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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 160
ANO DE 1969 10 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.° 160, EM 9 DE JANEIRO
Presidente: Ex.mo Sr. José Soares da Fonseca
Secretários: Ex.mos Srs.
Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 155.
Foram recebidos na Mesa, para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Decretos-Leis n.ºs 48 812, 48 813, 48 814, 48 820, 48 824 e 48 828.
O Sr. Deputado Armando Perdição requereu vários elementos a fornecer pelo Ministério da Economia.
O Sr. Deputado Lopes Frazão fez considerações sobre o recente ajustamento das ajudas de custo dos servidores do Estado.
O Sr. Deputado Peres Claro referiu-se à publicação do Decreto-Lei n.º 48 807, sobre melhorias concedidas ao pessoal docente e das secretarias do ensino técnico profissional.
O Sr. Deputado Albano de Magalhães tratou do problemas da siderurgia do Marão.
Ordem do dia. - Efectivação e discussão do aviso prévio do Sr. Deputado Manuel Nazaré sobre a difusão e defesa da língua portuguesa em Moçambique.
Com a palavra o Sr. Deputado avisante, requerendo a generalização do debate o Sr. Deputado Veiga de Macedo.
O Sr. Presidente deferiu aquele requerimento e convocou a Comissão de Educação Nacional a fim de se ocupar do aviso prévio dos Srs. Deputados José Alberto de Carvalho e Elísio Pimenta sobre a defesa da língua portuguesa.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correias.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Gareia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António José Braz Regueiro.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Moreira Longo.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando José Perdigão.
Artur Correia Barbosa.
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Artur Proença Duarte.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Monso de Melo Giraldes.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Francisco António da Silva.
Francisco José Cortes Simões.
Gabriel Maurício Teixeira.
Henrique Veiga de Macedo.
James Pinto Bull.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim Jos~e Nunes de Oliveira.
José Alberto de Carvalho.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José Pais Ribeiro.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
José Vicente de Abreu.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo augusto Coimbra.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves.
Sebastião Garcia Ramirez.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
O Sr. Presidente: - estão presentes 68 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa e já foi distribuído o Diário das Sessões n.º 135. Se não houver qualquer reclamação a fazer, considerá-lo-ei aprovado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está aprovado.
Estão na Mesa enviados pela Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Diário do Governo n.º 307 de 31 de Dezembro do ano findo, e o n.º 1, de 2 do corrente, que inserem os Decretos-Leis:
N.º 48 812, que determina que o Fundo de Socorro Social continue reger-se durante o ano de 1969, pelo regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 47 500;
N.º 48 813, que fixa as verbas anuais para o pessoal auxiliar das tesourarias da Fazenda Pública e as remunerações dos propostos dos tesoureiros de 3.ª classe no quinquénio de 1969 a 1973. Atribui a cada tesouraria e ao pessoal auxiliar das tesourarias da Fazenda Pública de 3.ª classe um complemento, que será utilizado até aos montantes correspondentes às unidades em serviço em 31 de Dezembro de 1968, e mantém as dotações estabelecidas pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 46 895 para remuneração do pessoal auxiliar das tesourarias da Fazenda Pública junto das Repartições Centrais de Finanças de Lisboa e Porto e ainda, no referido quinquénio o regime estabelecido pelo artigo único do Decreto-Lei n.º 44 191, respeitante à verba destinada a pessoal auxiliar da tesouraria da Fazenda Pública junto do Tribunal de 1.º Instância das Contribuições e Impostos do Porto e permite que sejam providos na classe correspondente ao concelho onde servem os propostos em serviço nas tesourarias cuja classe foi alterada pelo Decreto-Lei n.º 48 675;
N.º 48 814, que abre um crédito no Ministério das Finanças, a favor do Ministério do Ultramar, destinado a reforçar a verba inscrita no artigo 127.º, capítulo 18.º (III Plano de Fomento), do orçamento em vigor no segundo dos aludidos Ministérios;
N.º 48 820, que cria nos quadros de complemento da corporação dos sargentos da armada o posto de subsargento, que se situa na ordem decrescente de graduações, a seguir ao posto de segundo-sargento;
N.º 48 824, que reorganiza o Conselho Superior da Previdência e da Habitação Económica, integrado no Ministério das Corporações e Previdência Social pelo Decreto-Lei n.º 38 152 e revoga o Decreto-Lei n.º 43 183 e o Decreto n.º 45 734 e;
N.º 48 828, que permite ao Governo, através do secretário de Estado da Indústria impor na atribuição de concessões mineiras determinadas condições especiais, mesmo para além do âmbito da exploração de minas e dos anexos mineiros, e adita um novo número ao artigo 11.º do Código da Sisa o do Imposto sobre as Sucessões e Doações aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41 969.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado armando Perdigão.
O Sr. Armando Perdigão: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
Em aditamento ao meu último requerimento, de 19 de Dezembro de 1968, solicito que sejam fornecidos pelo Ministério da Economia os elementos seguintes:
1) Me sejam indicadas as quantidades de sementes de amendoim (ginguba e mancarra) importadas, bem como as de gergelim, em 1967 e 1968 e o seu rendimento em óleo
2)
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refinado comestível, indicando-se a origem dos produtos e respectivos preços;
2) As quantidades de óleo de amendoim e gergelim importadas nos mesmos anos com a indicação das origens;
3) Contingentes de sementes de amendoim (ginguba e mancarra) e de gergelim ou de óleos das mesmas sementes cuja importação esteja prevista ou já licenciada para 1969;
4) Qual a importância total cobrada ou a cobrar para o Fundo de abastecimento desde 1962 até ao presente, sobre as mesmas sementes ou óleos indicando-se as datas dos despachos ministeriais que estabeleceram os diferenciais a aplicar;
5) Qual o montante de divisas despendidas com a importação de sementes de oleaginosas nas campanhas de 1965-1966, 1966-1967 e 1967-1968;
6) Quais os encargos atingidos com as intervenções da Junta Nacional do Azeite em financiamento e compras de azeite à produção nas campanhas de 1965-1966, 1966-1967 e 1967-1968;
7) Se tais financiamentos e compras foram levados a efeito com recursos próprios da Junta Nacional do Azeite e do Fundo de Abastecimento, ou com recurso à banca. Neste último caso, quais as taxas e outros encargos cobrados em cada operação?
O Sr. Lopes Frazão: - Sr. Presidente e Srs. Deputados. Uso da palavra para apreciar o Decreto-Lei n.º 48 729, de 4 do mês de Dezembro e a Portarias n.º 23 745, da mesma data, ambos os diplomas referentes ao ajustamento das ajudas de custo dos servidores do Estado.
Não nos sentíamos bem em consciência no silêncio de uma medida há tanto tempo reclamada e em promessa tão incidente no viver de muitos serventuários do serviço público, e cuja concepção agora a lume, inteligente na verdade e até lógica no seu critério, nos causou, no entanto, a maior estranheza, pelo agravo que traz ao rédito da quase totalidade daqueles a quem se dirige, com a pretensão manifestada de ser extremamente benéfica.
Realmente não fazia sentido que ainda estivessem em vigoração uma lei e uma tabela com treze anos de vigência quando é certo que neste largo espaço de tempo se verificou um alteamentos exagerado do custo de vida, que ameaça não parar.
Impunha-se de facto e o Governo assim o entendeu e bem que as ajudas de custo fossem ajustadas, mas em marcado acrescento.
O boato posto a correr, não sabemos como e espalhado largamente, de que essa ajuda de vida viria com um aumento de 40 por cento era favor grande para os funcionários com direito à sua percepção; daí fazer-se muita conta, que ao fim e ao cabo se gorou caindo-se em desilusão sem conta!
Se isto não tivesse sido, certamente que daí resultava uma franca melhoria para as tarefas a realizar, por interesse maior pelo trabalho desenvolvido.
Mas tal não sucedeu, e, antes pelo contrário o acréscimo anunciado transformou-se para quase todos, num decréscimo pronunciado.
O aumento efectivamente concedido só aproveita aquele que, sendo os de menos, percebem ajudas de custo em permanência de acção fora da sua sede às vezes por muito alargado tempo.
Mesmo os funcionários com responsabilidade de chefia, obrigados a deslocações frequentes, mais ou menos demoradas pouco beneficiam - 4-5 por cento quando muito - do ajustamento ora considerado.
Todo o resto do pessoal que é o de mais e exactamente o de maior debilidade económica, para o qual conta a mais íntima magalha, sofre agora uma amputação séria na verba das suas ajudas que não erraremos mesmo nada se a estimarmos entre 15 a 20 por cento, e para cima.
E o pior é que dando-se ajuda maior aos menos fracos e menor aos mais débeis, isso traz um aumento de encargos para o orário público que não podemos avaliar por falta de elementos, mas não há-de ser muito pouco volumoso com a agravante em razão inversa do desinteresse pelo serviço.
A nós quer-nos parecer que melhor teria sido, a não se poder acrescentar a ajuda de custo por forma a merecer agrado, e ser de estimada, tudo ter ficado como estava.
A intensa vida de campo, com muitas madrugadas a pé na sujeição à dureza das intempéries ainda com todo um cortejo de despesas que lhe são inerentes, tudo isso não se compadece com a desajuda agora sofrida.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Esta nossa maneira de ver que por ser a de muitos, supomos acertada, leva-nos a apelar para o espírito esclarecido do S. Ex.ª o Sr. Ministro das Finanças que acaba de modo demonstrar com a sua urdida Lei de Meios, pedindo-lhe um reajustamento imediato, que se impõe, que mais não seja mantendo a percentagem de 50 por cento para as deslocações de mais de quatro até doze horas.
Mas, se isto não puder ser que se volte ao estabelecido antes do ajustamento, até estudo perfeito que sem muito peso no erário a todos agrade, e quando não, ao maior número.
Ficamos esperançados na muita vontade e alta compreensão do Sr. Ministro, determinado e para já o reajustamento que for tido por melhor.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Peres Claro: - Sr. Presidente: Por mais de uma vez ergui minha voz nesta Câmara para chamar a atenção do Governo para a situação dos mestres do ensino técnico profissional cujo vencimento estava muito abaixo do que seria justo atribuir a um técnico, demais com a delicada função de preparar as camadas de operários destinadas à cobertura industrial do País. Por mais de uma vez também me referi aqui a disparidades de tratamento de professores provisórios no ensino secundário e a outros aspectos que feriam o sentido de justiça e eram sem explicação dentro de um mesmo Ministério e em idênticas condições de serviço. E também algumas vezes apontei aqui os graves inconvenientes de um ensino técnico feito à base de professores e mestres provisórios.
Pois, por isso mesmo tenho hoje de vir aqui dizer que o Decreto-Lei n.º 48 807, publicado em 28 de Dezembro findo, acaba de dar satisfação à maioria dessas reclamações de que eu fora aqui apenas eco porque elas eram mal-estar generalizado. E ao referir-me a esse facto tenho de dirigir ao Sr. Ministro da Educação Nacional, cuja acção está a conquistar o muito apreço de todas as classes docentes o caloroso agradecimento dos professores e mestres do ensino técnico profissional, incluindo o dos professores licenciados efectivos que não tendo visto aumentados os seus vencimentos, estão, todavia confiantes em que não demorará a ser revista a sua situação.
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Agradecimento devido, porque foram os vencimentos dos mestres aumentados substancialmente, reduzindo-se apenas a três as suas categorias, sendo para cada uma delas o serviço docente obrigatório de trinta e duas horas, quando dantes era de trinta e seis ou de quarenta e duas e facultando-se-lhes horas extraordinárias, ou seja um aumento mensal de 1000$. Os professores contratados, de Educação Física passaram a efectivos, com a respectiva melhoria no vencimento. Foi criado em cada escola técnica um quadro de professores extraordinários, para aqueles que habilitados com o Exame de Estado, aguardam vaga de efectivos, com pagamento das férias grandes. Igualmente serão pagos nas férias grandes os professores habilitados com Exame de Estado ainda fora dos quadros, exercendo, portanto, como provisórios e aqueles que como provisórios, alcançaram já determinada categoria no ensino. Pois estes, os professores provisórios que, pelo seus anos de bom serviço, adquiriram a categoria de extraordinários, poderão ainda ser admitidos a Exame de Estado, com dispensa total do estágio pedagógico. Passaram a ter o mesmo vencimento os professores provisórios de liceus e escolas técnicas. E a completar naturalmente estas medidas de fomento docente, foram criados nada menos de 1142 lugares de professores e mestres, esforço enorme que diz bem do lúcido interesse que o ensino técnico profissional merece do actual titular da pasta da Educação Nacional. Esse esforço foi também feito no que respeita aos serviços administrativos das escolas, para os quais foram criados muitos lugares, melhorando-se também sensìvelmente a situação económica dos seus funcionários, com a subida automática de categoria.
Diz-se que o diploma a que acabo de me referir aguardava há anos, na gaveta, a oportunidade de ser publicado. Louve-se a boa intenção de quem lhe deu a primeira forma e a decisão de quem definitivamente, o redigiu e soube aproveitar sem demora e de frente a oportunidade surgida.
Sr. Presidente, é sempre delicado, quando se louva, reclamar depois, pelo jeito que isso leva de empenho metido. desvalorizando o louvor. Não é, pois, uma reclamação que faço, mas uma simples observação a cinco questões, que decerto estarão na mente dos responsáveis e cuja solução traria a completa satisfação de quantos servem o ensino técnico profissional.
A primeira diz respeito aos professores efectivos, a quem se exigiu um curso superior completo, dois anos de estágio, que só há alguns anos é recompensado monetariamente, e um Exame de Estado e depois, para muitos, um longo penar como provisórios, sem ganho nas férias, e que, por disposições legais recentes, viram ser admitidos, com as suas mesmas regalias, bacharéis e adjuntos, embora com estágio e Exame do Estado, mas de habilitação inferior, e agora só com Exame de Estado os provisórios licenciados com alguns anos de serviço.
A segunda questão surgiu agora com a atribuição de gratificação de chefia aos oficiais que dirigem as secretarias das escolas. Não bastava que fosse inferior à gratificação dos reitores dos liceus a gratificarão dos directores das escolas, para agora só atribuir a mesma gratificação a directores e a chefes de secretaria.
A outra questão surgiu também com o decreto a que tenho estado a referir-me, pela atribuição de vencimentos diferentes aos professores provisórios com habilitação académica completa ou incompleta, quer nos liceus, quer nas escolas técnicas. A medida é justa e salutar, pelo estímulo que dá a muitos de acabarem finalmente os cursos. O pior é que no ensino preparatório para o ensino secundário ganham o mesmo todos os provisórios, com qualquer habilitarão, e esse mesmo é igual ao que recebem os provisórios do ensino secundário com habilitação académica completa.
A quarta questão refere-se ao pessoal administrativo, que viu aumentados os seus vencimentos por subida automática de categoria, com excepção dos escriturários de 2.º classe, que não são assim tantos que não pudessem ter subido à 1.ª classe, sem grave dispêndio de dinheiros, reservando-se a 2.ª classe para os novos admitidos.
A última questão é a do pessoal menor, cujos vencimentos são de tal modo irrisórios que só de passagem se conseguem alguns homens e em definitivo só estropiados e doentes. Qualquer contínuo de empresa privada ganha de entrada o dobro de um contínuo das nossas escolas. Não preciso aqui de salientar o importante papel que podem desempenhar na formação dos alunos esses humildes servidores, pelo contacto diário que com eles mantêm, para que se compreenda e sinta o apelo veemente que aqui faço ao Sr. Ministro da Educação Nacional para que tome também a seu cuidado o estudo da melhoria de condições do pessoal menor, que só no vencimento é realmente menor.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Albano de Magalhães: - Sr. Presidente: A siderurgia do Marão produz - agora está parada - gusas da melhor qualidade.
Com elas se podem fundir peças e máquinas de segura exportação.
Quando começou a trabalhar, deu-se no mercado internacional uma queda brusca e inesperada dos preços das gusas, reduzindo-os a menos de metade da média dos dez anos anteriores.
Lá fora, o problema foi encarado.
Aqui, a siderurgia do Afarão exportou a baixos preços, pagando sempre o imposto de exportação.
A capacidade de fabrico de gusas no Marão é de um mínimo de 30 000 t por ano.
Mesmo sendo consumidas 20 000 t no mercado interno, elas dariam trabalho e pão a perto de mil famílias e contribuiriam, simultânea e sensivelmente, para a melhoria da nossa balança de pagamentos, tão ávida de exportação.
Isto, de resto, foi aqui dito há anos pelo ilustre Deputado Ulisses Cortês.
E eu agora apenas acrescentarei que dariam trabalho e pão se fossem pagas por um preço adequado e proporcional ao que pagamos pêlos aços graças a sucessivos e nem sempre compreensíveis proteccionismos.
Pergunto:
Por que razão esses proteccionismos só sucedem e mantêm e nem sequer se esclarece o País sobre as causas de diferente, comportamento em relação às gusas do Marão?
Aqui deixo lavrado o meu protesto cívico, o meu desconsolo, contra a injustiça do isento compreendimento siderúrgico do Marão, esquecido e desprezado em flagrante contraste com o que se fez e faz relativamente à siderurgia do Seixal.
Não acabarei sem dizer. Srs. Deputados, que em 27 de Abril de 1966 o Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos tomou a decisão de manter a siderurgia do Marão.
Não obstante a distância, da data em que foi proferida a decisão, ainda não foi executada.
Adianto, foi apenas dada um ajuda de 12 000 contos, que, em grande parte, foram consumidos na amortização de salários, ordenados em atraso e liquidação de dívidas ao fisco.
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Apesar de tudo isto, ainda foi possível a siderurgia do Marão produzir em gusas mais do que esse montante, todas, consumidas no mercado interno.
Dando o meu inteiro apoio ao requerimento há dias feito pelo ilustre Deputado Leonardo Coimbra, confio e espero que em assunto de tão evidentíssima urgência social a resposta não seja demorada.
A empresa do Marão não tem nem nível, nem carácter, nem tipo plutocráticos.
Isso explicará o que com ele se passa?
Para terminar, direi apenas que é inaceitável o argumento das dimensões de uma e de outra das empresas, além do mais, porque não conheço padrão que meça diferentemente o pão que todos têm o direito de comer e que, consequentemente, tem de ser igual para muitas centenas de famílias que dependem totalmente do destino que tiver a siderurgia do Marão.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se, à,
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - A ordem do dia é a efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Manuel Nazaré sobre a difusão e defesa, da língua portuguesa em Moçambique.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Nazaré.
O Sr. Manuel Nazaré: - Sr. Presidente: Durante a Semana do Ultramar realizada em 1968 fizeram-se repetidas alusões à necessidade de incrementar a difusão da língua portuguesa. Embora correndo o risco de repetir na minha exposição factos que já, foram ditos por conferencistas ilustres, a quem antecipadamente peço que me desculpem. não posso deixar de levantar nesta Assembleia o mesmo problema, porque se me afigura da maior importância para a Nação. Julgo também poder afirmar que as perspectivas que este assunto me oferece não são exactamente iguais às que inspiraram as referências que lhe foram feitas nos citados trabalhos.
É minha opinião que os problemas que nos dizem respeito devem ser postos por nós, ou como crítica, ou como depoimento, para que sejamos nós a resolvê-los.
Não concebo que aceitemos as críticas por vezes deturpadas, feitas por organismos internacionais para tentarmos rebatê-las com argumentos que nunca os chegam a satisfazer.
Sei que há leis sobre o problema que vou tratar, mas as minhas considerações são baseadas na observação directa dos factos, e não posso, por isso aceitar o eufemismo de se dizer que já está tudo feito, as leis já foram promulgadas, etc.
Eu vi o que está feito. Também sei que há leis. O que não posso deixar de dizer é que essas leis não dão possibilidades aos responsáveis para as tornarem compreensíveis, maleáveis, compatíveis com as realidades e adaptáveis à evolução dos tempos. Antes pelo contrário, elas são estacionárias e falta-lhes uma, feição funcional e um carácter essencialmente prático, sem dúvida indispensáveis.
Nas considerações que se vão seguir-se, o que pretendo focar perante VV. Ex.ªs é exactamente essa falta de eficiência do que está actualmente estabelecido.
Na sequência das minhas exposições sobre os problemas do ultramar português em geral, e da província de Moçambique em especial, vem-se agigantando no meu espírito um desses problemas que, não sendo inédito e existindo no espírito de todos os bons portugueses permanece, contudo, à margem da notável evolução verificada em múltiplos aspectos da vida da Nação.
Refiro-me ao problema altamente preocupante do ponto de vista da unidade nacional, suscitado pelo facto de metade, ou pouco menos da população de Portugal não falar, não entender, não saber ler, nem escrever, a língua portuguesa.
Estou a pensar no portugueses africanos que no ultramar português ainda não tiveram acesso à língua de Camões.
Bem sei que de algum modo este problema é o preço de uma virtude: de Portugal, e de certo modo só Portugal, considerar tão portugueses, como os demais, desfrutando de plena cidadania, todos os que, sem distinção de raças, credos, civilizações e níveis de cultura, constituem o elemento humano da Nação Portuguesa.
No decorrer de largo tempo todas as nações colonizadoras praticaram diversos sistemas de tratamento dos nativos por uma forma absolutamente inconsciente, mais por oportunismo instintivo de que por imposição racional, sistemas que raras vezes atingiram os fins que se propunham, pelos defeitos que os caracterizavam e absoluta carência, de fundo científico. Além de que veio juntar-se, no meado do século XIX, o princípio errado da criação de leis ultramarinas idênticas às da metrópole e promulgadas no sentido de se obter a chamada assimilação indígena.
Como já tive oportunidade de afirmar aqui, toda a programação de uma política para o ultramar português tem o denominador comum de uma posição tomada ou a tomar sobre esta grande opção axiológica: assimilação ou evolução diferenciada.
É minha opinião que a assimilação dos Africanos deve ser hoje absolutamente posta de parte, pois são mais que evidentes os entraves por ela suscitados à evolução progressiva da sociedade africana e os prejuízos causados aos interesses económicos do ultramar e, consequentemente, da metrópole. Sobre a evolução social das sociedades nascentes ou das sociedades nascentes para o desenvolvimento das quais actuam factores de enorme complexidade e até hoje por considerar nos estudos sociológicos - essa evolução, embora possa ter gradações diversas, será, em qualquer caso, acentuadamente lenta. Em hipótese alguma se poderá admitir a possibilidade de um progresso brusco sob mero influxo de simples decretos. Pondo de parte a nostalgia do passado, todo o saudosismo romântico e toda a lamentação sentimental, a educação africana tradicional é uma fonte fecunda de ensinamentos - um problema digno de reflexão que se, impõe a qualquer que queira encarar o ensino e a educação da África negra contemporânea.
O mecanismo complicado dos processos civilizadores destinando-se a impulsionar o avanço das populações indígenas nas variadas modalidades do seu estado moral e económico, requer uma grande multiplicidade de engrenagens influenciadoras, todas, aliás, intimamente correlacionadas. As missões religiosas e as escolas primárias, secundárias, agrícolas e industriais exercem a sua acção civilizadora no campo educativo e pedagógico; as leis e regulamentos apropriados, os melhoramentos materiais do qualquer natureza, a facilidade de comunicações, a criação da assistência pública e de mutualidades, a distribuição equitativa do imposto, a e organização do crédito agrícola, influem no campo material e económico, fomen-
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tando a evolução social; finalmente, a hospitalização, assistência médica, saneamento geral, imposição de práticas higiénicas, evitando o depauperamento da raça, entendem ao campo fisiológico a sua benéfica acção.
A influência das missões tem de ser simultaneamente religiosa e educativa, e quando elas não realizem este fim, que é a própria justificação da sua existência, são inteiramente dispensáveis.
É incontestável que o valor económico do trabalho adquire proporções maiores que o elemento dignificador - o ideal cristão - que sempre esteve na base da acção portuguesa.
Consequentemente, ao homem novo africano, deslocado do meio tradicional, depara-se na cidade uma escala de valores inteiramente desconhecida, e falta-lhe, em primeiro lugar, a protecção que a vida em comum lhe assegurava sem necessidade de luta individual pelo pão.
Ele, que nascera numa organização de base marcadamente colectiva, passa a ter que depender apenas de si. Ainda não afeito à técnica da utilização da moeda, o salário apresenta-se-lhe como um fim, e não apenas como meio relacionado com objectivo preciso. Quando verifica o limitado alcance do seu provento e as barreiras intransponíveis que o separam das possibilidades fáceis de o ampliar, logo perde o incentivo do trabalho na desilusão da exiguidade da recompensa. As obrigações assumidas, as necessidades que o contacto com o novo mundo lhe cria e o prestígio da sua posição em relação à tribo ou à família impedem o seu regresso à terra. Ao fascínio da prosperidade fácil, que o trouxera à cidade, sucede-se, o conformismo fatalista da sua condição actual: germina, mais do que muita, a semente da revolta contra as classes superiores, que no seu espírito se identificam com o homem branco. A pouco e pouco quebram-se os laços com a família legítima: as ligações ilegais são a consequência fatal do seu afastamento. A disciplina, a moral, a ordem, próprias do agregado - deficientes que fossem - limitavam-lhe a conduta; desligado delas, o homem nada tem que lhe entrave a marcha para o caminho da degenerescência da sua qualidade humana: o vício e a libertinagem.
A educação que vai recebendo confunde-o, não o esclarece: a educação passa a servir o processo de reivindicação, mais do que a ânsia do progresso económico e social. Se era cristão, o afastamento da missão religiosa enfraquece-lhe a fé: se o seu credo divino era o avito, dilui-se na venalidade da vida das cidades africanas ou exacerba-se nos cultos animistas e nos novos messianismos que ali proliferam. O contacto com o Europeu passa a fazer-se em condições geradoras de ressentimentos. A autoridade que se lhe impõe directamente deixa de ser o agente da Administração para ser o patrão ou capataz, ou pior ainda, o trabalhador europeu, exercendo funções idênticas, mas realçado por privilégios. A tensão racial generaliza-se: o vírus político entra em cena. O destribalizado fornece o campo ideal para a semente dos nacionalismos e da luta Contra o Europeu.
Propus-mo, porém, falar da língua. Se me desviei por um momento do meu tema, foi porque me traiu a circunstância de, no caso de que hoje me ocupo, a aquisição da língua portuguesa representar, só por si, um real, e sobretudo potencial, factor de valorização cultural e de revigoramento nacional.
O conhecimento da língua, das artes, da ciência, da tecnologia, devem ser comuns. O que é necessário, acima de tudo, é que os Ocidentais estejam aptos a um esforço de imaginação para reconhecer e compreender o carácter especifico da cultura africana, que tem a sua raiz na vida. O Africano tem uma consciência original das relações do homem e da Natureza e um sentido profundo da comunidade. O problema é essencialmente de compreensão humana.
O Sr. Barbedor, que foi ministro de Cooperação da França, num colóquio sobre a difusão da língua francesa declarou o seguinte:
Nada nos permite duvidar de que a África possa aceder ao bem-estar e à força que as técnicas modernas, de produção oferecem: mas a primeira etapa nesse sentido é a do aumento da produção agrícola e a integração progressiva dos pequenos grupos, vivendo ainda em economia de subsistência numa rede de troca de bens e de informações, sem a qual nenhum progresso é possível para a formação de uma sociedade industrial.
Plenamente de acordo com a opinião do ilustre estadista, que julgo completar-se com o problema que estou focando: assim, a prática de uma língua principal de comunicação - no nosso caso, o português - facilitaria o processus. Torna-se mesmo indispensável a partir de um certo nível de tecnologia, porque as línguas africanas não são actualmente capazes de os encaminhar para certas noções.
Para a maioria dos territórios portugueses onde coexiste um grande número de línguas vernáculas, sem o predomínio do qualquer delas, o português pode ser considerado como a língua de unificação administrativa, moral e intelectual.
Como já atras, o disse, não obstante dispormos de princípios assentes sobre o tema, a política ultramarina portuguesa oscilou no tempo entre a assimilação e a evolução diferenciada. E as vozes da experiência voltam a pôr em causa o acerto do princípio da assimilação, ou, pelo menos, a sua actualidade em face dos sismos políticos que vêm abalando as premissas que historicamente foram tomadas em conta.
Ainda recentemente tive a oportunidade de ler num livro de Manuel Belchior, Fundamentos para Uma Política Multicultural em África, o seguinte e elucidativo passo:
As grandes ambições que hoje se abatem sobre a África inscrevem no seu programa a rápida transformação das estruturas tradicionais, e decerto também muitas pessoas de intenções generosas pensam que isso pode fazer-se sem perigo. Por nós supomos que, na maioria dos casos, vão deparar com uma resistência insuspeitada, produto do bom senso das populações, E, se assim for, a miséria e o sofrimento que daí resultarão serão imensos.
E mais adianto:
O respeito pelas culturas tradicionais tem de ser considerado como um dos maiores objectivos que deve visar uma política ultramarina verdadeiramente nacional ...
Tenho para mim que talvez a alternativa não seja tão terminante e que a virtude há-de encontrar-se no respeito do que deve ser respeitado e mantido e na substituição do que pode e deve ser substituído.
Basicamente, deve a evolução efectuar-se, tanto quanto possível, dentro ou a partir dos quadros das culturas tradicionais africanas. Mas não raro o progresso tem de ser procurado, não na evolução, mas, na revolução ou subversão de certos valores tradicionais. Não encontro melhor exemplo do que o de facultei às massas africanas o acesso a uma língua veicular com projecção mundial, madura na forma falada, sedimentada na forma escrita, comunicante com inesgotáveis reservas de cultura.
O Sr. Veiga de Macedo: - Muito bem!
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O Orador: - O elemento mais importante de compreensão, e portanto de amizade e colaboração, dos povos é a língua. Se uma personagem de Eça de Queirós pôde perfeitamente viajar no estrangeiro sem dificuldade e ignorante do falar de outros países, pelo simples recurso à mímica ou no desenho, já a comunicação de ideias abstractas ou rigorosas não é praticável por esses meios. É pela linguagem que se faz a revelação de toda a cultura.
Quando um país dispõe de um instrumento dúctil de comunicação humana, a um tempo musical e viril, adequado às exigências da sensibilidade, como é a língua portuguesa, deve chamar a si a preocupação fundamental de irmanar no seu conhecimento a totalidade dos seus filhos.
A língua portuguesa será, pois, para os africanos, um meio de acesso, não somente à cultura portuguesa, mas também a toda a tradução cultural da Europa que, contudo, repito, não deve opor-se às culturas tradicionais africanas, mas sim completá-las, fertilizá-las, pondo em relevo o que elas têm de original em comparação com as europeias.
Conhecem-se, é certo, países bi ou plurilingues, sem quebra de unidade política. Mas trata-se em geral de coexistência de línguas igualmente evoluídas, e ao observador atento não escapará, na maior parte das vezes, o que há de convencional nessa unidade.
Poderíamos ser tentados a pensar que estamos mais próximos de um estrangeiro que fale português do que, de um português que só fale línguas que não compreendemos.
Não é segredo para ninguém que a esmagadora maioria dos portugueses africanos de raça negra não fala nem entende o português.
E, como acontece, salvas raras excepções, que o português europeu residente ou mesmo nascido em África não fala as línguas nativas na maior parte dos casos o diálogo é impossível, e, com ele, a palavra de fraternidade, que evitaria equívocos, ou de explicação, que pouparia melindres, incompreensões e até ódios.
É doloroso verificar que no extenso mato africano, ou mesmo na periferia das povoações, ao português negro e ao português Branco está, geralmente, interdito desejarem-se sequer bom dia.
O problema, de resto, repete-se com igual acuidade entre dois negros que falem diversas línguas nativas, com a agravante de que, em regra, a diversidade da língua corresponde à diversidade da tribo, com todas as conhecidas sequelas no plano das rivalidades tradicionais. Em Moçambique, que eu saiba há dezasseis línguas e oitenta e cinco dialectos. A generalização da língua, portuguesa surgiria assim, e além do mais, como traço de união entre regiões e grupos diferenciados, como denominador comum ou ponto de encontro de culturas tradicionais estanques, como expediente de arbitragem de dissídios e vindictas.
A experiência, africana dos nossos dias, com as suas sucessões ou tentativas dela, sempre caras em sangue humano e, pelo menos a curto prazo, inúteis, constitui a melhor demonstração dos riscos a que se sujeitam os territórios separados pelo fosso de línguas não comunicantes.
É esse, afinal, o sentido último do bíblico episódio da Torre de Babel. A quem, como eu, nunca acalentou quaisquer pretensões políticas, e sempre se manteve independente, de correntes ideológicas ou agrupamentos políticos de qualquer espécie, não se estranhará uma preocupação dominante de procurar para os problemas soluções alheias às contingências políticas e capazes de os resolver, qualquer que sejam.
Nessa medida, um programa de difusão, em larga escala e acelerado ritmo, da língua que me orgulhe de falar entusiasma-me e enternece-me.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tal programa abriria as portas à utilização das técnicas sociais ao serviço do progresso e constituiria, só por si, um factor de valorização humana que teria o efeito de uma redentora aurora na noite milenária, dos tabus africanos.
A verdadeira guerra que travamos em África não é contra inimigos conscientes dos valores portugueses, mas sim contra a ignorância desses valores. Uma ideia, qualquer que seja, só se combate eficazmente com uma ideia melhor. É esse o sentido último do espírito de evangelização da nossa acção missionária. É esse ainda o ensinamento a colher do triunfo do cristianismo primitivo em face do supermilitarizado Império Romano.
Dizem-me que o factor de aliciação mais usado pêlos inimigos da soberania portuguesa consiste na oferta de acessos culturais nos mais exóticos centros de doutrinação subversiva. O português africano, como se sabe, arde em ânsia de aprender. É este hoje um facto fora de toda a controvérsia.
o Sr. Veiga de Macedo: - É assim mesmo.
O Orador: - E eu penso não só nas almas que alienamos, negando ou mesmo só dificultando o que outros, com inconfessados propósitos, prodigalizam, mas ainda no mais que perdemos pelo facto de alguns de entre os mais dotados dos nossos nativos terem atingido a cultura através de línguas estranhas, as quais, até onde a sua capacidade directiva lhes permita, tentarão impor como futuras línguas veiculares.
Casualmente, assisti um dia a um confronto entre um maconde e um landim, a propósito de pequeno esclarecimento de um delito de que ambos eram presumíveis autores. Verifiquei que a, ponte de ligação entre as respectivas versões era o intérprete, que falava também o português. E fiquei a pensar se aquele pequeno episódio não seria uma lição ao dispor de quem quisesse e pudesse interpretá-lo.
Não creio, afinal, que valha a pena insistir na conveniência, e até na necessidade, de se programar uma invasão dos nossos imensos territórios africanos por um exército, mas de soldados de paz, de soldados da língua pátria.
É essa uma "guerra" sem dúvida grata ao coração de todos os portugueses, sem excluir os que actualmente a não falam.
Não representará, porém, tudo isto uma bela utopia, fora de todo o sentido das realidades mais comezinhas, visão de lunático, de idealista, de poeta?
Creio já ter dado nesta Assembleia provas de que conheço as limitações que a realidade impõe aos idealistas. Sei que é inútil programar belas epopeias sem viabilidade prática. E não desconheço ,até que ponto se torna difícil planear maciças campanhas, de fomento. Por esta razão já alguém, com irrecusável humor, me apelidou de "arauto das soluções baratas". Convenho no epíteto, que sumamente me lisonjeia e agrada, até porque entendo que o Africano recebe como humilhação todo o auxílio que revista a forma de uma doação pura, ao qual profere a oferta de condições de auto-emacipação.
Sei, pois, que todos os obstáculos são difíceis de vencer numa tal campanha e que o seu vulto é quase desani-
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mador. A dispersão do habitat africano, a falta de meios de comunicação, a dificuldade consequente de formação de núcleos populacionais duradouros, a necessidade de uma constelação de escolas, a rotina a utilização do trabalho infantil nas fainas quotidianas, a previsível reacção dos exploradores da ignorância - ainda hoje a indústria mais generalizada e rendosa -, sei tudo isso!
Julgo saber também que a circunstância de não se poder de um salto fazer tudo não constitui razão válida para que se não falta o possível.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A esse respeito, bom é que tomamos consciência do que, manifestamente ao arrepio da orientação assimiladora, em matéria de difusão da língua nos temos limitado, ou pouco menos, a deixar frutificar os contactos humanos. Limitados estes, como se sabe, pela escassez rotativa de população europeia - cerca de um europeu por cada sessenta africanos, em Moçambique - e pela escassez relativa da população urbana, onde a vida de relação entre os europeus e africanos assumo formas duráveis, o resultado foi a que com amargura se verifica através do limitado número de africanos que haviam adquirido o estatuto da assimilação (baseado, outro outros requisitos, no domínio da língua portuguesa) à data da abolição do estatuto do indigenato. É certo que nem só os assimilados falavam então a língua portuguesa, porém a correcção a introduzir naquele índice não é de molde a alterar-lhe sensìvelmente o significado.
Refiro ainda da minha observação pessoal um dado também significativo, que é o de dois africanos que falam o português normalmente comunicarem entre si na língua nativa. Esta surge nesta medida, a meus olhos como um escuto protector da sua intimidade. Dizem-me que em Angola o problema de difusão da língua portuguesa é meno agudo. Colho daí a alegria de sabê-lo, mas também a preocupação de um desnivelamento entre duas províncias que tendendo, naturalmente, a acentuar-se, torna mais séria a situação de Moçambique.
Deste modo, quando se toma consciência do pouco que, neste domínio, já foi feito, mais facilmente se alcança o mérito do que pode fazer-se.
Para começar, dispomos de um auxílio inestimável: a sede de saber que caracteriza o nativo, e a sua extraordinária capacidade de memorização. É impressionante verificar a facilidade e rapidez com que os nativos recém-chegados aos centros urbanos em busca de trabalho, sem conhecer uma palavra de português passa a dominar o pequeno capital de vocábulos necessários ao contacto quotidiano com o patrão europeu. Senhor de uma capacidade de retenção verdadeiramente extraordinária, é ainda ajudado pelo seu conhecido sentido musical.
Positiva é também a contribuição do facto de a língua portuguesa ser de há muito a fonte subsidiária das línguas nativas. As palavras correspondem aos fenómenos do progresso e em geral à civilização tecnológica - como automóvel, bicicleta, etc. - são já correspondentes da língua portuguesa.
É claro que tudo isto ó pouco para não continuar a ser desanimadora a tarefa de difusão, em termos de predomínio, da língua portuguesa entre os nativos.
Não obstante, se pensarmos até que ponto enriqueceremos a Pátria, quer do ponto de vista da unidade espiritual, quer do ângulo do progresso humano: se pensarmos, enfim, na perenidade do Brasil português só porque portuguesa é a língua falada no Brasil, ganharemos alento para uma declaração de guerra à alienação de quase metade da população portuguesa, pela via da tal muralha de línguas incomunicáveis.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A primeira questão que se nos depara, no plano das soluções possíveis, é de ordem, problemática: deverá tentar-se simultaneamente, o ensino da língua e a alfabetização, ou a consideração de que o "óptimo é inimigo do bom" aconselha a que nos contentemos com, um vasto programa de difusão da língua falada, relegando para segundo plano, ou para outra ordem de preocupações, a aprendizagem da sua leitura e da sua escrita?
Não faltam entre, nós especialistas capazes de uma programação realista e inteligente, que mobilize todas as potencialidades disponíveis e se detennha ante os obstáculos intransponíveis, pelos meios de que dispomos.
Bem pode acontecer que rudimentos da escrita possam, constituir precioso auxilio da difusão da língua falada. E também é possível que o ensino da língua falada em separado da sua forma escrita represente desdobramento antieconómico e, como tal, condenável do ângulo de uma sã administração dos meios disponíveis.
Porém, pode ainda acontecer que o propósito da difusão a curto prazo da língua falada se revele tão inestimável que não deva ser comprometido ou retardado pela preocupação de uma alfabetizarão maciça.
Num primeiro contacto com o problema, eu, que não sou especialista na matéria, julgo que talvez seja conveniente conciliar os dois caminhos, conforme as circunstâncias a difusão da língua falada predominaria relativamente, aos meios não urbanos e às idades pré-escolares, preferindo-se a alfabetização relativamente, às idades escolares e aos aglomerados permanentes.
Assalta-me desde já a visão de escolas itinerantes para os meios rurais e o recurso a escolas fixas para ou meios urbanos, utilizando melhor o papel da rádio o futuramente da televisão.
Visiono também o recurso a meios de fixação das populações dispersas, que desempenhem simultâneamente o papel de meios de captação e de confiança das mesmas nas inovações a introduzir.
As medidas estimulantes poderiam ser tomadas no sentido de criar um clima de colectivo interesse para aprendizagem da língua portuguesa: isenções fiscais, preferências de vária ordem, garantia de trabalho, actividades gimnodesportivas, etc.
A gama das hipóteses não tem limite. Caberá, pois, aos especialistas pronunciarem-se.
Sairia do âmbito deste trabalho o esboço sequer de um programa de actuação para a difusão da língua portuguesa entre os nativos. Tal programa, como é evidente, envolve aspectos político-sociais, económicos e outros, pelo que só pode ser eficazmente concebido como trabalho de equipa dos vários departamentos encarregados de cada um dos aspectos respectivos.
Não obstante, como entendo que é por de mais fácil enunciar problemas quando se lhes não apontam soluções, direi mais alguma coisa sobre o que se me afigura digno de ser tomado em conta.
Antes de mais, penso que a magnitude do objectivo a atingir constitui um desafio a todas as nossas reservas de capacidade.
Seria algo de apaixonante e significativo que, se conseguisse a aliança de toda a população europeia e africana que, no ultramar, já fala a língua portuguesa, no sentido de cada, um dar o contributo possível para uma vasta campanha de reaportuguesamento.
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Na verdade, que mais belo investimento de recursos o que mais promissora sementeira de esperanças do que essa de pôr todo o português a falar português?
Um pequeno apontamento diz-me que a população está receptiva a uma palavra de recrutamento de vontades. Consiste ele, na maneira como as forças vivas de Moçambique espontaneamente têm concorrido, com a doação de bolsas em grande número, para alunos da jovem Universidade moçambicana.
Não tenho a menor dúvida de que, amanhã, doariam escolas, transportem, material escolar e subvenções de toda a ordem, a reforçar as dotações orçamentais que, num supremo esforço, a Administração pudesse afectar a tão aliciante finalidade.
E, já que falei na Universidade de Moçambique, aproveito para dizer que, em meu entender, poderia ela, num o dinamismo da sua pouca idade, encabeçar essa jornada de reaportuguesamento. Não lhe falta capacidade, nem fé, nem prestigio. Não lhe falta, sequer, a orientação de reitores prestigiosos, dinâmicos e empreendedores. Dispõe, sobretudo, de, uma mocidade escolar pletórica de reservas de generosidade, entusiasmo e preparação cultural, que, quando postas ao servido de uma causa, fortemente contribuiriam para lhe assegurar o êxito.
De algum mudo responderiam assim as jovens instituições universitárias ultramarinas à critica que lhes foi dirigida por representarem como que a cúpula de um edifício sem bases. Como se sabe, houve quem visse no dispêndio da instalação de estruturas de ensino superior no ultramar um desvio de verbas, que mais justamente teriam sido afectadas à alfabetização das massas.
O argumento tem aparência sedutora, mas carece de realidade. Para mim tive sempre que exactamente as elites de todas as raças, saídas dos bancos das Universidades serão, por um lado, o paradigma de todos os que anseiam pela obtenção de graus académicos e, por outro, os promotores de valorização social e humana das populações obreiras da sua terra, e ainda hoje, difícil de calcular, em toda a sua extensão, o significativo papel dessas elites no panorama do futuro. Mas sem dúvida que delas se ouvirá falar em termos encomiásticos das estruturas que as tornaram possíveis.
Papel de extraordinário relevo poderia ser também o desempenhado pelas forças militares. Julgo já estar programado o ensino da língua portuguesa aos soldados macuas e suas famílias, com a incorporação militar de Agosto de 1969.
E não vejo mais duradouro antídoto para uma guerra subversiva do que uma ampla ofensiva contra o isolamento das massas humanas usadas como matéria-prima da subversão. Da comunhão de ideias, dos contactos humanos necessários à, difusão da língua portuguesa, resultaria, estou certo, uma situação pouco propícia à germinação das sementes do antiportuguesismo militante. Nessa medida, o contributo das forças armadas poderia ser considerado mais do que actividade paramilitar.
Mobilizável se me afigura também esse exército de boas vontades, nem sempre inteiramente bem orientadas e aproveitadas, que é o Movimento Nacional Feminino. Não só as senhoras que o constituem, mas todas as senhoras que disponham de longas horas de inocupado lazer, poderiam desempenhar tareias de incalculável valor.
Não basta formar o carácter das crianças, é necessário, também, moralizar a mulher, preparando mães que possam e saibam insuflar nos filhos os primeiros rudimentos da lei moral. A mulher, em relação ao homem de Moçambique, está muitíssimo atrasada, e pouco ou nada se tem feito no sentido de a promover. É velho e aplicável em todos os lugares da Terra o conceito de grande profundidade de ser a mão que embala o berço a que governa o Mundo; e, na verdade, é a mãe quem modela as primeiras formas, e fundamentais, da alma do filho.
A importância dessa "mão", a capacidade educadora dessa, "mão", é, portanto, basilar; mas há que educá-la primeiro, para que ela pensa, por sua vez, "governar o Mundo" - com acerto!
Ora o que geralmente as missões ensinam à mulher africana resume-se a simples trabalhos de agulha e tarefas rudimentares do lar. Sem dúvida que muito útil, tal ensino, mas convenhamos em que não bastante para formar a nova e consciente mentalidade do Africano chamado a compartilhar da civilização.
E não é tudo: se se elevar social e culturalmente o homem, deixando a mulher na penumbra, eles distanciar-se-ão um do outro com risco de desinteligência, desprezo do homem à mulher, e daí a impossibilidade de formação de sãs e autênticas famílias-células da sociedade Indispensável, pois, promover, paralelamente ao homem, a elevação da mulher africana.
Pelo que respeita à divulgação da nossa língua, é a mãe - se a souber! - a mais apta, natural e carinhosa transmissora dela, e ainda a sua mais económica e eficiente difusora. Então, às gratas recordações da infância, ao terno amor filial, se juntará, inesquecível, perdurável, o idioma em que se pronunciaram as primeiras palavras, se exprimiram os primeiros desejos e pensamentos.
Ninguém me oporá, certamente, a falta de preparação docente da quase totalidade dos nosso jovens, dos nossos soldados, das senhoras a que acabo de aludir. Pois está visto que quem pensar num programa, maciço de difusão de uma língua há-de por força raciocinar em termos de extrema elementaridade. Lições tipo de grande simplicidade, sem prejuízo de serem concebidas na preocupação de difundir conceitos elementares do higiene, convivência, e domínio da natureza, teriam sido cientificamente prepararias e postas à disposição de todos. A projecção fílmica, e a sua magia, a música e a sua irresistível atracção ao desporto, constituirão aliados preciosos no plano da colaboração activa dos instrumentos de todas as idades.
O que não posso é conceber que se oponham as imperfeições do que pode fazer-se, quando, como é evidente, estaremos construindo a partir de zero: uma aprendizagem, ainda que grosseira, da língua portuguesa por parte de quem a não distingue da chinesa representará, ainda assim, um valor inestimável. Sempre o óptimo foi inimigo do bom, e o bom, inimigo do sofrível. Não raras vezes temos deixado de construir por desejarmos construir perfeitamente!
Tenho a exacta noção de que não fui longo no contributo construtivo para a solução do problema de que me ocupei. Em parte, quis respeitar as minhas próprias limitações, e em parte, as vozes autorizadas que achariam petulante a invasão, por mim, dos seus domínios.
Tanto quanto pretendi foi o diagnóstico de um mal que tem sido tolerado como se fosse irremediável. Procurei propositadamente ser chocante, no visível empenho de acordar vontades adormecidas.
O Sr. Veiga de Macedo: - E por isso só merece o nosso apreço e consideração.
O Orador: - Não obstante, não desconheço que o problema posto constitui preocupação dominante de pelo menos alguns dos mais responsáveis gestores da vida nacional. Se o não soubera, já teria ficado a sabê-lo após a leitura das conclusões do último Congresso das Comunidades, onde a comunhão de língua foi considerada uma vez mais, a fonte da perene fraternidade que liga
aderíamos se?1
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Portugal e o Brasil e em geral os núcleos populacionais de expressão portuguesa espalhados pelo Mundo.
Mais do que isso, paule apurar que foi aprovada uma proposta do ilustre presidente do mesmo Congresso para a criação de um "Instituto Leste-Oeste... dependente dos Estudos Gerais Universitários de Moçambique", o qual, na sua forma inicial, deveria ocupar-se do seguinte:
a) Ensino das grandes línguas veiculares, incluindo o chinês, o japonês, o árabe, o swahli, o português, o francês e o inglês;
b) Cursos intensivos de actualização para diplomados ou de alta especialização.
Para além da estranheza que possa provocar o ver-se a língua portuguesa arrolada em pé de igualdade com os mais exóticos idiomas, com menosprezo de uma prioridade que se me afigura clamorosamente realçável, esta proposta traz em si o reconhecimento de que o ensino da língua portuguesa constitui uma preocupação dos mais notáveis espíritos. E perfilha também a ideia de que tal ensino poderia acolher à sombra tutelar, e já vasta da jovem Universidade moçambicana.
É também de um ilustre congressista este passo digno de realce:
A língua portuguesa tem de ser o veículo por excelência, único veículo, pelo qual alcancemos o sentimento de unidade que nos fará irmãos unidos dos outros, irmãos mais conscientes uns dos outros.
Sr. Presidente: Nas três exposições que fiz a esta Assembleia nada trouxe que não seja do conhecimento de V. Ex.ª, a minha contribuição limita-se a demonstrar que os caminhos seguidos não os mais eficientes, nem económicos, nem rentáveis, nem satisfatórios. Porque o problema habitacional o ruralato africano ligado no cooperativismo agrário e de formação (escolas, desperto, serviços de saúde) e a difusão da língua têm sido largamente debatidos e até esboçada a sua solução. Porém, improvisadamente, quando o que se pretende é um planeamento geral e regional, um planeamento real, com aproveitamento dos municípios já conhecedores das implicações regionais, que receberiam as directrizes do grupo de planeamento sem necessidade de burocracias entorpecentes. Portugal é rico de cérebros, mas é necessário estimulá-los e fazê-los produzir.
Há bem pouco tempo contactei, em Paris, com uma personalidade de um estado africano independente, que, entre outras coisas me disse o seguinte:
Os povos africanos estão desmoralizados. Eles notam diariamente cavar-se o fosso entre os beneficiários da assistência ocidental e as populações miseráveis. Isto é verdade, meu caro, não só nos países socialistas, como nas repúblicas. Nuns, como noutros, os grupos de militares deitaram a baixo os regimes estabelecidos. Que é que mudou? Mudaram os que habitavam os palácios de mármore; mas são sempre os mesmos os que estão na rua. Rasgar canais, estradas e vias férreas no solo adusto dos sertões, construir portos, navios, fábricas e cidades, criar indústrias, desenvolver e comércio e adoptar formas superiores de administração pública, sem previamente ter promovido, por intensivos processos educativos e pedagógicos a consolidação dos alicerces sociais - a moralidade e a instrução -, é edificar um templo grandioso sobre a areia movediça da boçalidade e da ignorância. A ajuda é um divertimento. Não representa grande coisa, nem para os dadores, nem para os receptores, serve, sobretudo, para desenvolver os defeitos dos regimes africanos e vermos as democracias a manter sem vergonha as ditaduras militares, e vice-versa. Não há dúvida, a corte que se fazem mutuamente as figuras gradas dos campos aparentemente contrários é talvez o espectáculo mais divertido e mais triste do século. A balcanização da África não cessa de se acentuar. Regressamos a uma forma avoenga da história, muitos estados, muitas assembleias, muitos governos, ministros e embaixadores... Para quê? Um dia será necessário recomeçar, mas a partir do zero!
Estas as palavras da referida personalidade, cheias de amargura e tristeza.
Não resisto também à tentação de ler a V. Ex.ª duas cartas, uma de um português evoluído, outra de um menos evoluído:
Dr. Manuel Henriques Nazaré - Lisboa - Ex.mo Sr. - Acuso recebidas as suas separatas (I e II vols. 1 do seu discurso proferido na Assembleia Nacional, trabalho que já tinha lido e apreciado através da imprensa diária, que dele se ocupou largamente. Parabéns. V. Ex.ª soube interpretar verdadeiramente o sentir dos muitos africanos seus patrícios que em si confiaram, elegendo-o seu representante.
O problema habitacional que ainda hoje, infelizmente, não teve a solução que todos esperam, bem assim o do ruralato, questão basilar para a estabilidade das populações nativas nas suas respectivas regiões originárias, são assuntos que merecem a melhor atenção de todos aqueles que pretendem ver esta terra progredir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:
Ao contrário do que sucedeu nas regiões do Norte, deste Inhambane, no Sul não se conhece, por assim dizer, preto proprietário de umas terras; no entanto, antigamente, eram de pretos todas as terras baixas e de machongo, onde os nossos avós cultivam arroz, batata e outros produtos, e nunca havia fome, mas todas as baixas foram objectos de concessão a chineses gregos e asiáticos, que são hoje os senhores dessas terras ricas, sendo o Africano empurrado para a terra solta onde a agricultura é difícil por causa da irregularidade das chuvas. Não existe, no Sul, uma única propriedade que seja antiga e que se diga esta é da família tal, como, por exemplo, em Inhambane e em Quelimane. Foi, portanto, oportuna a sua intervenção. [Etc.]
Dotor Manuel Nazaré - Falou Assembleia Nacional dar enchada boi arado a nosso irmão de cor, nosso não ter coroa fazer casa como branco, terra não aguenta pagar nosso, vem contrato trabalhar plantação chá, nosso é xuabo não ser especionado per dotor, nosso irmão cor cem duente trabalhar, dotor não vê gente, nosso mal comer mal palhota mal, lenha agua não nos compondes de trabalho zambesia plantações fabricas. Patrões tratam mal, dotor não dá gessão remedio doenças. Falar dotor do trabalho cá. Ver cá no trabalho da Zambesia, tudo dizer assembleia ouvir consulta Postos Medicos, plantações empresas fabricas, não falar patrões, falar dotor enfermo, o nosso doente, casa mato, vai lenha agua fazer comer. Manta não tira frio, malata cabedula não aguenta trabalho.
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Não dizer ser deputado vir ver no trabalho nos Postos Medicos ser tratado nosso irmão cor.
Nosso irmão cor.
Por estas duas cartas, entre tantas recebidas, reconhece-se que não há ódios raciais, mas sim ressentimentos acumulados de que nos devemos desembaraçar para evitar mal-entendidos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A solução consiste em encontrar o grau de integração suficiente para permitir que a economia se desenvolva em bases humanas, com a consequente descarga da tensão psicológica acumulada de parte a parte.
Houve muitas preocupações com instituições e poucas com os homens!
O pensamento de todos deve partir do conceito de que o homem é a razão da história.
No decorrer das minhas viagens tive o prazer de conhecer espíritos lúcidos e compreensivos de diversas latitudes e raças. E, como se fala agora muito de independências, estive tentado a perguntar-lhes o que entendiam por independência. Porém, aceitei, para mim, que os países serão tanto mais independentes quanto melhores forem as suas dependências, direi mesmo, quando maior for a liberdade para a escolha dessas dependências.
E como não há liberdade sem disciplina, há que disciplinar a população facultando-lhes as indústrias de base: educação e instrução, desanuviando assim os horizontes que ainda se mostram muito sombrios.
O destino do Mundo está cada vez mais ligado ao fenómeno da interdependência das nações. As distâncias e as fronteiras são, de dia para dia, cada vez mais ilusórias! É necessário fazer comunicar os universos e escutar o testemunho de cada um deles! Os homens não perdem nem o sentido da Nação, nem o gosto da liberdade!
Sr. Presidente: Cumprindo o meu dever perante a Nação e procurando interpretar os anseios das populações de Moçambique, por três vezes ocupei a atenção da Assembleia expondo algumas deficiências básicas da nossa orientação ultramarina e sugerindo providências capazes de solucionar, em meu entender, os mais instantes problemas de Moçambique.
Usei uma linguagem simples - a única que está ao meu alcance e se coaduna com a minha maneira de ser e com os hábitos que adquiri num género de trabalho em que se cultivam no máximo grau, a eficiência, a exactidão, a rapidez e a clareza.
Talvez a falta de um estilo trabalhado e a ausência de atractivos tornais subtraindo todo o mérito literário às minhas exposições distraíssem a atenção dos ouvidos mais exigentes; talvez também as soluções que apontei - e julgo intuitivas - pecassem por excessiva singeleza perante a mentalidade de profundos conhecedores do mecanismo governativo do ultramar afeiçoados a complexas lucubrações, cujo limiar de sensibilidade não logrei atingir.
Não me custará reconhecer o insucesso que possa imputar-se à minha falta de qualidade aliás logo confessada no início desta missão quando era ainda tempo de ser entregue em melhores mãos.
Penso, porém que a importância verdadeiramente excepcional dos temas versados, só por si deveria bastar para atrair a atenção geral e despertar as maiores preocupações nas consciências bem formadas e verdadeiramente devotadas ao interesse nacional.
Fica comigo o convencimento de que no desempenho do meu cargo cumpri o meu dever e em questões de mais elevado patriotismo não foi ultrapassado.
Seja como for, sem dotes oratórios, sem exaustivas e inúteis demonstrações de verdades históricas e axiomáticas, sinto-me feliz pela oportunidade de nesta Casa - onde tantos homens ilustres mostraram o seu patriotismo -, ter podido erguer a minha voz com o mesmo propósito de contribui com toda a dedicação e entusiasmo para o engradecimento de Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Veiga de Macedo: - Peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Veiga de Macedo: - Ao abrigo do n.º 3 do artigo 50.º do Regimento, requeiro a V. Ex.ª a generalização do debate dada a transcendente importância e flagrante actualidade do problema que o nosso ilustra colega Dr. Manuel Nazaré entendeu por bem tratar nesta Assembleia o que fez com superior eritério.
O Sr. Presidente: - Mesmo sem atender à fundamentação, que não era necessária, defiro o requerimento de V. Ex.ª
A conclusão da discussão deste aviso prévio, cujo debate foi agora generalizado, poderá talvez fazer-se na próxima semana. Seguir-se-á depois a discussão do projecto de lei do Sr. Deputado Abranches de Soveral sobre a alteração à base XII da Lei n.º 2114. Suponho que esta discussão não ocupará mais de uma sessão pelo que penso marcar a seguir para ordem do dia o aviso prévio dos Srs. Deputados José Alberto de Carvalho e Elísio Pimenta sobre a defesa da língua portuguesa.
VV. Ex.ªs sabem que sou partidário do funcionamento o mais frequente possível das comissões porque ali os problemas podem ser examinados e discutidos com o à-vontade indispensável a trabalho profícuo. Como o nosso Regimento não permite que as comissões se reúnam durante o funcionamento efectivo da Assembleia, é aconselhável quando há algum problema de especial interesse e as circunstância: o permitam, não haver sessão plenária para que o problema possa ser devidamente estudado na respectiva comissão. É o caso do aviso prévio dos Srs. Deputados José Alberto de Carvalho e Elísio Pimenta sobre a defesa da língua. A matéria é de si mesma delicada e tenho notícia de que há muitos Srs. Deputados desejos de participarem no debate.
Nestas condições, não darei sessão amanhã convocando para a hora regimental a Comissão de Educação Nacional, a fim de se ocupar daquele aviso prévio.
A próxima sessão será, assim na terça-feira próxima à hora regimental tendo por ordem do dia a discussão do aviso prévio do Sr. Deputado Manuel Nazaré.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e trinta minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
André da Silva Campos Neves.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Calheiros Lopes.
António Magro Borges de Araújo.
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DIÁRIO DAS SESSÕES N. 160 2916
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Alves Moreira.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
João Ubach de Oliveira.
João Coelho Jordão.
José Fernando Nunes Barata.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Paulo Cancella de Abreu.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
Álvaro Santa Rita Vaz.
António dos Santos Martins Lima.
Artur Águedo de Oliveira.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Fernando de Matos.
Francisco José Roseta Fino.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Horácio Brás da Silva.
João Mendes da Costa Amaral.
Jorge Barros Duarte.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Henriques Monta.
José Janeiro Neves.
José Pinheiro da Silva.
José Rocha Calhorda.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel João Correia.
D. Maria Ester Guerne Gareia de Lemos.
Mário de Figueiredo.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul Satúrio Pires.
Rui Manuel da Silva Vieira.
O REDACTOR - António Manuel Pereira.