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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 156
ANO DE 1968 19 DE DEZEMBRO
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 156 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 18 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs. Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente informou que, para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, foram recebidos na Mesa os n.ºs 294 e 395 do Diário do Governo, inserindo diversos decretos-leis.
O Sr. Presidente anunciou estarem na Mesa as contas das pró. vindas ultramarinas, que vão ser enviadas à Comissão de Contas Públicas.
O Sr. Presidente deu conhecimento de já ter sido recebido o parecer da Câmara Corporativa acerca da proposta de lei sobre alteração à legislação eleitoral, o qual foi distribuído pelos Srs. Deputados.
O Sr. Deputado Furtado dos Santos foi autorizado a depor no Tribunal da Comarca de Benavente.
Foi lida a nota de perguntas remetida para a Mesa pelo Sr. Deputado Amaral Neto.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Cortês Simões, para um requerimento; Moreira Longo, para- se congratular com a atitude do Governo em matéria de política ultramarina; P érea Claro, sobre problemas afectos ao imposto de transacções; Braamcamp Sobral, acerca da agitação académica nas escolas superiores; Casal Ribeiro, que fez considerações sobre questões de política interna; Albino dos Reis, na sequência das palavras proferidas pelo orador antecedente; Aníbal Correia, para também se referir à agitação académica, e Albano de Magalhães, sobre problemas afectos à indústria de montagem de viaturas automóveis.
Ordem do dia. - Em face de não ter havido qualquer reclamação por parte dos Srs. Deputados, foi convertida em definitivo a redacção dada pela Comissão de Legislação e Redacção ao decreto da Assembleia Nacional sobre a autorização de receitas e despesas para 1969.
Iniciou-se a discussão na generalidade da proposta de lei relativa ao recenseamento eleitoral.
Usou da palavra o Sr. Deputado Marques Teixeira.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.
Texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção.- Decreto da Assembleia Nacional sobre a alteração à lei eleitoral.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Calheiros Lopes.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
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António José Braz Regueiro.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
António Moreira Longo.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Baroieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco José Cortes Simões.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
James Pinte Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Jorge Barcos Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pais Ribeiro.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Ame rim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancela de Abreu.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 84 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta ao seguinte
Expediente
Telegramas
Aplaudindo a intervenção do Sr. Deputado Virgílio Cruz.
Apoiando as intervenções dos Srs. Deputados Cutileiro ferreira e Pinto de Meneses.
Aplaudindo a intervenção do Sr. Deputado Valadão dos Santos.
O Sr. Presidente: - Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa o Diário do Governo n.ºs 294 e 295, de 14 e 16 do corrente, que inserem os Decretos-Leis:
N.º 48 764, que determina que os titulares dos lugares de terceiro-oficial ainda existentes nas escolas industriais e comerciais, a que se refere a alínea b) do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 45 470, sejam providos, a contar da vigência deste diploma e independentemente de quaisquer formalidades, nos lugares de segundo-oficial do quadro das escolas em que estão prestando serviço, criados pela referida disposição legal; e
N.º 48 765, que dá nova redacção ao artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 39 044, que regula o abono de alimentação especial a oficiais, sargentos e furriéis, ou equiparado, em regime de prisão preventiva, e revoga o Decreto-Lei n.º 42 835.
Estão na Mesa as contas das províncias ultramarinas. Vão ser enviadas «i Comissão de Contas Públicas.
Está na Mesa e já foi distribuído pelos Srs. Deputados o parecer da Câmara Corporativa acerca da proposta de lei sobre alteração à legislação eleitoral.
Está na Mesa um ofício do Tribunal Judicial da Comarca de Benavente pedindo para que o Sr. Deputado Furtado dos Santos possa comparecer naquele Tribunal, a fim de prestar juramento nos autos de cláusula compromissória em que são requerentes D. Joaquina Rosa dos Santos Ferreira Lourenço, marido e outros.
Ouvido o Sr. Deputado sobre se via inconveniente para o exercício das suas funções parlamentares em ser autorizado a prestar o juramento solicitado, afirmou que não. Nestas condições, ponho a questão à Assembleia.
Consultada a Assembleia, foi concedida autorização.
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O Sr. Presidente: - Está na Mesa a nota de perguntas apresentada na sessão de 6 do corrente pelo Sr. Deputado Amaral Neto. Vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
Nota de perguntas
Nos termos constitucionais e regimentais, pergunto ao Governo, pelo Ministério da Economia, se não será de considerar conveniente ao prestígio do organismo editor a suspensão da, aliás, interessante revista Agricultura, da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas, cujos atrasos de publicação se têm vindo a acentuar, e que com o n.º 30, agora distribuído, atingiram já os dois anos e meio.
Sala da Assembleia Nacional, 6 de Dezembro de 1968. - O Deputado, Carlos Monteiro do Amaral Netto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Cortes Simões.
O Sr. Cortes Simões: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
Usando do direito que o Regimento da Assembleia Nacional me concede, requeiro que pelos serviços competentes me sejam facultados os seguintes elementos:
1) Quais as quantidades de trigo, centeio e milho produzidas no território continental no ano de 1968?
2) Quais as quantidades de trigo, centeio e milho importadas em cada trimestre do ano corrente?
(Seus preços unitários, origem e datas de entrada.)
3) Quais as quantidades de milho e centeio destinadas às fábricas de rações? A que preço foram adquiridas e a que preço estão a ser entregues?
4) O centeio em poder da- Federação Nacional dos Produtores de Trigo destina-se exclusivamente, às fábricas de rações ou pode ser adquirido por qualquer entidade? Em caso afirmativo, a que preço?
Desejava, igualmente, que me fossem fornecidas mais as seguintes informações:
1) Qual o número de veículos ligeiros em circulação no fim do ano de 1967 e no fim do 1.º semestre de 1968?
2) Relativamente ao ano de 1967 e 1.º semestre de 1968, quantos acidentes houve por deficiência mecânica dos veículos?
3) Relacionar esses acidentes com o ano em que foi registado o veículo, a idade do condutor e a data em que foi concedida a carta de condução.
O Sr. Moreira Longo: - Sr. Presidente: Inicio as minhas intervenções neste período legislativo com algumas palavras simples, como simples somos nós, para expressar nesta Assembleia o grande pesar que todos sentimos em Moçambique ao ter conhecimento da enfermidade que atingiu o grande Chefe da Nação. Salazar, um dos maiores homens da nossa história e um dos maiores valores do mundo contemporâneo.
Habituados a viver em paz e prosperidade durante mais de quarenta anos, acompanhando o progresso material, moral e social da Nação, que tanto tem sido olhada com respeito e. admiração por observadores estrangeiros isentos, não podíamos cometer a ingratidão de deixar de referir, neste lugar, quanto sofremos, todos, negros e brancos, ligados pelos mesmos sentimentos que a todos une.
Não foram poucas as lágrimas derramadas, nem escassas as manifestações de pesar que brancos e negros, sentindo do mesmo modo, fizeram ao Governo, em todo o Moçambique, pela doença de Salazar.
Assisti, no Norte de Moçambique, em várias localidades, a concentrações de. milhares de indivíduos de todas as etnias, homens e mulheres, formando quadros maravilhosos, de uma policromia de cores e raças, que só na índole do povo português encontra expressão de tão grande realidade!
Todos eles, contristados, sentindo como portugueses de bem, que não admitem gestos de ingratidão como, infelizmente, se regista por esse mundo fora, se encontravam nos mesmos locais, com os mesmos propósitos, para dizerem de viva voz ao Governo que sentiam a maior tristeza pela doença do grande Chefe da Nação e que pediam a Deus, na diversidade das suas religiões, as melhoras para o Sr. Presidente Salazar.
A expectativa que então dominava todos os espíritos, na difícil situação para o País gerada pelo afastamento do Doutor Salazar do Poder só veio a encontrar alívio quando se esboçou o nome do Prof. Doutor Marcelo Caetano para a sua sucessão.
Quando o Sr. Presidente da República, Américo Tomás, homem digno e bom. que, todos os portugueses veneram, fez a histórica comunicação ao País, designando o Sr. Prof. Doutor Marcelo Caetano para a chefia do Governo, logo o povo português, em todas as latitudes onde se encontrava, sentiu desanuviar-se o clima de expectativa que o afastamento de Salazar. tão inesperadamente, havia gerado em todos nós para dar lugar à renovação da fé e das maiores certezas de continuidade no rumo a seguir, para o engrandecimento da Pátria e bem-estar dos Portugueses.
Esse rumo que constitui a trave mestra que suporta o peso da Nação, encontra em Marcelo Caetano o obreiro firme, consciente e inalterável em quem confiamos plenamente.
Nunca, ninguém duvidaria da sua linha de orientação nem da sua verticalidade e amor à Pátria, que desde há longos anos S. Ex.ª sempre manifestou ao lado de Salazar.
Na comunicação que o Sr. Presidente do Conselho. Marcelo Caetano, fez ao País. na Assembleia Nacional, em 27 de Novembro, onde milhares de pessoas de todas as condições sociais aguardavam ansiosamente as suas palavras, S. Ex.ª foi bem claro nas suas afirmações e categórico nas coordenadas por que há-de orientar-se, no caminho, não curto, que todos temos de percorrer, sem olhar a sacrifícios, para ajudarmos- a tarefa, demasiado pesada, que Marcelo Caetano, na maior dedicação a Portugal, se dignou aceitar, na fase mais difícil da Nação.
Já na sua primeira comunicação ao País, S. Ex.ª ofereceu à problemática ultramarina a sua maior e patriótica atenção, em frases marcantes para a política interna e externa do País.
Depois, com desenvolvimento de maior extensão e a corroborar as palavras que então havia dedicado ao nosso ultramar, ouvimos do Sr. Presidente do Conselho, num
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momento tão histórico? nalgumas páginas com que iniciou tão memorável discurso, afirmações categóricas, que a ninguém, mesmo aos mais cépticos, deixaram dúvidas, quanto à defesa intransigente de quanto nos pertence por direito próprio e por direito histórico.
Não podiam ser outras as directrizes do Governo relativas ao ultramar, ainda que muita gente, entre os quais se encontra a alguns valores intelectuais, pense, sem a mentalização e experiência necessárias que lhes conceda autoridade para discernirem sobre tão magno problema, poderem ser outros os caminhos a seguir.
Sem comentários especiais, que me dispenso, e sem descer a pormenores conducentes à convicção do que na realidade representa o valor das nossas províncias ultramarinas diremos contudo, e apenas, que se por hipótese, e só por hipótese, as deixássemos entregues à sua sorte, a nossa metrópole seria reduzida à expressão mais simples, com todas as inerentes consequências, e os nossos irmãos negros, que querem continuar a ser sempre portugueses, se iam atirados para o infortúnio, para o descalabro e para a miséria que vemos na maior parte dos novos Estadas africanos, cuja responsabilidade impende sobre algumas nações responsáveis, que consentiram, e os próprios africanos, que tão ingenuamente se deixaram ludibriar pela magia das independências.
Não podia na verdade, ser inversa a tomada de posição portuguesa, até porque negaríamos a nossa própria condição de povo civilizador, que em África tem erigido uma. obra humana, que teve início há mais de quinhentos anos e jamais terá fim.
O rumo está certo, assim saibamos nós prestar a nossa assistência, perseverantemente c com os olhos postos no futuro, ao timoneiro, sereno e firme, que nos levará a porto de salvação.
Sr. Presidente: Quero também dizer uma palavra, que proferida nesta mais alta Câmara do País representa de certo modo uma homenagem, embora modesta, dirigida ao povo português, que tão nobre e dignamente se soube manter calmo, coeso e confiante, naqueles dias tão cinzentos para a Nação, dando ao mundo, que sonhava e antevia convulsões políticas e de toda a ordem, uma verdadeira lição de civismo.
Como portugueses de bem, que verdadeiramente amam a sua pátria, o povo português, sem distinções de classes sociais o credos políticos, mas tão-sòmente portugueses patrióticos, manteve-se disciplinado, confiante e verdadeiramente à altura do momento difícil para o País.
Embora tolos tenhamos reconhecido tão alto nível de civismo do r osso povo e nos congratulemos com isso é preciso que o caso aqui se refira e tenha o maior eco como retribuição de inteira justiça.
Uma nobre lição de civismo que os Portugueses souberam dar e que os estranhos que nos ataram podem bem aproveitar.
Sr. Presidente: Antes de terminar estas humildes palavras, que representam o sentir unânime de toda a população de Moçambique e naturalmente de todo o ultramar português, quero deixar aqui a afirmação da nossa nunca desmentida lealdade ao Governo, e de que, sejam quais forem is vicissitudes que se nos apresentem, trabalharemos sempre, ao lado das nossas heróicas forcas armadas, para que o nosso ultramar seja sempre Portugal.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Feres Claro: - Sr. Presidente: Vai fazer um ano, exactamente em 10 de Janeiro próximo, que V. Ex.ª me permitiu fazer nesta Câmara política algumas observações a propósito da aplicação do imposto de transacções. Acentuo Câmara política, para que nas minhas palavras se não veja interferência em matéria de técnica fiscal, mas apenas a intenção de pôr em relevo alguns aspectos da repercussão emocional da aplicação do certos pormenores da cobrança do referido imposto.
Informa o Governo, na proposta de lei da autorização das receitas e despesas para 1969, que acaba de ter a aprovação desta Assembleia, que o «imposto de transacções está a revelar-se uma importante fonte de receitas, tendo atingido em 1967 um quantitativo que excedeu largamente a previsão orçamental» e que em 1968 a sua cobrança se elevara de 240 000 contos. Todos nos congratulamos por a administração pública ter encontrado forma, com o sacrifício não regateado de cada um de nós, de aumentar assim os seus réditos. Talvez até alguns, lembrados do apelo dramático de Gil Vicente, em circunstâncias semelhantes às de hoje, de que antes se deveria viver em «casas pardas» do que em «câmaras dobradas», opinem que 20 por cento sobre os artigos de luxo, de tão larga moda, são benévolos. Mas a história é outra.
Tornados cobradores obrigatórios desse imposto, os industriais e os comerciantes já perceberam a impossibilidade e a inoportunidade de elo ser cobrado sobre o produto à saída da fábrica. De facto, se se obrigasse os produtores a entregar nos cofres do Estado, mesmo no prazo de dois meses, 7 por cento sobre o produto saído, criar-se-iam situações delicadíssimas, pois as transacções comerciais processam-se em prazos bem mais dilatados.
A indústria não está nunca em condições de adiantar dinheiros por conta de outrem; necessita, sim, de créditos para a sua laboração. Ora, determinado então a comerciantes e industriais de escalão mais baixo que fossem eles os cobradores do imposto, não se evitou o problema delicado atrás exposto. O comércio e a indústria não cubram a sessenta dias. No caso até de transacções com organismos oficiais ou instituições só vêm! a receber pelos fornecimentos feitos quando os orçamentos o permitem e às vezes até por anos económicos findos. Todos os meses o comércio e a- indústria antecipam ao Estado milhares de contos, tirados ao seu legítimo lucro, e cuja recuperação se não faz algumas vozes ou se faz tardiamente.
Pois, inexoravelmente, o Estado multa no dobro do imposto aqueles que, por mora negligência, o não entregam até ao 60.º dia. Talvez no receio de industriais e comerciantes poderem vir a transformar em fundo de maneio o dinheiro que não lhes pertence, o Governo marcou-lhes o curto prazo de entrega de dois meses, sem a mais pequena moratória, quando em quase todos os demais impostos há sempre um prazo de tolerância para a entrega, naturalmente mas benevolamente castigado. Se se dá moratória quando o imposto é sobre dinheiros próprios, porque não dá-la quando o cobrador não consegue receber a tempo e horas e tem de ir empenhar-se para entregar ao Estado por conta de outrem, às vezes bem mais poderoso?
Quando se tem apontado, como também o fiz na minha intervenção de Janeiro, que a cobrança do imposto obrigou industriais e comerciantes à montagem do uma nova estrutura de contabilidade ou mesmo de uma estrutura que não existia, a resposta tem sido a de que foi antes benefício do que um prejuízo essa obrigatoriedade. Não o posso negar, nem comigo quantos entendem que só com uma perfeita informação sobre lucros e perdas cada um pode ter completo domínio sobre o negócio que
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sustenta. Todavia, o que tem estado mais em causa são exigências de coisas que parecem escusadas, como escritas em duplicado ou inventários permanentes em actividades impossíveis de os ter ou registo de taras de ida e volta. Mas ainda sobretudo o que mais mal-estar tem criado são as perguntas sem resposta, são as reclamações sem despacho, são os critérios diversos.
Leitor, por ofício, de muitos jornais, a minha atenção tem sido ultimamente despertada por artigos e notícias em que se põe à consideração do Governo a situação daqueles que, tendo falhado ao 60.º dia a entrega do imposto das transacções feitas com os seus clientes, o não entregaram, por lhe exigirem outro tanto como multa, impossível de pagar, ou o entregaram, por benevolência do chefe da secção de finanças, juntamente com um requerimento a pedir a rei evacuo da falta, mas ainda sem resposta. Em fins de 1967 foram desculpadas todas as multas até essa datil. Era caso para nenhum, dos desculpados voltar a prevaricar, mas tendo muitos comerciantes e industriais chamado a si, por economia ou por falta de pessoal capaz, o encargo de manter em dia a nova escrituração, alguns deles terão voltado a falhar, com outros mais de novo, até por despedimento, distracção, incompetência dos próprios empregados. Anote-se que a escrituração dos livros não pode estar atrasada mais de trinta dias. Se estiver, a multa pode ir ao quádruplo do imposto.
Há, pois, neste ano de 1968, muitas multas aplicadas e ainda por cobrar. Falam os jornais em como seria bem recebida uma nova amnistia, para que muitos passassem o Natal sem graves pesadelos. Eu me faço aqui eco desse desejo, com o fundamento na autorização que esta Câmara deu ao Governo para concluir, durante o ano de 1969, «os estudos necessários à reforma dos regimes tributários especiais e da tributação indirecta», nos quais estará decerto incluído o da reforma das exigências para a cobrança do imposto de transacções, que irá tomar em consideração quantas sugestões e quantas reclamações têm sido feitas, não contra o imposto, repito, mas contra pormenores da sua cobrança. Parece que, aguardando uma reforma, à distância de menos de um ano, e que decerto há-de ser feita, ouvindo-se também cada um dos sectores da actividade económica, através das respectivas corporações, justo é que se arquivem os casos pendentes e resultantes das causas que apontei. Se assim o fizer, o Governo não fará prova de fraqueza, mas sairá prestigiado por ter sabido usar da clemência daqueles que sabem compreender, para além da frieza das leis, as implicações que elas têm no comportamento dos homens.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Braamcamp Sobral: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Peço a atenção de VV. Ex.ªs para uma breve reflexão sobre um problema que a todos preocupa, porque é efectivamente grave.
Não me é possível, dada a complexidade dos seus múltiplos aspectos, analisá-lo neste momento com a profundidade que merecia e provavelmente poderia desejar-se, por isso reduzo esta minha intervenção a um curto apontamento sobre o mesmo, que me parece, apesar de tudo, necessário.
Trata-se do problema da agitação académica.
O maior dos inestimáveis bens que Salazar ofereceu à Nação Portuguesa terá sido, creio eu, o clima de ordem interna, no qual, graças a Deus, temos podido viver durante as últimas décadas, pois esse clima é condição primeira para a realização de qualquer tarefa que se deseje construtiva e conducente ao bem de todos nós.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O Governo assim o tem entendido também e, por isso, com uma determinação tão firme quanto louvável, se vem afirmando disposto a salvaguardar aquele inestimável bem, de que estamos, felizmente, usufruindo. E, porque não somos cegos, surdos ou inconscientes e temos conhecimento do que se passou ou está passando em várias Universidades estrangeiras, devemos dar aos factos surgidos nalgumas das nossas escolas superiores a importância indiscutível de que os mesmos se revestem, reconhecendo neles desde já o atentado que constituem contra, a ordem em que desejamos viver e temos de viver.
Os primeiros sintomas de agitação académica a que estamos assistindo no nosso país não podem constituir surpresa para ninguém, até porque com alguma antecedência foram conhecidos os planos e projectos em que ela se baseia, oportunamente recebidos de além-fronteiras.
E se de acordo com esses planos algo já foi possível pôr em prática, criar do indesejáveis perturbações na vida universitária, isso deve-se a algumas lamentáveis abdicações, que convém apontar.
Em muitos pais: a abdicação da sua missão educadora, não esclarecendo devidamente os seus filhos nem lhes indicando a linha de conduta que devem seguir nestas situações anormais, alheando-se, assim, de um problema que lhes devia merecer a melhor atenção.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nalguns professores: a abdicação da sua responsabilidade docente, tolerando o que não deviam em caso algum consentir e até por vezes pactuando com atitudes ou actividades manifestamente desrespeitosas para a função que desempenham, ou melhor, que deviam desempenhar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na grande maioria dos alunos: a abdicação dos seus direitos e deveres, como elementos responsáveis que são, de uma Universidade, aceitando, por inacção (que nestes casos direi quase criminosa), que uma minoria, activa e anónima os conduza, os engane, os prejudique e os faça surgir perante todos como perfilhando sem reservas decisões de miniplenários a que não assistiram, que na realidade não têm o seu aplauso nem sequer o seu acordo, mesmo parcial.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não terão desculpa os pais e os professores que abdicaram, mas o mesmo não direi dos alunos, aos quais certamente faltaram nesta ocasião o apoio e a orientação daqueles e que se vêem a braços com uma impreparação política de que não têm a menor culpa, que os torna compreensivelmente vulneráveis, confusos e hesitantes.
As honrosas excepções, que nos alunos terão sido, apesar de tudo, numerosas, são credoras das nossas homenagens pelo bom serviço que prestaram à Universidade e ao País.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Perante a actual situação do eu sino superior, aqui tantas vezes analisada e que o Governo já publicamente reconheceu impor uma vasta reforma, mostrando simultaneamente o sen interesse e desejo de que a mesma, fosse precedida de amplo inquérito, ninguém duvida que os estudantes universitários têm justas queixas e consequentes recriminações a apresentar, as quais terão de ser devidamente consideradas pelo Governo e com a maior brevidade possível.
Simplesmente, para se não correr o risco de ver perdidas para todos as diligências que alguns alunos pretendem fazei em defesa dos seus legítimos interesses, estas devem ser conduzidas sob forma ordeira, pelas vias e métodos legais, o que, aliás, se torna fácil pelo espírito aberto ao diálogo tantas vezes manifestado pelos responsáveis, condicionado, obviamente, a interlocutores que actuem de boa fé e disciplinadamente.
Só por ingenuidade (que se não aceita em adolescentes já a caminhar para adultos) os estudantes poderão pretender que, enquadrando a defesa das suas justas aspirações num clima revolucionário de propósitos condenáveis, as autoridades académicas façam, calma e facilmente, a distinção entre o trigo e o joio, quando uns e outros, afinal, nem sequer se importam de aparecer unidos e amalgamados aos olhos de todos, contribuindo assim para a confusão, de que só podem ser vítimas os que ainda estão de boa fé.
Desta confusão, na realidade, só beneficiam os profissionais da desordem.
Mascarados, conforme as circunstâncias, de incompreendidos, ingénuos, heróis ou mártires, procuram unicamente iludir os colegas e sob qualquer pretexto provocar as autoridades, com o fim de atingirem a fase de «confrontação», que no seu vocabulário próprio quer simplesmente dizer «luta com a polícia». Luta por nós não desejada.
E, enquanto se dedicam a estas torpes manobras, impedem que os elementos verdadeiramente válidos da Universidade possam dizer ao Governo o muito que lhes compete dizer sobre os graves e inúmeros problemas do ensino superior, colaboração que o Governo não pode, não deve e não quer dispensar.
É efectivamente lamentável que alguns estudantes tenham substituído totalmente o verbo «estudar» pelo verbo «perturbar», pois nada constróem nem deixam que os outros construam.
E não meros lastimável que as direcções das associações académicas não sejam seleccionadas pelos seus eleitores de entre os melhores alunos das respectivas escolas superiores.
Há dias, numa Universidade francesa, um professor entendeu devir aproveitar a primeira aula deste ano lectivo para ler aos seus alunos alguns conselhos que declarou úteis.
Começou por afirmar que a primeira missão do estudante era estudar. Após a terceira frase de idêntico sentido que proferiu, o ruído que se estabeleceu na sala, de protesto contra princípios tão antiquados e reaccionários como aqueles, deixou de permitir a audição do resto da Leitura, que o professor, contudo, não interrompeu. Quando terminou pediu silêncio; os alunos dignaram-se deferi: o pedido e ele pode proferir e fazer ouvir a sua última frase: «Acabei de vos ler um dos capítulos do livro de Mão Tsé-Tung. (Risos). Podem sair.»
Em qualquer paralelo, em qualquer regime, o estudante que não estuda, além de ocupar indevidamente na Universidade o lugar que outro aluno válido podia e devia ocupar, não contribui para a sua própria realização, nem se torna útil a qualquer grupo social ou a qualquer facção ideológica.
Serve, quando muito, temporariamente; os propósitos dos seus mentores, numa efémera acção revolucionária ou agitadora, para depois ser por eles próprios considerado como um elemento inútil da sociedade.
E se um estudante que não estuda é, nessa qualidade, um elemento, inútil; um estudante que não estuda e não deixa estudar os colegas é um elemento nefasto.
Como, também, um professor que não ensina é, nessa qualidade, um elemento inútil, o um professor que deseduca, um elemento nefasto.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E sendo, assim, não creio que a nossa Universidade possa permitir-se o dispendioso capricho de albergar elementos nefastos, e reputo caricato, para não empregar outro termo, que estes elementos, certamente já identificados pelas autoridades académicas, tentem interferir na reforma de uma Universidade, na qual não deverão ter cabimento.
Não seria, pois, dispensável esta altruísta colaboração?
Ainda a este propósito lembro que se publicou há dias no Diário do Governo a nova Lei Militar, votada recentemente nesta Assembleia. Nela se dá maior amplitude às disposições até agora vigentes, que permitem aos estudantes universitários adiar em certas circunstancias a prestação obrigatória do serviço militar.
Esteve, com certeza, no espírito de todos nós, ao aprovar tais disposições, reconhecidamente necessárias e convenientes, que elas deviam constituir um justo benefício para os estudantes que, compenetrados das suas principais obrigações, frequentem os estabelecimentos de ensino .superior com o propósito de neles obterem a sua preparação intelectual e técnica e os correspondentes diplomas.
Permito-me, por isso, perguntar se àqueles que se intitulam estudantes, mas que indiferentes ao significado desse título se limitam a ser agitadores de massas, criando com a sua actividade condicionalismos incompatíveis com a regular e tranquila preparação da generalidade- dos seus colegas, será lícito e honesto continuar a conceder o benefício Legal atrás referido e que para eles não foi efectivamente criado?
Consentir-se na concessão a alguns jovens desta injustificada regalia será realmente corresponder na retaguarda ao duro combate que antros jovens estão desenvolvendo na frente na defesa indiscutível do nosso ultramar?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não. Com certeza que não!
Sejamos, pois, coerentes com a política que afirmamos e tenhamos presente que a coerência e a sinceridade são virtudes que os jovens exigem sempre aos adultos, e com muita razão.
Em relação às questões que muito superficialmente analisei, penso, pois, que o Governo terá de realizar simultaneamente três grandes tarefas:
1.ª Resolver, com a colaboração de elementos válidos da Universidade (professores e alunos), através da anunciada reforma, os múltiplos problemas do ensino superior que se foram acumulando e agravando, sobretudo nos últimos anos:
2.ª Cuidar atentamente da formação da juventude, não descurando por mais tempo a sua tão necessária preparação política;
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3.º Evitar ou reprimir com a firmeza e equilíbrio aconselháveis a subversão académica, cujas causas e objectivos nada têm que ver com as deficiências do ensino oficial, as quais são, contudo, * frequentemente utilizadas na enganosa dialéctica .dos agentes fomentadores daquela subversão.
Aguardo e confio.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Gazal Ribeiro: - Sr. Presidente: Neste último período legislativo da actual legislatura, última também, naturalmente, da minha breve e inexpressiva actuação como Deputado, hesitei longamente antes de usar da palavra nesta Assembleia, onde tanto aprendi e tão pouco produzi, sobre a matéria a que, afinal, adiante me referirei.
Não desejaria, com efeito, poder ser acusado de tirar conclusões precipitadas, nem, sobretudo, dar a impressão de que, por mim, quer como Deputado da Nação, quer como português atento e patriota, recusava o crédito pedido ao País pelo Sr. Presidente do Conselho, aquando da sua investidura, no dia 27 do passado mês de Setembro. Longe de mim tal ideia! Por todas as razões, o crédito pedido justifica-se amplamente, e, quando não bastassem as provas já dadas e as qualidades pessoais, humanas e de estadista do Prof. Marcelo Caetano, haveria o aval dado pelo supremo magistrado da, Nação, chamando-o à chefia do Governo. Quero aproveitar esta oportunidade para, publicamente, apresentar ao Sr. Presidente da República a mais calorosa homenagem, testemunhando-lhe a minha profunda e incondicional gratidão pela extraordinária clarividência e firmeza de que mais uma vez deu provas, na difícil e ingrata emergência que o País atravessou.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Aquele facto, porém, só por si bastaria para tornar b crédito pedido numa obrigação indiscutível para todos os portugueses que se prezam de o ser, sejam quais forem as suas tendências políticas. O que é necessário, para o efeito, é que todos mantenham no seu peito, bem arreigado, um indispensável e salutar portuguesismo.
Tenho lido e ouvido atentamente muito do que se tem escrito e dito, nestes últimos tempos, sobre o actual momento político - exactamente desde que a doença prostrou de forma fulminante e irreversível esse português admirável, esse estadista genial que foi o Presidenta Salazar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas nem a circunstância de ser indefectível admirador da sua obra me inibe de crer na capacidade e na isenção de quem aceitou a ingrata tarefa de o substituir, numa hora particularmente difícil e numa tarefa eriçada de dificuldades, nem a esperança, mais, a confiança que ponho no actual Chefe do Governo me fará jamais esquecer tudo quanto o País deve, em todos os sectores da vida pública, a quem, durante quatro décadas e através das maiores dificuldades e múltiplas vicissitudes, esteve sempre, atenta e genialmente, ao leme desta grande o gloriosa nau que é a Pátria Portuguesa!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E será talvez a altura de recordar, mais uma vez desta tribuna, a certas memórias menos fundadas e em breve síntese, o restauro financeiro efectuado; a recuperação da dignidade e do prestígio nacional, de há muito perdidos; o ressurgimento económico de um país pobre, embora rico de exemplos e de atitudes, mas onde tudo quanto por ele se faz requer trabalho intenso, tenacidade constante, serena análise das reacções encontradas e devotada e permanente atenção aos fenómenos produzidos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Parece tornar-se ainda indispensável, e infelizmente lembrar a alguns, a extraordinária percepção de um estadista que, contra- «ventos da história» que então sopravam fortes numa Europa hostil e à beira, do descalabro político, chamou a si a responsabilidade, numa hora de dúvida e de, receio, de alinhar com as forças de ordem contra o caos que caíra sobre a nobre nação vizinha, que se debatia numa sangrenta guerra civil, desencadeada pelo comunismo internacional e com a conivência criminosa de algumas nações ocidentais.
Combatia-se ali não por uma civilização em perigo, mas pela civilização de, que fomos pioneiros no Mundo, e se encontrava agonizante.
Portugal inteiro tem de recordar de joelhos a heróica atitude de Salazar, cheia de serena firmeza e lucidez inigualável, assumida perante o conflito mundial de 1939-1945, que abalou a Humanidade, não se deixando arrastar pelos cânticos de uma vitória que parecia iminente, nem mais tarde, pela reviravolta que o tempo e os deuses da guerra operaram quase miraculosamente.
Sem trair nunca compromissos assumidos, quando ainda se podia acreditar na palavra dos estadistas das grandes potências mundiais e na dignidade de certas nações, Portugal foi o vencedor incontestável dessa terrível provação que abalou o Mundo, sem sacrificar pelo interesse de terceiros, nem a sua juventude, nem a sua economia laboriosamente reorganizada.
E a gratidão que na altura, até no campo internacional, muitos demonstraram, foi bem a consagração do acerto de uma política genialmente conduzida e que bem pode afirmar-se ter constituído a pedra de toque da política peninsular seguida na emergência. Sem Salazar, o que se teria passado?
Ninguém deve esquecer, e muito menos ignorar, a extraordinária firmeza e a lucidez com que se governou, num pós-guerra explosivo, em que se sucediam golpes e contragolpes, numa guerra de nervos arrasante e que, por mais de uma vez, abalou as potências vencedoras, colocando-as à beira- de nova e catastrófica conflagração mundial. O prestígio alcançado por Portugal impunha-o ao Mundo, e a sua moeda era das mais fortes e das mais estáveis no campo económico e financeiro internacional.
Nem o poder do dólar, nem a força das doutrinas vindas do Leste, tinham conseguido abalar a posição deste país, que, na Europa e no Mundo, continuava a dar um salutar exemplo de unidade e constância política, que, não esquecendo um passado de mais de oito séculos, nos permitia enfrentar confiantemente o presente, trabalhando para o futuro.
E os acontecimentos vieram sempre a dar razão e clarividência da política externa seguida por esse homem admirável, que, na história do Mundo, e em pleno século XX, soube tomar uma posição que se sobrepôs àqueles que, governando impérios, embora episodicamente vencedores, haviam de vir a destruir-se, quase que completamente, nos escolhos por eles criados e colocados na rota que inevitavelmente haviam de trilhar.
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É certo que internamente, se geraram entretanto opiniões e tendências diversas, baseadas todas elas na liberalização que parecia radicar-se nos espíritos, por esse mundo além, e a personalidade inconfundível do Presidente Salazar sofreu algumas contestações, sempre, aliás, prontamente desmentidas pelos próprios acontecimentos, previstos, genialmente, pelo então Chefe do Governo, que venceu sempre todas as crises internas - se crises se lhe- podem chamar - com o mesmo estoicismo com que venceu; agora, a própria morte!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mus o tempo passou, e novas tempestades surgiram no horizonte, cada vez mais fortes e que tudo pareciam subverter. Perante a sua simples ameaça, o mundo tudo esquecia, abdicando do quanto lho dera luz civilização, fé, dignidade, direitos -, e o próprio respeito que a si deviam algumas potências que tinham sido pioneiras do progresso alcançado, ou, pelo monos, tinham contribuído como suas construtoras indiscutíveis. Mas o Presidente Salazar, dignamente, inconfundivelmente, soube sempre prever e vencer também essas crises cada vez mais frequentes e mais assustadoras, não ignorando nem as suas origens, nem os seus objectivos destruidores. Sempre vitoriosamente as enfrentou e dominou.
E se não pôde obstar - porque fomos covardemente abandonados - a usurpação do Estado da índia, ocupado pela força bruta e perdido pela covardia de falsos amigos, pôde salvar, forem, as nossas províncias africanas, ignominiosamente atacadas, mas valorosa e patriòticamente defendidas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E assim se mantiveram fiéis à, Mãe-Pátria esses vastos territórios -ensopados pelo suor do génio colonizador das nossas gentes de outrora e conservados com o sacrifício daqueles que, nos nossos dias, o souberam defender, tingindo com o seu sangue tudo quanto as forças do mal pretenderam destruir. Entre os escombros ficaram os mortos, e desses escombros ressurgiu uma nova vida, imposta por aqueles que intransigentemente ali decidiram ficar.
Vozes: - Mito bem!
O Orador: - Não pretendo, neste momento, evocar o que tem sido esta moderna epopeia escrita pelas nossas forças armada;, nem falar do generoso sacrifício da nossa juventude, que, tão longe, defende, e tantas vezes morre, pela continuidade da Pátria. Mas em tudo esteve presente a mão, a inteligência e a obstinada vontade do Presidente Salazar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não quero tão-pouco alongar-me em considerações que já fortim aqui lapidarmente referidas pelo ilustre Deputado Doutor Paulo Rodrigues, devotado e honrado colaborador dos últimos seis anos de governo do Doutor Salazar, t que com ele viveu, intensamente, os últimos tempos da sua extraordinária actividade política, toda ela entregue a bem servir a Pátria, que foi seu berço.
A história está ainda por fazer, mas o Presidente Salazar de há muito que entrou nela por direito próprio. Senão, os que viverem o saberão reconhecer. Muitos, e no número dos quais, me incluo orgulhosamente, não tem sobre isso a menor dúvida!
Mas a pessoa de Salazar estará perdida para a política, e haverá apenas que recordá-lo e seguir quem quiser continuar a sua obra, ajustando-a, defendendo-a, prosseguindo-a, da forma mais útil e construtiva.
Ajustando-a no momento político que inevitavelmente se está seguindo ao seu desaparecimento da vida pública; defendendo-a daqueles que apenas aguardavam a sua substituição para a destruírem, fazendo cair Portugal donde- precisamente o ergueu o seu génio político; continuando-a, finalmente, come o impõe o nosso desejo de sobrevivermos como nação livre, orgulhosa de um passado, consciente do presente e confiante no futuro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas a hesitação a que me referi no início destas descoloridas- palavras, que já vão longas, e que resistiu ao desejo freneticamente apregoado do se contestar, de se fazerem aberturas, de se liberalizar o do arejar, começou a vacilar perante alguns ataques injustos, insinuações inconvenientes, cavilosamente enunciadas, quer vindas do Nordeste Transmontano, quer glosadas por certos elementos sedentos de uma liberdade usada muitas vezes apenas para fins de destruição de uma unidade indispensável. Somos um país em guerra, embora a muitos convenha ignorá-lo para maior facilidade nos seus manejos e nas suas ambições!
O Sr. Virgílio Cruz: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Virgílio Cruz: - Na intervenção do V. Ex.ª é referido o Nordeste Transmontano. Como sou transmontano, gostaria que, para esclarecimento, V. Ex.ª precisasse melhor essa alusão.
O Orador: - Falo no Nordeste Transmontano porque alguém dessa região fez afirmações claras que não achei bem. O que digo suponho que é o bastante, não valendo por isso a pena dizer de quem se trata.
Reforçou-se em mim a opinião dos que querem, sem discussão, que prevaleça o bom senso em qualquer eventual renovação dos quadros, mas renovação ordenada, sensata e objectiva; quanto mais não seja, por um sentimento de autodefesa, denominador comum do todos os portugueses conscientes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E foi assim que no meu espírito se robusteceu a ideia do pronunciar algumas palavras a propósito de uma frase dita e glosada há dias, aquando de um banquete realizado em Lisboa, em homenagem a uma, ilustre autoridade administrativa, de um dos mais belos e progressivos distritos desta terra que a todos se impõe defender.
«Política do alvorecer!», disse-se embora com dificuldade se perceba exactamente o sentido do termo!
O alvorecer sucedo à noite, e para além das trevas um que vivem aqueles que não querem ver, não percebo a que quiseram referir-se os oradores que usaram a expressão como leit-motiv dos seus discursos.
Será que até há dois meses atrás se viveu na escuridão? Será que só depois de 27 de Setembro passado se vislumbrou a claridade que é a continuação da própria Pátria? Será que os quarenta imos de uma política
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eminentemente nacional de nada valeu, ou a memória de certos indivíduos esteve adormecida durante tanto tempo?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pareceu-se de mais a amnésia de alguns, ou a má fé de outros; e, nesta Sala, como Deputado, e no dia a dia, como homem da rua, mas sempre, enquanto Deus me der vida e saúde, em qualquer parte, protestarei veementemente, preocupada e indignadamente, contra aqueles que pretendem lançar poeira nos olhos do bom povo da nossa terra, com fins inconfessáveis de denegrir toda uma obra, que para engrandecimento da Pátria foi erguida, e jamais se poderá consentir ver destruída, ou sequer contestada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - «Todos não somos de mais para continuar Portugal», disse-o Salazar, e, nobremente, honradamente, o reafirmou - sem enjeitar os direitos de autor - Marcelo Caetano, quando, em 27 de Setembro, o substituiu na chefia do Governo, prestando assim pública homenagem ao seu ilustre antecessor, homem justo, patriota e isento, como ele próprio é, sem dúvida alguma.
O Prof. Marcelo Caetano, com a sua personalidade forte, a sua sensibilidade política e a sua gratidão de português, e dos melhores, quis, perante o País e perante o Mundo, manifestar a sua- adesão - já conhecida - aos princípios fundamentais do Regime, que, aliás, sempre serviu devotada e pátrioticamente.
Porque pretendem agora alguns elementos indesejáveis tentar abrir uma brecha, e que cedo pode transformar-se num verdadeiro fosso, entre dois estadista, que, embora com concepções próprias de governar, durante tanto tempo colaboraram, contribuindo para a grandeza de Portugal eterno, e redimido pela revolução de 28 de Maio?
Porque se pretende dar a impressão de que se está operando uma viragem, que, no espírito de alguns, apenas visa criar uma solução de continuidade no regime que o Presidente Salazar incarna e o Prof. Marcelo Caetano anunciou desejar continuar, para bem de todos nós? Será que duas personalidades distintas não poderão dar sequência a uma acção governativa,, tornando-a igualmente eficaz e construtiva? Não creio, e comigo não o crêem milhões de portugueses.
Sr. Presidente: Vou terminar, mas não desejo fazê-lo, porém, sem afirmar solenemente que, sem saudosismos políticos doentios, antes pelo contrário, dentro da realidade, mas firmemente, lutarei com toda a minha alma, com toda a minha fé, nesta Casa, repito, enquanto for Deputado, e em qualquer circunstância, enquanto tiver forças, por uma política esclarecida, verdadeira, construtiva, e que, não esquecendo o exemplo ímpar de um passado recente, sirva o futuro de Portugal uno e indivisível.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E como eu, pode V. Ex.ª estar certo, pensa a grande maioria dos portugueses de aquém e de além-mar, brancos, pretos, mestiços, mas todos, e acima de tudo, verdadeiramente portugueses.
Como eu pensa ainda toda essa juventude heróica que em África, em três frentes, oferece, em holocausto u Pátria, a sua generosa vontade de vencer uma guerra que nos foi imposta, dando por vezes, e com a maior nobreza, a sua própria vida.
Só peço a Deus que na retaguarda não se permita a sabotagem de uma vitória que será nossa e de que não se duvida. Cuidado, porém, quando, sob o signo de uma hipotética união, se pretenda transigir! Isto sim, quando a unidade for pré-fabricada, poderá estar em perigo até o conceito do Presidente Salazar, e que o Presidente Marcelo Caetano há dias repetiu, de que «todos não seremos de mais para continuar Portugal» ...
Srs. Deputados: Não nos deixemos iludir e, embora respeitando a opinião de cada um, quando for expressa com boa fé, saibamos resistir aos demagogos, aos falsos profetas, aos reformadores feitos à pressa, aos progressistas, aos timoratos, aos ambiciosos, àqueles que querem, em suma, negar o passado, gozar o presente e preparar o seu futuro!
Unamo-nos em torno do venerando Chefe do Estado, esse português admirável, esse homem bom, justo, exemplo de civismo, de serena e firmo reflexão, e de sábia e sã determinação de levar a bom termo, e em toda a sua extensão, o mandato que o País, em boa hora, lhe confiou.
Juntos, à sua volta, apoiaremos quem S. Ex.ª escolheu para prosseguir pelos caminhos que tornaram. Portugal, através das suas virtudes, exemplo ímpar neste Mundo em derrocada, e onde a descrença atingiu já as bases de uma civilização que todos supunham indestrutível!
Sr. Presidente: Creio e confio nos destinos da nossa pátria e nos homens a quem foi dada a suprema honra de a servirem no mais alto nível. Quero também acreditar em alguns outros, que só por desorientação ou «zelo excessivo» poderão actuar cegamente, esquecendo, porém, que a melhor forma de colaborarem não será nunca destruir o que está feito. Quando se deita um edifício abaixo há que saber primeiro como reconstruí-lo depois!
Passada, porém, esta euforia de renovação, e adaptado o Regime a uma nova concepção governativa, quero crer que todos nos uniremos para continuar Portugal: os que se mantiveram firmemente fiéis aos princípios que o próprio Chefe do Governo perfilhou, desde o início, e aqueles que pecam, principalmente ... por excesso de velocidade. Só assim poderemos ser «dignos dos nossos mortos», slogan que uso constantemente, talvez porque entre eles se encontra, a par de tantos bons e generosos jovens, o meu filho mais velho, caído pela Pátria, no Norte de Angola, e eu desejar tanto, e em tudo, ser digno do seu exemplo ...
Sirvamos todos Portugal, mas percorrendo caminhos que não se afastem do mesmo objectivo: actualizar as estruturas da Revolução Nacional sem atingir os seus alicerces nem minimizar os seus obreiros.
Assim entender-nos-emos; assim, por certo, triunfaremos. De contrário, correremos o risco de arrasar quarenta anos de esforço, de paz, de progresso e de êxitos. E o País ficaria irremediavelmente mais pobre, e, dividido, caminharia para a sua autodestruição, tão temerosa como aquela que há dias o Sumo Pontífice denunciou e que constitui o maior perigo que ameaça a igreja católica.
Saibamos, na adversidade, ser dignos de nós próprios, e Deus também nos ajudará!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Albino dos Reis: - Sr. Presidente: V. Ex.ª dá-me a palavra?
O Sr. Presidente: - V. Ex.ª pede a palavra para explicações?
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O Sr. Albiro dos Reis: - É para uma breve referência ao discurso que o ilustre Deputado Sr. Cassai Ribeiro acaba de fazer.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Albino dos Reis: - Sr. Presidente: Ouvi com a maior atenção o discurso do Sr. Deputado Casal Ribeiro. Estou inteiramente de acordo com ele nas palavras que proferiu em ralação ao Sr. Presidente Salazar. Absolutamente de acordo. Desgostou-me apenas uma referência ao Nordeste Transmontano.
O Sr. Virgílio Cruz: - Muito bem!
O Orador: - Eu não sou do Nordeste Transmontano. Quero, todavia, afirmar que não mo desdouraria de a elo pertencer, de ser conterrâneo da pessoa que proferiu uma expressão - «primavera política» -, que, pelos vistos, foi tão incendiária.
O Sr. Gazal Ribeiro: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Desculpe V. Ex.ª mas não dou licença. Uma vez que essa pessoa não está aqui presente, quero afirmar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e à Assembleia a minha maior consideração, não pela honorabilidade pessoal dessa pessoa, que não precisa do meu testemunho, mas pela sua honorabilidade política, incapaz de trair o Regime que serve. Conheço os seus princípios políticos, que são diferentes dos meus. Com uma idade que já; não é muito curta tem continuado fiel a esses princípios e estou convencido que, na sua acção prática, a eles continuará fiel. O pensamento traduzido na expressão «primavera política» não pode ter o sentido pejorativo de destruir a obra política deixada por Salazar.
Pedi a palavra, Sr. Presidente, porque me pareceu do meu dever nesta Câmara não deixar de marcar uma atitude de defesa em relação à pessoa visada no discurso do Sr. Deputa do Cazal Ribeiro.
Tenho dito.
O Sr. Cazal Ribeiro: - Permita V. Ex.ª, Sr. Presidente, que esclareça a Assembleia de que não fiz referência à pessoa que pi enunciou a expressão «primavera política», mas sim ao Sr. Engenheiro Camilo de Mendonça, que falou lamentavelmente do Regime, no discurso que pronunciou na transmissão de poderes do Sr. Governador Civil de Bragança. Espero ter esclarecido o Sr. Deputado Albino dos lieis, por quem tenho a maior consideração, mas que se enganou.
O Sr. Albino dos Reis: - Ainda bem que mo enganei.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Aníbal Correia.
O Sr. Aníbal Correia: - Sr. Presidente: Antes de terminarem os trabalhos desta Assembleia no ano que está a decorrer de 1968, e aproveitando a quadra do Natal que se aproxima, desejaria também dizer uma palavra sobre as manifestações estudantis que se têm verificado.
Tenho lido atentamente as notícias vindas do estrangeiro, que nos relatam as atitudes maléficas e destruidoras levadas; a cabo nas Universidades de países dos mais diversos sistemas sociais, com maior evidência na França e na Itália, onde as consequências foram trágicas e de tal modo devastadoras que causaram perdas irreparáveis e até abalaram profundamente o erário público e a própria cotação da moeda desses Estados.
Mas é de concluir que a ordem do comando internacional comunista a que obedecem era precisamente a de provocar o pânico, causar embaraços à governação pública, arrastar as massas populares para a greve, lançar os países na confusão, sem o menor respeito pela dignidade humana e pela sua própria pátria.
E o movimento estava de tal modo combinado que já no mês de Agosto último alguns estrangeiros que por cá passaram afirmavam que o mesmo estava previsto para Portugal no mês de Dezembro corrente, o que chegou a vislumbrar-se.
Continuamos a não admitir que os jovens estudantes possam interferir ou menosprezar o nosso sistema governativo, que tão superiormente tem sabido defender e proporcionar aos Portugueses, e de modo especial aos estudantes, a paz o progresso e o bem-estar que todos usufruímos.
Com o pretexto do uma cantina deficitária, cuja solução já havia sido prometida e até iniciada, pretendia a Associação do Instituto Superior Técnico arrastar consigo as outras associações e os estudantes de todas as Faculdades para manifestações despropositadas de desagrado contra os seus directores e contra o próprio Governo, à semelhança do que acontecera noutros países.
Mas a nossa confiança no Chefe do Estado e no Presidente do Conselho e seu Governo é de tal modo ilimitada, pelas provas que nos deram já de grandes portugueses que são. que os estudantes não podem de modo algum alterar a ordem e a tranquilidade a que estamos habituados.
Como é do nosso conhecimento, apenas uma reduzida minoria estudantil, previamente preparada e instruída para o efeito, pretendia levar t por diante a agitação da classe e a consequente alteração da ordem pública, mas , tal não podia acontecer, até porque a grande maioria dos estudantes universitários é sensata, bem intencionada e alérgica a tais manifestações degradantes, e, como tal, continuaram a sua vida normal de estudo, sendo de salientar a Faculdade de Direito, onde a frequência diária nas aulas tem sido superior àquela que se verificava anteriormente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tal como disse o episcopado português na sua última pastoral, publicada em 15 de Dezembro corrente: «Não basta proclamar os direitos fundamentais da pessoa humana, nem tão-pouco defendê-los em abstracto. Importa, sim, assegurar as condições necessárias ao- seu â concreto e normal exercício por todos os homens.»
Aos estudantes portugueses podemos dizer também que os seus direitos têm sido reconhecidos, quando as condições necessárias ao seu exercício se podem assegurar, e que vivemos os seus problemas e defenderemos os seus legítimos interesses sempre que sejam apresentados com justiça e dignidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O Governo da Nação, ao construir as modelares cidades universitárias portuguesas, com as suas magníficas bibliotecas, salas de convívio, cantinas e campos de jogos desportivos, proporcionou aos estudantes as melhores condições de trabalho para o seu desenvolvimento intelectual e físico que jamais haviam existido até então.
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E para que os seus estudos não fossem interrompidos com o serviço militar, como o eram no nosso tempo, teve ainda ;i especial deferência de lhes adiar a prestação desse serviço para o fim do curso, em relação àqueles que o conseguirem obter até ao limite do tempo que lhes foi fixado, e que é o de vinte, acrescido do número de anos lectivos do curso superior em que estiverem matriculados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Isto quer dizer que os estudantes, se o curso superior for de cinco ou seis anos, só começarão a prestar o serviço militar aos 25 ou 26 anos de idade, se tiverem um aproveitamento regular nos seus estudos, de modo a conclui-los com esta idade.
Mas se por qualquer razão não conseguirem aprovação nos seus exames ou perderem a frequência por forma A não poderem matricular-se no ano seguinte, e se já não lhes for possível completar o seu curso no prazo determinado por lei, serão imediatamente chamados a cumprir o seu dever militar, em virtude de não terem aproveitado como deviam o benefício excepcional do adiamento que lhes havia sido concedido, com a desvantagem de servirem em grau de patente inferior àquela que teriam se fossem diplomados.
E quando tal acontece é quase certa a desistência de prosseguirem mais tarde, e lá se foi o entusiasmo e a alegria que os pais haviam sonhado de verem os seus filhos com o grau de doutor ou de licenciado.
Por via de regra, o estudante irrequieto e agitador deixa de se preocupar com a obtenção do seu diploma e passa quase todo o tempo a provocar reuniões, a redigir e a espalhar panfletos, a pretender convencer os outros para o acompanharem no caminho tortuoso que resolveu seguir, sem o menor respeito ou consideração pelo grande sacrifício que muitos fazem em suas casas para poderem ter os filhos a estudar e pelo sacrifício daqueles seus colegas que lutam abnegadamente no ultramar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O Ministro da Defesa Nacional, distinto general e antigo Deputado desta Câmara, Horácio de Sá Viana Rebelo, continua «empenhar-se por enriquecer as suas forças armadas, que tanta valentia e nobreza têm demonstrado na guerra de Portugal em África, com valores de elevada cultura, como o são os que nelas servem com cursos superiores; mas sentiria por certo um profundo desgosto se os estudantes, por culpa sua, tiverem de as servir mais cedo do que era de esperar.
Ao verificarmos o que se tem passado na grande nação que é a França, onde o Governo teve de conferir às autoridades universitárias plenos poderes para expulsar, suspender ou proibir de fazer exame durante alguns anos qualquer estudante, ao mesmo tempo que admitem a possibilidade de encerramento dos estabelecimentos de ensino em que se verifiquem distúrbios, e isto como solução rápida dos problemas criados por alguns agitadores, e se atentarmos devidamente que a perda de um nu dois anos escolares pode implicar o chamamento imediato às fileiras das forças armidas, com o incalculável prejuízo que daí resulta para todos, entendo não haver outra solução a tomar que não seja a de os estudantes transviados retomarem o caminho direito que perderam e que os há-de levar ao bom termo do seu curso, pois só assim poderão ser considerados os verdadeiros homens de amanhã, em quem se possa confiar o futuro de Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Falo-lhes assim deste lugar, como Deputado da Nação o também como pai de dois estudantes universitários que não alinharam com os agitadores c que se mantêm calmos e confiantes na acção do Governo, e devo ainda dizer que o ambiente familiar em que os pais viverem tem uma influência primordial na conduta dos seus filhos nas escolas, e, por isso, é dever de todos nós demonstrar-lhes por todos os meios ao nosso alcance que a atitude errada que porventura queiram seguir os poderá levar a precipício, causando prejuízos e danos irreparáveis para eles e para a própria Nação, a que todos nos orgulhamos de pertencer.
Aproxima-se o dia 1 de Janeiro de 1969, que foi escolhido por S. S. o Papa Paulo VI para ser consagrado à paz no Mundo, em que todos os homens, sejam ou não religiosos, se sintam na obrigação de o considerar como o da concórdia entre os povos.
E agora que está chegada a quadra do Natal é momento azado para os estudantes reconsiderarem e conversarem com seus pais e demais familiares, à lareira ou fora dela, sobre as dúvidas que possam ter nos seus assuntos escolares, nos deveres que a condição de estudante lhes impõe, nos direitos »». que se arrogam, e também nos grandes benefícios que lhes têm sido conferidos pelo Governo da Nação, na certeza em que ficamos de que da compreensão mútua de todos há-de resultar o seu bom entendimento e uma entrada no novo ano de 1969 com a felicidade própria de quem cumpre o seu dever para com a família e com a Nação a que pertencem.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Albano de Magalhães: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No início da presente sessão legislativa viu esta Assembleia comparecer nela, no uso de uma prerrogativa constitucional, o actual Chefe do Governo.
Mais que oportuna essa presença, ela foi afinal a confirmação, perante o órgão de soberania mais representativo da Nação, de que o Governo, ao dizer-se constituído agora por homens comuns, buscava esse qualificativo no desejo de preencher a sua governação, com o conhecimento pleno, directo e perfeito dos anseios e preocupações nacionais.
E se até aqui o Deputado devia, por imperioso dever do exercício do seu mandato, dar a conhecer ao Governo os problemas mais prementes da vida nacional, certo e confiante jia sua regular ou genial resolução, compete-lhe agora, na continuidade da linha traçada, observá-lo e auscultá-lo atentamente, censurando-o, sempre que a demora ou insuficiência da solução não se coadune com a necessidade ou a conveniência do interesse nacional.
Quero assim dizer que a intervenção do Deputado, para além de útil, deverá ser profícua.
E esta proficuidade só será atingida quando o Governo demonstrar na prática que ouviu e atendeu com a prontidão necessária o clamor nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Habituado a respeitar o Poder, mas a não o temer, educado nos princípios que a tradição histórica nos legou, e que em mais de oito séculos de vida, vivida e experimentada, nos colocou com justiça e orgulho nos lugares cimeiros das nações mais antigas, maiores e melhores do mundo de hoje, sinto o prazer de, serenamente, poder afirmar que esses princípios, para alguns tão velhos
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e ultrapassados, são, afinal, os mais novos e adequados à sensata realização dos problemas hodiernos.
O respeito, devido à Nação Portuguesa reside na lúcida percepção destes princípios, e assim se compreende que, como nação forte o consciente, ela resista e se adapte às hesitações de um mundo conturbado que pretende impor-se pela .quantidade, através da voz das nações recém-criadas nascidas de partos prematuros, intencionalmente provocados ou consentidos pelas grandes potências mundiais.
À luz destes princípios, e ria sequência do plano preconizado, irei ocupar o tempo da presente sessão legislativa manifestando ao Governo o desejo sincero de sempre apoiá-lo.
E a sinceridade deste apoio, numa permanente e atenta observação da vida pública, será sempre aferida e determinada pela conjugação de dois factores - possibilidade de actuação governativa para uma pronta e, pelo menos, melhor satisfarão do interesso nacional.
Sr. Presidente: Em 22 de Março de 1967 requeri, nesta Assembleia, que me fossem fornecidos, pelos Ministérios da Economia, ias Finanças e do Exército, certos elementos relativos à montagem de veículos automóveis em Portugal.
Os esclarecimentos solicitados visavam assuntos de urgente e indiscutível interesse nacional.
Com prontidão e precisão logo os recebi do Ministério do Exército.
Pacientemente, esperei que, pelos Ministérios da Economia e das finanças, me fossem fornecidos os restantes.
Ao atingir-se um ano de paciente e quase indesculpável espera, continuei sem quaisquer elementos.
E, na iminência do encerramento da III Sessão Legislativa, usei da palavra, fazendo aqui sentir os perigos e prejuízos resultantes do condicionalismo legal em vigor.
Neste apontamento, haverá apenas que recordá-los, resumidamente.
As principais linhas de montagem têm, quase todas elas, representação maioritária de capitais estrangeiros, ou, pelo menos, mercê das circunstâncias, estão subordinadas à sua férrea orientação.
O diploma legal que tornou obrigatória a montagem de veículos automóveis no nosso país foi determinado pela conveniência de fazer reduzir substancialmente a saída de divisas, já que a importação de veículos era «responsável por uma das mais fortes parcelas de desequilíbrio da balança comercial portuguesa».
Regulamentada a lei base, logo as linhas de montagem estudaram, compreensivelmente, a forma de contornarem os obstáculos legais, para, de uma forma indirecta, importarem as peças dos países de origem.
As indústrias nacionais de peças e acessórios de automóveis passaram a viver dependentes dos critérios estudados pelas linhas de montagem, recorrendo estas àquelas só quando os demais elementos componentes do trabalho nacional incorporado não atingem o mínimo legal obrigatório.
E não estar do, nem podendo estar, no segredo da vida interna administrativa das linhas de montagem, os industriais de peça? e acessórios vivem numa permanente instabilidade e insegurança na produção, com todo o complexo de efeitos inerentes.
Na minha a intervenção de 6 de Março deste ano referi pormenorizadamente todo o mecanismo usado pelas linhas de montagem e os efeitos perniciosos dele resultantes, quer para a economia nacional, quer também para o erário público.
Neste momento apenas quero realçar este ponto: entro a data em que requeri os elementos aos Ministérios da Economia, das Finanças e do Exército e o dia de hoje já decorreram vinte e um meses.
A inoportunidade dos elementos solicitados, e não enviados até à data pelos Ministérios da Economia o das Finanças, é evidente.
O que é deplorável é que estes Ministérios, não podendo alegar que ignoram o que se passa, prossigam silenciosamente pela rota do desinteresse, ostensivamente demonstrado, perante a resolução de um assunto urgente que a economia nacional permanentemente reclama e que o fiel da nossa balança de pagamentos tanto necessitaria de ver acusar, para uma redução substancial do seu deficit.
Posso afirmar, com a certeza de pecar por defeito, que, pelo menos, nestes vinte e um meses de passividade, a economia nacional perdeu para cima de 200 000 contos, operando-se, simultaneamente e como consequência, uma saída de divisas de idêntico montante.
O condicionalismo legal vigente, adequado à produção destes resultados, é indiscutivelmente grave, não podendo certos sectores da vida nacional compreender ou aceitar por mais tempo este estado de adormecimento dos responsáveis.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Há dois assuntos para a ordem do dia de hoje. Um é constituído por reclamações contra a redacção do decreto desta Assembleia sobre a autorização das receitas e despesas para 1969. Se não houver nenhuma reclamação, considero a redacção da nossa Comissão de Legislação e Redacção como definitiva.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum de VV. Ex.ªs deseja deduzir qualquer reclamação, está convertida em definitiva a redacção dada pela Comissão de Legislação e Redacção ao referido decreto desta Assembleia.
A outra parte da ordem do dia é o início da discussão na generalidade da proposta de lei relativa ao recenseamento eleitoral.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Teixeira.
O Sr. Marques Teixeira: - Sr. Presidente: Quando subíamos a esta tribuna trazíamos no nosso espírito, e nele permanece e há-de manter-se, a recordação viva das palavras proferidas por V. Ex.ª aquando da abertura da actual sessão legislativa. Lembramo-nos bem: palavras carregadas de emoção, palavras. serenas de justiça, ressurnantes de sinceridade, de dignidade e de verdade, rogando vénia a V. Ex.ª para totalmente as fazer nossas, palavras evocativas da personalidade forte do homem genial, do estadista ímpar, do português exemplar, maior entre os maiores, a quem se deve a renascença da Pátria, o seu progresso, o seu prestígio, até a sua sobrevivência, consagrando-se verdadeiramente como um extraordinário construtor da história e que a história já de há muito imortalizou!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Salazar pautou, íntegra o honradamente, a sua vida pela vida da Nação, ambos se identificando pie-
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namente, e à sua impoluta e invulgar figura moral, espiritual e patriótica apôs um dia o Sumo Pontífice Pio XII a autoridade das suas palavras, contidas na seguinte legenda: «Portugal, graças a Salazar, representa hoje a pedagogia do que é essencial à vida.»
Sr. Presidente: Também não se desvanecerá com facilidade da nossa mente o eco das solenes palavras que pronunciou nesta Sala, a 27 do mês passado, o ilustre Presidente do Conselho, Sr. Prof. Doutor Marcelo Caetano. Do contexto da sua explícita, límpida, brilhante e judiciosa comunicação feita ao País emergem as coordenadas do pensamento e do largo e fecundo programa dê acção do Governo a que S. Exa., distinta e devotadamente, preside, com a admiração e a colaboração de todos os portugueses conscientes e de boa vontade e sob a égide do seu espírito clarividente, da sua fulgurante intelectualidade, do seu apurado civismo, da sua inflexibilidade moral e na clara irradiação das «largas possibilidades da sua inteligência e capacidade de trabalho, como da sua fé nos destinos da Revolução Nacional», segundo as próprias declarações outrora enunciadas pelo Presidente Salazar. E também, Sr. Presidente, sob a nossa condição de homem da rua, não podemos escusar, nem mesmo obliterar, a gratidão mais sentida e profunda devida ao eminente, venerando e venerado Chefe do Estado, que da mesma sorte é chefe e guia da nossa razão e da nossa sensibilidade, pelas lições de dignidade rara e altura moral que se desprendem da grandeza e excelsitude com que exerce as elevadas e complexas funções que a Nação, avisada e certeiramente, confiara ao seu requintado espírito de grande português e ardente patriota, rico de muitos dons e de singulares virtudes. Chefe do Estado e Chefe da Nação - da Nação que o admira, o sente, o segue e o ama -, ambos mútua e indissoluvelmente compreensivos e unidos, agora e sempre e ontem quando, na trajectória da nossa vida política e nacional, se encrespou em muitos espíritos um surto impressionante de naturais ansiedades è de dúvidas inquietantes, acalmadas, alfim, pela reflexão e pela resolução, verdadeiramente inspiradas, do Sr. Presidente da República, em consonância, como se viu, com a reverificada maturidade política e consciência cívica do nosso bom povo: «o povo que faz, enriquece, dignifica e defende as nações, ele que as engrandece na paz e glorifica na guerra e sem o qual não há nacionalidades independentes e livres».
Grande e superior o nosso respeitado e muito querido Chefe do Estado, mas também consciente e digna a grei lusíada, Sr. Presidente, que soube reagir, com seriedade e com nobreza, quando foram postos à prova, e mais uma vez, as suas qualidades cívicas, o seu tono político, a - dignidade inerente à sua condição de nacional, a firmeza da sua devoção e o fervor do seu culto aos sagrados interesses da Pátria!
Por nosso turno apenas queremos registar, e igualmente sublinhar, a transcendência de uma relevante efeméride política e nacional, pois que o foi no transcurso da história do Regime e do da vida do País.
Sr. Presidente: Eis porque, atentos e sensíveis à acção do Governo, como intérprete da essência do espírito, da verdade da doutrina, garante da ética da Revolução Nacional e instrumento do progresso moral e material do País, todos os portugueses bem nascidos devem manter-se impregnados na noção clara da acuidada do momento histórico que vivemos, tudo fazendo, colaborando, e nada por nada regateando para salvaguarda do presente e segurança e continuidade do futuro da Pátria - na ordem, no bem, na liberdade, na paz, na honra e na justiça.
Adentro do condicionalismo, tão confuso e tão conturbado, do panorama internacional, nesta hora ameaçadora da Nação, com os direitos que nos assistem, pelos deveres que nos incumbem e não menos pela grande afeição que votamos, sem afrouxamento, à causa sacrossanta da Pátria, ela pode contar connosco e tem jus a exigir tudo de nós, desembaraçados e firmes na consolidação da frente interna, fisicamente presentes em África, se for preciso, mas ao menos solidários e coesos na defesa intransigente das linhas da retaguarda e com ânimo, com determinação, com confiança, com fé e com coragem! Pois que cada um. se determine e se conduza pelos ditames da sua consciência e ao nível da sua mais alta expressão - o sentimento moral e cívico.
Repito: sentimento moral e cívico - tal é, Sr. Presidente, o verdadeiro norte a bussular a gama imensa de todas as actividades que sejamos chamados a desempenhar e que deverá ser também a divisa, divisa autêntica pela qual não deve deixar de pautar-se o comportamento de quem possa arrogar-se o privilégio de ser portador das credenciais de votante. E assimnos exprimimos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, na antecipação imediata da alusão e apreciação da proposta de lei eleitoral que tem a chancela do Sr. Ministro do Interior, ao qual tributamos os protestos da nossa elevada consideração, encarecendo, como é de justiça, a oportunidade da sua feliz iniciativa. Sentimos grande mágoa de, por virtude de razões que nos ultrapassam, estarmos privados de fazer quaisquer referências ao parecer da Câmara Corporativa, que é decerto notável, não só por emanar daquele alto órgão consultivo, credor dos mais assinalados préstimos dispensados à causa da administração pública, mas também mercê da especial qualificação do seu ilustre relator, a quem gostosamente consagramos um testemunho de vivo apreço, que tem ainda o calor humano de uma longa - e sincera afectividade.
O importante diploma em discussão, se bem que sucinto no seu texto, é de larga projecção política. Apontando no seu conteúdo para o facto de serem eleitores «todos» os cidadãos portugueses nas condições nele referidas, pela vez primeira se alarga às mulheres o direito de eleger nas mesmas condições do dos homens. Deste modo se ampliam as faculdades eleitorais que já tinham sido consignadas às pessoas do sexo feminino nos anos de 1931 e de 1945, num caso, desde que se verificasse um certo grau de habilitações literárias, e, no outro, havendo assumido a condição de chefes de família, sendo curial ainda acentuar-se que o direito do voto as mulheres só foi assegurado após o movimento nacional de 28 de Maio de 1926.
Desta forma se, por um lado, a presente proposta de lei se baseia, como é óbvio, na consideração de que o Regime, mantendo, aliás, as traves mestras da sua intrínseca originalidade, mais se deve adaptar às várias exigências sócio-políticas dos tempos decorrentes, por outro lado encerra um acto de apreço e o reconhecimento dos ricos atributos da mulher portuguesa, quer pontificando na família como elo de uma cadeia eterna, quase se assemelhando a Deus porque faz obra divina, quer desvinculada dos laços conjugais, e, em qualquer caso, selo da homenagem prestada ao seu nível intelectual, à sua riqueza de alma, à viveza e ductilidade do seu espírito, à sua forte intuição com o poder de penetração notável pelas suas naturais qualidades de subtileza e de sagacidade, merecendo, por isso, ter uma audiência mais ampla na vida pública, a cuja eficiência e valorização é susceptível de trazer achegas preciosas.
Ao desbobinar e percorrer a história das nossas instituições não dizemos que estejamos autorizados a insinuar ser extensa a teoria das mulheres que desempenharam funções oficiais, mas a redução do seu número é contra-
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balançada pela opulência dos méritos revelados e grandeza da obra realizada. E bem se lhes adapta o conceito expresso pela requintada sensibilidade moral do fino espírito de Pinheiro Torres, devendo recordar-se que muitas delas estão efectivamente sagradas pelo heroísmo, dado que se sabe não haver apenas heroísmo guerreiro, mas também o heroísmo pacífico - e como são verdadeiramente heróicas, proclamamo-lo com indizível emoção, Sr. Presidenta e Srs. Deputados, as mães, as irmãs, as noivas, dos nossos bravos soldados do ultramar, curtindo resignadamente saudades sem fim. suportando com galhardia a cruz do sofrimento, robustecendo o seu espírito e fortalecendo estòicamente a sua alma por amor à Pátria, ante as cruéis arremetidas de uma atro amargura resultante de largas separações e até do apartamento definitivo dos seus entes mais queridos! -, o heroísmo pacífico, dizíamos, da mulher portuguesa, o seu esforço construtor e produtor, as suas energias fecundas, em variados planos de actividades físicas e intelectuais, engrandecendo a terra e valorizando a grei portuguesa!
Extensificando o direito de sufrágio, ampliando, garantindo e protegendo os direitos individuais de cidadania, caminha-se mais o mais, a passos largos, para a estruturação de um estatuto social e político com tendência progressiva pira a paridade, dos direitos o dos devores de ambos os sexos.
Sr. Presidente: Embora um tanto a deslado do preciso conteúdo desta proposta de lei, sentimo-nos tentados a evocar a alteração que o texto do próprio Código Civil trouxe a situação jurídica da mulher casada quanto ao domínio de certas incapacidades, cientes como estamos, consabido como é que, no ambiente do lar, a situação da mulher e a posição do homem não se revestem do um carácter de identidade, mas não ostentam o sinal da oposição, verdadeiramente assumindo, isso sim, uma feição de natureza complementar. Nesta conformidade, à luz da nossa civilização e pelo que diz respeito ao campo da ética e pelo que concerne ao primado da religião, vem-se afirmando, com acerto, e notoriamente se sabe. que, não obsiante a diferença natural quanto à posição dos dois sexos. ela absolutamente se compatibiliza em igual valor e na mesma medida de dignidade com referência ao homem e relativamente à mulher.
Anotando a limitação intransponível que fundamentadamente e in limine veta o exercício do direito do voto a quem se desqualifica e degrada na abominação e na torpeza de atitudes e de actos que envolvem a negação da Pátria, a proposta de lei em discussão contém ainda restrições que embora não tenham vasto campo de incidência, dado mais um extraordinário benefício que o Estado Novo, inicialmente através das mãos do Sr. Dr. Veiga de Macedo, concedeu ao País, por meio do substancial acréscimo da percentagem das pessoas alfabetizadas, são, porventura, demasiado drásticas nos seus efeitos e nas suas consequências. Queremos significar que só, em verdade, parece racional o lógico que aos que. não sabem ler nem escrever, em princípio, não seja reconhecido o direito eleitoral, pois não podemos obliterar o jeito de rigor da ideia socrática que se traduz na superioridade, genericamente verificada, do letrado sobre os analfabeto, o certo é que existem os conhecidos homens bons, apreciados valores sociais espalhados pela província fora, com manifesta preponderância e de reconhecida o acatada acção utilíssima nu vida local, na ambiência política dos meios em que vivem e nas populações de que são elementos integrantes e válidos, em relação aos quais, portanto, a, sua condição de analfabetos ao demais, o quantas vezes, sem culpa a ser-lhes razoavelmente imputada, não deverá arredá-los da situação em que se encontravam, nem privá-los, consequentemente, das regalias deferidas no enquadramento da velha lei eleitoral.
Não avançamos mais neste, terreno, porquanto cremos que no seguimento deste debate o problema em causa será focado e explicitado com largueza e pertinência de argumentos.
Sr. Presidente: No encadeamento da aparição de novas providências legislativas, a proposta de lei de que nos estamos ocupando, modestamente ocupando, sublinhe-se, enxerta-se na nossa demofilia como um reforço do alargamento e da solidez do estrutura política e cívica da comunidade nacional. Se a política, como afirma Jean Daniel ou, deve ter a preocupação de criar uma ordem onde o desenvolvimento da pessoa seja possível, realizando plenamente o seu destino, é também para nós axiomático que o exercício do direito do voto encerra a dignidade inerente à natureza das grandes determinações, dos sérios objectivos a prosseguir e é intrínseca de tudo quanto se reveste da maior responsabilidade.
Sr. Presidente: Com esta nota do realismo político dada pelo Governo, colocou-se também a mulher portuguesa em situação de exercitar, em plena liberdade do seu pensamento e da sua consciência, o direito de voto. Não temos dúvidas de que saberá estar à altura da plenitude da cidadania que lho vai ser outorgada, com base na utilização das chamadas liberdades instrumentais ao serviço daquelas outras denominadas de essenciais, cuja salvaguarda e cujo respeito o Regime tem assegurado. Pois, Sr. Presidente, damos a nossa concordância ao diploma que constitui a matéria de ordem do dia nesta sessão, e damo-la empolgados pela certeza, de que o coração, o espírito e a inteligência das mulheres da nossa terra, através da garantia do seu acesso às urnas, sempre votarão pela sublimidade do ideal supremo da Pátria pluricontinental e multirracial, una e livro.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão à hora regimental, tendo por ordem do dia a continuação da discussão na generalidade da. proposta, de lei sobre o recenseamento eleitoral e, sendo possível, a discussão também na especialidade.
Está encerrada, a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Cândido de Medeiros.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Francisco José Roseta Fino.
Gustavo Neto de Miranda.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Joaquim José Nunes do Oliveira.
José Coelho Jordão.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Tarujo de Almeida.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Raul Satúrio Pires.
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Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que foliaram à sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
André da Silva Campos Neves.
António dos Santos Martins Lima.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
D. Custódia Lopes.
Fernando de Matos.
Horácio Brás da Silva.
João Mendes da Costa Amaral.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Rocha Calhorda.
Manuel João Correia.
Manuel Lopes de Almeida.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Rafael Valadão dos Santos.
Rui Manuel da Silva Vieira.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
O REDACTOR - Luiz de Avillez.
Texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção
Decreto da Assembleia Nacional sobre a alteração à lei eleitoral
BASE I
São eleitores da Assembleia Nacional todos os cidadãos portugueses, maiores ou emancipados, que saibam ler e escrever português e não estejam abrangidos por qualquer das incapacidades previstas na lei; e os que, embora não saibam ler nem escrever português, tenham já sido alguma vez recenseados ao abrigo da Lei n.º 2015, de 28 de Maio de 1946, desde que satisfaçam aos requisitos nela fixados.
BASE II
Esta lei entra imediatamente em vigor.
Sala das Sessões da Comissão de Legislação e redacção da, Assembleia Nacional, 19 de Dezembro de 1968.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
António Magro Borges de Araújo.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Henrique Veiga de Macedo.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Jesus Santos.
José Soares da Fonseca.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA