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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 152
ANO DE 1968 11 DE DEZEMBRO
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 152 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 10 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi lido o expediente.
O Sr. Presidente anunciou a chegada à Mesa, para efeitos ao disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, do Diário do Governo n.º 287, de 6 do corrente, que insere os Decretos-Leis n.ºs 48 747 e 48 748.
O Sr. Deputado Leonardo Coimbra requereu que, pelo Ministério da Economia, lhe seja fornecida, informação sobre o seguimento e o uso da, disposição da Siderurgia Nacional de colaborar na resolução dos problemas das trinas de ferro do Marão e seus anexos.
O Sr. Deputado Augusto Simões referiu-se à visita do Sr. Presidente do Conselho, Prof. Marcelo Caetano, aos concelhos de Arganil, Gois e Pampilhosa da Serra, exaltando as virtudes das gentes daquelas terras beiroas.
O Sr. Deputado Calheiros Lopes assinalou a entrada do Sr. Prof. Marcelo Caetano para a chefia do Governo da Nação e tratou depois de alguns problemas da região ribatejana, nomeadamente da obra de rega do vale do Sorraia.
O Sr. Deputado Satúrio Pires tratou da situação do funcionalismo público c de alguns problemas relativos aos Estudos Gerais Universitários de Moçambique.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1969.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Sebastião Alves, Elísio Pimenta, Amaral Neto e Lopes Frazão.
O Sr. Presidente, encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Calheiros Lopes.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
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Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Horácio Brás da Silva.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Jorge Barros Duarte.
José Fernando Nunes Barata.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pinheiro da Silva.
José Rocha Calhorda.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul Satúrio Pires.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Sebastião Alves.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 76 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Da Associação dos Regantes da Veiga de Chaves apoiando a intervenção do Sr. Deputado Virgílio Cruz em favor da melhoria da rega local.
Da União dos Grémios da Indústria Hoteleira e Similares do Norte apoiando a última intervenção do Sr. Deputado Elísio Pimenta.
O Sr. Presidente: - Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 287, 1.ª série, de 6 do corrente, que insere os Decretos-Leis n.ºs 48 747, que estabelece as isenções de que devem gozar os materiais e artigos destinados à preparação e execução dos programas de obras e trabalhos no âmbito das facilidades concedidas em Portugal continental às forças armadas alemãs, e dá nova redacção ao n.º 1.º do artigo 6.º do Código do Imposto de Transacções, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 066, e 48 748, que abre um crédito no Ministério das Finanças para u respectiva importância ser adicionada à verba inscrita no artigo 318.º, capítulo 14.º, do orçamento de Encargos Gorais da Nação para- o corrente ano económico.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um requerimento o Sr. Deputado Leonardo Coimbra.
O Sr. Leonardo Coimbra: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro que pelo Ministério da Economia me seja fornecida a informação concreta e precisa sobre o seguimento e o uso da disposição - se não compromisso - da Siderurgia Nacional de colaborar financeira, económica c tecnicamente na resolução dos difíceis problemas que pesam sobre as minas de ferro do Marão e seus anexos. O reforço das possibilidades de tal colaboração, pela Siderurgia Nacional, está referido no relatório do Decreto-Lei n.º 47 521 como uma das razões para conceder à empresa os benefícios outorgados por aquele diploma legal.
A inserção de tal compromisso naquele relatório pretendeu, logicamente, traduzir o grande interesse e o cuidado que ao Governo mereceu o assunto - e não se vêem razões para que não continue a merecê-los.
Respeitosamente peço a possível brevidade da informação, porque está em causa uma actividade de interesse nacional, a produção de gusas para fabricos de qualidade (únicos exportáveis), uma verdadeira ilha de promoção social criada na retardada província de Trás-os-Montes e o pão de muitos centos de famílias.
Devo acrescentar que esto meu requerimento é feito com. a consciência qualificada de quem conhece o pungente drama humano que envolve o problema.
O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: O alto significado da visita do Sr. Prof. Marcelo Caetano às terras beiroas de Arganil, Gois e Pampilhosa
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da Serra, realizada no pretérito mês de Novembro, já foi merecidamente realçado nesta Casa pelo Sr. Deputado Nunes Barata, que, sendo um ilustre e muito valioso representante daquela vasta região, aqui deixou, com a alta fluência do seu verbo, bem assinalada a importância do fasto que tão venturosamente se viveu.
Salientou muito bem o Sr. Deputado quanto as gentes serranas se orgulharam e orgulham por aquele dia inesquecível, em que a própria serra se vestiu do mais rutilante sol, dominando facilmente as tormentas dos dias anteriores, para significar ao homem ilustre que a visitava a satisfação de o receber e, ao mesmo tempo, afirmar-lhe, na mais bela das linguagens que a Natureza fala, a certeza do porvir da Pátria sob a sua égide.
É que, assim como o Sol vencera os castelos das nuvens que lhe haviam escondido as perspectivas de grandeza dos relevos magníficos, desvendando a serra imponente que é a sua verdadeira realidade, também o sol bendito da lusitanidade acabará sempre por vencer os ensombramentos das nuvens da inveja que, por vezes, possam tentar esconder toda a grandeza da Pátria.
Esta mensagem bem a compreendeu o governante ilustre quando passeou os seus olhos pelas lonjuras onde os alcantis pareciam tocar o próprio céu ... em que as nuvens se haviam refugiado.
E bem a compreenderam também as gentes serranas e todo o escol dos valores regionais que comungaram dos mesmos sentimentos de apoteose naquele dia que se viveu com rara felicidade!
O Prof. Marcelo Caetano volvia às regiões em que, na adolescência e na meninice, amealhara a fortaleza de ânimo e o valor que o haviam de guindar às proeminências de primeiro servidor de Portugal; e esta qualidade, a despeito de ficar guardada no íntimo das almas e não ser, por isso, aliciamento para homenagens, mesmo assim inundou de felicidade toda a região, repercutindo-se de norte a sul do País.
Por isso os povos compareceram, naturalmente, com as almas incendiadas de respeito e de veneração, a tributarem a saudação simples que a própria humildade e a sinceridade tornaram gigantesca, e, naqueles momentos tão curtos do dia ensolarado, a serra viveu o seu dia grande!
Por seu lado, o governante afável, afastado das galas da sua alta estirpe, sentiu felicidade nesse encontro com o povo generoso e sacrificado que, esquecido das grandes inibições em que é forçado a viver, o saudava comovidamente.
Eu vivi, Sr. Presidente, a jornada maravilhosa e senti as alegrias inesquecíveis dessa apoteose da simpatia.
Tenho procurado defender nesta Câmara os direitos irrecusáveis das gentes daquela região, onde o fascínio da terra alimenta generosamente e revigora em cada dia o amor ao rincão natal de forma tão surpreendente que transforma em tarefas agradáveis os pesados sacrifícios para garantir a sobrevivência e o progresso desses empobrecidos pedaços de Portugal, sacrifícios que nunca são regateados.
Sinto, por isso, que me não seria lícito deixar de assinalar também a ímpar grandeza do acontecimento.
Esta a razão das minhas descoloridas palavras.
Quando se fala das virtual idades e dos sacrifícios dos povos serranos, perpassa vagarosamente perante nós a verdadeira heroicidade daquelas gentes que nunca perdem o rumo do seu torrão natal e a essa porção da terra, as mais das vezes proporcionadora de escasso nível de vivência, dedicam amor que não tem par em qualquer escala do bem-querer.
Amor assim, que tudo oferece e nada pede, só o cicló-pico poder do fascínio da terra o pode explicar.
Eu não sei, Sr. Presidente, de qualquer outra região do País onde se preste tão devotado culto à terra...
Desse culto desinteressado e apaixonado nasceram as agremiações regionalistas que, integrando casas regionais - que são os organismos da cúpula hierárquica -, representam as mais recônditas aldeias e para elas canalizam todo o progresso compatível, dando exemplo de solidariedade que muito importa realçar.
É que, como o Sr. Prof. Marcelo Caetano muito justamente reconheceu na sua histórica viagem que se relembra, todos esses organismos, desde os mais modestos aos mais poderosos, se equivalem na determinação de nada pedirem em auxílios oficiais sem primeiro oferecerem muitíssimo mais.
Assim se tem processado um engrandeci mento especialmente valioso, por ter sido alcançado à custa dos maiores sacrifícios dos interessados directos e relativamente pequena comparticipação do Estado ou até das autarquias.
Sem embargo, os povos serra-nos podem orgulhar-se muito justamente da- sua obra gigantesca, que, pelo muito sacrifício que tem pedido, assume valor igual ou até superior ao dos grandes empreendimentos que emolduram as grandes cidades deste país.
Eu creio, Sr. Presidente, que há a maior vantagem em divulgar este infindável rosário de abnegações ao bem comum, praticadas com o maior e mais dignificante desinteresse.
Havendo deixado um dia a terra-mãe, para irem mourejar o pão de cada dia longe dela, na Pátria ou no estrangeiro, as gentes serranas têm prestado também relevantíssimos e assinalados serviços ao País, valorizando as cidades e as vilas de forma notável.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - São incontáveis aqueles que triunfaram.
As virtudes adquiridas e exercitadas na dureza do seu viver preparam para a vida os seus naturais de forma especialmente valiosa.
Ora foram essas gentes que receberam carinhosamente o Sr. Prof. Marcelo Caetano e o envolveram numa intérmina homenagem de respeitosa admiração.
Já não são muitos, infelizmente, aqueles que ainda continuam nos rincões serranos toda uma vida de luta e de trabalho pelo pão de cada dia, pois a forte erosão humana que depreda até as latitudes muito mais rica? deste país também ali exerce a sua nefasta influência.
Mas os que ficaram e os que, como se disse; não perdem o norte do torrão natal garantem que as virtudes dessas gentes permanecerão como parte mais valiosa do nosso capital humano.
Pensando precisamente nesta circunstância, entendi dever sugerir que na serra se erguesse um monumento ajustado a vincar o valor, a dedicação e o abnegado apego à terra daquelas boas gentes, monumento que servirá também para exaltar os serviços prestados à Pátria por um numeroso escol de homens valorosos que viram a luz do dia e se criaram nas povoações humildes que a serra guarda como jóias preciosas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Cada região tem orgulho nos seus filhos, como a Pátria tem orgulho de todos nós.
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Exaltar os valores que enobrecem essas diversificadas regiões de Portugal parece-me ser tarefa que não pode deixar de preocupar os das gerações do presente.
Pelo que concerne aos concelhos de Arganil, Gois e Pampilhosa da Serra, concelhos serranos por excelência, o proposto monumento terá a mais ampla das justificações, tantos e tão importantes valores devem ser homenageados.
Depois, esse monumento, que se deve erguer no mais alto dos mentes da serra adusta, virado a nascente, sóbrio, de linhas vigorosas e escalado com a grandeza da homenagem que tem de representar, também ficará a indicar aos vindouros o portentoso e feliz encontro de um Presidente do Conselho de Ministros de Portugal com as gentes da serra, numa viagem memorável e inesquecível que se cumpriu por forte imperativo do coração.
E creio bem, Sr. Presidente, que esse monumento, que o bom povo da serra, erguerá com devoção igual àquela com que, abnegadamente, vai revitalizando sem desfalecimentos as povoações serranas, acabará por simbolizar as grandes virtudes das gentes rurais deste país, seja qual for a região da sua origem, por via das quais se vai incentivando gradativamente o progresso e o engrandecimento de toda a terra portuguesa, dentro de um espírito de colaboração a todos os títulos notável.
A passagem do Sr. Prof. Marcelo Caetano pelas terras beiroas dos citados concelhos revigorou sentimentos e reacendeu esperanças latentes nos povos serranos, mercê dos quais só cimentaram os laços já fortes da cooperação desinteressada desses povos nas ingentes tarefas da sua adequada promoção social e económica.
Por isso, essa viagem atingiu a mais alta expressão de uma apoteose permanente em que à afabilidade e à compreensão de um governante correspondeu todo o bom povo de uma região com o tributo espontâneo da mais expressiva veneração.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Calheiros Lopes: - Sr. Presidente: É com a maior sinceridade que cumpro o grato dever de apresentar a V. Ex.ª e aos meus ilustres colegas as minhas mais expressivas saudações.
Sr. Presidente: Viveu o País extensos dias de cruciante ansiedade, soube, porém, vivê-los com calma e uma noção da sua própria responsabilidade, em cuja origem está, sem duvida alguma, a obra de transformação levada a efeito pelo notável português que em mais de quarenta anos orientou a vida nacional
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como bem disse o venerando Chefe do Estado na sua comunicação ao País do dia 26 de Setembro, todos os portugueses, nesse momento histórico, patentearam ao Mundo uma maturidade e um civismo consoladoramente notáveis.
Com a nomeação do novo Presidente do Conselho de Ministros, Sr. Prof. Doutor Marcelo José das Neves Alves Caetano, que teve do País uma aceitação franca e aberta, correspondente ao seu elevado prestígio, o Chefe do Estado atendeu verdadeiramente aos superiores interesses da Nação.
O Doutor Marcelo Caetano, catedrático prestigioso, distinto homem de Direito, grande figura universitária, antigo Ministro que se afirmou invulgar estadista e deu ao Presidente Salazar uma colaboração inestimável, possuindo um especial conhecimento das tarefas governamentais, tem a confiança do País.
Dificilmente se extinguira o eco, repercutido nas várias parcelas de Portugal no Mundo, do discurso em que, no salão nobre da Assembleia Nacional, após a sua posse, o novo Presidente do Conselho de Ministros referiu os pontos fundamentais da linha a seguir nesta nova fase da vida nacional. Tudo quanto seja necessário para que se mantenha a independência nacional, a integridade do território e a ordem que permita o trabalho e facilite a aceleração do progresso material e moral, compreendendo os cuidados devidos à juventude, a quem as gerações mais velhas têm de ajudar a preparar-se para vencer as árduas dificuldades de um futuro cheio de interrogações.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - De acordo com a fórmula lapidar de Salazar, recordada com oportunidade pelo Doutor Marcelo Caetano - «todos não somos de mais para continuar Portugal».
E assim, acompanhamos o Sr. Presidente do Conselho do Ministros na grande fé que o anima no exercício das suas altas e árduas funções e faremos tudo quanto esteja ao nosso alcance para ajudar a enfrentar os trabalhos necessários à realização de uma sociedade em que caibam todos os portugueses de boa vontade. Porque da colaboração de todos eles necessita quem governa, para que o Portugal de hoje, fiel ao Portugal do passado, se afirme no futuro como uma Nação digna, independente e progressiva e possa marcar o seu lugar no Mundo de amanhã.
Vozes: -Muito bem!
O Orador:,- Sr. Presidente: Se me é lícito citar as minhas próprias palavras, recordarei como em Março de 1966 terei vindo a esta Assembleia, uma vez mais, fazer-me eco de difícil situação novamente criada à agricultura do Ribatejo pelas prolongadas inundações então recentemente sofridas pela região que tenho a honra de representar. Perderam-se totalmente sementeiras já feitas; em muitas explorações agrícolas nem foi possível fazerem-se de novo, porque não era já tempo de lançar à terra qualquer semente.
Ter-me-ia repetido, ao referir, tal como em ocasiões anteriores, a interrupção, durante vários dias, das comunicações entre diversas povoações ribatejanas, sendo muitas as localidades que se viram praticamente isoladas. Do Santarém para as terras da outra margem do Tejo só se passava de barco, e para alcançar desde Lisboa a capital ribatejana era-se obrigado a fazer um largo desvio que prolongava o percurso em muitos quilómetros. Uma outra zona de estrada, na altura da várzea de Samora, de considerável trânsito, esteve também inundada e sem dar passagem durante dias consecutivos.
Isto acontece quando no ano anterior, devido às condições pluviométricas tão incertas no nosso país, se haviam verificado cinco meses de prolongada seca, em que chegou a faltar a água para as regas (como voltou a acontecer agora no Verão de 1968), seguidos de um longo período de cinco meses de chuva quase contínua.
Mais uma vez, nessa ocasião pus em evidência que se não era possível evitar que as águas, por vezes quase diluvianas, caíssem sobre as terras, destruindo tudo, a mesma, impossibilidade não existia quanto ao seu escoamento. Não sendo aqui o lugar para desenvolver os aspectos técnicos desse problema, não mo furtei, todavia,
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a apontar as duas séries de obras que no sector da hidráulica agrícola se me afiguravam da maior urgência e perfeitamente realizáveis: por um lado, a construção de maior número de pequenas barragens, cuja função seria reter, evitar a descida para as valas, e armazenar, para a rega, grande parte das águas das chuvas que então inundavam os campos e iam perder-se no mar; por outro lado, o desassoreamento dos rios e seus afluentes, que constituíam a rede hidrográfica sujeita às inundações, estendendo-se sobre as várzeas e campos limítrofes uma bem estudada malha de canais e valas de drenagem.
E trouxe mesmo a sugestão de que aqueles canais que para tal tivessem capacidade poderiam ser utilizados no transporte de mercadorias, materiais e produtos agrícolas, que é feito através das lezírias, muitas vezes dificilmente, por escassez de vias de acesso.
A parte fundamental de quanto há anos vinha sendo solicitado encontra-se realizada. Começavam a estar à vista os seus resultados salutares, com a execução., que prosseguia, das obras de rega do vale de Somara, de que S. Ex.ª o Chefe do Estado inaugurara em 23 de Maio de 1959 as barragens de Montargil e Maranhão, que amorteceram consideravelmente as cheias máximas e permitiram começar o aproveitamento e defesa de terras e o correspondente incremento de produção, com proveito para a economia nacional.
Após essa inauguração, reagindo contra o esquecimento que é frequente nos povos, coloquei nesta Assembleia, acima de todos que eram credores do nosso caloroso voto de agradecimento - e hoje renovo com a consciência de quem cumpre um dever de justiça - o nome do Sr. Presidente Doutor Oliveira Salazar, sob cuja chefia tudo foi pensado e tudo se realizou.
E tornei extensivo esse agradecimento, como preito de apreço que não poderia ser esquecido, à acção inteligente, competente e entusiástica, em tudo que representava realizações de fomento, de Ministros como os engenheiros Duarte Pacheco, José Frederico Ulrich e Arantes e Oliveira.
Foi pela acção destes ilustres homens públicos e dos técnicos distintos do respectivo Ministério que os problemas do Ribatejo, pelos quais tanto se tem pugnado, talvez com uma insistência que poderá ter parecido impertinência ou obsessão, começaram a ter a solução apropriada: inicialmente a ponte da Vala Nova, entre Benavente e Salvaterra de Magos, a Ponte do Marechal Carmona, que ligou, em Vila Franca de Xira, as terras das duas margens do Tejo; em seguida, a ponte de Porto Alto e, por último, as que ligam, por Santo Estêvão, a estrada de Pegões a Coruche, consentindo já estas últimas, mesmo durante as inundações, não só servir ia importante região ribatejana, como assegurar a ligação com todo o Norte do País, deixando as povoações de ficar isoladas, como há tempos atrás, a constituírem verdadeiras ilhas aonde só de barco se podia chegar.
Sr. Presidente: As obras de rega do vale do Sorraia destinam-se ao regadio de 15 300 ha de terreno nos vales das ribeiras de Sedas, Baia e Sor e do rio Sorraia, e a sua área estende-se pelos concelhos de Avis, Mora, Coruche, Salvaterra de Magos e Benavente.
A este benefício junta-se o da produção de energia eléctrica anual de cerca de 22 milhões de kilowatts-hora nas três centrais hidroeléctricas de Maranhão, de Montargil e do Gameiro.
Para completo estas obras de regia falta realizar os trabalhos de defesa e enxugo da várzea de Samora.
Dizendo respeito à construção de tão necessária rede de defesa e enxugo da vasta várzea do Sul do Ribatejo, consistem esses trabalhos principalmente na construção de valados de defesa contra as cheias nos rios que limitam ou atravessam a zona a defender, incluindo a regularização do rio Almansor, numa extensão de 1900 m.
E evidente que esta obra se reveste de magna importância para aquela região, tanto no aspecto económico como no social. Traduzir-se-á em riqueza, tanto para a região como para o País.
As populações e os povos ficarão ao abrigo dos grandes prejuízos causados com frequência pelas inundações. Prejuízos que são duplos, se considerarmos que aos produtos e outros bens que elas destroem teremos de juntar, também, o montante das sangrias de divisas que representa a importação dos que, muitas vezes, só pelas compras ao estrangeiro poderão ser substituídos.
Estamos certos de que o actual Ministro das Obras Públicas, Sr. Engenheiro Rui Sanches, técnico distintíssimo de quem o País muito tem a esperar, dedicará a estes problemas a atenção que está na linha do seu interesse pela causa pública.
Sr. Presidente: O que acabei de referir veio a propósito da visita que o Sr. Presidente do Conselho de Ministros fez, no dia 19 de Outubro, às obras dos aproveitamentos hidroagrícolas do vale do Sorraia.
Foi a primeira visita de trabalho de S. Ex.ª para tomar contacto directo com as principais realizações que estão em curso e nas quais todos os portugueses põem a esperança de melhores dias. Visita de trabalho e simpatia lhe chamaram também os jornais, tal o entusiasmo que ela despertou entre as populações das regiões por onde passou, surpreendidas e contentes, e para além de tudo conquistadas pela natural simpatia do Sr. Doutor Marcelo Caetano e pela sua despretensiosa afabilidade. E guardam no fundo da sua alma aquela frase do Sr. Presidente do Conselho de Ministros - que teve uma extraordinária repercussão no País - segundo a qual «aos homens de Estado, hoje, não chega ler livros e consultar publicações. O que interessa, sim, é ouvir e ver as pessoas e as coisas.»
A obra de rega do vale do Sorraia, que o Sr. Presidente do Conselho visitou naquele sábado de Outubro, virá a ser uma das mais importantes realizações hidroagrícolas levadas a efeito em Portugal.
Ela transformará a periódica desolação de grande parte de uma província de Portugal em fonte de trabalho e de riqueza.
A esta Assembleia trago hoje, como representante eleito da região ribatejana, revendo o sorriso aberto com que o povo daquelas terras correspondeu à afabilidade do Sr. Doutor Marcelo Caetano, o testemunho de fé no futuro que o anima e da confiança com que acompanha o Sr. Presidente do Conselho na luta por um Portugal sempre melhor.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Satúrio Pires: - Sr. Presidente: Usando da palavra pela primeira vez após a memorável comunicação do Sr. Presidente do Conselho a esta Assembleia, quero, antes de mais, como português do ultramar, afirmar quanto as palavras serenas e firmes de S. Ex.ª calaram fundo nos nossos espíritos e o redobrado ânimo e confiança com que continuamos a trabalhar pela Pátria comum.
A unidade e a integridade nacional continuam, deste modo, a ser a preocupação prioritária do Governo, fazendo sentir a todos os portugueses que nas fronteiras ameaçadas pelo terrorismo no ultramar, na Guiné, em Angola e em Moçambique, só combate pela própria sobrevivência da Nação.
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Nas afirmações claras do Chefe do Governo sente-se a vontade indomável do povo português.
Sr. Presidente: Proponho-me tratar hoje, em breves considerações, de dois pontos que me parecem de interesse para Moçambique, e por isso para eles chamo a atenção do Governo. Embora de natureza diferente, não deixam de ter certa interdependência.
O primeiro será a situação do funcionalismo público na província de Moçambique, o segundo refere-se aos Estudos Gerais Universitários.
Entro já na apreciação do primeiro deles.
O relatório que precede a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1969 - agora em discussão nesta Assembleia - contém a rubrica «Providências sobre funcionalismo», na qual se anuncia a necessidade de revisão do recrutamento e condições de trabalho dos funcionários do Estado.
Diz-se que «aliás essa revisão, por ter de estar intimamente ligada à produtividade do trabalho dos servidores e do rendimento destes, exige estudo ponderado».
Acrescenta que, «se é fácil encontrar certas categorias de servidores, outras se afastam dos quadros públicos, com grave prejuízo para a administração pública».
E, mais «diante: «Existem ainda, em muitos sectores, processos de trabalho ultrapassados, cuja actualização poderá permitir, por si só, substancial redução de despesas que podem ser canalizadas, com proveito para o bem público - para justificados aumentos de remuneração.»
Tão doutas observações encontram cabal pertinência no que se referi ao funcionalismo de Moçambique, que, embora o relatório do Sr. Ministro das Finanças o não comporte, a ele o considero extensível.
Sabemos que o Ministério do Ultramar, sempre atento aos problemas mais prementes que correm pelos seus departamentos, tem em estudo a reforma administrativa que se impõe.
Aliás, o governador-geral de Moçambique ainda o outro dia, e com a maior oportunidade, se lhe referiu declarando: «No que toca no funcionalismo, ratificaram-se as normas conducentes ao prosseguimento da reforma administrativa, em cujo quadro se deverão integrar as remodelações a efectuar oportunamente, sem prejuízo da mais imediata consideração das situações especiais, das dos escalões mais modestos e das melhorias a atribuir no quadro administrativo.»
Quer dizer que o Governo reconhece a necessidade das melhorias e está atento à urgência da revisão e da remodelação.
Recentemente foi anunciada para Angola a equiparação dos vencimentos complementares com os de Moçambique. Justíssima medida, sem dúvida, mas terá de se considere e que se impõe então também equiparar regalias, sob o risco de os funcionários de Moçambique ficarem agora em piores condições. Refiro-me aos subsídios de renda de casa e ao imposto de defesa.
Em Moçambique, com excepção de alguns quadros, não usufruem os restantes funcionários de qualquer subsídio de renda de casa, nem ocupam casas do Estado.
Esta situação coloca-os em manifesta inferioridade, atendendo sobretudo à subida vertiginosa das rendas nestes últimos anos e ao progressivo aumento do custo de vida, num orçamento já parco, que não vê há longos anos qualquer aumento.
Na verdade, há mais de dez anos que os vencimentos se mantêm nos quadros, digamos, tradicionais.
Os artigos de primeira necessidade tiveram nos últimos cinco mós um agravamento que por vezes atinge os 50 a 90 por cento.
Sente-se dificuldade no provimento para lugares dos quadros, ficando muitas vezes os concursos desertos, e, mesmo depois de preenchidos, começa o êxodo dos melhores para as actividades privadas ou até para fora da província.
Quadros, vencimentos, ajudas de custo, abonos de família, recrutamento, é um conjunto positivamente desajustado às necessidades mínimas do servidor do Estado e no próprio funcionamento da máquina administrativa. Este desajustamento faz-se sentir com particular acuidade nos escalões mais modestos, que muitas das vezes englobam servidores a quem se exige pesada responsabilidade. E o caso do quadro administrativo, Polícia, Guarda Fiscal e tantos outros, que, em condições mais que precárias, ocupam postos de perigo e de luta e aos quais cabe velar pela segurança das populações nas zonas ameaçadas pela subversão.
Se vamos para os escalões intelectuais, que dizer dos médicos, professores primários, secundários e técnicos, engenheiros e agrónomos, cujos quadros se vão rarefazendo, com incalculáveis prejuízos que não é mister relevar neste momento.
E, por último, é também em muitos casos aflitiva a situação dos aposentados.
Colocada a situação deliberadamente sem a preocupação do pormenor, salta a, vista a urgência de medidas imediatas.
Creio que já disse aqui da necessidade de mentalizar o funcionalismo público para a missão que é chamado a desempenhar em qualquer sociedade moderna.
Em época imperativa de crescimento económico e promoção social, num território em desenvolvimento e estuante de possibilidades e de ânsia de progresso, o corpo dos servidores do Estado deverá transformar-se numa força activa, propulsora e participante nesse desenvolvimento.
Não pode permanecer apática c inferiorizada. Mas para se poder exigir é necessário dar-lhe o mínimo de possibilidades e de equilíbrio na sua economia privada e familiar.
A participação no desenvolvimento tanto abrange médicos como funcionários administrativos, professores como técnicos ou guardas fiscais como engenheiros.
É o conjunto que há que preservar para que a máquina do Estado seja eficiente e dotada do elementos válidos.
O Ministro, a quem o ultramar já tanto deve, vive como nós todos estes problemas, e o governador-geral da província, que conquistou em tão escassos meses a confiança e o apoio de todos os portugueses de Moçambique, graças à sua acção e ao seu entusiasmo esclarecido, não deixarão de acelerar a execução da revisão urgente da situação do nosso funcionalismo público.
É a segunda vez que abordo este problema, c tanto mais à vontade o faço quanto é certo que me assiste quanto a ele a mais completa independência. Nunca fui, nem sou, funcionário público no ultramar.
Sr. Presidente: O segundo ponto que quero hoje esboçar concerne à, jovem Universidade de Lourenço Marques.
Disse o reitor dos Estudos Gerais Universitários de Moçambique, por ocasião da abertura solene do ano lectivo corrente, ter a incontida alegria de proclamar a certeza firme, ainda que antecipada, de estar inaugurando o ano escolar da Universidade de Lourenço Marques.
Cremos saber estar no pensamento do Governo a breve publicação dessa consagração.
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Não estamos perante a mera formalidade da uma mudança de nome.
O que está em causa é, em primeiro lugar, a defesa a todo o custo do futuro dos escolares que se acolheram a Moçambique.
Nos países vizinhos, as únicas instituições de ensino superior reconhecidas são as Universidades, havendo escolas profissionais de grau intermédio, com as quais eles pretendem identificar os Estudos Gerais Universitários. Situação tanto mais injusta e incómoda quanto é certo que o nível de ensino nos Estudos Gerais é o mesmo que o das Universidades metropolitanas.
E evidente que para nós, portugueses, a designação de Estudos Gerais tem fundas raízes e nobres pergaminhos na nossa história, mas cada vez o intercâmbio da inteligência mais se espalha pelo Mundo e difícil será fazer compreender que, dentro da Universidade portuguesa, designações diferentes correspondam à mesma instituição da cultura.
Sendo assim, por motivos políticos, bem como por razões de cultura e formação da nossa elite intelectual, parece impor-se a breve consagração oficial da Universidade de Lourenço Marques.
Mas porque mesmo o que é evidente e está feito precisa de esclarecimento, até para patentear aos que se mostram alheios ou mal informados sobre a extraordinária obra de formação e cultura que nasceu em Moçambique nestes últimos cinco anos, onde do nada se criou o espírito da Universidade portuguesa, referirei o que já temos.
Inicialmente, na sua fundação, foram instituídos em Lourenço Marques os seguintes cursos:
1 - Ciências Pedagógicas;
2 - Médico-cirúrgico;
3 - Engenharias:
a) Civil;
b) Químico-lndustrial;
c) De Minas;
d) Mecânica;
e) Electrotécnica.
4 - Agronomia;
5 - Silvicultura;
6 - Medicina Veterinária.
Posteriormente, foram criados os cursos de preparação para professores adjuntos do 8.º e do 11.º grupos do ensino técnico profissional e, mais recentemente, os cursos de Ciências:
a) Matemática Pura;
b) Matemática Aplicada;
c) Física;
d) Química;
e) Biologia;
f) Geologia.
No ano corrente entraram em funcionamento o 6.º ano dos cursos médico-cirúrgico, de Engenharia Civil, de Electrotecnia e de Química Industrial e o 5.º ano de Engenharia Mecânica e começou a funcionar o 2.º ano das licenciaturas em Ciências.
A frequência tem aumentado progressivamente, atingindo no corrente ano lectivo um total de 1040 alunos.
Para ministrar o ensino e ainda para desempenhar tarefas de investigação pura e aplicada e funções assistenciais no domínio hospitalar e de medicina veterinária, dispõe-se de:
Professores catedráticos, extraordinários e doutorados ......... 35
Segundos-assistentes ........................................... 130
Técnicos ....................................................... 28
Prestam ainda a sua colaboração vários professores das Universidades de Lisboa, Porto e Coimbra.
Encontram-se neste momento em centros de investigação internacionais 20 segundos-assistentes.
Foi recentemente criado o Centro de Estudos de Energia Nuclear, sob o patrocínio do Instituto de Alta Cultura, e está em formação o Centro de Estudos de Psicologia.
Tem a Universidade de Lourenço Marques a sua associação académica e os serviços sociais, constituindo, assim, uma corporação unida e coesa, onde um verdadeiro espírito universitário tomou forma.
O montante de benefícios embolsas de estudo, prémios, subsídios e reduções de propinas atinge cerca de 2000 contos, sendo bastante mais de metade oriundo de entidades particulares.
O prestígio e a compreensão de que goza a Universidade em Moçambique deram forma a um constante movimento de interesse e solidariedade entre todas as actividades da província, acorrendo com provas de toda a ordem.
Não se limita a Universidade à formação de licenciados ou à, investigação pura. Dinamiza todo o conjunto e tem já prestado à actividade privada, outros serviços públicos, empresas e cidadãos a mais útil e esclarecida colaboração.
Quanto a instalações, algumas foram improvisadas, outras adaptadas, mas sempre com o mínimo de dignidade e dotadas com o equipamento e aparelhagem melhores e miais modernos.
Existem já construções com carácter definitivo, como sejam o Instituto de Anatomia Humana e o Instituto de Histologia e Anatomia Veterinária.
As últimas iniciativas concretizadas são, entre outras:
a) Adaptação de um pavilhão do hospital do Estado para maternidade escolar;
b) Casa Universitária de Ferreira de Almeida, onde estão instalados os Serviços Sociais, a Associação Académica, o Lar Universitário, para estudantes e profissionais, o restaurante, o Centro de Estudos de Psicologia e o Círculo Universitário;
c) Lar de Enfermagem;
d) Unidade clínica hospitalar, com 200 camas.
Projecta-se a construção definitiva numa das zonas mais próprias e sadias da cidade dos seguintes estabelecimentos:
Instituto de Agronomia, Pavilhão Desportivo, Institutos de Química, Física, Matemática, Mineralogia, Botânica e Zoologia.
Para mais tarde, planeia-se a construção de serviços centrais, biblioteca, reitoria, secretaria, etc.
A Universidade está, portanto, a funcionar e em permanente aperfeiçoamento de instalações.
Parece-me ter dado uma ideia, embora muito sucinta, do que é a Universidade de Lourenço Marques e do espírito que a anima.
Uma palavra é aqui devida ao seu reitor a cuja esclarecida tenacidade, coragem, persistente fé e extraordinário espírito de sacrifício, aliado à superior inteligência e comunicativa afabilidade se deve, juntamente com
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a equipa de professores, assistentes e outros colaboradores, a obra que está feita.
E o Governe, que soube compreender a tempo a oportunidade daquela instituição de cultura em terras portuguesas de África e lhe concedeu os meios indispensáveis e o apoio nunca regateado, merece caloroso aplauso e gratidão.
A juventude de Moçambique tem a sua Universidade e constitui à volta do seu reitor e do seu corpo docente uma força positiva e patriótica, dando um exemplo de união e patriotismo, que quero aqui especialmente realçar.
E, portanto, com compreensível insistência que formulo o voto de que saia em breve o indispensável diploma legal que consagre oficialmente a obra erguida em tão pouco tempo e que dos Estudos Gerais Universitários surja o que já é um lacto - a Universidade de Lourenço Marques.
Sr. Presidente: E agora posso estabelecer o traço de união entre os dois pontos que tratei na minha intervenção de hoje.
Em grande parte, a rarefacção de técnicos e quadros qualificados e superiores com que se luta em Moçambique, tanto nos serviços públicos como até nas actividades particulares, pode encontrar nos licenciados e finalistas dos vários cursos da Universidade de Lourenço Marques um recrutamento sempre renovado. É, porém, necessário que uma estruturação conveniente dos serviços do Estado e uma remuneração satisfatória encoraje a juventude a acorrer cada vez em maior número aos diversos cursos superiores.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1969.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sebastião Alves.
O Sr. Sebastião Alves: - Sr. Presidente: Quando há um ano discuta esta Câmara a Lei de Meios para 1968, o clima nos meios financeiros e de negócios não era desanuviado. No preâmbulo do projecto do lei ora em discussão aponta-se uma tímida abertura de horizonte para a evolução da economia portuguesa, que desde o 3.º trimestre de 1967 e até ao limite permitido pelos indicadores disponíveis -fim do 3.º trimestre de 1968 - dava sinais, ainda que frouxos e não homogéneos, de recuperação.
Já depois de redigido o presente texto, desencadeou-se, como todos sabemos, uma muito grave crise monetária internacional. Os países mais afectados responderam como foi possível aos problemas momentâneos, mas é bem evidente que se está longe de diagnosticar, com alguma precisão, quer as origens, quer os efeitos calamitosos ou menos maus - que os há também - desta balbúrdia financeira.
Entre nós, afora os especialistas e alguns homens de negócios mais bem informados que observaram e observam com sérias preocupações aqueles acontecimentos pelas graves, eu mesmo muito graves, consequências que dali podem advir-nos, o público, escudado à sombra de uma forte e prestigiada moeda e vivendo na orla do continente europeu, longe, portanto, dos centros de agitação e da especulação, não terá dado conta de que algo do que é nosso também está em jogo.
Parece-me pertinente, pois, que desta tribuna se alertem aqueles que não sentiram o peso do momento que passa para que, quando o Governo se veja perante a necessidade de adoptar medidas de defesa, quer financeiras, quer económicas - se for caso disso -, não sejam alguns desagradàvelmente surpreendidos.
Antes de mais, há que vincar bem que a ponta de optimismo sugerida pelo texto em discussão se pulverizou, para dar lugar a expectativas sombrias, a breve trecho confirmadas pelas medidas proteccionistas tomadas pela Inglaterra, pela Alemanha e por outros países.
Com efeito, baseava-se aquele tímido optimismo em vários indicadores, dentre os quais sobressaía o elevado excedente da balança de pagamentos e uma sensível redução no déficit da balança comercial, para o fim de 1967 e para os meses de 1968, já visíveis em cifras.
As drásticas medidas de defesa adoptadas pelos referidos países, simultaneamente o nosso primeiro cliente - a Inglaterra -, que doravante obriga os seus importadores a um depósito de 50 por cento do valor de quase todas as mercadorias importadas e pelo prazo de seis meses, e pelo nosso primeiro fornecedor - a Alemanha -, que agravou as taxas sobre as mercadorias exportadas, não poderão deixar de influenciar duramente o nosso comércio externo.
No primeiro caso, sobem os produtos portugueses vendidos na Inglaterra; no segundo, sobem no mercado interno as mercadorias de origem alemã.
Por sua vez, a táctica seguida pela França, barateando a produção exportável, tornando-a mais competitiva, não deixará de nos diminuir as possibilidades de fornecedor.
Outros países ergueram trincheiras defensivas e esperam-se novas medidas restritivas de mais alguns, o que virá tornar mais denso o horizonte dos nossos meios económicos.
Se verificarmos que o crédito se vai tornando cada vez mais caro e difícil, se tivermos presente que são os nossos melhores mercados que levantam barreiras restritivas, ou fazem fortes preparativos para uma mais agressiva concorrência, e se atentarmos na inércia que se apoderou dos empresários em relação ao estabelecimento de novas indústrias que venham enriquecer o leque da nossa produção exportável, teremos mostrado todo o quadro preocupante em que estão postos os olhos dos nossos homens de negócios.
sr. Presidente: Não trago à Câmara alarmes gratuitos para servirem de pasto a especulações políticas, que e tão fora do meu sentir; procuro, antes, salientar esta panorâmica pessimista e confusa para que o Governo faça um esforço decidido, procurando, por um lado, conseguir uma rápida e urgente viragem no clima psicológico que se apoderou dos meios empresariais - por enquanto trata-se de pouco mais que isso - e, por outro, imprimir um dinamismo novo às actividades económicas nacionais, esconjurando apreensões e diluindo receios.
Há um ano, e perante a conjuntura de então, eu solicitava do Governo respostas urgentes e acções rápidas na definição e aplicação de uma política de fomento para as exportações.
Fazia-o certo de que quando o comércio exportador se anima todos os circuitos económicos se activam numa multiplicidade esperançosa de iniciativas criadoras.
Repito hoje o mesmo apelo, com bem mais aguda oportunidade. Perante as emergências suscitadas pelo ambiente internacional dos negócios e do dinheiro, onde
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a palavra de ordem é quase o «salve-se quem puder», há que agir depressa e com dureza sobre o dinamismo económico da Nação, que aqui requer estímulos, ali coragem, além, porventura, subsídios - e, no todo, coordenação.
Os mecanismos económico-financeiros irão estabelecer rapidamente, imediatamente, um crédito acessível que, tendo em conta a tradicional e sempre louvável estabilidade do escudo, se há-de orientar para facilitar e enriquecer a gama das mercadorias exportáveis.
Neste domínio, a preocupação governamental não tem afrouxado e alguns resultados satisfatórios surgiram ultimamente.
Mas a frieza dos industriais em se abalançarem a novos empreendimentos indica que essa diversificação se encaminha rapidamente para uma estagnação inaceitável.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Aí terão de agir os órgãos governamentais, dissipando temores, sacudindo apatias, facilitando meios, indicando caminhos. Aí, na frente do comércio exportador, se tem de definir e aplicar uma política de coragem audaciosa. Hão-de as técnicas de exportação ser melhoradas e tem de alargar-se a todo o Mundo a teia dos nossos mercados consumidores.
Salienta-se que esta abertura para países compradores não poderá em muitos pontos fazer-se se o Estado, através dos órgãos já existentes e de outros a criar, se não adiantar em estudos das possibilidades para as nossas mercadorias, no estabelecimento de tratados de comércio e noutras medidas que escapam à acção e capacidade do exportador isolado.
Parece emergir destas considerações a necessidade imediata de um organismo de estudo de mercados que detecte todas as oportunidades de encontrar novos clientes e, em tempo, informe a indústria e o comércio dos resultados das suas pesquisas.
As actividades exportadoras, são, entre nós, exercidas por negociantes ou empresas de irregular capacidade. Dentre todos, só poucos, muito poucos, serão capazes de uma acção rasgada e profícua sobre o horizonte internacional dos negócios. Paralelamente às actividades particulares, umas centenas de organismos - sem exagero, muitas centenas -, associações comerciais, associações industriais, corporações, comissões reguladoras, juntas e grémios, nacionais ou regionais, procuram coadjuvar, cada um à sua maneira, numa dispersão de esforços, às vezes dispendiosa e muitas vezes ineficiente, ressalvando bastantes excepções válidas.
É que as operações de exportação, partindo da existência de produtos exportáveis que têm de cumprir determinados trâmites e seguir certos caminhos até chegarem aos centros consumidores, previamente detectados, utilizam métodos burocráticos idênticos e caminham quase sempre por vias sobreponíveis.
A pesquisa de possibilidades exportadoras e o estudo dos mercados potenciais e todo um conjunto de práticas intermédias são comuns, com ligeiras variantes, a todas as mercadorias.
Aí se justificaria um organismo central coordenador e informador, que poderia ser um precioso motor das actividades que se dedicam a este tipo do comércio.
A Comissão de Coordenação Económica e o Fundo de Fomento de Exportação, se alargassem profundamente o âmbito das suas actividades para este ângulo e chamassem aquelas centenas de organismos para uma acção conjunta, poderiam, porventura, prestar óptimos serviços, além do que lhes é habitual. E não se alegue falta de meios para o efeito. Os organismos corporativos e de coordenação económica dispõem de fundos mais que suficientes para promover a exportação de quanto produzimos e de tudo o que por muitos anos viermos a produzir!
Assim se garantiria a abertura de uma rede apertada de delegações ou missões comerciais e a participação em todos os certames internacionais, onde se vislumbre alguma possibilidade de penetração para produtos portugueses, medidas que, aliás, têm sido insistentemente reclamadas e não deverão adiar-se por mais tempo. Nesse organismo, criado ou a criar, se abriria um diálogo colaborante entre os organismos do comércio externo e os homens de negócios, em que se perscrutariam capacidades e diagnosticariam obstáculos e onde, seguramente, se chegaria com rapidez a resultados promissores.
Tem sido solicitado repetidamente o estabelecimento efectivo de um crédito e de um seguro específico da exportação.
Publicaram-se decretos, elaboraram-se regulamentos ao longo dos anos, de inacreditáveis anos, mas, na vida dura dos negócios, quem quiser exportar terá ainda hoje de recorrer ao crédito tradicional, utilizar os meios próprios ou perder as oportunidades.
Quanto à cobertura de riscos da exportação, como os seguros existentes os não abrangem, cada exportador suporta as surpresas e prejuízos que lhe sobrevierem.
Ora eu posso atestar aqui que em nenhum país da Europa ocidental deixa de haver cobertura para tais riscos.
Reclamar, ainda uma vez, que aquelas providências legislativas tenham efeitos práticos e imediatos não será impertinência oratória, antes serviço prestado às actividades económicas nacionais e a quem tem de as reger.
Numa troca de impressões com as Comissões de Economia e Finanças da Assembleia, prometeu o Sr. Ministro das Finanças providências rápidas para estas dificuldades. Confiamos. Mas insiste-se em que não é aceitável esperar mais.
Na mesma troca de impressões, aludiu S. Ex.ª à intenção governamental de incentivar os investimentos estrangeiros no País. É política que desde há anos se vem a aplicar com resultados frutíferos e nada parece aconselhar mudança de rumo.
Todavia, decorridas que vão quase duas décadas desde que se iniciou tal política, analisadas as circunstâncias de que se têm rodeado alguns desses investimentos e conhecidas as práticas comerciais e financeiras dos respectivos empreendimentos, parece necessário estabelecer normas que acautelem aspectos menos consentâneos com os interesses da Nação, garantindo-se, porém, segurança plena e rentabilidades estimulantes a tais investimentos.
Um primeiro aspecto a acautelar será o da entrada efectiva de capital: com efeito, sabe-se de estabelecimentos industriais estrangeiros instalados inteiramente com meios financeiros adquiridos por empréstimos da banca comercial portuguesa, a coberto de simples garantias bancárias prestadas pela banca dos respectivos países. Não se trata, pois, neste caso, de importações de capital, mas de simples instalações de negócios que são, quase sempre, extensão ao País de ramos de importantes monopólios internacionais.
Abro aqui um parêntese para lembrar que mereceriam estudo atento da governação certos métodos usados fronteiras adentro pelos referidos monopólios, exactamente! porque são monopólios, quer nas instalações industriais que exploram, quer nas redes comerciais que os servem.
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Um segundo aspecto a vigiar será o dos chamados royalties contratados entre os estabelecimentos estrangeiros no País e as respectivas casas-mães. Sabe-se de outros governos, tidos e havidos por liberais, que desde há muito estabeleceram balizas a tais royalties, fixando-os sobre o montante global de vendas e em níveis que andam à roda dos 2,5 a 5 por cento, consoante o nível de tecnologia, o volume de negócios e outros condicionalismos. Só em casos de muito elevado padrão tecnológico é permitido que esses royalties atinjam nível mais elevado. A este propósito, mereceriam também estudo e regras legais as relações das empresas nacionais que trabalham com licenças, patentes ou técnicas de importação.
O terceiro aspecto a acautelar será o das aquisições, quer de matérias-primas, quer de embalagens. Neste capítulo, as práticas seguidas ultrapassam todos os limites da deontologia comercial e lesam-se fortemente os interesses nacionais.
Na verdade, tem-se conhecimento, por exemplo, de matérias-primas importadas por estabelecimentos estrangeiros radicadas no País a preços muitas vezes superiores aos preços internacionais correntes, numa evidente prática que como tudo parece indicar, é um processo ilícito de fazer sair lucros encobertos!
Alguns governos aceitam como diferença máxima para mais, nos pregos de importação de matérias-primas e embalagens, de situações idênticas às que refiro, por parte das empresas estrangeiras instaladas, a percentagem de 10 por cento sobre a média de preços internacionais correntes.
O controle sobre royalties e lucros e respectivas transferências faz-se correntemente noutros países pela entrega às estar cias fiscais de cópias de escrituras, acordos, contratos fabris, etc.
Não parece oferecer dificuldades de maior, segundo creio, que se estabeleçam no País algumas normas tendentes a remediar estas situações anómalas e outras do mesmo jaez que porventura por aí ocorram, acautelando os interesses da Nação, mas, repito, garantindo segurança e facilitando rentabilidade aos referidos investimentos.
Sr. Presidente: Na veemência destas palavras não há-de vislumbrar-se ponta de discordância ou de reserva, mesmo velada, para com o projecto de lei em discussão.
O homem cê acção, que pretendo ser, busca nos factos que vão ocorrendo a lição a extrair para estabelecer as rotas do futuro. Daí que me debrucei sobre o que importa realizar, em importante ângulo da vida portuguesa, situando-me dentro das previsões governamentais e tendo bem presentes efeitos vividos, mas com os olhos postos no amanhã. Avivando um ou outro ponto, norteei-me por sã intenção de bem servir.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Elísio Pimenta: - Sr. Presidente: A proposta de lei de meios para 1969 segue sem desvios a linha recta traçada pelas mãos firmes do homem que em 27 de Abril de 1928 fazia o sacrifício da sua vida ao País, «como dever de consciência friamente, serenamente cumprido», pois, acrescentava, «por favor ou amabilidade não o faria a ninguém».
Vale a pena reflectir um pouco sobre as constantes de um política que hoje, como há quarenta anos, se mantém inalterável na definição dos princípios, não obstante as vicissitudes perturbadoras de tempos dominados por variados acontecimentos.
Neste momento histórico da vida da Nação Portuguesa - e ninguém ousará considerar exagerada a afirmação -, a Lei de Meios reflectirá formalmente a continuidade dinâmica afirmada em 27 de Setembro e confirmada, ainda há dias, do mais alto lugar desta Assembleia, pelo Sr. Presidente do Conselho.
Respeitado o equilíbrio financeiro pela adaptação dos recursos às necessidades, hoje como então, a Pátria, em toda a sua dimensão moral e geográfica, não se discute, e daí a preocupação prioritária com o esforço na defesa do território nacional e da sua integridade.
Não havendo economia que vingue e possa prosperar sem moeda estável, hoje como ontem, a interdependência entre a vida financeira do Estado e a evolução do poder de compra interno e externo da moeda.
Representando o homem o capital mais valioso da comunidade organizada, hoje como ontem, a valorização humana no espaço português considerada condição essencial ao progresso da colectividade.
A coordenação e o desenvolvimento da produção como meios da promoção do progresso económico e aumento da riqueza, hoje como ontem, a política planificada de investimentos, para se conseguir uma maior produtividade e o aproveitamento dos recursos disponíveis no sentido de uma melhor e mais justa repartição dos rendimentos.
A paz social, hoje como ontem, pela harmonia dos interesses dentro da justiça, dando a cada um o que a cada um pertence e garantindo a segurança aos mais fracos.
Que mais alta homenagem, destituída de todo o verbalismo sentimental, poderia, porventura, prestar-se a Salazar do que a afirmação responsável da fidelidade aos princípios por ele proclamados a partir de 27 de Abril de 1928?
Hoje como ontem, eles comandam a política nacional, mas sem imobilismos estéreis, antes vivificados pela dinâmica da vida. A vida não pode, na verdade, parar, e reveste dia a dia novas formas, a que temos de nos adaptar, para sobreviver.
Sr. Presidente: Felizes os povos que nos momentos graves da sua vida encontram quem os conduza, quem se imponha às inteligências e vontades com títulos de capacidade intelectual, de amor à verdade, de culto à justiça e também de humildade, essa admirável humildade que permite aceitar com a consciência de servir a terrível prova do Poder.
Eu creio que o povo português se encontra precisamente num desses momentos. As circunstâncias impõem sacrifícios de opinião ou de simples procedimento, domínio de paixões naturais e condutas de austeridade, para que a colectividade sobreviva sem feridas aos traumatismos imerecidos que a atingem ou a que ela haja, porventura, dado causa.
Mas creio também que a curva da crise atingiu já o ponto mais alto, ao encontrar quem, pela inteligência, amor à verdade, culto à justiça e humildade corajosa que marcam os verdadeiros chefes, aceitou conduzir a comunidade portuguesa através dos caminhos incertos da dignidade e do progresso.
Não se parte, é certo, da instabilidade provocada por um sistema político a que não fomos capazes de nos adaptar no decurso de um longo e agitado século, antes se aproveitará a experiência de um outro ainda incompleto ou desvirtuado, aqui ou além, pela falta de raízes formativas de alguns dos seus servidores, mas com provas recentes de valor institucional.
Mas suporta-se, por outro lado, o peso dos deveres de solidariedade entre todos os portugueses na defesa da honra, da vida e da fazenda comuns e os resultantes da
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fidelidade a uma civilização, à sombra da qual nascemos como Nação e cujo património acrescentamos com sacrifício, para proveito da humanidade.
O sacrifício não foi apenas dos precursores, dos que abriram e desbravaram os caminhos através dos quais seguiram outros homens e outros povos, o sacrifício marca também as gerações de hoje. Saibamos suportá-lo com a. consciência de que pertence a todos partilhá-lo, não aconteça que a falta de alguns - a inconsciência, o egoísmo ou mesmo a vil traição - aumente nos outros o peso do fardo ou o faça cair por terra, com a perda de todos.
A Nação, exemplarmente serena, manifesta a sua confiança no Sr. Presidente do Conselho. O povo português, de todas as latitudes, até mesmo quando escravizado pelo invasor, como ouvimos, comovidos, aqui dizer, apoia o Governo. As manifestações de quem se sente consciente dos seus direitos e obrigações, c gosta que o reconheçam, não dão lugar a dúvidas. O Governo, por seu lado, no labor infatigável de pouco mais de dois meses, só terá desiludido os que dele esperavam o impossível.
Mas, para tilem da confiada expectativa de muitos, é indispensável a certeza de todos. Neste momento em que muito, ou tudo, se arrisca do bem que possuímos, devemos ter fé. Ter fé e cooperar lealmente. Lealmente, serenamente, acreditando que não teremos razão em tudo ou que só o tempo dispõe da razão.
Cooperar lealmente, sim. E cooperar lealmente é, também, cada um ir até onde a sua capacidade e a sua força o permitam. Se isto respeita a todos, mais importa que o sintam os que exercem funções públicas, nas quais estão para servir. Servir não pode confundir-se com a satisfação de interesses ou conveniências pessoais ou de vaidades.
Sr. Presidente: Não está fora das preocupações do Governo, expressas na proposta de lei de meios, a política de desenvolvimento regional, da qual considera elemento imprescindível o fomento do bem-estar das populações numa ordem de prioridades já estabelecida anteriormente. O notável relatório que antecede a proposta denuncia um dispêndio suportado pelo Orçamento Geral do Estado de 170 000 contos em viação rural, electrificação e abastecimento de água, durante o ano de 1969, para além de quase meio milhão de contos de comparticipações e de mais de 150 000 contos de empréstimos aos corpos administrativos, com os mesmos objectivos.
É muito? É pouco? Atrevo-me a concluir que é muito como esforço para enfrentar problemas sujeitos à concorrência de alguns outros mais urgentes na ordem de naturais premências, e é pouco se atentarmos na necessidade imperiosa de libertar uma parte da população do País do conformismo secular a que foi votada, mantendo-se afastada dos bens considerados justamente como padrões normais da vida do homem civilizado.
Não basta, porém, conceder subsídios ou comparticipações, facilitar empréstimos, nem sempre inteiramente reprodutivos. De pouco servirão se a eles deixar de corresponder uma melhoria paralela de nível de vida, pela obtenção de maiores rendimentos do capital e do trabalho que fixem o homem à terra, dando-lhe a compensação justa do seu esforço em bens e em braços, a segurança social e a atracção do meio nos lazeres, em resumo, a consideração total de não se julgar diminuído perante o homem dos meios grandes.
Acresce que a administração local será um outro elemento dominante no conjunto dos factores propícios às obtenção do bem-estar rural. Se não for competente e interessada, atenta às oportunidades e captativa da contribuição do meio, austera no comportamento e disciplinadora nas exigências aos seus servidores, muito do que de valioso o Estado queira ou possa fazer pelo desenvolvimento regional perderá o seu efeito político, considerada a política como a arte de bem governar e de atrair pelo bom governo a confiança dos governados.
Mais do que nunca, nos pequenos como nos grandes meios, só haverá boa política quando os homens forem idóneos para o exercício das funções, idoneidade que se resume, como antes o afirmei, em bem servir os interesses comuns na medida das capacidades próprias, não procurando suprir-se estas, como infelizmente acontece, com efeitos verbais e realizações espectaculares sem interesse social, verdadeiras cortinas da incapacidade.
Sr. Presidente: As providências quanto ao funcionalismo constituem mais um capítulo da proposta de lei.
A marcha no sentido de se atribuírem aos servidores do Estado as condições materiais de dignidade indispensáveis ao bom exercício da função pública tem sido demasiado lenta, por circunstâncias imperiosas da vida no País e por outras que resultam de excessiva prudência mi maneira de enfrentar alguns aspectos da questão.
Felizmente que as medidas já tomadas pelo Governo, no propósito de resolver situações extremas em relação aos vencimentos de certas categorias de funcionários, a disposição do artigo 18.º, n.º 3, da proposta, quanto à situação do professorado primário, e a certeza afirmada no n.º 2 do mesmo artigo, de que serão postos integralmente em funcionamento no ano de 1969 os serviços da Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado, e não se esqueça a sua extensão aos familiares, descobrem novas perspectivas na satisfação de necessidades e anseios cuja justificação se torna ocioso fazer, tal a sua evidência.
A melhoria das condições económico-sociais dos funcionários, salvas aquelas revisões parcelares expressamente previstas na proposta de lei e algumas outras que porventura se poderão prever e se antevêem na proposta e no seu claro e expressivo relatório, depende, na essência, da Reforma Administrativa, e isto para que os quadros possam ser reestruturados em bases de maior reprodutividade do trabalho dos funcionários e rendimento dos serviços.
Estão em curso os estudos para a execução de uma «séria reforma administrativa, que para ser séria não podo ser precipitadas, afirmou o Sr. Presidente do Conselho, e a ninguém é lícito duvidar de que se cumpram depressa os seus objectivos dentro do condicionalismo estabelecido. Seria certamente difícil ao Governo proceder à revisão geral de vencimentos sem essa reforma, até pela sua pesada incidência no orçamento do Estado. Recordemos que as despesas com o funcionamento dos serviços se elevaram de 12 por cento em 1967, por efeito principalmente do subsídio eventual do custo de vida, e as providências previstas sobre os professores do ensino primário imporão, só por si, novos encargos de montante superior a meio milhão de contos.
Um ponto há, todavia, sobre o qual desejaria debruçar-me durante alguns momentos, e é ele o da acção social em benefício dos funcionários, realidade ainda desconhecida de muita gente, autêntica expressão da segurança social, ainda há poucos anos limitada às pensões de aposentação e já hoje abrangendo um esquema complexo em alguns sectores da administração pública. O passo dado é, na verdade, notável. O esquema não se limita a uma tímida protecção na doença aos servidores civis do Estado, a que vai ser dada, felizmente, expressão integral, mas estende-se a uma actividade polivalente exercida pelos serviços sociais criados nos Ministérios
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do Ultramar, das Obras Públicas e da Justiça, c mais recentemente no da Economia.
O tema é sedutor o espero poder vir a tratar dele com o desenvolvimento que merece, incompatível nesta altura com a análise geral da proposta em discussão. Quereria, porém, deixar desde já dou breves apontamentos.
A evolução da segurança social em todo o Mundo, e da mesma forma em Portugal, é hoje uma realidade irreversível, que não pode ignorar os servidores do Estado.
Além do que representa paru a realização da justiça social, destruindo compartimentos discriminatórios que em parte alguma se admitem, e assim se entendeu no nosso país cem & promessa feita em 1957 - há longos treze anos!-, na Lei de Meios, da prestação da assistência na doença aos funcionários, o esquema mais ou menos vasto que os serviços sociais abrangem ou venham, de futuro a abranger deve considerar-se um verdadeiro acréscimo à remuneração monetária, cujo aumento nem sempre satisfaz ou preenche as reais necessidades dos beneficiados.
Temos, portanto, que o Estado com o aumento das remunerações monetárias pode não ir ao encontro das carências e das aspirações dos funcionários, se o não completar ou substituir, total ou parcialmente, por prestações de outra espécie que melhor satisfarão as suas necessidades.
A experiência feita nos Ministérios do Ultramar, das Obras Públicas e da Justiça merece ser generalizada sem demora aos sectores do Estado que ainda não beneficiam de uma acção social, pois que a assistência na doença, mesmo extensiva aos familiares, deverá, em boa razão, ser considerada apenas como o início da aplicação de novos conceitos em relação aos que servem a administração pública.
O Serviço Social do Ministério da Justiça, e falo dele porque o conheço directamente, entrou em rendimento exemplar meses depois de ser publicado no Diário do Governo o diploma que o criou. Pois bem, dois anos passados, abrange já a prestação de cuidados médicos e medicamentosos aos funcionários e suas famílias, a construção de habitações, o abastecimento de produtos necessários à economia familiar, o funcionamento de uma cantina e refeitório e, mais recentemente, as pensões de sobrevivência, essas sobretudo devido à persistência do ilustre titular da pasta que soube vencer resistências injustificadas e conquistar esse extraordinário benefício para os seus funcionários, que agora poderão, se bem o compreenderam, viver e morrer mais tranquilos.
Tudo isso foi possível, Sr. Presidente, porque se quis. E porque se quis com a visão realista de que a humanização da mal oleada máquina do Estado resolve sempre os problemas aparentemente difíceis, tornando para todos a vida mais fácil e agradável.
Há que levar mais longe, no sentido da sua generalização, o empreendimento da Caixa Geral de Depósitos e dos serviços sociais existentes ou a criar, no domínio da construção de casas para habitação dos funcionários, de todas as categorias e por todo o País; dos abastecimentos; das cantinas e refeitórios; das colónias de férias e, sem esgotar o escuema, das pensões de sobrevivência, enfim de tudo quanto possa atrair à função pública todos os que a não procuram ou dela se afastam por nela não encontrarem a justa compensação para as suas aptidões e para o seu trabalho, no que está envolvido, como expressivamente se conclui no douto parecer da Câmara Corporativa, o prestígio da Administração.
E por aqui me fico, Sr. Presidente.
Muito mais haveria a dizer nesta Assembleia, política, cuja colaboração foi solicitada - e não devemos ser insensíveis à, solicitação, antes agradecê-la, pela preocupação que envolve de nos prestigiar - para que o Governo possa levar a cabo a árdua missão de continuar a marcha, por caminhos refeitos ou renovados, insuflando forças aos mais fatigados e arrastando nela quantos de boa fé anseiam por alcançar as mesmas metas. Mas a nossa melhor colaboração está na verdade das nossas palavras e na oportunidade com que as proferirmos.
O documento em apreciação, mais do que a expressão financeira e económica de uma política, é ele próprio o programa da política do Governo nesta hora singular que a providência quis fosse vivida pelas gerações do presente. Hora de sofrimento na alma e no corpo, é verdade, mas também hora de redenção, se a soubermos merecer.
Escrevia um historiador contemporâneo que a nossa geração, as nossas gerações, à semelhança dos portugueses do século XV, tem o perfeito sentimento das obrigações que lhe impõe a, hora presente.
Pois sigamos lealmente os que conduzem a, Nação, porque o fazem com patriotismo, espírito de sacrifício e recta intenção.
Pelo que me toca, no cumprimento das obrigações do meu mandato, e certo como estou de interpretar o pensamento dos que aqui me mandaram, dou o voto sem condições à, proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1969.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: Creio já alguma vez ter declarado a V. Ex.ª a minha pouca inclinação a participar dos debates anuais da proposta de lei orçamental.
Este desapego ao que tradicionalmente era a primeira, função das assembleias políticas - conceder e medir aos governos, em nome dos povos tributados, a cobrança e o uso das colectas -, função diminuída, aliás, ao longo dos tempos, pelos jogos de paixões e concorrências de apetites, não me veio de julgar realmente superada pela primazia da técnica, financeira a necessidade do nosso parecer quanto à equidade, dos lançamentos e proporcionamento das aplicações: mas veio-me, sem dúvida; de algum desgosto ante a assoberbar crescente dos defensores de tal primazia ...
Não que eu pretenda que os parlamentos, e desde logo o nosso, reavoquem essa como outras primazias, no uso das quais tanta vez deram má conta de si; não que eu creia as assembleias, quaisquer assembleias, por milagrosas infusões, capazes de sublimarem a ciência dos seus membros e ignore serem nesta Casa poucos os especialistas de finanças; não, sobretudo, que eu quisesse ver aqui debates orçamentais, capítulo a capítulo, verba por verba, demorando nas transacções e dissipando nos acomodamentos de vontades demasiado apostadas em pormenores o próprio tempo da execução do diploma.
Não, isto não, Sr. Presidente; mas de há muito creio, e só vejo crescer a multidão destes crentes, que há duas sortes de funções igualmente indispensáveis e cada vez mais entre relacionadas no governo das coisas públicas: a de decidir os fins e a de escolher os meios, a política e a técnica; e que uma e outra devem ter em conta sejam justos os fins, sejam eficientes os meios, que vão finalmente incidir sobre pessoas, e que a satisfação destas pessoas é o termo última a atingir, procurando a sua adesão
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aos fins e a conformidade dos métodos com as maneiras de ser delas.
Toda a delicadeza, toda a grandeza, da governação está em conduzir as pessoas para o maior bem, que nem sempre são sequer capazes de entrever, com o máximo respeito das suas humanas peculiaridades; respeito que, é claro, nem exclui a educação nem o castigo.
Ora, no advertir os governos das sensibilidades dos povos, das peculiaridades respeitáveis das pessoas, como das singularidades de lugares ou de casos, parece-me estar uma grande utilidade, indispensável, quiçá primacial, das assembleias políticas que, como nós, não se dediquem a jogos de poder, que tão depressa desvirtuam.
Porque os governantes, sob as pressões da vida moderna, andam, andam inevitavelmente, cada vez mais segregados das populações, cujos problemas e sentimentos principalmente lhes chegam, perdidos calor e vida, pelas vias interpostas da informação burocrática, dos pareceres especializados, dos relatórios quantas vezes mondados do que possa provocar desagrado maior. O juízo simples do homem da rua, falando do que lhe toca, mas por aí exprimindo com a sua verdade anseios ou queixas, juízo que alguns reis antigos procurariam, conta-se, em surtidas incógnitas pelo meio da plebe; que os homens públicos de épocas mais folgadas iam buscar no trato dos influentes eleitorais; que se adquiria em certas misturas de contactos correntes e se tomava com os vagares do tempo, chega muito menos hoje em dia, já não direi aos gabinetes dos Ministros, mas até às secretárias dos seus colaboradores - sobretudo aos colaboradores, que, todavia, por força das circunstâncias, são cada vez mais quem propõe, e por isto dispõe.
Todos trabalhando sob o peso de problemas que se multiplicam e urgem; muito confinados nos contactos às questões de serviço e aos colegas de trabalho; dedicados às tarefas, mas nas exaltações do Executivo levados a ver no próximo mais um dependente, ou um pretendente, do que outro homem, um dos homens para cujo serviço, afinal, ali estão; enlevados em teorias que quereriam comprovar nas suas próprias realizações; convictos de poderem conformar os indivíduos a poder de regulamentos; mais do que os Ministros, os burocratas e os técnicos que moldam hoje o Mundo tendem a ser, como em luminosa expressão dizia há pouco certo jornalista estrangeiro, «mais sensíveis ao governo das coisas do que ao das pessoas»!
Neste ambiente, todavia, favorável à elaboração de grandes construções administrativas e mais propício a concepções de fôlego do que o desconcentrado liberalismo de outrora, o que realmente falta é a introdução de certo respeito pelos efeitos políticos das decisões, e pára tanto a disposição de conceder maior audiência aos órgãos cujo papel é justamente prefigurar esses efeitos à luz de um conhecimento mais diversificado, ainda que mais superficial, dos meios onde incidirão.
Eis a luz a que vejo a intervenção da Assembleia Nacional no afeiçoamento das leis de autorização de receitas e despesas, como no de outras; eis por que a certo momento muita pena me fiz vê-la retirar-se, sem demonstração da necessidade real de ir tão longe, do direito de colaborar, de assumir também a sua parte de responsabilidade, de oferecer o seu quinhão de aviso ou conselho no aparelho de peças tão importantes da construção orçamental como são as bases de cobrança dos impostos.
Nem é com sossego do espírito nesta esfera que leio na proposta em debate aquela alínea da primeira parte do artigo 13.º, que manda o Governo concluir os estudos necessários à reforma dos regimes tributários especiais e da tributação indirecta o logo é autoriza a, com base nesses, estudos, publicar os respectivos diplomas legais. É nulo o meu conhecimento do direito aplicável à hermenêutica deste texto, mas suponho bastar o da língua para concluir que, votada por nós, à sombra da lei constitucional esta autorização ficará definitiva e permanente: por outras palavras, que voltamos a ser convidados a aprovar novas leis tributárias na obscuridade total dos seus princípios e alcance e sem reserva de oportunidade de os apreciar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sacrificarei à conjuntura o alongar-me sobre a matéria; mas entendo dever declarar- que o meu voto, na generalidade favorável à proposta, exclui expressamente a segunda parte de tal disposição na amplitude com que nos é presente.
A lei em exame, como todas as suas antecessoras, habilita-nos antes, através de um relatório muito informativo, se mais conciso, nada desmerecedor da excelente tradição formada, habilita-nos antes, direi, a julgar das circunstâncias em que o Governo exercerá a sua acção financeira do que a figurar, se não por outra tradição ainda mais excelente, as exactas medidas dela. Com efeito, e sempre como de costume, as opções que aceita e os limites que fixa são em geral muito largos e, embora continuem rígidas e severas as regras de economia e de equilíbrio, deixam considerável liberdade de acção ao Ministério das Finanças.
Duvido de que pudesse com vantagem ser de outro modo, mas quero sublinhar que para mim a votação de uma proposta deste tipo envolve muita confiança no Governo e no seu Ministro das Finanças, e este sentido lhe dou em plena consciência.
Antevejo para o Sr. Ministro das Finanças uma gerência trabalhosa como de há muito não haveria, pelas diferentes e graves solicitações que, da defesa ao desenvolvimento da Nação, lhe hão-de ir para despachar, e será bom que ele possa contar com o apoio da Assembleia Nacional - o apoio em espírito, ainda quando o dispense em legislação - para a sua pesada tarefa.
E um sentido especial convirá dar-lhe: o da segurança de que o aprovaremos em todo o esforço de reduzir despesas dispensáveis, de incutir aos vários níveis da Administração espírito de economia, de fazer poupar somas que, mesmo sendo de per si pequenas, porventura formarão total útil para fins mais urgentes.
Já pelo menos uma vez importunai V. Ex.ª com esta preocupação, de que se têm pouco a pouco introduzido nos departamentos públicos gostos sumptuários, pequeninos desrespeitos pelo dinheiro do Estado, falsas noções do aparato como elemento de prestígio ou, melhor, erradas aplicações do aparato ao prestígio, em suma, sentimentos de fartura de meios que algumas vezes os terão feito gastar mais do que de razão ou estrita necessidade.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Sem embargo de reconhecer quanto enriquece o verdadeiro património a erecção de monumentos e a dedicação de palácios aos fins superiores da comunidade, quanto importa à eficiência dos serviços a sua decente e bem proporcionada, instalação, quanto a mesquinhez pode sair cara, sem aduzir de concreto mais do que dois ou três exemplos ao acaso, mas tão-pouco querendo que esgotassem o rol. justifiquei então o meu sentimento de uma atmosfera de liberalidades internas que já mo parecia tempo de refrear, regressando à austeridade que
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verdadeiramente preparou o País pura as grandes realizações da nossa geração.
Se não me enganei nesse tempo, dobrada razão terei agora para repetir a recomendação.
Sei, aliás, que não são outros os propósitos do Ministério das Finanças, mas auguro-lhe duras lutas contra os vezos criados, desde a preocupação de esgotar dotações para não as perder nos orçamentos seguintes até à existência de umas espécies do tesouros privativos que outros Ministérios, com os tempos, foram constituindo, e graças aos quais se asseguraram de liberdades de movimento que há-de ser penoso perder.
Vi um dia argutamente observado que, quando há dinheiro, só as ideias são poupadas; pois bem, chegámos à altura de espevitar ideias para fazer render melhor os dinheiros públicos.
Muita firmeza e muita prudência serão igualmente necessárias para contrariar a proliferação de soluções parcelares de dificuldades conjunturais, que bem poderão vir a formar emaranhados de expedientes perturbadores de toda a Administração. A Câmara Corporativa lá achou de fazer a sua advertência neste sentido no tocante aos adicionais a colectas: eu quero lembrar a desordem em que se vão processando diversos meios de suprir aos baixos vencimentos de funcionários. Consta que numas partes se cancelem abertamente dispensas de metade do tempo de cada e ia, para que as pessoas - assim mesmo se teria dito - possam ir ganhar fora aquilo com que o Estado não lhes chega, ou resignadamente se fecham olhos a ausências significativamente prolongadas; que noutras se têm encomendado serviços, pagos suplementarmente como actividade livre, a quem devera desempenhá-los no quadro das funções exercidas; que departamentos com mais autonomia ou imaginação tiram serventuários a outros, pura e simplesmente, com os engodos de melhores pagas; quando assim não sucede, vemos o florescimento de organizações internas de solidariedade, com variados âmbitos e variadas amplitudes de subsídio, que por modos diversos supremas insuficiências das tabelas; e não sei que mais estratagemas se inventaram ou inventarão para obviar à alternativa de deserções totais, embora no risco de as substituir por trocas de situação. Ainda ultimamente foi autorizada apreciável melhoria aos tesoureiros de corpos administrativos, deixando inalteradas as remunerações dos chefes das secretarias, mais carregados, sem dúvida, de responsabilidades o de trabalhos; não se provocarão mutações por igual inconvenientes?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Eu não condeno estes processos que se terão imposto como recursos indispensáveis; mas pergunto se o que eles acabarão por custar, em desembolsos disfarçados, mas não menos reais, em quebras de rendimento, em desmoralização de funcionários e perdas da autoridade dos seus chefes, em rivalidades e confusões, não virá a exceler o preço de medidas mais gerais, mais equitativas e irais claras. Compreendendo e respeitando os imperativos Ia emergência, não é todavia este o tipo de ideias novas que preferiria ver desenvolverem-se.
Oxalá a reestruturação dos quadros do funcionalismo, que a proposta contempla, possa ser concluída a tempo de dar à universalidade dos servidores do Estado as justas melhorias que todos aplaudiremos, que todos cremos indeclináveis, embora haja de considerar-se, e começar para tanto a preparar interessados e circunstantes, que essas não poderão ser a extrapolação automática das condições anteriores, mas sim as adequadas às novas necessidades, aos novos instrumentos de trabalho e aos novos conceitos da maior utilidade social. A não se poder andar depressa, é muito de temer que deteriorações progressivas minem a velha orgânica, cujos 33 anos de idade parecem multiplicados pelas profundíssimas transformações de ideias e actividades entretanto processadas, a minem a pontos de nem ficarem alicerces firmes para o novo edifício, cuja traça bem diferente não poderá, todavia, deixar de assentar igualmente na harmonia das exigências dos serviços com a satisfação das pessoas em razoável medida - mas medida do seu tempo.
No alude das exigências desabando sobre o erário, que às maiores simplesmente não pode fechar-se sem comprometer imperativos essenciais da Pátria, será apenas humano sobrepor a todo o transe o provimento dos cofres nacionais às aspirações das autarquias, sempre desfocadas pela distância do Terreiro do Paço.
Isso dará renovada acuidade ao problema da repartição da carga tributária entre as administrações locais e a central.
Já em 1929, ao introduzir a notabilíssima reforma fiscal de então, e a propósito de ser diminuída a percentagem limite dos adicionais para os municípios, se afirmava ter sido necessário poupar o contribuinte para as necessidades do Estado. A singeleza, o primitivismo da vida provinciana do tempo, que media bem cerce as aspirações e as continha num quase desconhecimento do mundo, reduzindo os povos ao fácil contentamento de não terem o que ignoravam; com a confiança na capacidade imensa que viam dedicar-se ao bem público fizeram aceitar sem maiores sobressaltos o corte que bem depressa mudou de sentido, no avolumar da colecta global e nas crescentes participações do Estado em melhoramentos locais, como no fomento geral que se estendia até mais perto das vilas e das aldeias.
Bem outro seria agora, porém, o efeito de regressão paralela, se acaso é de conceber.
Às populações aprenderam, pelas variadas informações que passaram a chegar-lhes, e avidamente sorvem, quanto lhes falta e quanto podem apetecer; e nunca será de mais repetir que tê-las familiarizado com possibilidades de progresso, rompendo as negações da antiga impotência, é outro, crédito da política dos últimos decénios, ainda quando despertou mais fomes do que conseguiu saciar.
Mas essas fomes - de higiene, de conforto, de embelezamento dos ambientes, de comunicações mais fáceis, de tudo quanto a civilização conquistou e divulgou para tornar por acção colectiva menos ásperos os caminhos da existência - lá estão vivas, e não poderá afastar-se-lhes a esperança de acederem ao banquete do progresso sem risco de fazer nascer das profundidades do corpo social arrancos de impaciência capaz do discutir todos os impedimentos e pôr em questão as mais respeitáveis razões deles.
E é o principalíssimo problema da conjuntura que atravessamos, de modo nenhum deixar pôr-se a opção entre os frutos directamente tangíveis da administração pública e aqueles outros que só por figuração da inteligência se avaliam completamente!
A melhoria do bem-estar rural, devidamente incluída na programação financeira para o ano de 1969, depende da acção dos municípios com auxílios do Estado e pressupõe, portanto, intervenções deste e capacidade daqueles.
Tais como o Estado, na sua esfera própria os municípios debatem-se com solicitações crescentes, correlativas da evolução geral, e para as satisfazer têm de concorrer com o Estado à bolsa dos contribuintes.
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E essencial deixar-lhes aí suficiente quinhão, e esta lembrança quero fazer.
Não podemos deixar de ter bem presente que a melhoria do bem-estar rural não dá frutos sómente ao nível da vida local. Ela criará condições de disseminação pelo território das actividades capazes de aliviarem o sector agrário dos seus excessos de pessoal, sem lançar este no vácuo do desemprego ou o empurrar para a hostilidade dos meios estranhos. E com efeito muito fácil dizer - com verdade - que no campo há gente a mais e se deve transferi-la para outras actividades, mas importa pensar que onde se diz gente estão pessoas, cada qual com seu problema de readaptação, e esta se fará melhor, e provavelmente com mais proveito, se não envolver o abandono de todos os hábitos e todas as relações, nem contribuir para tornar desertas povoações outrora risonhas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Num país moderno ainda há lugar para intensa vida rural - que não é só agrícola - , e disso nos dão prova nações das mais adiantadas, a começar pelos fabulosos Estados Unidos da América. Ponto é que essa vida seja vivível e atraia as pessoas e as empresas que não encontram sossego ou lugar nas cidades grandes. O bem-estar rural é um verdadeiro factor de desenvolvimento, com repercussões em todos os quadros da- sociedade; não se tirem aos municípios, seus mais directos agentes, os meios de o promoverem, nem às populações a confiança de participar dos frutos do progresso lá mesmo onde não quereriam desgostar-se de viver.
Temos a plena consciência de poder não ser fácil a gerência financeira de 1969 se vierem somar-se aos problemas do País os reflexos de perturbações graves em nações de cuja prosperidade também depende a nossa. A proposta de lei de meios ante o nosso exame nem ilude as perspectivas mais graves, nem se apresenta desmunida de instrumentos para as enfrentar. O demais será execução, e dessa execução hão-de vir a participar, em mútuas reacções, governantes e governados. Dos primeiros já conhecemos a prudência; os segundos têm dado provas de paciência na confiança. Se souberem mais uma vez não se desmentir uns aos outros, quem nos suceder de hoje a um ano poderá ver desenrolarem-se-lhe mais francas as perspectivas de ascensão que aclaram a vida social.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Lopes Frazão: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: E com a alma alanceada por forte entristecimento, na motivação do apagar político do português enorme que foi Salazar, que pela vez primeira usamos da palavra para além do seu patriarcado, desmedido e portentoso a favor da Nação.
Que Deus ao menos lhe conceda a graça da saúde, a fim de que continuemos a haurir a sua espiritualidade tamanha!
A palavra, inteligente, clarificada e firme do Prof. Marcelo Caetano enche-nos de fé na continuidade política, do paz, e acesa chama corporativa, que nos há-de levar avante na senda do progresso por que todos ansiamos.
Ao pisarmos esta tribuna alta do pulsar do País, no limiar deste quarto, e último, estádio da nossa legislatura, tão superiormente conduzida por V. Ex.ª, Sr. Presidente, e cumulada de mérito pela extrema elevação das oportunas e válidas intervenções dos Srs. Deputados, a todos VV. Ex.ªs eu dirijo o protesto da minha veneração.
Uma afirmação mais de reverência é devida àqueles nossos pares que foram governo, e de tanto merecimento, e agora nos vieram emprestar, ao intrincado dos nossos problemas, o melhor do seu saber esclarecido.
À nossa imprensa, tão proba, e sempre devotada, com a dignidade maior, à nobreza do seu exercício, eu rondo neste primórdio de trabalhos homenagem sincera.
Sr. Presidente: Só o nosso sentir bem apegado pelas coisas do distrito de Beja, que aqui nos trouxe em sua propugnação, e que tanto nos honramos de representar, extenso e úbere território é ele que nos merece fervor imenso, e de tanto acarinhamento precisa, porque tem o labor rude, mas heróico, da terra por condição primeira da vida das suas gentes, isso nos impõe que observemos a Lei de Meios, querendo-os quanto possível mais vultosos em seu proveito.
Também esta lei, pelo que representa de perfeição o clareza, e de vincada utilidade a favor do interesse nacional, atesta um seguimento de exercitação saudável do Ministério das Finanças, enobrecendo quem por ele é responsável.
As coordenadas imperantes no espírito da lei são precisamente as mesmas que vimos nos anos passados :i dominarem todo o quadro de materialização do nosso viver público - a defesa do chão pátrio c o progresso económico. São estes para nós os primeiros trilhos a seguir, os «caminhos da verdade», como já o proclamámos.
E mais não seria preciso para que a lei nos merecesse inteira aprovação na generalidade.
Mas, para além desses, outros rumos se apontam para a administração financeira em 1969: a valorização humana no espaço português, a defesa da moeda e do crédito e a defesa da civilização ocidental.
Muito bem, Sr. Ministro das Finanças!
Que a Providência o ajude a tanto poder realizar.
Sr. Presidente: Como técnico da terra, numa entrega total a ela, como não podia deixar de ser, é por ela mesmo que vamos começar as mal ataviadas considerações que a Lei de Meios nos suscitou, na sua particularização.
Lê-se nas «tendências gerais» do relatório preambular, no tocante à economia nacional, que a importação deve vir a «manifestar proximamente um crescimento rápido por falta de muitos equipamentos para o fomento da economia». No ano passado o agravamento foi de 1,9 por cento, e não mais pelo «comportamento favorável da produção agrícola». Outra vez, como sempre, a carne pesou nesse acréscimo verificado, e não só a carne, como a lã e as peles, em produtos pecuários, são pesos pesados no desequilíbrio da nossa, balança comercial, e que temos necessidade imperiosa e urgente, de aligeirar, o que é possível, assim o queiramos Com o Alentejo a regar e a sua mancha extensíssima de sequeiro devidamente intensificada, com forragens quantiosas e uma silvo-pastorícia em implantação perfeita, seremos capazes de tender para a auto-suficiência em produtos de tanta importância na vivência das gentes.
A produção agrícola, na verdade, no ano último, deu um grande passo de favor, mercê de condições climáticas de excepção, e também de uma política estimulante de subsídios - a alguns produtos cerealíferos e pecuários -, muito discutida, mas para nós muito certa, porque outra, a mais ajustada, é morosa no tempo e custosa de atingir, e, quando isso não fosse, a lavoura cairia, para onde estava já a pender grandemente, em exaustão absoluta, sem recuperação possível.
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Pena é que os subsídios não possam ser mais dilatados e esparsos por outras vias, como se deseja e se torna instante.
Neste momento temos em crise gravíssima toda a região, que é imensa, das terras mais debilitadas do Sul do distrito de Beja, o chamado «Campo Branco», que com as áreas vizinhas e todo o resto do capacidade medíocre totaliza cerca, de 1/2 do território.
A impropriamente denominada «reconversão agrária», que só impõe, e se precisa de que seja imediata, querendo-se atingi-la apenas pela, via trigo, consideramo-la tão-só ao serviço, prestimoso e indispensável, é certo, da «lavoura, trigueira» do distrito, nos seus 20 por cento de representação, mas incapaz de ser útil, e bem pelo contrário altamente gravosa, para os restantes 80 por cento da área sul-alente ana, onde poderá haver pouco trigo e não há nem milho, nem centeio, nem bovinos.
E isto não o afirmamos só agora; dissemo-lo precisamente há dois anos, quando interviemos na Lei de Meios de 1967.
Não resistimos à tentação de reproduzir, em resumo, o que expusemos antes, até porque essa asseveração ainda tem hoje plena actualidade.
Assim nos expressámos: -Foi entendido, e bem, «que no esquema vasto da reconversão se deve integrar o regime cerealífero». Mas a reconversão, já com quase dois anos de subsidiado, mantém-se em ponto morto, e, a continuar-se como até hoje, não lhe vemos jeito algum para um arranque operoso. O mal está exactamente, quanto a nós, em se ter considerado apenas a parcela cerealífera, e dela se querer partir para o todo da reconversão. Isto não nos parece possível. Subsidiar o trigo e pensar no seu abandono das explorações marginais, sem outro apoio pá a estas, são princípios desajustados, que não vemos como conciliar. Nem sequer acreditamos que as comissões técnicas regionais, na sua estrutura actual, de sectores tão diversificados, com um corpo alongado por cerca de duas dezenas de técnicos, possam ser motoras da máquina específica da produção, que na verdade necessita, e urgentemente, de ser reconvertida e qualificada. Essas comissões, que consideramos, no entanto, por muito prestantes, como células regionais de desenvolvimento económico, e a sua caracterização é sobretudo esta, porque não podem ir para além de um estatismo de estudo e parecer, devem substituir-se na acção fortemente dinâmica de. que se precisa no enfrentamento da produção agrícola, pelo concerto dos serviços da Secretaria de Estado da Agricultura, cupulado pelas respectivas direcções-gerais. Só assim nos parece, com uma comissão técnica agrária distrital actuar te, dispondo de meios humanos e materiais para controle da reconversão e vulgarização das suas boas normas pela conduta, que poderemos ir para diante em marcha cena. E, mais, citámos o exemplo da França, com as suas comissões de acção interligada das direcções-gerais do Ministério da Agricultura, nome este que bem caberia à nossa Secretaria do Estado, e que se mostram da mais extraordinária eficiência.
Desta maneira, estamos convencidos de que conseguiríamos reconverte; a terra alentejana, com comissões agrárias dinâmicas, a trabalharem em extensão, e os outros apoios precisos que não só o subsídio do trigo, para a região de Mértola, Almodôvar, Castro Verde e Ourique e demais espaços desfavorecidos.
A persistir-se na ideia de reconverter só pelo trigo esta lavoura já de si deprimida, de restritas, mas numerosas, áreas trigueiras, e impondo-se-lhe as normas aprovadas, isso leva-a à debilitação total, o que, para além do impolítico, será dolo sumamente gravoso para a economia do País.
Atente-se que em 99,5 por cento das explorações da região considerada se faz cultura arvense, e a sua produção de trigo, em anos regulares, é de mais de 30 milhões de quilogramas, que, a faltarem, sem uma contrapartida no aumento da produtividade noutras áreas, ainda possível, mas que leva o seu tempo, muito hão-de contribuir para o desfalecimento maior do nosso comércio externo.
Por isto mesmo é que o Sr. Ministro da Economia, e muito bem, em afirmação recente, disse que «todos, Governo e lavoura, devemos trabalhar para que seja, em cada ano, mais português o pão que os Portugueses comem». E para isso entende que, «sendo o nosso território pobre de boas terras de cultivo, é-nos imposto que encontremos as soluções que permitam o máximo aproveitamento dos solos para a exploração agrícola».
Isto é que está certo! É preciso estudar com afinco, por comissão operante, dinamizada, as terras do Campo Branco e vizinhas, para sou integral aproveitamento, e não se querer que elas morram à míngua.
Por outras vias, e consideradas as suas potencialidades - cereais secundários, forragens semeadas, florestamento e silvo-pastorícia, ovinicultura, e eu sei lá quanto mais -, essa lavoura precisa, e já. para que não morra, de ser amparada.
Ela tem inteira razão nas preocupações sérias que a afligem neste momento.
Há muitos anos atrás, vão quase vinte decorridos, refutámos a ideia da arborização imponderada dessas terras desprotegidas, porque, se não lenta e bem alicerçada por infra-estruturas, que não temos e levam anos, as gentes desses sítios mal dotados haviam que emigrar para não morrer.
O florestamento anual em 10 por cento da área, que hoje as normas de reconversão querem impor, nem os serviços o conseguem, nem as explorações o suportam.
Tirar mais braços à terra não me parece bem; chega a sangria humana já verificada.
Só há, na conjuntura actual, em entender nosso, que generalizar o subsídio do trigo a essas magras terras, até estudo completo da sua reconversão acertada. Evidentemente que o subsídio só deve ser atribuído àquelas explorações que vêm produzindo o cereal, a fim de não alargar a cultura a zonas consideradas marginais.
Mas mesmo nos «barros» e outros solos capacitados para o trigo, as normas sem fiscalização entendemos melhor não serem postas a vigorar. Utilizar-se sómente a facturação do adubo para observar a boa prática de cultivo ordenado parece-me muitíssimo pouco e nada curial.
Mas o subsídio é estímulo e muito necessário. Que a todos, portanto, ele se atribua, num período de transição mais largo, para estudo mais profundo.
A pecuária sentiu uma descaída de preços comprometedora, assim se diz no relatório.
Enquanto não tivermos a produção organizada, com preços de garantia, a sua comercialização e industrialização perfeitas, e infra-estruturas de suporte devidamente aparelhadas, havemos de a ver aos baldões do acaso, sujeita à voracidade de um intermediarismo especulativo, portanto sem expressão do validez.
Alguma coisa, no entanto, tem vindo a ser feita, mas muito pouco para o muito que há a fazer.
E é que enquanto não tivermos uma pecuária que valha, ainda que isto pese muito a muitos, escusamos de pensar em agricultura promovida.
Na marginação do sector primário da economia, fatalmente que esta há-de ser amorfa, e por conseguinte de pouco préstimo.
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11 DE DEZEMBRO DE 1968 2770
Também não vemos possibilidade de um agro evoluído sem técnica. A formação profissional extra-escolar é muito acanhada, para não dizer quase inexistente. O ensino agrícola elementar é pouco e fraco, certamente por escassez de meios.
Beja, a cabeça de uma região eminentemente agrícola, ainda não tem a sua escola, pela qual já nos esforçámos. Temos esperança de que não tarde muito.
Com base numa agricultura a intensificar-se por um regadio que não há-de moderar o seu passo, a indústria, pelo menos a ligada ao sector, evoluirá francamente, e por assim ser renovamos o pedido a S. Ex.ª o Ministro da Educação Nacional de que ao montar o Instituto Industrial do Sul, de necessidade, o tenha por bem em Beja.
Mas dizíamos que a técnica nos está faltando, num crescendo de descaimento confrangedor, pela nenhuma solicitação, e antes franca repulsão, dos sectores técnicos ligados ao trabalho da terra. Eu pergunto que rendimento há que esperar de um técnico de 3.ª classe, um licenciado, a quem se paga pouco mais que 4000$, obrigando-se a uma renda de habitação de 2500$, e note-se que não se encontra por menos em Lisboa.
A Lei de Meios, ao contemplar os preços,, dá-nos conta da sua progressão sensível, mormente no que toca ao custo habitacional, que atinge as raias do exagero.
Este problema precisa de equacionamento rápido, para o qual um estudo de conjunto foi anunciado há dois anos, sem que até hoje, que se saiba, lhe haja sido dado encaminhamento seguro.
A continuarmos assim, resta-nos a esperança de que aos senhorios, com a totalidade dos débeis vencimentos, também lhes sejam entregues as funções!
Estamos, no entanto, confiados na promessa de solução.
A assistência na doença, que deve ser extensiva ao agregado familiar para que tenha algum proveito, a pseudo melhoria agora concedida às ajudas de custo, as habitações a adquirir ou construir, em número sempre diminuído, tudo isso pouco conta no viver do funcionário, quando, e tal sucede, há fraqueza demasiada do provento directo.
Já há três anos que, debruçados sobre a Lei de Meios, em Dezembro do 1965, sugerimos a «reestruturação de quadros e a simplificação efectiva e substancial do nosso prolixo mecanismo burocrático», aquilo a que no ano seguinte se veio a chamar a Reforma Administrativa. Preciso é que, à falte de outros meios que a lei diz não ser possível obter, a tão falada reforma não se atarde muito, até para que não entremos em mais confusão, que já não é pequena, de reformas parcelares, em que uns funcionários são filhos e outros enteados.
No que respeita ao Ministério da Economia, talvez por correlação de nome, nem sequer as modestíssimas gratificações de chefia, legalmente estabelecidas para muitos outros departamentos, são atribuídas aos seus técnicos, que, diga-se em abono da verdade, não serão dos menos esforçados.
E ainda sobre funcionários, não devemos silenciar o nosso maior aprazimento pelo anúncio da melhoria da situação dos professores primários. Também há três anos pedimos para este verdadeiro sacerdócio o olhar generoso da lei, tendo afirmado que nos parecia impossível, «na inquietude da vida material a que estavam sujeitos», que pudesse haver a espiritualidade precisa para o perfeito exercício da instrução da nossa juventude rural, carecida tal-qualmente de uma educação cívica de primeira plana e de uma educação moral sólida. E não se deve esquecer
o alojamento condigno nos aldeamentos recônditos onde têm de exercer o seu nobre apostolado, quantas vezes em locações impróprias.
Uma palavra ainda de justiça para os aposentados, quantos deles com serviços de devoção ao País, que bem merecem qualquer benefício que venha, e eu lembro para já o da assistência na doença a conceder igualmente aos seus familiares.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Atermo como comecei em defesa, de uma agricultura promovida.
Os nossos rurais, credores da maior estima e respeito, têm visto, felizmente, de ano para ano, subir os seus antes minguados salários.
Proclamámos já aqui a necessidade do abono de família a esses obreiros dedicados da terra, sem os quais é impossível ela desentranhar-se na plenitude da sua potencialidade.
Acaba S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho de lho prometer publicamente, bem como a extensão dos benefícios da assistência na doença e da previdência, e isto, disse, «por dever de justiça».
Bem haja!
É que não vemos como ter uma agricultura com A grande enquanto assente no mal-estar rural.
A lavoura há-de tudo fazer, estamos certos disso, para promover o seu engrandecimento, na maior dignidade de quem a serve.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continuará amanhã, à hora regimental, sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada, a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
André da Silva Campos Neves.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António José Braz Regueiro.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
José Alberto de Carvalho.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Rui Pontífice de Sousa.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
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2776 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 152
Srs. Depilados que faltaram à sessão.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Pacheco Jorge.
Antão Santos da Cunha.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Guilherme Bato de Melo e Castro.
José Pais Ribeiro.
José dos Santos Bessa.
Manuel João Correia.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O REDACTOR - Januário Pinto.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA