos, como era de esperar, na produção de bens de consumo. E aí está um mal.
No caso dos produtos alimentares, havia em 1962 nítido saldo a favor da exportação, mas em 1966 a exportação já é menor.
E conclui com esta afirmação:
Aqui está uma das graves consequências da crise agrícola.
Acaso já teremos esgotado toda a nossa capacidade de encontrar soluções que todos aceitaríamos com a dignidade própria de um povo que, simultaneamente, se está batendo em três frentes com galhardia tal que está granjeando a admiração do mundo civilizado e não olha a sacrifícios até à vitória final?!
Atrevo-me a fazer algumas considerações acerca do ciclo cereais-farinha-pão, convicto, como estou, de que algo parece não funcionar bem, dentro de um artificialismo que urge corrigir para servir melhor a Nação, porque ao nível nacional é mister proceder a uma profunda revisão de toda a problemática da produção e industrialização dos cereais panificáveis, tradicionalmente cultivados no continente, e que, para certas regiões, constitui a base da alimentação das suas populações.
O consumo médio anual de trigo, milho e centeio destinado à alimentação das populações do continente, segundo estimativas oficiais, é calculado:
Toneladas
Trigo 650 000
Milho 355 000
Centeio 141 000
Soma l 146 000
No continente, a produção média anual dos referidos cereais foi:
[Ver tabela na imagem]
Fonte: Instituto Nacional de Estatística.
Comparando o consumo médio anual do trigo, milho e centeio com a produção média anual, por evidente se deduz o que tem sido necessário importar para fazer face ao déficit verificado.
Não haverá possibilidade de reduzir esta verdadeira sangria em divisas?
Pelo Decreto-Lei n.° 27 952, de 14 de Agosto de 1937, foi autorizada a incorporação de milho e centeio, valorizados ao mesmo preço do trigo. Com esta medida pretendia-se criar receitas destinadas à lavoura, através de um bónus para os adubos, e, simultaneamente, fomentar a cultura do trigo, sem alteração do seu preço.
Os bónus de adubos concedidos durante vários anos atingiram a média anual da ordem dos 100 000 contos, provenientes do Fundo de Abastecimento.
Em 1940 - Decreto-Lei n.° 30 579, de 10 de Julho de 1940 - são estabelecidos ires preços diferentes para a farinha de 2.ª qualidade com a seguinte diferenciação: preços mais elevados nas zonas tradicionalmente produtoras de milho e centeio e o mais baixo na cidade de Lisboa e concelhos de Oeiras e Cascais.
Daqui resultou que se estabeleceu uma espécie de statu quo, em que as farinhas de 2.ª qualidade não invadiriam a região das ramas de trigo - o Alentejo. Em contrapartida, as farinhas de trigo não concorreriam nas regiões tradicionalmente produtoras dos cereais - milho e centeio.
Como a manutenção do pão de 2.ª acarretava um prejuízo anual superior a 100 000 contos, suprido com os fundos do Fundo de Abastecimento, foi publicado o Decreto-Lei n.º 36 993, de 31 de Julho de 1948, que acabou com o fabrico da farinha espoada de trigo de 2.ª qualidade.
Até à promulgação do regime cerealífero para 1963-1964. existiam no continente, como é do conhecimento geral, três tipos de farinha espoada de trigo, com os seguintes valores técnicos de extracção:
Farinha extra:
Peso do hectolitro - 8 pontos = 70 a 72 por cento.
Farinha de tipo especial:
Peso do hectolitro - 2 pontos = 76 a 78 por cento.
Farinha de tipo corrente:
Peso do hectolitro + 4 pontos = 82 a 84 por cento.
A partir de então passou a haver apenas dois tipos de farinha:
1.ª qualidade - correspondente à farinha extra.
2.ª qualidade - correspondente a uma farinha de tipo intermédio, entre as farinhas tipo extra e tipo corrente.
Todavia, com a publicação do Decreto-Lei n.° 45 223, de 2 de Setembro de 1963, os dois tipos de farinhas espoadas de trigo foram valorizados aos seguintes preços:
Farinha de 1.ª qualidade, a 5$40/kg, com diversos formatos de pão e preços;
Farinha de 2.ª qualidade, a 3$50/kg, subsidiada pelo Fundo de Abastecimento em $44/kg, com vários preços para o pão vendido ao público:
1) 1$70 em unidades de 500 g e 3$40 em unidades de l kg, para Lisboa, Oeiras e Cascais;
2) 1$70 em unidades de 500 g e 3$30 em unidades de l kg, no resto do País.
Para os diversos tipos de farinha foram estabelecidas várias taxas de panificação, a saber:
Máxima da farinha espoada de trigo, 2$60/kg.
Mínima da farinha espoada de trigo, 1$l2/kg.
Única para a farinha de ramas de trigo, $60/kg.
Com a criação do artificialismo (1942) das farinhas espoadas de trigo - farinhas vendidas abaixo do preço do custo de produção, com taxas de panificação mais elevadas das farinhas espoadas de trigo do que as das farinhas de milho e centeio, veio contribuir para o aumento do consumo das farinhas espoadas de trigo nas regiões tradicionalmente consumidoras de milho e centeio.
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Se fizermos uma análise da variação regional dos consumos das farinhas espoadas de trigo, verificaremos que, contrariamente ao que tem sido preconizado em todos os regimes cerealíferos desde há 41 anos, é nas regiões tradicionalmente produtoras de milho e centeio que se têm registado aumentos muito importantes.
Para não piorar a situação do consumidor considerado economicamente mais débil - o das zonas rurais hoje em vias de abandono quase total -, recorre-se à bonificação da farinha espoada de trigo (2.ª qualidade).
Estes e outros artificialismos suportados pelo Fundo de Abastecimento, que se destinava a auxiliar a lavoura, desencadearam novos problemas, com prejuízo manifesto para a economia nacional, além da indisciplina e irredutibilidade de posições já tomadas, a que urge pôr termo para moralizar e disciplinar uma actividade económica de tão grande importância para a vida da Nação.
Os cereais para a alimentação humana são laborados por duas indústrias de moagem:
1) A indústria de moagem de farinhas espoadas de trigo;
2) A indústria de moagem de ramas de trigo, milho e centeio e de farinhas espoadas de milho e centeio, designada por Comissão Reguladora de Moagens de Rama(C. R. M. R.).
1) A indústria de moagem de farinhas espoadas de trigo dispõe de cerca de 70 unidades fabris, das quais cerca de 50 tem o seu equipamento actualizado ou em vias de actualização.
Estas actividades industriais estão agremiadas na Federação Nacional dos Industriais de Moagem, vulgarmente designada por F. N. I. M.
A sua capacidade anual de laboração, considerando uma média diária de oito horas de trabalho, cifra-se em 366 000 t. Se, porém, considerarmos o regime de laboração contínua, a sua capacidade teórica anual seria de cerca de l 100 000 t.
Como era de esperar, mais de 60 por cento desta capacidade de laboração distribuem-se por unidades localizadas nos distritos do Porto, Lisboa e Setúbal.
Na prática, as referidas 70 unidades laboram anualmente cerca de 500 000 t de cereais no fabrico de farinhas espoadas de trigo e respectiva incorporação de milho e centeio nas farinhas de 2.ª categoria. Destas 500 000 t cerca de 12 por cento são absorvidos no fabrico de bolachas e massas, destinando-se o restante ao consumo público, no fabrico de farinhas para panificação.
2) A indústria de moagem de ramas dispersa-se por cerca de 38 000 unidades, inscritas no organismo de coordenação económica a que já fiz referência (C. R. M. R.).
As instalações de moagem de ramas para consumo público representam cerca de 13 por cento do total; as instalações do tipo artesanal, 42 por cento, e as instalações destinadas a uso próprio, 45 por cento.
A capacidade técnica de laboração anual, em 24 horas de trabalho diário, é estimada da seguinte maneira, segundo elementos reportados a 1964:
Toneladas
Moagens para consumo público 2 051 237
Moagens tipo artesanal 2 708 784
Moagens de uso próprio l 612 224
Soma 6 462 245
A laborarão anual destas unidades está calculada em cerca de 670 000 t de farinhas panificáveis, donde se pode concluir que a capacidade de laboração é superior em cerca de dez vezes às necessidades de produção de farinhas em rama (trigo, milho e centeio) destinadas à alimentação humana. (Vide quadro II):
QUADRO II
Circuito económico do ciclo cereais-farinhas-pão
Anual
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Há também neste sector instalações do moagem de farinhas espoadas de milho e centeio em número de 28 unidades (1954), com uma capacidade do laboração teórica superior a 57 000 t.
As principais regiões onde estão instaladas unidades para moagem de ramas de trigo e centeio e de farinhas espoadas de milho são o Alentejo, Algarve, Beira Baixa e Trás-os-Montes. Nos distritos de Évora e Portalegre, que em conjunto constituem a província do Alto Alentejo, a indústria de moagem de ramas dispõe de 148 unidades de tipo artesanal e 122 unidades de uso próprio, das quais os moinhos e azenhas abrangem cerca de 40 por cento.
Além das 70 fábricas de uso próprio em actividade, encontram-se paralisadas 110 unidades de tipo industrial. No total, a indústria de moagem de ramas na província do Alto Alentejo é constituída por um efectivo superior a 800 instalações.
Postas em confronto estas duas indústrias, verifica-se que uma está organizada, dispõe de importantes apoios financeiros, tem capacidade de laboração superior às necessidades normais e tem ajudas resultantes da engrenagem que uma complicada e mal controlada legislação permitiu que se estabelecesse.
Em contrapartida, a outra indústria - a da moagem de ramas - reparte-se por pequenas e médias unidades e ainda não está integrada na organização corporativa por razões que se desconhecem; sob o aspecto técnico, não a têm deixado evoluir; não lhe têm proporcionado apoios técnicos e financeiros e muito menos a têm incitado a agrupar-se para formar unidades bem dimensionadas dispersas pela província, trabalhando em ligação estreita com a lavoura o trigo, o milho e o centeio produzidos na região para consumo das populações locais, reduzindo ao mínimo os encargos de transporte.
Não estou a sugerir qualquer inovação, porquanto, nesta matéria, aquando do estudo do III Plano de Fomento, a Câmara Corporativa se pronunciou nos seguintes termos:
As medidas apontadas à política de desenvolvimento industrial abrangem a revisão do condicionamento da indústria, o auxílio às pequenas e médias empresas, a educação e formação profissional, a melhoria do financiamento da indústria, a normalização, o abastecimento industrial em matérias-primas, a aquisição de difusão da tecnologia moderna, a produtividade, o fomento das exportações, a criação de centros técnicos.
No Alentejo existiram várias fábricas de espoadas cujas quotas de laboração foram adquiridas por concentrações poderosas a preços julgados altamente convidativos.
Contudo, mais tarde, essas quotas foram novamente transaccionadas por cerca do triplo do que tinham sido vendidas.
O negócio, afinal, parece altamente lucrativo e algumas razões há para se pretender acabar com as numerosas e indefesas fábricas de ramas, como até com as pequenas unidades de espoadas que se encontram espalhadas pela província.
Através de vários canais de informação e por notícias publicadas em muitos jornais, chegou no meu conhecimento o alarme causado pela tentativa de criação de um verdadeiro monopólio de indústria de moagem com desprezo absoluto pelos direitos adquiridos - sabe Deus através de quantos sacrifícios! - pelos industriais de moagem de ramas, de cuja actividade vivem cerca de 150 000 pessoas, sem que de tal medida se possam vislumbrar benefícios palpáveis para a economia nacional.
Se tal medida, que classifico de anti-social, vier a concretizar-se, serão certamente mais 150 000 almas a engrossar essa imensa coluna humana, que, dia após dia, abandona as suas terras, os seus lares e até a sua pátria, para tentar nova vida na esperança de um futuro menos duro e menos ingrato.
Parece que se pretende conseguir que toda a indústria de moagem em Portugal se concentre num único sector, invocando argumentos do carácter técnico-económico que seriam válidos na medida em que "uma complexa legislação tem impedido a natural evolução e progresso de actividades afins, que concorrem ao abastecimento público, dando possibilidades e vantagens a uns, que a outros se tom negado".
Vejo nesta tentativa inconvenientes de natureza económica e social tão ponderosos como os invocados para justificar a concentração num único sector. Além do mais, a inexistência de unidades disseminadas pela província, em caso de guerra ou alteração prolongada da ordem pública, poderia dar origem a grave situação no abastecimento de farinhas pela dificuldade de transportes rápidos. As grandes unidades industriais constituem alvos facilmente localizáveis pela aviação e despertam a atenção dos sabotadores.
Pelo Decreto-Lei n.º 43 832, de 20 de Julho de 1961, que regulamentava o regime cerealífero para o ano agrícola de 1961-1962, é libertado o preço da farinha do pão de centeio e de milho, bem como o do pão de mistura, mantendo-se, no entanto, o da farinha e do pão de ramas de trigo (artigo 7.º).
Como as percentagens de farinhas estabelecidas no artigo 9.º do referido decreto-lei davam origem a um pão do mistura mal aceite pelo consumidor, houve necessidade, de rever esta matéria.
Rectificou-se esse inconveniente, alterando as percentagens das farinhas.
Com a publicação do Decreto-Lei n.º 45 223, de 2 de Setembro de 1963, que regulamentava o regime cerealífero para o ano agrícola de 196-1964 e estabelecia apenas dois tipos do farinhas espoadas de trigo, como já foi referido, a indústria de panificação de certas regiões do País viu-se prejudicada nas suas receitas pelo facto de ter desaparecido o fabrico do pão tipo especial (T. E.), podendo apenas contar com a taxa de 2$52/kg para o pão de 1.ª qualidade e de l$12/kg para o pão de 2.ª qualidade, como referimos igualmente.
Neste momento, a própria indústria de panificação, que exerce a sua actividade nas áreas dos Grémios de Évora e Faro, sente-se prejudicada, pois que a maior parte do público passou a consumir pão de 2.ª qualidade, ao contrário do que se verificou nas regiões de Lisboa, Coimbra e Porto, porque na maioria dos casos o público passou a consumir pão de 1.ª qualidade.
Ocorre perguntar qual era o objectivo que se pretendia alcançar com o pão de mistura?
Porque não se fomenta o seu fabrico?
No I Colóquio sobre Cereais, Farinhas e Pão, levado a efeito pelo Grémio dos Industriais de Panificação em 1964, da comunicação apresentada pelo engenheiro José Caldeira Ribeiro, distinto técnico que tem exercido a sua actividade profissional nos serviços tecnológicos do Instituto Nacional do Pão, permito-me ler a seguinte passagem:
Não deixa de ser verdade que muitas vezes se acusam os farinhas da má qualidade do pão produzido, sem nos lembrarmos que com farinhas consideradas "fracas" se pode produzir óptimo pão. Mas para tal será necessário conhecer antecipadamente
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as suas características e adaptar em relação a elas as regras do fabrico. Ora é este facto que, segundo cremos, poucas vezes se verifica na prática.
Em anos de fraca produção, nos quais é necessário recorrer a importações consideráveis de trigos norte-americanos ou canadianos, geralmente de elevado valor tecnológico, ainda as moagens podem constituir lotes mais equilibrados e produzir farinhas de melhor qualidade.
Aliás, o desconhecimento prévio das características dos trigos que laboram, por parte das moagens, nem sempre lhes permitirão constituir os lotes da maneira mais conveniente, e, portanto, à indústria de panificação nem sempre são entregues, por longos períodos, farinhas de características homogéneas, o que é um grande inconveniente para a manutenção de um tipo regular de fabrico.
For outro lado, o 4.° Congresso Internacional dos Cereais e do Pão, realizado em Viena (1966), alertou o Mundo sobre:
À possível escassez, em futuro próximo, do trigo relativamente às necessidades normais do abastecimento geral;
O regresso das moendas a extracções mais elevadas, com vista ao melhor aproveitamento do cereal e da totalidade das suas propriedades de nutrição;
A melhor técnica de fabrico de pães de centeio, cujo valor de cereal, farinhas e respectivos pães cientificamente enaltecem;
Futura aplicação e valor de outros cereais capazes de contribuírem para a normalidade do abastecimento de pão;
Fabrico de pães menos brancos e de pães quase integrais por deterem propriedades naturais apreciáveis;
Condicionar à automatização o fabrico de pães de família para garantir o abastecimento e melhoria dos padrões oficializados;
Produção obrigatória de pães cientificamente enriquecidos para alunos das escolas dos vários graus de ensino;
Necessidade de pães dietéticos e de pães especiais próprios para a recuperação de certas carências alimentares.
Ensaios realizados por técnicos portugueses levam-nos a concluir que reúne interesse o pão de mistura - trigo, milho e centeio -, desde que se respeitem as percentagens mais adequadas não só ao lote de farinha que se pretende, como à região a que se destinam, de acordo com os hábitos das respectivas populações.
Torna-se, pois, necessário definir as características das farinhas espoadas de milho e de centeio.
Inclusive, para as regiões onde predomina a alimentação com base na farinha de milho, impor o seu enriquecimento para completar o que falta em relação à farinha de trigo isenta de mistura.
A indústria de panificação procurou fomentar o fabrico do pão de 1.ª qualidade, porém, o baixo nível de vida das populações que vivem nas regiões mais deprimidas por falta de actividades remuneradoras começaram a consumir menos pão. A partir desta realidade, alguns industriais verificaram que o único recurso era o fabrico do pão de mistura.
O artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 44 571, de 12 de Setembro de 1962, determina:
No pão de mistura de farinha de trigo, centeio e milho, ou de apenas duas destas farinhas, um dos componentes não deve entrar na mistura com mais de dois terços do total das farinhas utilizadas, sem prejuízo do disposto no artigo 75.° do regulamento aprovado pelo Decreto-Lei n.° 42 477, de 29 Agosto de 1959.
Foi, pois, a partir desta data que algumas padarias da Estremadura e do Ribatejo iniciaram o fabrico do pão de mistura, que parece estar a ser preferido em detrimento do pão de 2.ª qualidade.
Para dar uma ideia do caos a que todos estes artificialismos legais conduziram, poderei informar a Câmara de que diversos industriais de moagem de ramas do Alentejo paralisaram as suas fábricas, para passarem a vender farinha espoada de trigo de 2.ª, a 3$80/kg, obtendo desta forma maiores lucros (três vezes mais) com as moagens paralisadas, vendendo farinha espoada de trigo de 2.ª em vez de laborar os cereais nas suas moagens (provenientes de trocas, à maquia ou adquiridos à Federação Nacional dos Produtores de Trigo).
Resumidamente, referirei algumas das principais vantagens que resultam do fabrico do pão de mistura:
1) Aumento do consumo de farinhas de milho e centeio, para alcançarem os objectivos, sistematicamente, preconizados em todos os regimes cerealíferos;
2) Redução de importação de trigo;
3) Valor energético do pão de mistura superior ao do pão de trigo de 2.ª qualidade;
4) A população de menor poder de compra dispor de um pão de melhor qualidade;
5) Haver margem para aumentar a taxa de panificação em relação a taxa praticada para a farinha de 2.ª qualidade.
Se as coisas se encaminham neste sentido, serei levado a concluir não haver justificação para o fabrico de pão de 2.ª qualidade, visto a farinha de 2.ª qualidade ser subsidiada actualmente pelo Fundo Especial de Compensação de Farinhas em $60/kg.
Elementos fidedignos levam à conclusão de que com a fabricação da farinha de 2.ª, nos anos de 1964 a 1966, os encargos suportados pelo Fundo de Abastecimento atingiram cerca de 300 000 contos, isto é, à razão de 100 000 contos por ano, de que apenas beneficiou a indústria organizada, ou sejam, as grandes concentrações de moagens de espoadas.
A actual conjuntura económica de que não nos pudemos alhear e o estado de guerra em que nos encontramos, em meu modesto entender, justificam todas as medidas que tenham por objecto evitar a sangria de divisas a que o engenheiro Araújo Correia se refere, com a autoridade e prestígio que todos nós, justamente, lhe atribuímos.
Tenho para mim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que nesta emergência em que o País se encontra é de aconselhar o fomento do fabrico do pão de mistura.
Além de se reduzir o consumo do trigo, o pão de mistura evitaria que aumente ainda mais o consumo das farinhas espoadas de trigo nas regiões tradicionalmente consumidoras de milho e centeio.
De igual modo aumentaria consideravelmente o consumo das farinhas de milho e centeio, pelo que se evitava que nos anos de produção excedentária estes cereais venham a ser exportados com elevados prejuízos suportados pelo Fundo de Abastecimento. Talvez até se conseguisse transformar em receita o que desde sempre tem constituído pesado encargo à Nação.
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Parece ser momento oportuno para se proceder a uma profunda revisão de todo o sistema no que se refere à farinha e ao pão. Deixe-se a todos os moageiros, além da possibilidade de modernização das suas unidades - caso das moagens de ramas - e de competição de fabrico de farinhas de ramas peneiradas, a fabricarão e a comercialização em concorrência, com liberdade de preços que garantam a normal cobertura dos encargos de fabrico e venda e do respectivo lucro; deixe-se nos industriais que concorram ao abastecimento público, sem tratamento de favor, mas em condições de saldar despesas e obter lucro legítimo.
Se, porém, razões ponderosas aconselharem outras soluções, também as aceitamos, desde que sirvam os interesses da maioria, e não apenas de alguns.
Manter os artificialismos actuais encerra perigos graves, além de contrariar os mais elementares princípios de justiça.
Antes de concluir as considerações que me propus apresentar à consideração de V. Ex.ª, Sr. Presidente, desejava fazer uma referência ao milho, cereal em cujo melhoramento genético trabalhei alguns anos após a minha formatura.
Como referi logo no início da minha intervenção, a produção média anual, no quinquénio de 1961-1965, foi de 500 000 t, com um rendimento por hectare considerado o mais baixo da Europa - 1045 kg/ha.
Posso, no entanto, esclarecer a Câmara que, em regadio, no Alentejo é possível, dentro de normas técnicas adequadas, obter rendimentos unitários da ordem dos 5000 kg/ha a 6000 hg/ha, utilizando sementes de híbridos seleccionados.
Só podemos encarar a possibilidade de fomentar a cultura do milho nas zonas regadas desde que existam unidades industriais devidamente localizadas e com dimensão suficiente que permita uma rentabilidade que justifique tão avultado investimento.
A gama de produtos que é possível extrair do milho tem o maior interesse para a economia de todo o espaço português.
Para dar uma ideia do valor económico do milho quando industrializado, ponho à consideração de VV. Ex.ªs alguns elementos.
Assim, sabe-se quo só com a industrialização de 400 000 t se podem obter os seguintes produtos em fábricas de moagem com desgerminação por via seca:
280 000 t de farinha para alimentação humana, sêmolas(gritz), etc.;
40 000 t de farinha forrageira;
80 000 t de germe do milho (extraído por via seca).
O valor do germe de milho extraído na base de 20 por cento está calculado em 2$80/kg e 3$/kg, isto é, um preço muito superior ao milho em grão. Desde que se extraia, menor percentagem de germe, este terá maior valor, devido ao elevado teor da gordura.
Das 80 000 t de germe de milho obtêm-se os seguintes produtos:
[INÍCIO DE TABELA]
Contos:
10 000 t de óleo de milho (por pressão), que ao preço de 12$85/kg renderiam 128 500
5000 t de óleo de milho (por dissolventes), que ao preço do 8$/kg renderiam 40 000
168 500
65 000 t de bagaço (..... ilegível ......) para a pecuária, a 2$20/kg 143 000
Total 311 500
[FIM DA TABELA]
Para se avaliar convenientemente o valor que os bagaços de milho tem para o fomento da pecuária, basta saber que a cotação do bagaço de milho (.... ilegível ....) em Hamburgo (C. I. F.) é de 2$15/kg. enquanto o preço do milho um grão é apenas de l$70/kg, muito aquém do preço praticado na área do Mercado Comum.
Terá de evidenciar que a Federação Nacional dos Produtores de Trigo está fornecendo às fábricas de rações e aos engordadores anualmente, em média, cerca do 60 000 t de milho um grão, com encargos para o Fundo de Abastecimento, quando seria mais vantajoso para todo o circuito da produção de carnes fomentar a industrialização do milho para se aumentar a produção de bagaços e farinhas forrageiras.
Som receio de contradita, posso afirmar que Angola, Moçambique e o continente, se procederem à industrialização do milho através de unidades adequadas, poderão obter produtos não só para o consumo interno, como também para exportação.
Já existiu na Beira Baixa uma unidade industrial que, apesar de geograficamente mal localizada, através da sua laboração foi possível exportar quantidades interessantes de produtos do milho. É certo que, por despacho de S. Ex.ª o Secretário de Estado do Comércio, em Outubro de 1958, foi autorizado que o Fundo de Abastecimento financiasse as exportações de milho produzido pela referida unidade fabril, as quais abrangeram os seguintes produtos:
[INÍCIO DE TABELA]
Como parece existir uma "classe de importadores" que lhes interessa mais que o País não produza, fácil é de compreender a leveza de ânimo que, por despacho ministerial, datado do 19 de Abril de 1962, determinou a retirada do respectivo subsídio, que prejudicou não só a referida firma, mas sobretudo o Pais.
A lavoura devia tomar uma maior consciência da importância destes problemas, que têm repercussões muito profundas na valorização dos seus produtos.
A reconversão agrária deve prosseguir e atingir os objectivos que o Ministro Correia de Oliveira em tão feliz hora estabeleceu. O ciclo cereais-farinha-pão, cujo valor económico é da ordem dos 12 milhões de contos anualmente, deve seguir uma estrada larga, onde seja permitido prosseguir, sem atropelamentos, nem mortes, respeitando o "código", que é para todos, o não para alguns.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto Bull: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Embora a província da Guiné tivesse continuado a sofrer durante o ano de 1966 os duros golpes do terrorismo, que, orientado e impulsionado do exterior, procurou perturbar a vida económica nalgumas regiões daquela parcela do território nacional, o certo é que a vida financeira decorreu com certa normalidade e permitiu que no fim do
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ano se fechassem as contas de exercício com um saldo positivo de 6214 contos.
Continuou, pois, a província a caminhar em terreno firme, satisfazendo totalmente, embora com grande sacrifício, todos os compromissos respeitantes à dívida pública, acudindo com pontualidade todas as necessidades dos departamentos públicos e prosseguindo com segurança o desenvolvimento sócio-económico e o bem-estar das populações, tudo devido à superior orientação de S. Ex.ª o Governador e à acção inteligente e fecunda de uma equipa de técnicos e funcionários merecedores dos maiores encómios.
Tive a honra de fazer parte do elenco governativo da província durante cerca de quatro anos e, assim, foi-me dada a oportunidade de apreciar e avaliar o entusiasmo com que o general Arnaldo Schulz procurava conduzir essa frágil nau ao bom porto de salvamento, tarefa difícil, mas possível desde que todos colaborem nesta grande obra de revigoramento económico da província para que possa aguentar sem desfalecimentos todas as dificuldades que terá de enfrentar com a persistência dos nossos inimigos em manterem cada vez mais apertado o cerco com que procuram envolver aquela martirizada província.
Estou, porém, certo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de que com a ajuda de Deus, com a boa vontade e compreensão dos portugueses de todas as etnias e credos políticos, a par da coragem indómita das nossas forças armadas, poderemos aguentar todos os ataques terroristas até que eles compreendam que a nossa maior força é a razão que nos assiste de querermos sobreviver em todos os territórios que os nossos maiores descobriram, civilizaram e nos legaram, convencidos de que seriamos capazes de os defender mesmo com o sacrifício da própria vida.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: O bem elaborado relatório que acompanha as contas de gerência e exercício de 1966 da província da Guiné e os documentos que o completam, da autoria do prestimoso e inteligente director dos Serviços de Fazenda e Contabilidade da província, Sr. Tomás da Cunha Alves, um português de fina sensibilidade e rija têmpera, filho da Guiné e que muito honra a sua e minha terra natal, facilitam grandemente a minha tarefa de esclarecer a VV. Ex.ªs como foi possível realizar o muito que se fez no ano em apreço, possibilitando-me ainda, pela rápida análise do seu conteúdo, reforçar a confiança que já tinha de que, apesar de o caminho estar cheio de escolhos, a província continuará singrando gradualmente, acompanhando o surto de progresso que caracteriza a vida em todo o espaço português.
Não posso também deixar de, mais uma vez, me referir ao notável parecer do ilustre Deputado engenheiro Araújo Correia, economista dos mais distintos do nosso tempo, que muito honra esta Câmara e a quem quero prestar desta tribuna as mais rendidas homenagens.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Uma rápida análise das contas de exercício mostra que as receitas ordinárias foram arrecadadas dentro dos prazos preestabelecidos e sem quaisquer dificuldades, apesar da situação anormal da província, e na sua cobrança todos os contribuintes prestaram mais uma vez franca colaboração, dando mostras de terem sabido avaliar as razões que levaram o fisco a exigir um pouco mais de cada um, para fazer face aos encargos públicos e para contribuição nas vultosas despesas na defesa intransigente daqueles territórios.
Entretanto, e como era de esperar, verificaram-se certas flutuações nalgumas rubricas, o que ao fim e ao cabo veio a estabelecer as seguintes diferenças em relação ao ano de 1965:
Nos "Impostos directos gerais", em que as diferenças foram na sua maioria negativas em relação ao ano anterior, num total de 2804 contos, a quebra maior verifica-se na contribuição industrial, que baixou só por si 2621 contos, quebra que, no entanto, tem justificação se atentarmos ao clima de guerra que a província atravessa.
No que diz respeito aos "Impostos indirectos", que somaram 61 373 contos, com um aumento substancial de 7711 contos em relação ao ano anterior, a rubrica dominante foi a dos "Direitos de importação", cuja diferença para mais se cifrou em 10 141 contos, aumento final que ficou reduzido aos 7711 contos apontados anteriormente, porque os direitos de exportação baixaram em mais de 2500 contos.
Quanto às "Indústrias em regime tributário especial", verificou-se uma cobrança de 23 234 contos, que, no entanto, acusa uma quebra de 890 contos em relação ao ano anterior e que marcadamente diz respeito ao imposto de consumo, que representa 88 por cento do total da cobrança.
Nas "Taxas e rendimentos de diversos serviços", as cobranças do ano de 1966 atingiram 14 750 contos em confronto com cerca de 24 359 coutos cobrados no ano de 1965, tendo havido uma baixa de 9609 contos no total das cobranças, mas localizada em corça de 6744 contos nas receitas eventuais não especificadas.
O capítulo "Domínio privado, empresas e indústrias do Estado e participação de lucros" apresentou em 1966 uma cobrança de 1957 contos, mais 51 do que no ano anterior, e com uma particularidade interessante, que é o facto de as duas verbas mais importantes dos capítulos "Passagens e fretes em navios e embarcações do Estado" e "Rendimento da Imprensa Nacional", ambas com uma previsão de 250 contos, terem na sua arrecadação ultrapassado o dobro, atingindo a primeira 663 contos e a segunda 502 contos.
Este capítulo mostra-nos ainda que a renda do banco emissor da província é relativamente baixa, pois não ultrapassa de 275 contos. Resta a consolação de que o Banco Nacional Ultramarino vem contribuindo indirectamente para o desenvolvimento da província com os créditos a curto prazo que concede, e é de esperar que num futuro próximo e na falta de outras instituições de crédito comece a apoiar alguns empreendimentos com rentabilidade garantida, mas que necessitam de crédito a médio e longo prazos.
O capítulo "Reembolsos e reposições", cuja receita principal é a proveniente da compensação de aposentação, valorizada em 3238 contos, fechou com uma pequena baixa no total da cobrança, em virtude da não reposição pela Administração do Porto de Bissau, dentro do prazo normal, da sua quota-parte no pagamento do empréstimo feito para a construção da ponte-cais de Bissau.
No capítulo "Consignação de receitas", que engloba as receitas de serviços autónomos, houve uma melhoria sensível de receita, que no total atingiu 53 653 contos, e, portanto, com um acréscimo de cerca de 9100 contos sobre a cobrança do ano anterior.
O ritmo de melhoria destas receitas tem sido gradual e harmónico, e o total global deste capítulo rio ano de 1966 em apreço aproxima-se do dobro do ano de 1964, isto é, subiu de 29 416 contos para 53 653, sendo a variação mais espectacular a que diz respeito ao porto de Bissau, que passou de 8329 contos em 1964 para 20 865 contos em 1966, devendo anotar-se também a contribuição
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trazida neste último ano pelos Transportes Aéreos da Guiné, valorizada em 7719 contos.
Tive a oportunidade de pessoalmente acompanhar os melhoramentos introduzidos no porto de Bissau e a forma notável como o novo conselho de administração vem cuidando da fiscalização e cobrança das suas receitas.
Não deixo, porém de chamar a atenção de quem de direito para que seja tomado em conta o limite máximo aconselhável para o aumento das taxas e dos serviços extraordinários, pois tudo o que exceder determinados limites poderá onerar o preço das mercadorias e, consequentemente, agravar o custo de vida, já sobrecarregado com o valor dos fretes que se estão processando.
No que diz respeito à receita extraordinária no ano de 1966, verifica-se que ela provém dos seguintes rendimentos:
Parta dos saldos do exercícios findos 6 228 522$91
Rendimento das concessões petrolíferas 10 005 544$60
Empréstimo da metrópole 42 570 715$51
Empréstimo do Banco Nacional Ultramarino l 596 085$73
Outras receitais extraordinárias 7 327 307$15
Total 76 728 175$90
Adicionando este total à receita ordinária, que, como atrás se disse, atingiu a bonita soma de 195 179 177$79, ter-se-á a soma total dos rendimentos arrecadados em 1966, no valor de 271 907 353$69.
Comparando esta receita total de 1966 com a do ano anterior, verifica-se uma diferença para mais de 37 477 027$13, o que é bastante interessante para os tempos que estamos atravessando.
Uma análise muito sucinta das despesas pagas no ano de 1966 um apreciação mostra que, embora tivesse, sido respeitada certa austeridade que o condicionalismo do meio e o período anormal que se está vivendo na província impunham, se conseguiu dar satisfação às necessidades dos serviços públicos e se procurou incrementar o bem-estar e o desenvolvimento sócio-económico das populações, através de um programa preestabelecido e que durante o ano teve notável seguimento.
As despesas ordinárias pagas totalizaram 188 965 contos, mais 8060 contos que no ano anterior, em que as despesas totais se fixaram em cerca de 180 905 contos.
Confrontando as receitas ordinárias com as despesas da mesma proveniência, verifica-se uma diferença de cerca de 6214 contos, saldo de contas da província, cifra que encontraremos igualmente se acharmos a diferença entre o somatório das receitas ordinárias e extraordinárias e as despesas das mesmas proveniências:
Receitas ordinárias 195 179 177$79
Receitas extraordinárias 76 728 175$90 271 907 353$69
Despesas ordinárias 188 964 536$38
Despesas extraordinárias 76 728 175$90 271 907 353$90
Saldo do exercício 6 214 641$41
Quanto ao Plano Intercalar de Fomento, a província gastou em 1966 a soma de 76 728 contos, sendo 67 601 contos em despesas propriamente do Plano e 9127 contos em despesas extraordinárias fora do Plano e destinados 1800 contos para a Junta de Investigações do Ultramar Missão Geoidrográfica)e 7327 contos para a Brigada Móvel da Polícia de Segurança Pública.
As fontes de financiamento do Plano foram as seguintes:
Saldos de exercícios anteriores.
Empréstimo da metrópole.
Empréstimo do Banco Nacional Ultramarino.
Rendimento de concessões petrolíferas.
Outras receitas extraordinárias (Decreto n.º 44 982).
As despesas tiveram os seguintes destinos e aplicação:
Conhecimento científico do território:
Contos:
Cartografia geral l 000
Meteorologia 299
Apicultura, silvicultura e pecuária:
Investigação de base 500
Fomento dos recursos agro-silvo-pastoris 15 200
Pesca:
Para o desenvolvimento das pescas l 664
Para a regularização do abastecimento interno 1 562
Energia:
Estudo, produção, transporte e distribuição 667
Indústrias extractivas:
Aproveitamento dos meios de obtenção de água doce l 258
Indústrias transformadoras 824
Transportes e comunicações:
Transportes rodoviários 19 250
Portos e navegação 5 982
Transportes aéreos e aeroportos 5 251
Telecomunicações 2 539
Turismo l 600
Habitação e melhoramentos locais:
Habitação 750
Melhoramentos locais 2 100
Promoção social:
Educação 4 220
Saúde e assistência l 435
Radiodifusão l 500
Total 67 601
Despesas extraordinárias fora do Plano 9 127
Soma total 76 728
Uma rápida análise do quadro que antecede mostra que as duas maiores verbas dizem respeito aos transportes rodoviários e à agricultura, silvicultura e pecuária, respectivamente, com 19 250 contos e 15 700 contos, verbas que, como bem diz o ilustre relator das contas gerais do Estado, exerceram acção proveitosa na vida económica da província, sobretudo na facilidade de drenagem dos pro
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dutos e circulação de mercadorias e no fomento de produção do arroz, alimento base das populações autóctones, e do caju e outros indispensáveis para melhorar a exportação da província.
Antes de encerrar este rápido apontamento sobre as implicações das despesas do Plano Intercalar na economia guineense, quero e devo abordar o delicado e sempre oportuno problema da impossibilidade de a província da Guiné continuar a suportar os encargos provenientes das amortizações e juros dos empréstimos do II Plano do Fomento e do Plano Intercalar de Fomento e que só em 1966 atingiu a soma de 12 727 610$! Esta situação é incomportável para uma província que tem um orçamento bastante sobrecarregado com outros encargos, alguns de inadiável satisfação, que não tem sido possível atender enquanto a metrópole não resolver esta situação discriminatória em que a Guiné está sendo mantida em relação às províncias de Gabo Verde, Timor e S. Tomé e Príncipe, todas já beneficiadas com isenção de juros, moratórias nas amortizações, etc., sem se atender que a Guiné enfrenta há mais de seis anos uma guerra sem quartel que lhe foi imposta do exterior e que a todo o custo vem procurando aniquilar a economia da província.
Se os responsáveis pela governarão da martirizada província da Guiné têm podido continuar a apresentar um orçamento equilibrado e a executar algumas obras de fomento sócio-económico a ponto de causar admiração a nacionais e estrangeiros que têm visitado a província, isso só tem sido possível devido à excelente colaboração prestada pelas forças armadas, não só na protecção aos agricultores nativos durante as suas culturas e depois na drenagem dos produtos, como também na recuperação das populações transviadas; ao elevado espírito de sacrifício dos funcionários civis, sobretudo os administrativos, que heroicamente têm suportado a dura tarefa de reordenar as populações recuperadas e dirigir a actuação das milícias administrativas, e ainda pela boa compreensão dos contribuintes que não têm regateado em satisfazer as contribuições que lhes têm sido impostas.
É-me, pois, muito grato, como Deputado pelo círculo da Guiné, prestar as minhas homenagens ao ilustre governador da província, general Arnaldo Schulz, e felicitar todos os seus devotados colaboradores pela forma como têm conseguido executar o respectivo orçamento e obter das suas fracas dotações os melhores resultados.
Ao Sr. Ministro do Ultramar dirijo uma palavra de gratidão pelo grande auxílio que continua dando à Guiné, não só dispensando do pagamento de certos encargos gerais, mas, sobretudo, pela concessão de alguns subsídios, e ainda pela posição que tem procurado tomar junto de S. Ex.ª o Ministro das Finanças para conseguir para a Guiné a mesma situação das demais províncias de governo simples quanto aos encargos do Plano de Fomento.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Após esta rápida análise sobre a vida financeira da província da Guiné, quero deixar um ligeiro apontamento sobre a actual conjuntura económica da província, bastante prejudicada desde 1962, devido à insegurança estabelecida naquelas terras ardentes pelas hordas terroristas vindas dos territórios vizinhos.
Enquanto se mantiver esta situação, dificilmente a província poderá recompor a sua vida económica, embora toda a população esteja disposta a enfrentar corajosamente todas as vicissitudes e caminhar de peito aberto, porque qualquer hesitação neste momento será colaborar com o inimigo e permitir a sua infiltração mais rápida.
Portanto, hoje mais do que nunca, a Guiné precisa de ser ajudada não só com técnicos para programarem e executarem os empreendimentos julgados necessários, mas, sobretudo, com capitais ou outras formas de investimentos que permitam levar a cabo todos os estudos já realizados e outros que venham a ser aconselhados, para fazer sair deste marasmo em que se encontra a economia da província.
O comércio externo da Guiné em 1966 sofreu ligeiras variações em relação ao ano anterior, como se patenteia no quadro que segue:
[INÍCIO DE TABELA]
Territórios estatísticos Quantidades - Toneladas Valores em contos
[FIM DA TABELA]
Quer dizer que a balança comercial da província teve em 1966 o seguinte movimento:
Toneladas Contos
Importação 64 764 507 348
Exportação 26 179 85 094
Diferença 38 585 422 254
Verifica-se que a metrópole vem sendo a maior fornecedora e comparada, e pouca importância apresenta o intercâmbio com as demais províncias ultramarinas, o que é de lamentar e convém a todo o custo fomentar.
O comércio externo da Guiné pode traduzir-se mais elucidativamente em percentagens, como segue:
Importação - Percentagem Exportação - Percentagem
Com a metrópole 69 71
Com o ultramar 6 4
Com o estrangeiro 25 25
Entre os produtos exportados para a metrópole, o amendoim ocupa o primeiro lugar, quer em quantidade, quer em valores, seguindo-se em ordem de valores o coconote, os tourtcaux, os couros e a madeira serrada.
Para o estrangeiro, o principal produto exportado é o coconote.
No que diz respeito ao ultramar, só Cabo Verde e Moçambique compraram produtos à Guiné, tendo para esta última província sido exportados cerca de 367 t de castanha de caju.
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O quadro que segue dá uma ideia mais clara do movimento de exportação dos produtos da Guiné:
Mercadorias Quantidades - Quilogramas Valores em escudos
Amendoim em casca 18 727 53 560
Quanto à balança de pagamentos em 1966, verificou-se o seguinte movimento:
Cambiais arrecadadas 485 374 536$33
Cambiais despendidas 477 459 365$51
Saldo credor referente a 1966 7 915 170$82
Saldo credor em 1965 19 135 560$35
Posição líquida credora em Dezembro de 1966 27 050 731$17
Confrontando as duas balanças - a comercial e a de pagamentos -, verificaremos que existiu um grande déficit da balança comercial e que foi certamente coberto por elevada contribuição de invisíveis correntes, como se demonstra:
Valor das exportações efectuadas em 1966 507 348 415$00
Cambiais de exportação 95 690 284$00
Cobertura dada por invisíveis correntes 411 658 131$00
Analisando a origem das cambiais arrecadadas, verifica-se que são provenientes de:
Cambiais de exportação 95 690 284$15
Invisíveis correntes 389 684 252$18
Total 485 374 536$33
Chega-se, pois, à conclusão de que os invisíveis correntes contribuíram para a balança de pagamentos com 81 por cento, enquanto as cambiais de exportação não excederam a percentagem de 19 por cento.
E a grande parte dos invisíveis é obtida com as despesas feitas na província com a manutenção das forcas armadas.
Para concluir esta rápida análise sobre a balança de pagamentos, referimo-nos aos destinos que tiveram as cambiais arrecadadas:
Percentagem
Para pagamento de mercadorias 83
Turismo 3
Transferências privadas 3
Operações de capitais privados 2
Transportes 2
Diversos 7
100
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Vou terminar estas rápidas considerações acerca das contas públicas respeitantes à província da Guiné, mas antes gostaria de formular dois votos e um apelo.
Os votos sinceros para que:
1.º O entusiasmo de todos aqueles que lutam e trabalham na martirizada Guiné seja cada vez mais forte para que o dia da vitória se aproxime cada vez mais:
2.° Que este auspicioso ano legislativo de 1968, que vai terminar e que teve o privilégio de coincidir com a triunfal jornada do venerando Chefe do Estado às províncias da Guiné e de Cabo Verde, possa ter contribuído para Consciencializar as gentes da metrópole para uma maior atenção aos problemas ultramarinos.
O apelo quero dirigi-lo, com todo o meu entusiasmo e verdadeira noção do momento difícil que atravessamos, aos homens de boa vontade, e em especial aos senhores capitalistas, para que, tomando em linha de conta os sacrifícios que a nossa juventude está fazendo nas várias frentes de combate, compartilhem um pouco do sacrifício geral que a Nação de todos exige e ajudem a consolidar a retaguarda nessa Guiné, que hoje mais do que nunca carece de ajuda de todos os bons portugueses.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Castro Salazar: - Sr. Presidente: Ao debruçar-mo-nos sobre o parecer das contas gerais do Estado referentes a 1966, não podemos deixar de apresentar as nossas saudações ao sem ilustre relator, engenheiro Araújo Correia - conhecedor profundo dos problemas económicos e financeiros do todo nacional -, e deixar expresso aqui o testemunho da nossa muita admiração pela sua lúcida inteligência, mais uma vez posta tio serviço do País na criteriosa elaborarão do parecer das contas públicas que estamos discutindo nesta Assembleia.
No estudo referente às contas da província de S. Tomé e Príncipe, verificamos que a receita ordinária da província foi de 75 159 000$ e a sua despesa ordinária de 70 381 000$. O saldo positivo é, pois, de 4 778 000$, saldo que podemos considerar apreciável, tendo em vista o montante das receitas arrecadadas. Comparando estas com as do ano anterior, nota-se um aumento de 846 000$ nas receitas de 1966: nas despesas ordinárias esse aumento foi de 910 000$.
Examinando as despesas dos diversos capítulos orçamentais, verificamos que, tirando os "Serviços Militares" e os "Serviços de Marinha", todos eles beneficiaram de aumento, sendo, contudo, os referentes à "Administração geral e fiscalização", "Serviços de Fazenda" e "Serviços de Fomento", respectivamente com aumentos de l 117 000$, 469 000$ e 347 000$, os mais substanciais.
No que diz respeito ao capítulo "Administração geral e fiscalização", os subcapítulos "Educação" e "Saúde" absorveram quase completamente o aumento global verificado, visto as verbas referentes a estes dois serviços terem sofrido um aumento de 957 000$ ("Educação" +364 000$, "Saúde", +593 000$).
Em 1966 a província despendeu 13 223 000$, isto é, 18,7 por cento da sua despesa ordinária nos sectores da saúde e educação (1,1 por cento mais que em 1965).
Isto demonstra que continua a ser preocupação constante do Governo da província a promoção social da sua popu-
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lação, pois só valorizando o capital humano, física, intelectual e espiritualmente, se poderá caminhar confiadamente para o desenvolvimento económico que todos desejamos.
Já aqui referi, pelo que me dispenso de o fazer novamente, o elevado índice de escolarização verificado na província, o mais alto de toda a África, igualando mesmo o índice dos países europeus; também algo foi dito sobre a acção dos Serviços de Saúde da S. Tomé e Príncipe na luta contra n doença, traduzida nos expressivos índices de mortalidade geral e mortalidade infantil, e que o ano passado tive oportunidade de apresentar a VV. Ex.ªs comparando-as com os das outras regiões africanas. Assim se compreende que, sendo a taxa de natalidade sensivelmente a mesma da de há dez anos. o saldo fisiológico passasse de 1141 indivíduos em 1057 para 2161 em 1966. Nesse espaço de tempo a mortalidade geral baixou de 27,4 por mil para 16,7 por mil.
No ano de 1966 a população de S. Tomé e Príncipe era de 66 885 habitantes, sendo a população natural constituída por 54 900 pessoas e a não natural por 11085; desta, cerca de 11 000 era de trabalhadores contratados, na sua maioria cabo-verdianos.
Em 1960 publicaram-se pela primeira vez os dados sectoriais da população assalariada e empregada. Dos 32000 habitantes que constituíam a mão-de-obra activa, 24800 trabalhavam no sector primário, 2500 no sector secundário e 4700 no sector ternário. Nessa mesma data, cerca de dois terços da população activa era alienígena (trabalhadores das roças cabo-verdianos, moçambicanos e europeus), enquanto em 1965 s& notava já uma inversão da proporção: somente um terço da população activa era oriunda do exterior, sendo os dois terços restantes constituídos por naturais de S. Tomé e Príncipe. Esta viragem na composição da população activa em tão curto espaço de tempo traduz uma alteração nos hábitos do natural de S. Tomé e Príncipe, mas representa também uma modificação profunda nas circunstâncias condicionantes da sua economia, modificação que é preciso encarar do frente, para tomar as medidas que se mostrem oportunas, enquanto é possível fazê-lo sem precipitações.
S. Tomé e Príncipe, com os seus 964 km2 de superfície, tinha em 1966 uma densidade de 69 habitantes por quilómetro quadrado. A densidade populacional de S. Tomé contrasta flagrantemente com a de quase todos os territórios ultramarinos portugueses, sobretudo com a das grandes províncias africanas.
De facto, a densidade da população das outras províncias ultramarinas, referente ao censo de 1960, é a seguinte: Cabo Verde. 49; Guiné, 14; Angola, 3; Moçambique, 8; Estado da índia, 14: Macau, 10581, e Timor, 34. Sendo Macau uma cidade do sul do continente asiático, sujeita, além disso, ás ondas populacionais que lhe chegam da China continental, é um caso à parte em população.
O contraste é gritante sobretudo com Angola, que numa superfície superior à do Mercado Comum Europeu - l 246 700 km2 - contava apenas em 1960 com 4 830 449 habitantes, e com Moçambique, onde na mesma data se contavam somente 6 578 604 habitantes para uma superfície de 783 030 km2.
Em face de densidades populacionais tão baixas observadas nas nossas duas maiores e mais ricas províncias ultramarinas, vem-nos ao espírito esta condicional do passado: se a emigração portuguesa , ao menos a que nas últimas décadas tem abastecido de mão-de-obra as florescentes economias da França e da Alemanha, tivesse sido orientada para Angola e Moçambique, talvez não tivessem surgido os gravíssimos problemas com que aquelas duas províncias se debatem.
Mas teríamos nós tirado do passado as lições para o futuro?
A população branca era em Angola e Moçambique, no ano de 1960, respectivamente, de 172 529 e 97 300 habitantes. Se das estatísticas actuais retirarmos os quantitativos referentes aos militares que àquelas províncias vão passar os dois anos de comissão obrigatória, verificamos não ter nos últimos anos aumentado substancialmente a população de origem europeia em Angola e Moçambique.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Também no que diz respeito ao povoamento destas províncias do Portugal africano, temos de "actuar rapidamente e em força", criando aí as condições necessárias que permitam a fixação de pessoas qualificadas idas da metrópole - pessoas qualificadas a todos os níveis e no verdadeiro sentido da palavra; o povoamento indiscriminado com indivíduos sem um mínimo de formação técnica e qualidades morais poderá tornar-se mais prejudicial que útil. O que nós precisamos em África é de homens que, além de técnicos qualificados, sejam também autênticos valores humanos: homens que criem riqueza e espalhem civilização.
Não esqueço o espectáculo nada edificante que se mu deparou em fins de 1961 e 1962 na província de Angola, com a chegada, em todos os navios, de grande número de portugueses da metrópole, a maior parte deles sem qualquer qualificação válida, iludidos por uma propaganda inconsciente que lhes prometia em Angola vida despreocupada e riqueza fácil. Mas a província não lhes podia oferecer empregos porque os não tinha; grande número deles teve de recorrer à caridade pública para sobreviverem, acabando por regressar às suas terras, desiludidos e humilhados; outros, dos melhores, procuraram na África do Sul e na Rodésia aquilo que os seus compatriotas não lhes puderam dar em Angola.
Mas, infelizmente, não são somente os que em Angola e Moçambique não encontram emprego que são atraídos pela África do Sul e pela Rodésia. E cada vez maior o número de operários classificados, portugueses de raça branca, que anualmente abandonam estas duas províncias e se fixam naqueles países, por lhes oferecerem aí melhores condições de vida. É desolador que, sobretudo Moçambique, continue a funcionar como estufa de aclimatação de muitos portugueses da Europa, que, após meses ou anos de fixação naquela província, vão dar todo o rendimento do seu trabalho e da sua capacidade à África do Sul e à Rodésia.
O número de portugueses europeus que em ]966 emigraram legalmente de Moçambique para se fixarem na África do Sul foi de 1739.
Embora não tivéssemos conseguido números exactos respeitantes à emigração para a Rodésia, sabemos, contudo, ser relativamente elevado o número de portugueses europeus fixados na Rodésia idos de Moçambique. Sobretudo, não deixa de ser tristemente estranho que haja na República da África do Sul mais portugueses europeus do que em Moçambique; segundo as estatísticas, o número de sul-africanos brancos de ascendência portuguesa (incluindo os imigrantes) é de 150 000. Se tivermos presente que tanto as autoridades sul-africanas como as rodesianas seleccionam rigorosamente os seus imigrantes, somos levados a concluir que estamos a contribuir com um capital preciosíssimo (que nos faz falta) para o enriquecimento dos nossos vizinhos - o que não traria mal nenhum se não fosse à custa do nosso empobrecimento.
É que a emigração não se drena como a agua de uma corrente. Como se trata de homens, é necessário atraí-los com a perspectiva de uma vida mais digna para cies e para a família. E isto quer dizer criação de empregos,
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organização de empresas, lançamento de indústrias, arranque de explorações agrícolas. É necessário criarmos no nosso ultramar condições de vida que atraiam os portugueses da metrópole e não afastem os que já lá se encontram. Temos razões para acreditar que os capitais nacionais e estrangeiros investidos em Angola e em Moçambique contribuirão para fazer melhorar as condições de vida nessas províncias e poderão atrair para lá muitos portugueses da metrópole. O que é necessário é que tais indústrias que aí se organizam com comparticipação de capitais estrangeiros (petróleos, ferro, etc.) ofereçam aos portugueses de todas as etnias o maior número possível de postos de trabalho. Postos de trabalho em todas as escalas, desde administrador até no peão de pá e pico, passando pelo engenheiro, pelo economista, pelo operário qualificado. Uma acusação que alguns estrangeiros estabelecidos com empresas no nosso país fazem aos portugueses - com o fim de os afastarem dos lugares de direcção - é que não possuímos "experiência" nem "capacidade de administração" para dirigir grandes empresas. Mas é justamente exercendo a função que essas coisas se aprendem. Se, aceitando o argumento, deixarmos que nessas empresas todos os lugares de direcção administrativa e técnica sejam ocupados por estrangeiros, se os portugueses se contentarem em representar o papel de inúteis "testas de ferro", a "experiência" e a "capacidade administrativa" nunca surgirão. Ora, impondo a lei que essas empresas sejam consideradas nacionais, é lógico que a maioria dos seus administradores sejam portugueses. E se é assim na metrópole, com muita mais razão terá de ser no ultramar.
Quando Salazar veio de Coimbra para Lisboa, a fim de se ocupar da pasta das Finanças, a maioria das empresas de interesse público tinha a sede era Londres, e britânicos eram todos os seus administradores e directores.
Graças à recusa do então Ministro das Finanças em aderir à política de subserviência ao capitalismo britânico, foi possível que 38 anos depois a empresa do pipelinc da Beira nos não impusesse por via privada a política que interessava à Grã-Bretanha e sacrificava os interesses nacionais de Portugal. É que a sede da companhia era em território nacional e portuguesa a maioria dos membros da sua administração.
Mas voltemos às pequenas ilhas que eu represento nesta Casa.
Mais uma vez o saldo da balança comercial de S. Tomé e Príncipe foi favorável no ano de 1966, apresentando um saldo positivo de 17 664 000$.
Os produtos exportados atingiram o valor global de 176 580 000$, tendo sido a contribuição do cacau igual a 125081 000$, o que representa 70 por cento do valor da exportação.
Quanto às importações, podemos verificar que os produtos alimentares e do reino vegetal continuam a pesar de uma maneira notável na balança comercial, atingindo 35,3 por cento do valor das importações, isto é, 56 161 000$. Importaram-se 382 t de peixe seco, no valor de 2 641 000$, e gastaram-se 6 539 000$ na importação de milho e feijão.
Continua a verificar-se à situação anómala de a província despender alguns milhares de contos em divisas na importação de produtos que ela poderia produzir, não só para satisfação das suas necessidades internas, mas até para exportar.
No que diz respeito à importação de peixe seco, antevê-se para breve a solução do problema. Em princípios de 1967, instalou-se em S. Tomé uma pequena empresa de pesca e secagem de peixe, que, tudo leva a crer, satisfará dentro de pouco tempo as exigências do consumo interno.
Pena é que o mesmo se não possa dizer quanto aos produtos de origem vegetal que mencionei e que a província tem condições excepcionais para produzir.
Parece-me que numa futura reconversão agrícola, nos terrenos onde não seja rentável a cultura dos chamados produtos ricos tropicais, poder-se-à substituir estes pelo cultivo dos produtos "pobres" que a província todos os anos importa para seu sustento e nos quais despende algumas dezenas de milhares de contos.
A economia de S. Tomé e Príncipe, nomeadamente a sua agricultura, assenta em dois pressupostos:
a) Exportação de quase um só produto (cacau);
b) Mão-de-obra importada.
Já uma vez tive a oportunidade de afirmar que para a economia da província assentar em bases sólidas e sadias, haverá que diversificar o sector primário e ampliar os sectores secundário e terciário; mas há também que não esquecer o pressuposto da mão-de-obra importada. A província já não recebe trabalhadores de Angola e de Moçambique. Até quando receberá os de Cabo Verde?
O nativo de S. Tomé e Príncipe começa a perder o preconceito de trabalhar na agricultura, contando-se já por muitas centenas os que prestam serviço nas roças como trabalhadores agrícolas: há que aproveitar esta boa disposição. É um facto ser a mão-de-obra natural de S. Tomé mais exigente quanto a salários e tratamento, dado o nível de vida que as populações já desfrutam. Mas a verdade é que a agricultura, não podendo estar eternamente sujeita às contingências da mão-de-obra importada, tem de se alicerçar em moldes tais que permitam uma remuneração de mão-de-obra cada vez mais elevada, uma remuneração que faça atrair ao trabalho os naturais das ilhas. Ao mesmo tempo há que seguir uma política de elevação da produtividade do trabalho, pois só assim será possível remunerar convenientemente a mão-de-obra.
Uma vez liberta a sua agricultura, quer dos factores que a condicionam às constantes oscilações da cotação do cacau, quer das contingências da importação de mão-de-obra, poderá a economia de S. Tomé e Príncipe olhar com mais optimismo o futuro.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Antes, porém, quero informar VV. Ex.ªs de que certamente seria forçado a dar duas sessões na próxima sexta-feira, para ver se realmente é possível concluir a discussão nesse dia. E não sei se, mesmo assim, terei de dar também uma ou duas sessões no sábado. Se os discursos, sobretudo no período antes da ordem do dia, continuarem a ser do tamanho que ultimamente se tem verificado, é muito provável que assim tenha de proceder para não prejudicar a discussão das Contas Públicas.
A ordem do dia da sessão da amanhã será a mesma da de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 45 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
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7 DE MARÇO DE 1968
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Hirondino da Paixão Fernandes.
James Pinto Bull.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
Manuel Henriques Nazaré.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Raul Satúrio Pires.
Rui Pontífice de Sousa.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Srs. Deputados que faltaram à sessão
André da Silva Campos Neves.
António Júlio de Castro Fernandes.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Gabriel Maurício Teixeira.
Jaime Guerreiro Rua.
Joaquim de Jesus Santos.
José Coelho Jordão.
José dos Santos Bossa.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
Rafael Valadão dos Santos.
O REDACTOR - Luiz de Avillez.
Requerimento enviado para a Mesa durante a sessão pelo Sr. Deputado Roseta Fino:
Requeiro, nos termos regimentais, que me sejam fornecidos os volumes do III Plano de Fomento para 1968-1973, edição oficial da Presidência do Conselho.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA