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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 162

ANO DE 1969 16 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

IX LEGISLATURA

SESSÃO N.° 162, EM 15 DE JANEIRO

Presidente: Ex.mo Sr. José Soares da Fonseca

Secretários: Ex.mos Srs.
Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Usaram da palavra os Srs. Deputados Nunes Barata, para um requerimento; Cunha Araújo, sobre problemas afectos às comunicações telefónicas, e Correia Barbosa, que solicitou melhoria de vencimentos para os funcionários do Ministério da Justiça e os funcionários administrativos.

Ordem do dia. - Continuação do debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Manuel Nazaré acerca da difusão da língua portuguesa em Moçambique.

Usaram da palavra os Srs. Deputados D. Sinclética Torres, Castro Salazar, Gabriel Teixeira e José Manuel da Costa.

Antes de encerrar a sessão o Sr. Presidente entendeu dever prestar esclarecimento à Assembleia sobre matéria incluída no discurso do Sr. Deputado José Manuel da Costa.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 35 minutos.

Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António José Braz Regueiro.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco José Cortes Simões.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
Horácio Brás da Silva.
James Pinto Bull.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Henriques Mouta.

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José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José Pais Ribeiro.
José Soares da Fonseca.
José Vicente do Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista
Leonardo Augusto Coimbra.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 68 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Não há na Mesa nenhum expediente. Entretanto quero dizer à Câmara que dos diferentes prévios que foram anunciados um certo número não chegará a efectivar-se porque os Srs. Deputados avisantes ou desistiram deles, por ente derem que tinham perdido oportunidade - é o caso dos avisos prévios relacionados com o Plano de Fomento e que não poderiam ser efectivados antes da sua publicação -, ou preferira substituí-los por intervenções no período de antes da ordem do dia. Dos avisos prévios susceptíveis de serem efectivados, para além do que está em discussão, há apenas dois: o relativo à defesa da língua, que já foi mandado baixar à Comissão de Educação, e o do Sr. Deputado Agostinho Cardoso, relativo aos problemas da população idosa no nosso país, do fenómeno do envelhecimento da população e da política da velhice. Este provavelmente marcado para ordem do dia logo a seguir ao aviso prévio sobre a defesa da língua, pelo que vai baixar à nossa Comissão de Trabalho. Previdência a Assistência Social, Recomendo ao Sr. Presidente dessa Comissão, Sr. Deputado Veiga de Macedo, o favor de a reunir o mais depressa possível para que o Deputado avisante possa oportunamente estar preparado para o efectivar.

Tem a palavra o Sr. Deputado Nunes Barata.

O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

Ao abrigo do Regimento, requeiro que me seja facultadas cópias dos estudos realizados pelos serviços competentes relacionados com o aproveitamento hidroeléctrico de Bogas no rio Zêzere.

Pretendo, nomeadamente, que me seja dado conhecimento dos trabalhos realizados (e respectivas conclusões) em que tenham sido abordados os seguintes problemas:

a) Alternativas para as cotas da barragem de Bogas, com indicação das capacidades de armazenamento previstas e das estimativas de energia produzida;

b) Áreas alagadas, povoações submersas, populações a transferir e montantes de indemnizações a pagar, segundo as várias soluções consideradas para a altura da barragem de Bogas;

c) Novos núcleos a criar para instalação das populações deslocadas com indicação de indústrias previstas ou de outras actividades consideradas para ocupação dessa mesmas populações;

d) Situação actual do povoamento do vale do Zêzere, a montante do estrangulamento de Bogas, e perspectivas de "desertificação humana" perante o acentuado êxodo rural;

e) Soluções para a transferência da central do Esteiro, do aproveitamento hidroeléctrico de Santa Luzia (Pampilhosa da Serra), na hipótese de a actual central ficar submersa;

f) Possíveis ligações entre o aproveitamento de Bogas e as soluções a montante, quanto à produção de energia e rega no esquema Alto Zêzere-Cova da Beira;

g) Possibilidades de desvio dos escoamentos sobrantes do rio Zêzere, a partir da barragem de Bogas, para a projectada albufeira de Alvito, na bacia do Ocresa;

h) Outras soluções preconizadas para suprir a reconhecida insuficiência da capacidade actual dos reservatórios do Zêzere, apesar da grande altura das barragens, e aproveitamento dos descarregamentos sem utilização, que no período de 1962-1965, se elevaram a cerca de 2910 mil milhões de metros cúbicos no Cabril e 3627 mil milhões de metros cúbicos no Castelo do Bode;

i) Estimativas gerais dos custos das várias soluções previstas e dos empreendimentos de carácter social tidos como complementares.

O Sr. Cunha Araújo: - Sr. Presidente: Com reconhecida e incontestável oportunidade entendeu o Sr. Presidente do Conselho dever vir ao encontro da "generalidade dos portugueses" para, em amena e descontraída conversa em família, se identificar com o que sentiu ser sua preocupação e lhes assegurar o quanto o Governo e ele próprio se estão dando conta do desenfreado aumento do custo de vida. Embora mestre insigne e com largas possibilidades de recurso a uma terminologia técnico-jurídica, falou-nos do Orçamento do Estado como um homem comum, ele o disse, para ser compreendido pela generalidade dos que o escutavam, com quem é seu desejo entender-se em termos hábeis. Em linguagem clara e simples expôs-nos o essencial do seu mecanismo, ponderou a necessidade do seu equilíbrio e da constante subordinação dos gastos às receitas, falando-nos nas dificuldades dos nossos tempos precisamente nos mesmos termos em que cada um de nós assente, e que, por bem o saber, não quis deixar de referir num momento com que tanta inquietação se gera, motivada

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pela tendenciosa especulação, desorganizadora dos orçamentos de cada um a qual prometeu-o, será fiscalizada assídua e atentamente, com vista à sua pronta punição.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Apoiando os revelados propósitos, desde já adivinhamos as dificuldades na luta a empreender, pois isto de especular é actividade difícil de controlar nos diversos aspectos que reveste. Lícita ou ilícita. conforme o seu exercício vise um lucro legítimo ou um lucro exagerado, só neste caso será crime que legislação especial regula e pune, mas que se não vê muito perseguido, nem nos níveis em que o deveria ser mais, sem alentar na qualidade do agente nem na natureza do negócio, certo como é ser o facto em si que interessa à sua qualificação. isto é, o abuso da boa-fé ou de um estado de necessidade em que se encontra o que compra em relação ao que vende. Assim entendido, deveria ser criminalmente responsável todo aquele que, pela sua actuação no meio social em que exerce a sua actividade, contribua para um agravamento do custo do essencial à vida dos domais, atendendo-se a que, hoje essencial à vida não é apenas a alimentação, o vestuário e a habitação, mas tudo o mais que permite alcançar aqueles bens, como a saúde, os transportes, os seguros e tantas, tantas outras coisas que alguns vendem e a maioria paga, como, por exemplo os telefones, sobre que especialmente queríamos falar e já quase íamos esquecendo, entretidas a especular sobre a "especulação" que o Governo está encarando de modo que a todos melhor chegue o pouco que ganham.

Pois era. Sr. Presidente, sobre o telefone que eu queria realmente falar, esse objecto tão essencial à vida de todos os dias e a pesar demasiado nos parcos orçamentos de cada um; a encarecer e a servir pior estranhamente, tanto mais quanto mais se dilatam as redes e as instalações, quando não no aumento das taxas, em que já se fala, na incontrolável escrituração das chamadas a contagem dos períodos, que temos de aceitar como certa, embora o não esteja, e somos sempre obrigados a pagar como no-lo impõe o poder coercivo do serviço explorador. Estado ou companhia que, por força do "crês ou morres", vai embolsando o que devemos e o que não devemos, às vezes restituído a cabo de longos e penosos trabalhos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Um dos muitíssimos que têm por hábito orçamentar as suas receitas e despesas, até controlar as chamadas interurbanas do seu telefone o os respectivos tempos para confinado no que tenho, poder parecer rico sobrando-me, poderia trazer em reforço dos que todos os dias se queixam um testemunho documentado das razões que me decidiram a- aflorar este problema do custo exagerado do uso desse "género" de primeira necessidade que é o telefone. Embora no reconhecimento da sua utilidade, não quero mais correr os riscos de dar lugar aos entendimentos suspeitosos da, isenção na defesa de interesses que, por serem do todos, não podem deixar de o ser igualmente meus, não vá alguém acusar-me de estar pleiteando em causa própria, como já, me sucedeu ao querer ser mais persuasivo prestando um depoimento que julgava qualificado e que por pouco me ia desqualificando.

Risos.

Mas o que sobretudo importa, agora que tanto se fala, e com razão, do desenfreado aumento do custo de vida, é deixar aqui sublinhado, com vista ao Governo, um reparo que, embora de formulação difícil, tem indiscutível fundamento, pois "não há, fumo sem fogo" e a verdade é que muitos "limitam" de indignação quando se queixam dos inesperados montantes dos recibos que lhes apresentam para cobrança, não raro com chamadas escrituradas relativamente a períodos de encerramento das suas casas!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Parecerá muito mal que eu, que também seu público, me confesse um desses a quem isso já sucedeu?...

Daqui a necessidade de se aquietarem os espíritos na legítima desconfiança quanto à utilização de um serviço de que tanto depende a vida quodiana do comum das pessoas e é de manifesto interesse público, tão essencial se mostra, não pode deixar de ser, simultaneamente, bem reputado e eficiente, de modo a acreditar-se no conceito de quem paga. Boa reputação, no sentido de procurar-se não serem possíveis, pelo menos tão generalizadamente, as dúvidas quanto aos montantes que somos obrigados a pagar, sem possibilidades de contestação. Eficiência, no sentido de utilidade compatível com a natureza e o custo de um serviço que não pode ser considerado luxo e requer mais pronta satisfação dos que a ele recorrem, cada dia mais lento neste aspecto, nitidamente pior desde o começo deste ano, a fazer supor estarmos defronte de algum "processo" cujos resultados já experimentámos com reflexos perniciosos nos transportes colectivos e é sempre inequívoco prelúdio das desejadas subidas dos custos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Numa época em que não faltam por aí cérebros privilegiados quase electrónicos, orientadores das actividades empresariais, não seria difícil creio-o conseguir-se algum disposto a trabalhar pro bono publico, estudando o modo de sermos insuspeitadamente servidos, sem possibilidades, ou com diminutas possibilidades de ficarmos desconfiados de que estamos sempre pagando mais do que devemos. E se cá os não tivermos, talvez a firma estrangeira concessionária dessa bem legível lista dos telefones aceite o encargo...

Donde seria conveniente conhecermos, todos o mais pormenorizadamente possível qual o modo por que se processa a contagem das chamadas telefónicas nas instalações particulares e se a ser mecanicamente feita, os aparelhos usados para o fim se mostram dotados de uma eficiência e fidelidade insuspeitáveis de modo a não autorizarem o pensar-se que como aparelhos que são e naturalmente susceptíveis é frequente a sua avaria ou se é mesmo permanente com os consequentes danos para o assinante, a quem não cumpre remediar o mal mas é quem mais injustamente o sofre. Pois não há dúvidas de que, a serem possíveis tais avarias e em número a justificar-se o generalizados reparo que se verifica, exige o interesse público e o direito ao bom nome dos exploradores que se providencie e as coisas satisfatoriamente se expliquem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O que é preciso é que o telefone deixe de ser tão caro, especialmente mais caro do que é legítimo esperar, pagando-se chamadas mesmo quando dele nos não servimos. E se regresso ao costume, abandonado, de entregar juntamente com o recibo pago, e sem que seja

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preciso requisitá-la - isto no que se refere à companhia - , a escrituração justificativa do custo cobrado, possibilitadora da necessária conferência. E mais. Que não seja possível, feita uniu chamada interurbana fora das redes automatizadas, quatro e cinco minutos após feita, ao levantarmos, a auscultador para novo uso, toparmos, no extremo da linha, com a encarregada da estação da localidade para onde falámos, a provar-nos como é lamentavelmente incerta a anotação do tempo gasto na conversa tida, prova tantas vezes confirmada quando, passado às vezes mais tempo, a própria telefonista, impertinentemente. nos chama para nos perguntar se já falámos!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - De qualquer modo o público tem o direito de ser esclarecido para puder confiar e bom seria que o Estado e a companhia exploradora dos servidos, para o fim o elucidassem também quanto à procedência e garantias na apreciação das reclamações apresentadas, entidade competente para o respectivo recurso e meios de prova exigíveis aos reclamantes, que não deveriam deparar com obstrucionismos quando procuram queixar-se, e deveriam poder contar com uma rápida averiguação e julgamento das razões expostas. Responsáveis por um serviço de tamanho interesse público, não deverão recusar-lhe a dar uma satisfação quanto ao modo do seu exercício, pois a verdade é que isto dos telefones vai sendo um encargo demasiado pesado, sem que ninguém entenda o porquê nem descubra como nem a quem validamente se queixar.

Ou perderão os exploradores e não virão dentro em breve justificar um aumento das taxas queixando-se ao contrário de nós, de que o telefone está barato e não rende o suficiente para satisfazer as exigências da manutenção dos serviços.

Pais se assim vier a suceder desde já fica declarado que o grande público o entende diversamente.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Correia Barbosa: - Sr. Presidente: Dirijo a V. Ex.ª os meus cumprimentos e homenagens pelas qualidades de que V. Ex.ª é possuidor e que há vários anos o impuseram para vice-presidente desta Assembleia. Aproveito esta oportunidade para desejar ao ilustre Presidente desta Assembleia Nacional, Prof. Doutor Mário de Figueiredo, rápidas melhoras, visto uma pertinaz doença o ter lançado para a mesma casa de saúde onde se encontra o Sr. Presidente Oliveira Salazar, por quem tenho a maior admiração. Ambos foram meus professores na velha Universidade de Coimbra e por ambos tenho a mais respeitosa consideração. Ao Prof. Doutor Oliveira Salazar o País deve inestimáveis serviços, pois a ele se deve uma obra de que me orgulho como português e que não pode por ninguém ser esquecida nem minimizada. Foi essa obra que fez desaparecer do dicionário do calão internacional a palavra "portugalizar" e inscrever no frontispício da nossa vida nacional a palavra "admiração", admiração por essa obra grandiosa que repito, não pode ser minimizada por nenhum português digno desse nome.

A ambos desejo do fundo do coração rápidas melhoras e que breve regressem ao nosso convívio, ao convívio dos seus irmãos portugueses.

Sr. Presidente: Todos os dias se lêem jornais e nós sentimos que o chamado custo de vida sobe assustadoramente sem que até agora os governantes, não obstante a sua boa vontade, possam opor um travão eficaz à marcha ascensional dos preços. Daí o mal-estar que se vai verificando entre as populações, quase todos os dias sobrecarregadas com mais uns centavos, se não com mais uns escudos, em tudo aquilo que compra o de que tem necessidade para ocorrer às suas mais instantes necessidades.

Desde a alimentação ao vestuário, desde as rendas de casa e agora aos transportes, a vida sobe vertiginosamente, constantemente, sem que se lhe possa opor um dique que a contenha. Desta ascensão, quantas vezes incontrolada e injustificada, todas as classes sociais, mais ou menos, sofrem por o rendimento do seu trabalho ou das suas actividades não poder acompanhar a vertigem dessa marcha, que às vezes ameaça atingir mais depressa que os Americanos ou os Russos a superfície lunar.

E que esta situação não pode continuar, por incompatível com os recursos financeiros do povo, principalmente dos de mais modestos proventos, já felizmente o compreendeu o Governo, que na sua reunião de 7 do corrente mês resolveu tomar medidas tendentes a sustar a perniciosa e perigosa subida do custo de vida. E o ilustre Presidente do Conselho de Ministros, com aquela clareza que lhe é tão peculiar e com aquele conhecimento e sentido das realidades sociais que o têm cotado como um estadista de primeiro plano e em cujo saber e bom senso o povo abertamente confia para a superior realização dos interesses nacionais, na sua notável comunicação de 8 do corrente, alertou o País sobre o perigo da elevação dos preços e da ineficácia do aumento de vencimentos como remédio salvador para tão grande mal. E com aquela calma e serenidade, própria dos homens que sabem o que querem e para onde vão prometeu medidas destinadas a minorar o mal-estar que se sente em resultado de altos preços que nem sempre se alicerçam em bases sérias e justas. Oxalá que tais medidas se não façam esperar e que a sua eficácia desencoraje certos bandos de oportunistas, sem consciência nem escrúpulos, para quem a indústria e o comércio deixou de ser uma profissão digna e indispensável ao desenvolvimento e organização da sociedade em que vivemos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas, Srs. Deputados, desta situação verdadeiramente anómala que o País atravessa, há classes sociais mais duramente atingidas que outras, porque são mais débeis e ineficazes os seus meios de defesa.

Delas destaco a pobre lavoura, que não obstante a boa vontade e compreensão e, por vezes, as inteligentes e enérgicas medidas do Ministério da Economia, não logrou ver ainda os seus produtos convenientemente valorizados, já não digo ao nível dos artigos transformados pela indústria, mas, pelo menos, com aquele coeficiente valorativo que dê ao empresário e ao trabalhador da terra aquele mínimo de lucro e bem-estar a que tem direito todo o homem que trabalha.

E o resultado disto é que os campos vão sendo assustadoramente abandonados, não sendo raro ver-se, com desalento, campos outrora férteis e verdejantes convertidos em matagais onde apenas crescem algumas ervas daninhas. E uma economia sem uma agricultura relativamente próspera não pode servir o interesse nacional nem o País, conduzindo-o àquela posição de equilíbrio e estabilidade tão indispensável para o bem e felicidade dos povos.

O povo alimenta-se e, por consequência, vive de pão, da carne, de leite, bebe vinho e sumos de frutos e nisto está em grande parte o seu bem-estar e até a sua saúde.

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Assim, há que estimular-se o aumento da produção agrícola através de uma política inteligente e justa de preços, de modo que se não esteja a sacrificar uma classe sem cuja actividade o País não poderá sobreviver em condições normais e satisfatórias.

Outra classe que tem sido e está sendo constantemente vítima da permanente elevação de preços de todos os géneros e artigos que são indispensáveis à sobrevivência do indivíduo é a dos funcionários públicos, pela debilidade dos meios que, honestamente, pode contrapor à desmedida ganância do lucro ou às vezes mesmo, às justas exigências da produção.

Ao trabalhador da fábrica e até já ao do tampo a escassez da mão-de-obra obriga o patrão a ir adaptando os salários às exigências do custo de vida actual.

Não raro se constata que esta ou aquela empresa melhorou as condições de vida dos seus trabalhadores em empregados, medidas, aliás, justíssimas, que, trazendo ao homem um melhor bem-estar e conforto, elevam a sua dignidade humana, arrancando-o, tantas vexes, à miséria espiritual e física em que vegeta, antecâmara do crime e da revolta. E o Estado, compreendendo isso mesmo, vai, dentro da medida do possível, melhorando as condições dos seus servidores, atribuindo-lhes aqueles aumentos de vencimentos compatíveis com as disponibilidade orçamentais, fortemente comprometidas com as despesa de uma guerra que o estrangeiro nos move, mas que havemos de vencer, porque é justa a causa por que batalhamos.

Ainda há pouco foi aumentada a benemérita classe do professorado primário e já o havia sido a das finanças, medidas absolutamente justas e que desde há muito se impunham. O Sr. Ministro da Educação Nacional, homem da sua época, absolutamente integrado e ao par dos mais ingentes problemas nacionais, depressa compreendeu que. a organização das chamadas infra-estruturas nacionais, para terem realidade e eficiência, têm de principiar pela instrução, por uma chamada de inteligências preparadas cientificamente, em ordem à resolução dos problemas de que depende, o progresso da vida moderna. E assim, tanto quanto lhe permitiram as disponibilidades financeiras do Estado, e num louvável esforço, melhorou já as condições económicas de quase todo o professorado e está estudando para os instantes medidas que satisfaçam as suas justas reivindicações, o que tem trazido, como é óbvio, um bem-estar entre a classe que há-de, sem dúvida vir a dar os melhores resultados no aperfeiçoamento do ensino e consequentemente, no aproveitamento da escolaridade. As forças da ordem, com toda a justiça, algo também foram melhoradas e os servidores dos organismos corporativos suponho que de alguns reajustamentos também têm beneficiado. Porém, há duas classes de servidores que não têm ultimamente recebido quaisquer aumentos nos seus proventos, que em regra, são bem reduzidos, Refiro-me aos funcionários, administrativos e aos funcionários dependentes do Ministério de Justiça.

Dos primeiros largamente se ocupou numa das últimas sessões o nosso ilustre colega Alves Moreira, que deduziu acertadíssimas e pertinentes considerações no sentido de uma melhoria de condições de vida de tão úteis e dedicados servidores da causa pública. As suas justíssimas palavras eu adiro, na esperança de que medidas adequadas se não façam esperar que algum benefício tragam a estes funcionários.

São também verdadeiramente exíguos os vencimentos percebidos pelos funcionários dependentes do Ministério da Justiça, principalmente os que trabalham nas secretarias judiciais. O seu trabalho, a sua dedicação e o seu esforço são verdadeiramente notáveis. Sem horários, sem horas para comer e até para descansar, trabalham tantas vezes até altas horas da noite, pois os prazos judiciais têm de ser cumpridos e o aumento dos serviços nos tribunais é uma constante do desenvolvimento comercial, industrial e social do País.

Estes servidores, porque são mal remunerados, procuram constantemente. principalmente os mais aptos, melhores condições de vida nos bancos e nas empresas particulares, facto que traz grandes perturbações aos respectivos serviços pela falta de pessoal necessário e apto para ocorrer às exigências do mesmo.

Há que olhar o mnis urgentemente possível paru a situação destes funcionários. E penso que a situação de uns e outros podia ser resolvida sem qualquer agravamento das finanças públicas, pois os funcionários administrativos são pagos pelas câmaras municipais e os funcionários da justiça, a que me venho referindo, recebem pulo Cofre Privativo dos Conservadores, Notários e Funcionários de justiça, cuja receita é exclusivamente formada pelos emolumentos arrecadados pêlos funcionários e nu mesmo Cofre depositados.

Com uma justa melhoria das condições económicas destes funcionários o Estado nenhum gravame teria de suportar e os Srs. Ministros do Interior e da Justiça praticariam um acto de inteira humanidade o justiça.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Manuel Nazaré sobre a difusão da língua portuguesa em Moçambique.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada D. Sinclética Torres.

A Sr.ª D. Sinclética Torres: - Sr. Presidente: Sinto-me na obrigação, perante a Nação e as populações que represento, de tomar parte no debate do aviso prévio sobre, a expansão da língua portuguesa, da autoria du Sr. Deputado Manuel Nazaré, cuja oportunidade no momento presente não oferece quaisquer dúvidas.

Tal como sucede comigo, haverá muitos Deputados que não conhecem Moçambique, e neste momento estiai tentada em dizer que é pena, é mesmo lamentável que membros do mais alto órgão da Nação desconheçam em absoluto parcelas tão importantes do território nacional, como o é esta nossa província do Indico.

Não para mim, que me encontro no fim do cumprimento da minha missão, mas para os que hão-de vir é necessário que se intensifique cada vez mais o intercâmbio entre a metrópole e o ultramar, para que aos Deputados que o desejarem sejam facilitadas viagens de estudo por todo o espaço português, de forma que possam, com conhecimento de causa, contribuir para a solução dos problemas que como este, representam verdadeiros pilares não só para expansão da civilização europeia, como, e muito principalmente, para o engrandecimento da Nação.

Em boa verdade só os mal-intencionados poderão pensar que estes problemas, trazidos por nós, desta maneira franca e simples, como o aviso prévio foi apresentado, representam uma forma de apontar os erros do Governo, mas não; e na realidade ninguém melhor que nós poderá testemunhar que apesar de tudo, não houve nenhuma potência que melhor orientasse as suas populações.

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Não me causou surpresa o tema de fundo do aviso prévio agora em discussão.

Para nós, portugueses, tudo concorreu para nos tornar mais difícil a nobre missão que nos empenhámos em cumprir.

Primeiro, as informações dadas para o Governo Central, ao sabor de quem as enviava, consciente ou inconscientemente apoiadas pela certeza de que ninguém lá iria verificar, dadas as dificuldades de meios de transporte, hoje felizmente ultrapassadas. Depois, os problemas locais: não podemos nem devemos esquecer que foi sob o impulso do inolvidável Prof. Salazar que o País experimentou um período de paz, interna: e, finalmente, a influência da política ultramarina de outras nações aplicada nos países vizinhos.

Tudo isto contribuiu para que as coisas não se passassem como era para desejar.

Os actuais inimigos de Portugal foram os pioneiros para a incultura dos nativos, assim como são hoje os obreiros do fogo ateado nas províncias ultramarinas e que numa perfeita comunhão de sentimentos todos procuramos extinguir com lágrimas e com sangue.

A história contará um dia como o porquê ?!

Fica-nos, a consolação de os nossos inimigos se debaterem com problemas bastante mais graves.

Sr. Presidente: Ao entrar propriamente no tema desta minha intervenção começarei por informar que, dadas as condições especiais de Angola, o problema não é tão grave nem tão difícil como parece ser em Moçambique.

Só quem penetrar nos vastos sertões verificará a falta da língua portuguesa, como uso corrente, embora haja sempre um ou outro que, falando mal, a percebe mais ou menos.

Nos arredores dos principais centros urbanos, mesmo nos subúrbios tipicamente regionais, fala-se em português, por vezes misturado com a língua nativa, mas de uma forma geral todos percebem e falam.

No entanto, não resta dúvida de que se impõe cada vez mais a divulgação da língua portuguesa por aqueles vastos sertões de Angola, onde se falam muitos idiomas.

Em Angola, como já tive ocasião de afirmar deste mesmo lugar, o que é necessário é uma orientação capaz de fazer germinar as aspirações que afinal todos pretendemos: a elevação de grau de cultura do nativo!

Tornar o nativo um valor, real e positivo, não aparento.

Para isso, há que os técnicos estudem a sério os métodos a seguir: há que nos preocupemos menos com os números estatísticos e mais, muito mais, com a qualidade de elementos válidos à, sociedade ou simplesmente ao meio em que vivem: há que perder o orgulho e aceitar a crítica como um meio profiláctico que a humanidade necessita para atingir uma perfeita e duradoira estabilidade!

Há qualquer coisa que está errado nos processos do ensino de português ao nativo em Angola, com vista a elevar o seu grau de cultura!

Em Angola, como em Moçambique, há que fazer duas campanhas absolutamente distintas:

a) A campanha da expansão da língua portuguesa, cujo objectivo será única e exclusivamente fazer falar e perceber a língua nacional. Trabalho nobre para missionários, catequistas, auxiliares de família, assistentes sociais, etc.

b) A campanha contra o analfabetismo, com vista a aquisição de um diploma de instrução primária, que é a chave para obter outros conhecimentos e que o irá lançar em diversas ocupações positivamente à vontade, dado o seu perfeito estado de habilitação.

Esta sugestão aplica-se, como é lógico, aos meios onde ainda se ignora por completo a língua portuguesa.

A campanha contra o analfabetismo em Portugal foi um êxito e não encontrou grandes dificuldades porque todos falam a mesma língua!

Os técnicos poderão estudar o assunto, mas creio que não se possa ensinar a uma criança (ou adulto) que não fale nem compreenda a língua portuguesa com o mesmo livro e pelo mesmo processo que aprende outra criança cuja língua materna seja precisamente a língua portuguesa.

O problema do destribalizado ergue-se aqui e além como um fantasma ameaçando um trabalho honesto, mas imperfeito: porque uma vez saído do seio da sua comunidade com um diploma que pretenderam ser a chave de algumas portas para ganhar honestamente o pão de cada dia, vê-se preterido por outros com o mesmo diploma, sim, mas, na verdade, mais bem preparados.

Chega-se ao ponto de professores para o ensino rural não saberem escrever nem redigir o português de trazer por casa ...

E, porque a tendência natural do nativo é filiar tudo no fatalismo da cor, intintivamente se amordaça na luta contra o branco, e o inimigo pode fazer dele um elemento válido para as suas maquiavélicas intenções!

Outro problema voltou a erguer-se em Angola, também relacionado com o ensino.

A grande maioria das populações escolares não compreende por que se teima em manter os períodos escolares em Angola tal como estão, quando, após um inquérito, através da rádio e dos jornais, cerca de 70 por cento de opiniões validas, que vão desde professores catedráticos, liceais e primários aos próprios alunos e pais destes, desejaram uma mudança ou, pelo menos, um reajustamento nos períodos escolares com o tempo.

Em minha opinião pessoal, o período das aulas está de facto errado.

As aulas funcionam apanhando os meses mais quentes do clima tropical.

A juventude infantil tem de ficar em casa durante as férias por serem os meses mais frios, os de cacimbo.

Os adolescentes, nas férias grandes, impossibilitados de um período de praia, ou vida ao ar livre, vão para cafés e bares, onde se viciam na bebida, sem nenhum proveito salutar: e à noite, porque o corpo não fez exercícios durante o dia, vão para cabarets e clubes dos subúrbios, onde iniciam uma vida de corrupção indesejável sob todos os aspectos.

De resto, com a Universidade em Angola já não se justifica este capricho dos perdidos escolares não adaptados ao clima tropical; seria ainda um meio de fixação de que a província tanto carece.

Toda a imprensa local comentou largamente o facto, até porque se contava com uma alteração comprovadamente desejada pela maioria.

Mas tal não sucedeu: em substituição, como de costume, surgiu um esclarecimento, da parte do sector responsável para os problemas da educação, que não convenceu.

Sr. Presidente: Desviei-me um pouco do tema do aviso. Peço desculpa. Contudo, estando no fim do cumprimento de um dever perante a Nação, não podia deixar de falar neste problema, que embora pareça resolvido, não está e preocupa educandos e educadores que lá vivem e lá pensam ficar.

Voltando ao tema do aviso prévio, concordo plenamente com o que afirma o Sr. Deputado avisante: "A língua portuguesa é um meio de acesso a cultura portuguesa e europeia, mas não deve opor-se às culturas tradicionais."

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Em Angola procura-se por todos os meios não quebrar essas culturas, conservando e pondo em relevo o que elas têm de original.

Seria, injusto negar o carinho e o esforço que o Governo tem feito.

O trabalho está iniciado; muito haverá ainda a fazer. Mas o momento é grave e todos não somos de mais para defender as legitimas aspirações humanas, com vista ao engrandecimento e à integridade da Nação.

Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A oradora foi muito cumprimentada.

O Sr. Castro Salazar; - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por apresentar no Sr. Deputado Dr. Henriques Nazaré, ilustre autor do aviso prévio sobre a expansão da língua portuguesa em Moçambique, as minhas saudações, prestando homenagem às suas qualidades de inteligência, de trabalho, de carácter e de patriotismo, brilhantemente expressas no exaustivo trabalho que na passada quinta-feira apresentou nesta Assembleia Nacional em aviso prévio.

Como a expansão da língua portuguesa, interessa não só a Moçambique, mas a todo o espaço português, foi requerida a, generalização do debate pelo Dr. Veiga de Macedo - juntamente a pessoa mais indicada para o fazer, pois na expansão da língua escrita no nosso país teve S. Ex.ª papel de primeiro plano. Aproveito a oportunidade para desta tribuna lhe apresentar as, mais sinceras homenagens.

Sendo a geografia da língua portuguesa bastante mais vasta que a nossa geografia política, necessàriamente a sua expansão não interessa somente a uma parcela da Nação, ou mesmo só à Nação. Ainda recentemente o Dr. Abu Abdoulaye - escritor e investigador camaronès - afirmou, numa conferência realizada em Lisboa, estar a África preparada e até predisposta para a expansão da língua portuguesa e, depois de recordar ter sido esta a primeira a expandir-se em África como "língua franca", frisou a necessidade de se fomentar incondicionalmente a expansão do português naquele continente e dar a conhecer aos povos africanos a nossa literatura e cultura.

Outros estudiosos poderiam dizer o mesmo referindo-se a outros continentes, pois os portugueses deixaram bem vincada a sua paragem pelo Mundo, enriquecendo com as suas outras línguas, ou contribuindo para a formação de dialectos, como o que ainda hoje se fala em Malaca e em outras terras do Oriente.

A história revela-nos ter sido preocupação dos reis na época da nossa expansão marítima, principalmente de D. Manuel I, o ensino da língua pátria aos povos das regiões descobertas pelos navegadores portugueses: com esse fim enviou el-rei para as terras descobertas da África da América e do Oriente milhares de livros e muitos "mestres de ler e escrever". A difusão da língua portuguesa fez-se através de todos os continentes e nalgumas regiões manteve-se mesmo após a perda do nosso domínio político. Augusto de Castilho, após uma visita à costa do Daomé, no século passado, escreveu o seguinte:

A língua portuguesa, que é a língua estrangeira mais conhecida em toda a costa, e indispensável aos comerciantes, aos missionários e a qualquer que queira ter trato íntimo com os indígenas.

David Lopes revela-nos ter sido até nos princípios do século XIX o português a língua de comunicação dos europeus com os naturais de outros países no Oriente e sendo nesta língua que os missionários dinamarqueses holandeses e ingleses pregavam aos naturais dessas regiões. É curioso saber-se que em Malaca três séculos não foram bastante para apagar aí os vestígios da nossa presença pois mais duradoura que os padrões que o tempo destrói é a língua que lá deixamos.

Não dizia João de Barros que "mais pode durar um bom costume e vocábulo que um padrão"?

Sr. Presidente: A província de S. Tomé e Príncipe deve ser a única parcela do ultramar português onde o problema agora em discussão nesta Câmara se encontra plenamente resolvido. Na realidade, todo o nativo são-tomense fala correctamente o português; a grande maioria da população é alfabetizada e há mais de três anos que a escolaridade atingiu na província os 100 por cento.

Desde os primeiros tempos do povoamento das ilhas que a língua portuguesa foi o elo de ligação entre os elementos das várias etnias que lá se fixaram e do contacto do português com os idiomas africanos falados então em S. Tomé nasceu o crioulo são-tomense, tão rico em melodia e expressão, O nativo de S. Tomé. embora em família se exprima correntemente em crioulo (em dialecto, como muito bem dizem os são-tomenses), raramente o faz na sua vida de relação com pessoas estranhas. Aprendem o português ao mesmo tempo que balbuciam as primeiras palavras de dialecto e alguns, por vezes, até nem chegam a aprender este, pois o desejo de que os seus filhos singrem nos estudos sem dificuldades de ordem linguística leva muitos pais a proibirem em casa o uso do dialecto são-tomense. Na verdade, nota-se já em S. Tomé, e muito mais no Príncipe, uma tendência para o abandono do dialecto por parte dos habitantes destas duas ilhas, e essa tendência vai aumentando na mesma medida em que aumenta, o grau de instrução dos seus habitantes: parece-me, todavia, que o seu desaparecimento constituiria séria perda para o nosso património cultural.

Verifica-se em toda a África uma ânsia enorme de aprender, principalmente nas camadas jovens. Esse desejo legítimo dos povos africanos tem em S. Tomé e Príncipe o ambiente francamente propício à sua concretização, pois nem a língua (que para muitos africanos se apresenta como barreira quase intransponível), nem as condições sócio-económicas impedem os seus naturais de frequentarem as escolas primárias e secundárias da província e os mais dotados intelectualmente de tirar na metrópole cursos médios e superiores. Referi-me já à consoladora realidade de se ter atingido na província a escolaridade completa: direi ainda que a frequência nos estabelecimentos de ensino secundário aumenta de ano para ano, atingindo esta índices cada vez mais próximos dos verificados no continente português quanto a este grau de ensino e também que se conta por muitas dezenas o número de nativos de S. Tomé e Príncipe matriculados em estabelecimentos de ensino médio e superior na metrópole.

Não ficaria de bem nem a minha consciência se neste momento não fizesse uma referência, embora breve, à presença de S. Tomé e Príncipe na cultura portuguesa através de tantos dos seus filhos que às letras pátrias têm dado válido contributo. Cito sòmente dois, que a morte arrebatou já, um nos fins do século passado e outro nos nossos dias: Costa Alegre e Francisco José Tenreiro, ambos falecidos em plena juventude, mas que, como poetas e escritores de mérito, enriqueceram e honraram as letras portuguesas.

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S. Tomé e Príncipe pode também legitimamente orgulhar-se do seu contribuiu na expansão da língua portuguesa, em outras províncias ultramarinas, nomeadamente, em Angola e Moçambique. Durante muitas dezenas de anos trabalhadores destas duas províncias foram contratados para, por períodos de três anos, trabalharem nas propriedades agrícolas de S. Tomé e Príncipe, sendo o português o veículo de entendimento entre as várias etnias que aí se juntaram e também o elo que unia todos aqueles portugueses de raças e falares diferentes.

O contacto com uma comunidade negra mais evoluída, o convívio diário com o homem branco e os hábitos de civilização que nas roças iam adquirindo exerciam benéfica acção sobre aquelas mentalidades primitivas, levando-os a aprender a língua portuguesa e a adquirir um grau de civilização que dificilmente conseguiriam nas suas terras de origem. Foram dezenas de milhares de angolanos e moçambicanos que levaram a S. Tomé e Príncipe a força do seu braço em favor da economia e prosperidade da província, mas a verdade é que esses trabalhadores levaram para as suas terras o dom inestimável de falarem uma língua que lhes abriu as portas da civilização e os projectou para fora do circulo fechado das suas etnias.

Ainda há quatro anos, visitando no Norte de Moçambique a povoação de Nacala Velha, encontrei aí um nativo da região que em tempos estivera em S. Tomé como trabalhador e me dizia, em bom português, ter saudades de S. Tomé por aquilo que lá aprendera.

Em 1961, quando a subversão ameaçava destruir em Angola uma obra de muitos séculos, populações desorientadas abandonaram as suas sanzalas e acolheram-se no interior das matas - por medo dos, terroristas uns, para atacar as nossas forças militares outros. Por dever profissional tive de ir certa vez a uma povoação situada na fronteira do Congo - Cuilo-Futa -, onde a população se havia já apresentado às autoridades na sua quase totalidade: uma vez lá chegado, pediram-me para ir ver um doente a uma sanzala denominada "S. Tomé". Fui e, contrariamente ao que estava habituado naquela região, o doente - homem já velho - falou-me em português. Explicou-me que aprendera a falar português em S. Tomé, quando há muitos anos lá estivera, como trabalhador, e o nome daquela sanzala devia-se justamente ao facto de ter sido fundada por pessoas que tinham estado a trabalhar naquela província. Disse-me que todos na sanzala falavam a língua portuguesa, pois os velhos que a tinham aprendido em S. Tomé a ensinaram aos filhos e aos netos.

Compreendi então a razão por que oram eles os mais evoluídos daquela região e compreendi ainda a razão por que não se tinham deixado subverter pela propaganda terrorista, e foram os primeiros a apresentar-se às autoridades militares quando estas lá chegaram.

Compreendi também ter sido a língua portuguesa a razão primeira da fidelidade daquelas centenas de portugueses pretos, pois ela, tornando-se veículo de entendimento entre brancos e negros, possibilitou uma convivência mais activa, um melhor conhecimento mútuo a uma maior fraternidade.

Tomei como lição este episódio e parece-me que, trazendo-o aqui, poderei elucidar muitos e levá-los a tirar salutares conclusões. Não podemos esquecer que, se o conhecimento da língua portuguesa abre ao português africano as portas, da ciência e da técnica, permitindo-lhe o acesso franco aos bens da civilização, ele é também um instrumento de integração política que favorece e estimula a coesão nacional. Dificilmente compreendemos como será possível sentirem-se verdadeiramente portugueses aqueles milhares de africanos nossos irmãos a quem o desconhecimento da língua impossibilita a assimilação da nossa cultura, o diálogo com o português branco e das outras etnias - diálogo que leva ao conhecimento mútuo, à estima e à compreensão e também à integração na mesma comunidade. Mas a verdade é que alguns milhões de portugueses de cor não falam nem entendem português.

Ternos de reconhecer, no entanto, a obra realizada pelo Governo, principalmente nos últimos anos, não só na difusão da língua portuguesa em todo o ultramar, mas também na alfabetização das suas populações em idade escolar. Ainda recentemente me veio parar às mãos o relatório das actividades dos Serviços de Educação de Angola referente ao ano escolar de 1966-1967, onde me foi grato verificar que o número de alunos matriculados no ensino primário oficial foi de 239 466. Não podemos deixar de admirar o esforço despendido pela província de Angola no sector da educação, ao sabermos que num período de cinco anos (1961-1962 a 1966-1967) a frequência escolar nos estabelecimentos oficiais de ensino primário da província passou de 77 596 alunos para 239 468. Estes números referem-se, somente ao ensino primário oficial, não incluindo, portanto, o ensino particular e o das escolas missionárias.

Seria injustiça não fazer aqui uma referência à obra realizada pelas missões católicas em prol da instrução das populações escolares que lhes estão confiadas. Obra grandiosa, gigantesca mesmo, se atendermos nos magníficos resultados obtidos, não obstante os parcos recursos materiais de que dispõem. Desde os primeiros tempos da evangelização das terras descobertas pelos nossos navegadores, os missionários portugueses, ao mesmo tempo que espalham a doutrina do Evangelho e a civilização cristã, igualmente difundem a cultura e a língua portuguesas. A fé e a língua portuguesa andaram sempre tão ìntimamente ligadas na evangelização dos povos que em algumas regiões do Oriente "cristão" passou a significar "português". O Estatuto Missionário, ao estabelecer em 1941 a obrigatoriedade do ensino e uso da língua portuguesa nas escolas missionárias, não fez mais que confirmar uma tradição que desde sempre foi seguida nas missões católicas portuguesas.

Na província de Moçambique foi confiado às missões católicas o encargo da escolarização da população autóctone nas áreas onde não existe o ensino oficial, sendo altamente apreciáveis os resultados obtidos. No ano escolar do 1966-1967 ascendeu a mais de 400 000 o número de alunos que frequentaram as escolas missionárias em toda a província, número altamente significativo para uma população de pouco mais de 6 milhões de habitantes. Sem querer fazer comparações, que quase sempre são odiosas, citarei somente o facto de na Diocese de Nampula, com uma população de 1 400 000 habitantes, terem frequentado as escolas missionárias, em 1966-1967, 127 051 alunos, dos quais 48 880 do sexo feminino; estes números fazem-nos ter fundadas esperanças numa rápida difusão da língua portuguesa e progressiva alfabetização das crianças daquela Diocese.

Não negando o muito que se tem feito, não podemos, contudo, ignorar o muitíssimo que há ainda a fazer no capítulo de instrução dos portugueses africanos. É um problema nosso, que ternos de encarar de frente, equacionado com toda a verdade, estudá-lo profundamente e procurar para ele as melhores soluções. Parece-me que é nas camadas jovens, que viram passar a idade escolar e com ela fugir a oportunidade de se instruírem, e nos adultos até aos 40 anos que o problema da difusão da língua e da alfabetização atinge maior acuidade e exige rápidas soluções. São justamente estas as camadas da população

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mais susceptíveis de se deixarem explorar e seduzir por uma propaganda habilmente dirigida, a qual aproveitando-se da boa fé e ignorância dessa pobre gente e da sua ânsia de aprender e subir na escala social, com mentirosas insinuações e promessas tentadoras, lança nos seus espíritos A semente de ódio contra o homem branco, a revolta e a subversão. Constitui, por outro lado, essa camada da população a mais rica fonte de energia para o desenvolvimento económico do ultramar. Necessitamos do trabalho do português de cor em todos os sectores de actividade ultramarina: na agricultura, na indústria, nos serviços: mas para isso necessitamos de, "rapidamente e em força", os preparar, e na base dessa preparação terá de estar a aprendizagem da língua. Se a não fizermos, pode acontecer que o desenvolvimento económico desta ou daquela província se veja seriamente ameaçado, ou mesmo prejudicado, por não se ter sabido preparar a tempo mão-de-obra qualificada.

Não comungo da opinião daqueles que afirmam ser o desenvolvimento económico a determinante da promoção social dos povos. A mim parece-me que este tem de preceder aquele, se o desenvolvimento pretende ser verdadeiramente nacional. É impossível haver progresso se não se começa por valorizar o homem.

Sobretudo, ao empenharmo-nos na valorização humana e espiritual do negro português, de que a aprendizagem da língua é factor importante, não nos podemos esquecer que no centro do problema está o homem. Tem de ser dirigido para ele, e por causa dele, todo o nosso esforço. Ele é a, forca centrípeta que há-de atrair a si todo um conjunto de boas vontades, de sacrifícios, de fazenda e, sobretudo, de amor, para que a luz da civilização o subtraia às trevas da ignorância e do primitivismo.

Essa tem de ser obra de todos os portugueses que têm a honra de falar a língua de Camões: brancos ou pretos, homens ou mulheres, militares ou civis, todos, dentro das suas possibilidades, são chamados a dar o seu contributo a esta campanha de difusão da língua.

No meu entender, e pelas razões que tive a oportunidade de apontar, a campanha do ensino da língua portuguesa, falada e escrita, deverá iniciar-se pelos adultos mais jovens, atingindo progressivamente todas as camadas da população adulta: o ensino da população em idade escolar parece-me que deveria continuar nos moldes actuais, sem necessidade de alteração das estruturas já existentes; simplesmente, os Governos das províncias procurariam acelerar o plano vigente de escolaridade total.

Penso, também, que a campanha deve ser estudada e dirigida pelo Governo, que congregará todas as boas vontades daqueles que nela queiram comparticipar, quer activamente, quer por qualquer outro meio. Aos técnicos deixaremos o encargo do estudo e programação da campanha, e temos a certeza que eles saberão transpor todas as dificuldades que, se lhes depararem e que prevemos sejam muitas: contudo, não pude haver dificuldades intransponíveis quando está em causa o bem inestimável da cultura e do progresso social de milhões de portugueses e o próprio prestígio da nossa capacidade civilizadora.

E vou terminar dando o meu apoio no aviso prévio do Sr. Deputado Henriques Nazaré sobre a expansão da língua portuguesa, e servindo-me dos versos de António Ferreira formulo o voto de que muito em breve, do Minho a Timor.

Floresça, fale, cante, ouça-se e viva
A portuguesa língua (...)

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Gabriel Teixeira: - Sr. Presidente. Aproveito a oportunidade de subir a esta tribuna para saudar V. Ex.ª, por quem outro uma amizade fundamentada no conhecimento das suas qualidades de carácter e inteligência, amizade que não é Velha porque a mocidade de V. Ex.ª o não permita. A alegria com que o vejo a presidir aos trabalhos da Assembleia é ensombrado pela doença do Sr. Prof. Doutor Mário de Figueiredo, a quem peço que transmita os meus muito sinceros e respeitosamente amigos votos de completo e rápido restabelecimento.

Srs. Deputados: Se o ilustre colega Dr. Manuel Nazaré nos habituara, nos seus anteriores avisos prévios, a exposições claras, argumentos honestos e desassombrados, profundidade na análise dos temas versados, no actual aviso, sem fugir a estas "linhas mestras", eleva-se a excepcional altitude.

E, a lisonja não tem o mínimo cabimento nesta afirmação.

O problema agora versado, pela sua natureza, suas múltiplas facetas e delicadeza de algumas, destas, imbricando-se em tantos outros problemas, só admitia uma apresentação de "alto nível", como a que lhe deu o ilustre Deputado apresentante.

E tão completa foi a exposição, que, salvo repetições, só terão cabimento alguns apontamentos e exemplos comprovativos das afirmações feitas.

É o que me proponho fazer com base nos longos anos de estudo dos problemas de Moçambique.

Assim, quanto à tese de que a língua é o elemento mais importante de, compreensão, e portanto de amizade e colaboração dos povos, venho oferecer o testemunho dos factos, que passo a descrever.

A poucos meses da minha chegada a África, apanhei o intérprete da capitania a falsear um julgamento, "fabricando" perguntas e respostas para favorecer a parte culpada, que o tinha peitado.

Expulsei-o indignado, e, para pôr-me a coberto de casos semelhantes resolvi aprender a língua indígena, tanto mais que na zona costeira todos falavam o "swahili", a língua deixada pelos navegadores árabes na costa oriental da África.

A gratidão que hoje tenho àquele intérprete desonesto!

Falando-nos na mesma língua, o mundo novo que se abriu para mim! A sua concepção da vida, os seus usos, até as histórias sobre animais e pessoas mostraram-me a "alma" do indígena.

Permitiram-me compreender a inteligência dos seus usos e costumes, código perfeitamente conforme com a sua concepção da vida e com o meio.

Quantas vezes têm razão quando opõem uma resistência insuperável a certas inovações, mesmo bem intencionadas, de utópicos civilizadores?

E, por acréscimo, ainda conquistamos a sua amizade. Sentindo o nosso interesse por eles, abrem-se connosco, ficam felizes quando mostramos que os compreendemos e estimam-nos por isso.

Anos depois, em Macau, uma companhia indígena ali destacada completou os dois anos de tempo de comissão quando rebentou a guerra no Extremo Oriente, e não pôde ser rendida.

A certa altura o comandante, oficial distinto, começou a sentir um mal-estar geral entre os soldados. Apáticos, mal comiam, dois morreram, sem que os médicos encontrassem qualquer doença.

Por acaso era uma companhia recrutada em Porto Amélia. Fui visitar a companhia, comecei a conversar com os homens em "swahili" o apurei que o seu mal era a nostalgia da, terra, da qual já estavam afastados havia perto do cinco anos.

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Levantei-lhes o moral, e de vez em quando aparecia-lhes, falava com eles e aguentaram-se até ao fim da guerra.

Isto foi possível porque os compreendia e lhes falei na mesma língua.

E a amizade que de licam a autoridades administrativas que os compreenderam - embora fossem severas - e que se prolonga para além da morte?

Entre tantos, cito apenas um, porque morreu há mais do quarenta anos e ainda, hoje é citado reverentemente: o administrador Alves de Zavala.

São amizades de gente de alma pura, que se revestem de aspectos que comovem.

Já nos anus de 50, um dos ajudantes veio dizer-me que um indígena, de Porto Amélia me queria falar, mas só a mim podia dizer o que queria.

Mandei-o entrar.

Apresentou-se-me um homem novo.

— Sou filho do Saide de Porto Amélia.

- Do Saide maquinista da Capitania?

- Sim.

- Como está o teu pai?

- O meu pai morreu. Quando estava doente, disse-me: "Eu sou muito amigo do governador-geral e ele é muito meu amigo. Quando eu morrer vai dizer-lhe que Saide morreu."

E o filho veio de Porto Amélia a Lourenço Marques, seis dias de viagem por navio, para cumprir a ordem do pai, de dizer ao governador-geral que tinha morrido um amigo, o Saide.

Era bem certo que o governador-geral era muito amigo do Saide, que o acompanhara, vinte anos antes, em longas horas de gasolina na costa de Cabo Delgado.

A prova, embora ao invés, fica irrefutavelmente, feita quanto ao elemento de amizade e colaboração que é a língua.

E é prova ao invés porque, neste caso a língua, foi uma língua nativa, uma entre as dezenas que se falam em Moçambique.

Não admite qualquer comprovarão de que a língua comum tem de ser a língua portuguesa.

Refere o aviso prévio dois aspectos de carácter "humano-político" - permita-se-me a classificação -, que merecem um apontamento.

A utilização da ânsia de aprender do nativo, que os comunistas utilizam para os atrair, e a presa que a estes oferecem os jovens africanos que deixam as suas terras pelos centros urbanos atrás de um sonho, e que nestes vêm a cair no vício e libertinagem.

O primeiro caso é perfeitamente conhecido, mas parece-me de apontar alguns pormenores que marcam o carácter e inteligência da acção comunista entre os nativos africanos no geral, que não apenas entre os nossos.

Os métodos usados pelos Mau-Mau no Quénia, em 1955, e pelos terroristas no Norte de Angola, em 1961, foram absolutamente iguais: violências revoltantes, particularmente contra mulheres e crianças, indistintamente brancas ou pretas.

Objectivo: levar o branco aos excessos das vinganças, criando um fosso entre as duas raças, e paralisar a massa negra com a força do seu poder.

Utilização do "feiticeiro", com a sua presa enorme sobre as massas negras.

Os dirigentes, em ambos os casos, treinados em escolas além "cortina de ferro". Kenyata viveu oito ou nove anos em Moscovo, e, tendo de lançar o movimento de dentro do Quénia, começa por uma rede de escolas, através da qual capta os seus adeptos.

Num e noutro caso, colaboração activa de feiticeiros a "santificar" os movimentos.

Indígenas do Quénia, obrigados a prestar o juramento Mau-Mau com a faca na garganta - literalmente e não um sentido figurado -, só se consideram desligados quando uns "superfeiticeiros", criados pelas autoridades, com ritual adequado, os libertam das juras feitas!

E é esta élite de criminosos, desafricanizados, que dirige (aparentemente, é claro) os movimentos pretensamente libertadores das massas africanas, com a simpatia, nem sempre bem disfarçada, de alguns dos nossos aliados da N. A. T. O. e do suave Sr. Thant.

Nas escolas que frequentam, o principal é a formação comunista-terrorista dos recrutados, que são previamente seleccionados pela sua inteligência e propensão para aceitar as ideias que neles pretendem instilar.

Tem havido casos em que, apercebendo-se do logro, se revoltaram e alguns conseguiram mesmo fugir e vir contar á verdade sobre o ensino naquelas escolas.

A formação dos quadrou dirigentes aparentes dos movimentos "pseudolibertadores" africanos. (Os reais mentores ficam na sombra como conselheiros culturais ou técnicos.)

Quanto ao caso dos jovens africanos que são arrastados para o vício e libertinagem, nos centros urbanos, merece referência especial pelo seu conteúdo de sofrimento humano.

O fenómeno não é apenas nacional nem restrito aos jovens negros.

Veja-se o que narra Jack London, no John Barleycoru, em que um jovem (o autor) sente até náuseas ao beber bebidas alcoólicas, mas bebo-as para parecer homem como os outros, depois passa a gostar e acaba no delirium.

Com o jovem africano o caso ainda é mais pungente, porque parte de um estado de maior inocência e está fora do seu meio, totalmente desamparado.

Peter Lanham, no seu livro Blanket Boys Moon, faz-nos doer o coração e como que sentir uma quota-parte de culpa pelo drama destas casos.

Desiludidos e revoltados, contra tudo e todos, são fácil presa dos recrutadores do comunismo, para "soldados de fileira" enquadrados pelos anteriores.

Agora um apontamento sobre a assimilação.

Não pode julgar-se dos resultados da assimilação através do número oficial de assimilados.

Havia muitos que. Satisfazendo as exigências, da assimilação, não requeriam o respectivo alvará e até alguns, tendo-o adquirido, o faziam desaparecer, voltando a pedir a caderneta de indígena.

Não se ufanavam da sua conquista? Certamente. Mas a medalha tinha o seu reverso. Como assimilados ficavam igualados em absoluto aos civilizados, sujeitos às mesmas obrigações, perdendo, portanto, a larga protecção que sob vários aspectos, desfrutava o indígena. Exemplificando: um patrão não pagava ao seu empregado indígena. Este levava o seu "tiquête" de trabalho ao administrador, que liquidava o débito, dos fundos da sua caixa, procedendo depois à cobrança, ao patrão, recorrendo às execuções fiscais, se necessário.

O indígena ocupava qualquer terra livre, e enquanto a ocupasse, por si e seus descendentes, ninguém o podia desalojar.

O assimilado, tal qual o civilizado, se era credor de alguém, tinha de recorrer aos tribunais, pondo a acção respectiva. Se pretende uma terra, requer a concessão pelas vias legais, com as demoras e despesas inerentes.

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Não comento, mas creio que fundamento a observação de que o número dos "oficialmente" assimilados era muito inferior no dos realmente assimilados, reunindo todas as condições exigidas, mas que não requeriam o respectivo alvará.

E volto ao toma do aviso prévio.

Posto o problema com a notável elevação que referi no início, em omissão, quanto a mim, de nenhum dos condicionamentos fundamentais a atender para a sua solução, conclui, e muito bem, que dados os múltiplos aspectos do problema, um programa de actuação "só podo ser eficazmente concebido como trabalho de equipa dos vários departamentos encarregados de cada um dos aspectos respectivos".

Dou ao ilustre colega a minha total, embora pouco valiosa, concordância.

Peço vénia, porém, para me afastar das sugestões que em seguida formula.

É que, quanto a mim, a difusão da língua envolve o seu uso, uma vez aprendida, e, portanto, que paralelamente ao ensino da língua há que criar as condições de vida das massas que as levem a usar o português.

Ou seja, seguir a fórmula que considero fundamental:

"As valorizações moral e material do nativo têm de caminhar a par."

Nos centro urbanos não há problema: é uma questão de escolas e professores, mas tenhamos presente que 90 por cento da população nativa é rural.

Entre estes, quanto se facilitará o ensino do português quando for devidamente considerado o problema do ruralato, tão inteligente como oportunamente posto nesta Assembleia pelo ilustre colega Dr. Nazaré?

É obra a longo prazo? Certamente, que obras destas não se fazem com pressas.

O que se não justifica é perder tempo.

Julgo que a este aviso prévio, na sua forma integral, deveria ser dada lata publicidade.

Não vejo melhor base para uma verdadeira cruzada para a difusão da língua portuguesa entre a população de Moçambique.

Empreguei "cruzada", propositadamente, querendo significar que o objectivo é "captar almas" que se entreguem à sua Consecução.

É a acção do todos, e de cada um que se requer, e para tal é preciso que estejam plenamente esclarecidos sobre o bem a conseguir, o que o aviso prévio tão bem faz.

Paralelamente a esta acção de esclarecimento e arregimentação de quantos falam a língua portuguesa, os diferentes departamentos estudarão o programa, de acção.

E, quero acompanhar, reforçando-o até, o anseio do ilustre colega. Nazaré: pelo amor de Deus não nos dêem mais leis. Que o programa de acção, se possível, seja formulado em "directivas", claras, objectivas, e realizáveis com os recursos de que dispusermos.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. José Manuel da Costa: - Sr. Presidente: Ouvi um dia dizer a V. Ex.ª, e com imensa razão, ser nas comissões parlamentares que se processava, o trabalho mais consciente e proveitoso da Assembleia.

Nesta adesão de entendimento, e sem o menor intuito de crítica aos métodos de trabalho desta Casa, mas por uma consciente posição de princípio, que irá explicada mais adiante, permito-me iniciar esta intervenção por três expressões de desacordo, acaso também perfilhadas por alguns outros Srs. Deputados, mas acima de tudo relevantes por motivos de ordem psicológica, política e metodológica.

Assim, creio eu:

1) Devia ter sido - e não foi - submetido às adequadas comissões parlamentares o texto do aviso prévio em discussão;

2) Deveria ter sido dada primazia, pela sua mais ampla extensão e conteúdo e até pela prioridade cronológica da apresentação, ao aviso prévio sobre a defeca da língua portuguesa, que esse, sim, e muito bem, foi levado a estudo prévio da respectiva comissão antes de ter sido trazido ao Plenário;

3) Devia ter sido bem ponderada a muito explicável hipótese, fundamental a meu ver, de se fundirem em um só e único esquema de apreciação e estudo os dois avisos prévios, pois eles caem ambos sob o mesmo Âmbito - nacional, e não apenas regional -, e não nos cabe a nós cindir - bem pelo contrário! - o tema da vida, do estudo, do ensino, da expansão, da defesa do idioma nacional, tratando-o em compartimentos estanques, sobrepondo ainda por cúmulo o particular ao geral, se é que não virá mesmo a ficar transparecendo a ideia de que, esta Câmara tem ângulos de visão diferenciados em função e razão da essência primeira da comunidade lusíada do mundo português, da maior força de existência e de resistência da unidade nacional, do seu mais substancial e forte vínculo de coesão e aglutinação o idioma comum: a língua portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na verdade. Sr. Presidente, a densidade de conceitos e a vária substancialidade deste aviso prévio teriam exigido, penso eu, em proveito da clareza do próprio aviso e em benefício da elucidação da Câmara, um estudo, um esclarecimento, uma distinção de valores, uma ordenação temática, capazes de orientar e disciplinar as possíveis intervenções no Plenário, o termo, o modo, o motivo, a amplitude dessas intervenções, não para filtrar ou reduzir o que quer que fosse mas sim para analisar, ponderar conscientemente e com tempo estudar e apropriar-se cada um de nós de uma problemática de tão extrema gravidade e responsabilidade. Continuo pensando que se assim tivesse sucedido ganharia valor o próprio aviso prévio e seria, porventura, tornado mais claro, em objectividade, o pensamento do Sr. Deputado apresentante.

isto posto, e sem embargo de algumas reservas que hão-de vir depois, cumpre sublinhar o patriotismo, a nobreza da intenção, a coragem na propositura do tema, o conhecimento pessoal ainda quando subjectivo, das situações apontadas, a clareza da exposição e até mesmo o desprendimento crítico e ideológico, dentro do interesse nacional, com que o Sr. Deputado Manuel Nazaré trouxe a esta Câmara o seu depoimento e o seu pensamento sobre o problema da expansão da língua portuguesa em Moçambique.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para entrar no tema do aviso prévio, no seu mais directo e específico conteúdo, sendo na realidade isso o que mais importa, vamos partir de dois conceitos actuais e certos e que foram eles os geradores primor-

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diais da posição universal atingida pela língua portuguesa em cinco séculos de expansão e partindo de um escasso milhão de utentes ao dealbar da nossa epopeia marítima:

1) A única forma de língua que realmente existe é a língua falada, pois a língua literária, é ela já uma utilização artística da fala corrente:

2) A língua não existe por si mesma, mas só no homem que a emprega utiliza e, empregando e utilizando, logo a divulga e expande, em si mesma e no seu caldeamento de cultura.

Deste modo, e assim sendo, é verdade elementar e primária que só o homem, e o homem falando uma linguagem viva e contagiante, pode transportar e transplantar, de um ambiente para outro, um idioma que se situe e fixe, e alcance ganhar privilégio e primazia, lá onde existiam outros modos de expressão e entendimento.

Não é de outro modo que se expandem as línguas, ainda que seja de vários outros modos que se podem espelhar e alargar as culturas, mas dar e difundir vida a uma linguagem, só o homem falando essa linguagem e afeiçoando a ela todo o seu jeito de viver, todo o módulo da sua existência, toda a gama dos seus sentimentos, ideias e vontades afirmadas pelos seus actos mas definidos e traduzidos pelo seu poder de expressão verbal, ou melhor dito, pelo poder da sua expressão verbal na rotineira constância da vida.

No Brasil, foi no decurso de séculos, com muita gente em contacto humano, social e linguístico que pôde vir a radicar-se a língua portuguesa, a impor-se, sem sucumbir no embate com as línguas autóctones ou mesmo com outras, a si mais próximas, originárias de países eventualmente ocupantes ou de migrações de gentes estranhas ao falar português.

O poder de aliciamento do português no Mundo esteve todo no homem que falou a sua língua e nessa mesma língua que logrou ter logo de princípio, e apenas, na sua expressão oral, um tal valor de sedução que a fez evoluir e expandir-se sem perder força nem carácter. Mas tudo levou tempo e houve necessariamente de depender de uma ocupação efectiva, de um povoamento comunitário de um contacto humano que pela linguagem se tornou intimidade e familiaridade e pouco a pouco se compenetrou na aventura da mesma epopeia, na vicissitude dos mesmos momentos felizes ou infaustos da vida, na mesma eufórica ambição de crescimento e de progresso.

Na realidade, não terá acontecido tal em Moçambique, e é essencialmente para isso que nos chama a atenção e pede providências o Sr. Deputado Manuel Nazaré.

Sem preocupações de historicismo, aqui descabidas, entendo em todo o caso que faltou, no excelente trabalho do ilustre Deputado, um apontamento, mesmo a pincelada larga, dos antecedentes históricos do problema posto. Com inteira razão ele o disse, e isso tenho vindo a glosar: "O pensamento de todos deve partir do conceito de que o homem é a razão da história."

Pois, em Moçambique, penso eu, foi exactamente o homem, a massa do gente portadora da linguagem, que escasseou durante largos tempos, e não apenas isso, mas o condicionalismo em que esses contingentes demográficos de raiz portuguesa europeia tiveram de agir ou puderam alargar-se e desenvolver-se no largo e plurifacetado território moçambicano.

Não se transporta, radica, impõe e fixa a sua língua em ambiente estranho sem um condicionalismo subjectivo de prática e aceitação, sem uma simultânea dispersão de núcleos populacionais e uma concentrarão estratégica desses mesmos núcleos, bem uma persistência teimosa de convivência humana no apego à terra, na comunidade do trabalho e do interesse, na intercomunicação de sentimentos, ideiam, vontades, isto é, numa integração lenta e, longa, que necessita de tempo, de paz, de alegria de viver, de capacidade do compreensão e de comunidade de ideais.

Essas infra-estruturas de gente, língua e tempo é sabido terem sido perturbadas em Moçambique por circunstâncias históricas, políticas, sociais e económicas, étnicas e linguísticas, que explicam e justificam as carências actuais, e se aí vão estaremos isentos de falta ou culpa, bem certo é termos sido, mais do que agentes, vítimas dessas circunstâncias. O português que se foi fixando na África ocidental não era melhor nem pior do que o português que correu as sete partidas do Mundo e nelas difundiu, tendo como ponto de partida um escasso milhão de seres humanos que falavam o nosso idioma, uma língua que se universalizou ao ponto de nela se exprimirem hoje cerca de cem milhões de pessoas, em maior ou menor grau ligadas por essa língua às essências de cultura que ela traduz e representa.

Mas em Moçambique terá sido menos extenso o ritmo do povoamento menos penetráveis as etnias e línguas ou dialectos, inúmeros, que eram sua fonte de expressão, mais trouxe o assentamento rural e as suas virtudes de estabilidade, continuidade e permanência, mas sobretudo, designadamente, diremos mesmo desgraçadamente, mas sobretudo foram ainda as correntes de oposição que ali encontrámos e que eram já os começos dos "ventos da história", contra os quais em Moçambique sempre nos debatemos, e apesar dos quais lá fomos permanecendo, lá estamos, lá ficaremos e lá continuamos a defendermo-nos da mesma insânia contrária, da mesma sanha opositora, do mesmo propósito de nos tirarem e expulsarem de lá.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para dizer a verdade clara, e disso se reivindica pessoal responsabilidade, o imperialismo inglês, o Rule Britannia, o senhorio mercantilista, o reinado dos mares, o "reina Inglaterra, reina sobre os oceanos", foi durante mais de um século uma barreira entranha incrustada em terra nossa e se dessa incrustração resultaram consequências graves de ordem social, política e diplomática, que magistralmente fomos resolvendo, quase poderemos dizer que a perda maior terá sido a de natural e normal expressão e fixação linguística portuguesa, que teve como propositado quebra-mar a infiltração do idioma inglês nos tratos comerciais, na propaganda dos negócios, na vida de relação social e até nos prazeres da existência que os inglesem sempre levavam consigo e que, por serem naturalmente, aliciantes, foram, por evidência, atractivos e contagiosos.

A esta fortaleza antilusitana, aferrada nos territórios de Moçambique, que chegou a transformar em termos ingleses não só muito vocabulário corrente, mas até mesmo a própria toponímia de cidades principais e povoados, veio depois juntar-se a emigração maciça de nativos para as minas do Transval, os quais não só assim se perdiam para a aculturação linguística portuguesa, como ainda no ambicionado regresso às suas terras vinham imbuídos do linguajar inglês ou irlandês, com que, já segregados da idiomática portuguesa, iam inclusivamente contaminar as suas próprias línguas ou

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tóctones, como com tanto estudo e lucidez n tem verificado o eminente filólogo Prof. Rodrigo de Sá Nogueira.

A própria Igreja, por determinações da Propaganda Fide, ela própria celebrou, catequizou, evangelizou - não sei se bem, se mal -, nas línguas nativas africanas ou mesmo noutras já então europeias e que por outras ordens de razões, contra nós se utilizavam. Só em 1966 (!) se tornou verdadeiramente obrigatório para os missionários estrangeiros o conhecimento enfrente da língua portuguesa.

Sr. Presidente: Não consta isto, que venho sumariamente enunciando, do complexo contexto do aviso prévio sob discussão, mas parece-me que fazia lá falta para explicar e justificar situações que vêm do longe e onde, se algumas culpas nos cabem, mais fomos vítimas de estranhos agenciamentos do que traidores aos nossos naturais e normais usos e costumes de compenetração e de humana convivência com os povos nativos de África. Esta convivência não sofre outra forma de entender que não seja o da nossa tradicional opção civilizadora: o da integração sócio-cultural de todos os moçambicanos, bem como de todos os outros povos de África, numa assimilação integradora toda ela apontada aos valores comunitários, pois esse e não outra, foi sempre o teor de princípios, sentimentos e multisseculares práticas do nosso convívio inter-racial.

Tudo isto quer dizer que não só o homem português como a língua portuguesa se não se dissolveram naquela* culturas e naqueles sangues estranhos de Moçambique, porque ali tiveram de sofrer o impacte de uma presença colonialista e centrifugante que era por si mesma e pêlos seus modos de actuação, contrária ao sentido colonizador português de confraternização com os homens e com a própria Natureza.

Estamos pensando ao jeito do querido mestre e amigo Gilberto Freyre. E porque nele pensámos, citemo-lo a propósito que a lucidez do seu pensamento é sempre bom arrimo:

O grande drama de vida e de morte para os povos não é o que decide pulas armas, a sorte dos Estados, nem a dos regimes políticos. O grande drama é o que decide a sorte das culturas. É a guerra entre as culturas.

Pois em Moçambique, a cultura tradicional portuguesa arrostou durante larguíssimos anos com uma guerra de culturas de sinal diferente, o que de forma profunda afectou a implantação e normal difusão de nossos usos e costumes, da nossa língua corrente.

O professor Mário de Albuquerque, connosco Deputado u Assembleia Nacional na III Legislatura, aqui chamou à língua portuguesa "Bem-aventurada" (citando Duarte Nunes de Leão) e "Novo apóstolo" (citando João de Barros) e eu apenas quis agora dolorosamente salientar algumas das muitas razões pelas quais, mau grado nosso, mas não sem alguma necessária penitência a língua portuguesa não logrou ter sido, em tempo bonançoso e conveniente, nem bem-aventurada nem sequer mesmo o novo apóstolo, pois bem-aventurança e apostolado lhe foram cerceados intencionalmente pelo constrangimento da sua mística própria e pela sistemática oposição no ímpeto nacional com que ela se universalizava.

Sr. Presidente: Carinhosamente invoquei o patriotismo e a nobreza do intenção do Sr. Deputado Manuel Nazaré e com idêntica atitude de espírito do alto desta tribuna lhe peço a atenção para o verdadeiro milagre que foi o não ter sido tudo levado e arrastado por ventos tão contrários, não ter sido tudo submergido nessa vaga rolante que precisamente foi, em Moçambique, durante mais de um século, o prólogo do assédio que estamos sofrendo em Angola e na Guiné e continuamos sofrendo, com outros matizes mas nas mesmas linhas mestras, na província de Moçambique. Perfeitamente de acordo com o Dr. Manuel Nazaré nas providências que pede e nos seus anseios de perfeição, mas já não tanto na dolência de alguns dos seus comentários, estranhos ao tema e dispersivos em relação ao objectivo fundamental da sua intervenção, que não alcançou trazer concretas propostas de solução construtiva, o que, aliás, era natural, porque elas se não improvisam ou mesmo quando se improvisarem não se executariam nesta matéria de hoje para amanhã e num abrir e fechar de olhos.

Os tempos de hoje nem são bons nem são os mesmos de ontem: já não parece possível a grande expansão linguística pela lenta e sedentária oralização dos meios rurais, já porque esses meios estão dizimados de gente - lá em Moçambique como por toda a parte -, já porque a vida contemporânea se processa com uma tal mecânica de crueldade que ela está aí pelo mundo inteiro a ser contestada com algumas boas razões, ainda que por maus processos.

Onde ontem foi construtivo e criador o fraternalismo familiar, já hoje nau é possível nem a "casa grande nem a sanzala", nem possível nem talvez mesmo desejável. Hoje é a escola que tem de realizar tudo, e o nosso Ministério do Ultramar chamou a si e tornou seu o conceito de que "hoje, em todo o mundo, a escola é uma aspiração quase tão válida como a da refeição quotidiana".

As soluções de emergência são evidentemente sempre de considerar, até na medida em que a própria emergência as impõe! Mas a vida não é uma emergência, são emergências constantes o contínuas e para elas há que encontrar e promover criações de aplicação e execução contínuas e constantes, inspiradas da tradição e da experiência, sem duvida, tão actuais quanto possível, pois evidentemente, mas a olhar para diante em tudo quanto este adiante tem de esperanças e de incertezas, mas de fulgurações magníficas de que o nosso tempo simultaneamente nos dá todo o sentido da beleza e da tragédia.

Pois como não aplaudir o autor do aviso prévio quando preconiza uma vasta campanha de reaportuguesamento e diz:

Na verdade que mais belo investimento de recursos e que mais promissora sementeira de esperanças, do que essa de pôr todos os portugueses a falar português.

Falar português, "falar cristão", como se dizia em Malaca, pois certo, mas tão difícil como difícil parece hoje falarem verdadeiramente cristão os próprios cristãos. Hoje tem de se ensinar, elevar, educar, adulterar desde a base e no plano da expansão da língua isso só se poderá fazer cem muita gente, que a fale: logo o povoamento, com muita gente que a ensine; logo a disseminação de escolas, numa rede tão larga quanto possível: logo a indispensabilidade da promoção maciça de professores - e tudo isto é ao mesmo tempo trabalho de Penélope, pela paciência necessária, e trabalho de Hércules, pelo gigantesco da missão e pelo gigantismo do crescimento de número daqueles que carecem de ser ensinados.

Pois nesse trabalho de paciência e esforço nós estávamos e continuamos a estar, não obstante o embaraço grave causado pela situação do guerra em que dolorosamente nos encontramos.

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No ano lectivo de 1966-1967 era em Moçambique quase de 5000 o número de institutos de ensino primário, era de cerca de 7000 o número de professores e aproximadamente de 500 000 o número de alunos. Comparando com Angola é efectivamente verdade haver em Moçambique, para um maior número de alunos um menor número de professores, mas isso só dá prova das dificuldades de recrutamento de pessoal ensinante e não pode deixar de ver-se nessa dificuldade uma das muitas, resultantes da situação anómala que a província sofreu, como atrás se deixou indicado.

Nada acrescenta chorar sobre tristezas antigas, e quem consultar as Actas do antigo Conselho Coordenador e do actual Gabinete de Estudos que substituiu aquele Conselho de Estudos, que substituiu aquele Conselho no Ministério do Ultramar, poderá concluir pelo pensamento constante, diremos mesmo absorvente, de todas as mais altas hierarquias daquele Ministério sobre o uso da língua portuguesa como aglutinante cultura], veículo de convívio e expressão comum de todas as populações que constituem a Nação, e lá se encontram mesmo invocadas e impulsionadas nesse sentido, as escolas regimentais, o que vem também agora explícito, com forte luz verde de esperança, nas eventuais propostas de solução constantes do aviso prévio. Gostaria de estar vendo, para além do mundo da imaginação, as mulheres europeias do ultramar português serem todas e cada uma delas, educadoras, como lhes cumpre, por definição de mulheres e mães, educadoras sociais mesmo para além do lar, mas das mi hás breves passagens pelas províncias ultramarinas não colhi nem essa observação nem essa esperança e bem desejaria, estar enganado quando esta sugestão, inclusa no aviso prévio, me deixa algum tanto indiferente e céptico. A vida de boje é ao mesmo tempo dura e fútil e nem a dureza nem a futilidade dão grande azo a movimentos de doação e solidariedade quando estes não sejam inspirados por altos anseios de ordem espiritual.

Sem embargo destas objecções, adiro à ideia de uma grande mobilização geral em favor da defesa e expansão da língua portuguesa, no sentido de ninguém poder estar dispensado de colaborar, activa e efectivamente, em tal missão.

O nosso ilustre colega Veiga de Macedo soube dar esse impulso, de forma impressionante e eficaz, no plano metropolitano, à generalização da escolaridade no Portugal continental, onde, é certo, mesmo quem não sabia ler nem escrever sabia ao menos falar a língua pátria, o que sem dúvida facilitava o intento. Não é menor a obstinação nesse sentido do nosso Ministério do Ultramar, mas a este cabem tão absorventes, constantes e múltiplas tarefas que nem sempre é fácil realizar depressa o que já de si mesmo só é exequível e fecundo quando realizado com lentidão, paciência e segurança.

E se V. Ex.ª me permite, Sr. Presidente, deixaria aqui antecipada uma ideia que de princípio parecia vir implícita no aviso prévio do Sr. Deputado Manuel Nazaré, que corresponde a votos já anteriormente formulados, aliás, sem êxito, nesta Assembleia, e que poderia aproximar nas suas conclusões estes dois avisos prévios tão vizinhos no seu tempo de apreciação na Câmara e sobretudo tão próximos nas suas íntimas e mais profundas intenções.

Já em 1944, ao apreciar nesta Assembleia a proposta de ratificação da Convenção Ortográfica Luso-Brasileira, lancei a sugestão de que fosse criado um organismo supranacional que superintendesse, em alto nível, nos problemas imediatamente postos pêlos termos da Convenção e pela necessidade comum aos dois países contratantes de defenderem o idioma que ora bem inalienável de um e de outro.

Nem alcançou êxito a minha ideia, nem teve melhor fortuna a própria Convenção. Também há tempos, ao intervir na discussão do aviso prévio sobre o ensino liceal, tive ocasião, perante VV. Ex.ªs, de reafirmar ainda que de relance, a necessidade e vantagens du criação de um organismo desse tipo a intenção. Houve quem considerasse bizarra a sugestão e houve também quem viesse dizer não ser necessário tal instituto, pois o fundamental da língua é ensiná-la aos ignorantes. Claro que sim, mas o que se está passando com a língua portuguesa em abastardamento, em desleixo de precisão, quer oral, quer escrita, em recuo da expansão, como pretende prová-lo o presente aviso prévio, em descuido de beleza e de pureza, como julgo pretenderá demonstrá-lo o congénere aviso que vai seguir-se, leva-nos a reconsiderar a matéria, pois alguma coisa de muito grave se passa a implicar remédio de conjunto, a necessitar providências para as quais não há ou é irrisória ou mesmo inexistente a competência ou a autoridade para toma-las.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vai em cerca de três anos o Governo Francês aprovou a criação, ou decidiu criar, um alto-comissariado para a defesa da língua francesa, donde se pode concluir que nem a ideia era assim tão bizarra, nem ao Governo Francês pareceu suficiente ensinar apenas o sou idioma aos cidadãos franceses. A proposta aprovada naquele Conselho de Ministros, presidido pelo general De Gaulle era subscrita pelo Presidente do Conselho, ao tempo normalien professor e homem de letras, Georges Pompidon e pelo seu Ministro da Cultura, nada menos do que o Sr. André Malraux! É que esses senhores tinham, e certamente mantêm, a alta certeza de que a língua é a alma de uma nação, e de que perverté-la é perverter o espírito, é renegar a alma dessa nação no que ela tem de mais intimo e de mais precioso!

Ainda há dias o Sr. Presidente do Conselho, na sua mensagem ao País, bem claramente quis acentuar quanto o (inverno estava particularmente empenhado e preocupado com o problema educativo, e outra não é a linguagem que falam os Srs. Ministros da Educação Nacional e do Ultramar, cada um em seu sector. Mas a defesa e a expansão da língua tem de viver fora de sectores acima deles, pois ao plano sectorial já bem chega o peso da responsabilidade e da tarefa dos estudos pedagógicos, da orientação da didáctica, da formação de mestres e de toda a orgânica administrativa, que já por si mesma bem complicada é.

Dos dois avisos prévios surtirão, segundo os usos duas moções, que a meu ver têm de se conjugar e conciliar, porque o problema, nem é só de expansão nem só de defesa da língua, é um problema cerne da unidade nacional e ele só pode caber no âmbito da Presidência do Conselho, com igual ou maior razão do que aquela razão ou razões pelas quais já ali vivem e se desenvolvem outros organismos que não pretendemos subestimar, mas que de certeza não têm mais peso na vida e na sobrevivência nacional do que o problema-chave do maior título de universalização da consciência e da cultura portuguesa.

Um homem como Marcelo Caetano tem arcaboiço espiritual e intelectual para ser ele o primeiro a dar-se conta do ponto de altura em que este caso se coloca, sem que a minha palavra lhe acrescente qualquer valor ponderável, para além do mérito da própria causa.

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Sr. Presidente: Se estiver dentro das possibilidades regulamentares e no acordo dos Srs. Deputados apresentantes dos dois avisos prévios, se ficar no ânimo desta Câmara a convicção de que este problema é dos de maior relevância aqui trazidos, penso que poderão esses dois avisos comportar, pela fórmula que se julgue mais conveniente, esta contribuição que a ambos dou com igual paixão e idêntico sentido de valor e da importância de um e de outro: que se crie urgentemente, quando e como o Sr. Presidente do Conselho o tiver por possível e eficiente e sob a sua égide, directa inspiração e patrocínio, um organismo que superintenda, com real autoridade c competência, em todos os assuntos respeitantes à defesa e à expansão da língua portuguesa, por ser ela o bem maior da Nação e o fundamento primeiro da unidade e da continuidade de Portugal e da universalização da sua cultura.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Como sabem, o Presidente não pode nem deve intervir no fundo dos debates. Mas à margem das notas respeitantes à matéria do presente debate acabam de pôr-se questões que respeitam a Mesa no ordenamento dos trabalhos parlamentares, convindo, por isso dar uma explicarão a VV. Ex.ªs Dou-a só agora, porque não quis interromper o Sr. Deputado José, Manuel da Costa no decurso da sua brilhante exposição.

São pertinentes e válidas as razões de princípio que na tribuna foram invocadas pelo ilustre Deputado em favor das toses por S. Ex.ª postas no início do seu discurso. Ninguém, quanto à primeira questão, a terá mais frequentemente apregoado e convictamente defendido do que eu como aliás S. Ex.ª salientou. Refiro-me à necessidade de assíduo trabalho nas comissões parlamentares quando tenham de funcionar. Nelas se deve estudar a valer, em ambiente de perfeito à-vontade, recorrendo, quando aconselhável à presença dos Ministros interessados, para darem esclarecimentos de natureza política e reclamando mesmo a presença de técnicos qualificados dos Ministérios, se disso houver mister para suficiente informação e estudo bastante dos Deputados.

Os parlamentos modernos não se prestigiam nem têm o rendimento ou utilidade que devem ter se ao lado da assiduidade dos Deputados, não houver trabalho, aturado das comissões.

Hoje as questões debatidas não têm em regra, apenas e às vezes não têm, mesmo simples relevo político, porque são frequentemente problemas de interesse financeiro e económico-social que se põem em debate. Exigem estudo e exame aturados. As discussões no Plenário têm de ser precedidas, na ordem do dia da suficiente informação e do estudo bastante.

Numa das minhas digressões por diversos parlamentos dos países da N. A. T. O. vi que numa sessão plenária estavam, além da Mesa, apenas dois parlamentares, dizendo-me então o colega de outro país estrangeiro: "Isto é exactamente, como no meu país um Deputado para falar e outro para aplaudir." Pude, no entanto, verificar, a seguir, que as comissões eram verdadeiras colmeias de trabalho preparatório de debates no Plenário.

Igualmente entendo que ao bom ordenamento lógico das matérias versadas neste aviso prévio e no que se lhe vai seguir sobre defesa da língua poderia convir
(não digo exigir necessariamente) ou a integração deste aviso prévio no que se seguir ou fazer preceder do actual o que vai ser tratado depois.

Mas a vida é a vida. Quero dizer com isto que a prática tem as suas exigências. A Assembleia Nacional ficaria sem matéria para ordem do dia a seguir às férias do Natal, se não fosse marcado para discussão, como foi este aviso prévio. Seria difícil e duro exigir que as comissões funcionassem durante a quadra do Natal.

Marcado este aviso prévio para discussão na ordem do dia não havia possibilidade de com ele fundir a discussão do outro nem à face das regras regimentais, nem à face das possibilidades práticas. Os Srs. Deputados que anunciaram o aviso prévio sobre a defesa da língua não estavam preparados, como pude averiguar pelos cuidados a que me dei antes da reabertura dos trabalhos parlamentares, para, ordenarem as suas intervenções de outra forma.

Dito isto, ficamos certamente todos de acordo, ainda que tenha parecido haver discrepâncias.

Prestados estes esclarecimentos, vou encerrar a sessão, marcando sessão para amanhã, à hora regimental, com a mesma ordem do dia da sessão de hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão

Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
António Calheiros Lopes.
António Magro Borges de Araújo.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto Salazar Leite.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
José Coelho Jordão.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José de Mira Nunes Mexia.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Manuel Henriques Nazaré.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão

Alberto Henriques de Araújo.
André da Silva Campos Neves.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Fernando de Matos.
Francisco José Roseta Fino.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.

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João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Pinheiro da Silva.
José Bocha Calhorda.
José dos Santos Bessa.
Júlio Dias das Neves.
Manuel João Correia.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Mário de Figueiredo.
Raul Satúrio Pires.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Manuel da Silva Vieira.

O REDACTOR - Luiz de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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