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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 149
ANO DE 1968 28 DE NOVEMBRO
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 149 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 27 DE NOVEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 45 minutos e interrompeu-a de seguida para introduzir na sala o Sr. Presidente do Conselho.Reaberta a sessão às 16 horas, o Sr. Presidente anunciou que ia usar da palavra, como ora seu direito, o Sr. Presidente do Conselho.
Usou da palavra, o Sr. Presidente do Conselho.
O Sr. Presidente suspendeu a sessão às 16 horas o 45 minutos para acompanhar o Sr. Presidente do Conselho.
Reaberta a sessão, o Sr. Presidente marcou a próxima sessão plenária para o dia 5 de Dezembro, tendo como ordem do dia a discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1969.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 16 horas e 65 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
André da Silva Campos Neves.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António José Braz Regueiro.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Fernando de Matos.
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Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Coelho Jordão.
José Fernando Nunes Barata.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pais Ribeiro.
José Rocha Calhorda.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul Satúrio Pires.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes os Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por uns minutos para introduzir na sala o Sr. Presidente do Conselho.
Foi interrompida a sessão.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 16 horas.
O Sr. Presidente: - Vai usar da palavra, como é seu direito, S. Ex.ª e Presidente do Conselho.
O Sr. Presidente do Conselho: - Sr. Presidente da Assembleia Nacional, Srs. Deputados: Permite a Constituição que o Presidente do Conselho compareça nesta Assembleia para tratar de assuntos de reconhecido interesse nacional. Creio que a Nação e a Câmara terão interesse em ouvir de boca do chefe do novo Governo o seu juízo sobre a conjuntura em que foi chamado, por virtude da doença do Presidente Salazar, a assumir as difíceis responsabilidades do Poder. É esse o propósito que aqui me traz, e entro já na matéria, em cuja exposição procurarei ser sintético, para poder ser breve.
Todos nós temos consciência da importância fundamental que o ultramar reveste hoje na vida pública portuguesa. A civilização dos povos e a valorização das terras das províncias ultramarinas foram progressivamente ocupando, até 1961, um lugar cada vez mais largo e destacado nas preocupações dos governantes. Nesse ano desencadeou-se no Norte de Angola um surto violentíssimo de terrorismo, de que resultou o morticínio de milhares de pessoas - às vezes com o sacrifício de famílias inteiras - e a devastação de extensas zonas, onde foram espalhadas a desolação e a ruína.
A pronta e enérgica reacção da própria população de Angola, coadjuvada pelas escassas forças militares e de polícia existentes então na província, dominou os acontecimentos e teria debelado em curto prazo a insurreição se não fora o apoio material que os insurrectos recebiam de territórios vizinhos e o apoio moral - pelo menos - de outros países que julgavam poder lucrar com a destruição da autoridade portuguesa.
Desde 1961 que esses mesmos factores alimentam a subversão em Angola, depois também introduzida na Guiné e em Moçambique. Em nenhum caso estivemos perante movimentos espontâneos das populações nativas. Em geral deparamos com incursões partidas de bases situadas em territórios limítrofes ou nelas apoiados. São estrangeiros os financiamentos e as armas. No estrangeiro, nomeadamente na U. R. S. S. e na China comunista, são treinados os quadros, e de Cuba têm vindo instrutores e dirigentes.
Contam os vários movimentos e partidos que se formaram para alimentar a subversão e disputar eventualmente o poder com larga audiência e decidido favor em certos sectores da imprensa estrangeira, em muitas chancelarias e na Assembleia das Nações Unidas. Uns ajudam por compromisso partidário; outros pela ingénua crença de estarem apoiando uma causa generosa; muitos por interesse, e bastantes pelo receio de contrariar correntes dominantes na opinião internacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Apesar da tempestade desencadeada Portugal tem mantido serenamente a sua posição. E houve quem pensasse por esse mundo além que tal persistência
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resultava de mera teimosia pessoal do Doutor Salazar. A verdade, porém, é que a posição de Portugal não podia ser outra.
Vozes: - Muito bem, muito bem! Aplausos.
O Orador: - Em Angola e em Moçambique residem, labutam, seguem o seu destino centenas de milhares de brancos. Muitos deles nasceram lá, alguns mesmo na terceira, na quarta, até na quinta geração de famílias há muito radicadas nessas províncias. São africanos. E a par destes há milhões de negros, que durante séculos só conheceram a vida tribal, com seus gregarismos e suas rivalidades, e que no seio da Nação Portuguesa encontraram um lar comum, uma base de convívio social e as condições para, evolutivamente, irem adquirindo as possibilidades de enfrentar os problemas e de utilizar os recursos próprios dos tempos correntes.
Portugal é responsável pela segurança das populações e pela preservação de tudo o que elas criam e de que elas vivem.
Portugal não pode abandonar aos caprichos da violência, aos furores dos ressentimentos, aos ódios dos clãs ou aos jogos malabares da política internacional os seus filhos de todas as raças e de todas as cores que vivem nas províncias ultramarinas, ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Aplausos.
O Orador: - ... nem lançar aos dados de uma sorte incertíssima os valores que à sombra da sua bandeira fizeram de terras bárbaras promissores territórios em vias de civilização.
A consciência dessa impossibilidade é tão viva no espírito de todos nós que nem um só momento se hesitou em enfrentar a subversão.
Pois poderiam os Portugueses assistir impassíveis à selvagem destruição da vida civilizada?
Poderiam os Portugueses deixar avolumar a hostilidade racial e cavar um abismo entre duas etnias cujo convívio e colaboração íntimos são indispensáveis ao progresso da África austral?
Poderiam os Portugueses ver arruinar uma obra que, com todos os. defeitos inerentes à humana natureza, traduz positivamente a criação de sociedades multirraciais queridas e aceites por negros e brancos, num exemplo de entendimento e colaboração que infelizmente não tem muitos similares noutras regiões?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não declarámos guerra a ninguém. Não estamos em guerra com ninguém. A subversão não tem nome e os seus atentados partem não se sabe de quem. Defendemo-nos. Defendemos vidas e haveres. Defendemos, não uma civilização, mas a própria civilização.
Vozes: - Muito bem!
Aplausos.
O Orador: - Defendemos, contra os improvisos trágicos que têm atrasado a marcha das populações africanas e comprometido a paz no Mundo, a evolução firme e segura, mediante a qual os territórios vão amadurecendo para o pleno desenvolvimento económico e cultural, de modo a permitir a participação progressiva dos nativos nas tarefas da administração e do governo.
Defendemos, afinal, os verdadeiros interesses dos povos integrados na Nação Portuguesa e que dentro dela podem, sem sobressaltos, prosseguir os seus destinos, contra desastrosas ficções encobridoras de formas irresponsáveis e detestáveis de neocolonialismo.
Que o digam os portugueses de Goa cativa, donde nestes últimos dois meses recebi tantas e tão tocantes mensagens amigas mensagens significativas de constante presença, mensagens de saudade da Pátria, mensagens de solidariedade nas alegrias, nos pesares, nas preocupações, nas esperanças de Portugal!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Aplausos.
O Orador: - Não foi a vontade das populações que integrou Goa na República da índia. Foi a ambição dos governantes desta, foi o espírito expansionista do novo Estado, que sob aparências pacíficas oculta um novo imperialismo asiático.
Pois haverá quem duvide de quê por detrás dos grupos que se apresentam como paladinos dos direitos das populações nativas se movem interesses imperialistas que se digladiam na disputa da supremacia mundial?
Temos desse facto provas constantes. Mas em nenhuma região são tão flagrantes como na Guiné.
A Guiné Portuguesa é um pequeno território, densamente povoado por uma laboriosa população rural, com a qual estabelecemos comércio desde o século XV. Não dispondo dos largos espaços próprios para o povoamento europeu que se encontram em Angola e Moçambique, a presença portuguesa na Guiné não podia ser senão o que tem sido: de unificação política e pacificação das numerosas raças que a habitam com diferentes costumes e religiões; de fomento da economia na base de protecção ao trabalho nativo; de assistência social, que entre as diversas formas revestidas conta os êxitos da missão de estudo e combate à doença do sono e da subsequente missão de combate às endemias.
A grande maioria da população da Guiné luta contra o terrorismo ao lado das forças regulares. Mas o terrorismo aparece nesse território muito mais larga e eficazmente apoiado pelas potências socialistas, sobretudo a União Soviética, do que noutras províncias. Dir-se-ia que se está aí a fazer um esforço insistente e apressado, para a qual se não regateiam armas e outros auxílios. E a razão desse interesse especial não é secreta: os responsáveis não escondem que a Guiné constitui a base necessária para o assalto a Cabo Verde ao arquipélago que constitui uma posição-chave nas comunicações entre o Norte e o Sul do oceano Atlântico e até entre as duas margens deste.
Numa altura em que a esquadra soviética cresce de dia para dia no mar Mediterrâneo e em que a Rússia procura instalar bases militares e consolidar alianças no Médio Oriente e no Norte de África, não pode escapar à atenção de qualquer pessoa a importância que representaria para ela a posse do arquipélago de Cabo Verde em mãos amigas. A Europa está a ser cercada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A segurança dos países não pode hoje em dia ser defendida nas suas fronteiras. As nações estão integradas em grandes espaços de cuja sorte partilham. A liberdade e a independência dos países da Europa ocidental jogam-se não só na própria Europa, como na África. Eis a
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razão pela qual temos de defender a Guiné. No nosso próprio interesse, é certo, mas também no interesse do Ocidente europeu e das próprias Américas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Aplausos.
O Orador: - Anos de coexistência pacífica, embora precária, criaram nos nossos espíritos a ideia de que a União Soviética renunciara a qualquer propósito agressivo e se dispunha a colaborar numa Europa «do Altântico aos Urais».
A invasão da Checoslováquia acordou-nos dessa ilusão, que a anterior intervenção no Mediterrâneo já profundamente abalara. A U.R.S.S. continua a ser uma superpotência com largas ambições imperialistas que procura satisfazer com a ajuda da expansão da ideologia comunista. É uma realidade que não podemos ignorar.
Somos, os Portugueses, sinceramente amantes da paz. Sou-o pessoalmente - nem compreendo que homem bem formado possa desejar, aplaudir, provocar, a solução de diferendos desencadeando com efeitos de extensão e intensidade imprevisíveis hecatombes de vidas e aniquilamento de valores.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas, por isso mesmo, o dever daqueles que desejam manter a paz é desencorajar os agressores.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como é seu dever reprimir e castigar os que a perturbarem.
Em África defendemos a paz. E bem desejaríamos que cessassem os combates, que deixassem os terroristas de encontrar o apoio graças ao qual penetram nos nossos territórios e aí inquietam e afligem as populações. Enquanto tal não sucede, a acção das autoridades e das tropas é conduzida cada vez mais no sentido de conquistar almas em lugar de ceifar vidas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - De fazer frutificar culturas, e não de desolar o chão. Mas não podemos afrouxar perante um adversário que se mostraria, à maneira tradicional africana, intolerante e implacável, que ressuscitaria todos os ódios rácicos, sacrificaria vidas e bens sem hesitar e implantaria em. pontos vitais para o futuro da África austral posições inimigas de Portugal e do Ocidente.
Vozes: - Muito bem!
Aplausos.
O Orador: - É corrente na Assembleia Geral das Nações Unidas falar-se em aliança secreta de Portugal com a União Sul-Africana e com a Rodésia. Escuso de dizer que não existe a ligar os três países qualquer aliança secreta ou ostensiva. Praticamos, aliás, políticas raciais distintas, e sabe-se quanto estamos empenhados em prosseguir e aperfeiçoar a nossa política de não discriminação e de franca convivência. Em muitos pontos, porém, coincidem os nossos interesses na África austral, a partir da convicção de que o progresso dessa zona do continente carece da presença estável do homem branco, que se radique, ambiente e afeiçoe à terra africana e nela se associe ao nativo. Daí que, por exemplo, não possamos ser indiferentes à sorte da Rodésia, cuja principal saída para o mar está no nosso porto da Beira. No nosso interesse, no interesse da África meridional, no interesse da paz do Mundo, desejaríamos vivamente que a Eodésia e Grã-Bretanha encontrassem uma fórmula de honroso acordo, a fim de pôr termo à grave situação existente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Aplausos.
O Orador: - Posso dizer que nem um só momento, a partir da hora em que assumi as responsabilidades do Governo, os problemas do ultramar deixaram de estar presentes no meu espírito e de ter larga cota nas minhas preocupações. Para, aliás, o tornar bem patente, projectei fazer uma breve visita a três capitais de província, visita de cortesia que fosse afirmação viva de solidariedade e de apoio às populações e às forças que as defendem. Entendi, porém, que não devia afastar-me daqui enquanto o Doutor Salazar estivesse em perigo de vida. Ã viagem teve, por isso, de ser adiada para mais tarde, mas espero vir a fazê-la no próximo ano.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Com a defesa das províncias ultramarinas - englobando as forças militares, o desenvolvimento económico e a promoção social das populações - suporta o, orçamento metropolitano avultados encargos. Tão avultados que não poderá ninguém de boa fé sustentar ser a manutenção da presença portuguesa no ultramar inspirada por conveniências económicas ou por lucros financeiros.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas se as razões que já expus explicam esses encargos, a que não podemos fugir, deles resultam inevitáveis limitações para as finanças do Estado.
Todo o esforço militar no ultramar tem sido, e terá de continuar a ser, suportado com recursos provenientes das receitas ordinárias que dantes eram em larga escala aproveitadas para cobrir despesas de fomento. Agora terá de se fazer face a muitas destas despesas com dinheiro obtido por empréstimo.
Sendo as despesas de fomento reprodutivas, por serem feitas em investimentos cujos benefícios serão produzidos no futuro, justifica-se que não caia o seu peso exclusivamente nos que pagara agora as contribuições e que o respectivo custo seja repartido em sucessivas anuidades. O apelo ao empréstimo está, pois, perfeitamente justificado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Um país não pode, porém, endividar-se acima de certo limite, pois amortização e juros passam a ser encargo do orçamento ordinário. Por outro lado, o crédito interno não é inesgotável e o crédito externo tem de estar sempre longe do esgotamento, porque país largamente devedor a estranhos cessa, na realidade, de ser independente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - O escudo tem-se mantido, durante as últimas crises internacionais, como uma das moedas mais fortes do Mundo. Esse facto, produto de uma sã política financeira perseverantemente seguida desde 1928, corresponde também à confiança nos fundamentos da nossa economia e na estabilidade da ordem constitucional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As perturbações políticas e sociais pagam-se muito caro - e empobrecem os povos.
Vozes: - Muito, bem!
O Orador: - Consideramos com apreensão a hipótese da desvalorização das moedas dos países com quem mantemos mais estreitas relações comerciais. A depreciação dessas moedas, as restrições dos consumos internos, os obstáculos postos às importações, criam graves dificuldades às nossas exportações, enquanto, por outro lado, podem incitar a que aumentemos as compras ao exterior. O Governo está atento ao problema e não deixará, quando necessário, de adoptar as providências eficazes. Mas todos nos devemos compenetrar da impossibilidade de viver despreocupadamente numa Europa em crise. Temos do nos valorizar, como indivíduos e como colectividade, temos de trabalhar, temos de conduzir-nos com decisão e com vontade de vencer.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esse foi o segredo da vitória de países que .ainda ontem estavam aniquilados pela força das armas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O Governo não poderá, por todas as razões, afastar-se da política de austeridade até aqui seguida, sem embargo de ir acorrendo às precisões mais urgentes da administração pública e de prosseguir com tenacidade a política de fomento, sem a qual pararia em grande escala o desenvolvimento do País.
A administração pública tem de ser melhorada na sua orgânica, aperfeiçoada nos seus processos, beneficiada no seu pessoal. Está no ânimo do Governo o estudo e a execução de uma séria reforma administrativa, que, para ser séria, não pode ser precipitada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Entretanto se irão tomando algumas providências consideradas de particular urgência, indispensáveis para não deixar deteriorar mais os serviços e para acautelar o futuro dos quadros.
Pelo que respeita à execução do Plano de Fomento em curso, a preocupação do Governo será a de dar preferência aos investimentos de maior reprodutividade imediata e mais poderoso efeito multiplicador. Há que associar-lhes Intimamente os relativos ao bem-estar rural e às infra-estruturas sociais, tais como a electrificação, os abastecimentos de água, as redes de transportes e de comunicações e outros que permitam maior conforto na vida no campo e proporcionem às indústrias as indispensáveis economias externas, não perdendo de vista, numa perspectiva regional, a correcção dos desequilíbrios existentes e dispensando particular atenção às realizações tocantes à educação básica, à formação profissional e à saúde pública.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - No campo da habitação está-se procurando coordenar e acelerar a obra em curso, que no ano de 1969 poderá apresentar algumas realizações notáveis.
O falar em preferência para certos investimentos não significa a exclusão dos restantes: quero apenas dizer que nesses temos de concentrar recursos e de fazer o máximo esforço possível.
Também, mau grado as dificuldades apontadas, se procurará manter, „ se possível acelerar, o ritmo da política social, para que acompanhe, e até estimule, o desenvolvimento económico e assegure mais equitativa distribuição dos rendimentos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Aplausos.
O Orador: - Neste capítulo, a situação dos trabalhadores rurais merecerá especial cuidado, ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... por dever de justiça e até por necessidade de fixm nos campos a mão-de-obra de que a agricultura carece.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Aplausos.
O Orador: - Está em estudo a adopção do abono de família para os rurais, ...
Vozes: - Muito bem, muito, bem!
Aplausos.
O Orador: - ... a que se seguirá, com a prudência aconselhável, de modo a não sobrecarregar demasiadamente os produtores, a extensão dos benefícios de assistência na- doença e da previdência.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E um domínio que o Governo julga dever encarar de frente, embora não possa resolver demagogicamente problemas que, a não serem tratados com o cuidado devido, poderiam causar abalo profundo na nossa economia agrária.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não exagero se disser que nos dois últimos meses o Governo desenvolveu uma grande actividade em todos os sectores - actividade de revisão, de decisão, de estudo e planeamento. Nalguns, como o do ensino, as dificuldades amontoam-se de ano para ano, entre nós como no resto do Mundo.
E, por um lado, a chamada «explosão escolar», com a afluência de multidões para as quais são escassos os quadros docentes e exíguos os locais - por mais que se procure prever, e até improvisar, uns e outros. E, por outro lado, a crise educativa resultante da incerteza e da falta de confiança em si próprios dos educadores - na família, nas igrejas, nas escolas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É finalmente, o surto de anarquia na juventude, contestadora de toda a autoridade e de toda a
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disciplina, e que movimentos subversivos aproveitam para a obra de demolição das estruturas sociais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Aplausos.
O Orador: - O Governo tem dedicado a maior atenção a estas preocupantes questões, para as quais em parte nenhuma se encontraram ainda soluções definitivas. Importa, porém, evitar rodear de clima emocional os problemas da administração escolar. Permito-me fazer aqui um apelo a todas as pessoas conscientes para que auxiliem, e não dificultem, a acção governamental. Gritos de desespero, reclamações entre si contraditórias, precipitado entusiasmo por figurinos estrangeiros, pura condenação de soluções que as vezes não serão as melhores, mas são as possíveis, exigência imediata do óptimo quando ainda se não alcançou o bom, especulação filosófica e crítica onde se precisa de senso das realidades - tudo isso pode ser muito bem intencionado, mas desorienta a opinião e a massa dos jovens, sem contribuir para resultados práticos úteis.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Aplausos.
O Orador: - No ensino primário, no secundário, no ensino médio, no ensino superior ... em todo o campo escolar, as dificuldades surgem a cada passo, e mal se arruma um caso logo outro ou outros se levantam. E necessário actuar com serenidade e calma em todos os escalões das hierarquias escolares, dentro de um construtivo espírito de colaboração. Nunca se tornou mais necessário nestas matérias agir tão lentamente e ao mesmo tempo com tanta ponderação. As palavras dos responsáveis pela educação pública tem de ser reflectidas, e no meio das tendências reinantes para a perplexidade ou a confusão e até para a anarquia hão-de traduzir orientação segura o manter firme o espírito da autoridade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A juventude e os educadores podem estar certos de que o Governo continua atentíssimo a todos os seus problemas. Compreende-se a impaciência dos jovens - mas não será pedir de mais, em troca, compreensão para os governantes, que, não sendo taumaturgos, não podem de um dia para o outro mudar a face da Terra, nem sequer eliminar todos os males e inventar todos os remédios.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Aplausos.
O Orador: - Da generosidade da gente nova é lícito esperar que, não se deixando iludir por interessados agitadores e especuladores, colabore num esforço comum orientado para seu bem.
E, para mim, porém, convicção assente de que as escolas que o Estado mantém, devendo, sobretudo nos graus superiores, gozar de largas possibilidades de pesquisa e de crítica, não podem estar desintegradas da Nação, não podem ignorar as ideais colectivos, não podem ser usadas como instrumentos de demolição da ordem social - embora o devam ser da sua reforma pela educação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Aplausos.
O Orador: - Tenho procurado conduzir a política interna nestes dois meses dentro das linhas definidas na declaração subsequente u posse do novo Governo, que tão favorável eco encontrou no País inteiro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Fez-se um esforço no sentido de permitir mais larga expressão das opiniões, uma informação mais ampla, mais íntima participação do comum das pessoas na vida pública. Tem-se pretendido criar um clima político sem ódios, sem retaliações, que permita um convívio normal entre os que professam opiniões diferentes. Procura-se chamar a colaborar com o Governo todos os bons cidadãos deste país.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Alguma coisa de positivo o Governo conseguiu já nestes domínios.
Claro que alguns se alarmam julgando que se está a ir longe de mais, enquanto outros consideram tímidas as realizações e pedem melhores provas da sinceridade dos propósitos formulados.
Talvez se espere mesmo que neste momento sejam anunciadas providências concretas correspondentes a certa linha de orientação. Algumas estão efectivamente a ser estudadas e conto apresentar à Assembleia Nacional, nesta sessão legislativa, propostas de lei que lhe permitirão pronunciar-se sobre rumos a seguir.
Nesta matéria, porém, o Governo reserva-se o direito de proceder com a necessária prudência, pois não só o ambiente internacional está longe de se encontrar desanuviado, como tem de se evitar que os interesses contrários aos de Portugal se insiram perigosamente na frente interna.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Continuam a agitar-se grupos que não desistem da acção subversiva, quer preparando golpes de força, quer desenvolvendo intensa propaganda, sobretudo entre a juventude, contra a Pátria, contra as forças armadas, contra a defesa do ultramar, contra a autoridade.
Nas emissões quotidianamente dirigidas para Portugal a partir dos quartéis-generais da subversão internacional define-se o programa a seguir: partir das reivindicações mais simples e aproveitar todos os anseios de liberdade para fazer progredir o movimento destinado a implantar o socialismo totalitário.
E indispensável que nos acautelemos desta manobra, todos os que não queremos ver Portugal presa do comunismo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Aplausos.
O Orador: - Ela reveste-se muitas vezes de aspectos insidiosos, que iludem a boa fé ou favorecem o comodismo dos chefes das famílias ou das empresas, dos dirigentes das associações ou dos órgãos da opinião ... Um clima de liberdade exige responsabilidade. Cessou o tempo em que os dirigentes podiam endossar ao Governo e aos órgãos de segurança os cuidados da definição dos princípios e da defesa das posições. O Governo e os órgãos de segurança continuam vigilantes, mas não podem, nem devem, suprir a autodefesa, dispensar os cidadãos de cumprir os seus deveres.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - É preciso que os indivíduos que não querem ver o seu país comunizado definam as suas atitudes e se disponham a lutar por elas corajosamente, em todos os campos onde a vida social decorre.
Vozes: - Muito bem!
Aplausos.
O Orador: - As liberdades não podem ser via do aniquilamento da liberdade. De contrário ficaríamos sujeitos à ousadia de uma minoria activista que domine a maioria inerte - e a história recente aí está a mostrar-nos os exemplos trágicos dos Kerenskis ou dos Mazariks.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O Governo tem tido nestes dois meses provas reiteradas do apoio da grande massa da população portuguesa. É indubitável que o País deseja continuidade da ordem, da paz social, da moeda estável, do progresso económico seguro, da defesa do ultramar. Mas é patente igualmente que todos desejam mais rapidez nas decisões, mais vivo ritmo no desenvolvimento económico e cultural, mais directo ataque às questões fundamentais de que depende o bem-estar geral.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Aplausos.
O Orador: - Procuramos e procuraremos corresponder a este duplo anseio. Pelo que respeita às reformas necessárias, nem sempre elas poderão ser feitas com a urgência que tantos desejariam. Eu próprio sofreio a cada passo a minha impaciência. Mas se as pessoas fizessem ideia do que custa, em preparação, em estudo, em remoção de obstáculos, em decisão, e geralmente também .em dinheiro, tocar num problema qualquer! Como tudo parece fácil quando se conversa entre amigos - e como tudo surge eriçado de espinhos quando há que fazer uma reforma que não seja mera ilusão demagógica e pretenda, pelo contrário, ser séria, profunda e útil!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por mim farei o possível, honestamente, por cumprir os deveres do cargo que o Chefe do Estado me confiou, e em cujo exercício, uma vez que o aceitei, me comprometi a colocar todas as minhas faculdades e todas as minhas energias.
Conto, para levar a cabo tão árdua missão, com a colaboração da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa, através das quais podem exprimir-se os legítimos anseios da Nação, anseios que o Governo está sempre desejoso de conhecer para lhes corresponder dentro das possibilidades de que dispuser.
Confio, enfim, no povo português, na esperança de que saberá reconhecer o esforço que o Governo não deixará de realizar tenazmente, guiado pela recta intenção de bem o servir.
Prolongados aplausos.
O Sr. Presidente: - Suspendo a sessão por uns momentos para acompanhar S. Ex.ª o Presidente do Conselho.
Eram 16 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 16 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A próxima sessão plenária será no dia 5 de Dezembro. Até lá deverão trabalhar as Comissões de Finanças e de Economia e continuará a trabalhar naturalmente, como me foi amavelmente prometido por S. Ex.ª o Presidente, a Câmara Corporativa, por maneira a nessa altura já termos, além dos elementos que anteontem foram distribuídos, o parecer daquela Câmara. A ordem do dia será o início da discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1969.
Está encerrada a sessão.
Eram 16 horas e 50 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
António Calheiros Lopes.
António Magro Borges de Araújo.
James Pinto Buli.
João Duarte de Oliveira.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Rogério Noel Peres Claro.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
António Barbosa Abranches de Soveral.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto Salazar Leite.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
D. Custódia Lopes.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Horácio Brás da Silva.
José Dias de Araújo Correia.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel Lopes de Almeida.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Paulo Cancella de Abreu.
O REDACTOR - Januário Pinto.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA