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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 146
ANO DE 1968 9 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.° 146, EM 8 DE MARÇO
Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Ex.mos Srs.
Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberto a sessão às 11 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-te conta do expediente.
O Sr. Deputado Dias das Neves requereu diversos elementos referentes ao ensino secundário, a fornecer pelo Ministério da Educação Nacional.
O Sr. Deputado Virgílio Cruz requereu que, pelos Ministérios da Economia e das Obras Públicas, lhe fossem fornecidos vários elementos relativos a melhoramentos rurais.
O Sr. Deputado José Alberto de Carvalho apresentou, em seu nome e no do Sr. Deputado Elísio Pimenta, uma nota de aviso prévio sobre defesa da língua portuguesa.
A Sra. Deputada D. Maria Ester de Lemos assinalou a passagem do centenário do nascimento de Camilo Pessanha, acentuando a necessidade de se fazerem edições críticas completas das obras dos escritores clássicos portugueses.
O Sr. Deputado Sousa Magalhães analisou algumas ias principais implicações do problema da emigração nos Açores.
O Sr. Deputado Aníbal Correia enalteceu a política seguida pelo Ministério da Educação Nacional na construção de residências e colégios para estudantes universitários.
O Sr. Deputado Elmano Alves referiu-se ao 5.º centenário do nascimento de Pedro Álvares Cabral, sugerindo a construção de um monumento a memória do rei D. Manuel I, como grande impulsionador dos descobrimentos portugueses na era de Quinhentos.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sobre as contas gerais do Estado (metrópole e ultramar) e as contas da Junta do Crédito Público relativas ao ano de 1966.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Bocha Calhorda, Tito Livio Feijóo e Henriques Mouta.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 13 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada. Eram 11 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
André Francisco Navarro.
André da Silva Campos Neves.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Furtado dos Santos.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
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D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Horácio Brás da Silva.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras c Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pais Ribeiro.
José Pinheiro da Silva.
José Bucha Calhorda.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Ester Guerne Garcia do Lemos.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Puros Claro.
Sebastião Garcia Rannirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 72 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 11 horas o 15 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
De Joaquim António Fernandes Costa & Filhos, L.da, e outras firmas do aplauso a intervenção do Sr. Deputado Cortes Simões no debate sobro as contas gerais do Estado.
De Francisco José da Silva e da Sociedade Estrela Moitense de apoio à intervenção do Sr. Deputado Elinano Alves sobre a ligação ferroviária da Ponte Salazar à Moitense e Alhos Vedros.
Vários de regozijo pela intervenção do Sr. Deputado Sousa Magalhães acerca dos transportes colectivos de Alfena (Valongo).
O Sr. Presidente: -Tem a. palavra paru um requerimento o Sr. Deputado Dias das Neves.
O Sr. Dias das Neves: -Sr. Presidente: Pedi a palavra para apresentar o seguinte
Requerimento
Requero, ao abrigo do Regimento e com vista a uma próxima intervenção, que, pelo Ministério da Educação Nacional, e em relação a cada uma das secções dos liceus e das escolas técnicas em funcionamento, me sejam fornecidos os seguintes elementos:
a) Data da criação;
b) Data da entrada em funcionamento;
c) Evolução da frequência total, por cursos e por ciclos, desde a entrada em funcionamento até ao presente ano lectivo; á) Quadro de pessoal docente e das vagas que não foram preenchidas;
d) Quadro próprio de pessoal administrativo e menor e das vagas que não foram preenchidas;
e) Montante anual das despesas com arrendamentos e adaptação de instalações a cargo daquele Ministério.
O Sr. Virgílio Cruz: -Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para Mesa o seguinte
Requerimento
Nus termos regimentais, requero que, pêlos Ministérios da Economia e das Obras Públicas, ma sujam indicados os investimentos, comparticipações, empréstimos e subsídios concedidos entre l de Janeiro de 1960 e 81 de Dezembro de 1967, discriminados por distritos e pelas rubricas seguintes:
a) Electrificação rural;
d) Abastecimento de água dos populações rurais;
c) Estradas e caminhos municipais;
d) Pequenos e médios regadios;
e) Grandes aproveitamentos hidroagricolas;
f) Correcção torrencial;
g) Defesa do solo contra a erosão e regularização de cursos de água.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para apresentar uma nota de aviso prévio o Sr. Deputado José Alberto de Carvalho.
O Sr. José Alberto de Carvalho: - Sr. Presidente: O Sr. Deputado Elísio Pimenta e eu pretendemos tratar a problemática da crise que se vem criando em relação à conservação da pureza da língua portuguesa, em aviso prévio que designaremos por "Defesa da língua portuguesa".
Na verdade, se nos debruçarmos atentamente sobre o problema, fácil ó verificar que em muitos sectores da vida nacional, até mesmo no do ensino, se vem dando pouca atenção à conservação do vernáculo, permitindo-se, numa
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Atitude que parece querer definir uma época, um desregramento (da linguagem) que faz prever uma despersonalização da linguagem tendente à perda do seu direito de cidadania.
Um povo liga-se pela linguagem, sendo através dela que estabelece a transmissão dos seus costumes, dos seus pensamentos e até mesmo dos seus sentimentos, na medida em que souber dar expressão ao falar. O Dr. Mário Gonçalves Viana, num dos seus trabalhos, reconhece-lho mesmo valor social o principalmente valor psicológico, pedagógico e ético. Povos que não puderam encontrar uma linguagem comum não conseguiram estabelecer dentro da nação o clima de unidade que evitaria as desavenças em que sempre se têm encontrado envolvidos.
Julga-se hoje mais vantajoso conhecer um ou dois idiomas estrangeiros do que a língua materna, que, por se falar desde a infância, se pensa dominar suficientemente. E assim vulgar encontrarem-se pessoas, nas diversas camadas sociais, que, ignorando o significado das palavras, se exprimem mal e empregam vocábulos impróprios e monossílabos que não ajudam a transmissão dos seus pensamentos e os tornam incompreensíveis para o comum dos seus semelhantes. A linguagem e a escrita dos estudantes são confusas e inexpressivas, sendo certo poder afirmar-se que muitos têm dificuldade em escrever correctamente e em termos de se fazerem compreender. A informação falada e escrita, em lugar de contribuir para- a correcção desta tendência, adopta o sistema, sendo vulgar lermos c ouvirmos expressões que ferem fundamentalmente os regras da linguagem.
Por toda a parte anúncios e cartazes indicativos e de informação, tabuletas ou dizeres expressam-se em idioma estrangeiro ou exibem erros de ortografia e de sintaxe, tudo com o beneplácito de quem tem o dever de corrigir e emendar: até mesmo as publicações dimanadas dos organismos do Estado são exemplos dessa- indisciplina.
O conhecimento da Língua, deve ser o primeiro e o mais eminente de todos os conhecimentos, pelo que há que velar pela sua pureza. Para isso é indispensável estudar como deve ser dado cumprimento às, recomendações contidas no Decreto n.° 35 228, de 8 de Dezembro de 1945, que aprovou as bases do Acordo Luso-Brasileiro para a Unidade Ortográfica da Língua Portuguesa, no sentido de as tornar efectivamente eficientes, de maneira a impedir a deterioração da língua pátria e o empobrecimento linguístico.
Mais especificadamente propomo-nos:
a) Estudar uma acção destinada a proibir a minus-culizacão, por ser contrária às regras ortográficas estabelecidas- na lei;
b) Rever o uso das formas de expressão falada e escrita da responsabilidade dos organismos públicos, tendo em vista a sua correcção e uniformização;
c) Tornar obrigatória a versão para português das línguas estrangeiras faladas nos filmes;
d) Sugerir o lançamento de uma campanha de aperfeiçoamento do vernáculo, através dos órgãos de informação e dos serviços do Estado, utilizando todos os meios de que se dispõe. Procurar-se-á ainda analisar u posição da língua materna nos planos de estudos dos cursos secundário e médio e a sua incidência sobre a formação da juventude.
A Sr.ª D. Maria Ester de Lemos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao pedir a palavra para evocar o centenário de Camilo Pessanha, moveu-me, naturalmente, o empenho de prestar nesta Assembleia, à qual incumbe o dever de zelar pela conservação e exaltação dos autênticos valores nacionais, homenagem a um dos vultos mais eminentes da literatura portuguesa de- todos os tempos.
Parece, com efeito, que não estaria certo deixarmos passar em silêncio -nós que representamos o melhor que podemos e sabemos os interesses não só materiais, mas também espirituais da Nação - os três centenários que durante este ano se comemoram.
Sentiu-o, antes de mim, o Sr. Deputado Simeão Pinto de Mesquita, ao evocar, com a sua fina sensibilidade cultural, sempre vibrátil às coisas portuguesas, os outros doiji homenageados deste ano, António Nobre e Raul Brandão.
Camilo Pessanha - de cuja poesia me ocupei nos anos de juventude, com o entusiasmo ainda intacto dos encontros que nos deslumbrara- é, no entanto, um caso tão puramente literário, ou para melhor dizer, tão exclusivamente artístico, que abordá-lo numa assembleia política chegou a parecer-me quase descabido.
Não podemos, com efeito, procurar na obra ou na vida de Camilo Pessanha nem a exaltação dos valores nacionais, nem a fidelidade num ideal político, ético ou cívico, nem sequer um som muito peculiarmente português; muito embora o poeta amasse de raiz a sua Pátria e estivesse, fatalmente, inserido e modelado na realidade de uma tradição lusíada, seria por certo necessário forcar tendenciosamente os factos para fazer dele um paradigma de portuguesismo ou um exemplo moral a apresentar às gerações mais novas.
Na verdade, Camilo Pessanha não é uma "vida", e uma "obra".
O seu perfil humano de abúlico e de nevrótico, de orgulhoso solitário e de torturado da efemeridade das coisas, desaparece e fica diluído em músico, em magia verbal, em dilacerante beleza, capciosa e embriagadora como o ópio.
E, no entanto, é justo e certo que o evoquemos com gratidão, mesmo nesta Câmara, cuja acção tem como sentido último o engrandecimento e a, consolidação de tudo quanto constitui a substância espiritual da Pátria.
Pessanha, seja,qual for o substrato humano da sua obra - destituída de- intenções ideológicas-, é um dos mais extraordinários poetas de língua portuguesa, mestre de ritmos, de climas o de achados verbais que as gerações seguintes não puderam nem poderão ignorar. Com ele, o verso português, tornado mais dúctil e mais discretamente musical, depurado de elementos prosaicos, liberto de lugares-comuns de escola e carregado de novas e mais profundas intuições do ser, adquire uma qualidade que, pondo-o em uníssono- com a sensibilidade poética europeia do 1.° quartel do século, ao mesmo tempo lhe confere uma intemporalidade e universalidade, uma ressonância de arte verdadeira capaz de colocar o seu autor entre os maiores poetas da sempre.
Fosse a língua portuguesa - e bem podia sê-lo, e virá porventura a alcançar essa vitória num futuro próximo, fosse a língua portuguesa uma língua de expansão universal, e nenhum homem culto de qualquer país poderia hoje ignorar o nome do que- foi não apenas o único verdadeiro poeta simbolista português, mas um dos maiores s-imbolistas de qualquer literatura.
Esta, a justificação da homenagem que entendemos dever prestar-lhe, em nome e por amor da grandeza de Portugal.
E ficaria por aqui se não me parecesse que à memória dos grandes escritores é devida alguma coisa mais do que palavras laudatórias, medalhas comemorativas c homenagens toponímicas.
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Decorreram cem anos sobre o nascimento de Camilo Pessanha, em Setembro de 1867. Decorreram quarenta e dois anos sobre a sua morte, ocorrida em Macau no ano de 1926.
Ninguém o esqueceu. Todos o exaltam. À sua obra - o pequeno livro da Clepsidra, publicado a primeira vez em 1920- foi já por várias vezes reeditada e, pela dedicação desinteressada e isolada de alguns estudiosos, acrescida de inéditos e variantes.
Mas a edição definitiva, completa e crítica da poesia de Camilo Pessanha continua ainda por fazer.
Em 1955 escrevia, a rematar um trabalho dedicado ao poeta, o Dr. Dias Miguel, um dos seus mais dedicados estudiosos e admiradores:
Aqui formulamos de novo o desejo de que em 1967, na celebração do 100.° aniversário do nascimento do poeta, se possa publicar a edição crítica definitiva, de que está urgentemente necessitado quem, pela sua presença viva em duas gerações dos nossos maiores líricos, tem uma importância particularmente significativa na história da poesia portuguesa.
Apesar da urgência, passaram mais de dez anos. Chegou o ano do centenário e os inéditos continuam inéditos e as variantes continuam dispersas por revistas e jornais esquecidos ou, quando muito, recolhidas em páginas de investigação de tiragem limitada, público restrito e difícil acesso.
Ora a sorte da poesia de Camilo Pessanha - sem dúvida lamentável só por si- é afinal uma fatalidade a que parecem condenados todos ou quase todos os textos fundamentais da nossa literatura.
A maior parte desses textos, com efeito, não possui uma edição, já não diremos diplomática ou crítica, mas uma edição decente, que nos permita lê-los sem esforço de fio a pavio, sem recorrer a manuscritos, que são tesouros quase intangíveis, ou a velhas impressões defeituosas e corrompidas, sempre raras, jazendo no pó dos "reservados" ou, pelo menos, arrumadas nas prateleiras das bibliotecas, donde, naturalmente, só saem para consulta in loco, sujeita a um horário parco e rígido, que mal se adapta às necessidades do longo estudo e comentário.
As crónicas de Fernão Lopes, que me dispenso de adjectivar, porque todos sabem que lugar ocupam na nossa historiografia e na nossa arte de escrever, aguardam ainda uma edição crítica e, mesmo nas edições vulgares, suo hoje quase impossíveis de adquirir.
Camões - até o indiscutível e monumental Camões - não mereceu até agora a elementar justiça de uma edição nacional, apurada e condigna, das suas obras completas. À escassos quatro anos do 4.° centenário da primeira edição de Os Lusíadas já não seria talvez cedo para se começar a pensar nisso . . .
Vozes: -Muito bem I
A Oradora: - Gil Vicente, cujo centenário celebrámos não há muito, é dos mais desprotegidos da sorte. A não ser na edição fac-similada da Copilaçam de 1562 ou em raros opúsculos soltos, os seus textos correm mal impressos e mal anotados.
A única edição hoje acessível e corrente de que dispõem para o teatro completo os seus admiradores - e há-os em número considerável, nacionais e estrangeiros, simples amadores de boa literatura ou profissionais da investigação literária - é uma edição incompleta, de texto mal fixado e mal revisto, paupérrima no comentário.
Falo dos grandes nomes, das glórias nacionais absolutas - mas que dizer da multidão de obras de mérito de outros autores, não menos importantes para o estudo das formas e do gosto literário, da língua e dos costumes?
Lamentável é dizê-lo. Na sua maioria, os que não jazem ainda em edições carcomidas e quase ilegíveis de século XVII ou XVIII devem-no à actividade e à devoção de investigadores estrangeiros.
O brasileiro Augusto Magne, para a prosa medieval; o francês Bévah, editor escrupuloso e erudito de algumas obras avulsas de Gil Vicente; o alemão Priebsch, que organizou a única edição moderna de Andrade Caminha; o espanhol Eugênio Asensio, que amorosamente preparou a edição crítica da Eufrosina, a única das comédias de Jorge Ferreira de Vasconcelos que viu a luz da publicidade reste século - são alguns desses estrangeiros que, para nossa vergonha, fizeram, por puro amor às letras, o que nós não soubemos fazer, nem por amor às letras nem por respeito à cultura a que teoricamente pertencemos e de que mais teoricamente ainda nos orgulhamos. Ainda há pouco me chegou a notícia de que está finalmente em preparação a edição crítica das obras de outro gigante da prosa portuguesa, o padre António Vieira: devemos agradecê-la, humilhados e contritos, ao esforço do Prof. Flash - outro alemão que vai, naturalmente, publicá-la na Alemanha.
E, já que estamos em maré de centenários, uma nota mais, pitoresca e dolorosa. Em 1966 completaram-se, num silêncio de- superior indiferença, trezentos anos sobre a morte de D. Francisco Manuel de Melo - um nome de projecção europeia que honra a cultura portuguesa seiscentista. Pois bem, que eu saiba, o único estudo dedicado com palavras de alto apreço ao autor de Apólogos Dialogais no seu centenário foi uma dissertação de licenciatura, do holandês Teensma.
Está por editar há mais de duzentos- anos a colectânea chamada Fénix Renascida, que é o mais importante documento da arte- poética do nosso século XVII e fonte copiosa de informações sobre os costumes, o gosto, as ideias morais, políticas e religiosas de então . . . E para exemplo basta.
O que se diz de edições poderia dizer-se de estudos críticos, ensaios de análise e interpretação, comentários, glossários e todas as obras que têm a função de esclarecer e aplanar o caminho aos leitores de textos clássicos. O panorama é desolador quando se pretende organizar a bibliografia crítica da maioria das obras dos autores portugueses.
E, no entanto, três Faculdades de Letras formam anualmente em Portugal algumas dezenas de virtuais investigadores literários.
O que impede então que os textos da nossa literatura apareçam e circulem em impressões limpas de erros, baseadas em fecundos cotejos, enriquecidas de comentários pertinentes e esclarecedores?
Não valeria talvez a pena levantar a questão se na sua origem estivesse uma incurável inaptidão dos Portugueses para os estudos literários, uma fatal negação ao trabalho aturado e sistemático pressuposto pela tarefa de editar ou explicar um texto clássico.
Mas, sabido que não faltam entre nós vocações para este género de actividades, deduz-se que a falha é de uma organização que fomente e apoie a realização cabal dessas vocações.
Em primeiro lugar, devemos reconhecê-lo, reeditar condignamente um autor clássico é empresa onerosa e pouco compensadora do ponto de vista comercial. Não pode levar-se a mal que as casas editoras, que, por mais dedicadas ao prestígio da cultura nacional, são, antes de tudo, empresas comerciais, não tomem sobre si o pesado encargo de organizar e executar um programa sistemático
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de boas edições críticas - publicações caras e sempre pouco vendáveis, destinadas, como são, a um público restrito.
Não ignoramos que o Estado não pode, nem deve., em muitos casos, sobrepor-se à actividade privada, concorrendo deslealmente com ela, de modo a sufocá-la . . . Mas onde essa actividade não pode ou não quer chegar tem de intervir o Estado, e com dobrada razão sempre que se trate de salvaguardar, prestigiar e divulgar o património cultural da Nação.
Vozes: - Muito bem l
A Oradora: - Nem outra origem têm, por exemplo, as edições nacionais que em toda a parte se fazem, a expensas dos Estados, daquelas obras que são monumentos inalienáveis e sagrados das literaturas pátrias. Dante, Shakespeare, Goethe, Cervantes. Camões, são monumentos nacionais, tanto como as velhas igrejas e castelos. E que diríamos de um Estado moderno que se desinteressasse da conservação, do restauro e até da valorização turística das suas obras de arte arquitectónica e que deixasse ao arbítrio de particulares mais ou menos aptos, mais ou menos conscientes, a tarefa de garantir a permanência e a grandeza desses testemunhos do passado?
Não faltam em Portugal as estruturas oficialmente competentes para o desempenho da missão a que aludimos - um Instituto de Alta Cultura, uma Academia das Ciências, Faculdades de Letras, institutos de língua e literatura funcionando (ou devendo funcionar) no seio dessas Faculdades.
Deles deve partir o impulso para uma obra que, infelizmente, se não constrói apenas com boas vontades, vocações decididas a obscuras devoções desinteressadas . . .
O primeiro passo para a realização desta tarefa consistiria em dotar e apetrechar convenientemente os institutos criados pela última reforma das Faculdades de Letras.
Todos nós, escolares de humanidades, vimos com alegria e esperança a abertura dessas instituições, que prometiam ser fecundo seminário de investigadores no domínio tão desprezado dos nossos interesses. Mas vão volvidos mais de dez anos sobre essa reforma e essa inovação. E pelo menos os Institutos da Faculdade de Letras de Lisboa afectos ao sector literário - e são os que conheço bem -, o Instituto de Filologia Portuguesa, o de Estudos Italianos, o de Estudos Franceses, o de Estudos Espanhóis, o de Estudos Brasileiros, ou não têm vida própria, reduzidos a paredes nuas, a estantes desertas, a ficheiros sem fichas, ou funcionam, os das culturas estrangeiras, graças a munificência das instituições culturais dos países interessados em fomentar entre nós o estudo das respectivas línguas e literaturas. Criaram-se os institutos, mas não se lhes deu verba nem para um clips, nem para uma ficha, nem, muito menos, claro, para manter um funcionário que assegure a burocracia mínima indispensável. De maneira que há situações absurdas e anómalas - professores catedráticos a fazer escolha de livros e catalogação gratuita nos escassos ócios do ensino; alunos a quem se pede uma permanência voluntária que permita ter a porta aberta e assegurar aos outros estudantes a consulta dos livros oferecidos pelo Instituto Italiano de Cultura em Portugal, ou pelo Instituto Francês, ou pela Embaixada de Espanha, ou pela Fundação Gulbenkian, e arrumados em estantes que ninguém é obrigado a limpar e registados em fichas que se compraram quase por subscrição . . .
E a possibilidade de intercâmbio de publicações, que é um dos aspectos mais fecundos e positivos de instituições deste género, morta & nascença pela ausência forçosa de revistas ou cadernos que, sendo órgãos dos institutos portugueses, deveriam assegurar a permuta com instituições congéneres estrangeiras . . .
Se esses institutos, nomeadamente o de Filologia Portuguesa, entrassem a funcionar regular e intensamente e se, como seria normal, dispusessem de uma verba que lhes permitisse empreender estudos e investigações conducentes a fixação de textos, ao seu comentário e à sua análise sistemática-teríamos, finalmente, construída uma infra-estrutura indispensável à obra que se impõe de aturado restauro e ampla divulgação da nossa literatura, ao mesmo tempo que veríamos criados verdadeiros seminários de investigação literária, donde sairiam já com experiência e orientação segura os obreiros dessa empresa. E, diga-se entre parênteses, iríamos assim ao encontro das aspirações do melhor de uma juventude académica sempre inquieta e ansiosa por experimentar as suas forças . . .
O segundo passo, e não menos decisivo, seria o de remunerar convenientemente a actividade do investigador literário, que assim deixaria de ser luxo dos ociosos de bom gosto ou paixão contrariada e tempestuosa que rouba o sono, e às vezes o pão, a quem, para ganhar a sua vida, tem de trabalhar em tudo menos naquilo para que nasceu fadado . . .
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Não ignoro que o III Plano de Fomento encara finalmente esta necessidade de remunerar o trabalho do investigador. Só faço votos para que a preocupação dominante do progresso técnico e da rentabilidade económica não venha obnubilar, na prática, a visão dos responsáveis; nem só de pão vive o homem, mas também do verbo . . . Ora os trabalhadores das letras são servidores do verbo, que mantêm acesa a chama de uma cultura - o ideal de espírito, de verdade e de beleza, sem o qual não valeria a pena viverem os homens, nem teriam as nações razão de subsistir.
Estimulado nas Faculdades de Letras o interesse e o amor pela investigação, remunerados condignamente os obreiros dela, só restaria ao Estado, ou sob a forma de comparticipações às editoras idóneas, ou directamente através dos seus órgãos competentes, traçar e realizar um amplo e seguro programa de edições que salvassem a nossa literatura do olvido, da poeira, das traças e da nociva acção de editores venais e comentadores ineptos.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Presidente: A memória de Camilo Pessanha que me perdoe se a propósito do seu centenário falei de coisas que não lhe dizem respeito.
Mas afinal é talvez a melhor homenagem que podemos prestar aos nossos poetas esta ingrata denúncia da indiferença que os insulta.
No princípio deste século, o Prof. Mendes dos Remédios lançava já um brado de alerta, verberando no prefácio da sua Historia da Literatura Portuguesa o abandono a que via votados os monumentos da nossa literatura. E afirmava que o Governo ou o Ministro capaz de chamar sobre si a missão de divulgar, restituídos à sua pureza, os nossos textos clássicos, teria bem-merecido da Pátria.
Cinquenta anos - depois não haverá ninguém que aceite o desafio?
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A oradora foi - muito cumprimentada.
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O Sr. Magalhães Sousa: - Sr. Presidente: Debrucei-me com alguma atenção, neste tempo mais próximo, sobre o problema du emigração nos Açores.
Não poderei, durante o período de tempo de que posso dispor para usar da palavra antes da ordem do dia, focar todos os aspectos da análise um tanto pormenorizada a que procedi. Mas, constituindo a emigração hoje um dia um dos mais, sérios problemas da vida da Nação e revestindo-se aquele fenómeno social de aspectos muito particulares no arquipélago dos Açores, deixarei aqui alguma coisa dita sobre o assunto na esperança do que assim esteja a contribuir, de forma modesta embora, para a solução dos problemas sociais da minha terra.
Julguei útil e necessário dizer nesta Câmara de algumas das implicações do problema da emigração nos Açores, pois há que tê-las cambem em conta na definição de uma política conjugada da migração interna e da emigração da população portuguesa. E há, talvez, que tomar providências especiais relativamente à população açoriana.
Aliás, não só o problema de distribuir e arrumar a população EU reveste de aspectos especiais nos Açores. Os particulares condicionalismos da vida insular reflectem-se em muitos outros: a pecuária, os transportes, a pesca, a energia, são outros tantos problemas com feição especial nos Açores e cujos aspectos específicos não só deverão ser tomados em consideração na procura e definição das soluções ao nível da metrópole, como, por vezes, terão de determinar soluções de excepção relativamente ao continente.
E não deve estranhar-se que se fale nesta Câmara em soluções de excepção para uma determinada parcela da metrópole. A experiência mostra que o Governo, quando as circunstâncias o impõem, tem adoptado soluções especiais pura as ilhas adjacentes, dentro, evidentemente, dos grandes princípios orientadores da política nacional. E até para que tais princípios estejam presentes na vida de toda a Nação.
Sr. Presidente: Ao editar o aviso prévio sobre o excesso demográfico português relacionado com o povoamento do ultramar e a emigração, aviso prévio que efectuara nesta Assembleia em Março de 1952, o Deputado Armando Cândido dedicou o seu trabalho "àqueles jornaleiros da ilha de S. Miguel que sofrem em silêncio a dor de não ter trabalho".
A situação do trabalhador rural de S. Miguel era então angustiosa: menos de 1ÜU dias de trabalho por ano por cada um dos 3000 assalariados. Passados que são dezasseis anos, a situação modificou-se pura melhor: as obras públicas e o surto de emigração que se vem verificando nos últimos anos foram os factores que fundamentalmente contribuíram para a melhoria verificada.
Mas o trabalhador rural de S. Miguel continua, apesar de tudo, a não angariar os meios necessários ao sustento da sua família, em regra numerosa. E na ilha do Santa Maria começa a faltar trabalho.
Foi pensando sobretudo nos jornaleiros das ilhas de Santa Maria e S. Miguel que eu decidi pedir a V. Ex.ª a- palavra.
Sr. Presidente: A emigração é fenómeno social ligado à história, dos Açores desde fins do século XVIII.
O Açoriano emigra, em geral, paru o continente americano: o Brasil fui o primeiro país que. o acolheu, depois os Estados Unidos o, ultimamente, o Canadá. Hoje é para estes últimos dois países que se dirigem, quase exclusivamente, as correntes emigratórias do arquipélago.
Mas o Açoriano não emigra por ganância, para fazer fortuna, mas para viver quando a terra não chega para todos.
Nunca voltou as costas ao trabalho duro de arrancar à sua terra a riqueza que ela pode dar. Emigram aqueles que n terra não comporta.
Os primeiros povoadores do arquipélago dedicaram os seus primeiros esforços à cultura do trigo, que constituiu a primeira riqueza fins Açores. Seguiu-se a cana-de-açúcar, n milho, o pastel e a laranja, que marcou na primeira metade do século XIX um período de prosperidade na economia açoriana. Veio depois o chá, o tabaco, o ananás, a espadana, a chicória e as culturas da batata doce e da beterraba, estimuladas estas últimas pelas indústrias locais do álcool e açúcar.
Com a aurora do século XX começaram a tomar forma os melhoramentos das pastagens e dos gados, constituindo hoje a pecuária, estimulada pela indústria de lacticínios, a maior fonte de riqueza do arquipélago.
Mas as indústrias locais não se ficam pulo álcool, açúcar c lacticínios. As indústrias das conservas de peixe, do tabaco, do chá, da torrefacção de chicória, de extracção de óleos de baleia e de vegetais, do sabão, do ágar-ágar, da curtimenta de pulos, da cerâmica, do linho, do papel e das rações são outras tantas iniciativas que revelam a. preocupação do Açoriano em criar a maior riqueza possível na sua terra.
O Açoriano não dorme. Nunca dormiu ao longo da sua já longa história. Nasceu para trabalhar e trabalha afincadamente na sua terra, mesmo quando isso lhe exige grandes sacrifícios. Só emigra quando na terra natal não consegue ganhar o pão de cada dia.
Começou não emigrar para o Brasil depois de - após a decadência da cultura do pastel - mais de um século de vida dura em economia da substância. Voltou-se para a América do Norte quando, em fins do século XIX, as pragas e a concorrência dos citrinos de- Valência e de Múrcia puseram termo ao período de prosperidade que a produção u a exportação de laranja proporcionaram. E continua a emigrar porque a população cresce assustadoramente c. não obstante a agricultura- tenha procurado novos rumos u a indústria apresente algum crescimento, não há lugar para todos. Continua a emigrar e por ora, pelo menos, precisa de continuar. Mas lá. chegaremos.
Sr. Presidente: No decurso do decénio de 1951-1960 emigraram dos Açores 28 165 pessoas, 23 896 das quais (cerca de 85 por cento) se destinaram à América do Norte: 11 907 partiram para os Estados Unidos e 11 989 para o Canadá. A América do Sul acolheu 3492 emigrantes, que só distribuíram pela Argentina, Brasil, Venezuela e Curaçau. Para as Bermudas saíram 66 açorianos, praticamente todos da ilha de S. Miguel. A corrente migratória para a Europa não teve qualquer significado: uma média de l emigrante por ano.
Em análise sumária podem distinguir-se três períodos, com características diferentes uns dos outros, no decénio considerado.
O primeiro, que abrange os três primeiros anos, de fraca emigração, orientada sobretudo para a América do Sul; no último ano deste período, porém (ano de 1953), a corrente emigratória para os Estados Unidos começou a tomar certo vulto e teve preponderância sobre a dirigida para .i América do Sul (598 emigrantes pura o primeiro país e 397 para o segundo).
Segue-se o período que vai de 1954 a 1958, caracterizado por um apreciável aumento da emigração relativamente no período anterior, com predominância da corrente para- o Canadá, seguida de perto pela que se dirigiu para os Estados Unidos; fez excepção o ano de 1955, durante o qual não se verificaram, praticamente, saídas para o
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Canadá, o que constituiu factor da estrangulamento do fluxo imigratório total; o ano de 1958 acusa um forte abrandamento da emigração para este último país, que, mesmo assim, recebeu mais emigrantes do que os Estados Unidos (937 para o primeiro e 739 para o segundo).
Finalmente, os dois últimos anos do decénio constituem um período caracterizado por forte emigração, dirigida quase exclusivamente para os Estados Unidos e Canadá, com predominância do primeiro. Só nestes dois anos saíram tantos emigrantes como nos oito anos anteriores.
Frequência emigratória nos Açores 1951-1960
(a) Média anual.
[Ver tabela na imagem]
Para o total das 28 165 saídas de emigrantes verificadas no decénio em análise contribuiu o distrito de Angra do Heroísmo com 3757 (12,6 por cento), o da Horta com 6524 (23,4 por cento) e o de Ponta Delgada com 17 884 (64 por cento).
A frequência emigratória média foi para o conjunto do arquipélago, de 8,87 emigrantes por 1000 habitantes por ano. Por distritos, foi de 4,35 no de Angra do Heroísmo, de 11,9 no da- Horta e de 10,2 no de Ponta Delgada. A baixa frequência do distrito de Angra fica a dever-se ao poder de atracção exercido pela base militar das Lajes, na ilha Terceira; o alto valor verificado no distrito da Horta, o de mais baixa densidade de população, vem decisivamente influenciado, como veremos de seguida, pelo grande surto emigratório que se seguiu à erupção dos Capelinhos, ocorrida na ilha do Faial entre fins de 1957 e meados de 1958.
O comportamento da frequência emigratória ao longo do período em analise revela grandes disparidades entre os fluxos emigratórios dos anos que o compõem. Verifica--se uma tendência crescente, com um mínimo de 2,03 no ano de 1952 e um máximo de 22,8 no último ano do decénio.
No distrito da Horta há a salientar a elevadíssima frequência emigratória verificada no ano de 1959, ano em que atingiu o valor de 65,1 emigrantes por 1000 habitantes (o mais elevado, a grande distância, dos valores registados nos distritos açorianos), em resultado das facilidades especiais concedidas aos habitantes do Faial e acordadas entre o nosso Governo e o dos Estados Unidos, por motivo da erupção dos Capelinhos, que afectou profundamente a economia e ns condições de vida daquela população.
O distrito de Angra do Heroísmo mantém fraca frequência emigratória n té ao ano de 1958. apresentando sensível incremento nos anos de 1959 e 1960, ano em que atingiu os 16.28 emigrantes por ]000 habitantes.
O distrito de Ponta Delgada acompanhou mais de perto a tendência geral do arquipélago, atingindo a sua frequência o valor máximo (22.88) no último ano do decénio, valor que naquele ano, porém, ainda foi ultrapassado no distrito da Horta.
Sr. Presidente: Enquanto se desenrolava o fenómeno emigratório dos Açores, cujo quadro no espaço de tempo compreendido entre os dois últimos censos populacionais acabamos de descrever a traços largos, a população residente açoriana continuava a crescer. Em 1960 aumentara de 3,17 por cento relativamente a 1950, o que elevou a densidade de população de 137,7 para 142,1 habitantes por quilómetro quadrado.
O distrito de Angra do Heroísmo foi o que acusou mais elevada percentagem de aumento populacional, que se situou ligeiramente acima dos 11 por cento. Para este valor contribuiu fundamentalmente o aumento verificado na ilha Terceira ( + 18.06 por cento), algum tanto atenuado pêlos decréscimos das populações das ilhas Graciosa e de S. Jorge, que foram, respectivamente, de -8,96 por cento e -3,08 por cento.
No distrito de Ponta Delgada a percentagem de aumento da população foi de 3,36 por cento, ligeiramente superior à verificada para o conjunto do arquipélago; a ilha de Santa Maria acusa um aumento de 12,26 por cento, enquanto a de S. Miguel um crescimento de apenas 2,72 por cento.
A população do distrito da Horta diminuiu de 9,93 por cento entre 1950 e 1960; em todas as ilhas que compõem o distrito se verificou decréscimo de população, mais acentuado nas ilhas do Faial e das Flores, onde as percentagens de variação foram, respectivamente, de - 15,30 por cento e -15,73 por cento. De entre as nove ilhas do arquipélago, portanto, três - Santa Maria. S. Miguel e Terceira - acusam aumento de população enquanto que as restantes seis acusam decréscimo. As mais elevadas percentagens de aumento dizem respeito às ilhas de Santa Maria e Terceira.
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E curioso deixar aqui registada a evolução da população destas duas ilhas nas últimas décadas:
[Ver tabela na imagem]
Se atentarmos em que foi nos primeiros anos do período de 1940 a 1950 que se instalaram nos Açores as bases militares de Santa Maria e das Lajes (a primeira das quais deu lugar, como se sabe, ao aeroporto internacional de Santa Maria), concluiremos da decisiva influência deste facto no aumento da população daquelas ilhas.
E para terminar este breve apontamento sobre o crescimento da população dos Açores no período de 1951- 1960 recuaremos umas décadas para deixar uma nota ainda sobre a evolução populacional no último século.
[Ver tabela na imagem]
A população residente nos Açores cresceu, no decurso dos 96 anos que antecederam o ano de 1960, de cerca de 32 por cento, verificando-se uma mais acentuada expansão (+63 por cento) no distrito mais oriental e de mais elevada densidade de população (o de Ponta Delgada) e uma regressão de cerca de -25,5 por cento no mais ocidental e de mais fraca densidade (o da Horta). O distrito de Angra do Heroísmo apresenta uma expansão populacional de 36 por cento, ligeiramente superior à média do arquipélago.
Sr. Presidente: A emigração vem sendo, de há mais de um século a esta parte, a principal válvula de escape para os excedentes demográficos do arquipélago, vindo a influir assim decisivamente nas variações da população residente. Vejamos como se passaram as coisas no decénio 1951-1960:
A taxa média dos excedentes de vida nos Açores foi, no período considerado, de cerca de 17,6 por mil, superior, portanto, à média da metrópole, que andou pêlos 12 por mil. No interior do arquipélago aquela taxa decresceu do distrito mais oriental para o mais ocidental, tendo sido de cerca de 21,3 no distrito de Ponta Delgada, de cerca de 15,1 no de Angra e de apenas 9,8, aproximadamente, no da Horta.
Assim, em simples ordem de grandeza, os saldos fisiológicos acumulados foram de cerca de 56 000 pessoas. O saldo dos movimentos com o exterior do arquipélago foi de cerca de 46 000 pessoas, das quais 28 200, como vimos, emigraram legalmente.
A emigração, representando cerca de 61,5 por cento do saldo dos movimentos com o exterior, vem sendo, pois, o principal factor atenuante dos elevados saldos fisiológicos, que se vão formando devido à alta taxa de natalidade do arquipélago e que a economia deste não está apta a fixar. No caso particular do distrito de Angra do Heroísmo, e ao longo do período de dez anos que vimos considerando, foi a emigração, praticamente, o único factor que actuou naquele sentido e que teve mesmo de ser ligeiramente contrariado por um pequeno saldo de movimento com o resto do País.
Não possuímos dados quanto à emigração clandestina, mas a simples consciência de que ela existiu reforça o que acabamos de afirmar. Os reflexos da emigração tiveram, naturalmente, mais incidência na população activa.
[Ver tabela na imagem]
Embora, como foi referido, a população residente nos Açores tenha sofrido um aumento de 3,2 por cento de 1950 a 1960, a população activa representa, no mesmo período de tempo, uma contracção de 0,9 por cento, o que fez decair de 34,1 por cento para 32,7 por cento a percentagem da população activa sobre a residente.
O aumento da população activa no distrito de Angra (+8,7 por cento) não chegou, pois, a compensar a redução verificada nos distritos de Ponta Delgada e Horta (-3,4 por cento e -5,1 por cento, respectivamente). A percentagem da população activa sobre a residente diminuiu nos distritos de Ponta Delgada e de Angra, tendo sofrido ligeiro aumento no distrito da Horta, onde,1 embora tenha diminuído o número de activos, se verificou mais acentuada redução da população residente.
Analisando o que se passou nos três grandes sectores da actividade económica, verifica-se que a redução da população activa no sector primário (-4924 activos) não chegou a ser compensada pelo aumento verificado nos sectores secundário e dos serviços (+1502 e +2503 activos, respectivamente). A população activa primária diminuiu de 69 210 para 64 286 activos, enquanto a secundária aumentou de 16 362 para 17 864 e a dos serviços de 22 741 para 24 974.
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Evolução da população activa.
Número de activos
[Ver tabela na imagem]
Para as diferenças verificadas nos sectores primário e secundário contribuiu decisivamente o distrito de Ponta Delgada com a libertação de 3417 activos do sector primário e com a criação de 1160 empregos na indústria. Para a diferença verificada no sector dos serviços a responsabilidade coube fundamentalmente ao distrito de Angra, o único que registou aumento da população activa daquele sector (com a criação de 3116 empregos), aumento ligeiramente atenuado pelas reduções verificadas nos outros dois distritos açorianos.
No que há de mais saliente, verifica-se uma forte expansão do sector terciário no distrito de Angra e uma mais franca expansão do sector secundário no distrito de Ponta Delgada relativamente aos outros dois.
Evolução da população activa de 1950 a 1960 (Variação percentual)
A repartição da população activa pêlos três sectores evoluiu favoravelmente entre os anos de 1950 e 1960, porquanto se verificou algum descongestionamento da mão-de-obra no sector primário, acompanhado da criação de alguns empregos na indústria e nos serviços.
Repartição da população activa pêlos três sectores da actividade económica
(Em percentagem da população activa total)
[Ver tabela na imagem]
O distrito de Angra do Heroísmo é o que apresenta mais equilibrada repartição da população activa em 1960, tal como já acontecia em 1950.
Do que fica dito pode afirmar-se que a emigração exerceu forte influência no sentido de melhorar a repartição da população activa, tendo sido em grande parte responsável pela rarefacção verificada na população agrícola, o que veio aumentar, ligeiramente, embora, a produtividade deste sector. Em contrapartida, apresenta um aspecto negativo, qual seja o de ter contribuído para o envelhecimento, não muito acentuado, embora, da população.
Em resumo, Sr. Presidente, e como fecho desta breve análise ao fenómeno emigratório açoriano, que ocorreu no período compreendido entre os dois últimos censos populacionais, alinharei as seguintes conclusões:
A emigração, dados os elevados saldos fisiológicos do arquipélago, constituiu o principal factor impeditivo do crescimento da população residente para além dos limites comportáveis pelo actual estádio de desenvolvimento da economia açoriana.
Contribuindo para a rarefacção da população activa do sector primário, conduziu a um melhor nível de vida daquele sector da população, não só pela natural elevação dos salários e pelo aumento do número de dias de trabalho, mas também devido às remessas dos emigrantes normalmente dirigidas às classes rurais. Isto fez-se sentir, sobretudo, no distrito de Ponta Delgada e, dentro deste, na ilha de S. Miguel, onde a densidade demográfica é elevadíssima (225 habitantes por quilómetro quadrado) e se verificam os mais baixos níveis de vida do arquipélago.
Devido, pois, em grande parte, à emigração, o problema social do arquipélago era em 1960 menos premente que dez anos antes - melhores rendimentos da população rural e menor grau de desemprego.
Sr. Presidente: De 1960 para cá a emigração açoriana prosseguiu a bom ritmo. Até fins de 1966 saíram 28 179 emigrantes, praticamente tantos quantos haviam saído no decénio 1951-1960. Destes, 26994 (95,3 por cento) seguiram destino para o continente norte-americano: 12 925 foram para os Estados Unidos e 14 069 para o Canadá. As Bermudas receberam 646 emigrantes, todos do distrito de Ponta Delgada. A corrente emigratória para a América do Sul, que no início do decénio 1951-1960 tivera alguma expressão, ficou reduzida a 482 emigrantes no sexénio agora em análise. A emigração para a Europa foi praticamente inexistente.
Acentuou-se, assim, a preponderância da corrente emigratória para a América do Norte.
Até 1965 o fluxo emigratório manteve ritmo sensivelmente constante, para em 1966 se assistir a um forte surto, que se elevou a 10 805 emigrantes, para o que contribuiu de forma decisiva o espectacular aumento da emigração para o Estados Unidos, que passou de 784 emigrantes em 1965 para 6760 em 1966.
Para o total de emigrantes, no período que vimos a considerar, contribuiu o distrito de Ponta Delgada com 20637 (73,4 por cento), o de Angra do Heroísmo com 4556 (16,1 por cento) e o da Horta com 2986 (10,5 por cento). Nota-se, assim, relativamente ao período de 1951-1960, uma maior preponderância do distrito de Ponta Delgada.
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A frequência emigratória média foi, para os Açores, de 14,33 emigrantes por 1000 habitantes.
Por distritos, a frequência média verificada foi de 19,5 no distrito de Ponta Delgada, 10,1 no da Horta e 7,9 no de Angra do Heroísmo.
Frequência emigratória nos Açores.
1961-1966
[Ver tabela na imagem]
(a) Média anual.
O distrito que apresenta frequência mais elevada é o de Ponta Delgada, enquanto no decénio 1951-1060 tinha sido o da Horta; a mais baixa frequência continua a registar-se no distrito de Angra do Heroísmo. Em relação àquele período, aumentou a frequência nos distritos de Ponta Delgada e Angra do Heroísmo, mais acentuadamente no primeiro, tendo diminuído ligeiramente no da Horta.
De salientar a elevada frequência registada em 1966 (33 emigrantes por 1000 habitantes), e que no distrito de Ponta Delgada atingiu as maiores proporções (43,8 emigrantes por 1000 habitantes).
O número de emigrantes em família vem sendo superior, ao longo do sexénio em análise, ao número isolado: por cada 100 emigrantes- 68 saíram integrados no agregado familiar.
Açores
Sr. Presidente: A taxa média de excedentes de vida nos Açores no período de 1961 a 1966 foi de 17,52, superior à verificada para o conjunto da metrópole, que foi de 12,76.
Devido à emigração, a taxa anual apresenta uma tendência decrescente, tendo baixado de 19,90 em 1960 para 14,83 em 1966.
Taxa de excedentes de vida
[Ver tabela na imagem]
A percentagem dos emigrantes em família sobre o número total de emigrantes apresenta tendência crescente, o que é sintoma de que o emigrante açoriano tende a fixar-se no país de destino.
O número de retornados foi insignificante, apenas 228 entre 1960 e 1966, tal como vem acontecendo desde sempre, o que vem confirmar que, por regra, o Açoriano se radica no país para onde emigra.
O mesmo fenómeno se verificou em cada um dos três distritos açorianos, menos acentuadamentc, porém, no da Horta.
As mais elevadas taxas verificaram-se no distrito mais oriental (Ponta Delgada), com a taxa média de 21,22, e as mais baixas no mais ocidental (Horta), com 9.18.
Comparando a emigração com os excedentes de vida, conclui-se que a primeira não chegou a compensar os segundos, vindo a influir, porém, muito acentuadamente na evolução demográfica.
Açores
[Ver tabela na imagem]
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Com efeito, se atentarmos em que, como vimos, o número de emigrantes retornados é desprezável em presença do numero de saídas (menos de l por cento), a percentagem das saídas de emigrantes sobre os saldos fisiológicos acumulados no sexénio, que foi de 81,8 por cento, dá-nos a ideia nítida de como a emigração afectou, nestes últimos tempos, o crescimento da população residente. A percentagem anual atingiu, em 1966, o valor de 222 por cento, o que significa que só por si a emigração foi responsável naquele ano pelo decréscimo de 5859 habitantes na população dos Açores. Neste ano o saldo fisiológico foi de 482o vidas, o saldo migratório de 10 684 e o saldo do movimento com o ultramar de 495; o saldo líquido, não contando com o saldo do movimento com o continente, foi, portanto, de -6354 pessoas, ou seja, -1,94 por cento da população residente.
1961-1966
[Início da tabela]
[Fim da tabela]
O distrito da Horta, o de mais baixa densidade de população e o de mais baixas taxas de excedente de vida, foi aquele onde a emigração mais nitidamente afectou a evolução demográfica, que, seguindo a tradição, continua a diminuir. No distrito de Angra do Heroísmo actuou moderadamente e no de Ponta Delgada quase anulou os efeitos do crescimento natural da população. Ã percentagem da emigração sobre os saldos fisiológicos acumulados no período de 1961 a 1966 foi: para cada- um daqueles três distritos, respectivamente de 110 por cento, 55 por cento e 91,8 por cento.
Antes de terminar esta análise devo deixar aqui referido que o surto emigratório verificado em 19GG se deve ter mantido em 1967 sensivelmente com as mesmas características. Com efeito, segundo dados provisórios, emigraram até Novembro do ano passado 10 618 açorianos, Ú850 dos quais para os Estados Unidos, 2960 para o Canadá e 241 paru as Bermudas.
Sr. Presidente: Os Açores tem gente a mais. Apesar da emigração, que, como vimos, vem crescendo ao longo dos últimos dezassete anos, os Açores continuam com gente a mais. Gente a mais para aquilo que há a fazer. Talvez que para o aproveitamento integral dos recursos daquelas terras ... e daqueles mares não fosse de mais tanta gente. Mas o que é certo é que, por ora, não há que dar n todos que fazer, e em cada dia que passa todos precisam de comer.
O problema dos excedentes demográficos, porém, vai mudando de aspecto de ocidente para oriente. Nas ilhas do Faial, Pico, Flores e Corvo, que constituem o distrito da Horta (o mais ocidental), a vida ó predominantemente rural e não é exagerada a pressão demográfica sobre a terra (64,5 habitantes por quilómetro quadrado). O nível de vida médio é modesto, mas não existem grandes diferenças entre os níveis mínimos e os níveis máximos.
Após a catástrofe dos Capelinhos. que destruiu os haveres de muitas famílias da ilha do Faial, foi a emigração que veio equilibrar a vida da população daquela ilha. É a emigração continua, H gora mais moderadamente, em todo o distrito, a actuar como factor de equilíbrio na vida da população.
O distrito do Angra do Heroísmo, constituído pelas ilhas Terceira, do, Graciosa e de S. Jorge, localizadas no Centro do arquipélago, e com uma razoável densidade populacional (138,3 habitantes por quilómetro quadrado), vem criando condições de fixação a nina população crescente. Para tanto, nos últimos anos. tem contribuído o poder de atracção da base militar das Lajes e a apreciável expansão do sector industrial. E o distrito onde se verifica uma mais equilibrada repartição de população activa. A emigração vem sendo fraca, naturalmente, mas necessária na medida em que se está a processar.
E no distrito mais oriental, o de Ponta Delgada, constituído pelas ilhas de Santa Maria e de S. Miguel, que o problema dos excedentes demográficos ó mais premente. E o distrito de mais elevada densidade demográfica (215,5 habitantes por quilómetro quadrado) e de mais elevada taxa de excedentes de vida e onde a lenta evolução dos sectores industrial e dos serviços não consegue criar empregos à medida das necessidades. A pequena ilha de Santa Maria ainda durante algum tempo atraiu muita gente devido às exigências do seu aeroporto internacional. Assim, lá se radicou elevado número de pessoas, mas actualmente o movimento do aeroporto está decrescendo e Santa Maria já tem gente a mais, já luta com falta de trabalho.
Na ilha de S. Miguel é tradicional o desemprego cíclico e a insuficiente remuneração do trabalhador agrícola, do pescador e mesmo do operário não especializado.
O surto emigratório verificado nos últimos anos veio melhorar alguma coisa a vida do trabalhador de S. Miguel e de Santa Maria, mas não veio permitir aos que ficaram, sobretudo aos assalariados agrícolas, um nível de vida que possa ser considerado aceitável.
De um modo geral, a emigração vem constituindo um bem para os Açorianos. Tem sido benéfica para os que partem, pois, embora deixem com saudade a terra que 03 viu nascer, vão encontrar do outro lado do Atlântico aquilo que essa mesma terra não lhes pôde dar: trabalho bem remunerado, segurança social, possibilidade de educar os filhos e, até, capacidade económica para auxiliarem um pouco os seus parentes mais próximos que ficaram.
Assim acontece com aqueles que emigram para os Estados Unidos, onde, para além da garantia de trabalho que lhes e dada antes da partida, encontram o acolhimento de uma colónia de portugueses e de descendentes de portugueses que nunca esqueceram a Mãe-Pátria. Lá se empregam, principalmente nas fábricas, e alguns na agricultura e na pecuária, e dentro de pouco tempo se transformam em bons operários, bem considerados nos seus empregos, pela eficiência e espírito de disciplina que os caracteriza.
No Canadá as coisas passam-se de modo semelhante. A colónia portuguesa ó mais recente, mas constitui um ponto do apoio paru o emigrante dos Açores. O Açoriano é procurado por ter criado fama de ser um trabalhador disciplinado e eficiente. Fixa-se, sobretudo, na província de Ontário e ali trabalha nas fábricas, nos caminhos de ferro, na construção civil e na agricultura.
As Bermudas constituem excepção. O emigrante, em regra, da ilha de S. Miguel, não c ali bem tratado. É-lhe confiado o trabalho mais duro e, em geral, aufere o salário mais baixo. Não encontra bom acolhimento nem pela colónia açoriana ali radicada, que, por vozes, até lhe complica a vida. As entidades consulares portuguesas também o não tom protegido convenientemente, muito embora nos últimos tempos a situação tenha melhorado um pouco.
Devido à elevadíssima densidade populacional das Bermudas, o governo local contraria a entrada das famílias do
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emigrante. A emigração para as Bermudas é caso que merece muita atenção.
A emigração vem beneficiando também os que ficam: mais oportunidades de emprego, mormente no sector da população rural; melhores salários, estimulo à reorganização das empresas no sentido de uma maior produtividade.
Sr. Presidente: Vou terminar. Do que fica dito podem alinhar-se as seguintes causas da emigração açoriana:
Excedentes demográficos devidos às altas taxas de excedentes de vida, sobretudo na ilha mais populosa, a de 8. Miguel;
Subemprego generalizado nas classes piscatória e agrícola, que as obras públicas atenuaram mas não conseguiram eliminar;
Fracos rendimentos da população operária, quer devido ao subemprego, quer ainda aos baixos salários derivados de uma fraca produtividade do trabalho, consequência dos métodos antigos utilizados na agricultura, na indústria e nos serviços;
Insuficiente segurança social, que começa, porém, a tomar forma nas classes industrial e dos serviços, mas que mal chegou ainda ao trabalhador rural;
Difícil acesso ao ensino, a níveis superiores ao do ensino primário, sobretudo da parte das populações das ilhas onde se não situam as sedes dos distritos;
O desejo legítimo, por parte dos mais aptos, de uma melhoria de situação que as condições do meio mês não permitem.
No fundo, existe nos Açores um problema de excedentes demográficos, muito acentuado no distrito de Ponta Delgada, e não se podem, de um momento para o outro, criar as condições para a fixação de toda essa população, que cresce vertiginosamente.
Poder-se-á distribuí-la mais racionalmente pelo arquipélago, onde, como vimos, as densidades da população decrescem rapidamente de oriente para ocidente, e então canalizar a excedente para o ultramar ou estrangeiro. Mas uma política de população não pode excluir a emigração, pêlos menos a médio prazo, pois ainda não estão criadas as condições de fixação da população na sua terra nem tão-pouco no ultramar; aqui houve apenas umas experiências, sem grande significado prático.
A fixação da população açoriana na sua terra só é possível através de esquemas de desenvolvimento regional que não esqueçam o homem, que não se desliguem de uma política de população e de emprego.
Para combater os males que, devido à emigração, estão a afectar, porventura, uma economia mal estruturada não se devem manter as condições para que ela não evolua.
Proibir a emigração dos Açores é criar as condições favoráveis a manter o statu quo das actividades económicas do arquipélago, que não é de molde a permitir que a sua população viva bem. 35 contrariar o progresso no verdadeiro sentido da palavra, progresso que tem de assentar num nível de vida decente para todos os homens.
A população dos Açores precisa de continuar a emigrar, para bem dos que vão e para bem dos que ficam.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Aníbal Comia: - Sr. Presidente: Ao ter conhecimento através da imprensa que na última terça-feira, dia 5 do corrente, foi inaugurada em Lisboa mais uma
residência para alojamento de estudantes, resolvi dizer duas palavras a tal respeito nesta magna assembleia política.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A primeira será de elogio ao Governo da Nação, na pessoa do ilustre titular da pasta .da Educação Nacional, Prof. Doutor Inocêncio G ai vão Teles, pelo interesse que tem devotado aos estudantes, no sentido de lhes proporcionar um bom ambiente de estudo e de formação moral e cultural.
Para tal efeito foram postos à disposição e utilização dos estudantes universitários amplas salas de convívio, onde podem passar alegremente e na maior comodidade as suas horas disponíveis; cantinas universitárias, onde comem diariamente milhares de rapazes e raparigas muito melhor do que em qualquer restaurante normal e pela terça parte do seu custo.
E para que nada falte de bom à sua economia e ambiente de estudo foram postas a funcionar várias residências para o seu alojamento, e outras irão de futuro abrir-se em prédios novos e arejados, onde nem sequer falta o aquecimento, a que muitos não estavam habituados, e que satisfazem em absoluto, até mesmo os que forem mais exigentes.
Estes benefícios trazem encargos para o erário público de muitas dezenas de milhares de contos e representam uma sensível economia para os estudantes e para os seus pais, que nem sempre são devidamente apreciados, e muito menos agradecidos.
O Sr. André Navarro: - Muito bem!
O Orador: - As modelares cidades universitárias portuguesas, que hão-de pelos tempos fora fazer lembrar aos vindouros a época salvadora da Revolução Nacional e onde têm sido bem gastas avultadas quantias de muitas centenas de milhões de escudos em benefício da juventude académica, são como que uma pedra de toque da obra já grandiosa que o nosso Governo tem levado a efeito no sector da educação nacional.
O Sr. André Navarro: - Muito bem!
O Orador: - No curto período dos últimos vinte e dois meses foram criadas, instaladas e apetrechadas doze residências universitárias e, ao abrigo do III Plano de Fomento, irá proceder-se b. construção de colégios universitários de maiores dimensões, para o que foram já adquiridos e reservados os respectivos terrenos.
Dentro em breve vai iniciar-se a construção de um desses colégios na Tapada da Ajuda, destinado aos estudantes da Universidade Técnica de Lisboa. Por tudo isto é digna do nosso maior apreço e reconhecimento a atitude tomada pelo Governo.
O Sr. Augusto Simões: - Muito bem!
O Orador: - A segunda palavra é essencialmente política, e quero traduzi-la muito resumidamente nos termos que vão seguir-se.
E do conhecimento geral que o Governo da Nação tem proporcionado a todos os estudantes as maiores facilidades e regalias, sem olhar à cor da pele, nem à ideologia política ou religiosa de cada um, o que é de louvar a todos os títulos, dada a isenção e honestidade como tem agido desde 28 de Maio de 1926, e há-de por certo continuar a fazê-lo, para bem de todos os portugueses, incluindo
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aqueles que teimam em dizer mal de tudo e de todos, ainda que sem razão para o fazerem.
Mas não devemos ignorar que os inimigos políticos da Nação, designadamente os internacionais, que não reconhecem fronteiras, nem querem Deus nem família, e que procuram destruir ou aniquilar tudo quanto se oponha h sua ideologia maléfica, não podem nem devem ser recebidos nas nossas casas com o mesmo à-vontade e a mesma confiança como recebemos aqueles que são nossos amigos e em quem podemos confiar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tem-se verificado que esses mesmos políticos sempre que se cruzam ou falam connosco, na rua ou noutro local, mesmo nas simples relações da sociedade ou cortesia, se manifestam em atitudes hostis, que por acções ou omissões, quer pela palavra escrita ou falada, procurando criar ambiente favorável aos seus falsos e perigosos desígnios e até aliciar, quando possível.
Todos sabemos que o pensamento e convicções ideológicas dos estudantes universitários, cujas idades regulam entre os 17 e os 26 anos, s3o os mais susceptíveis de ser transformados ou adaptados por aqueles mais atrevidos o desembaraçados, por vezes treinados para o efeito, que com eles convivem todos os dias. que os acompanham, convencem e conduzem até atingirem os fins que pretendem, quase sempre com argumentos derrotistas, com palavras vãs de solidariedade académica, que não sentem, e da defesa dos seus legítimos direitos, que nem sequer haviam sido ameaçados.
Isto verifica-se em todas as Universidades do Mundo, onde uma dezena ou centena de estudantes consegue arrastar consigo muitos milhares de outros, que os seguem na convicção errada de que defendem uma causa que nem sequer chegam a saber ao certo se é justa ou injusta.
Só mais tarde, reconhecem o logro em que caíram, e muitos deles não recuam tão somente pelo facto de a sua pouca idade lhes ditar que é vergonha tomarem outra atitude, ainda que mais digna.
Até mesmo na idade adulta, depois de licenciados, chegam a manifestar o seu arrependimento, mas alegam que já não têm coragem para tomar outro caminho que não seja aquele, sob pena de serem abandonados pêlos seus amigos.
E se há casos desta natureza que acontecem pela convivência fora das aulas, em relação aos estudantes, que nem sempre vivem em ambiente familiar aceitável ou normal, por maioria de razão e com muito mais facilidade meia dúzia de rapazes que vivam nas residências universitárias portadores de ideias subversivas e contrárias à existência da Nação e da família poderão contaminar, convencer e conduzir muitos outros companheiros da mesma e n té de outras residências pelo mesmo caminho tortuoso que têm trilhado, talvez influenciados pelo mau ambiente familiar em que têm vivido ou por outros factores que os levam, por vezes, a sua própria destruição.
Os acontecimentos mundiais e, de modo especial, os que se têm passado em Roma nas últimas semanas são como que um aviso que nos obriga a alertar todos quantos têm responsabilidades no destino de Portugal independente e até os que exercem funções de chefia em qualquer organismo do Estado.
Assim, e enquanto não houver possibilidade de alojar todos os estudantes nas condições já referidas ou em moldes que só o futuro poderá aconselhar, entendo que a sua admissão nas residências e nos colégios universitários deverá fazer-se mediante um critério de exigências que possam garantir a completa eficiência do seu bom funcionamento e do fim altamente benéfico para que foram criados. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Elmano Alves: - Sr. Presidente e benévolos Srs. Deputados: Entrámos na agonia da sessão legislativa. No auge do cansaço parlamentar são estes, segundo a praxe, os últimos minutos em que o Deputado, prestes a despir as suas imunidades e a reingressar no convívio dos povos, aproveita ainda para redimir algum pecado de omissão oratória na defesa dos interesses locais.
Não desejaria, por isso, abusar da vossa benevolência fazendo-me eco de um assunto que, em boa verdade, devia aguardar pela reabertura da Assembleia, não fora o receio de ver deixados para a penúltima hora compromissos nacionais cuja satisfação depende de decisões a firmar quanto antes.
Porque tenho a ousadia de ser escutado, trago a preocupação de ser breve.
Esta manhã, ao abrir os jornais da capital, tive a grata surpresa de ver evocada no Diário de Noticias uma efeméride que não podia ficar esquecida dos Portugueses e bradaria aos céus se não encontrasse merecido eco nesta Assembleia.
Com efeito, passa hoje mais um aniversário sobre aquele domingo de 8 de Março de 1500, em que o rei D. Manuel I, com toda a Corte, foi à ermida do Restelo, em Belém, para assistir à partida da expedição de Pedro Alvares Cabral, mandado a fazer o descobrimento oficial - ou, se preferirmos dizer, a tomar a posse - das terras de Santa Cruz.
Pela pena do jornalista insigne que é Oscar Paco, setubalense dos mais ilustres . . .
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... e homem de letras que dir-se-ia mergulhar a sua pena inspirada na veia de um Fernão Mendes Pinto -outra glória do meu distrito, que em Almada veio a coligir a sua Peregrinação-, revive a- efeméride em todo o seu transcendente significado.
O Sr. Peres Claro: - Muito bem!
O Orador: - Rezam as crónicas que nessa manhã, distante no tempo, mas tão presente como grata à comunidade lusíada que formamos com o Brasil, foi celebrada missa de pontifical, em que pregou D. Diogo Ortiz, bispo de Ceuta, mais tarde bispo de Viseu.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E, enquanto decorria a cerimónia, teve sempre o monarca junto a si Pedro Alvares Cabral. Acabada a missa, o bispo benzeu uma bandeira das armas reais, que o soberano deu por sua mão ao capituo-moi1.
Deitando-lhe o bispo a bênção, levou-o D. Manuel a embarcar, falando sempre com ele até à praia.
Qual teria sido o tema dessa última conferência do monarca- com o seu capitão-mor não rezam as crónicas, mas esclarece-nos por certo o curso dos acontecimentos posteriores.
Lisboa, sobretudo desde o regresso do Gama, da índia, no ano anterior, pululava de agentes fias outras potências europeias concorrentes na descoberta ou interessadas no
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tráfico do Oriente. A própria Corte recebia os seus embaixadores, cuja correspondência reveladora virá tantas vezes fazer a contraprova dos factos e verdadeiras intenções que presidiram à acção dos nossos monarcas, gizada no meio do mais absoluto segredo de Estado.
Não admira, portanto, que D. Manuel reservasse para o derradeiro momento da partida as instruções derradeiras, com as quais queria completar a carta de prego da capitania.
O certo é que, anunciada a expedição da grande armada como tendo o objectivo de seguir para a índia, ela aportou sem hesitações nem surpresas dos seus capitães ao Brasil, à "parte ocidental, passando além a grandeza do mar oceano, onde é achada e navegada uma tão grande terra firme, com muitas ilhas adjacentes a ela" -, conforme se lê no esclarecedor passo do Esmeralda de 8itu Orbis, que nos revela ter já Duarte Pacheco Pereira no ano de 1498 feito o reconhecimento dessas turras do continente americano.
Aliás, o próprio Duarte Pacheco Pereira seguia na frota, sem comando de nau, como figura de segunda plana, talvez para mais à vontade se dedicar às observações da sua ciência e prestar u expedição o conselho de perito em navegações anteriores.
A 21 de Abril tiveram os nossos os primeiros sinais de terra próxima, que avistaram no dia seguinte nas alturas do Monte Pascoal. A 25 surge a esquadra no Porto Seguro. A l de Maio de 1500 colocou-se solenemente o primeiro padrão em terras de Santa Cruz e, nessa mesma data, escreve o físico da frota, o "bacharel mestre Joham", ao rei D. Manuel, comunicando-lhe a localização da costa a que haviam aportado, feitos os cálculos "con Ia carta y con el estrolabyo". E acrescenta: "Quanto, señor, ai stylo desta tierra, mande Vossa Alteza traer um napa-mundi que tiene Pêro Yaaz Bisagudo, e por ay podrra ver Vossa Alteia el sytyo desta tierra." (Citado em Pimenta, Historia de Portugal, p. 170).
Estava feito o descobrimento oficial do Brasil, cuja costa, assinalada por expedições anteriores, recebia agora os primeiros padrões a autenticar a posse em nome do rei de Portugal de todo um subcontinente maior que a Europa.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Na sua reunião de 5 do corrente resolveu o Conselho de Ministros nomear uma comissão nacional para estudar os actos que hão-de constituir as comemorações do 5.° centenário do nascimento de Pedro Alvares Cabral, a celebrar neste ano.
Com tal deliberação demonstrou o Governo estar, mais uma vez. à altura de acontecimento de tão transcendente significado político na vida da comunidade lusíada radicada em ambas as margens do Atlântico. Mas que é também do maior significado na história do próprio homem, escrita pelo génio crítico, pela inteligência, pelo método e audácia do Ocidente, essa Europa heróica que, nos tempos de demissão que vamos atravessando, só podemos reconh?2er já. como no verso do Pessoa, no "rosto com que fita e é Portugal".
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Srs. Deputados: Com a sua deliberação de 5 do corrente, o Conselho de Ministros não assumiu apenas o compromisso de um centenário, mas a responsabilidade de um ciclo de comemorações que envolve dois outros vultos da história da Nação e da Comunidade - disse mais - do Ocidente.
Pedro Alvares do Gouveia - assim o identifica a carta da capitania que levou quando enviado à índia - não é figura isolada na gosta do descobrimento do Quinhentos.
Anda aliada de perto - solidária no tempo e na obra - com a do Gama, que, nas vésperas do reconhecimento do Brasil, trouxera à Europa a descoberta da rota marítima para a índia pelo périplo da África.
E não pode conceber-se sem a presença, o comando firme e habilíssimo do Hei Venturoso, que n um e a outro - ao Gama dn índia e a Pedro Alvares do Brasil - acompanhou desde a preparação das armadas até às areias do Restelo no dia da largada. E ficou a velar pelo êxito das suas empresas, protegendo-as com o silêncio dos objectivos, assegurando-lhes os frutos da posse perante a comunidade internacional, através da hábil actividade diplomática, que culminará com o reconhecimento papal.
Ao centenário de Pedro Alvares que vamos celebrar este ano está ligado o centenário de D. Manuel, nascido a 31 de Maio de 1469, na vila de Alcochete, e o de Vasco da Gama, que viu a luz no mesmo ano, na vila de Sines, em data que não sabemos hoje precisar.
Uma nota nos impressiona nos dias que vão correndo e que trazem também ao primeiro plano das preocupações internacionais, os caminhos do Gama e de Pedro Alvares e a evocação da estratégia política do monarca.
Duque de Beja e de Viseu, senhor das ilhas de Cabo Verde, senhor de Viseu, da Covilhã e Vila Viçosa, governador e administrador do mestrado de Cristo, condestável de Portugal, fronteiro-mor de Entre Tejo e Guadiana e outras terras, D. Manuel sobe ao trono herdado de D. João II e é ordenado em Alcácer do Sal em 1495. Conta 26 anos apenas.
"Tinhão passado dous annos do seu reynado, quando despedyo no grande D. Vasco da Gama (depois conde da Vidigueira) com a primeira armada que mandou à índia" (História Genealógica da Casa Real Portuguesa, de Caetano de Sousa, p. 100).
Pois Vasco da Gama era ainda um moço da idade do soberano, que ia então nos 28 anos, quando se tornou responsável pela empresa "em que havia tantos anos se premeditava aquele descobrimento". E moço era Pedro Alvares, que andava pêlos 32 anos quando zarpou de Belém para terras de Santa Cruz.
Ao verificarmos a idade do rei e dos seus capitães, compreendemos - e só então - as assisadas apóstrofes "velho do Restelo", "que ficava nas praias, entre a gente, postos em nós os olhos, meneando três vezes a cabeça, descontente;" -"Oh glória de mandar! Oh vão cobiça". "Que mortes, que perigos, que tormentas, que crueldades nelles experimentas!" (Lusíadas, canto IV, xciv-xcv).
Porém, a Nação já seguira a juventude de Henrique, em Guimarães. E fez-se Portugal.
Apoiara o futuro incerto ao braço moço do Mestre de Avis e do seu Condestável - e garantiu a independência.
Confiara-se à mocidade de Quinhentos na hora da Descoberta - e foi à índia e criou o Brasil.
Recorreu mais tarde a uma geração nova na hora da derrocada - e a Pátria salvou-se em 1926.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Lançou-se-lhe o apelo às armas em 61 - c a Nação luta e resiste e triunfará.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Quem não sabe escutar nesta voz dos séculos n intuição maravilhosa da Nação, que nos dita o rumo da esperança nesta hora em que piedosos progressistas ou caducos defensores da cidadela entoam a ode contra a guerra de África e apregoam a tese "catastrófica
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do Regime", que outra coisa não é senão o plágio, à distância de séculos, das estrofes do "tetravô do Restelo"?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, seja em boa e breve hora o Governo servido de decretar a celebração do duplo centenário de Vasco da Gama e de D. Manuel I - o rei da "idade de ouro" do Descobrimento, como governante tão mal tratado pela crítica jacobita dos vindouros.
Para o distrito de Setúbal - cuja representação me transcende - o ano que vem' constituirá, por certo, hora alta de exaltação.
Pois não nasceram no seu território, em Alcochete e em Sines, os dois maiores vultos da sua glória?
A Nação, porém, tem a sua palavra a dizer.
Há pecados de omissão a redimir no ostracismo a que se votou o Bei Venturoso.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não que o seu lugar não esteja assegurado, a par do Gama e do Cabral, na própria história do Ocidente. Ainda que um absurdo cataclismo apagasse do mapa da Nação Portuguesa e delisse a memória dos arquivos, mesmo assim seria possível reconstruir o seu passado, peça por peça, pois ele está registado a letras de ouro em todos os livros da humanidade culta.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas é altura de reparar pela criteriosa revisão histórica a omissão indecorosa e perpetuar no bronze e na toponímia a sua memória, legando às gerações vindouras monumento condigno.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - À Câmara de Lisboa - ao que anuncia - "acudiu ao Mestre" e D. João I parece ter probabilidades de subir ao pedestal da Praça da Figueira.
Lagos, Viseu e Porto saldaram dívida com o Infante. Afonso Henrique defende o castro de Guimarães, D. Duarte segura nas mãos. O Leal Conselheiro no jardim de Viseu, Coimbra tem o seu D. João III e D. Dinis, que vela pela Universidade.
Ligados ao ambiento ou à gesta que os imortalizou, cavalgam em soberana majestade D. João IV, em Vila Viçosa, D. José, no Terreiro do Paço, e D. Carlos I, na Ajuda, enquanto o Condestável montará em breve o seu fogoso corcel corre-fadário no átrio de Santa Maria, na Batalha.
Porque não erguer a D. Manuel I o monumento que lhe é devido, frente aos Jerónimos, que erigiu, e junto à praia aonde acompanhava os seus capitães da Descoberta?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas Lisboa, que os teve em vida - e até um viu cair banhado em amigue . . . -, parece avessa a glorificar seus reis. Nisso não segue o exemplo do Porto, que soube ser generoso e grato a quantos monarcas lhe tocaram o coração.
Pois se Lisboa enjeitar o encargo, porque não construir o monumento do Venturoso na torra onde nasceu, junto da capela que ainda resta do seu palácio de Alcochete, que o terramoto de 1755 destruiu, ou entre as palmeiras do belo Largo do Rossio, gémeas das trazidas da índia nas naus das especiarias quando o estuário do Tejo eru o "porto da Europa"?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pêlos novos espaços que deu à Nação Portuguesa, D. Manuel I teve jus a acrescentar aos títulos de "Bei de Portugal e dos Algarves, de Aquém e de além-mar em África, Senhor da Guiné", herdado dos seus antepassados, o de "Senhor da Conquista, Navegação, do Comércio, da Etiópia, Arábia. Pérsia t: índia".
Um título lhe falta - e esse não já para o enobrecer - o titulo de "Senhor da gratidão dos vindouros" . . .
Mas semelhante título, se o Governo lhe o acrescentar em obras, só nobilitará esta geração!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre as contas gerais do Estado (metrópole e ultramar) e as conta dita Junta do Crédito Público relativas a 1966.
Tem a palavra o Sr. Deputado Bocha Calhorda.
O Sr. Rocha Calhorda: - Sr. Presidente: O ano de 1966, cujas contas gerais do Estado estão a ser apreciadas por esta Assembleia, teve um comportamento favorável no que respeita à economia da nossa província de Angola.
Se é certo que o valor das importações excedeu em G. l por cento o montante atingido no ano anterior, a verdade é que as exportações ultrapassaram de 10,6 per cento o correspondente número do ano de 1963. E aumentar mais fortemente o nível das vendas do que o das compras não pode deixar de constituir, na base de uma economia-de Estado, um sintoma positivo e muito salutar.
Neste caso de Angola, o menor crescimento nas compras do que nas vendas permitiu a obtenção de um saldo positivo de 412 000 contos na sua balança comercial, bastante superior ao de 1905, que foi apenas de 140 000 contos, ou seja cerca de uma terça parte do valor agora atingido. Esta melhoria, objectiva na fria expressão dos números, deve ser, porém, apreciada à luz da análise da composição das rubricas que integram a importação e a exportação. Gostaríamos de encontrar, na importação verificada em 1966, valores apreciáveis de matérias-primas para laborar no nosso território, de bens de equipamento ou de produção, e, por outro lado, encontrar valores modestos nas rubricas de artigos não reprodutivos a de bens de consumo. Semelhantemente, no que se refere à exportação, o panorama que mais nos agradaria ver era o de uma larga disseminação por diferentes produtos e artigos.
Não é isso, infelizmente, o aspecto que ressalta da discriminação das verbas de importação e de exportação, mas, conforme assinala o ilustre relator das contas, Angola mostra indícios de caminhar, embora lentamente, para aspectos que se assemelham a países mais evoluídos.
Nota-se uma diminuição do- incidência percentual dos produtos do reino vegetal na exportação, verificando-se uma maior e mais saudável distribuição pêlos restantes sectores.
Ë este o caminho progressivo das economias em vias de desenvolvimento. Mas é preciso que a Administração facilite, encoraje e fomente; e não o contrário.
A caminhada ainda será muito grande, mas está inteiramente ao nosso alcance, pois não nos faltam alimentos e condições naturais. O capital também conta, é certo, e em grande medida, mas sobretudo o que será preciso que não nos falte, como alicerce fundamental, será a capacidade de prever, de planear, de executar e de administrar.
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Refiro-me, evidentemente, quer ao sector público, quer ao sector privado, e refiro-me à capacidade de saber prever, de planear com lógica, de executar pêlos melhores métodos e de administrar com devoção e, sobretudo, com autenticidade.
Tem sido um lugar-comum dizer-se em Angola que nos falta dinheiro e técnicos, e com esse cómodo argumento tudo quanto é negativo se explica ou se justifica. Creio até que esse lugar-comum excede aquela província e constitui mesmo argumento aplicado mais ou menos em todo c território português. Pelo menos no que respeita a Angola, que conheço mais directamente, tenho a opinião de que não temos nem falta de dinheiro nem de técnicos.
Temos, sim, é falta de bons técnicos. Temos, sim, é falta de mentalidades conscientes, produtivas e profissionalmente honestas e cumpridoras.
Ë dessa falta que se proporcionou à capital da maior província portuguesa a presente situação de viver um problema angustiante de falta de água e de electricidade, com cortes e falhas que, além de incomodidade natural num clima fortemente quente e húmido, provoca enorme soma de dissabores e prejuízos nas mais diversas actividades. Não foi também a falta de dinheiro nem a de técnicos que provocou a actual situação caótica do sistema de telefones de Luanda, sistema que no próprio ano cia sua instalação - 1960 - já não tinha capacidade para atender às necessidades e solicitações locais.
Não obstante a situação favorável da balança comercial, com melhor saldo do que no ano anterior, a balança de pagamentos de Angola viu agravado o seu saldo, elevando-se o déficit acumulado dos anos anteriores. Não houve, consequentemente, qualquer melhoria nas persistentes dificuldades de transferências de Angola, aumentando o período de tempo entre a data da entrega dos fundos naquela província e o momento da entrega do correspondente valor na metrópole, e foram maiores as violações à letra e ao espírito da legislação que definiu e regulamentou o sistema de pagamentos interterritoriais.
Não me alongarei neste sector da balança de pagamentos e das transferências da Angola, a fim de não me repetir em conceitos e considerações constantes de anteriores intervenções minhas nesta Câmara, pois o problema permanece exactamente igual como no momento em que há dois anos o abordei pela primeira vez e iguais continuam a ser as minhas convicções sobre o mesmo. Não tenho, pois, motivo para ir além do natural reparo e da natural lamentação pela persistência e agravamento de uma situação que se não tem sabido dominar.
A Conta Geral do Estado de 1966 relativamente a Angola dá-nos a saber que as receitas públicas aumentaram de 7,8 por cento em relação ao ano anterior, tendo as receitas ordinárias passado ao dobro no curto espaço de quatro anos.
O aumento das receitas de um Estado, as quais têm por fonte a vida e a actividade da respectiva nação, tem uma importância fundamental, pêlos reflexos que provoca nessa vida e nessa actividade. Constituindo uma necessidade, para satisfação do bem comum, as receitas públicas podem, todavia, por exagero de tributação, proporcionar situações indesejáveis de atrofia e de recessão.
Uma desproporção no aumento das receitas sacadas pelo Estado, comparativamente ao aumento da riqueza interna, pode tornar esse Estado rico, mas torna com certeza a nação pobre.
Este aspecto não deixa de me preocupar na medida em que li recentemente na imprensa diária que no ano de 1967 a cobrança dos impostos indirectos em Angola atingiu os 2 milhões de contos. Efectivamente, se se considerar que as receitas públicas ordinárias já representavam em 1966 cerca do dobro do valor de apenas quatro anos antes e que nelas os impostos indirectos não iam além de l milhão de contos, o conhecimento de que em 1967 atingiram os 2 milhões pode pôr-nos perante a dúvida se a administração pública em Angola não estará a exigir de mais da capacidade contribuinte da vida e da actividade daquela província.
O aumento das receitas públicas compreende-se quando na proporção do crescimento económico do ambiente em que incidem. No citado período de quatro anos, de 1962 a 1966, ano cujas contas estão em apreço, enquanto o comércio de importação e o de exportação experimentaram um aumento do nível de 50 por cento, as receitas ordinárias arrecadadas pelo Governo da província aumentaram de cerca de 100 por cento. Se os valores da importação e da exportação podem servir, embora grosseiramente, de medida para avaliar a evolução da economia de Angola, não há dúvida de que a mesma foi vítima de um sensível agravamento das incidências tributárias. Dado que tudo indica ter sido o ano de 1967 especialmente produtivo no capítulo do encaixe de receitas públicas, maior terá sido, certamente, nesse ano, o desfasamento e o desequilíbrio entre a capacidade normal contribuinte da província e o que lhe foi retirado.
Que assim deve ser comprova-o o clima de inflação e de aumento do custo de vida que ali se regista, sem que se verifique em contrapartida um aumento de riqueza e de rendimento. Tem sido a excessiva carga tributária, sucessivamente agravada, a causadora do encarecimento do custo de vida em Angola, e não qualquer excesso de poder de compra da sua população.
É para este aspecto que não deixo de chamar a atenção do Governo, procurando evitar que o recurso a agravamentos fiscais frequentes e & criação de novas incidências tributárias, como forma simplista de fazer aumentar as receitas públicas da província, venha a degenerar afinal num processo de retraimento e de recessão económica, com todos os seus inconvenientes e perniciosos efeitos.
Enquanto as receitas públicas aumentarem por via do aumento natural da riqueza sobre que incidem, ou por uma maior fiscalização e melhor aplicação das incidências fiscais, "em agravamento das bases de incidência, a economia geral contribuinte não se ressentirá e poderá seguir o seu processo de crescimento e valorização num clima propicio de atracção e confiança pela estabilidade do sistema fiscal em que decorre.
O contrário provocará uma falta de confiança para a aplicação de capitais em Angola, criando o receio, que infelizmente em Angola a prática já legitima, de um empreendimento ser estudado dentro de uma conjuntura tributária e fiscal e ver-se depois em situação marginal ou até negativa, por virtude de surgir um agravamento nas incidências fiscais ou a criação de uma nova e não prevista imposição tributária.
Embora possa parecer um paradoxo, sempre entendi que a necessidade de maiores receitas públicas em Angola, em cada ano que vai passando, deveria ser conseguida através de um sensível desagravamento tributário. Sempre me pareceu, não obstante a sua aparência chocantemente absurda, que uma redução sensível do peso tributário em Angola permitiria ao Governo da província arrecadar afinal maiores receitas e atingir mais facilmente os mais prementes e urgentes imperativos daquela boa terra português", como é o caso do seu povoamento com os excedentes demográficos metropolitanos.
Seria uma forma muito importante de facilitar e fomentar a expansão das actividades e empreendimentos, de animar e acelerar o circuito económico, de se obter, em suma,
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um forte desenvolvimento económico naquela província, proporcionando à Administração um maior encaixe de receitas pública. (um valor absoluto, embora, e só por isso afinal, aquela Administração tivesse reduzido as bases da sua incidência tributária).
Sr. Presidente: Tendo abordado em anteriores intervenções a questão do povoamento de Angola e. os reflexos da política de integrarão económica, cujo fuleiro reside, mais em aspectos de coordenação das potencialidade rio espaço português e dos diversos serviços estatais, quero hoje chamar a atenção, especialmente, para a importância qui1 assume para Angola, no momento que atravessamos, uma ponderada política fiscal.
Se não for entendido, como antecipadamente já calculo, que é aconselhável a citada política de desanuviamento e de desagravamento tributário, apelo para o Governo - Geral daquela província e para o Governo Central para que ao menos, não perfilhem nem façam aprovar novas tributações ou agravamentos as já existentes.
Corre o rumor em Luanda de que será estabelecido um breve um novo imposto (sobre a aplicação de capitais), que está para ser aplicado em Angola um novo sistema tributário, semelhante ao que há anos vem provocando grandes problemas de interpretação e de execução às finança e aos contribuintes da metrópole, e ainda, que irá surgir um sensível agravamento e; alargamento no campo de aplicação do imposto extraordinário para a defesa de Angola.
Não é isto, certamente, o que mais convém a Angola e aos seus habitantes: não é este castigo que os capitais ali investidos e as pessoas que ali labutam estão aguardando; e nem sequer se poderá dizer que tal procedimento constitui uma imperiosa necessidade.
É absolutamente necessário pôr de parte a facilidade com que a administração publica frequentemente, pana não dizer continuamente, vem utilizando de accionar a alavanca das receitas públicas como a vontade e a simplicidade de quem tem à disposição fontes inesgotáveis.
Independentemente, como já acentuei, de dever haver uma equilibrada paridade, entre o crescimento das receitas do Estado e o crescimento da riqueza ou do rendimento da massa contribuinte, paridade que em Angola não tem sido observada, nem assim será legítimo dizer que naquela província não tem havido suficientes receitas públicas. O que tem havido é uma má aplicação nas despesas públicas, o que é totalmente diferente.
Por outro lado, temos assistido à criação de serviços e organismos inteiramente dispensáveis e inoportunos na economia de guerra que vivemos, os quais absorvem milhares de contos com a sua instalação e manutenção e sem interesse ou produtividade que justifiquem aqueles milhares de contos, nomeadamente no momento presente.
Por outro lado, e de uma forma geral, verifica-se que na administração pública de Angola si: deixou enraizar uma mentalidade do inversão de valores. Efectivamente, pareci: haver o esquecimento de. que a Administração existe, e só por isso é que existe, para servir o Pais, para procurar e promover o seu progresso v. bem-estar. Essa é que a ideia que cada governante, cada dirigente, deve ler sempre bem presente, e não a inversa, de que é a colectividade; que está à sua disposição.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Para isso cada servidor público, na sua função, terá de ser, acima de tudo autêntico, e autêntico para o momento tão especial que todos nós vivemos.
Mais talvez do que a política de austeridade, tanta vez focada, parece-me que a nossa grande necessidade actual é de autenticidade, autenticidade no desempenho das funções, desde as mais altas e com maiores reflexos até às mais modestas.
Vozes: -Muito bom!
O Orador: - Seja no campo militar ou seja no campo civil. Cada dirigente deve ter a preocupação dominante de eliminar o desnecessário e o dispensável, de zelar e fiscalizar o expediente e a execução do que for o objectivo do seu respectivo serviço ou departamento, poupando e economizado dinamizando e melhorando com o seu exemplo pessoal a actuação dos seus subordinados; disciplinando e sabendo ser disciplinado, conseguindo fazer o máximo ou o mínimo, e não como geralmente acontece, fazer o mínimo com o máximo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Só assim desempenhará com autenticidade a sua missão e as suas funções; só assim será credor de apreço e. de reconhecimento pela sua actuação: e é isso que a hora actual, mais do que qualquer outra, exige imperiosamente de todos e n cada uni em particular.
Sr. Presidente: Não sendo o louvor e o elogio, mesmo quando merecidos, um campo em que me sinta à vontade e de que faça uso, não quero, todavia, deixar de manifestar neste momento a convicção de que Angola tem à sua frente um governador-geral que é um dirigente autêntico. dentro do sentido que pretendi dar a esta expressão, e que essa mesma Angola lhe ficará mais reconhecida ainda se o seu governador-geral conseguir irradiar aquela sua autenticidade aos que de mais perto o rodeiam, e que estes, por sua vês, e sucessivamente, a façam incutir a toda a hierarquia da administração pública em Angola. Essa será sem dúvida, uma das principais e mais decisivas formas de a Administração conseguir dar à população o progresso e o bem estar social e que tem direito e não tem seu sucessivo e agravado sacrifício.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Tito Lívio Feijóo: - Sr. Presidente: Ao subir mais uma vez a esta tribuna para me ocupar das contas gerais do Estado na parte que especialmente diz respeito a Cabo Verde, renovo as minhas homenagens às altas qualidades de V. Ex.ª e os meus melhores agradecimentos pela atenção que sempre tem tido a bondade de dispensar às minhas intervenções nesta Câmara.
Antes de entrar propriamente nas considerações que a seguir farei sobre alguns aspectos das contas em apreciação, quero felicitar vivamente, e mais uma vez, o nosso ilustre colega engenheiro Araújo Correia, relator da Comissão de Contas Públicas desta Assembleia, pela forma brilhante, clara- e objectiva como foram tratadas todas as matérias versadas em tão valioso documento que é o parecer por ele elaborado.
A couto do exercício da província respeitante ao ano de 1966 encerrou-se com um saldo positivo de 18 456 282§7], que ultrapassou em cerca de 9 500 000$ aquele que se havia apurado no ano económico anterior. O facto é tanto mais de salientar quanto é certo que os saldos verificados, especialmente nos últimos anos, vêm resultando não de uma sistemática diminuição forçada das despesas inicialmente previstas e aprovadas nos orçamentos provinciais, como infelizmente outrora aconteceu, mas, antes e exclusivamente, de um constante aumento do volume das receitas arrecadadas.
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A evolução favorável cias receitas ordinárias deve-se, especialmente à actuação tempestiva da reforma tributária, que começou n vigorar na província no dia l de Janeiro de 1964 e da reforma, pautal de 1965. Assim, enquanto em 1963 o total das receitas ordinárias se cifrou em 70 877 contos, em 1964 subiu para 82 488 contos, tendo atingido no ano seguinte o valor de 87 918 contos e ano de 1956 o de 111 938 contos. É de notar que a previsão para este último ano tinha sido de 85 837 contos, fie atendermos a que para o decorrente ano estão previstas no orçamento da província receitas ordinárias no valor de 118 902 contos, parece que podemos esperar, sem optimismos exagerados, que neste ano de 1968, ou seja- no quinto ano da vigência da reforma tributária, o rendimento das receitas ordinárias ultrapassará o dobro daquele registado em 1963.
É de toda a justiça salientar que a reforma tributária, com todos os defeitos que contém, e que, honra lhe seja feita, vêm sendo gradualmente corrigidos nestes anos da sua vigência, tem sido inegavelmente o instrumento que tem conseguido, tanto quanto possível, estabelecer na província a justiça fiscal e destronar, de uma vez para sempre, certas fórmulas que durante longos anos afectaram não só os interesses do Estudo, como até mesmo os da grande maioria- dos contribuintes.
Repito, a reforma continua a ter os seus defeitos, os quais terão de ser. Com toda n urgência, devidamente corrigidos, à medida que vão surgindo. Todavia, ninguém poderá deixar de reconhecer que, com ela dia a dia, nos vamos aproximando da justiça tributaria que todos os contribuintes conscientes dos seus deveres para com o Estado, legitimamente, e desde há muito desejam.
Vozes: - Muito bem. muito bem!
O Orador: - Da análise pormenorizada dos diferentes capítulos por que se distribuem as receitas ordinárias se verifica que os impostos directos gorais passaram do cerca de l 0 000 contos, cobrados em 1963 (último ano anterior à vigência da reforma tributária), para 17 000 contos, em 1964, para 19000 contos, em ]965 e, finalmente, para 21 000 contos, em 1961. Quer dizer: o rendimento dos impostos directos gerais duplicou ao fim do terceiro ano da vigência da nova reforma tributária e, como já era de esperar, estacionou a partir desse ano.
Penso que não é aconselhável qualquer nova sobrecarga fiscal enquanto a armadura económico-financeira da província- não for suficientemente fortalecida pêlos resultados que advirão dos empreendimentos levados ou a levar a cabo com a execução dos planos de fomento, sob pena de se fazer cessar os investimentos privados, com toda a série de inconvenientes de natureza social, política e económica que escuso de indicar aqui. Em minha modesta opinião, certos impostos directos gerais presentemente em vigor na província deverão ser urgentemente revistos e neles introduzidas as justas correcções, de forma a evitar determinadas discrepâncias que, por vezes, se vêm registando, sobretudo no que diz respeito à contribuição predial (quer urbana, quer rústica), ao imposto profissional (2.° grupo) e àquele que incide sobre as sucessões e doações. Em relação a este último há que modificar o que se passa. Basta que diga que a ele estão sujeitos todos os actos que importem transmissão perpétua ou temporária de propriedade de valor excedente a 500$, compreendendo, dinheiro, títulos de dívida pública e acções de qualquer empresa, mesmo que essa transmissão se faça a favor dos filhos. Na metrópole, na transmissão de puis para filhos só estão sujeitas ao imposto as propriedades de valor superior a 100 000. Apesar de as isenções em relação n este tributo serem tão restritas; dado o baixo valor das heranças que na província se transmitem, no ano de 1966 a respectiva cobrança apenas atingiu o valor de 881 contos, todavia substancialmente superior aos 5.13 cobrados no ano anterior.
Especialmente 110 primeiro ano da execução da reforma tributária, verificaram-se certas divergências; de critério, entre as diversas comissões concelhias, na fixarão do rendimento fiscal presumível ou tributável, de que resultaram, não poucas vexes, manifestas injustiças, muitas das quais foram sanadas, oportunamente, por decisão da entidade competente. Para controlar a tributação e evitar esse "desajustamento de critérios", chamemos-lhe assim, que por vezes se vinha verificando nas diversas áreas fiscais da província, foi criado em 1960. por proposta do Governo local, mais um lugar de director de 8.º classe na Repartição Provincial dos Serviços de Fazenda e Contabilidade. Este funcionário superior, entre o mais tem por especial função conseguir manter, tanto quanto possível e através de constantes inspecções, o mesmo critério a adoptar por todas as comissões concelhias na fixação do rendimento tributável ou presumível, para efeitos de lançamento da contribuição industrial. E de inteira justiça aqui realçar que se tem conseguido, desta forma, uma quase unidade de critério, o que muito me apraz registar. Oxalá. Sr. Presidente e Srs. Deputados, todos os lugares criados na província nestes últimos oito anos tivessem já provado tão exuberantemente a sua necessidade e eficiência.
Dado que em Cabo Verde estão sujeitas à contribuição industrial todas as pessoas singulares ou colectivas que lá exerçam o comércio e a indústria, e que a actividade industrial, no sentido rigoroso da expressão, tem valor insignificante no conjunto económico da província, julgo poder, sem correr o risco de grandes desvios, fazer algumas considerações em relação a este imposto, tomando apenas em conta a actividade comercial propriamente dita.
Reconhece-se. em face dos elementos constantes das coutas, que em 1964 uma importação total, no valor de 200 718 contos, deu lugar à cobrança de 8836 contos de contribuição industrial, que no ano de 1905, para um volume de importação no valor de 22828.1 contos, resultou no rendimento da mesma contribuição que atingiu a cifra de 8787 contos e, finalmente, que. no ano de 1960 se cobraram 9084 contos de contribuição industrial, correspondentes a uma importação de mercadorias no valor de 244 203 contos.
Quer dizer: nos três primeiros anos da vigência da reforma tributária o rendimento da contribuição industrial em toda a província correspondeu a cerca de 3.8 por cento do valor global das mercadorias importadas.
Vejamos agora o que nos dizem os números constantes das contas em apreciação acerca do imposto complementar sobre rendimentos, criado pelo Diploma Legislativo n.° 1545, de 12 de Julho de 1963, e que também vigora na província desde 1964.
O imposto complementar em Cabo Verde é pago na sua quase totalidade, pelas pessoas singulares e colectivas que se dedicam ao comércio, que é pelo menos por ora, a principal actividade, económica da província. Dado que a maior parte desse comercio se desenvolve à volta de produtos importados podemos dizer, embora grosseiramente, tendo em conta o valor da importação das mercadorias que depois transitaram pelos circuitos de comercialização que no ano de 1966, para uma importação global de 244 203 coutos, se registou um rendimento de imposto complementar de 4904 contos. Quer dizer: nesse aro o comércio de Cabo Verde despendeu com o pagamento do imposto complementar pouco mais de 2 por cento do valor total das mercadorias importadas.
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Não houve, nu realidade, depois da entrada em vigor da reforma tributária, um aumento que se possa, reputar exagerado do rendimento da contribuição industrial em relação aos valores de importação, Senão vejamos: em 1955, por exemplo, o valor global da importação foi de 77 924 contos e o rendimento da contribuição industrial atingiu os 5031 centos. Quer dizer: este rendimento representou nesse ano 6.4 por cento do valor total das importações efectuadas, quando é certo, conforme há pouco mostrei, que em ]966 o rendimento total da contribuição industrial apenas representou 3,8 por cento do valor das mercadorias importadas.
Em face dos números indicados. Verifica-se que com a reforma tributária posta em vigor em 1964. Se desagravou substancialmente, a contribuição industrial, que ao fim e ao cabo. Ora antes desse ano, e continua a ser, praticamente suportada pelos consumidores, ou seja pela maioria da população. Por outro lado, procurou-se, de certo modo a necessária contrapartida no rendimento do imposto complementar, que atinge especialmente as pessoas singulares domiciliadas nu província e que tenham rendimento anual superior a 60 000$.
Reconheço que tanto o rendimento da contribuição industrial como aquele que diz respeito no imposto complementar não apresentam de forma alguma e por todas as considerações que acabei de fazer, qualquer exagero em relação ao valor total da importação, embora, admita, repito, que existam ainda por sanar certas injustiças fiscais, todavia susceptíveis de oportuna correcção.
Não posso deixar de concordar que é por exemplo, manifesto o exagero que se verifica em relação às taxas do imposto do selo presentemente em vigor na província, e que injustificadamente e de há longos anos, são as mais elevadas, creio eu, de todo o território nacional.
Em 1955 foram cobrados em Cabo Verde 3228 contos (número redondos) de imposto do selo em 13 010 contos respeitantes ao rendimento total dos impostos indirectos. Quer dizer: nestes impostos, o do selo entrou com 25 por cento do valor global. No ano de 1966 o rendimento do imposto do selo atingiu 7078 contos (numa cobrança total de cerca de 37 000 conto de impostos indirectos) e ainda representou, a despeito do vigoroso aumento verificado nas várias rubricas dos impostos indirectos, nomeadamente naquela que se refere aos direitos de importação, cerca de 20 por conto do total dos impostos indirectos arrecadados.
Em 1966 o rendimento do imposto do selo foi superior ao daquele proveniente do imposto complementar e o seu valor apenas foi ultrapassado pelo rendimento dos direitos de importação, que atingiram a cifra de 23 407 contos, e pelo da contribuição industrial.
O rendimento dos direitos de importação passou de 11 413 contos em 1955 para 23407 contos em 1966, já depois, portanto, da entrada em vigor das novas pautas e a depois da queda de determinadas barreiras aduaneiras com o objectivo da integração económica do espaço português. Isto evidencia não só a forma cautelosa e inteligente como tem agido o Governo da província no tocante à administração financeira, como também nos indica ter havido em 1966 um aumento substancial do valor da importação de mercadorias sujeitas a direitos aduaneiros.
Devo fazer notar que posteriormente, em Janeiro de 1967. Começou a vigorar na província o imposto de consumo, cujos rendimentos, em parte, virão a servir de contrapartida à queda daqueles que hão-de desaparecer com a gradual extinção das barreiras alfandegárias entre os diferentes territórios nacionais.
No estado actual, é Cabo Verde, justamente, pela debilidade da sua economia, de todos os territórios nacionais aquele que menos produz e que menos possibilidades tem de exportar até porque, em regra, tudo quanto poderia vender para o exterior é produzido noutras regiões do espaço português e na maior parte das vezes em condições mais vantajosas. Sendo assim, pelo menos por ora, é de Todas as nossas províncias a que menores possibilidades terá de gozar dos benefícios do desaparecimento das barreiras aduaneiras entre os territórios, nacionais. Todavia, com certo optimismo, esperamos que da fase final da execução do III. Plano de Fomento advirá para a província manifesta melhoria na sua balança comercial, sobretudo no domínio da pesca, no das indústrias extractivas (no que se refere à pozolana, ao sal e ao calcário), no das indústrias transformadoras (no que respeita ao cimento, que se espera venha a ser produzido na ilha de Maio, e à aguardente) e, até mesmo, no que diz respeito a curtos produtos agrícolas, tomo a banana e o café, c outros que possam vir a ser produzidos e comercializados, mercê de uma gradual e inteligente reconversão da actual agricultura cabo-verdiana de subsistência em "agricultura de mercado".
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -Já que: abordei, embora ao de leve, as perspectivas da exportação, entendo aqui dever dizer que, a despeito de. em 1966 a balança comercial da província ter anisado um saldo negativo de 210 000 contos, todavia" e notou, já naquele, ano, sensíveis progressos na exportação de certos produtos, como. por exemplo, na exportação da banana, cujo valor atingiu 6643 contos, contra pouco mais de 2000 contos em 1962.
A respeito das possibilidades futuras da exportação dos produtos de pesca e seus derivados, embora já mais nada tenha a acrescentar àquilo que sobre o assunto foi há dias dito tão judiciosamente, nesta Câmara, pelo meu ilustre amigo e colega de círculo Prof. Salazar Leite, posso, e apenas em aditamento, aqui informar que, segundo notícias que recentemente mo foram dadas, já estão em construção na Alemanha quatro navios de pesca destinados à Congel e também em vias de seguir para Cabo Verde outros barcos pesqueiros pertencentes à. empresa Sapla, que sua vai instalar na província com o objectivo de se dedicar à pesca artesanal e à industrialização do pescado.
Como é de esperar, por todas estas perspectivas no domínio da pesca, próximas de concretização no fim do terceiro Plano de Fomento, que há pouco se iniciou, Cabo Verde tora por certo, conseguido modificar finalmente a posição da sua balança comercial, fazendo desaparecer o crónico saldo negativo, que, infelizmente, de ano para ano te tem vindo a acentuar.
Verifica-se que no capítulo das receitas provenientes das indústrias em regime tributário especial se deu um substancial aumento no rendimento do "imposto de aguardente", que quase duplicou em relação a 1965 tendo passado de 529 contos nesse ano para 1029 em 1966. A aguardente pode vir a representar um valor importante na economia de Cabo Verde e, muito especialmente, na da ilha de S. Antão. A tributação da sua produção é francamente defeituosa, pelo que o Governo da província, ao que parece, pensa em substituir o imposto de que me estou ocupando por outro que inicia sobre o volume de produção de cana sacarina, calculado em função da área plantada.
Conforme já tive ocasião de dizer nesta Câmara, nos programas de actual plano de Fomento para a província
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figura da cena para a obtenção de "aguardente de qualidade" que estou certo, conquistará facilmente os necessários mercados do consumo, nomeadamente aqueles onde viviam núcleos importantes de cabo-verdianos.
Antes de terminar estas ligeiras considerações acerca da evolução das receitas ordinárias da província, vou referir-se aquelas resultantes da cobrança de taxas de transito de telegramas. Como é do conhecimento de VV. Ex.ª, na ilha de S. Vicente existem duas estações de cabos submarinos, uma inglesa e outra italiana, transitando por elas telegramas sobre os quais incidem determinadas taxas legalmente estabelecidas e cujo rendimento durante largos anos foi partilhando entre a metrópole e Cabo Verde, até que em 1935 passou a constituir integralmente receitas da província, nos termos do diploma legislativo n.º 493, de 13 de Abril do referido ano. Em 1966 o rendimento dessa taxa foi de 4931 contos. É uma fonte de receita de certa importância, mas que em grande parte, deverá desaparecer daqui a dois ou três anos, dado que a companhia que explora o cabo submarino inglês ao que parece, tenciona fazer cessar as suas actividades na província a partir de 1970, originando, entre o mais, o desemprego de algumas dezenas de servidores.
Segundo as contas, da província, em 1965 a balança de pagamentos de Cabo Verde acusou saldo negativo de 8416 contos é certa que nos dois anos anteriores os saldos tinham sido positivos de 6552 contos em 1963 e de 19 534 no ano seguinte.
Em 1966 o saldo passou a ser novamente positivo e atingiu a cifra de 6585 contos. Verificou-se nesse ano uma grande entrega de cambiais, que totalizam 194 120 contos, dos quais 130 722 eram escudos metropolitanos.
Entre as moedas estrangeiras, os maiores montantes disseram respeito ao dólar (24 894 contos), ao Horim (18 922 contos) e à libra (10 339 contos).
grande parte das dívidas que entram na província não são susceptíveis de controle oficial, pelo que o volume de cambiais especialmente em moeda estrangeira acusando nas contas está muito longe de corresponder a realidade.
A explicação da proeminência dos dólares e dos florius reside em especial, no facto de serem remetidos mensalmente para a província mais de um milhar de pensões para as pessoas de família de milhares de cabo-verdianos que emigraram para os Estados Unidos da América e para a Holanda.
Em 1964 existiram 570 aposentados da América residentes em Cabo Verde e que recebiam, mensalmente pensões no valor de cerca de 1 500 contos. Não estarei longe de verdade se disser que, além disso, deverão entrar por ano em Cabo verde, e com destino ás famílias dos cabo-verdianos residentes nos Estados Unidos dólares no valor de mais 20 000 contos.
As libras entradas dizem respeito, em especial, ás transacções efectuadas entre os navios estrangeiros e as empresas fornecedora de combustível, água m viveres, etc.
Sob pressão das dificuldades económico financeiras, mas também levado, muitas vezes, pelo seu espírito de aventura marítima, aliás próprio da sua condição de ilhéu e de português de sangue. O Cabo-verdiano sempre emigrou, primeiramente para América do Norte, para o Brasil e para a Argentina e no últimos anos, a partir de 1960 para a Holanda, França, Suíça e Alemanha, emigração essa que tem sido muito proveitosa sob o ponto de vista económico-financeiro e até mesmo sob o ponto de vista de promoção cultural, especialmente quando ela é dirigida para a Europa.
Admite-se que estejam hoje a trabalhar em diversos países estrangeiro da Europa, mais especialmente na Holanda ou melhor nos navios que escalam periodicamente o referido país, entre 2 500 a 3000 cabo-verdianos, que enviam mensalmente para a terra mais de 6 000 contos sob a forma de pensões, etc., o que é sem dúvida relevante para um território onde a armadura económico-financeira é francamente débil.
É notória a influência, por exemplo dos naturais da província que estiveram e estão a trabalhar nos países Baixos, no surto de novas construções que se está a verificar em todo o arquipélago, muito especialmente na cidade de Mindelo. Dezenas de moradias, e até mesmo alguns prédios de rendimento, foram já por eles construídos e com todos os requisito de estética e de conforto.
A actividade económica nas diferentes ilhas tem sido grandemente estimulada pelos constantes investimento que Cabo-verdianos que emigram para a Europa dia a dia vem realizando na terra que lhe serviu de berço.
Não quero alongar demasiadamente esta minha intervenção, mas todavia não posso deixar de me referir, por o facto interessar directamente os cabo-verdianos que trabalham na Holanda, à convenção, entre Portugal e aquele país, sobre segurança social aprovada pelo Decreto Lei n.º 48 117 de 15 de dezembro do ano findo. No que respeita ao nosso país o valiosos instrumentos diplomáticos agora firmado, por força de estabelecido no seu artigo 42". Só é aplicável á metrópole, ás ilhas adjacentes e á província de Cabo Verde. A sua Esfera de acção e bastante vasta e entre o mais, abrange os seguros de vida de doença, de velhice, de invalidez de acidentes de trabalho, de doenças profissionais e de desemprego, os aluno de família , etc.
Escuso de enaltecer, perante VV. Ex.ª, o real valor e o extraordinário alcance político desta convenção, bem como a transbordante satisfação com que foi recebida não só pelos milhares de cabo-verdianos que trabalham na Holanda, como também em todo o arquipélago de Cabo Verde. Com ela se concretizou mais um justo anseio do povo de minha terra, o que só foi possível graças ao caminho com que os interesses da província vêm sendo tratados pelo governo da Nação.
Vozes: - Muito bem. Muito bem!
O rado foi muito cumprimentado.
O Sr. Henriques Mouta: - As contas públicas de 1966 acusam aumento nas despesas com a educação nacional, inclusive e com o ensino superior e das belas - artes. O aumento corresponde a uma situação concreta, em que são realidade a considerar, no plano doa factores, o subsídio do custo de vida, a subida de frequência, com suas pressupostas exigências e sintomática preocupação com a melhoria dos serviços neste sector. Mas não satisfaz ainda às crescentes necessidades nacionais. Apesar do clima de austeridade das circunstâncias, penso que urge ir mais além: o ensino universitário carece de urgente restauração, de melhor aproveitamento e de mais extensão.
Sr. Presidente os Srs. Deputados: O assunto é delicado. Delicado para mim. Embora tenha passado a vida no exercício do magistério, não sou um universitário.
Sei que é muito arriscado meter foice em seara alheia e que nos problemas devem ser estudados pelos interessados e não por pessoas a quem não dizem respeito porque interessa ... a todos os portugueses. Farei apenas um depoimento e uma sugestão, como qualquer deles.
Desviar-me-ei das zonas ciclónicas, onde é difícil a convergência dos sufrágios: investigação e ensino, autonomia pedagógica e financeira. Universidades e Faculdades e institutos, tronco e ramificações licenciaturas e doutoramentos, cátedras vitalícias ou de contrato limitado, etc.
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E por semelhantes razões, evitarei um vocabulário ambíguo, gerador de confusões variadas e sérias: "democratização do ensino", "ensino de massa" e outros termos e expressões constantes ou afins . . . de uma linguagem de cripta, onde cubem todas as coisas e se podem ocultar estrategicamente as cores . . . dos cortinados da carruagem, cujo andar, todavia, acaba, por identificar ocupantes e condutores. Não utilizarei este novo esperanto . . . diplomático, optando pulos caminhos da franqueza e lealdade.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Começarei por sublinhar que nenhum país está plenamente satisfeito com o sou ensino superior e em quase todos se fala de uma "crise universitária". E até hoje ainda se não encontraram soluções perfeitas e, muito monos sem contento de todos. Há, porém, determinados pontos em que as pessoas razoáveis, na sua generalidade. Estão do acordo ou próximas dele.
1.º A Universidade não corresponde satisfatoriamente; fala-se, por isso, de- reformas e mais ainda, de renascença das Universidades . . . por evolução e adaptação;
2.º A Universidade não é campo de batalha de facções, nem alfobre de partidos, nem fábrica do palradores e de agitadores;
3.º A Universidade é um lugar do: trabalho, de preparação, e deve ser acessível, sem perder de vista a necessária selecção, uma vez que a Universidade precisa de ser escol e aristocracia de valores, como exige o bom comum e o da própria instituição que está ao seu serviço; registam-se, graves dificuldades de critério e, mais ainda, de execução, neste domínio, por causa do assalto avassalador aos estabelecimentos de ensino em geral, com reflexos especiais nos institutos superiores: na Rússia e no Japão, por falta de lugares nas Universidades, recorreu-se ao medieval "número clauso" preenchido pelos melhores: a selecção destes é sempre um problema delicado e não passa de expediente, cheio do contingências e até de injustiças, mesmo que se pretendiam evitar discriminações como as da União Soviética, que exclui da Universidade os crentes;
4.º A Universidade está ao serviço do homem, da comunidade e da humanidade, cabendo-lhe, portanto, dar formação profissional, geral, científica, e ecuménica, integrando os valores peculiares nos universais, como é na constante, desde a Idade Média:
5.° Até por esta razão, uma Universidade sem uma Faculdade Teológica é Universidade mutilada e oferecemos diplomados afectados de desequilíbrios culturais, com uma cultura profana- evoluída e. urna. cultura religiosa de adolescente, se não infantil; e até ignora a mais humana das dimensões humanas, n mais universal ... -se é lícita a expressão sem a qual a vida não tem sentido e o homem carece de dignidade, porque a religião é um grito de inconformismo que atravessa todas as fronteira e todos os séculos, grito dos homens que não aceitam "ser" e "viver" ao nível da alimária:
6.º O poder e saber trabalhar continua na base de uma- autêntica Universidade; sem esta condição são inúteis todas as reformas de estrutura e mudanças de pessoas; e não há reformas definitivas, que tempo e vida não consentem, urgindo manter o essencial e corrigir o enriquecer permanentemente: a isto devem estar a tontos entidades privadas e o Estado, a que se não discute o direito nem o dever de promoção e vigilância, dentro das exigências do bem comum, razoavelmente compreendido . . .;
7.º As Faculdades requerem uma certa, autonomia n integração no todo, sem sacrificar a unidade nem a iniciativa; do mesmo modo, as Universidades entre si;
8.° Deve rever-se a geografia e a topografia do casino universitário à luz dos interesses de tudo dos interesses da comunidade. E é neste: aspecto dos problemas universitários que hoje me deterei um pouco.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Urna das preocupações dos governantes na obra, actual e a de corrigir desequilíbrios regionais de desenvolvimento. E esta assinalada e crescente preocupação de fazer, também neste domínio ou sector, a necessária justiça social não se confina aos bens materiais. Hoje os trabalhadores não se contentam com salários satisfatórios, mas aspiram a participar dos bens tio espirito e a fruir e enriquecer o património moral da sua nação o da humanidade. Pelo acesso à educação e à cultura. Semelhantemente as populações provincianas entendem que os institutos fortes e instrumentos de cultura não devem concentrar-se exclusivamente nos grandes aglomerados urbanos, onde não podem deslocar-se.
No ensino secundário deram-se passos decisivos, como o fomento do ensino particular, que implantou colégios e escolas em quase todos os conselhos do Pais. Sou do tempo em que no distrito de Viseu só havia três colégios. Um dos quais na cidade de Laniego, alias penoso pelos seus serviços, oferecendo a nação muitos homens que hoje ocupam muitas e variadas posições de relevo na vida do País. A multiplicação dos colégios e a sua disseminação pela terra portuguesa, contrariando a tendência monopolista e dos privilégios dos institutos oficiais, constituem um dos mais transcendentes acontecimentos da nossa história contemporânea, em que por vezes se não atenta, pelo menos suficientemente. Por este serviço ficará o nosso povo obrigado aos responsáveis por estes novos rumos da educação trilhados em Portugal nos últimos quarenta anos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não significam estas palavras que esteja tudo feito que tudo seja perfeito até porque neste feliz canto da Europa e bela varanda ocidental sobre o atlântico ninguém sonhou possível construir um "Paraíso" no planeta e não podemos ficar onde estamos, porque o progresso não pára.
Até me parece chegado o momento de se pensar a sério numa relativa descentralização no plano do ensino universitário. Também neste sector da educação e cultura os rurais e provincianos tem direitos. E como, entre eles abundam ricos de vontade e de inteligência, mas pobre de recursos para se deslocarem as universidades centrais, importa que os institutos superiores, na medida do possível, se desloquem até eles, como sucedeu com o ensino secundário graças aos colégios e telescola. Não seria de aproveitas esta hora em que o ministério da educação se trabalha com o empenho na reforma geral do ensino e normalmente, na reconstrução do ensino universitário? Talvez fosse uma oportunidade e contribuição para corrigir, certos desequilíbrios regionais na economia, partindo da cultura ... Quando se tenta o descongestionamento industrial, reduzir desigualdades de situações económico-sociais, promovendo uma distribuição mais justa dos bens da vida, não seria razoável nem de bom agouro olvidar este aspecto dos bens culturais o acumulador em duas ou três cidades as instituições universitárias.
Sr. Presidente, o: Srs. Deputados: Os tempos em que só Bolonha, Paris e Oxoford, Salamanca o Coimbra ou Lisboa, onde a rogo e meios de clero português. D. Dias implantou, com ...e confirmação do papa a primeira Universidade de Portugal e uma das primeiras seis ou sete universidades do mundo... esses tempos em que se aquela eram cidades universitárias, vão longe mesmo muito longe.
Longe também os tempos de 1 400 quando toda a Europa contava apenas cerca de 50 Universidades fundadas pelos
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papas ou por eles reconhecidas e subsidiadas em fecunda colaboração com os reis e príncipes.
Não estou a sugerir que se desmantelem nas nossas cidades universitárias, apenas que se não faca delas cidades com exclusivos, que não respondem às aspirações e necessidades das populações do todo nacional. Sugere-se até que se aperfeiçoem os institutos ou se completem ou cresçam, nos aspectos complementares das matérias do sua jurisdição, científicas, literárias e artísticas. E não apenas em homenagem a uma tradição, como valor afectivo e ato efectivo, no plano da pedagogia .... mas obedecendo ao mesmo princípio de ir no encontro das populações .... mais especificamente das populações escolares. Aliás, foram, estas, com a, fama dos mestres e a geografia, as determinantes da localização das primeiras Universidades, orgulho da Idade Média cristã, irmãs espirituais das catedrais românicas e góticas. E, hoje como sempre, não se pode ignorar que Lisboa, Porto e Coimbra, em grau de proporções diversas embora, são grandes e centrais aglomerados urbanos e escolares. Por isso mesmo, entendo que as Faculdades fundamentais da Universidade Católica devem erigir-se em Lisboa.
Descentralizar, com efeito, não é desmantelar, nem a subordinação do bem comum ao particular se pode considerar legítima, li todos os organismos ou institutos de utilidade pública e social devem convergir no sentido da eficiência ou rendimento, princípio indiscutível o que não pode subtrair-se a estruturação de uma Universidade. Assim, para ir ao encontro da juventude ou do pensamento de alunos e professores para exercer a sua função especifica, o núcleo da Universidade Católica deveria ficar a trabalhar, ser e existir em Lisboa, onde converge a grande massa estudantil da Nação e onde exercem o magistério e a investigação mestres em grande número e representando os mais variados sectores da ciência e da cultura, em razão do número e diversidade de Faculdades, especialidades e institutos com sede na capital.
Ora, do núcleo de uma Universidade Católica não podem cindir-se as retirar-se as Faculdades de Teologia e de Filosofia, matérias de especial poder pedagógico, capacidade de irradiação, autoridade, aferidora c força indicativa. Sou pela restauração da Faculdade de Teologia em Coimbra, não apenas em homenagem a tradição gloriosa, mas porque também ali tem missão específica e transcendente. Porém, tal restauração não deverá prejudicar a fundação em Lisboa de uma outra Faculdade de Teologia, como a Faculdade de Filosofia de Braga não impedirá, certamente, a criação, em Lisboa, de uma segunda Faculdade de Filosofia. Nada todavia, de concentrações exageradas. Não escapa a ninguém que nos grandes aglomerados humanos a massa tende a evoluir de comunidade para rebanho e o colectivo ameaça n pessoa e dificulta as deliberações individuais. Neste aspecto considero os grandes centros universitários das pequenas urbes mais perigosos que os das grandes metrópoles, onde é mais fácil subtrair-se ao determinismo e retracção dos movimentos de massas. Ninguém propõe uma, Universidade para cada cidade ou distrito, coisa sem tom nem som. Apenas que se não fique na concentração monopolizadora c congestionante.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Por esse mundo além há Universidades como Faculdades dispersas por várias cidades e províncias. Ainda recentemente o Diário popular chamava a atenção para a descentralização universitária na Alemanha. Holanda. Inglaterra e noutros países. A .Itália couta nada menos de 23 centros universitários. A França é uma excepção, Mas também ali se regista uma tendência descentralizadora. Em livro recente, três professores, um do Instituto, outro da Faculdade de Letras e Nantes e Sorbona apresentam depoimentos afirmações escandalosas:
Paris tornou-se um inferno para os estudantes, por dificuldades de habitação, de habitação, de circulação e de clima de trabalho: a urbe do Sena deixou de ser a imperatriz das cidades: a ditadura da capital tudo emperra: as Faculdades estão mortas; a imperalismo da Sorbona é ruinoso: a Soborna já não é Sorbona!
São muito exageradas estas e outras lamúrias, e o mais deplorável é a dificuldade, de pôr os pareceres de acordo, sobre que é por natureza e funções, uma Universidade. Todavia, e embora confinado na modéstia da minha perspectiva, não deixarei de reconhecer algum fundamento a certos pontos de vista: quando se pede presença, relevo e até um certo primado da língua materna no ensino da Universidade: quando se preconizam novas Universidades nu orla das cidades de hoje, que será o centro de cidadãs de amanha; quando se proclama que se não se salva a capital sem a província nem a província- sem a capital.
Cem a rapidez das comunicações hoje não há distâncias entre, parcelas da mesma pátria, como entre Faculdades c institutos da mesma Universidade. As Faculdades e institutos da mesma- Universidade instalados no mesmo edifício podem estar muito distantes, solitário, e não solidários. E, ao contrário. Faculdades e institutos da mesma Universidade dispersos por diversas e longínquas províncias podem estar mais perto uns dos outros, solitários n solidário, unidos pelo ideal científico, pela comunidade, e afinidade de tarefas, independentes, mas coordenadas e com urgentes. Tudo dependo da orgânico- e da estrutura ... o, sobretudo, dos homens quu estiverem à frente.
Entre nós e por iniciativa particular, embora no rasto lê uma tradição no caio di1 Évora, as instituições universitárias começam de expandir-se. Braga tem a sua Faculdade, já oficialmente reconhecida ... e muito merecida e louvavelmente. E Luanda, Sá da Bandeira, Nova Lisboa. Lourenço Marques com seus estudos Gerais a evocar o Estudo Geral de Lisboa ou Coimbra, foram oportuna e justiceiramente contempladas com institutos, superiores, integrados na Universidade Portuguesa, que serve a comunidade nacional.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Viseu não oculta as suas aspirações, fundada; na sua posição geográfica, nas suas potencialidades económicos, na sua expansão urbanística, no seu crescimento demográfico, na sua população escolar e no volume e variedade da? suas actividades mercantis, que fazem da cidade um dos primeiros, centros comerciais da metrópole, do que também, é índice uma dezena de casas bancárias que rela se foram instalar. Em Viseu ficaria bem situado, por isso mesmo, um instituto comercial, pura servir a sua economia e a de vários distritos daquela zona. Só no distrito já se contam três escolas técnicas com alguns milhares de alunos. E só a cidade capital do distrito ultrapassa o meio milhar de estabelecimentos comerciais especializados, com cerca de 50 ramos de negócio diferentes. O número de empregados de balcão, armazém e escritório, associados nos respectivos sindicatos, caminha para 1000 na cidade e aproxima-se de 2000 no distrito. Mas as aspirações de Viseu não se confinam ao número médio.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Pela geografia c pela história, pelo passado, pelo presente e pelo futuro, diria até pelo destino, se não fosse fatalismo .... mas seguramente por uma longa, contínua e gloriosa tradição, Viseu está indicada para servir a cultura nacional, através de uma escola superior de pintura. Não se trata de mm utopia, nem de um luxo, nem de um capricho, nem de
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9 DE MARÇO DE 1968 2697
uma entidade supérflua, sem justificação nem rendimento para a cultura nacional. Se entendesse que o era não falaria em tal coisa. Mas hoje, em todos os países civilizados, sabe-se muito bem a importância atribuída pela pedagogia moderna à educação estética, no plano do ensino de todos os graus, mesmo do primário, e da formação integral do homem. O ensino, o técnico especialmente, prossegue no seu avanço, avassaladoramente. Acentua-se, cada vez mais, a carência de professores nas escolas técnicas e liceus. Uma escola superior de pintura em Viseu poderia facilitar a .preparação de diplomados e atrair a este sector do magistério maior número de obreiros da educação nacional. Num futuro bem próximo, a educação ocupará um dos primeiros lugares, se não o primeiro, na escala dos orçamentos e dos investimentos dos Estados. É preciso pensar no futuro. A escola superior de pintura de Viseu poderia ficar integrada na Universidade de Coimbra, única das Universidades metropolitanas sem ensino superior de estética neste sector. Integrá-la como instituto ou Faculdade da Igreja na Universidade Católica Portuguesa seria outra hipótese. Certo é que uma tal escola facultaria às populações, generosas e sacrificadas, do interior e do Nordeste do País um meio de promoção cultural, com reflexos na promoção económica, regional e global da Nação.
O quadro dos professores constitui hoje um problema em qualquer parte do Mundo. A deslocação de mestres de cidade para cidade está sendo um recurso, graças aos rápidos meios de comunicação. No espaço português são frequentes as deslocações de catedráticos e assistentes, a reger cursos em Nova Lisboa, Luanda, Sá da Bandeira e Lourenço Marques. Viseu fica mais perto. E em breve terá não apenas um serviço de táxis aéreos, mas também uma carreira de aviões, que fará» o percurso de ligação com as cidades universitárias metropolitanas em menos de uma hora. As deslocações de mestres implicarão, talvez, alguns inconvenientes. Serão sempre menos e menores que os das deslocações das massas escolares, pois estas são muito mais gravosas e ordinariamente nem possíveis se tornam.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Viseu é reconhecida por berço da pintura portuguesa pela autoridade de duas das maiores figuras da crítica nacional ... «Se a fundação da nossa pintura data de Nuno Gonçalves, a restauração da independência da nossa pintura proclamou-se em Viseu e no Sardoal ...», escreveu Reinaldo dos Santos. Quanto ao nascimento ... nem o insigne mestre está plenamente convencido, como o deixa ver a condicional «se». Nem podia nascer com Nuno Gonçalves, porque ninguém, nada nasce adulto e a pintura de Nuno Gonçalves é de plenitude. Mas o próprio Reinaldo dos Santos observa: «O ciclo pictural da Beira Alta é mais importante que o do Sardoal.» Por minha parte, acrescentarei não ser impossível que o mestre do Sardoal seja viseense ou, pelo menos, influenciado pela escola de Viseu ... No que Beinaldo dos Santos não hesita é em atribuir a Viseu uma das representações mais originais da pintura nacional, afirmando que em Viseu se registam as primeiras afirmações da independência e personalidade da pintura portuguesa.
O malogrado e autorizado Reis Santos não é menos peremptório no seu depoimento de especialista da nossa pintura antiga. «Grão-Vasco é grande pintor de Viseu, da Nação e do século XVI, glória da arte, genial e de personalidade inconfundível. E a escola de Viseu constitui uma das mais vincadas afirmações do génio nacional, cuja maneira própria tem o dom, nos painéis da escola viseense, de reflectir intensamente o tempo e o lugar, a terra e a grei, os usos e os costumes, a casa e o trabalho da nossa gente beirã e portuguesa.» E ainda: «Os caracteres mais íntimos da escola portuguesa ... vamos encontrá-los mais bem representados nos pintores das beiras, especialmente em Vasco Fernandes, cuja fama foi a primeira que deu prestígio à pintura primitiva portuguesa.»
Só no século XVI Viseu ofereceu ao País e à cultura universal uma dúzia de pintores. Mas a pintura viseense não começa nem acaba no século XVI. Vem dos primórdios do século XVI, pelo menos desde 1324, com João Vicente, coevo de Giotto e quase um século anterior a Frei Angélico, e chega a nossos dias com António Batalha, António de Almeida, Alda Pereira, Orlando e Afonso dos Santos.
A pintura é uma constante cultura e um traço inalterável na sensibilidade da gente da cidade de Viseu.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Antes de Vasco Fernandes, no século XV, foi artista viseense Maria Esteves da Cunha (... 1463-1468 ...), poetisa e pintora de mérito. Esta senhora, religiosa e contemporânea de Fra Filippo Lippi e de Gozzoli, da escola de Florença, e de Mantegna, Perugino, Bellini e Signorelli, bem como do infante D. Henrique, que ela deve ter conhecido e tratado como primeiro duque de Viseu, é um documento humano e pessoal da mentalidade feminina e da Igreja na época ... No século xvii continua a já tradição, com Diogo Vaz, Manuel Vaz Júnior, Matias da Mouta, Miguel Vaz, João Dias e Francisco Dias Torres. E prolonga-se no século XVIII, como se vê pelo exemplo de Furtado (Gata) e de outros, estendendo-se aos nossos tempos, com os mestres Pereiras à cabeça, na transição do século XIX para o século XX.
Mas a pintura não vivia solitária em Viseu. Não era isolada ali, vivia e convivia ... num contexto histórico artístico. Ao lado dos pintores, topam-se arquitectos, imaginários, lapidários. ourives de ouro e de prata, músicos, cantores e compositores, como Lopes Morago, mestres da capela, como Jorge Cardoso de Pina, organistas, como Gaspar da Mota, e arpistas, como Lobato Falcão. Sem falar no cónego Estêvão Gonçalves, mais que iluminador de garra, génio da iluminura mundial, como se documenta com o célebre Missal, que hoje enriquece o património da Academia das Ciências e pertencia à sé visiense.
Podas as artes floresceram à sombra da catedral e dali irradiaram, muitas delas, em produções maravilhosas que honram a cultura nacional.
Mas, se a pintura não vivia só, é igualmente verdade que ela não morreu. Não apenas, riem principalmente, por ter chegado a nossos dias, em notável cadeia, feita de dinastias, de artistas ... Também, e mais ainda, porque as suas obras-primas existem, vivem e exercem magistério na cidade de Viseu, em proveito e glória de todos os portugueses. Mas, para que o seu magistério se amplie e torne mais eficiente, importa aproveitar ao máximo os tesouros recolhidos nos museus viseenses, como instrumentos vivos de uma escola de pintura. Falo de museus, no plural. Mesmo os que não são de pintura, ao menos, exclusiva ou principalmente, podem ser aproveitados por uma escola de pintura, como testemunhos artísticos, expressões estéticas, estímulos de sensibilidade. Na Casa-Museu de Almeida Moreira, recentemente valorizada com a intervenção da benemérita Fundação Calouste Gulbenkian, já tem estado a funcionar um serviço de iniciação estética para crianças dos 4 aos 6 anos, onde a alma infantil se revela e se descobre espontaneamente, aprendendo a descobrir a vida.... e a arte que eleva o homem para mais alto e mais além ...
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Desde o Verão passado que a cidade conta com mais um museu. Museu do Povo
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da Beira, onde ficarão em depósito es elementos de arqueologia, e de pré-história do Museu de Grão-Vasco. Museu das várias secções próprias que o estruturam. Numa delas, o que refere à trilogia da vida - vinho, pão e azeite - das gentes da Beira Alta e o concernente à generalidade dos meios de trabalho de subsistência do nosso povo. Numa secunda, D que respeita a transportes fluviais e terrestres, incluindo barcos de longo curso o de travessia das bacias hidrogáricas dos rios das áreas dn distrito du Viseu.
O Museu ou Tesouro de Arte Seara guarda peças preciosas de ourivesaria e paramentaria, umas nu nutras de tanto valor que não têm preço, além de cofres medievais de Limoges algumas pinturas o até esculturas de grande classe.. E, a propósito de escultura, anotarei que no ambiente da catedral de Viseu parece que paira a sombra do génio do Laprada.
O Museu de Grão-Vasco é hoje um dos grandes museus do País. Ali se conservam alguns dos melhores e maiores painéis de Vasco Fernandes, grandes em qualquer parte do mundo, pela qualidade e pela monumentalidade. Também presente Colombianos e o Grupo do Leito, que anunciou novos caminhos, tendências e escolas da arte moderna. O avanço técnico no campo da inuseologia do Museu de Grão-Vasco e o valor das suas obras foram recentemente reconhecidos por Madame Hours. conservadora do Museu do Louvre. Vinda a Viseu por um dia para uma conferência, a visita ao Museu forçou-a ficar em Viseu por três dias . . . uma ideia do interesse; do Museu de Grão-Vasco, que é acima de tudo, museu de pintura, pode-nos ser dada pelo número de visitas anuais que, ultrapassadas as 50 000 em 1967 não pára e avança significativamente, apesar de situado a distância dos grandes centros de Lisboa e Porto.
Saindo da capital do distrito para nordeste, breve, se estará em Lamego. também em Ferreirim e, com poucos quilómetros mais de estrada, beneficiar, ainda em Tarouca, onde ficariam acessíveis aos estudantes e mestres de uma escola de pintura de Viseu espécies ricas da arte viseense beirã. Mais perto ainda e em direcção oposta, o Museu do Caramulo fundado pelo também malogrado Abel de Lacerda, que foi membro desta Gamara, e enriquecido por seu irmão, Dr. João de Lacerda. Descendo do Caramulo, rumo a Lafões, tem-se à mão o Museu de Vouzela. E rumo ao Dão, para breve o Museu de Santa Comba. No do Caramulo, como nos de Lamego e em Trarouca, estão produções de Grão-Vasco e de Gaspar Vaz, além de outras presenças notáveis. Ora, os museus devem ser considerados mais que simples tesouros de preciosidades, destinados à contemplação deleitosa de estetas privilegiados ou & satisfação de curiosidades vulgares. Estão a pedir que sejam utilizados como escolas e não se confundam com armazéns de antiquários, ou cemitérios silenciosos e povoados de sombras . . .
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Teríamos, assim uma escola de pintura, servido por vários e ricos museus preciosos instrumentos de. trabalho para estudo e ensino. Se as aves escolhem ambiente para os ninhos da fecundidade e se as plainas carecem de meio para se desenvolverem e estendem as raízes para onde pressentem húmus vital, também o espírito precisa do: meio ou clima para criar. Na Beira Alta teria uma escola superior de pintura ambiente, meio, clima, paisagem e- húmus vital parti render e servir ... a arte e a cultura no serviço e valorização do homem e do País. V. o apontado circuito artístico da Beira Alta poderia Construir infra-estrutura preciosa para um dos mais tentadores circuitos turísticos nacionais, se dotado de eficiente reiV1 rodoviária, que é fácil completar.
O acréscimo da despesa, nem seria arrasante nem seria ... na futura, dados os frutos que viriam que a colher.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continua na sessão da tarde, à hora regimental sobre a mesma ordem do dia. Está encerrada a sessão.
Eram 13 horas e 40 minutos.
Sr. Deputados que entraram durante a sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António José Braz Regueiro.
Arlindo Gonçalves Soares.
Artur Alves Moreira.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Francisco Cabral Moneada de Carvalho (casal Ribeiro).
Francisco José Cortes Simões. Francisco José Boseta Fino.
Gustavo Neto de Miranda..
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
João Duarte de Oliveira.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Guilherme Bato de Melo e Castro.
Júlio Alberto da Costa evangelista.
Manuel Henrique Nazaré.
Paulo Cancella de Abreu.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arautos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Álvaro Santa Rita Vaz.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Fernando de Matos.
Jaime Guerreiro Rua.
Joaquim de Jesus Santos.
Tose Coelho Jordão.
José Manuel da Costa.
José dos Santos Bessa.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel José de Almeida Braameamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul Satúrio Pires.
O Redactor - Januário Pinto.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA