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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 154

ANO DE 1968 13 DE DEZEMBRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

IX LEGISLATURA

SESSÃO N.º 154, EM 12 DE DEZEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid de Oliveira Proença
1João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira

Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 138, o qual insere o relatório e contas da Junta do Crédito Público referentes ao ano de 1966.

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 151 do Diário das Sessões com uma rectificação apresentada.
Foram recebidos na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Educação Nacional a requerimento do Sr. Deputado Amaral Neto apresentado na sessão de 7 de Março deste ano.
Também foram recebidos na Mesa, para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Decretos-Leis n.ºs 48 755, 48 756, 48 757 e 48 760.
O Sr. Deputado Pontífice de Sousa foi autorizado a depor como testemunha no Tribunal Judicial da Comarca da Covilhã.
O Sr. Deputado Elísio Pimenta requereu elementos a fornecer pelo Ministério do Interior sobre a construção do teatro municipal do Porto.
O Sr. Deputado Rocha Calhorda manifestou a sua satisfação pela melhoria de vencimentos concedida aos funcionários públicos de Angola.
O Sr. Deputado Ferrão Castelo Branco fez o elogio de D. José Estanislau de Albuquerque e Bourbon de Barahona Fragoso, recentemente falecido.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1969.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Cutileiro Ferreira, Pinto de Mesquita, Alberto de Araújo e Pinto de Meneses.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 horas e 15 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
André da Silva Campos Neves.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António José Braz Regueiro.
António Moreira Longo.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.

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Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Gonçalo Castelo-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Pais ao Fernandes.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte da Oliveira.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Coelho Jordão.
José Fernando Nunes Barata.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José Pais Ribeiro.
José Pinheiro da Silva.
José Rocha Calhorda.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Dias da Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecerde Sirvoicar.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 83 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 heras e 25 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 151, já ontem distribuído, correspondente à sessão de 6 do corrente.
Quero dizer a VV. Ex.ªs a propósito do Diário em reclamação, que se verificou um lapso na tradução da frase do presidente, registada a p. 2757, imediatamente antes de encerrar a sessão, devendo a mesma figurar no Diário com o seguinte texto: «VV. Ex.ªs tirarão daqui as ilações que pretenderem para completarem o que acabo de dizer.»
Se nenhum dos Srs. Deputados deduzir mais qualquer reclamação, considerarei aprovado o referido Diário com aquela que foi por mim apresentada.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Está aprovado o Diário acabado de mencionar.
Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Educação Nacional, em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Duarte do Amaral na sessão de 7 de Março do corrente ano.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa os n.01 191 e 192 do Diário do Governo de 11 e 12 do corrente, que inserem os Decretos-Leis:

N.º 48 755, que cria subintendências de pecuária em todos os concelhos do continente e ilhas adjacentes e define a competência e o desempenho, pelo respectivo veterinário municipal, do cargo de subintendente de pecuária e dá nova redacção ao capítulo V da tabela A anexa ao Código Administrativo e revoga o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 37 051 e o Decreto-Lei n.º 39 122;
N.º 48 756, que determina que passe a ser efectuado por meio de estampilhas fiscais o pagamento dos emolumentos das Secretarias de Estado devidos, nos termos da Decreto n.º 9605, pela concessão de licenças aos funcionários;
N.º 48 757, que introduz uma nota preliminar no capítulo 73.º da pauta de importação e altera as taxas de vários artigos da mesma pauta;
N.º 48 760, que considera como novos direitos de base, substituindo para os mesmos efeitos as correspondentes taxas anteriores, as taxas indicadas no Decreto-Lei n.º 48 757, da mesma data, e introduz alteração na lista anexa ao Decreto-Lei n.º 47 958 e transfere para 1 de Janeiro de 1973 a data fixada no § 4.º do n.º 1.º do Anexo G à Convenção de Estocolmo de 4 de Janeiro de 1960 em relação aos produtos abrangidos por vários artigos pautais.

Enviado pelo Tribunal Judicial da Comarca da Covilhã, está na Mesa um pedido para o Sr. Deputado Pontífice de Sousa ser autorizado a depor nuns autos de carta precatória, na qual está indicado como testemunha pela Câmara Municipal da Covilhã.
Ouvido aquele Sr. Deputado sobre se vê inconveniente para o exercício das suas funções parlamentares em ser autorizado a depor naquele Tribunal, respondeu que não. Nestas condições, consulto a Assembleia sobre se concede a autorização solicitada.

Consultada a Assembleia, foi concedida autorização.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Elísio Pimenta.

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O Sr. Elísio Pimenta: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

A promoção de certas formas de cultura artística na cidade do Porto encontra dificuldades quase insuperáveis na falta de um recinto destinado a espectáculos públicos.
Em 1960, uma qualificada representação dos interesses culturais da cidade, acompanhada pelo governador civil do distrito, solicitou da Fundação Calouste Gulbenkian a benemerência da construção de um teatro municipal. A Fundação, pelo seu ilustre presidente, Sr. Doutor José de Azeredo Perdigão, logo reconheceu a razão do interesse manifestado e a idoneidade de quem o interpretava, e fez a promessa, reiterada em 1965, de participar na construção.
Começou, assim, a aparecer no orçamento das receitas da Câmara Municipal do Porto, a partir de 1966, uma verba de 12 000 contos, sendo 10 000 contos da Fundação Gulbenkian e 2000 contos do Estado. Conforme o facultado no artigo 11.º, alínea d), do Regimento da Assembleia Nacional, requeiro que o Ministério do Interior se digne informar, através dos elementos de que disponha, ou daqueles que entenda solicitar da Câmara Municipal do Porto, de qual o estado em que se encontra a construção do referido teatro municipal, do local designado para a sua implantação e ainda completar o pedido, se o entender, com todos os elementos que julgue úteis para esclarecimento da opinião pública sobre assunto de comprovado interesse público.

Lisboa e Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 12 de Dezembro de 1968. - O Deputado, Elísio do Oliveira Alves Pimenta.

O Sr. Rocha Calhorda: - Sr. Presidente: Deste mesmo lugar, na sessão do dia 10 de Dezembro de 1966, há dois anos portanto, tomei a palavra para pedir ao Governo que fosse concedido aos funcionários públicos de Angola um vencimento complementar igual ao que era seguido em Moçambique.
Não será, pois, de admirar que sinta certa satisfação, não obstante dois anos terem decorrido, ao tomar conhecimento que aquela concessão será uma realidade a partir do início do próximo ano de 1969, conforme disposições legais já emitidas nesse sentido.
A melhoria que irá ser atribuída ao funcionalismo daquela província, todavia, não chega para situar os seus vencimentos num nível realista com o actual custo de vida, nem com os valores predominantes na actividade privada, constituindo, no entanto, um benefício que veio trazer sérias dificuldades para a manutenção do equilíbrio das receitas e despesas do orçamento de Angola.
A verificação destes dois factos - a insuficiência do aumento projectado e a dificuldade de contrabalançar o seu reflexo no orçamento - não pode deixar os governantes descansados quanto ao futuro, pois obriga a que a situação seja estudada e atacada em profundidade, para que não venha a constituir um problema eterno, e cujas providências, como esta do próximo aumento em 1969, não passem de ligeiro remédio, que, não obstante ficar caro, pouco ou nada adiantam à verdadeira realidado do problema.
Efectivamente, os grandes responsáveis pela administração ultramarina não poderão descansar e adormecer sobre a atribuição da próxima melhoria, nem descurar a resolução do problema básico, o qual ficará certamente subsistindo no seu duplo aspecto da insuficiência de proventos para os funcionários e da insuficiência de produtividade dos serviços.
Há que atingir a situação de o funcionalismo constituir um corpo bem remunerado, onde tenham lugar os mais aptos e mais bem dotados, garantindo bom nível de produtividade e eficiência, no conjunto da máquina administrativa do Estado.
Contrariamente ao que hoje se observa, e já não falo apenas com o pensamento em Angola, mas sim no conjunto nacional, em que o funcionalismo público em geral decaiu para nível baixíssimo, parece-me evidente que o sector público deve ser, para bem de todos os portugueses, o mais bem dotado de unidades profissionais. Na verdade, enquanto na actividade particular um mau dirigente ou um mau grupo de executantes de serviços apenas causam prejuízos e transtornos muito limitados, não afectanto normalmente mais do que a sua própria organização e os seus capitais, esse mesmo facto, quando aplicado à actividade pública, significa prejuízos e transtornos para todo o País e suportados por toda a Nação, o que lhe dá um reflexo enormemente mais amplo e mais prejudicial.
Daqui a razão fundamental de defender o conceito básico de que a administração pública não deve assentar nos elementos da pior escolha, mas, ao contrário, nos melhores e mais capazes. Para isso será necessário remunerar condignamente. E, remunerando condignamente, tem de se exigir, em contrapartida, serviço adequado.
Estou corto de que a Nação, no balanceamento do que então daria e do que receberia, não ficaria empobrecida, pois que o lucro lhe seria proporcionado pela melhor qualidade dos serviços recebidos e, certamente ainda, pela redução dos quadros de pessoal, num lógico e acertado sacrifício da quantidade à qualidade.
Dentro deste pensamento, já nesta Assembleia tive oportunidade de referir que a necessidade de uma boa máquina administrativa constitui uma verdade indesmentível, que no caso especial de Angola, representa uma autêntica infra-estrutura, que não deve merecer menor atenção e dedicação do que as infra-estruturas clássicas.
Efectivamente, o desenvolvimento económico em Angola assume na hora actual a condição de um imperativo de ordem vital dentro das necessidades mais instantes de que aquela província carece, especialmente tendo em conta a conjuntura política internacional que nos rodeia. Escusado será realçar o reflexo que a máquina da administração pública tem naquele domínio e o que de bom ou de mau pode representar para o incentivo e estímulo das actividades que consubstanciam em si próprias o pretendido progresso ou desenvolvimento económico. Infelizmente, tudo indica que em Angola a gradual e persistente queda do nível e da qualificação dos quadros dos serviços públicos em geral vem constituindo uma realidade negativa para aquele objectivo.
Por isso, quando em 1966 solicitava o aumento de vencimentos para os funcionários públicos de Angola, acrescentei que não o dissociava da alteração que havia que introduzir nos hábitos e na mentalidade existentes, de forma que o valor desse aumento não significasse apenas mais um encargo a pesar no orçamento da província, mas antes que tivesse, em contrapartida, um aumento de produtividade e de eficiência, dentro do lema de trabalhar mais e melhor para poder ganhar mais. Expressamente

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foquei, então, que me não propunha pedir o citado aumento de vencimentos sem que fosse associado a uma maior dignificação do trabalho pessoal de cada funcionário.
Assim, obtido tal aumento, não deixa de ter oportunidade focar o aspecto da necessidade de serem prestados melhores serviços.
O me mento é psicologicamente bom para abordar esse tema, não só pela próxima atribuição de melhores proventos, como ainda pela nova aragem que começa soprando no espaço nacional.
Cada servidor público deve procurar desempenhar as suas funções com a maior dignidade e autenticidade profissional, agora com mais forte razão, para corresponder ao esforço financeiro exigido do orçamento, mas caberá sempre aos dirigentes, desde os mais altamente colocados, providenciar e zelar para que os departamentos de sua directa responsabilidade produzam o melhor possível. O exemplo e a acção têm de vir de cima, como de cima terá de vir a preocupação permanente de acompanhar, fiscalizar e orientar a vida dos serviços ou departamentos subordinados.
Os ensinamentos e medidas da Reforma Administrativa, em estudo na metrópole, que visam a organização racional dos serviços e o acréscimo da sua produtividade, certamente que poderão contribuir para a melhoria dos serviços públicos de Angola, seguindo-se e adaptando-se naquela província os preceitos estudados para aplicação no território metropolitano, e bom seria que dos seus trabalhos e conclusões a província de Angola tivesse rápido conhecimento.
Não conheço as conclusões nem os pareceres da Reforma Administrativa, mas estou firmemente convencido de que além de todas as possíveis alterações de orgânica e estrutura dos serviços públicos, ficará sempre como elemento fundamental a- conduta humana, a qual poderá só por si destruir ou neutralizar a mais bem arquitectada orgânica de serviços.
Creio que o mais importante, e o mais difícil, dentro de uma reforma administrativa, ainda será a mentalização e a consciencialização dos componentes humanos, em função dos c uai s tudo o restante será extremamente fácil ou terrivelmente difícil.
Oxalá que os autores e estudiosos da esperada Reforma Administrai vá tenham vencido e transposto esse obstáculo.
Por isso, e para já, o meu apelo vai directamente para a classe dos dirigentes, dos que têm serviços ou repartições sob a sua acção directa, para que dignifiquem a sua acção profissional e a dos seus subordinados, vivendo com interesse e devoção as suas funções e objectivos, constituindo exemplo pessoal a seguir, tendo pulso para dirigir e exigir e cabeça para orientar e ensinar.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Ferrão Castelo Branco: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ontem, na velha vila de Cuba, situada no coração do Alentejo. os sinos da sua vetusta igreja dobraram sentidamente a finados, repercutindo-se o seu eco pela planície além.
Falecera D. José Estanislau de Albuquerque e Bourbon de Barahona Fragoso, filho de D. José Manuel de Barahona Fragoso (conde da Esperança) e de D. Maria Teresa Caldeira Ottolini (filha herdeira dos condes de Ottolini) e nascido em 16 de Abril de 1916.
Era o falecido digno Procurador à Câmara Corporativa na actual legislatura e desempenhava, na data em que faleceu, os seguintes cargos: presidente da Federação de Grémios da Lavoura da Província do Baixo Alentejo, presidente do Grémio da Lavoura de Cuba, presidente da Comissão Venatória Concelhia de Cuba, vice-presidente da Associação dos Bombeiros Voluntários de Cuba, director das Cooperativas de Produtores Ovinos e Fruto-Hortícola dos Concelhos de Alvito, Cuba e Vidigueira, director, substituto, da Corporação da Lavoura, vogal do Conselho Regional de Agricultura da XIV Região, vogal do Conselho Superior de Agricultura, vogal do Conselho Superior da Caça e vogal do Conselho Superior dos Transportes Terrestres.
Antes exercera também os cargos de presidente da assembleia geral da Casa do Povo de Cuba e fora vereador da Câmara Municipal desta vila, tendo sido, em anteriores legislaturas, Procurador u Câmara Corporativa, fazendo parte da III secção (Lavoura) e da 2.º subsecção (Cereais), onde cooperou em vários pareceres e foi também relator.
Desde longa data, pois. que D. José Estanislau Barahona Fragoso vivia e praticava aquele verdadeiro espírito corporativo que ainda há pouco era apontado em notável discurso pelo Sr. Presidente do Conselho.
Seguindo sempre a sua fé nos ideais corporativos, em resposta a um inquérito realizado em 1963 pelo Diário do Alentejo - jornal que se publica em Beja e que tão elevadamente pugna pelos interesses regionais - e sendo-lhe perguntado quais as medidas a adoptar para atenuar ou extinguir as causas da crise em que a lavoura se debatia, D. José Barahona, entre outras considerações, acentuava:

Esquecem-se muitos de que os moldes em que assentavam até há pouco as explorações estão, quer se queira, quer não, totalmente alterados. Isso obriga, para se vencerem algumas das dificuldades, a uma adaptação rápida do agricultor a mentalidade diferente da que bastava quando a exploração não necessitava de que nela existisse um autêntico espírito de empresa. Este implica, para que de facto exista, o abandono do individualismo a que tantos se têm devotado, porque só através de sincera colaboração e desejo de cooperar nos esforços em busca da maneira como evitar perniciosos efeitos que influem no êxito da exploração (políticos, sociais, de mercado e preço, etc.) se conseguirá que a barca da lavoura alcance, sã e salva, porto seguro.
Obriga a sacrifícios de vária ordem a mentalidade que se aponta como necessária? Sem dúvida! Mas, quando parte do caminho que é preciso percorrer, para que se torne possível alcançarem-se pela colaboração de todos as melhores soluções para os problemas, já se encontra sob os nossos pés, há que dispor do ânimo necessário para nele nos lançarmos, imbuídos da melhor boa vontade e de compreensão indispensável a qualquer transigência que haja de fazer-se neste ou naquele pormenor da execução do que se entender preciso.
O caminho que citamos é o que nos proporciona a organização corporativa da lavoura. Em cada concelho os associados junto do seu grémio, este junto da sua federação regional, esta na Corporação, que é a fiel intérprete da lavoura junto da Administração, podem influir decisivamente para que sejam conhecidas perfeitamente as dificuldades e quais as soluções preconizadas por quem, na prática, se enfrenta com os problemas. Torna-se necessário, porém, que haja

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quem se disponha a colaborar, principalmente, com o seu grémio: deixando de o considerar apenas como uma loja que pode dar crédito vendendo mais barato, mas antes como o catalisador da boa vontade dos agricultores do concelho, afinal, como a sede de uma «cooperativa de ideias»; exercendo os cargos para que se for eleito; tendo o firme propósito de eleger os mais capacitados e que se interessem activamente pelos assuntos.

Nunca se negou o digno Procurador à Câmara Corporativa, agora falecido, a exercer os cargos para que fora eleito e, neles, fazia-o com esforço total da sua inteligência, dos seus vastos e largos conhecimentos das coisas que com a lavoura se prendiam, não esquecendo nunca, na sua actuação, os legítimos direitos dos trabalhadores rurais, não só através da Casa do Povo da sua terra, como também daqueles que com ele trabalhavam na exploração da sua grande casa agrícola, onde se fazia uma exploração racional e actualizada da cultura cerealífera e de produção pecuária adequada.
E ainda, numa ânsia de ser mais útil aos seus pares na lavoura, não raro colaborava em jornais e revistas ou expunha o resultado das suas observações noutras terras, como o atestam numerosa colaboração no Diário do Alentejo e o seu «Relatório de uma viagem de estudo em França».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é a voz de um amigo muito querido, quase que um amigo, que aqui está a fazer um elogio de tão preclaro homem da lavoura, é sim um agricultor, como ele - como tantos outros da província do Baixo Alentejo -, que desta tribuna, em preito de sentida homenagem, lhe agradece o seu esforço e, em nome dos povos que representa, daqui saúda, comovida e respeitosamente, S. Ex.ª o Venerando Chefe do Estado - sempre atento e magnânimo em premiar o esforço daqueles que se notabilizaram e trabalharam em prol do comum - pelo gesto de profunda justiça praticado ao condecorar, post mortem, com o grande oficialato da Ordem do Mérito Agrícola D. José Estanislau de Albuquerque e Bourbon de Barahona. Fragoso, exemplar chefe de família, amigo leal do seu amigo e impulsionador e defensor intemerato da lavoura alentejana.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1968.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cutileiro Ferreira.

O Sr. Cutileiro Ferreira: - Sr. Presidente: Ao iniciar a minha modesta actuação nesta última sessão legislativa, começarei pelo grato dever de apresentar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, as minhas efusivas saudações.
Cumprido este agradável imperativo de cortesia, rogo-vos, Sr. Presidente, me seja consentido que anteceda as ligeiras considerações que pretendo fazer à proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1969 com alguns breves comentários de carácter político, que, bem o creio, são inteiramente pertinentes nesta Câmara.
Começarei por render a homenagem do meu maior respeito ao homem que a desdita prostrou, vítima de inclemente doença, quando ao findar uma vida de intenso trabalho, ao serviço exclusivo da Nação, todos desejaríamos fosse poupado às agruras de um sofrimento atroz. Deus teve outros desígnios. Salazar há muito que pertence à História. Ela, melhor do que nós, o julgará. É certo, porém, que tanto na história pátria como na história do mundo dos nossos dias. o seu lugar será cimeiro. Que todos... todos sem excepção... saibamos ser dignos do exemplo que nos lega na defesa, intransigente defesa, dos superiores interesses da Nação.
Devo agora, Sr. Presidente, uma palavra de respeitosa saudação ao venerando Chefe do Estado, que, numa hora difícil, decisiva até, foi o timoneiro firme no rumo certo das conveniências da Pátria. Ajudado e servido por todos os órgãos constitucionais, agiu, no momento exacto, com visível mágoa, segundo o mais são critério e na compreensiva realidade dos factos.
Teve que decidir... e decidiu... Teve que escolher... e escolheu bem. Bem haja.
A escolha do venerando Chefe do Estado recaiu na pessoa ilustre do Prof. Marcelo Caetano.
Todos aplaudimos a escolha. S. Ex.ª tem a formação política conveniente, tem a noção perfeita dos problemas, tem a consciência dos ciclópicos trabalhos que o esperam. Com estes atributos, e muitos outros mais, será o digno sucessor de Salazar. aceitando, eu, que tenha ópticas diferentes e soluções igualmente diferenciadas.
É próprio dos homens inteligentes, como S. Exa., um sentido pessoal que marca, indelevelmente, as suas atitudes e acções sem afectar o que é imutável: a defesa da Pátria e da ordem.
Quero assegurar no novo Presidente do Conselho a minha leal colaboração, tanto nesta Câmara como, e decerto mais prolongadamente, na minha posição de simples homem da oficina, do trabalho e da família. Nesta Câmara estarei pronto a colaborar nos projectos de lei que o Governo nos enviar e, se me fosse permitido formular um pedido, folgaria que entre essas propostas figurasse a de uma lei de imprensa em que as responsabilidades sejam judiciosamente proporcionais às liberdades a conceder. Sei que o Sr. Presidente do Conselho foi brilhante jornalista e, por isso, melhor que muitos, estará em condições de elaborar essa proposta de lei.
Com jubilosa esperança a fico aguardando.
A terminar, Sr. Presidente, estas ligeiras considerações políticas, quero deixar bem vincado o muito orgulho que tenho sentido, como português, pelo exemplar comportamento do nosso bom povo na emergência que nos últimos três meses temos vivido. Contrariando os augúrios de todos os estrangeiros, e muitos portuguesas, esse bom povo foi digno... foi exemplar... foi grande.
Passarei agora, Sr. Presidente, a ocupar-me da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1969. Com a regularidade que a Constituição estabelece e nos precisos termos que a mesma impõe, mais uma proposta de lei de autorização das receitas e despesas é presente a esta Câmara para estudo, discussão e votação.
Como é tradicional, salutarmente tradicional, mais uma proposta de lei em que o fantasma do déficit não existe. E pena que a exiguidade do tempo para estudo da proposta e do consequente parecer da Câmara Corporativa não deixe que esse estudo seja profundo, como convinha.
Contentar-me-ei, Sr. Presidente, de salientar algumas notas mais prementes ou que mais feriram a minha sensibilidade.
Compreendo, sem esforço, que haja na proposta de lei em discussão uma ligeira generalização no programa do

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aplicação das receitas a cobrar. A par de factores internos - a guerra que nos movem em África - há factores externos imprevisíveis a longo prazo - como vai ser a política republicana nos Estados Unidos?...
Como vão processar-se os problemas de moedas na Europa? Creio que ninguém de boa fé poderá programar em regime rígido e definitivo quando tantos imponderáveis estão em suspenso.
Portugal v. ye um condicionalismo geográfico que obriga a encarar os problemas económicos sob ângulos que muitos outros p lises não têm que considerar. Como nação atlântica, tem de estar atenta ao domínio que nesse mar exerçam outras potências. Como nação pluricontinental, ainda o problema se agrava mais.
As relações de toda a espécie entre a metrópole, as ilhas adjacentes e as províncias ultramarinas têm como via principal esse mesmo Atlântico e ainda o Indico, o que nos tcrnn deper dentes da livre circulação nesses mares. Essa livre circulação pressupõe problemas graves no preço dos fretes e consequente agravamento no custo das mercadorias transportadas. Há ainda o problema dos barcos sujeitos a custosas reparações e mais a compra de novas unidades, inteiramente necessárias para que as mercadorias transitem sob a protecção da bandeira nacional. Todos estes problemas podem agravar-se de um momento para o outro. O mundo conturbado dos nossos dias não inspira confiança e os amigos dos Portugueses têm de ser os próprios Portugueses, com todos os seus recursos.
Para que possamos estar preparados, porque prevenidos já estamos, para as emergências que citei, devemos, como muito em se preconiza na proposta de lei em discussão, vivei um clima de austeridade económica. Essa austeridade tem de ser geral e permanente.
Não pode haver contemplações de qualquer natureza. O exemplo dado pelas nações a que hoje se chama os vencidos vencedores é concludente. Certamente teremos de envereda pelo caminho, talvez difícil, de produzir mais e melhor. Nalguns sectores essa política foi já iniciada, mas, deve dizer-se, para que se emende, tem havido demasiada preocupação em falar dos direitos dos que trabalham do que no dever de aumentar a produtividade. É evidente que aceito a justa remuneração, as regalias sociais, a posse de um lar, o direito à previdência, mas, e não é exigir de mais, também pretendo uma justa produtividade, em quantidade e qualidade. O operário português é das melhores do Mundo e, quando quer, supera tudo que dele se espera.
Pois bem, nesta hora grave, a Nação também espera dele um valioso contributo, que, afinal, também será em seu beneficie. Permito-me, Sr. Presidente, lembrar que seria útil uma mais completa liberalização na prestação das horas extraordinárias de trabalho. Deveriam depender do acordo entre as partes, respeitadas as normas legais e com recurso para as autoridades competentes, mas com exclusão da jurocracia do Instituto Nacional do Trabalho e, sobretudo, sem o pagamento de qualquer taxa ao Fundo Nacional de Abono de Família ou qualquer outro. A remuneração suplementar, e isso seria um poderoso incentivo, deverá pertencer exclusivamente ao operário. Assim se procede noutros países, com evidentes vantagens. Dada a escassez da mão-de-obra, creio que a solução que preconizo seria benéfica ajuda para a debelar. Acima de tudo, Sr. Presidente, teríamos o tal aumento de produtividade que tanto si deseja. Outro fenómeno que se verificaria seria o aumento do poder de compra dos trabalhadores, que, em meu entender, não é dos meros importantes. Estas medidas representariam um aumento, sensível aumento nas possibilidades tributárias do futuro. Com maior produtividade maiores seriam os resultados, e com melhores salários mais necessidades se satisfariam, e tudo isto junto é aumento de riqueza do País, porque é aumento do produto bruto nacional.
No aumento da riqueza de qualquer país tem papel preponderante o sistema dos transportes. Em Portugal, não me é grato dizê-lo, ternos sérias deficiências. Os caminhos de ferro têm uma malha excessivamente larga e chegaram, nos aspectos de via e material rolante, a níveis que, pelas verbas que neles vão ser gastas em regime de premente urgência, os tornaram, especialmente para os passageiros, praticamente esquecidos. As velocidades comerciais são incomportáveis com a vertigem da vida actual, e a comodidade, que hoje tanto se preza, é quase nula.
Quanto às estradas, o problema é francamente melhor. É certo que custam muito caras aos utentes, os impostos sobre combustíveis, lubrificantes e pneumáticos são dos mais gravosos. Quero, porém, Sr. Presidente, referir um grupo de utentes da estrada que tem um tratamento de excepcional dureza: a camionagem particular de transportes de mercadorias. Eu já por várias vezes tenho trazido o assunto a esta Câmara e sempre, infelizmente, tenho bradado no deserto. Serei mais feliz hoje? Tentemos.
A camionagem particular de carga paga, além dos impostos que agravam os custos de combustíveis, lubrificantes, pneumáticos, peças, os da própria unidade - os impostos de circulação e compensação, sendo a gasóleo. O imposto de circulação é proporcional à área que a unidade pode percorrer. Quanto maior área, maior imposto. Este critério está errado, pois quanto maior percurso, menor rendimento se tira da unidade, dado que a camionagem particular não tem, normalmente, retorno em carga e a tonelagem transportada, tendo em consideração o factor tempo, é menor. Exemplificando, direi que uma camioneta de 5000 kg de carga dificilmente transporta, essa carga em oito horas úteis, de Évora aos arredores de Lisboa. Temos uma hora para carga e outra hora para descarga e seis horas para fazer o trajecto, cerca de 300 km, entre ida e volta, pois a velocidade máxima é de 60 km, e a essa velocidade a média de cruzeiro será, e já é muito, de 50 km. O mais pequeno atraso e a multa, pesada multa, aguarda o empresário da camioneta. Para fazer um difícil serviço por dia útil, esta unidade tem caie estar munida de uma licença de circulação até 100 km. Se passar esse limite, lá vem a inevitável multa. Ora se o utente tiver a sua exploração nos arredores de Lisboa, natural porto de saída ou centro de consumo dos produtos, a mesma faz, em oito horas, com menor dispêndio de combustível, lubrificante, peças, pneumáticos e da própria unidade, um mínimo de três viagens, caso de raio de circulação até 30 km. É evidente que esta unidade dura mais, produz mais e, paradoxalmente, paga em tudo muito menos. Será assim que se querem promover os desenvolvimentos regionais? Será assim que se quer fixar o homem ao campo em que nasceu?
Estaremos, pelo contrário, em presença do incitamento ao abandono das regiões do interior? Devemos vir todos para Lisboa? Ou, mais simplesmente, será intenção governativa acabar com a camionagem particular de carga?
Se assim não for, um só caminho se impõe: anulação do imposto de circulação e, se for caso disso, aumento do preço do combustível. Este seria o sistema justo. Paga quem anda, e quando anda. O imposto seria mais fácil de cobrar por parte do Estado e também mais fácil de pagar por parte dos utentes. Mas, acima de tudo. este seria o sistema lógico e legítimo.

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Neste problema de transportes terrestres urge, porque está sendo um permanente sorvedouro de preciosas vidas (três por dia), atender à sua conservação, ao seu traçado e, sobretudo, à sua largura. As estradas nacionais não estão à altura do parque automóvel nacional. Faça-se o esforço absolutamente indispensável para as melhorar. Não esqueçamos que, em economia, logo a seguir à produção vem a distribuição. Sem produtos distribuídos, em tempo e quantidades convenientes, há desequilíbrios de consumo e, consequentemente, prejuízos que, sendo inicialmente particulares, são no fundo, nacionais.
Desejo ainda, Sr. Presidente, referir outro facto que parece ter graves repercussões na economia de muitas empresas. Trata-se do imposto de desemprego, pago por actividades em que o mesmo, por força dos contratos colectivos de trabalho, não pode existir. É prática assente que o pagamento de um imposto pressupõe que o pagador desse imposto usufrui de certas regalias. Ora, se paga imposto de desemprego, é lógico supor que pode haver desemprego nessa actividade. Se não podo haver desemprego, não se justifica o imposto que, regra geral, tem servido, com as suas vultosas verbas, para acudir a sectores, nomeadamente o agrícola, em que o imposto, como parte das despesas e agravamento de custos, é completamente desconhecido.
Todas as considerações que tenho feito, Sr. Presidente, podem, à primeira vista, parecer desligadas do conteúdo da proposta de lei em discussão. Entendo, todavia, que elas são conducentes tanto a uma maior produtividade como a uma maior poupança, temas preferenciais da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1969.
Há ainda, Sr. Presidente, um sector a que desejo dar uma simples nota referencial: o crédito.
Deve-se à banca nacional uma parte fundamental no desenvolvimento económico dos últimos anos. Tratando-se de uma actividade com características empresárias, é justo que se consigne nesta Câmara que, quase totalmente, se tem comportado exemplarmente. Direi mesmo que à sua complacência, ao seu sentido das realidades, ao seu atento vigiar das circunstâncias, se deve muito do êxito de várias iniciativas e, mais ainda, o sustentáculo de outras que têm atravessado dificuldades mais ou menos graves e mais ou menos prolongadas. Pena é que ela não possa dispor, em benefício da economia nacional, desses vultosos capitais que, no dizer do nosso ilustre colega Eng.º Virgílio Cruz, só em bancos dos Estados Unidos somam 10 milhões de contos e são, custa dizê-lo, pertença de residentes em Portugal. Ocorre perguntar: Quanto haverá na Suíça?
Sr. Presidente: Mais duas pequenas notas sobre ensino e saúde.
É doutrina assente que as verbas gastas nestes dois sectores são das mais reprodutivas. Quem mais sabe melhor produz. Quem mais saúde tem mais rende à sociedade em que vive. Pois bem, Sr. Presidente, quando o Estado gasta com estes sectores verbas astronómicas, creio que será grato que a iniciativa particular o ajude. Essa gratidão tem várias formas de se manifestar, mas, quando os beneméritos têm formação eminentemente cristã e social, só há uma forma de se concretizar: a ajuda. Ora em Évora, mercê da generosidade dos Srs. Condes de Vilalva, há duas Fundações, a do Patrocínio e a de Eugênio de Almeida. A primeira começou a, construir, após dez anos de lutas, um hospital anticanceroso - Hospital do Patrocínio.
Falar do seu valor é inútil, a gravidade da doença a combater é por todos conhecida. Urge que o Sr. Ministro das Finanças dê cumprimento ao que por um seu ilustre antecessor foi prometido. Assim se espera e confia.
No campo do ensino, a Fundação Eugênio de Almeida montou, em edifício próprio, e mantém, o Instituto de Estudos Superiores de Évora, onde sê cursam Economia e Sociologia. Dirige e- orienta estes Estudos a Companhia de Jesus, que, na matéria, dispensa qualquer vulgar elogio. Roga-se ao Sr. Ministro da Educação que mande observar esses Estudos, proponha o que entender útil e que, como corolário lógico, dê aos alunos que ali já tiraram, e estão tirando, os seus cursos a equiparação com os cursos semelhantes das Faculdades estatais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não acredito que esta situação demore, pois, disso tenho a certeza, esse fermento da futura Universidade de Évora não deixará de merecer a justiça que a justiça impõe.
Para finalizar, Sr. Presidente, uma recomendação, que espero mereça a atenção que bem merece tudo o que nesta tribuna se profere.
Todos estamos conscientes das necessidades que o Estado tem de recolher receitas. Pois bem. Que o Estado reveja as taxas que se pagam em regime parafiscal, nomeadamente as taxas cobradas pelo organismos corporativos, e as suprima ou atenue, na proporção das necessidades das cobranças a fazer pelo Estado. Convenhamos em que, muitas vezes, os encargos parafiscais são superiores aos impostos estatais, e isto, estou convencido, não é lógico, nem legítimo, embora, paradoxalmente, seja legal.
Terminando as minhas considerações, dou, Sr. Presidente, à proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1969 a minha concordância- na generalidade
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: No retomar dos trabalhos da Assembleia na presente legislatura destinam-se, ainda uma vez, a V. Ex.ª as palavras iniciais desta minha intervenção, que será breve, para cumprimentá-lo com a respeitosa, estima de sempre.
Mas, sobretudo, na corrente emergência, para o felicitar pela forma por que soube exprimir, na representação desta Casa e por detrás dela do cerne fiel e grato do povo português, a dor que a todos nos consternou ao saber da doença súbita do Presidente Salazar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - À amargura pela desgraça nacional de ver afastado o estadista insigne da chefia do Governo vinha acrescentar-se a da incerteza quanto às consequências da correspondente fractura política.
Felizmente que o Chefe do Estado, vencendo a dor em que comungava em grau expoente com o simples homem da rua, mais do que nunca cônscio dos seus deveres para com a Nação Portuguesa, soube, em boa hora, tomar resolutas e adequadas decisões.
Com estas veio restabelecer, através embora de uma mágoa que salubremente perdura, o estímulo da esperança em sentido ao prosseguimento da consolidação dos valores nacionais. Esperança de que as directrizes da herança política que se abriu serão mantidas no essencial.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - De que assim será nos deu precioso aval o Chefe do Estado, aval que confiada e seguramente subscreveu o Sr. Prof. Marcelo Caetano ao tomar posse da Presidência do Conselho, e amplamente ratificou na lúcida e condensada exposição programática com que há dias quis esclarecer e honrar esta Assembleia.
Bem hajam por isso os dois!
A propósito da ansiedade provocada pela doença física de Salazar, ocorre-me referir aqui uma exclamação famosa de Maurras, quando, nos primórdios da Action Française, lhe noticiaram a morte de um dos seus mais esperançosos jovens camaradas de propaganda doutrinária; esta cena, presenciada por Bainville, lê-se no recente n.º 27 dos Cahiers de Charles Maurras. Isto, já se vê, com a diferença, a favor de Salazar, de se tratar tão-só do afastatamento da vila pública, que não da vida. Quando, dizíamos, foi comunicada a Maurras aquela notícia, este, com voz surda ï punhos cerrados de raivosa dor, exclamou: On ne meurt pas!
Efectivamente, quando se anda empenhado numa exultante obra do espírito, como o mestre francês de contra-revolução nacionalista e o homem público português da afim restauração nacional, aquele, o espírito, vencendo a matéria, empresta à obra o selo da permanência. Até em passos decisivos da história pátria este aspecto realça em concreto, lustrativamente. O melhor da obra ultramarina de D. João II desabrocha perene mediante a constância zele sã de D. Manuel e de D. João III. Foram homens saídos do pombalismo, na sequência da correspondente orientação reformista, embora mais temperada de humanidade, que fizeram a prosperidade do reinado de D. Maria I, tal como Caetano Beirão no-lo pôs em destaque. Pina Manique, Pascoal de Melo, Acúrsio das Neves ... Até na história de França vemos ao génio de Richelieu suceder a eficiência de Mazarino, ambos a preparar a glória do «Rei Sol».
On ne meurt pas!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Na sessão de 8 de Março último, a propósito da aprovação das contas públicas do ano de 1967, socorrendo-me da minha experiência e da alheia, chamei a atenção desta Câmara ser a da aprovação de contas a altura óptima para, construtivamente, formularem os Srs. Deputados sugestões sobre casos concretos que pudessem vir a ser eventualmente aceites pelo Governo como viáveis. Nesta qualidade se considerariam os respectivos encargos entre as verbas de futuros orçamentos, encaminhando tais casos à efectiva realização. Em contrapartida, dissemos então não ser antes na altura da aprovação da Lei de Moios, como a pura lógica solicitava, a ocasião mais oportuna para o efeito de tal formulação, já por o reclamado não ser possível introduzir-se na economia de um orçamento adiantadamente confeccionado, se não pronto, já, se com vista ao do ano seguinte, por propender ao esquecimento pela distância no tempo. Parece, por is? o. que de forma alguma aqui se nos figura como despropósito tratar de implicações políticas interferentes na Lei de Meios. Política infra-estrutura permanente das finanças: «Dai-me boa política, dar-vos-ei boas finanças», proclamava, o barão Louis, famoso financeiro da Restauração. Equivalentes considerações tivemos o prazer de ouvir ontem da boca autorizada do ilustre Deputado e antigo Ministro Sr. Águedo de Oliveira.
Já que, se por considerações políticas começamos estas regras u pressa alinhavadas, nos seja assim lícito prosseguir nelas.
Como atrás lembrámos, a confiança do País na continuação da obra salazariana assaz ficou garantida pelo aval do Chefe do Estado, seguido do aval do Sr. Presidente do Conselho. Convém recordar que os fundamentos da orientação política e administrativa desta obra foram limiarmente definidos, sobretudo nos célebres discursos de 28 de Maio de 1930, realizado na Sala do Risco, e de 30 de Julho seguinte, realizado na Sala de Conselho de Estado, quando o Doutor Salazar era ainda apenas Ministro das Finanças. Mais tarde, quando já Presidente do Conselho, teve ocasião de concretizar essas directrizes em reformas importantes, entre as quais sobressaem, pela sua novidade ao tempo e importância, as de carácter social corporativo e as de índole constitucional.
Nos referidos discursos se postulou, como ponto de partida indispensável à regeneração e progresso da Nação, a resolução do problema financeiro com o extermínio do déficit crónico e a realização de um equilíbrio que com felicidade se tem vindo corporizando em substancioso superavit. Já então os dois anos de gerência consequente às reformas fiscais de 1928 vinham dando os seus benéficos frutos.
Este ponto fundamental da estabilidade financeira tem, por isso, de prosseguir como até aqui c não obstante o aumento de despesas ocasionadas pela mobilização militar. A proposta de lei que temos sobre a Mesa, no seu artigo 3.º, fortalecido pelo disposto no artigo 15.º, n.º 1, confirma-nos na convicção de que este princípio basilar continuará a ser respeitado. Ainda bem que tão claras prescrições venham a servir para contrabater as tentações políticas sobretudo instantes em períodos eleitorais; e estamos à beira de um deles.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não me alargarei em matéria delineada nos citados documentos por Salazar, que no campo económico hoje se verifica em processo de expansão, como vem referenciado rios termos expressos do capítulo II do relatório ministerial precedendo a presente proposta; expansão que, quanto ao sector público, se estrutura sobretudo através do vigente Plano de Fomento. A informação que nos foi adiantada pelo Sr. Presidente do Conselho no seu discurso de 27 do mês passado, quanto à protecção a dedicar à lavoura e às instituições de previdência em benefício das classes rurais, tão desvalidas até hoje, só pode merecer, em princípio, o nosso aplauso. Aguardemos, contudo, a definição dos termos com que serão fixadas, e que com que venham a inserir-se no reformismo social corporativo vigente.
Detenhamo-nos agora um tanto na resolução do problema político, tal qual adivinhava Salazar, em 1930, no discurso da Sala do Risco. Visava-se então à transição do regime ditatorial para o de um estatuto constitucional. Insistia, então, este grande homem público em que o Exército instituíra o governo ditatorial para se lançar mão à obra de regeneração pátria, que carecia de paz e colaboração nacional, afastando o espírito de luta entre facções. Que essa obra teria de começar pelo saneamento financeiro, cujos resultados já começavam a frutificar. Deles brotaria progressivamente o rejuvenescimento económico e social do País. Ulteriormente se institucionalizaria o regime político adequado às novas circunstâncias. Sabemos, pela história vivida, ao que tem correspondido essa reforma constitucional com a manutenção de um executivo-legislativo forte, esboço de corporativização progressiva e representação nacional sem facções, cuja parte somos, e ao abrigo da qual aqui nos encontramos perorando. Comporta o estatuto, deste regime a virtude expressa de periódica-

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mente se poder ir reformando, adaptando-se às circunstâncias temporais. Só por si, isto bem revela o talento previdente de Salazar.
Não resistimos, a propósito, da resolução do problema político português, a transcrever de um dos seus citados discursos o seguinte trecho, deveras esclarecedor do respectivo pensamento político:

Somos, assim, chegados à terceira proposição, única, a meu ver, verdadeira: a Ditadura deve resolver o problema político português.
Por que há-de fazê-lo? Porque a experiência demonstrou que as fórmulas políticas que temos empregado, plantas exóticas importadas aqui, não nos dão o governo que precisamos, lançaram-nos uns contra os outros em lutas estéreis, dividiram-nos em ódios, ao mesmo tempo que a Nação, na sua melhor parte, se mantivera, em face do Estado, indiferente, desgostosa e inerte.

Entre as condições actuais, que não podem afastar-se do pensamento dos portugueses de hoje, sobressai a da evolução natural para a consumação personalizada da monarquia espanhola; dado o facto do paralelismo peninsular, que a geografia nos impõe, tal circunstância tem de coagir-nos a uma, atenta meditação política.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por agora vivemos, por compressão exterior, como quase em praças cercadas, o que pode chamar-se a monarquia da guerra, a cujo condicionalismo não podem deixar de ser polarizadamente sensíveis todos os portugueses. Pelo que respeita ao fundo desta questão, já temos tido ocasião de dar o nosso recado nesta Assembleia, particularmente aquando da discussão da última revisão constitucional em 1959. Para lá remetemos quem disso queira tomar notícia. As afirmações do Sr. Presidente, do Conselho de que a política de resistência do Portugal africano prosseguirá tal como fora proclamado por Salazar em Abril de 1961 bastarão porventura, tal qual, para o imediato. Isto posto, não contribuamos entretanto por nosso lado a fomentar o nefasto das facções enquanto a visão imperativa do interesse máximo da continuidade política, para além do alcance das discórdias partidárias, sempre renascentes com o nosso tradicional espírito de clã, não se tornar evidente ao escol e receptivo à ampla maioria dos portugueses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Perdoe-se-me o exclusivismo com que me veio a talhe de foice, a propósito da Lei de Meios, versar temas sobremaneira políticos. Corno assaz me justificou antecipadamente - já o disse - o Deputado Sr. Águedo de Oliveira, terá sempre de ser a boa política a infra-estrutura da sanidade financeira.
Destarte, como no passado, darei a minha aprovação à generalidade da proposta da lei de meios para 1969 tão proficientemente relatada na prosa que a precede pelo Sr. Ministro das Finanças. S. Exa., reatando um prometedor contacto construtivo que se vai firmando entre o Executivo e a Assembleia, quis ainda esclarecer directamente as respectivas comissões nas suas dúvidas em sessão de há dias. Isto pensamos tenha sido deveras útil para nosso descanso e o agradecemos. Por outro lado, o extenso e bem elaborado parecer da Câmara Corporativa, relatado pelo ilustre, também antigo Ministro das Finanças, Sr. Prof. Pinto Barbosa, veio trazer sólido apoio para nossa aprovação.
Quando da discussão na especialidade, Sr. Presidente, me reservo formular algumas observações sugeridas a propósito do sucessivo teor do articulado.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar de o arquipélago da Madeira fazer parte da metrópole e constituir um dos seus distritos administrativos, a verdade a que não é separado do continente apenas por cerca de quinhentas milhas marítimas. Separa-o também uma verdadeira barreira aduaneira, com todas as suas implicações, organização burocrática, sistemas de despachos e vasta gama de impostos e taxas incidindo sobre as mercadorias importadas.
E a existência de uma zona aduaneira tem facilitado a criação, através dos tempos, de receitas destinadas a organismos ou instituições que deviam ter outras fontes de rendimento.
O sistema é anacrónico, precisa de ser revisto e é incompatível com os princípios que informam o espaço económico português.
Os produtos enviados do continente para a Madeira são despachados em Lisboa, transportados para esta ilha, novamente despachados no Funchal, através de trâmites de formalidades e de imposições legais, que, por vezes, até parece ser aquela ilha, tão linda e tão portuguesa, terra estrangeira.
O facto reveste-se da maior gravidade, pela repercussão que isso tem no encarecimento de determinados produtos, alguns deles de importância fundamental no sector da alimentação e da construção civil.
A Madeira tem um custo de vida superior ao do continente. Há necessidade imperiosa de acelerar o ritmo da construção civil, para que as famílias mais modestas possam dispor de une a moradia, com um mínimo de conforto e de bem-estar, e se erga aquela rede de hotéis e de estabelecimentos residenciais necessários a um fomento turístico em mais larga escala.
Entendemos mesmo que os géneros alimentares essenciais à subsistência pública e os materiais de construção deviam entrar na Madeira completamente isentos de todos os encargos, taxas e alcavalas legais que os oneram.
Em concretização do que afirmo, e para elucidação do Governo e da Assembleia Nacional, vou referir a VV. Exas., a título exemplificativo, a série de encargos que recaem sobre alguns produtos importados do continente português ou do ultramar, na Madeira.
Assim, tomemos como exemplos alguns produtos alimentares ou de uso doméstico.
Consideremos o caso concreto de uma importação do 10 t de arroz do Lobito.
Sobre essa importação recaem os seguintes encargos:

despesas bancárias ....................................... 520$00
Frete :

10 120 kg a 285$ por tonelada ................ 2 884$20
Aumento de 10 por cento ...................... 288$40
30 por cento ................................. 95$20
Adicional de estivagem (6$ por tonelada) ..... 60$70
Selo ......................................... 3$50
3 332$00

Seguro de avaria grossa e perda total .................... 520$00
Despacho alfandegário no Funchal:

Imposto municipal ............................ 1 024$00
Direitos (sacos vazios) ...................... 240$00

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Selo ............................... 20$00
Artigo 10.º das instruções
preliminares da pauta de importação. 10$00
Artigo 11.º das instruções
preliminares da pauta de importação. 404$00
Artigo 19.º das instruções
preliminares da pauta de importação. 202$00
Obras do porto ..................... 7$90
Hospital ........................... 44$20
Bombeiros .......................... 51$20
Comissão Reguladora do Comércio
de Arroz ........................... 200$00
Guia de emolumentos, pessoais ...... 354$00
Guarda Fiscal ...................... 440$00
Tráfego e exploração de cais ....... 305$00
Impressos e selos .................. 45$00
Requerimento ....................... 30$00
Transporte ......................... 30$00
Despesas inerentes ao despacho ..... 29$00
Honorários ......................... 150$00
_____________ 3 586$30

Transporte para o armazém .................. 100$00
Sindicato dos trabalhadores ................ 131$00
_______________
8 189$30
_______________

Estes números significam que o arroz do Lobito importado na Madeira tem encargos de $82 por quilo, que, no final, recaem sobre o consumidor.
Sendo o arroz importado de Lisboa, o encargo de fretes, despacho, impostos e taxas reflecte-se em $60 no preço de venda ao público, o que é ainda muito num artigo de consumo são generalizado.
Outro exemplo que podemos citar, entre tantos, é o do azeite.
Para uma importação do continente de catorze tambores contendo 10 938 l de azeite, os encargos são os seguintes:

Frete:

12 490 kg a 255$ por tonelada .............. 3 185$00
Aumento de 10 por cento .................... 318$50
Adicional de estivagem (19$ por tonelada) .. 237$30
Descarga ................................... 187$40
Selos ...................................... 2$50
______________ 3 930$70

Seguro de avaria grossa e perda total ............... 787$60
Despacho alfandegário no Funchal:

Imposto municipal ($30 por quilograma) ..... 3 036$90
Selo ....................................... 254$00
Artigo 12.º ................................ 72$00
Artigo 19.º ................................ 163$50
Obras do porto ............................. 1$50
Hospital ................................... 137$80
Bombeiros .................................. 151$80
Guia de emolumentos pessoais ............... 354$00
Guarda Fiscal .............................. 440$50
Tráfego e exploração de cais ............... 537$50
Impressos e selos .......................... 45$00
Requerimento ............................... 30$00
Transporte ................................. 30$00
Despesas inerentes ao despacho ............. 41$00
Honorários ................................. 400$00
______________ 5 695$50

Transporte para o armazém ........................... 120$00
Sindicato dos Carregadores .......................... 132$00
Despesas de devolução das taras para Lisboa ... ...... 1 260$00
________________
11 925$80
________________

Esta verba, de cerca de 12 000$, corresponde a um encargo de 1$10 em cada litro de azeite.
O que se diz do azeite e do arroz pode dizer-se do óleo, do vinho, de sabão e dos produtos de consumo mais generalizado, cujo agravamento de preço, relativamente ao continente, afecta directamente as classes de menor poder económico.
Quanto aos materiais de construção, pode afirmar-se que, relativamente a alguns deles, o problema é ainda mais nítido e premente.
Tomemos como exemplo o caso do cimento, na base de uma importação de 5000 sacos:

Despacho em Lisboa .................................. 2 500$00
Frete:

250 020 kg a 140$ por tonelada ......... 35 002$80
Sobretaxa adicional (8$50 por
tonelada - Setúbal) .................... 2 125$20
10 por cento de aumento de frete ....... 3 712$80
Adicional de estivagem (6$ por
tonelada) .............................. 1 500$10
Selo ................................... 2$50
________________ 42 343$40
Seguro, avaria grossa e perda total ................. 648$80
Despacho alfandegário no Funchal:

Imposto municipal ...................... 17 355$00
Selo ................................... 295$00
Artigo 12.º ............................ 68$00
Artigo 19.º ............................ 150$70
Obras do porto ......................... 520$70
Hospital ............................... 759$20
Bombeiros .............................. 867$80
Assistência ............................ 2 475$00
Guia de emolumentos pessoais ........... 1 134$00
Guarda Fiscal (dez dias) ............... 2 205$00
Tráfego e exploração de cais ........... 7 641$80
Impressos e selos ...................... 45$00
Requerimento ........................... 60$00
Transporte ............................. 60$00
Despesas inerentes ..................... 41$00
Honorários ............................. 1 000$00
_________________ 34 618$20

Carreto ............................................. 2 500$00
Sindicato dos Carregadores .......................... 3 275$00
Ocupação de molhe:

45 m2 x 2 dias a $50 ................... 45$00
45 m2 x 8 dias a $50 ................... 540$00
_______________ 585$00
Encerados:

8 encerados x 30$ x 10 dias ......................... 2 400$00
Quebras na Pontinha ................................. 3 500$00
________________
92 270$40
________________

Estes números significam que cada saco de cimento tem forçosamente de custar na Madeira mais 18$47 do que em Lisboa.
Vejamos o caso do ferro (quantidade - 13 001 kg):

Despesas bancárias .................................. 450$00
Frete:

13 001 kg a 145$ por tonelada .......... 1 885$20
Aumento de 10 por cento ................ 188$50

Adicional de estivagem (19$ por
tonelada) .............................. 247$00
Selo ................................... 2$50
_______________ 2 323$20
Seguro, avaria grossa e perda total .................. 336$00
Despacho alfandegário no Funchal:

Imposto municipal (10$ por tonelada) ... 130$00
Selo ................................... 118$00
Artigo 12.º ............................ 38$00
Artigo 19.º ............................ 72$30
Obras do porto ......................... 3$90
Hospital ............................... 10$30
Bombeiros .............................. 6$50
Guia de emolumentos pessoais ........... 361$00
Guarda Fiscal .......................... 465$50
Tráfego e exploração de cais ........... 602$60
Impressos e selos ...................... 45$00

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13 DE DEZEMBRO DE 1968 2811

Requerimento ............................. 30$00
Transporte ............................... 30$00
Despesas inerentes ao despacho ........... 37$00
Honorários ............................... 260$00
2 210$10
Transporte para o armazém .......................... 180$00
Sindicato dos Carregadores ......................... 221$50
Guindaste .......................................... 160$00
5 880$80

Estes números correspondem a um encargo de $4521 por cada quilo de ferro importado.
São bastante elucidativos os números relativos à telha e ao tijolo:

Despesas que oneram a Importação de:

1000 telhas

Transporte para o cais de Lisboa ............ 450$00
Despacho em Lisboa .......................... 60$00
Frete Lisboa-Funchal ........................ 685$50

Encargos no Funchal:

Selo ........................................ 13$80
Emolumentos ................................. 10$50
Obras do porto .............................. 10$50
Hospital .................................... 15$70
Imposto municipal ........................... 350$00
Bombeiros ................................... 17$50
Emolumentos pessoais ........................ 183$00
Guarda Fiscal ............................... 100$50
Braçais ..................................... 65$50
Junta Autónoma .............................. 121800
Seguro ...................................... $60
Impressos, selos e expediente ............... 109$50
Despachante (agência) ....................... 100$00
Carreto para o armazém ...................... 80$00
Total ................2 373$60

Custo da mercadoria na origem .............. 1 900$00

1000 tijolos

Transporte para o cais de Lisboa ........... 450$00
Despacho em Lisboa ......................... 60$00
Frete Lisboa-Funchal ....................... 1 502$00

Encargos nu Funchal:

Selo ....................................... 13$00
Emolumentos ................................ 10$60
Obras do porto ............................. 14$10
Hospital ................................... 20$80
Imposto municipal .......................... 470$00
Bombeiros .................................. 23$50
Emolumentos pessoais ....................... 183$00
Guarda Fiscal .............................. 100$50
Junta Autónoma ............................. 161$00
Impressos e selos .......................... 59$50
Expediente ................................. 50$00
Despachante (agência) ...................... 100$00
Braçais .................................... 65$50
Seguro ..................................... $60
Carreto para o armazém ..................... 80$00

Total ................... 3 364$10

Custo da mercadoria na origem .............. 1 250$00

Destes números se conclui que as telhas importadas têm encargos que são de 124 por cento, relativamente ao seu custo na origem, e os tijolos, 270 por cento.
As despesas que oneram outros materiais de construção, desde o mercado continental até o seu destino, cifram-se em $60 por cada quilo de cal em pedra, em 26 por cento do seu custo nas louças sanitárias e em 4$90 por metro quadrado no estafe.
Entre os encargos que foram ultimamente agravados contam-se os que resultam da Actualização da tabela de emolumentos da Guarda Fiscal, autorizada pelo Decreto n.º 48 189, de 30 de Dezembro de 1967.
Pela nova tabela em vigor, os encargos da Guarda Fiscal são:
Para mercadorias despachadas por estiva:

a) 1.º período de quatro horas, 15$;
b) Cada hora a mais, ou fracção superior a um quarto de hora, 5$;
c) Transporte de quatro em quatro horas para o pessoal, 20$.

Sem quebra do muito respeito que me merece a corporação da Guarda Fiscal, superiormente dirigida por um dos mais distintos oficiais generais do nosso Exército e cujos comandantes são exemplos vivos de aprumo e de dignidade, não estou seguro de estar a ser devidamente interpretada a tabela de emolumentos já referida. Assim, os encargos a que aludi recaem sobre cada despacho. Daí resulta que, se um determinado volume de mercadorias é importado por um só comerciante, a Guarda Fiscal cobra uma determinada quantia correspondente ao tempo que esteve no molhe. Mas se o mesmo volume de mercadorias foi, por exemplo, importado por cinco comerciantes e foi objecto, portanto, de cinco despachos, os encargos cobrados totalizam o quíntuplo do que pagaria se fosse incluído num só despacho. Também a mesma interpretação se dá na importância cobrada para transporte de pessoal.
Faço estas considerações absolutamente à vontade, porquanto da aplicação da nova tabela em pouco ou nada beneficia a Guarda Fiscal do Funchal, que, por outro lado, sofre as consequências resultantes do agravamento de preços que a referida tabela acarreta.
Mas o problema, repito, tem a maior importância.
E cito alguns exemplos concretos.
Assim, actualmente, se o ferro importado permanecer no molhe durante dois dias, isso corresponde a um agravamento de 28$ por tonelada, e se essa permanência se prolongar por quinze dias, esse agravamento será de 201$90.
Em duas remessas de chá, ambas de vinte e uma caixas com 840 kg cada uma, uma em Dezembro de 1967 e outra em Julho de 1968, os encargos da Guarda Fiscal totalizaram na primeira 57$50 e na segunda 260$.
Anteriormente à tabela actual, uma importação de óleo de mendobi Fula de duzentas caixas, com garrafas de litro e meio litro, que permanecesse no molhe durante dois dias, pagava de encargos à Guarda Fiscal 90$. Agora paga 440$, o que representa mais $15 em litro.
Em duas importações de vermute Ginzano, ambas com o valor de 24 880$, a remessa- de 1967 pagou à Guarda Fiscal 57$5O, e a de 1968, 260$5O.
Todos estes encargos que oneram a importação afectam o comércio e o consumidor e prejudicam seriamente os sectores da exportação, que necessitam de importar matérias-primas, como sejam os bordados, os vinhos, as conservas. Para uma remessa de tecidos para bordados, cujo estacionamento no molhe da Pontinha fosse de cinco dias, a despesa de fiscalização da Guarda Fiscal era, até 1 de Abril último, de 210$. Pois, a partir daquela data. subiu para cerca de 960$.
Cito também um exemplo relativo à devolução da cascaria em que se exporta o vinho da Madeira.
Por cinquenta e sete cascos reimportados em Dezembro de 1967 pelo vapor Black Watch, e que permaneceram no cais dezoito dias, os encargos para a Guarda Fiscal foram de 253$. Pois por quinze cascos reimportados pelo Angra do Heroísmo, em Setembro de 1968, e que perma-

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neceram no ca s trinta dias, esses encargos elevaram-se para 3875$.
E o que se diz dos bordados e dos vinhos diz-se das conservas, indústria de grande interesse e digna da maior protecção, e que também sente nas matérias-primas que importa, como o azeite, o sal, a folha-de-flandres, as embalagens, o peso dos encargos que oneram os produtos importados no Funchal e que são incompatíveis com uma política de verdadeiro fomento da exportação.
Sr. Presidente: E quero ainda aqui sublinhar os graves prejuízos que resultam para o comércio, para a economia da Madeira e para o público consumidor do facto de não estarem construídos no molhe da Pontinha os armazéns portuários que devem funcionar junto dos serviços aduaneiros do cais.
Actualmente as mercadorias desembarcadas, que exigem armazenagem, têm de ser transportadas para o velho edifício da Alfândega, situada a mais de quilómetro e meio do ponto de desembarque. Mas, como esses armazéns não têm capacidade suficiente, uma grande parte das mercadorias importadas tem de ficar sobre o molhe aguardando despacho.
Daí resultam inconvenientes de duas ordens. O desembaraço dessas mercadorias é mais oneroso, com evidente reflexo no custe e no preço dos produtos importados. Além disso, torna frequentes os furtos, sobretudo de mercadorias de alto valor, como sejam os tecidos. Apesar dos porfiados esforços e do cuidado que este assunto tem merecido à direcção da Alfândega do Funchal e ao Comando da Guarda Fiscal, não tem sido possível reprimir completamente o furto de mercadorias do molhe da Pontinha, precisamente feia falta de armazéns apropriados para a sua guarda e manuseamento. Para VV. Ex.ªs fazerem ideia da gravidade deste facto, bastará dizer que não há muito tempo ai tida as companhias seguradoras estrangeiras pensaram elevar as taxas de seguros relativamente às mercadorias exportadas para o Funchal, dada a incerteza de aquelas chegarem às mãos dos destinatários e a entidade seguradora ter de pagar o montante do respectivo seguro.
O porto do Funchal tem de ser urgentemente reabilitado da reputação, que lhe vem sendo atribuída, de porto perigoso, e isto em defesa do bom nome da Madeira e até para salvaguarda do próprio decoro nacional.
O plano de exploração e apetrechamento do porto do Funchal, que foi aprovado em sessão da Junta Autónoma dos Portos do Arquipélago da Madeira em 6 de Julho de 1960, previa a construção de armazéns a edificar no molhe da Pontinha, junto aos serviços aduaneiros do cais, com uma área coberta de cerca de 2000 m2.
São decorridas oito anos c meio e, apesar das repetidas diligências da Junta Autónoma dos Portos e da Alfândega do Funchal, ainda não se deu início ao plano de apetrechamento do porto do Funchal com a sua gare marítima. Trata-se de uri assunto que exige a colaboração de dois Ministérios: o das Obras Públicas e o das Comunicações. Demanda projectos, pareceres, e nem sempre têm sido concordes as opiniões do repartições e entidades ouvidas. Por outro lado, tornam-se necessários estudos, estimativas, cálculos c os afazeres dos técnicos nem sempre se coadunam com a urgência das soluções.
Informações do boa origem dizem-nos que os Srs. Ministros das Comunicações e das Obras Públicas tencionam em breve visitar a Madeira, com o fim de se inteirarem de problemas locais, entre os quais os do apetrechamento do porto do Funchal.
Daqui apele para o espírito desempoeirado daqueles ilustres membros do Governo, a cujas intenções e altas qualidades presto a minha homenagem, para que não demorem a sua visita e tomem nas suas mãos um problema velho de alguns anos, mas cuja solução continua a ser actual e premente.
Sr. Presidente: Foi meu propósito realçar aspectos da vida madeirense que não se enquadram nos esquemas de crescente liberalização que dominam o espaço económico português. O sistema de formalidades e de encargos que vigora nas relações comerciais entre a Madeira e o continente, as barreiras aduaneiras que separam parcelas do território metropolitano, são absolutamente anacrónicos e ferem a mentalidade do nosso tempo.
É fácil, para arranjar receita, criar um imposto ou aumentar um emolumento. Mas os processos mais fáceis nem sempre são os mais justos. E no pensamento de que uma pequena taxa não agrava o preço do produto criou-se uma série de alcavalas que influem no custo de vida.
Muitos dos géneros essenciais à alimentação são mais caros na Madeira do que em qualquer outro ponto do País. E não é possível que nesta ilha cada família possua o seu lar, nem que as construções turísticas tenham o incremento desejado, enquanto não se reduzir ao mínimo o preço dos materiais de construção civil.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Bem sabemos que muitas das taxas e impostos que recaem sobre as importações madeirenses constituem receita de corpos administrativos, de organizações humanitárias ou instituições d& assistência. Torna-se necessário acautelar a sua situação, assegurando-lhes receitas compensadoras. O que não me parece razoável é tributar produtos de consumo essencial, atingindo as classes mais modestas, dificultando-se o acesso à habitação e contrariando-se aquela política de promoção social que é objectivo fundamental do Governo.
O Sr. Presidente do Conselho, na comunicação que dirigiu à Assembleia Nacional no passado dia 27 de Novembro, referiu «quanto custa, em preparação, em estudo, em removação de obstáculos, em decisão, e geralmente também em dinheiro, tocar num problema qualquer!».
E acrescentou: «Como tudo parece fácil quando se conversa entre amigos e como tudo «urge eriçado de espinhos quando há que fazer uma reforma que não seja mera ilusão demagógica e pretenda, pelo contrário, ser séria, profunda e útil!»
Concordo inteiramente com este enunciado lapidar das dificuldades com que luta a administração pública. Mas. tratando-se de problemas de interesse essencial para o País ou para as regiões e povos que o constituem, quanto maiores forem as dificuldades maior terá de ser o espírito de determinação, o ânimo e o esforço a despender para as resolver e debelar.
E é com plena confiança na acção do Governo que dou hoje por terminadas as minhas considerações.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto de Meneses: - Sr. Presidente: Depois da leitura de um documento da importância desta proposta de lei de meios para 1969, fica-se sempre com uma impressão que sobrepuja ou domina as várias impressões que se sentiram ao longo do respectivo texto. No presente caso, a impressão máxima com que se fica é a de que o Governo pretende acentuar a necessidade de um clima de austeridade. E certamente com razão, porque às circunstâncias próprias da nossa conjuntura de nação em guerra, o que equivale a dizer de nação em apertada vi-

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gilância económica, vieram juntar-se conhecidos factores internacionais que obrigam a reforçar esse clima de parcimónia. Aceitam-se, portanto, com toda a compreensão as regras de cautela e prudência na aplicação dos dinheiros públicos. E estranha-se até que na redacção do competente artigo, o 4.º da proposta, se não haja feito, como conviria e em tempos se fez, a indicação de algumas rubricas em que importe tomar cuidados especiais. Tal indicação não me parecia uma superfluidade, pois vincularia mais rigorosamente os serviços aos preceitos da poupança e constituiria uma premonição muito eficaz para os responsáveis pela distribuição das despesas.
Falando mais concretamente, saliento o problema da instalação dos serviços públicos, por me parecer cada vez mais digno de atenção. Recordo que só em Lisboa, no ano de 1965, o Estado pagou de rendas 31 616 378$, pela ocupação de 346 prédios, no total de 706 andares, e os organismos de coordenação económica, 1 714 184$, por 24 prédios com 52 andares. Portanto, o sector público pagou naquele ano alugueres no montante de cerca de 33 000 contos, o que, estimado ao juro de 5 por cento, equivale ao rendimento de 600 000 contos. Por outras palavras: se o Estado orçamentasse 600 000 contos para a construção de edifícios próprios, enriqueceria o seu património, resolveria muitas deficiências provenientes da má ou péssima acomodação das suas repartições, proporcionaria aos funcionários e aos contribuintes uma larga economia de tempo e dinheiro e, além disso, contribuiria, de maneira muito sensível, para atenuar a crise de habitação, pois 800 andares não são uma insignificância no problema habitacional de uma cidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sempre tenho defendido a erecção de uma cidade dos serviços públicos, não apenas porque isso corresponda a um estilo de trabalho outrora praticado em Portugal, como se vê nas edificações monumentais do Terreiro do Paço, onde funcionavam todas as secretarias do Estado, mas, sobretudo, porque tal estilo satisfaz a vários imperativos do nosso tempo: celeridade de comunicações entre as repartições e entre estas e o público, adequação funcional dos serviços e consequente aumento de produção, sem contar com a repercussão no referido problema habitacional. Creio mesmo que a tão almejada Reforma Administrativa nunca poderá alcançar pleno êxito sem a prévia resolução deste problema.
Outro aspecto que, a meu ver, se insere ainda com maior justeza no preconizado clima de austeridade é o respeitante à importação de mercadorias, que continua a ser uma das faces mais sombrias da nossa actividade comercial. Lê-se no relatório da proposta de lei que, não obstante a apreciável redução registada em 1967 no comércio importador com o estrangeiro, ele ainda se computou nesse ano em cerca de 11 milhões de contos e no 1.º semestre de 1968 em 5123 milhões de contos. Sabe-se também que este defluxo foi compensado com um aumento de exportações e com a habitual cobertura dos chamados «invisíveis». Mas a verdade é que não podemos confiar indefinidamente no afluxo de capitais através do turismo e da emigração para o equilíbrio da balança de pagamentos, visto tratar-se de fenómenos hipersensíveis a conjunturas de mutação subitânea.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Além disso, a tendência para igualar os consumos vulgarizados em países ricos, bem como a precisão de bens de equipamento e de matérias-primas, suscitará a importação em volumes cada vez mais amplos, não podendo nós contar com a contrapartida da colocação dos nossos produtos nos mercados estranhos em nível e ritmo equivalentes aos das importações. A isto junta-se a problemática resultante da inserção da nossa economia nos grandes espaços internacionais: nem protecção aduaneira, nem restrições quantitativas, nem pragmáticas de uso e consumo. Para ocorrer a essas dificuldades têm-se apontado algumas medidas de política, tais como: concessão de crédito aos exportadores, tratamento fiscal favorável, assistência técnica à indústria, aceleramento na formação de mão-de-obra e facilidades no aprovisionamento de matérias-primas.
Ora, todo este aparelho táctico me parece muito certo e de aplicação inadiável, mas, raciocinando com todo o realismo, não se me afigura suficiente. As coisas nem sempre obedecem às boas intenções. E, no caso da indústria nacional, as realidades têm demonstrado que o seu arranque e desenvolvimento são impossíveis sem formas mais directas de protecção perante as concorrentes estrangeiras. Têm-se fundado, nos últimos anos, entre nós empresas de elevado índice técnico e sólida estrutura fabre-económica. Mas, como não existem restrições à importação, elas encontram, quando começam a produção, o mercado interno saturado de mercadoria estrangeira, porque o fornecedor de fora, solerte e bem avisado, precaveu-se a tempo, alagando tudo com os seus produtos. E é assim, na fase mais delicada do seu lançamento, que a empresa nacional encontra a praça inacessível às especialidades do seu fabrico.
Por isso, e porque os processos modernos de concorrência são extremamente poderosos, subtis e impiedosos, não podemos, dêem-lhe as voltas que derem, possuir, já não digo empresas prósperas, mas razoáveis, sem que o Estado as defenda com os processos do velho mercantilismo. Por outro lado, não me parece certa a afirmação, que aí muitas vezes se ouve, de que não pode pensar-se em utilizar os deficits comerciais como argumento efectivo para forçar a maiores aquisições no mercado português; não me parece certa, porque há pelo menos um consumidor que pode -e deve ser coagido a adquirir o produto nacional. Refiro-me, evidentemente, ao Estado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Devia ser interdito às organizações estatais, às autarquias administrativas e aos organismos corporativos o uso e consumo de produtos estrangeiros quando os haja nacionais. Porque, se há coisa que impressione e até escandalize, é ver utilizados nos serviços públicos e nas grandes empresas manufacturas e artigos de marca estranha, quando a indústria portuguesa luta com falta de clientes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Assim como também impressiona ver as montras e estabelecimentos cheios de artefactos e produtos de fora, desde bebidas a tabacos, alimentos e máquinas, dando tudo a impressão de que somos um país predominantemente de importadores. Temos a convicção de que a nossa economia registará um notável progresso quando se acabar, numa grande percentagem, com a parte parasitária do comércio de importação.
Quando compramos ao estrangeiro cerveja, massas alimentícias, ovos, manteiga, carnes, peixe e milhentas coisas mais de que em absoluto não necessitamos, porque as temos cá dentro iguais ou superiores, não é só dinheiro

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que se atira paia fora do País, é também uma agressão que se faz às nossas fontes criadoras e um acto que nos condena em nossos brios de nação inteligente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Urge, por consequência, que o Governo tome em especial atenção o sector do comércio externo. E já que não podemos contar com o puro patriotismo dos negociantes e clientes, não haverá outro recurso senão fazer como fazem todos os países, ricos ou pobres, evoluídos ou estagnados: condicionar, pelo processo mais hábil que possa ser. o afluxo caudaloso das importações supérfluas ou inúteis. Neste momento estão-nos dando flagrante exemplo dessa política a Inglaterra e a França, as quais, apesar de serem chefes de fila de grandes agrupamentos económicos, e apesar também dos compromissos e acordos firmados em contrário, não hesitam na adopção de processos restritivos ou reguladores das importações. E quando assim procedem os poderosos, a fortiori também assim devem proceder os que o não são.
E passo a outro assunto. Há anos que se repete, na Lei de Meios, o propósito de o Governo concluir os estudos necessários à reforma dos regimes tributários especiais. Desta vez vem esse propósito afirmado na alínea a) do artigo 13.º E, como uma das indústrias tributadas em regime especial é a do espectáculo, não me será levado à conta de impertinência instar para que a conclusão dessem estudos se faça realmente em 1969.
Quando se d sentiu nesta Câmara o III Plano de Fomento, notei caie, ao longo dos dois grossos volumes do respectivo relatório, nem uma vez sequer se aludia, em termos do I emento, à indústria do espectáculo, e isso certamente não era porque ela não merecesse figurar num programa de desenvolvimento. Com efeito, o investimento global em imóveis, mobiliário e apetrechamento técnico do cinema e do teatro (não contando, portanto, com as restantes modalidades, cujo valor em conjunto deve ultrapassar o daquelas) era já há dez anos superior a 1 milhão de contos.
A importância dos bilhetes postos à venda em 1965 pelo cinema, teatro, circo e tauromaquia ultrapassou os 500 000 contos. E o número de empregados, a avaliar pelo dos beneficiários da respectiva caixa de previdência, não deve andar longe dos vinte mil. Vê-se assim que, se é inegável a importância do espectáculo como factor de cultura e recreio, não é menor o seu valor económico e social. No entanto, continua escassa a produção de filmes de grande metragem, reduzida a actividade dos estúdios e laboratórios, difícil a vida das companhias de teatro, e mais que difícil a dos empresários exibidores, tauromáquicos e circenses. Por isso, e até porque entre trezentos e três concelhos cento e dezasseis não dispõem de uma sala de espectáculo de exploração comercial regular, bem merecia que no referido Plano de Fomento, que se pretendia abrangesse todos os pólos da actividade nacional, surgisse ao monos uma frase, vá lá, um aceno de simpatia para a vasta classe do espectáculo, sempre pronta a enfileirar na primeira linha dos que acodem ao País na suas calamidades. Sim, esperava-se esse aceno de simpatia, que mais não fosse no capítulo dedicado ao turismo, de que è colaboradora indispensável.
Mas, como nessa altura já estava a trabalhar uma comissão de revisão das leis de protecção ao teatro e cinema, julguei inútil qualquer apontamento, e, por isso, como diriam o* nossos irmãos brasileiros, silenciei. O certo, porém, é que, para não fazer excepção à regra, se desconhece o resultado dos trabalhos dessa comissão. Entretanto, as várias modalidades da indústria continuam sujeitas a normas hoje insustentáveis. Lembro, por exemplo, o artigo 5.º da Lei n.º 2027, que obriga ao pagamento de uma taxa fixa de 10 000$ por cada filme longo que se estreia, quando o juste seria que o quantitativo da taxa variasse, provàvelmente com maior rendimento para o Fundo do Cinema, consoante o número de semanas que o filme estivesse no cartaz.
E, sobretudo, lembro o sistema de tributação, a qual, como se sabe, é de carácter fixo, esteja a casa vazia, média ou cheia. Sempre me pareceu que tal modo de tributação tem em si qualquer coisa de iníquo, não só porque muitas vezes recai gravosamente sobre lucros inexistentes, mas também porque sobre ele se forma um cortejo de pequenas e grandes taxas que oneram as empresas noutro tanto do que pagam para o fisco. Este regime tributário já há muito que reclama profundas alterações. Por isso se espera que desta vez se concretize o propósito da sua reformulação.
Finalmente, Sr. Presidente, algumas considerações sobre o capítulo VI da proposta, relativo às providências sobre o funcionalismo.
Começo por louvar a decisão de se porem integralmente em funcionamento no próximo ano os serviços de assistência na doença ao funcionalismo civil, medida que será de extrema importância no esquema de segurança social dos servidores do Estado. Mas não seria menos importante que se iniciasse o estudo das pensões de sobrevivência, pois neste domínio continuamos muito atrasados em relação ao sector privado. As pensões actualmente atribuídas pelo Montepio não satisfazem, nem quantitativa, nem processualmente, às exigências da vida. De facto, uma média como a agora existente, de 350$ por mês para os pensionistas, nem merece comentários. Nem mesmo o máximo da pensão, que não atinge os 2000$ mensais, representa qualquer forma de tranquilidade. Os horizontes de milhares de famílias, sujeitas a ficarem nas mais deploráveis condições após a morte de seus chefes, são o único comentário que a realidade. das coisas grita a esta funesta imprevidência. E por isso que se torna cada vez mais invejável o avanço que, neste aspecto, levam os trabalhadores das empresas particulares, através da acção do Ministério das Corporações. Tem este Ministério alargado, com modelar solicitude, a rede de protecção dos familiares dos beneficiários da Previdência; e está confessado pelo titular da pasta que, dentro de pouco tempo, não haverá classes de profissionais a cujas famílias falte a asa afagadora da pensão de sobrevivência. Tão transcendente tutela só merece da nossa parte caloroso aplauso e da parte do Estado a mais decidida e célere imitação. Tão certo é que, recordando o célebre epigrama de Marcial, não se justificam hoje as atitudes do luculento Apolinar, cuja mesa bem abastecida se ria das procelas.
Para remate das minhas considerações, digo que ine parecem inteiramente justas as providências que o Governo tenciona tomar acerca da situação do professorado primário. Milícia da primeira linha da defesa moral e intelectual do País, aquele professorado bem merece tudo o que se possa fazer para prestígio e dignificação da sua. condição humana e profissional. Mas, se me é permitido, aproveito o ensejo para pedir a extensão dessas providências ao professorado do ensino secundário. E explico porquê. Pelo Decreto-Lei n.º 48 541, de 23 de Agosto último, os vencimentos do pessoal docente do ciclo preparatório foram fixados no mesmo nível que os dos pro-

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fessores do ensino liceal e técnico, com a vantagem de poderem ultrapassar, em certos casos, os limites do respectivo escalão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Longe de mim pensar que tais vencimentos são imerecidos ou exagerados; não, acho até que são equitativos e adequados às tarefas e responsabilidades dos professores do ciclo preparatório. Mas o que já não está bem é que os professores do ensino liceal e técnico continuem com os mesmos vencimentos, ou seja, iguais aos dos do ciclo preparatório, quando a sua preparação e habilitações são superiores, nas suas responsabilidades maiores e mais elevada a escala do seu magistério. E de esperar que não demore o ajustamento desta situação, para justa observância de proporções e consequente tranquilidade das consciências.
Peço desculpa, Sr. Presidente, de ter importunado a Câmara com tão longos comentários, mas omiti-los seria faltar com a colaboração devida ao Governo, desejoso de continuar a obra de quarenta anos de justiça e progresso social, e atraiçoar o meu espírito de parlamentar, modesto, é certo, mas leal ao seu País e à verdade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A ordem do dia da sessão de amanhã será a continuação do debate na generalidade e, se possível, também o debate na especialidade da proposta de lei em apreciação.
Volto a lembrar a VV. Ex.ªs que a proposta de lei terá de ficar votada, o mais tardar, no sábado, sob pena de não cumprirmos com o preceito constitucional. Desta maneira, o ideal seria que o debate na generalidade pudesse ficar concluído já amanhã, a fim de VV. Ex.ªs poderem ter o sábado livre, sem problemas de regresso aos locais a que se destinam, mas, se tal se tornar de todo impossível, terá, evidentemente, de haver sessão no sábado, a qual só terminará quando a proposta de lei estiver integralmente votada.
Para alcançar os objectivos que acabo de enunciar, a sessão amanhã começará exactamente às 15 horas e 30 minutos, hora regimental, pelo que solicito a VV. Ex.ªs que estejam em número suficiente para a sessão poder iniciar-se àquela hora.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
António Barbosa Abranches de Soveral.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando José Perdigão.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
João Ubach Chaves.
José Dias de Araújo Correia.
José de Mira Nunes Mexia.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel Tarujo de Almeida.
Raul Satúrio Pires.
Sebastião Alves.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

António Júlio de Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
António dos Santos Martins Lima.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
D. Custódia Lopes.
Fernando de Matos.
Gabriel Maurício Teixeira.
Horácio Brás da Silva.
João Mendes da Costa Amaral.
José Guilherme Bato de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel João Correia.
Manuel Lopes de Almeida.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo

O REDACTOR - António Manuel Pereira.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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