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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES

SUPLEMENTO AO N.º 145

ANO DE 1968 8 DE MARÇO

ASSEMBLEIA NACIONAL

IX LEGISLATURA

Projecto de lei sobre a alteração do artigo 667.º do Código de Processo Penal

Fundamentação na generalidade

1. O assento do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Maio de 1950 1, estabelecendo que "em recurso penal, embora só interposto pelo réu, pode o tribunal agravar a pena", acolheu no processo penal comum português o instituto da reformatio m pejus. Em abono do regime legal assim imperativamente definido aduz o Supremo Tribunal de Justiça que "nenhum preceito ... do Código de Processo Penal e legislação complementar refere expressamente qual deve ser a extensão da apreciação jurisdicional, pelo tribunal superior, da decisão recorrida" e que, por isso, "essa extensão há-de determinar-se em função dos princípios gerais que dominam e orientam o processo penal".

Concretizando tais princípios, o Supremo Tribunal de Justiça refere, em primeiro lugar, "o carácter público do direito que através do processo penal se realiza - o direito de punir o Estado", acentuando que a natureza pública do jus puniendi impõe a possibilidade de os tribunais superiores aplicarem livremente as sanções que julguem adequadas nos casos sujeitos à sua apreciação, "pois só assim aquele direito do Estado alcançará plena realização". Para além disso, entende o Supremo Tribunal de Justiça que a faculdade de os réus recorrentes limitarem o objecto dos recursos - uma das formas pelas quais viria a ficar praticamente limitado o poder de apreciação dos tribunais superiores - contraria ... o fim que se pretende atingir através do processo penal, ou seja, a aplicação da sanção justa ao que delinquiu". Por último, invoca-se "o princípio da unidade ou iucindibilidade das decisões penais", que se reflecte no artigo 663.° do Código de Processo Penal.

É esta, essencialmente, a fundamentação do mencionado assento. As outras considerações do aresto ocupam-se da interpretação de vários preceitos de direito positivo, com o fim de demonstrar que esses preceitos não depõem contra informatio in pejua no processo penal.

O assento foi tirado por onze votos contra quatro, figurando entre os quatro vencidos o conselheiro Cruz Alvura - depois presidente do Supremo Tribunal de Justiça -, que expôs largamente as razões do seu voto discordante.

2. O simples facto de a reformatio in pejus ter tradicionalmente um carácter odioso, remontando a sua proibição na Europa ao início do último quartel do século XVIII, pelo menos, bastaria já para justificar que o legislador português vá agora - volvidos quase dezoito anos sobre o referido assento - ponderar a manutenção ou substituição do regime assim consagrado entre nós por via não legislativa.

Mas não é só uma tradição jurídica vigorosa que se opõe à reformatio in pejua no processo penal. Podem assinalar-se nas legislações europeias continentais tomadas de posição recentes contra tal instituto. Elas não se explicam só pelo respeito perante a tradição, antes constituem valorações conscientes de legisladores dos nossos dias, que reconhecem os mesmos pressupostos culturais a que adere o legislador português.

Assim é que em 12 de Setembro de 1950, poucos meses depois de acolhida entre nós pelo assento mencionado, a reformatio in pejus era abolida na Alemanha. Fora, aliás,

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a legislação nacional-socialista que a admitira, em 1935, ao arrepio do que dispunha o Código de Processo Penal alemão de 1877 (Strafprozessordnung). Produto de uma concepção do processo penal enfeudada à mundividência nacional-socialista, a reformatio in pejus voltou a ser proibida pela Lei de 12 de Setembro de 1950. Esta lei conferiu aos §§ 331, 358 e 372 da Strafprozessordnung a sua actual redacção, segundo a qual é expressamente proibido - tanto no recurso de apelação, como no recurso de revista, como na revisão - modificar a sentença recorrida em prejuízo do arguido, quanto à espécie e à medida da pena, desde que o recurso haja sido interposto somente pela defesa ou pelo Ministério Público a favor do arguido 3.

Em França, a refonnatio in pejus no processo penal foi considerada ilegal já num parecer do Conselho do Estado de 12 de Novembro de 1806. Desde então, sempre a jurisprudência penal francesa entendeu não ser de admitir a reformatio in pejus, quer em recurso de apelação, quer em recurso de revista, apesar de o referido parecer de 1806 ter apenas por objecto a apelação. Pois, apesar disto, o legislador francês entendeu dever tomar posição expressa contra a reformatio in pejus, em 1957, no artigo 515 do Code de Procédure Pénale, que se encontra em vigor desde 19594.

Em Itália, a última tomada de posição legislativa contra a reformatio in pejus no processo penal é também significativa, - embora date já de 1930 - ano a que remonta o Códice di Procedura Pénale actualmente em vigor. No período que antecedeu imediatamente a publicação deste código, a literatura penalista italiana - nitidamente influenciada pela ideia de um processo penal "autoritário" - era, na sua maior parte, favorável à admissão da reformatio in pejus1. O então ministro e insigne jurista Rocco, no seu relatório de 1929 sobre o projecto preliminar do novo código, atacou energicamente a proibição da reformatio in pejus, contida no artigo 480 do Códice di Procedura Pénale de 1913, propondo, consequentemente, que essa proibição fosse banida do código futuro. Mas o alarme social provocado pela anunciada introdução da reformatio in pejus foi tão grande que o próprio legislador entendeu d., ver arrepiar caminho, mantendo a proibição no artigo 515 do novo código 6 e 7.

3. Tudo isto justifica que o legislador português tome posição perante o seguinte problema: é de admitir que uma decisão sobre matéria criminal seja modificada pelo tribunal superior em prejuízo do arguido, quando o recurso tenha sido interposto apenas pela defesa, ou pelo Ministério Público a favor do arguido?

Cingindo-nos aos argumentos que se situam no plano do direito constituendo - o único em que se move o legislador -, a resposta à questão formulada terá de ser, forçosamente, negativa.

Na verdade, a admissibilidade da reformatio in pejus diminui consideravelmente as possibilidades reais da defesa no processo penal - perante as quais se curva, repetidas vezes, a plena realização do direito de punir do Estado -, comprometendo, em última análise, o fim de realização da justiça material, para que todo o procedimento criminal deve tender. O arguido que se conforma com uma sentença apenas por temer ver agravada a injustiça nela contida é um arguido que teve, formalmente, a faculdade de recorrer para os tribunais superiores, mas que não dispôs, substancialmente, do recurso como meio de evitar uma condenação injusta.

A isto já se tem objectado que o temor de que o tribunal superior profira condenação mais severa é um temor descabido naqueles arguidos que se sintam injustamente condenados na 1.ª instância. Só os réus que intimamente se sentissem "beneficiados" pela decisão da l.ª instância é que teriam motivo para temer a reformatio in pejus. Proibir a reformatio in pejus no processo penal seria, portanto, favorecer injustificadamente os criminosos.

Argumentar assim é esquecer a falibilidade da justiça humana. As decisões judiciais não são já acatadas por se acreditar que constituem sempre expressões perfeitas da justiça, como se julgava em estádios culturais mais remotos. Hoje em dia, as decisões dos tribunais obtêm o respeito dos cidadãos na medida em que estes vêem nelas tentativas absolutamente íntegras -mas, em todo o caso, falíveis - de realização da justiça. Não é, portanto, de estranhar que um arguido, mesmo "de boa consciência", tema ficar prejudicado com o recurso para tribunal superior, e tanto mais quanto é certo, no que à jurisprudência portuguesa se refere, que a modificação de sentenças recorridas em prejuízo do arguido, sobretudo na medida da pena, está longe de constituir algo de excepcional.

Acresce que a proibição da reformatio in pejus, a ser consagrada no actual sistema processual português, irá reintroduzir nesse sistema aquela harmonia que lhe retirou a admissão, em 1950, do odioso instituto, compaginando-se perfeitamente, por exemplo, com a faculdade, que a lei consagra no artigo 647.°, n.° 1.°, do Código de Processo Penal, de o Ministério Público interpor recurso de quaisquer decisões, mesmo no exclusivo interesse da defesa. Ora, esta disposição legal não se concilia com a reformatio in pejus, pois é chocante admitir que, proferida uma decisão condenatória, o Ministério Público - apesar da abstenção de recorrer, por parte do réu - interponha recurso no exclusivo interesse da defesa e venha depois o arguido a ser prejudicado pelo recurso do Ministério Público a seu favor. Só a proibição da reformatio in pejus confere inteiro sentido à legitimidade do Ministério Público para recorrer no exclusivo interesse da defesa.

II

Fundamentação na especialidade

4. A redacção que agora se propõe para o artigo 667.° do Código de Processo Penal tem por fontes principais as disposições que proíbem a reformatio in pejus nos direitos italiano 8, alemão 9 e francês 10.

Passamos a analisar, em face do texto proposto, os problemas fundamentais suscitados pela proibição da reformatio in pejus, que agora se pretende introduzir no direito português. Tais problemas são os seguintes:

A favor de quem é estabelecida a proibição?

Qual a matéria abrangida pela proibição?

Quando é que, excepcionalmente, se admite a reformatio in pejus?

5. A proibição dai reformatio in pejus, prevista no texto legal proposto, existirá "quando de uma sentença ou acórdão seja interposto recurso somente pela defesa ou pelo Ministério Público no exclusivo interesse da defesa". Quanto u proibição da reformatio in pejus na hipótese referida em último lugar, notaremos apenas que ela também é expressamente determinada no § 331 do Código de Processo Penal alemão 9 e está em perfeita correspondência com o disposto no artigo 647.°, n.° 1.°, in fine, do nosso Código de Processo Penal.

O texto legal proposto, além de limitar a proibição da reformatio in pejus aos casos em que recorre apenas a defesa ou o Ministério Público no exclusivo interesse dela, concretiza a proibição estabelecendo que "o tribunal não poderá modificar a decisão recorrida em prejuízo do ar-

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guido ou arguidos". Não veda, portanto, ao tribunal superior uma modificação da sentença recorrida em sentido contrário ao pretendido pela acusação, ainda que seja esta só a recorrer.

Esta "unilateralidade" da proibição da reformatio in pejus corresponde à feição tradicional do instituto e justifica-se pelo fundamento em que ela se apoia. Na verdade, enquanto o temor de ver agravada a pena pode perfeitamente levar o arguida a não recorrer da sentença injusta que o condenou em pena leve, já a possibilidade da absolvição ou atenuação da responsabilidade pelo tribunal superior não será suficiente para levar o Ministério Público ou o assistente a não recorrer de uma decisão que reputem demasiado benévola.

Além disso, mal se compreenderia que o Estado proibisse aos tribunais superiores, na apreciação do recurso interposto só pela acusação, absolver um inocente injustamente condenado na 1.ª instância ou reduzir uma pena demasiado grave ao limite que reputem justo. O Estado, para assegurar reais possibilidades à defesa, deve tolerar que a gravidade da pena possa ser inferior àquela que o tribunal de recurso consideraria merecida pelo criminoso, e isso mesmo poderá acontecer, uma ou outra vez, por força do regime agora proposto. Mas o Estado não poderia - a não ser negando-se como Estado de direito - estabelecer um regime que impusesse aos tribunais superiores o dever de condenar quem lhe pareça inocente ou de punir para além daquilo que reputem legal, sempre que o recurso for interposto exclusivamente pela acusação.

Por isto é que nos direitos italiano8, alemão9 e francês10 a proibição da reformatio in pejus apresenta também o carácter unilateral que lhe é assinalado no texto proposto, funcionando exclusivamente em benefício da defesa.

Para concluir as observações respeitantes à questão de saber a favor de quem funciona a proibição da reformatio in pejus resta apenas acentuar o seguinte:

O texto legal proposto proíbe a modificação da sentença recorrida "em prejuízo do arguido ou arguidos". Havendo, portanto, vários arguidos e recorrendo só um deles - sem que haja recurso, quer do Ministério Público, quer dos assistentes -, todos os co-réus beneficiarão da proibição da reformatio in pejus. O tribunal conhecerá do recurso quanto a todos eles (artigo 663.º do Código de Processo Penal), mas a decisão do recurso não poderá deixar nenhum em pior situação do que a fixada pela decisão recorrida.

Na verdade, não se compreenderia que a proibição da reformatio in pejus funcionasse só em benefício do arguido recorrente; o tribunal superior poderia então agravar a pena quanto aos arguidos não recorrentes e estaria inibido de o fazer quanto ao réu que recorreu. Por outro lado, a proibição da reformatio in pejus quanto a todos os arguidos em nada colide com o efeito extensivo do recurso estabelecido no artigo 663.°

Deste modo: se foi só a defesa a recorrer, o tribunal conhecerá do recurso quanto a todos os réus, por força do artigo 663.°; mas o artigo 667.° - na redacção que se pretende introduzir-lhe - proibirá que se venha a agravar a situação de qualquer dos arguidos, recorrente ou não recorrente. Se desejar evitar esta limitação imposta ao tribunal de recurso, a acusação terá apenas de recorrer também - pelo menos através de recurso subordinado (veja-se o n.° 1.° do § único, na redacção proposta para o artigo 667.°) - da decisão impugnada por qualquer dos co-arguidos.

6. O texto legal proposto veda ao tribunal de recurso, quando se verifique o condicionalismo exigido para a proibição da reformatio in pejus, literalmente o seguinte: "modificar a decisão recorrida em prejuízo do arguido ou arguidos, quer aplicando pena mais grave, pela espécie ou pela medida, quer revogando o benefício da suspensão da execução da pena ou o da substituição de uma pena por outra menos grave".

Escolheu-se assim o método da enumeração taxativa para delimitar a matéria relativamente à qual valerá a proibição da reformatio in pejus. Entendeu-se que a enumeração taxativa - desde que devidamente ponderada, como se tentou - oferece neste campo reais vantagens. A adopção de uma cláusula geral, necessariamente vaga, como é, por exemplo, a adoptada pelo legislador francês no artigo 515 do C ode de Procédure Pénale - "Ia cour ne peut, sur lê seul appel du prévenu [...], aggraver lê sort de 1'appellant" -, teria o inconveniente sério de deixar subsistir dúvidas quanto ao âmbito da proibição. Pense-se, por exemplo, em penas como as previstas no artigo 175.° do Código Penal (penas acessórias), que devem ser decretadas logo na l.ª instância, desde que tenha lugar a condenação por determinados crimes: poderá - e deverá - o tribunal superior, mesmo em recurso interposto somente pela defesa, aplicar tais penas acessórias quando o tribunal de 1.ª instância, ilegalmente, tenha omitido essa aplicação?

Uma enumeração taxativa encerra sobretudo o perigo, comummente reconhecido, de poder ser incompleta. Importa, por isso, fazer algumas observações, não só acerca do conteúdo da enumeração feita no texto legal proposto, mas também acerca de certas matérias que foram propositadamente excluídas da tal enumeração.

Proíbem-se, ao que se supõe, todas aquelas alterações da sentença recorrida que poderão ser razoavelmente "temidas" pelo arguido recorrente: a aplicação de pena de espécie mais grave que a da decisão recorrida, segundo a escala penal; a aplicação de pena da mesma espécie, mas em medida superior à da decisão recorrida; a revogação do benefício da condenação condicional (artigos 88.° e 89.° do Código Penal); e, finalmente, a revogação do benefício, que consiste em substituir uma pena, no momento da sua aplicação, por outra pena menos grave (cf. os artigos 86.° e 94.° do Código Penal).

Não se abrangem no âmbito da proibição da reformatio in pejus os chamados "efeitos penais das penas" (cf. os artigos 76.º e seguintes do Código Penal), uma vez que estes acrescem necessariamente à pena respectiva aplicada na l.ª instância, sem necessidade de serem referidos na sentença condenatória. Não faria sentido proibir o tribunal superior de referir esses efeitos ao decidir o recurso.

Também não se incluem na proibição da reformatio in pejus os efeitos não penais das penas (artigo 75.° do Código Penal), precisamente pela sua natureza não penal e ainda porque esses efeitos, na sua grande maioria, também se verificam automaticamente, quer sejam, quer não sejam mencionados na decisão condenatória. Isto só não vale quanto à obrigação de indemnizar o ofendido, hoje regulada no artigo 34.° do Código de Processo Penal. Mas quanto a esta obrigação, cuja natureza (penal ou civil) é discutida na literatura jurídica portuguesa, não se afigura necessário nem conveniente que o legislador a tenha em vista ao estabelecer a proibição da reformatio in pejus.

Igualmente ficam excluídas da proibição da reformatio in pejus as chamadas "penas acessórias" (cf. o artigo 175.° do Código Penal), que devem ser decretadas quando tenha lugar a condenação por certos crimes. Ë certo que as penas acessórias, ao contrário do que acontece com os efeitos penais das penas, têm de ser referidas na sentença condenatória para que o condenado as cumpra 11. Mas se o

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tribunal de l.ª instância, ilegalmente, omitiu a aplicação dessas penas, entende-se que não se deve coarctar ao tribunal de recurso a possibilidade de impor o cumprimento da lei. O sentido da proibição da reformatio in pejus não é permitir que se violem as regras sobre a medida legal da pana, mas sim garantir ao arguido recorrente que não será prejudicado pela diferença de critérios entre os vários tribunais quanto a concretização da medida judicial da pena 12.

Também ficam excluídas do âmbito da .proibição estabelecida no texto legal proposto quaisquer formas de reacção jurídico-criminal distintas das penas, nomeadamente as medidas de segurança. Essa exclusão deve-se ao entendimento de que, quanto a essas formas de reacção jurídico-criminal - ou, pelo menos, quanto a algumas delas -, podem intervir factores distintos de todos os que analisámos, a desaconselhar a proibição da reformatio in pejus. Pelo menos quanto às medidas de segurança com o fim predominante de cura não parece acertado proibir a reformatio in pejus. Isso mesmo reconheceu o legislador alemão, que, estendendo a proibição às medidas de segurança, exclui do seu âmbito o internamento em estabelecimento para alienados ou para intoxicados 12.

A solução adoptada, no sentido de admitir a reformatio in pejus quanto às medidas de segurança em geral, é também a acolhida em Itália, no entendimento da doutrina aí dominante 14. Na escolha dessa solução, no caso presente, intervieram as considerações de que não é tão premente proibir a reformatio in pejus quanto à aplicação de medidas de segurança como o é quanto à aplicação de penas e que, por outro lado, a proibição da reformatio in pejus quanto às medidas de segurança exigiria um estudo longo, que implicaria muito provavelmente uma grande demora em instituir o novo regime. Mais curial parece que o legislador proíba agora a reformatio in pejus em matéria de aplicação de penas - onde tal proibição se impõe com clareza e urgência - e reserve para a reforma geral do processo penal português o estudo da questão quanto as medidas de segurança.

7. O § único do artigo 667.°, na redacção a introduzir pelo texto legal proposto, indica os casos em que não tem1 lugar a proibição da reformatio in pcjus.

Permite-se no n.° 1.° a reformatio m pcjus quando o tribunal que aprecia o recuiso "alterar o título da incriminação constante da decisão recorrida dentro dos limites estabelecidos nos artigos 447.° e 448.°".

A possibilidade de o tribunal, mesmo em recurso interposto só pela defesa, alterar o título da incriminação e decretar a pena correspondente à nova infracção, ainda que seja mais grave do que a da decisão recorrida, é expressamente determinada pelo legislador italiano' e pacificamente reconhecida pela doutrina e jurisprudência processual alemã11. Essa possibilidade justifica-se inteiramente. Na verdade, a proibição da reformatio in pejus não deve ir até ao ponto de impedir que o tribunal superior corrija uma incriminação defeituosa efectuada na 1.ª instância. A proibição da reformatio in pejus só tem sentido enquanto garante ao arguido recorrente que o tribunal superior, dentro dos mesmos limites legais, não será mais severo do que foi o tribunal de 1.* instância. Ë essa, aliás, a feição tradicional do instituto.

Acresce que o direito vigente estabelece no artigo 667.° do Código de Processo Penal (redacção actual) que o tribunal de recurso "poderá alterar a incriminação nos termos dos artigos 447.° e 448.°". Se a proibição da reformatio in pejus fosse até ao ponto de cercear os poderes de convolação do tribunal de recurso, estar-se-ia portanto a alterar num ponto importante a feição do sistema processual em vigor - coisa que não se pretendeu com o projecto agora apresentado.

O mesmo desejo de não alterar a feição do sistema processual penal português levou a afastar da proibição da reformatio in pejus a sentença proferida no juízo de revisão (n.° 2.° do § único do artigo 667.°, na redacção proposta). Respeita-se assim o preceito do artigo 691.° do Código de Processo Penal e, com ele, a fisionomia específica do recurso extraordinário de revisão16.

O n.° 3.° do § único do artigo 667.°, na redacção que se pretende introduzir-lhe, limita-se a deixar bem claro que o regime geral dos recursos subordinados é inteiramente aplicável a esta matéria, de tal modo que, interposto recurso subordinado pela acusação, tudo se passa como se a mesma acusação tivesse recorrido da decisão antes da defesa. Não existirá então a proibição da reformatio in pejus.

E este também, nas suas linhas gerais, o regime expressamente consagrado no preceito do Códice di Proce-dura Penale que se refere à reformatio in pejus*.

8. Feitas estas observações sobre a proibição da reformatio in pejus e os seus limites, tal como se definem na formulação legal proposta para o artigo 667.° do Código de Processo Penal, importa ainda, a propósito da substituição desta disposição, acentuar o seguinte:

O artigo 667.°, na sua actual redacção, estabelece que "quando um tribunal dê provimento ao recurso interposto de um despacho de pronúncia ou equivalente ou de uma sentença ou acórdão final poderá alterar a incriminação nos termos dos artigos 447.° e 448.°". Indica-se, portanto, expressamente, que o tribunal de recurso dispõe dos mesmos poderes de convolação de que goza o tribunal de l.ª instância.

A nova redacção proposta para o artigo 667.°, embora não tenha por objecto os poderes de convolação do tribunal de recurso, mas sim a proibição da reformatio in pejus, deixa bem claro que aquele tribunal goza dos poderes atribuídos ao tribunal de 1.* instância pêlos artigos 447.° e 448.° do Código de Processo Penal. Com efeito, o n.° 1.° do § único do artigo 667.°, na formulação aqui apresentada, determina que a reformatio in pejus será permitida "quando o tribunal alterar .o título da incriminação constante da decisão recorrida dentro dos limites estabelecidos nos artigos 447.° e 448.°".

No entanto, como o problema da permissão ou proibição da reformatio in pejus só se coloca a propósito da decisão final, poderia pensar-se que a nova redacção proposta para o artigo. 667.° vai afastar os poderes da convolação que a redacção actual atribui ao tribunal superior em recurso do "despacho de pronúncia ou equivalente".

Este receio, porém, é infundado. Os poderes de convolação do tribunal superior, ao conhecer do recurso interposto do despacho de pronúncia, nunca podem ser menos latos do que aqueles que lhe cabem em recurso da decisão final. A doutrina e a jurisprudência não poderão duvidar seriamente de que o tribunal superior - num momento em que o despacho de pronúncia ainda não transitou em julgado - pode alterar a qualificação jurídica dos factos nos- mesmos termos em que lhe é possível fazê-lo quando conheça do recurso da decisão final. O argumento da maioria de razão impõe-se aqui com grande clareza.

Acresce que a actual redacção do artigo 667.°, ao atribuir ao tribunal que conhece do recurso interposto do despacho de pronúncia os poderes de convolação definidos nos artigos 447.° e 448.°, está longe de merecer aplauso. Os artigos 447.° e 448.°, efectivamente, têm em vista os poderes de convolação da 1.ª instância no momento em

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que vai ser proferida a decisão final e, por isso, não podem aplicar-se inteiramente ao tribunal que decide o recurso do despacho de pronúncia, o qual tem lugar em momento anterior do procedimento.

Usando da faculdade conferida pelo artigo 97.º da Constituição Política e nos termos das disposições regimentais aplicáveis, é feita entrega na Mesa da Assembleia Nacional do seguinte projecto de lei:

Artigo único. A disposição do artigo 667.° do Código de Processo Penal passa a ter a redacção seguinte:

Art. 667.° Quando de uma sentença ou acórdão seja interposto recurso somente pela defesa ou pelo Ministério Público no exclusivo interesse da defesa, o tribunal não poderá modificar a decisão recorrida em prejuízo do arguido ou arguidos, quer aplicando pena mais grave, pela espécie ou pela medida, quer revogando o benefício da suspensão da execução da pena ou o da substituição de uma pena mais grave por outra menos grave.

§ único. O disposto neste artigo não é aplicável:

1.° Quando o tribunal alterar o título da incriminação constante da decisão recorrida dentro dos limites estabelecidos nos artigos 447.° e 448.°:

2.° Quando, em recurso extraordinário de revisão, a decisão final revista tiver sido condenatória e a proferida no juízo de revisão também o deva ser, nos termos do artigo 691.°;

3.° Quando a acusação tenha interposto recurso subordinado.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 5 de Março de 1968. - Os Deputados: Júlio Alberto da Costa Evangelista - Manuel Collares Pereira - Tito de Castelo Branco Arantes.

1 Publicado no Diário do Governo, l.ª série, de 13 de Maio de 1950.

2 Cf. Leyser, Meditationes at Pandecias, Frankenthal, 1780, med. 7 (cit. em Delitala, "II devieto delia reformatio in pejus nel processo penale", 1927, p. 196).

3 A proibição da reformatio in pejus na Alemanha era já prevista nos vários projectos - três, ao todo - que precederam o Código .de Processo Penal de 1877 (cf., sobre esta matéria, Loewe-Eosenberg, Die ÍUrafprozesnordnung vnd da" Gerichtsverfanungs-gesets mit Nebengesctzcn- Grosskommentnr, 21. Auflage, I, 1963, pp. 1276 e segs., e Eberhard Schmidt, Lehrkommeiitar ZUT Strafprozessordnung, II, 1957, pp. 947 e segs.

4 Cf. Bouzat-Pinatel, Traitó de Droit Penal et de Criminologia, n, 1963, pp. 1137 e segs., e Stefaui-Levasseur, Proeédure Penale, 1964, pp. 471 e segs.. 483 e 493.

5 Bem significativa, a este respeito, é a monografia de Delitala, "II divieto delia reformatio in pejus nel processo penale", publicada em 1927.

6 Cf. Del Pozzo, L'appcllo nel processo penale, 1957, pp. 218 e segs.

Del Pozzp, autor tanto mais insuspeito quanto é, ele mesmo, um partidário da reformatio in pejus, escreve a p. 219 desta obra:

II puardasigilli Eocco aveva ritenuto di accogliere, nel progetto preliminare, i votti delia maggioranza delia dottrina e di larghi voti dei pratici sopprimendo il divieto delia riforma in peggio, centro il quale aveva scrittp una vera requisitória, ma lê critiche e lê preoccupazioni mosse da varie parti e'diversamente mo ti vate, dalle quali traspariva Ia preoccupazioni delle gravi responsabilità incombenti sulla difesa e in genere sull'imputato, con il reischio delia riforma in peggio, consigliarono lê soluzione diametralmente oposta, e il ripristino dei divieto di reformatio in pejus.

7 Cf., sobre a proibição da ré formado in pejus no actual Código de Processo Penal italiano: Frosali, Sistema penale italiano, iv, 1938, pp. 36, 412 e segs. e 499 e segs., e Leone, Isüiuzioni di Diritto Processuais Penale, n, 1965, pp. 299 e sege.

8 Artigo 515 do Códice di Procedura Penale de 1930:

L'appello tanto dei pubblico ministero quanto dell'impu-tato attribuisce ai giudice superiore Ia cognizione dei procedimento limitatamcnte ai punti delia decisione ai quali si riferiscono i motivi proposti. Entro questi limiti, quando appellante è il pubblico ministero:

1) Se l'appello riguarda una sentenza di condanua, il giudice può entro i limiti delia competenza dei " giudice di primo grado dare ai reato una diversa definizione anche piü grave, mutare Ia specie o aumentare Ia quantita delia pena, revocare bene-fici e applicare quando ocorre lê misure di si-curezza e ogni altro provvedmiÊnto imposto o consentito dália legge;

2) Se l'appello riguarda una sentenza di proscioglimento. il giudice pronunciando condanna può applicare insieme con Ia pena gli provvedimenti mentionati nel n. 1;

3) Se l'appello riguarda una sentenza di condanna ovvero una sentenza di proscioglimento, il giudice che Ia conferma può applicare, modificare o escludere, nei casi determinati dália legge, lê misure di sicurezza.

Quando appellante è il solo imputai", il giudice uon può infligçere una pena piü grave per specie o qunntitu, ne revocare bencfici. salva In facoltii, entro i limiti indicati nella prima parte di questo articolo, di dare ai reato una diversa definizione anche piü grave, purchè non venga superata Ia competenza dei giudice di primo grado.

Quando 1'appello è stnto proposto dal solo im-

Sutato, il pubblico ministero presso il giudice 'appello, entro otto giorni da quello in cui ri-ccvè Ia comunicazione preseritta nell'art. 517, può presentare dicbiarazione di appello inciden-talo nella cancelleria dei giudice predetto. Con Ia dichiarazione devono esserc presentati i motivi a pena di decadenza. L'appello incidoutale dei pubblico ministero produce gli effetti prevê-duti dal 1° capoverso e mantiene efficacia nonus-tante Ia successiva rinuncia dell'imputato alia própria impugnazione. L'appello incidentais dei pubblico ministero non produce effetto ín confronto dei coimputato non appellante che non ha partecipato ai giudizio d'appello.

9 § 331 da Strafprozessordnung de 1877 (redacção introduzida pela Lei de 12 de Setembro de 1950) :

(1) Das Urteil darf in Art und Hõhe der Strafe nicht zum Nachteil dês Angeklagten geïindort werden, wenn ledi-glich der Angeklagte, zu seinen Gunsten die Staatsamvalt-schaft oder sein gesetzlicher Vertrcter Borufung eingelcgt hat.

(2) Diese Vorschrift steht der Anordnung der Unterbring-ung in einer Heil - oder Pflegeanstalt. einer Trinkerheil-anstalt oder einer Entziuhunysanstalt nicht entgegen.

Tradução

(1) Quando tenha apelado somente o arguido, o seu representante legal ou o Ministério Público em favor dele, a sentença não pode ser alterada, em prejuízo do arguido, quanto à espécie e a quantidade da pena.

(2) Esta disposição não obsta a que se ordene o internamento em estabelecimento para alienados ou para intoxicados.

10 Artigo 515 do Code de Proeédure Penale de 1957:

La cour peut, sur l'appel du ministère public, soit confir-mer lê jugement, soit 1'infirmer en tout ou en partie dans uu sens favorable, ou défavorable au prévenu.

La cour ne peut, sur lê seul appcl du prévenu ou du oivilement respousable, aggraver lê sort de 1'appolant.

Elle ne peut, sur lê seul appel de Ia partie civile, modi-fier lê jugement dans un sens défavorable à celle-ci.

La partie civile ne peut, en cause d'appel, former aucune demande nouvelle; toutcfois, elle peut demander une aug-mentation dês dommages-intérêts pour lê préjudice souffert depuis Ia décision de première instance.

11 Cf. Prof. Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal, II, 1961, pp. 181 e segs.

12 Cf. Eberhard Schmidt, ob. cit., p. 948.

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2474-(6) Diário das sessões Nº143

11 Veja-se o § 331, (2), da Strafprozossordnuug, transcrito c traduzido na nota 9, supra.

Note-se que o § 331, (1), só proíbe que se prejudique o arguido "quanto à espécie e a quantidade da pena". Mas a doutrina tem interpretado o termo "peca", aí contido, em sentido não técnico, de modo a abranger quaisquer formas de reacção jurídico - criminal. Essa interpretação apoia-se num argumento a contrario extraído de § 331, (2), no qual a lei vem admitir a reformatio in pejus quanto a certas medidas que, obviamente, não são "penas" em sentido verdadeiro e próprio (cf., sobre tudo isto, Eberhard Schmidt, ob. cit., p. 952).

14 Cf. Frosali, ob. cif., pp. 412 c segs.

15 Cf. Eberhard Schmidt, ob. cit., p. 948.

16 No direito alemão, no entanto, a decisão final proferida no juízo de revisão também está sujeita à proibição da reformatio in pejus: o § 372, (2), da Strafprozessordnung reproduz literalmente, quanto a essa decisão, os comandos do $ 331, (1) e (2), transcritos e traduzidos na nota 9. supra.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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