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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 163
ANO DE 1969 17 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.° 163, EM 16 DE JANEIRO
Presidente: Ex.mo Sr. José Soares da Fonseca
Secretários: Ex.mos Srs.
Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 158.
Foi recebida na Mesa e comunicado ao Sr. Deputado Pinto de Meneses a resposta do Governo ao requerimento apresentado por aquele na sessão de 14 do corrente mês.
O Sr. Deputado Nunes Barata requereu vários elementos sobre aproveitamentos hidroeléctricos e hidroagrícolas.
O Sr. Deputado Amaral Neto requereu elementos a fornecer pela Junta Nacional do Azeite.
O Sr. Deputado Albano de Magalhães requereu, juntamente com outros Srs. Deputados, que fosse submetido à apreciação da Assembleia, para, efeitos de ratificação, o Decreto-Lei n.º 48 757.
No mesmo sentido requereu o Sr. Deputado Sousa Magalhães, juntamente com outros Srs. Deputados, quanto ao Decreto-Lei n.º 48 760.
O Sr. Deputado Casal Ribeiro fez considerações acerca de acontecimentos ocorridos na Igreja de S. Domingos na, noite da passagem do ano.
O Sr. Deputado Cutileiro Ferreira pediu ao Governo a satisfação de algumas necessidades de Évora.
O Sr. Deputado Peres Claro tratou de problemas respeitantes ao distrito de Setúbal.
O Sr. Deputado Elísio Pimenta referiu-te à construção da central de camionagem do Sul na, cidade do Porto.
Ordem do dia. - Continuou o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Manuel Nazaré acerca, da difusão da língua, portuguesa em Moçambique.
Usaram da palavra os Srs. Deputados D. Custódia Lopes e Pinto Bull.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António José Braz Regueiro.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
António dos Santos Martins Lima.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
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Artur Correia Barbosa.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Finto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Fernando de Matos.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco José Cortes Simões.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
Horácio Brás da Silva.
João Duarte de Oliveira.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
José Alberto de Carvalho.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Henriques Monta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José Pais Ribeiro.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujò de Almeida.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes, 78 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Ponho em reclamação o Diário das Sessões n.° 158, que já foi distribuído. Se nenhum dos Srs. Deputados tem qualquer reclamarão a deduzir, considero-o aprovado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está aprovado.
Tenho na Mesa a resposta do Governo ao requerimento do Sr. Deputado Pinto de Meneses na sessão de 14 do corrente. Vou comunicá-lo àquele Sr. Deputado.
Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Nunes Barata.
O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
Ao abrigo do Regimento requeiro que me sejam fornecidas cópias dos estudos realizados sobre os aproveitamentos hidroeléctricos e hidroagrícolas previstos a partir do rio Côa.
Pretendo, nomeadamente:
1.º Quanto aos escalões de Atalaia, Vale de Madeira e Pêro Martins:
a) Notícia sobre a sua viabilidade dentro do esquema geral de aproveitamento do rio Côa;
b) Características previstas das albufeiras (nível máximo normal e capacidade útil), das barragens (tipo, altura e corda de coroamento), do circuito hidráulico (comprimento, queda bruta máxima e potência nominal), da energia armazenável e da produção anual média;
c) Montantes de investimentos previstos nestes aproveitamentos.
2.° Quanto à rega:
a) Notícia sobre as áreas consideradas susceptíveis de rega, a partir do Côa ou seus afluentes, nomeadamente no concelho de Figueira de Castelo Rodrigo (tendo ainda em conta as ribeiras de Touvões e de Aguiar), no Sabugal e junto à ribeira de Massueimo.
b) Cálculo dos investimentos previstos nestas obras de rega.
3.° Quanto à integração dos empreendimentos atrás referidos de produção de energia eléctrica e de rega no desenvolvimento regional da Beira Transmontana:
a) Sua viabilidade como elementos do esquema de arranque no correspondente plano de desenvolvimento regional;
b) Considerada afirmativamente a hipótese posta na alínea anterior, possibilidades de execução a curto prazo de tais empreendimentos e consequente alteração nos esquemas de prioridades estabelecidos no Plano Geral de Aproveitamento Hidroeléctrico do Rio Douro e Afluentes e nos planos de obras de rega a considerar, para o País, pela Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos.
O Sr. Amaral Netto: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
Nos termos constitucionais e regimentais, requeiro que pela Junta Nacional do Azeite, do Ministério da
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Economia, me sejam fornecidos os seguintes elementos:
1) Cópia do ofício que me consto haver sido dirigido no presidente daquela Junta pelo promotor de justiça do Tribunal Colectivo dos Géneros Alimentícios, salvo erro sob o n.° 14 e com data de 23 de Agosto de 1968, acerca de amostra ou amostras de óleo comestível com vestígios de óleos minerais:
2) Cópias integrais das actas n.ºs 140 e 141 das reuniões do conselho da referida Junta;
3) Requeiro que estes elementos me sejam fornecidos com urgência.
O Sr. Albano de Magalhães: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
Ex.mo Sr. Presidenta da Assembleia Nacional. - Os abaixo assinados, nos termos do § 3.° do artigo 109.º da Constituição Política da República Portuguesa, vêm requerer a V. Ex.ª que seja submetido à apreciação desta Assembleia o Decreto-Lei n.° 48 757, publicado no Diário do Governo n.° 292, 1.ª série, de 12 de Dezembro de 1968, que "introduz uma nota preliminar no capitulo 73 da pauta de importação e altera as taxas de vários artigos da mesma pauta".
Sala das Sessões da Assembleia Nacional. - Os Deputados: João Ubach Chaves - Simeão Pinto de Mesquita de Carvalho Magalhães - Manuel Lopes de Almeida - Armando Acácio de Sousa Magalhães - Sebastião Alves - Rui Pontífice de Sousa - Rogério Noel Peres Claro - Luís Folhadela Carneiro de Oliveira - Antão Santos da Cunha - Armando José Perdigão - André da Silva Campos Neves - Carlos Monteiro do Amaral Netto - Artur Águedo de Oliveira.
O Sr. Presidente: - Faça favor de mandar para a Mesa e oportunamente marcarei data para discussão na generalidade, para efeito do ratificação do decreto-lei referido por V. Ex.ª
O Sr. Sonsa Magalhães: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Requerimento
Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Os abaixo assinados, nos termos do § 3.º do artigo 109.° da Constituição Política da República Portuguesa, vêm requerer a V. Ex.ª que seja submetido à apreciação desta Assembleia o Decreto-Lei n.° 48 760, publicado no Diário do Governo n.º 202, 1.ª série, de 12 de Dezembro de 1968, que "considera como novos direitos de base, substituindo para os mesmos efeitos, as correspondentes taxas anteriores, as taxas indicadas no Decreto-Lei n.° 48 757, de 12 de Dezembro de 1968 - Introduz alterações na lista anexa ao Decreto-Lei n.° 47 958, e transfere para 1 de Janeiro de 1973 a data fixada no § 4.º do n.° 1 do Anexo G à Convenção de Estocolmo de 4 de Janeiro de 1966, em relação aos produtos abrangidos por vários artigos pautais".
Sala das Sessões da Assembleia Nacional. - Os Deputados: João Ubach Chaves - Carlos Monteiro do Amaral Netto - Simeão Pinto de Mesquita de Carvalho Magalhães - Manuel Lopes de Almeida - Armando Acácio de Sousa Magalhães - Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães - Sebastião Alves - Rui Pontífice de Sousa - Rogério Noel Peres Claro - Luís Folhadela Carneiro de Oliveira - Antão Santos da Cunha - Armando José Perdigão - André da Silva Campos Neves - Artur Águedo de Oliveira.
O Sr. Presidente: - Faça favor de mandar para a Mesa e igualmente oportunamente marcarei data para discussão na generalidade, para efeito de ratificação do decreto-lei referido por V. Ex.ª
O Sr. Cazal Ribeiro: - Sr. Presidente: Na noite da passagem de ano, depois da missa pela paz celebrada por S. E. o Sr. Cardeal-Patriarca de Lisboa, na Igreja de S. Domingos, um grupo de indivíduos, no qual figuravam alguns sacerdotes portugueses e estrangeiros, dele fazendo parte também, por mais estranho que pareça, pessoas que passam por pertencer a determinados agrupamentos católicos, manteve-se em "vigília" até cerca das 6 horas da manhã. Alguns "animadores" - para usar a expressão do comunicado emitido pelo Patriarcado de Lisboa - informaram "que se tratava de um tempo de oração pela paz", e assim obtiveram autorização para a permanência solicitada. Porém, "o carácter tendencioso da reunião - diz o comunicado - foi-se revelando ao longo dela e acabou por ser publicamente confirmado por um manifesto distribuído, em que se contesta a nota pastoral do episcopado sobro o Dia da Paz, nomeadamente por nele se não condenar a política ultramarina do Governo Português". E o comunicado termina "por lamentar que apareçam comprometidos, com estas manifestações, alguns membros do clero, que, por vocação e missão, deveriam ser não os contestadores das palavras dos seus bispos, mas os seus leais transmissores".
Este caso, infelizmente, não é isolado e faz parte de um processo agora em moda, o através do qual só pretende, à sombra da cruz e a coberto de princípios profundamente enraizados na Nação, promover, lenta mas seguramente, a sua própria destruição.
Ainda há bem pouco tempo, numa paróquia de Lisboa, um sacerdote, que pela sua indiscutível inteligência granjeara grande simpatia e admiração dos seus paroquianos, levou tão longe a sua nefasta acção e o seu desrespeito pela hierarquia da Igreja que teve de ser severamente castigado e impedido de exercer aquilo que para ele deveria constituir o mais sagrado mister. Mas o mal estava feito e gerado no seio de algumas famílias o vírus da dúvida e, como agora se diz, da "contestação", Isto não é apenas o desejo de "macaquear aquilo que se passa lá fora"; é mais grave e representa o início da destruição de valores que sempre estiveram na génese da nossa própria grandeza: Deus, Pátria e Família.
E assim como elementos, sem coragem para frontalmente o fazerem, atacam e condenam a obra de Salazar, poupando, contudo - e por enquanto - , a figura humana e intelectual do chefe incontestado da Revolução Nacional, também alguns sacerdotes, sem terem desmascarado as suas intenções, abandonando o seu apostolado, procuram lugar à superior orientação dos seus bispos, poupando, por vezes, o Santo Padre, para interpretarem à sua maneira a participação que entendem dever ter na vida nacional. Servem-se, para isso, de lugares sagrados o da confiança com que as portas lhes são abortas, para entrarem a destruir, pedra por pedra, toda uma sociedade desorientada, por novos conceitos de vida, de moral e da própria fé cristã.
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Aquilo que sucedeu na noite de fim de ano, na Igreja de S. Domingos, não foi mais do que uma pequena amostra, um insignificante exemplo, do que nos espera se não se denunciarem e castigarem os seus principais animadores, quer pertençam à hierarquia do clero, quer sejam simples, mas perigosíssimos, cidadãos.
Que importa para algumas pessoas perfeitamente cegas, ou cuja demência é já irreversível, que dentro de uma igreja se pretenda destruir o que o seu significado espiritual simboliza para os católicos, uma vez que, ao som de música "pop", se vão entoando cânticos religiosos? Que importa a distribuição de panfletos subversivos, que negam o direito de existência à própria Pátria, se tudo foi intermeado com orações ditas pêlos imbecis ou pelos vendidos do grupo assaltante? Que importa o verdadeiro significado do acto, se ele se mascarou em prece pela paz?
Mas que paz querem eles? A da abdicação vergonhosa; a de derrota sem preço; a da negação de lodo um passado de mais de cinco séculos, para depois a internacionalização se fazer com maior facilidade! E abolidos os bons princípios, destruídas as fronteiras, arrancado das almas o verdadeiro significado de pátria e subvertido o verdadeiro conceito de liberdade, teremos então aquilo que nos reservam certos intelectuais, alguns sacerdotes e professores, simples homens da rua, ricos, pobres, cristãos, ateus, uma amálgama, em suma, de indivíduos apenas irmanados polo mesmo desejo de negarem a Deus, venderem a Pátria e destruírem a Família.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E este o panorama que se nos apresenta no limiar do ano de 1969, ano da era de Cristo e de uma civilização que devíamos aperfeiçoar e prolongar, pensando naqueles que nos hão-de suceder nesta cavalgada do tempo em que vivemos.
Actuando sob a forma de comandos, ontem, na sacristia de uma igreja, onde se tentara desagravar n palavra de Cristo: hoje, na vigília grotesca da Igreja do S. Domingos: amanhã, sabe-se lá como e onde, as forças do mal vão minando a resistência e a confiança da parte sã da Nação, que, angustiada e perplexa, pergunta: para onde vamos?
Eu não pretendo. Srs. Deputados, que nos armemos com varapaus, foices e caçadeiras para corrermos a dar caça aos lobos que desceram ao povoado, deixando atrás de si o rasto da sua ferocidade. Para isso, há quem detenha nas suas mãos o dever do preservar a ordem pública. Temos, felizmente, as forças armadas, cujo principal responsável, ainda há dias, na mensagem do Ano Novo que lhes transmitiu, afirmou:
Os comandos de todos os escalões das forças armadas mantêm-se atentos e vigilantes, acompanhando e observando, com frieza e sem emoção, certas actividades indisciplinadas que por aí andam, e dispostas a garantir à Nação e aos que pela sua integridade histórica e constitucional se batem lá longe a ordem e a paz social.
Temos um governo plenamente consciente da transcendência da hora que passa e pronto a garantir a ordem, inexoravelmente.
Mas temos, acima de tudo, e que tapem os ouvidos os que acham de mais ou inoportuna a insistência, um Chefe de Estado que sabe manter, fria e patriòticamente, a sua inquebrantável determinação de cumprir o seu dever, e em torno de quem devem estar firmemente unidos todos os verdadeiros portugueses.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Então, haverá quem pergunte: para quê estas palavras? Por exibicionismo mórbido: para gerar a confusão política; por vaidade ou interesses pessoais; para defender interesses de terceiros ou vivificar qualquer grupelho a que pertença - banido da cena política? Ou, simplesmente, por despeito, afastado como foi do executivo do organismo político do Governo?
Pois nenhuma destas dúvidas me aflige ou tem a menor relevância! Por menos que assim se julgue, detesto o exibicionismo! O que não quer dizer que hesite em mostrar-me, sempre que haja necessidade para tal, no pleno uso, aliás, dos meus direitos, e no meio apropriado! Depois, porque, chegado a esta idade, daria a vida para que as gerações vindouras fruíssem da paz e do sossego em que me fiz homem e pude educar os meus filhos - única razão de qualquer vaidade que em mim exista.
Ainda porque, nesta Assembleia, ou em qualquer cargo político ou administrativo que tenha exercido, jamais transaccionei influências políticas, nem tão-pouco defendi interesses próprios ou de terceiros. E desafio que rebatam esta afirmação, mas com factos, e não com palavras!
Finalmente, porque tendo sido sempre um homem livre apenas segui ideias, sem nunca aceitar vínculos, jugos partidários ou dependências políticas. Nunca mendiguei cargos, nem honrarias, nem benesses. Limitei-me a servir sem discussão naquilo para que era solicitado e que sentia estar dentro das minhas forças, embora não ignorando as minhas naturais limitações.
Então, que pretendo eu, Srs. Deputados, ao dirigir-me a VV. Ex.ªs? Apenas que as gentes da nossa terra, aquelas que vivem e sentem os seus problemas, aquelas que constituem o sangue e a alma da Nação, saibam, a partir da Assembleia Nacional, ou dos meios de contacto de que pudermos dispor, dos manejos de certos indivíduos, que, sob a capa de as servir e defender, apenas pretendem adormecê-las para depois destruir aquilo que de vivo, de nobre e de essencial representam para a sobrevivência de Portugal. Negando-se-lhe n existência e os seus direitos em África, acabará por se jogar o seu próprio destino na Europa, como nação livre.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Isso constitui o nosso dever, e é para isso que eu me permito chamar a atenção de VV. Ex.ªs
O manifesto distribuído na Igreja de S. Domingos deveria, quanto a mim, ser do pleno conhecimento de todos os portugueses dignos e conscientes, a fim de melhor avaliarem, em toda a sua extensão, a perfídia, a maldade, a deturpação da verdade de quem o concebeu e o perigo a que estamos sujeitos mantendo impunes os seus autores.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Há factos que convém que se conheçam - e, neste caso, a mentira em que pretendem envolver as causas da guerra de África e os comentários que sobre ela são tecidos seriam a pior acusação de antiportuguesismo que poderia ser feita a quem desconhece, propositada e ostensivamente, a quem pertencem as culpas, quem tem sido a maior vítima e quais as razões por que ainda se combate, em três frentes, no nosso ultramar!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Vidas e fazendas destruídas! Parece ser esta a grande preocupação dos autores do manifesto; mas
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não se refere que essas vidas e essa fazenda são todas elas património da Nação Portuguesa, vítima da agressão fomentada e protegida pelo estrangeiro, embora envolvendo na luta - talvez nas primeiras, linhas de combate - aqueles que foram induzidos em erro e apenas aguardam a melhor oportunidade para regressarem, em paz, à labuta nas suas terras, sob a protecção da bandeira, que sendo sua, repudiaram num momento du loucura, ou de falsa ilusão criminosamente apregoada pelos neocolonizadores da África Negra!
Fala-se em "aldeias arrasadas, populações dizimadas, prisioneiros, porventura, torturados e assassinados", como se fôssemos nós os culpados e não as grandes vítimas de quanto tem sucedido em África desde a eclosão do terrorismo, na madrugada trágica de 15 de Marco de 1961!
São modernos fariseus, esses pseudocristãos que renegam a Pátria, como amanhã renegarão a própria Igreja, de cuja palavra sublime hoje se arvoram em defensores, usando-a, sem escrúpulos, para arregimentar ingénuos, embrulhar ideias e confundir a consciência de quem, não amando a violência, pode deixar-se seduzir por uma propaganda aparentemente pacifista, mas que visa, unicamente, o enfraquecimento da retaguarda de um país em guerra!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Há, pois, que desmascarar a mentira e continuar a luta consciente e abnegadamente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O estranho documento, no qual se defende a amputação da Pátria, se insinuam lamentavelmente culpas que não temos e onde se inverte a verdade, no sentido hipócrita de defender uma paz que equivaleria à destruição, bem podia ter sido subscrito pelos vendilhões de 1580!
A guerra de África, repito, não fomos nós que a iniciámos; foi-nos imposta pelo estrangeiro, onde foi preparada e donde partiu um auxilio indispensável a terrível arremetida que nos ia colhendo de surpresa. Só a nossa vontade, a nossa fé e a fraterna amizade das populações autóctones nos puderam salvar de uma derrota. E se não continuassem esses manejos, sempre fomentados no estrangeiro, tudo teria já terminado, com a reintegração total daqueles que, menos avisados, eventualmente abandonaram os seus próprios territórios.
Todo o mundo o sabe. A justiça já começou a ser-nos prestada, e é com receio que a verdade acabe por vencer que o inimigo, internamente, acelerou os seus golpes. Coincide, estranhamente, com uma acalmia na pressão externa um recrudescimento da actividade interna das forças da dissolução.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A Pátria está em perigo enquanto se permitir que alguns dos seus filhos, impunemente, conspirem, traiam ou se deixem arrastar por quem os comanda e apenas pretende negociá-la por um prato de lentilhas, falseando o verdadeiro conceito da paz que a Igreja nos ensinou.
E para afirmar isto não é preciso coragem; basta simplesmente ter a consciência do momento que atravessamos e a vontade indómita - isso sim - de vencer.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Há anos, em Espanha, onde o Poder se deteriorava, os crimes políticos e os atentados à paz social se sucediam, com um parlamento dominado pela subversão e pelo ódio, ergueu-se, profeticamente, uma voz, - a de Calvo Sotelo. Alguém então lhe disse "que seria a última vez que ali tinha falado"; e a ameaça cumpriu-se. O seu corpo, metralhado, foi encontrado dias depois à porta de um cemitério. Então, sim, fora preciso coragem. O bárbaro assassínio de Calvo Sotelo foi, porém, o clarim que despertou a nação, e a revolução estalou de seguida. Após três anos de horrores, a Espanha renasceu, redimida pelo sangue de alguns dos seu filhos mais ilustres.
Entre nós, pacificamente, a revolução foi feita; é, apenas, preciso continuá-la ...
Há paz nas ruas, não existe a luta fratricida dos chamados partidos políticos, e nesta Assembleia, onde todos nós somos independentes, nem sequer existe nenhuma "Passionaria", mesmo em travesti! Logo, repito, não é preciso coragem para afirmar certas verdades, ou quando se denuncia aquilo em que não desejamos cair.
Reconhecê-lo e afirmá-lo não é dividir, nem semear ódios ou malquerenças. Ninguém, seja qual for o credo político que abrace, mas mantendo intacta a sua alma lusíada, pode sequer discutir a Pátria. Ai de nós se tal vier a verificar-se! Então sim, estaremos definitivamente divididos e ela declaradamente em perigo! É isso, Srs. Deputados, que temos de evitar, unindo-nos em torno de quem tem sobre os seus ombros o pesado encargo de a proteger e de a continuar! Nós limitar-nos-emos a prestar o nosso contributo, que pode, aliás, ser decisivo. A história se encarregará de o referir.
A mesma hora em que se morre em África, combatendo, em Lisboa, numa igreja, ao som de ritmos modernos, erguem-se preces por uma paz que não pode ser a que desejamos! Estranho momento o que se atravessa e em que se pretende imolar a Pátria a interesses alheios e a concepções de existência a que, felizmente, tantos chamam renúncia!
Sr. Presidente: Sei que estas palavras vão ser maldosamente deturpadas pelos meus inimigos ou simples detractores. Serei, uma vez mais, apodado de fascista, de reaccionário ou de Deputado ao serviço de um sindicato de sectarismo e de interesses ilegítimos.
Sei que vai especular-se com o que disse, e até com o que não disse. Sei que vai afirmar-se que exploro o golpe mais duro que um homem e um pai pode sofrer, quando apenas evoco o meu testemunho (doloroso e triste testemunho) como exemplo (entre tantos) para certos jovens e para certos pais, principais culpados da fuga ao cumprimento de deveres sagrados . . . Sei que vão cair sobre a minha mesa de trabalho insultos, ameaças, escritos anónimos e clandestinos de homens que se dizem bons e isentos, ou de alguns amigos seus, uns e outros intemeratos defensores da grei contra a corrupção . . . que dizem que defendo! Mas sei também, e isso anima-me a prosseguir, que a parte sã e boa da Nação - a sua maioria - está com as ideias que perfilho. Estes, mesmo quando anonimamente, apenas querem continuar a ser portugueses!
Nesta Câmara falo a peito descoberto e assumo, assim, plena responsabilidade dos meus actos e das minhas palavras. Sem ter alma de herói, não temo nem os homens nem a sua maldade, desde que, em plena consciência, cumpra o dever que assumi ao ser eleito Deputado. Se o cargo confere riscos, aceito-os; benefícios, se os tem, nunca dei por eles, nem os desejo.
A Pátria precisa, mais do que nunca, de todos os seus filhos. Cuidado, porém, que entre estes não existam contaminados ... O contágio pode ser o pior dos males, e
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muitas vezes quando só dá por ele já tudo está perdido.
Há que preservar o que herdámos para que o possamos transmitir intacto aos nossos filhos e estes aos filhos dos seus filhos. Mesmo correndo o risco de banalizar o meu apelo, faço-o. veementemente, pela doutrina, a verdadeira doutrina de Deus; pela continuidade, sem desvios, da Pátria, e pela firme consolidação da Família. Assim, continuaremos Portugal!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cutileiro Ferreira: - Sr. Presidente: Évora, a capital do distrito que me elegeu para esta Câmara e que eu, pobre de mim, tão mal tenho servido, tanto por culpas próprias como alheias, bem merece, ao menos uma vez, a atenção do Governo da Nação para o que desta tribuna se pede, com justiça, em seu beneficio.
Começarei as minhas simples palavras por referir que Évora já existia como cidade antes de Portugal ser Nação.
Desde a mais longínqua antiguidade, referenciável pela ciência, que Évora foi sempre centro e pólo de atracção e irradiação. Os seus monumentos, desde as idades mais recuadas, são ainda hoje visíveis e imponentes. Há dezenas, centenas até, de dólmanes ou antas. Há o cromlech dos Almendros. Há os crastos de Montemuro e S. Bento e as grutas do Escoural. Há os vestígios, mais recentes, dos Godos, dos Romanos e dos Árabes, sem esquecer outros povos que por Évora passaram, por lá viveram r por lá deixaram os seus vestígios.
Évora, todo o Alentejo aliás, é um vasto repositório de passadas civilizações, de cujo espólio se têm enriquecido muitos museus, tanto nacionais como estrangeiros.
Região predominantemente agrícola, há por toda a parte vestígios que bem atilam a preocupação dos seus habitantes, em todas as eras, de tirar da terra o máximo rendimento. Quando, na época presente, se fala em reconversão agrária é curioso lembrar que já os Romanos e os Árabes nos deixaram vestígios de trabalhos de irrigação. O Alentejo já foi, em relação a épocas pasmadas, a que, pretendemos que ele seja no futuro. No distrito de Évora se desenvolveu a pecuária em termos tais que certas raças, hoje consideradas como o supra-sumo da técnica, são de lá originárias. Mesmo em aspectos hoje considerados ultrapassados e antieconómicos o meu distrito deu leis. Quero referir-me, Sr. Presidente, à criação de equídeos, que no tempo da dominação romana criou os melhores corredores do célebre hipódromo da cidade de Mérida. O distrito de Évora já teve produções que hoje se consideram impossíveis ou, pelo menos, pouco rentáveis. O linho, por exemplo. Ainda em certas casas que conservam bragais de antanho se encontram peças de linho regional que o tempo não conseguiu destruir. Évora foi, desde sempre, centro de uma região que mereceu as atenções das povos e seus governantes. Desde sempre . . . sim! Mas nem sempre. Adiante explicarei esta afirmação. Quando Portugal nasceu, e Évora já existia como cidade importante, foi preocupação do nosso primeiro rei a sua conquista. Conseguida esta, pela ajuda de Giraldo Giraldes - o Sem-Pavor - , jamais Évora deixou de ser, no rodar dos séculos, um valor positivo da Nação Portuguesa.
Celeiro de Portugal. Alfobre de guerreiros, defensores da Pátria e dilatadores da Fé e do Império, o distrito de Évora, tem sido sempre uma fonte inesgotável de valores onde matam a sede, por maior que seja, todos que pretendem o engrandecimento de Portugal.
De lá partiram as hostes do Salado. De lá saiu a Ala dos Namorados, lá viveu Vasco da Gama, lá nasceu S. João de Deus, lá viveram Garcia de Resende, mestre Gil Vicente e tantos outros que todo o tempo de uma sessão desta Assembleia não chegaria para os citar.
Com a criação da sua Universidade, pelo cardeal D. Henrique, a projecção de Évora atingiu o auge. Professores de reputação universal lá ensinaram e lá escreveram obras que, ainda hoje, são citadas e consultadas. No funesto período filipino foi de Évora que partiu o primeiro grito de revolta. Em 1637 a população, reagindo ao invasor, lançou a semente que germinaria em 1640.
Com a guerra da Restauração, Évora sofreu assédios e devastações. Os seus campos foram talados e a sua economia começou a decair. Quando, no Governo de Pombal, foi encerrada a Universidade, por falta de corpo docente - a Companhia de Jesus -, Évora e seus termos sofreram ainda o rigor de outras medidas tomadas: o arranque dos seus vinhedos, para defesa da região duriense. Caímos, assim, e forçadamente, no regime da monocultura, que, mau grado nosso, tem dominado até aos dias presentes. Estava criado o clima que levava o distrito de Évora à situação inglória que não lhe convém. Depois, a desgraça continuou a perseguir-nos. Primeiro as invasões francesas, que nos custaram milhares de vidas e vultosos bens perdidos; mais tarde as lutas liberais, com suas guerrilhas, que dividiram as populações em dois campos francamente hostis. A economia da região foi a principal vítima e, com ela, as populações pouco densas, mal preparadas, desacompanhadas dos Poderes Centrais e sem um estímulo forte, que as guiasse. Deu-se então uma invasão, pacífica é certo, mas invasão, do distrito de Évora por pessoas de outras províncias, e muito especialmente de Lisboa. Com a venda dos bens dos proscritos das lutas liberais e dos bens das comunidades religiosas ascenderam a proprietários da terra, no meu distrito, os primeiros abstencionistas. Se é certo que alguns se ligaram à terra, muitos outros apenas a exploraram sob o regime do arrendamento. Destes malefícios ainda hoje sofremos, e sofremos dolorosamente.
Nos fins do século passado e começos deste século esboçou-se uma política de desenvolvimento rural, que foi, seja dita a verdade quase efémera. Ainda se tentou o regresso à cultura da vinha, mas o aparecimento da filoxera deu-lhe o golpe de misericórdia. Houve autênticos heróis nesse surto de renovação, mas poucos conseguiram sair vitoriosos. O Alentejano, contra o que se diz muita vez, é persistente, teimoso até, e progressivo. Lá se ensaiaram os primeiros adubos químicos e as primeiras máquinas agrícolas, mas, salvo raras e honrosas excepções, o nível intelectual, que baixara desde o encerramento da sua universidade, não estava à altura das técnicas a usar. A vontade só por si não basta. Verificada esta lacuna, os homens do meu distrito lançaram-se, tanto quanto as condições económicas o permitiam, à frequência das escolas superiores. Hoje, embora em número ainda insuficiente, já tomos técnicos qualificados. Surgiram, entretanto, novas facetas nos problemas do meu distrito. Há problemas económicos e sociais que requerem novas técnicas e novos conhecimentos. O amadorismo é fatal e só conduz a falsos resultados. Há, evidentemente, excepções à regra, mas porque são excepções não emitam grandemente no conjunto.
Temos, pois, Sr. Presidente, depois de sucintamente ter referido o que Évora e o seu distrito foram, e são, que solicitar, mas solicitar com o firme desejo de ser atendidos, as providências mais prementes que facilitem e possibilitem o desenvolvimento que todos, sem excepção, desejamos para a nossa região. Há, antes dê tudo, que
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criar os quadros técnicos que formem os indivíduos potencialmente válidos para o desempenho das múltiplas funções qua importa se exerçam. Necessitamos de economistas, de sociólogos de veterinários, de agrónomos, de agentes técnicos de engenharia e técnicos comerciais. Para isso é urgente que o Governo da Nação considere e atenda os alunos do Instituto de Estudos Superiores de Évora. Requer-se que tenham título universitário, que bem merecem, e sejam equiparados aos formados pelas Universidades estatais. Os programas desses estudos foram em tempo devido propostos e aceites. Porque se espera para os legalizar? Impõe-se a criação das escolas superiores de veterinária e agronomia, que em Évora teriam o seu habitat certo. É lá que se processam as maiores explorações agro-pecuárias e é lá, por consequência, que as escolas devem ter montadas. O número dos seus alunas seria, infalivelmente, superior ao das escolas congéneres de Lisboa e o seu reflexo técnico teria maior actualidade e repercussão. E em Évora que existe melhor ambiente para o estudo e investigação e mais lato campo de acção. É lá que a técnica tem esses campos de acção quase ilimitados, e lá ainda mais fácil seria o ensino. A par da preparação escolástica há a possibilidade de aplicação prática dos ensinamentos teóricos. Não hesite o Governo, Évora não deverá ter uma escola náutica, mas pode, podo e deve, ter escolas de preparação para técnicos agro-pecuários. Porque hoje, como aliás sempre, se deve ter em vista o rendimento das explorações. Há que criar economistas que estudem e planifiquem os efeitos económicos. Porque se pretendo uma maior produtividade, e que essa produtividade seja orientada no sentido de servir a todos, há que criar sociólogos que programem no sentido de que a maior produtividade seja encaminhada nesse sentido.
A produtividade e o seu constante aumento é para ser postas ao serviço da sociedade. Atingiremos, assim, a meta de levar os produtos de consumo aos mais baixos preços, à possibilidade de serem usufruídos pelo maior número. A produtividade deve ser incentivada, e todos nela devem colaborar, para que se diminuam as diferenças do poder de consumo entre as classes que constituem a sociedade humana. Sei que o problema é difícil, mas sei igualmente que não é insolúvel. Com espírito de cooperação, com entreajuda, com compreensão, tudo é legítimo supor se atingirá.
A criação dos institutos industrial e comercial e outra necessidade urgente, inadiável até. Os, indivíduos têm de ser valorizados pelo ensino, para que valorizem as suas actuações. Sem técnicos não haverá técnica e sem esta não haverá progresso.
Porque esperamos? Queremos um colapso económico?
Não o creio, e por isso peço no Governo da Nação que atenda as minhas solicitações com a urgência que bem merecem.
Sem brilho, certamente, mas com verdade e sinceridade, aqui deixo expressos os desejos do meu distrito. Atenda-os o Governo, e os resultados rapidamente serão visíveis. Se quereis colher, semeai.
A terra está preparada, o húmus é mais que suficiente e a seara, Srs. Ministros, dará larga paga ao capital a investir. Confiadamente espero. Mas, por Deus, não nos façam esperar muito. Évora aguarda a justiça que merece.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Peres Claro: - Sr. Presidente: Foi-me facultado há dias visitar, no meu distrito, a chamada região da Comporta, com cerca de 400 km2 e limitada pelo rio Sado, desde o sítio da Comporta até Alcácer do Sal (25 km), pelo troço da estrada nacional para o Algarve, que corre entre Alcácer e Grândola (22 km), e pela estrada que de Grândola leva à Comporta, passando pelo Carvalhal (32 km). Por impossíveis caminhos, de responsabilidade particular, cruzei aqueles quase 40 000 ha, com prédios rústicos de quilómetros de extensão, e ao meu espírito de homem simples, que não entende que se morra de sede ao pé da água ou de fome ao pé do pão, logo surgiu a interrogação, talvez ingénua, de como era possível falar-se calmamente em faltas de arroz, em faltas de madeira, em preços altos de sal e ter ali desperdiçados, improdutivos, dizem-me que 30 000 ha de terras capazes. Nos recuados tempos de D. Fernando, o primeiro, quem tinha terras e as não queria cultivar, pois as deveria entregar a quem o quisesse fazer. Sempre me impressionou tal medida, e nunca a tendo visto aplicada de então para cá, assim tão às claras, D. Fernando sempre foi para mim um homem de grande e decidida coragem. E chamei à conversa D. Fernando ... mas não era para ali chamado.
Das barragens Salazar e Trigo de Morais, há anos construídas para irrigação de uma vasta área de plainos onde o arroz sobressaía, saem dois canais, que, cumprida parte da missão, vêm a encontrar-se em Alcácer do Sal, onde de novo se bifurcam, seguindo um pela margem direita do Sado, a regar até Marateca, e o outro pela margem esquerda, até à Comporta, a servir esta herdade, o maior celeiro de arroz do País, com os seus 600 ha semeados, com uma produção anual da ordem dos 3 000 000 kg, e as da Batalha, Torrinha, Murta, Monte Novo, Montalvo, Cachopos e Carrasqueira, com mais 1000 ha de arrozais, onde cerca de 3000 pessoas trabalham anualmente. Pois para o transporte de tanta gente, de tanto arroz e das máquinas e animais necessários à lavoura não há uma estrada. E neste pormenor, que parece de somenos, reside o drama e a solução daquelas terras.
De facto, como é possível pedir aos proprietários que cultivem ou aos rendeiros que arrendem se os produtos não podem depois ser escoados? Se alguma vez uma infra-estrutura foi necessária, nunca o foi mais do que aqui, como estrada a ligar Alcácer do Sal à Comporta. São apenas 24 km, 4 km dos quais já construídos, 8 km enrocados e o mais areal e socalcos que a Câmara Municipal de Alcácer do Sal não pode transformar em caminho, mas de que a Junta Autónoma de Estradas poderia tomar a responsabilidade. Essa estrada, desejada, pedida e necessária há um ror de anos. serviria também os 320 ha de marinhas existentes, levaria ao aproveitamento de quase 2000 ha de sapais da beira-Sado, fomentaria o desenvolvimento do interland, onde se situam já campos de criação de gado, 400 ha de pomares em promessa, plantações de tomate para duas fábricas há pouco ali instaladas, que em breve exigirão o cultivo de 3000 ha, 1800 ha de sobreiral, 2500 ha de pinhal e milhares de hectares por plantar, como se fôssemos um rico país deste mundo.
Folheei há dias alguns documentos sobre o nosso panorama da celulose e das madeiras. Seis grandes fábricas de pasta celulósica estão em laboração, outra em construção, duas mais autorizadas, outras previstas. Em 1968 pretenderam as fábricas 1 200 000 st de eucalipto. Obtiveram da lavoura 800 000 st; o resto foi tirado dos seus stocks. Em 1969 necessitam de 1 700 000 st e só poderão obter 1 000 000 st. O que irá passar-se? Ou a produção baixa até ao nível das madeiras disponíveis, com grave prejuízo para a balança comercial, pois é quase toda para exportar, ou se insiste em diligências para a compra de madeiras no Brasil, na África do Sul, noutras paragens, com saída avultada de divisas e que só fretes incompor-
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táveis impedirão. Estamos perante mais um grave problema de desproporção entre o sonho e a realidade, infelizmente tão do nosso jeito.
Cada vez mais e maiores fábricas, para aproveitamento de madeiras, sempre o mesmo ritmo de carro de bois para atender às necessidades de tal empreendimento. E não há forças que travem os despachos de novas concessões, e não há forças que façam cumprir integralmente os planos de fomento, e não há forças que levem a um entendimento síncrono dos sectores interessados em qualquer planificação, e não há forças que façam mover as dependências e as competências. Eu exemplifico: em Junho de 1966 realizou-se na Ordem dos Engenheiros um colóquio sobre a produção lenhosa nacional face ao desenvolvimento das indústrias da madeira, cujas conclusões e recomendações foram entregues no departamento estatal interessado. Sobre o fomento florestal aí se dizia:
A indústria considera primordial o fomento da florestação do País a um ritmo que se coadune com as possibilidades de desenvolvimento da indústria consumidora de matéria-prima lenhosa. Essas possibilidades resultam essencialmente da existência de:
a) Mercado externo;
b) Mercado interno potencial, dada a baixa capitação nacional do consumo;
c) Aptidão dos solos e das condições climáticas do País ao rápido crescimento das espécies florestais adequadas à indústria.
A execução do plano de reflorestação ao ritmo necessário implica um investimento global que se prevê ser da ordem dos 400 000 contos anuais. Desse valor, cerca de 200 000 contos terão de ser obtidos através de fontes de financiamento, a cujo estudo haverá de proceder-se. A indústria está pronta a colaborar nos estudos necessários à definição detalhada (sic) do problema, no sentido de se encontrar a solução de financiamento mais adequada.
Isto em Junho de 1966. Pois em Junho de 1968 era enviada ao Governo uma nota a dizer que se acentuava o clima de escassez no mercado de madeiras e deplorando que os trabalhos de reflorestação previstos no III Plano de Fomento ainda não tivessem tido início. Seis meses depois, em Dezembro último, foi finalmente enviada uma exposição ao Sr. Presidente do Conselho no mesmo sentido da anterior. Não admira, pois, que a cerca de trinta anos da inauguração da obra de rega do vale do Sado as vias de acesso rodoviário, como a estrada que se pede, a ligar Alcácer a Comporta, ou fluvial, como a rectificação da margem esquerda do Sado ou a construção do canal Tejo-Sado ou as instalações portuárias, no aspecto de condições, equipamento e taxas, sejam problemas sem solução, pois implicam a intervenção conjunta de Ministérios diversos. E não se desconhece a existência dos 30 000 ha de charneca improdutiva entre Alcácer e a Comporta, nem que por uma prospecção agro-florestal de alguns anos se verificou haver nos concelhos de Alcácer e de Grândola uma zona por cultivar da ordem dos 85 000 ha. Assim como não se desconhece que, por iniciativa de alguns menos descrentes, nessa charneca a que me referi se erguem, pujantes e concludentes, belas matas de eucaliptos, algumas em primeiro corte e ainda sem via de escoamento. Os homens transitam, sim, mas pela beira do canal, e vinte e três já lá deixaram a vida, afogados.
Seria também de enorme interesse turístico a estrada Alcácer-Comporta, tal como a que, vinda de Beja, passa por Grândola e vai também até à Comporta, fechando a futura cintura de estradas, ambas servindo a região excepcional da península de Tróia, cujo areal, fluvial ou atlântico, se torna em praias difíceis de igualar. Pois também a estrada Grândola-Comporta, toda asfaltada, porque lhe falta um pontão no Carvalhal, impede que a gente do Alentejo tenha praia a menos quilómetros de distância. E não será de mais lembrar a utilidade da ligação do vale de Guizo ao Carvalhal como estrada de interior.
Sr. Presidente: Mais longo do que desejava e é meu costume, talvez não tenha assim mesmo conseguido dizer o que queria e que, afinal, era tão pouco. Apenas isto: que é preciso urgentemente plantar eucaliptos, que há terras vagas no meu distrito onde podem ser plantados, que não o são porque falta uma estrada de 24 km e que essa estrada e outra a que falta apenas um pontão seriam caminhos fáceis pura as gentes do interior alentejano irem banhar-se no oceano. Apenas isto, com mais alguns pormenores. Apenas isto.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Elísio Pimenta: - Sr. Presidente: O País ficou surpreendido, tão de longe se acostumara a estes desafios. Se fosse lá fora, disse-se, sim, com certeza os anteprojectos, os projectos, os concursos e as adjudicações, a execução planificada e racional e, finalmente, os prazos, não previstos mas estabelecidos, tudo, enfim, levaria o empreendimento ao termo com a maior naturalidade. Processos correntes não surpreendem ninguém.
Agora cá, expectativa curiosa e incrédula. Até se fizeram apostas. Se sim, se não ... Verdadeira corrida contra relógio. E foi assim, porque quem concebeu a obra e a entregou confiante para executar sabia o que fazia. E no dia e hora estabelecidos, um mês passado, o encontro da auto-estrada com a estrada marginal de Cascais era entregue ao tráfego rodoviário e acabavam de vez as confusões, os conflitos e os acidentes. E tudo tão simples ... Parabéns, como dizia o escritor Rúben Andressen Leitão num vespertino de Lisboa, "e quanto isto não vale quando o óbvio não se vê".
Quando o óbvio não se vê ...
É o melhor elogio que tenho lido à Administração. À Administração consciente das suas obrigações ...
Nós ficamos a pensar, Sr. Presidente, quando o óbvio existe realmente em Portugal, como lá fora, quando temos Ministros que querem, técnicos capazes como os melhores, processos actuais, racionalizados, e dinheiro nos cofres, porque é que esses acontecimentos se não repetem para proveito da Nação e crédito do Poder?
É claro que o caso não é o único a apontar. Ainda na véspera do fim do ano o venerando Chefe do Estado inaugurou um laboratório militar cujas instalações custaram 31 000 contos e foram planeadas, projectadas e executadas em menos de três anos. Mas este e a ligação marginal do Tejo, a que tão grande e justificada publicidade se deu, são paradigmas de uma regra que, por enquanto, não passa, infelizmente, de excepção.
Acredito sinceramente, Sr. Presidente, em novo estilo de administração que acabe de vez cem o conceito corrente da obra de Santa Engrácia, ainda sobrevivente ao termo solenemente celebrado da secular obra madrinha. O querer e a capacidade demonstrados nos empreendimentos apontados alenta a sensibilidade ainda não embotada, apesar de tantos exemplos de estagnação do possível tornado im-
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possível e faz-nos, na verdade, acreditar na existência de novo estilo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -Ma", perguntar-se-á, porventura, se isto que acabamos de dizer vem só a propósito da tão falada obra da estrada marginal que entusiasmou o País. É, claro que vem, até mesmo porque nesta Assembleia ninguém, por enquanto, lhe fez a justa referência, quando coisas de menor significado gozam do privilégio da palavra. Vem a esse propósito, sim, mas servirá também para pôr o contraste no estilo velho das obras que nunca mais acabam.
Tomemos como exemplos destas, e talvez se falasse com mais propriedade de obras que nunca mais começam, as estacões centrais de camionagem, cujo estudo-base. paru Lisboa e Porto, foi aprovado pelo Ministro das Comunicações em Janeiro de 1962, isto é, há precisamente sete anos, e consignada a verba, de 90 000 contos no já findo Plano Intercalar de Fomento e a de 241 000 contos no III Plano de Fomento, no seu segundo ano de execução.
O Sr. Augusto Simões: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com todo o gosto.
O Sr. Augusto Simões: - Disse V. Ex.ª que a vultosa quantia do Fundo Especial de Transportes Terrestres ainda, não foi aplicada na construção das gares rodoviárias ou centrais de camionagem.
Poderá V. Ex.ª indicar-me qual a aplicação que a essa verba foi dada em 1968?
É que, em 1967, todos sabemos, porque nos fui cientificado no douto parecer das contas públicas que o produto desse Fundo, que só a camionagem alimenta, se repartiu em subsídios e empréstimos à Companhia dos Caminhos de Ferro - a parto maior -, ao Metropolitano de Lisboa e aos Transportes Colectivos do Porto.
Mas, em 1968 ... eu ainda desconheço a aplicação desse Fundo.
O Orador: - Não posso responder à dúvida de V. Ex.ª, porque não conheço o orçamento ou as contas do Fundo, mas estou convencido de que este em pouco terá favorecido os transportes rodoviários.
O Sr. Augusto Simões: - E lamentável que tão ostensivamente se tenha desviado o cumprimento da lei.
Pois, apesar disso, nenhuma estação central de camionagem começou até agora a construir-se no País, e não certamente por falta de meios financeiros, dado que a fonte de financiamento indicada nos referidos planos é ... bem abastecido Fundo Especial de Transportes Terrestres.
Mas queremos restringir, Sr. Presidente, as nossas considerações às estações do Porto, que foram há dois anos objecto de um requerimento.
De harmonia com a informação que o Ministério das Comunicações teve a amabilidade de fornecer com prontidão, por intermédio do Gabinete de Estudos e Planeamento de Transportes Terrestres, ficou a saber-se que, de acordo com o Plano Director da Cidade do Porto, estão previstas três estações rodoviárias, muito embora se haja considerado conveniente reservarem-se terrenos para o seu oportuno desdobramento.
A estação do Sul, localizada no antigo Parque das Camélias, em pleno centro da cidade e em zona particularmente afectada pelo intenso tráfego da Ponte de D. Luís: a estação do Norte, na via de cintura interna, a nascente da Rua do Ameal; e a estação do Leste, localizada junto da estacão ferroviária de Campanhã, termo actual dos comboios de longo curso.
A primeira, isto é, a estação do Sul, foi considerada prioritária no Plano Intercalar de Fomento e dotada com 32 000 contos, conformo o anteprojecto aprovado em Outubro de 1963, quer dizer, há cinco anos, e a partir da declaração de utilidade pública, feita um mês depois, deu-se início ao processamento da aquisição e expropriações das parcelas de terreno que constituirão a área necessária, para a instalação da estação, praticamente terminadas há dois anos, com o dispêndio de 16 500 contos.
O relatório do Decreto n.° 47 790, do 10 de Julho desse mesmo ano de 1967, esclareceu que até ao fim do ano se previa a entrega dos projectos definitivos de arquitectura, estruturas e instalações especiais, devendo a obra, ficar concluída dentro de dois anos, isto é, em 1970.
Temos, portanto, como dados certos, segundo as estações oficiais responsáveis: concluída a aquisição do terreno, entregues os projectos definitivos e incluída no primeiro orçamento do Fundo Especial de Transportes Terrestres para 1967 a verba de 8000 contos para o início da execução da obra.
Parecia nada mais faltar para a sua conclusão em 1970.
O que acontece? Neste momento, princípio de 1969, a um ano ou ano e meio do previsto para a conclusão da estação central rodoviária do Sul, na cidade do Porte, não só a construção não se iniciou, como não consta sequer haver sido aberto o respectivo concurso.
Aquilo que poderia ter sido, apesar das longas e escusadas demoras na aquisição dos terrenos, um excelente exemplo de novo estilo de administração - e surpreende-nos sinceramente o que se passa, dado o crédito do Gabinete de Estudos e Planeamento de Transportes Terrestres, do qual certamente não será a culpa do atraso -, continua por resolver um problema crucial da cidade do Porto, que olha desgostosa e consternada o imenso matagal que circunstâncias inexplicáveis consentiram pudesse crescer e desenvolver-se em pleno centro da desafortunada, urbe e, mais do que isso, o espectáculo perturbador e inquietante de um tráfego rodoviário caótico, provocado em certa medida pelos transportes colectivos que transpõem o rio Douro através da Ponte de D. Luís e estacionam em filas cerradas na via pública e em variados locais.
Esta situação não pode, todavia, ser resolvida, como porventura se pensava há uma década, com a construção de uma grande estação rodoviária concebida sem a prudente previsão do crescimento acelerado do tráfego, que nos acessos sul à cidade do Porto atingiu volumes de longe superiores aos de qualquer outra via do País, com paralelo apenas na auto-estrada Lisboa-Cascais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Embora a citação de números possa fazer pesar esta intervenção, que se quis breve, julgamos dever ser mais objectivos, e assim acrescentaremos que, segundo o recenseamento efectuado pela Junta Autónoma de Estradas, o tráfego médio diário nas Pontes de D. Luís e da Arrábida foi em 1965 de 29 273 veículos, correspondendo 21 696 à primeira o 7577 à última, com pontas horárias, respectivamente, de 2025 e 1048 veículos.
Tendo em conta um aumento de 30 por cento verificado naquele tráfego de 1960 a 1965, poderemos calcular a excepcional saturação verificada hoje nas zonas da cidade afectadas por ele, nomeadamente nas vias afluentes à velha Ponte de D. Luís.
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Perante a necessidade inadiável de fazer concorrer determinado tipo desse tráfego, como o tráfego pesado, para a Ponte da Arrábida, que, apesar do que se tem dito em seu desabono, já comporta um volume que não anda longe do da Ponte Salazar, e a progressiva remodelação dos transportes colectivos urbanos do Porto, não se vêem motivos poderosos que justifiquem a existência de uma estação de camionagem situada no denso aglomerado do centro da cidade.
O Sr. Pinto de Mesquita: - V. Ex.ª consente-me interrompê-lo?
O Orador: - Com muito gosto.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Venho acompanhando com o maior intende a feliz intervenção de V. Ex.ª sobre o problema das gares de camionagem previstas para a cidade do Porto, coordenado com o das respectivas rodovias. Penso que nesse problema se enxerta como elemento essencial o da Ponte da Arrábida, parte integrante da auto-estrada que tem actualmente o seu termo dentro da cidade, na rotunda em que concorda com a via rápida para Leixões. Insisto, como já tenho feito de outras vezes, que não é de aceitar o rígido critério mantido pela Junta Autónoma de Estradas em se definir essa via como auto-estrada no tramo a partir dessa rotunda até ao nó sul imediato à dita Ponte. Neste não deve deixar de estimar-se, a par da sua função de satisfazer o trânsito regional, o de dar ligações urbanas entre o porto de Leixões e Gaia, que atende funcionalmente hoje a um único agregado humano e económico. Está em esperança de realização a abertura do indispensável acesso do nó a sul da Ponte com o centro de Gaia, bifurcando-se para a zona portuária. Essa realização, que tanto ocupa a Câmara de Gaia, torna ainda mais instante o problema rio referido tramo de aquela rodovia vir a definir-se antes como de simples via rápida. Isto melhoraria o seu actual funcionamento, que muito limita as ligações entre as duas margens urbanas do Douro, e contribuiria para aliviar a sobrecarga por V. Ex.ª notada de trânsito na Ponte de D. Luís. Inscreve-se perfeitamente um tal esquema na autogare por V. Ex.ª sugerida a construir a norte da Ponte da Arrábida, na zona da sua influência.
O Orador: - Agradeço a valiosíssima contribuição dada por V. Ex.ª Embora esteja a referir-me a um aspecto do tráfego rodoviário na zona central da cidade, a verdade é que a solução preconizada por V. Ex.ª contribuiria decisivamente para o descongestionamento do mesmo tráfego. Terei o maior prazer em ouvir e aplaudir qualquer intervenção de V. Ex.ª ou do Sr. Deputado José Alberto de Carvalho, que tão ligado está ao concelho de Vila Nova de Gaia, sobre a ligação das duas pontes na margem esquerda do rio Douro.
Melhor destino deveria ser reservado ao espaço escolhido para a sua construção, como, aliás, entende agora - só agora! - o Município, e bem, inserindo-se numa zona verde as instalações adequadas para o estacionamento de automóveis e tornando possível, assim, um largo passo na solução do difícil problema do trânsito nas ruas centrais, que apresenta aspectos de congestionamento e desorganização, para os quais se vão ensaiando sem êxito as mais variadas experiências.
Segundo técnicos autorizadas, e louvo-me num estudo publicado na excelente revista Transportes, as estações de camionagem devem contribuir para a melhoria da circulação urbana, libertando-a dos embaraços resultantes do trânsito e estacionamento dos autocarros nas artérias congestionadas.
Ora, a verdade é que se a construção da estação de camionagem do Sul da cidade do Porto, no local escolhido, viria a libertar as vias públicas dos embaraços provenientes do estacionamento, devemos aqui deixar a nota de que o projecto da mesma estação prevê a existência de 37 lugares de cais e 44 de estacionamento, para um número médio de 310 autocarros entrados por dia em 1959, e hoje seguramente ultrapassado, segundo o organismo técnico do Ministério das Comunicações, os embaraços de trânsito manter-se-iam pelas razões apontadas respeitantes à capacidade da Ponto de D. Luís e das vias urbanas que lhe dão acesso.
Qual a solução, portanto, que obviasse aos inconvenientes apontados de uma forte densidade de tráfego de autocarros de transportes colectivos, não utilizando, ao mesmo tempo, os planos há muito estudados e não executados?
A de uma colaboração efectiva entre o Ministério das Comunicações e a Câmara Municipal, no sentido preconizado do se reservar a estação de camionagem do Parque das Camélias para as carreiras de pequeno curso, desviando-se as restantes para a zona da Ponte da Arrábida, na qual se construiria uma outra estação e reservada às carreiras de médio e longo curso.
Em resumo, e para terminar. Sr. Presidente, o essencial é que se dê uma solução rápida a uma questão que se arrasta há longos anos. com prejuízo da comodidade do público, da urbanização de uma cidade, que procura adaptar-se às necessidades dos tempos actuais, por vezes entravada ou demorada pela incompreensão, pela inércia ou pela incapacidade e do prestígio do Poder, sempre valorizado, quando os problemas são enfrentados com inteligência e decisão, como no encontro das rodovias da Cruz Quebrada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Temos, felizmente, o óbvio na inteligência, na decisão, nas estruturas, nos executores. Mas esse óbvio não deve quedar-se inerte, antes se transporte para o realismo dinâmico das soluções políticas. E o caso que referi, é o caso das estações de camionagem de Lisboa, do Porto, de Braga, de Guimarães, de Tomar e outras previstas nos planos de fomento, o tal óbvio que existo mesmo, mas parece não existir.
O Sr. Duarte do Amaral: - Muito bem!
O Orador: - O que falta então? Creio bem que o Sr. Ministro das Comunicações, que nenhuma culpa tem deste estado de coisas, poderá responder, como responderá, certamente, ao caso do Aeroporto do Porto, denunciado por nós ainda há pouco tempo.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debute do aviso previu do Sr. Deputado Manuel Nazaré acerca da difusão da língua portuguesa em Moçambique.
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Tem a palavra a Sr.ª Deputada D. Custódia Lopes.
A Sr.ª D. Custódia Lopes: - Sr. Presidente: No desempenho do honroso mandato que me foi conferido, tenho-me ocupado, particularmente, dos problemas de educação, que considero dos mais importantes e prementes de entre os que contribuem para o progresso e desenvolvimento da Nação.
Não raras vezes me tenho referido ao aspecto do ensino que constitui o tema, que o ilustre Deputado Manuel Nazaré entendeu, e bem, dada a sua incontestável importância, trazer à consideração da Câmara em aviso prévio intitulado "Expansão da língua portuguesa em Moçambique".
É, pois, com grande interesse que nele participo, já por dever da própria função que desempenho de professora de Português num dos liceus da província de Moçambique, e que me dá alguma experiência, já pelo anseio que tenho de que ele possa resolver-se amplamente, não só para o progresso comum dos seus povos, mas também para a perenidade da cultura portuguesa nessa província.
Tenho seguido de perto e atentamente a evolução do problema, e estou perfeitamente de acordo com o ilustre Deputado avisante "na necessidade que há de se incrementar a difusão da língua portuguesa em Moçambique". O que a língua portuguesa representa como elo de união para esta província tão diversificada em raças, línguas e culturas está na consciência de todos os bons portugueses e até mesmo na dos nossos inimigos, que procuram aprende-la e ensiná-la para assim poderem, mais facilmente, unir africanos portugueses do diferentes origens na política adversa ao nosso país. Importa, sim, que se ensine a língua portuguesa, mas, sobretudo, que se faça de cada nativo, por via dela, um bom português.
Tal como o ilustre Deputado avisante, também tenho como princípio que sejamos nós a expor e a discutir os nossos problemas para que possamos resolvê-los. Assim, tenho procurado dar o meu modesto contributo, nas intervenções que tenho feito nesta Câmara, trazendo ao seu conhecimento os problemas que se me afiguram de real importância para a província que nela represento, apontando o que se tem feito e o que se não tem feito, para, com objectividade e espírito de justiça, aplaudir ou criticar construtivamente, e até, por vezes, apontar soluções que me parecem pertinentes.
É o que vou fazer, mais uma vez, nas descoloridas considerações sobre o tema em debate.
Quanto "a críticas, por vezes, deturpadas, feitas pelos organismos internacionais sobre os nossos assuntos, e que procuramos rebater com argumentos que nunca os chegam a satisfazer", como diz o ilustre Deputado avisante na sua intervenção, julgo, no entanto, pela experiência que me vem da minha missão na O. N. U., que importa sempre esclarecer, mesmo que a verdade não seja aceite por aqueles a quem ela não convém, por intuitos políticos.
Penso até que algumas vezes temos pecado por não termos trazido ao conhecimento público nacional e internacional, de uma maneira mais extensa e esclarecedora, as realizações empreendidas nas diversas actividades do ultramar, sujeitando-nos a críticas, que resultam, quantas vezes, da ignorância dos factos.
É, porém, incontestável que tem havido sempre relações humanitárias e fraternas entre os povos de diversas raças e línguas que habitam o nosso ultramar, com respeito pelas várias culturas e religiões.
O contacto humano, ou seja, a convivência, foi desde o passado, e continua a ser no presente, o primeiro passo a vencer a barreira das línguas. A língua portuguesa, franca, estruturada, portadora de uma cultura ocidental, vai assim, a pouco e pouco, difundindo-se, unindo povos de pluralidade linguística, ao mesmo tempo que, por sua vez, se enriquece ao contacto com outros falares e culturas diversas.
Uma das razões da pouca difusão da língua portuguesa entre os nativos de Moçambique foi, durante largo tempo, o escasso contacto com o português europeu, nas terras do interior desta província, contrariamente ao que sucedeu cm Angola, onde a penetração e a fixação deste, nas zonas rurais, se fez muito mais intensamente.
O esforço que fui preciso realizar cm escolas c missões católicas, através de toda a província de Moçambique, foi, sem dúvida, ingente, sobretudo numa época em que as vias e meios de comunicação eram, nesta província, escassíssimos.
A difusão da língua portuguesa limitou-se, durante muito tempo, ao ensino nas escolas primárias das cidades e, no meio rural, às missões católicas, que estavam longe de poder satisfazer a grande massa de crianças por educar.
Pode dizer-se que foi. verdadeiramente, no último decénio que na província se deu o surto de desenvolvimento educacional que culminou, no seu mais alto grau, com a criação da Universidade de Lourenço Marques, hoje com uma frequência de cerca de mil alunos.
Perdoar-me-ão VV. Ex.ªs que, no decorrer das minhas considerações, me reporte a algumas das afirmações aqui já proferidas por mim em intervenções anteriores.
Quando em Março de 1962 me ocupei, nesta Câmara, do ensino primário em Moçambique, referi-me à necessidade de se intensificar o seu desenvolvimento com o aumento de escolas que acudissem ao número crescente de crianças em idade escolar e também à necessidade de um vasto plano de educação popular que abrangesse a quantidade enorme de habitantes analfabetos e desconhecedores da nossa língua que se estendem por toda a vasta província.
A esse respeito disse então, entre outras coisas:
O ensino adquire um papel primordial no desenvolvimento e progresso das massas populacionais do ultramar. Não serão de mais quantas escolas se criem através da extensa província de Moçambique, com o fim de levar às populações de variadas etnias que aí habitam o conhecimento da língua nacional, não só veículo indispensável para a aquisição e transmissão de conhecimentos, mas também meio útil para que os diferentes grupos se entendam entre si e melhor se compreendam.
O ensino será, sobretudo, a base em que há-de assentar todo o plano de desenvolvimento económico-social da população da província. Na verdade, o desenvolvimento económico e social nas regiões rurais, pela introdução de novas técnicas, educação sanitária e aquisição de hábitos de civilização pelas populações menos evoluídas, far-se-á com dificuldade e muito lentamente se não lhes dermos os conhecimentos elementares, através da língua pátria, quer falada, quer escrita. Este será o recurso pelo qual essas populações se hão-de valorizar, adquirindo os conhecimentos universais e espirituais que dignificam o homem.
E acrescentei:
Parece-me, por isso, que se deve pensar seriamente no problema da educação das massas populacionais de Moçambique, numa larga campanha de difusão da, língua portuguesa e de alfabetização das massas populares, sejam elas crianças ou adultos.
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Nessa mesma intervenção, sugeri que se fizesse uma campanha de educação, embora em moldes diferentes, à semelhança do que se fizera na, metrópole, empreendida pelo eminente estadista e hoje ilustre Deputado Veiga de Macedo, que, neste aviso prévio, mostrou bem, com o seu brilhante discurso e com o entusiasmo que nele pôs, quanto o problema da difusão da língua portuguesa lhe está na inteligência e na alma.
Aproveito para agradecer a S. Ex.ª as palavras amáveis que me dirigiu, e que me honram sobremaneira, por virem de quem é uma autoridade na matéria.
Voltando as afirmações proferidas em 1962 sobre a língua portuguesa, formulei então o voto de que se alargasse e intensificasse o ensino "de modo que o maior número possível de habitantes da vasta província de Moçambique entenda, fale e escreva o português".
É de justiça lembrar a acção notável que o então governador-geral de Moçambique, almirante Sarmento Rodrigues, empreendeu, por todos os meios ao seu alcance, no sentido de despertar a província pura os problemas da educação e dar ao ensino da língua portuguesa o impulso de que tanto carecia, não só com a criação de mais escolas, mas também com a cooperação de serviços fora desta e com o auxílio do Exército e de empresas particulares.
São do ilustre governante as seguintes palavras, pronunciadas em sessão do Conselho Legislativo da província:
Para o ano seguinte. 1962-1963, continuar-se-á a dotar os aglomerados populacionais da província com mais escolas primárias, segundo o plano que, em cada distrito, os respectivos governadores sugiram como mais conveniente.
Mas desde já igualmente se conta na difusão do ensino, e, particularmente, no que respeita ao idioma nacional, com a valiosa colaboração das forças armadas, que enviaram um plano que será imediatamente executado.
A difusão da língua portuguesa e o desenvolvimento do ensino estavam no espírito do Governo da província, que, para tal, além de um aumento considerável de escolas primárias, criou e pôs em funcionamento liceus e escolas técnicas em todos os distritos e criou também o Serviço Extra-Escolar, pelo Diploma Legislativo n.° 2118, de 21 de Agosto de 1961, com o objectivo primordial de difundir a língua portuguesa e transmitir conhecimentos a nível primário fora da escola para os que pela idade ou outras circunstâncias não pudessem frequentá-la.
Este Serviço conta com o apoio dos diversos serviços públicos, municípios, organismos corporativos, culturais, recreativos e empresas privadas. Foi também criado o Serviço de Promoção Social da Mulher, dependente daquele e a carga de senhoras de Moçambique, que, num espírito de voluntariado, vêm promovendo socialmente a mulher africana, dando-lhe não só conhecimento da língua portuguesa, mas, através dela, uma educação de base caracterizada por noções genéricas de higiene, primeiros socorros, puericultura, costura, etc. Estes dois organismos, elementos de cooperação na difusão da língua portuguesa, encontram-se espalhados em centros sociais através de toda a província, tendo já dado um contributo válido. Contudo, ainda não puderam alcançar plenamente os objectivos para que foram criados por carência, sobretudo, de meios materiais e de acção.
O Serviço Extra-Escolar possuía, em 1967, 264 centros, com a frequência do 13 210 alunos, dispondo da verba anual de 1600 contos. Funciona através de comissões nas diferentes regiões da província com monitores próprios, preparados em cursos, segundo programas superiormente aprovados, e agentes de ensino voluntários de diversa preparação e cultura. Os monitores recebem a pequena remuneração de 350$ mensais, mas, apesar disso, havia, em 1967, 254 monitores, sendo os voluntários 180.
Ha que aproveitar estes dois serviços já instituídos com fins bem definidos, reestruturá-los e, sobretudo, dotá-los convenientemente de meios apropriados para que possam contribuir em plenitude para a melhoria educativa e social das populações menos evoluídas, objectivo para que foram criados.
Também em regime de voluntariado se criou, em 1961, o Grupo de Estudo e Trabalho para o Aperfeiçoamento do Ensino, cujo objectivo foi de atender à necessidade de livros escolares e material pedagógico, meios essenciais no ensino.
A contribuição que este organismo poderá vir a dar no estudo e aplicação dos métodos áudio-visuais para a difusão da língua portuguesa é evidente. Necessário é que se lhe dêem meios paru fazê-lo. A este propósito lembro as modernas possibilidades que estão à nossa disposição, como a radiotelevisão, cuja instalação em Moçambique considero, por mais esta forte razão, indispensável.
Embora me mereça todo o apreço a mobilização voluntária de pessoas que colaborem na acção educativa e no ensino da língua portuguesa, o que já vai acontecendo com a cooperação abnegada dos militares e das mulheres e homens de boa vontade, julgo que haverá necessidade de se coordenarem os serviços já instituídos para esse fim, reestruturá-los e dotá-los de quadros próprios do professores e monitores devidamente remunerados, do modo que se organize um verdadeiro serviço de acção educativa e social, tendo como base a difusão da língua portuguesa. Para esses serviços muito poderiam contribuir também as assistentes sociais e monitoras que se formam no Instituto de Serviço Social, já existente na província.
Não podemos, de modo algum, deixar de contar com a contribuição do voluntariado e com a cooperação das empresas e entidades particulares, que, neste campo, têm já dado provas de generosidade.
A campanha é vastíssima e todos somos poucos para a levarmos a bom termo.
Contudo, a experiência tem demonstrado que, não raras vezes, a execução das boas ideias e dos planos se enfraquece por se ter ficado ao sabor das improvisações, das flutuações de maior ou menor entusiasmo e a mercê das circunstâncias de momento dos que, voluntariamente, se dedicam a tal obra, ainda que lhes não falte boa vontade.
A formação de um quadro de professores e monitores enquadrados num serviço de educação e acção social planificado e solidamente estruturado asseguraria a eficiência e continuidade de um vasto programa, que seria de acção social e de difusão da língua portuguesa, e, além da colaboração nos próprios serviços oficiais, estes agentes do ensino poderiam vir em auxílio de empresas e entidades particulares, sobretudo fábricas, empresas agrícolas, etc., no ensino da língua pátria.
As duas escolas de magistério primário criadas pelo Decreto n.° 44 240, de 7 de Marco de 1962, em Lourenço Marques e na Beira, ambas hoje em pleno funcionamento, têm fornecido a província pessoal docente bem habilitado para o ensino primário.
Contudo, dada a extensão da obra a realizar por toda a província, a carência de professores continua a fazer-se sentir, sobretudo nas regiões do interior, onde se criaram e funcionam os chamados "postos escolares" subsidiários das escolas primárias, que sobretudo, se situam nas zo-
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nas urbanas, com professores diplomados pelas escolas de magistério.
Os postos escolares de ambientes rurais compreendem obrigatoriamente as três primeiras classes do ensino primário precedidas de uma classe pré-primária e poderão, segundo a lei, evoluir para escolas primárias quando se entender conveniente e a frequência de alunos o justificar.
Estas escolas rurais, que, com alguma alteração, correspondem às antigas escolas de adaptação, são leccionadas por professoras e professores habilitados pelas escolas de habilitação de professores de posto escolar, a cargo das missões católicas, e, à falta destes, por monitores escolares sob a orientação daqueles.
Os monitores são indivíduos que obtiveram aptidão para o exercício eventual do ensino primário elementar nos ambientes rurais e que preencherão as vagas que não puderem ser preenchidas pelos professores de posto escolar, por carência destes.
Numa recente visita que fiz a Angola tive ocasião de observar o trabalho já imenso e valioso destes obreiros da educação, no extenso meio rural africano, e a sua extraordinária contribuição na difusão da língua portuguesa.
Não resisto à tentação de contar a VV. Ex.ªs um pequeno episódio que presenciei e me comoveu, aquando da inauguração de uma pequena escola criada nos arredores de Malanje.
No meio da interessante festa com que foram acolhidas as entidades, dos discursos em que professores e representantes da população demonstravam o seu regozijo pelo acontecimento, inesperadamente, o professor do posto escolar dessa escola pediu licença para ler um poema que ele dedicava aos seus alunos.
Era um pequeno poema pleno de humanidade, num português correcto, perfeito na forma e nas ideias. Um nativo, apenas professor de posto escolar, mas poeta, traduzia os seus sentimentos em verso na língua de Camões, numa singela escola do interior de Angola.
Este pequeno episódio, para alem do sentimento que o envolve, traduz bem quanto já se fez e se pode fazer, em África, pela língua portuguesa.
Embora em Moçambique, existissem já escolas de habilitação de professores de posto escolar, só recentemente, na vigência do actual governador-geral, Dr. Baltasar Rebelo de Sousa, foram oficializadas doze escolas pela Portaria n.º 21 647, do 21 de Dezembro de 1968, o que dá às missões católicas meios mais eficientes para uma maior e melhor formação de professores deste ensino.
A melhoria dos vencimentos destes professores e a criação de um quadro próprio tornarão a profissão mais atraente e procurada.
Com o apoio do Governo, as escolas ficarão à altura de formar com eficiência os agentes de ensino que nos meios rurais hão-de propagar a língua portuguesa. Tenho para mim que uma das razões da lentidão com que se fez a difusão da língua entre os nativos, na província de Moçambique, foi a fraca preparação que dela tinham os próprios professores que a leccionavam.
Foi, pois, uma medida justa e acertada a, oficialização de tais escolas, as quais, fornecendo em maior quantidade e qualidade agentes de ensino, muito contribuirão para o progresso das populações africanas rurais de Moçambique.
A reforma da ensino primário elementar nas províncias ultramarinas, criada pelo Decreto-Lei n.° 45 908, de 10 de Setembro de 1964, deu o grande passo em frente no ensino primário com a remodelação dos programas e métodos anteriormente usados. A alteração dos processos, ajustando-os aos condicionalismos do meio ultramarino, contribuirá certamente para uma aceleração nesta fase do ensino. Assim, a criação de uma classe pré-primária para o ensino da língua portuguesa a crianças que a não têm como língua materna, ou que dela tenham fraco conhecimento, foi uma oportuníssima medida, cujos efeitos se estão já fazendo sentir na maior facilidade com que estas crianças iniciam a escola primária. A criança desconhecedora da língua portuguesa começará por aprender a linguagem oral, através de centros de interesse a partir da sua própria pessoa, centros que se vão alargando às coisas que a rodeiam, às pessoas com que contacta e às acções e procedimentos relacionados com a sua vida ambiental, sendo esta aprendizagem acompanhada de um desenvolvimento físico-psíquico através de jogos.
Deste modo, a criança vai aprendendo, quase, sem esforço, a exprimir-se oralmente em português sobre aquilo que conhece e habituando o ouvido ao ritmo da linguagem nova que se lhe depara.
Da oralidade passará mais facilmente à leitura e escrita na 1.ª classe, onde o ensino da língua continuará a incidir sobre o vocabulário e as frases adquiridas na classe anterior.
Não cabe aqui explanar-me sobre metodologia ou didáctica da língua, mas quis apenas mostrar como a reforma do ensino primário elementar contribui para um ensino racional e mais consentâneo com as crianças do meio africano, o que certamente levará a uma mais rápida aprendizagem da língua portuguesa.
Pelo interesse e importância que as disposições do artigo 3.º da mesma reforma suscitam, quanto à promoção social no meio familiar e local da criança nativa, através do desenvolvimento de contactos humanos, não resisto a citá-las.
Diz o artigo 3.º da reforma do ensino primário no ultramar:
Os postos escolares e as escolas primárias estarão estreitamente vinculados aos ambientes onde se situarem, intervindo nas actividades neles dominantes, especialmente por:
1.° Reuniões quinzenais dos professores com as famílias e, em especial, das professoras com as mulheres do povo:
2.° Visitas a fazendas agrícolas, tanques-banheiros, instalações fabris e outros motivos de interesse para a vida local;
3.º Jogos sociais aos sábados e domingos à tarde, convindo que neles participem as famílias dos alunos.
É um programa de educação que não deixa de considerar as relações da escola e da família e da criança com o meio ambiento em que vive.
É de desejar que ele seja fielmente executado, para o que contamos com a Inspecção dos Serviços de Educação de Moçambique, ultimamente criada com o objectivo de orientar o inspeccionar a educação e o ensino desta província.
A campanha de difusão da língua portuguesa terá de ser acompanhada pela promoção social do africano, sendo o idioma nacional o instrumento de que o nativo se servira para ascender à, cultura portuguesa, de uma maneira gradual, num desejo natural e espontâneo que brota à medida que vai conhecendo um mundo de coisas novas e úteis.
A ânsia de adquirir conhecimentos e de ascender socialmente é evidente nos inúmeros nativos que acorrem às escolas primárias, secundárias e técnicas em cursos
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diurnos e nocturnos. De entre estes últimos, salienta-se o curso liceal nocturno de adultos que n Associação dos Antigos Estudantes du Coimbra mantém gratuitamente em Lourenço Marques com o apoio do Governo e que é frequentado por um número considerável de africanos. Segundo me disso o próprio presidente, cerca de 90 por cento actualmente.
Iniciativas desta natureza, assim como as bolsas que entidades particulares concedem com auxilio dos estudantes de fracos recursos económicos, devem ser incentivadas, para, que se possa dar aos mais aptos, indistintamente, de entro todas as camadas sociais, a possibilidade de atingirem os mais altos níveis educacionais.
Lembro o que disse em 1963, nesta Câmara, e também a propósito do ensino da língua portuguesa na província de Moçambique.
É, ainda excessivamente grande o número de nativos que desconhecem a língua portuguesa. Sendo esta o instrumento e a base de uma cultura ocidental acèrrimamente e defendida pelos portugueses em África, parece-me que se deve dar toda a atenção ao magno problema do ensino da língua pátria.
E acrescentei:
É, certo que em Moçambique alguma coisa se está fazendo neste sentido, não só por um aumento considerável de escolas, mas também por meio de cursos destinados a adultos. Porém, num momento em que se acabam de instituir no ultramar as escolas superiores, haverá que preparar conveniente e solidamente as camadas primárias e secundárias que hão-de constituir a base indispensável para o bom cumprimento da missão a que a Universidade se destina. Com efeito, só com uma instrução mais profunda e extensa, que abranja todas as camadas populacionais, teremos elementos validamente escolhidos que poderão assegurar o alto nível cultural em que as escolas superiores aí deverão funcionar.
As Universidades serão, sem dúvida, as formadoras das elites de pensamento e de acção que hão-de contribuir, não só para o progresso material de todo o território nacional, mas também para a promoção cultural e social que há-de unir cada vez mais no mundo a comunidade portuguesa.
Cinco anos passados, pôde já a Universidade de Lourenço Marques contribuir com os seus primeiros técnicos para o progresso de Moçambique, estando a preparar muitos outros, pois que a província bem deles carece. De entre estes, ressaltam os professores de ensino liceal e médio.
A formação do professores qualificados a nível secundário e médio é o maior contributo que a Universidade poderá dar à causa da educação em Moçambique.
Seria de desejar que a Universidade pudesse também assegurar os estudos linguísticos necessários para um português fundamental, tão útil à defesa da língua, e encetar o estudo e o ensino científico das línguas nativas da província, o que contribuiria para melhor compreendermos as culturas africanas.
Sr. Presidente: Pretendi mostrar à Câmara como tem evoluído o problema da difusão do idioma nacional era Moçambique. Tomos de reconhecer que, apesar das dificuldades do momento, que não podemos esquecer, o esforço que ultimamente se tem realizado, neste campo, é digno de apreço. Seria injustiça, que não quero cometer, não prestar homenagem a todos quantos em serviço oficial, particular ou voluntário, têm dado o seu contributo à causa da expansão e do ensino da língua portuguesa na província de Moçambique.
Todavia, reconheço que estamos ainda longe de atingir a meta que desejaríamos.
A taxa de escolarização de 49 por cento que se pretende atingir no III Plano de Fomento é ainda modesta, como modestos são os recursos financeiros de que a província dispõe, no seu orçamento, para tão vasta obra de educação.
O ano passado, na minha intervenção, aquando do aviso prévio sobre o ensino liceal a cargo do Estado, fiz o voto de que no orçamento da província de Moçambique se compense mais, largamente o sector da educação. Volto a renová-lo e a pedir, tal como já fiz também, que se dê à educação o lugar prioritário que verdadeiramente merece.
Esperemos que a província encontre no desenvolvimento dos seus recursos naturais os meios suficientes para poder aumentar e acelerar a obra educativa das suas populações, em todos os níveis de ensino.
Seria de desejar também que fosse criado um fundo escolar para o ensino primário, aproveitando-se a comparticipação dos municípios, que já para este ensino concorrem.
Sr. Presidente: A língua portuguesa é, sem dúvida, o instrumento fundamental e necessário para o progresso e união dos variados povos de Moçambique, mas é também, e sobretudo, o meio indelével da continuidade da cultura ocidental e portuguesa.
Saibamos nós compreender a grandeza do seu valor moral, espiritual e nacional, tal como os nossos antepassados o entenderam.
A citação de João de Barros, tão oportunamente aqui dita, é digna da ser repetida e meditada:
As armas e padrões portugueses postos em África e na Ásia e em tantas outras ilhas fora da repartição das três partes da terra, materiais são e pode-os o tempo gastar; mas não gastará doutrina, costumes, linguagem, que os portugueses nesta terra deixaram.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
A oradora foi muito cumprimentada.
O Sr. Pinto Bull: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: As minhas primeiras palavras são para prestar sincera homenagem ao homem que de há quarenta anos a esta parte vinha conduzindo com inexcedível perícia esta grande nau, apesar do vendaval que vem assolando algumas parcelas do mundo lusíada, procurando a todo o custo desmantelar esta sólida unidade que liga os portugueses de todos os quadrantes.
Desejo ainda manifestar a minha grande satisfação por a Providência nos ter proporcionado a sorte de vermos acentuarem-se as melhoras do Sr. Presidente Salazar, depois das duas crises de que foi vítima a partir de 7 de Setembro último.
São decorridos quatro meses e foram outros tantos meses de constante vigília em todo o mundo português e de consagrada e sentida romagem a Casa de Saúde da Cruz Vermelha, onde as lágrimas de mistura com as mais lindas flores do espaço português têm evidenciado quanto era c é ainda estimado o Sr. Prof. Oliveira Salazar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Estive na Guiné depois da doença do ilustre Chefe e comoveu-me ver que em todas as camadas sociais se vinha vivendo a doença de S. Ex.ª, e a cons-
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ternação que ia na alma de todos revelava bem o apreço, o respeito e uma grande admiração que toda aquela boa gente tinha e continua tendo pelo Sr. Presidente Salazar. E eu, que tive a felicidade de contactar algumas vezes com o ilustre estadista, pude apreciar e conservo bem clara a imagem da sua invulgar inteligência, aliada a um fino mas penetrante poder de convicção, o que me faz avaliar, em toda a sua extensão, a grande perda que a Nação sofreu com a doença do Prof. Oliveira Salazar num dos momentos difíceis da sua história.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E aquilo que se passa comigo, estou certo que é sentido pela maioria dos portugueses, brancos, mestiços e negros, pois é de esperar que tão cedo não possamos esquecer as dádivas da Providência que recebemos do Presidente Salazar nesses quarenta anos do seu mandato.
É, pois, com a mais viva e profunda emoção que saúdo tão ilustre estadista e lhe dedico, em sinal de homenagem, estas minhas primeiras palavras nesta sessão legislativa, com votos sinceros por um rápido restabelecimento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Aproveito ainda a oportunidade para desta tribuna saudar o novo Presidente do Conselho, Sr. Prof. Marcelo Caetano, mestre consagrado e estadista dos mais ilustres, e que em boa hora foi escolhido para substituir na chefia do Governo o Sr. Prof. Oliveira Salazar. Em meu nome e no das gentes da Guine, que aqui represento, renovo as minhas felicitações a S. Ex.ª, com desejos das maiores prosperidades nas altas funções de que foi investido.
Sr. Presidente: Permita-me V. Ex.ª que antes de entrar propriamente no tema do nosso debate dirija algumas palavras, bem merecidas, ao autor do presente aviso prédio, Deputado Manuel Henriques Nazaré, para realçar a valiosa contribuição que vem dando a esta Câmara, trazendo ato nós problemas ingentes da portentosa Moçambique, sua terra natal, onde o esforço lusitano vem sendo intensificado de dia para dia, em todos os sectores de actividade, desde a defesa da nossa soberania contra as investidas terroristas no Norte da província, até ao desenvolvimento sócio-económico e cultural das populações, simultaneamente com outros empreendimentos de projecção internacional, entre os quais sobressai o aproveitamento do Zambeze para o arranque da colossal obra de Cabora Bassa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O Dr. Manuel Nazaré fecha com chave de ouro a série das suas intervenções nesta Câmara, onde deixa bem vincada a sua passagem, não só pela simpatia que o seu agradável convívio irradia, mas sobretudo pelos três avisos prévios que ofereceu à, nossa apreciação e meditação durante a presente legislatura: "O problema habitacional das classes economicamente débeis do ultramar", "O ruralato africano" e "A difusão da língua portuguesa em Moçambique", todos de grande interesse e oportunidade, mas este último de uma relevância especial e que merece todo o nosso carinho e entusiasmo na sua concretização.
Felicito, pois, o Sr. Deputado Manuel Nazaré por mais este brilhante trabalho, que denota o seu patriotismo, o seu acrisolado amor por essa pérola do Índico, que é Moçambique, e ainda uma grande confiança nas nossas possibilidades para encetarmos uma campanha a escala nacional para a difusão da língua portuguesa em todo o nosso ultramar, para que, num futuro não muito distante, os portugueses de todas as etnias venham a entender-se nessa inconfundível língua, que foi, é e há-de continuar a ser "laço do povos e harmonia", como muito bem a definiu Lopes Vieira.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Depois da maravilhosa peça literária que constituiu a intervenção do Sr. Deputado Veiga de Macedo neste interessante debate acerca da difusão da língua portuguesa e das oportunas palavras da nossa colega Deputada Custódia Lopes, professora distinta do ensino secundário em Moçambique, sem me esquecer dos demais oradores que me precederam, todos com depoimentos válidos e construtivos, pouco mais me será permitido acrescentar ao que já foi dito, e não teria pedido a palavra se não fosse a ideia de trazer a minha modesta achega, produto do saber da experiência feita através dos meus longos anos de contacto com as populações autóctones, a este oportuno aviso prévio, que, a meu ver, não deve ficar circunscrito à província de Moçambique, mas tornado extensivo às demais províncias ultramarinas, pois a urgente necessidade da difusão da língua portuguesa preconizada pelo nosso colega Deputado Manuel Nazaré tem inteira aplicação em todas elas.
Parece-me, contudo, que sobre os pontos básicos do problema já foi dito o suficiente para que tanto o Governo Central como os das províncias de além-mar fiquem conhecendo o pensamento desta Assembleia e acolham com simpatia esta ideia, que merece ser apoiada por todos os homens de boa vontade.
Penaliza-me, porém, que o curto espaço de tempo decorrido entre a apresentação do aviso prévio e a sua entrada em discussão não me tenha permitido preparar uma colaboração mais perfeita, limitando-me assim a compulsar apressadamente elementos dispersos e que reuni neste rápido apontamento, com o qual procurarei dizer n VV. Ex.ªs alguma coisa do que só passa na província que aqui represento.
Não fugirei à verdade se disser a VV. Ex.ªs que na província da Guiné tem sido preocupação dominante das entidades civis, eclesiásticas e militares, bem como dos responsáveis pela sua governação, a difusão da língua portuguesa entre os variadíssimos povos, que constituem naquela província um interessante xadrez etnográfico e uma verdadeira torre de Babel linguística, e poderei afirmar a VV. Ex.ªs que desde que os Portugueses pisaram as terras de África, nos primórdios do século XV, a Igreja começou imediatamente a ter um papel importante na expansão da língua pátria, porquanto era difícil distinguir a acção religiosa da educativa e da do ensino, chegando todas a confundirem-se num mesmo apostolado, dado que os ensinamentos da catequese eram feitos indistintamente em português e nas línguas vernáculas.
Já em 1496 os Franciscanos missionavam na Guiné, e as suas pregações em Bissau e Cacheu, centros importantes de então, eram feitas tanto em português como nas línguas nativas.
Em 1694, D. Fr. Vitoriano do Porto, bispo de Cabo Verde, província de que eclesiàsticamente dependia a Guiné, na sua visita aos centros de Bissau, Geba e Cacheu, encontrou nas comunidades cristãs nativas núcleos de católicos autóctones que também aprendiam a língua portuguesa.
Pena foi que a expulsão dos Franciscanos da Guiné em 1700 tivesse originado uma certa pausa na expansão da língua, o que ata ao século XIX se foi acentuando cada vez mais, dada a escassez do missionários, pois por di-
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versas vezes toda a província chegou a estar entregue a um único missionário!
Vê-se assim que na Guiné, como, aliás, em quase todo o nosso ultramar a primeira fase da instrução teve como propósito o ensino da língua portuguesa pelos missionários para facilitar a sua dura tareia de catequização dos autóctones, e embora a partir de 1883, já existissem na Guiné sete professores e três mestras de meninas e sete anos mais tarde o ensino fosse obrigatório para as crianças de ambos os sexos dos 7 aos 15 anos, o certo é que paralelamente com a parte didáctica houve sempre a preocuparão de se intensificar o ensino da língua de Camões.
Nos nossos dias essa preocupação não se refreou, e embora tenha tido períodos áureos entremeados com outros de verdadeiro desfalecimento, posso afirmar a VV. Ex.ª que, de uma maneira geral, todos os governantes se têm preocupado com a difusão da língua portuguesa e alguns houve que se compenetraram da grande importância do problema e o consideraram como um dos pontos prioritários do seu governo.
Infelizmente a falta de continuidade e o cepticismo de alguns "velhos do Restelo" falsearam o bom resultado dessas campanhas, que hoje poderiam registar resultados surpreendentes naquela pequena província, onde o material humano é fácil de moldar.
Verifica-se assim que nas cidades, nas vilas e nalguns centros comerciais mais importantes todos os nativos, ou na sua grande maioria, falam ou pelo menos compreendem o português, mas nos pontos mais afastados do interior, onde a convivência com o elemento civilizado é quase nula, são bem poucos aqueles que podem entabular uma conversação na língua lusa.
A partir de 1962, e, mau grado nosso, como um dos resultados positivos do terrorismo, os contactos das massas nativas com os nossos bravos soldados nos pontos mais recônditos do interior têm contribuído substancialmente para a difusão da língua portuguesa, facto que a meu ver deve ser registado e estudado para o seu aproveitamento numa futura campanha.
As missões católicas da Guiné, com as quais o Estado Português despendeu de 1940 a 1962 cerca do 34 308 509$47, têm cumprido, o bem, na província a "trilogia que a Pátria, no cumprimento de um imperativo histórico, confiou às ordens e congregações religiosas, logo no início da expansão, e as conduziu a fazer portugalidade nos trópicos" através da catequização, educação e ensino.
É pois de justiça deixar aqui expresso a minha admiração pelo bom trabalho que as missões católicas têm feito e o meu reconhecimento pela colaboração que me dispensaram durante os quatro anos que tive acção efectiva na governação da Guiné.
As autoridades administrativas, que tiveram sempre papel preponderante na execução de todo e qualquer programa de acção sócio-económica na província, e que nesta guerra sem quartel que nos movem do exterior têm sabido comportar-se como agentes de elite, podem dar um contributo substancial em qualquer campanha que se planifique para acelerar a difusão da língua portuguesa e de colaboração com os dedicados e incansáveis elementos do professorado podem levar a cabo uma obra a todos os títulos meritória.
Cometeria uma grande falta se não deixasse bem expressa a minha admiração e gratidão a alguns elementos das forças armadas que no interior da Guiné, e simultaneamente com a árdua tarefa de defender a nossa soberania contra as investidas terroristas, se dedicam à meritória obra de educar e ensinar as populações nativas e é-me grato patentear que encontrei verdadeiras revela-
ções em pleno mato e que é pena não serem aproveitadas para enriquecer o já conceituado quadro do professorado, pois uma grande parte deles possui o curso do magistério primário.
Já disse nesta Câmara que em França "os rapazes chamados para o serviço militar, que sejam já professores ou médicos, poderão continuar u exercer as suas profissões se pedirem para cumprir esse período em Madagáscar ou no continente africano. Além do soldo receberão o equivalente a 7000$ ou 9000$ mensais e terão alojamento gratuito" (Diário Popular, suplemento de terça-feira 18 de Janeiro de 1966).
Aqui fica mais uma vez a sugestão e oxalá possa sor aproveitada para a campanha que vier a ser encetada em consequência do aviso prévio que estamos apreciando.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Muito mais teria a dizer acerca deste magno problema da difusão da língua portuguesa e da alfabetização das massas nativas; porém, não me quero tornar fastidioso, e por isso vou abreviar esta minha rápida intervenção.
Não quero, porém, deixar de realçar a obra ingente que o Governo vem fazendo em prol da educação e da difusão da língua portuguesa na Guiné e para que VV. Ex.ªs fiquem fazendo uma pálida ideia do vasto programa que ali se está processando, direi apenas que, em relação ao ano lectivo 1966-1967, além de um liceu e de uma escola técnica, o número de escolas primárias era de 157, com 344 professores o monitores e 17 018 alunos, sem contar com 276 pequenas escolas primárias estranhas ao plano oficial, com 278 professores e 4106 alunos, números interessantes em qualquer ponto de África, atendendo à superfície e à população da província. Para uma melhor preparação de professores para os postos escolares, foi criada uma escola em Bolama há cerca de três anos e que muito brevemente começará a dar os seus frutos.
E para vincar mais o interesse que o ensino e em especial a difusão da língua portuguesa merecem aos Srs. Ministro do Ultramar e Subsecretário da Administração Ultramarina, não resisto à tentação de transcrever duas passagens dos discursos que pronunciaram nas sessões de abertura e encerramento da primeira reunião do Gabinete de Estudos da Direcção-Geral da Educação daquele Ministério. Disse o Sr. Ministro Prof. Silva Cunha:
Porei em especial relevo o que respeita à intensificação do uso da língua portuguesa, pois é este o meio mais poderoso do reforçar os laços entre todos os que integram a Nação. É aqui que mais deve insistir a nossa acção. É neste ponto que devemos ser mais intransigentes cum os desvios, mais pertinazes no esforço, mais insatisfeitos com os resultados obtidos.
E o Subsecretário da Administração Ultramarina. Dr. Almeida Cota, assim se pronunciou:
Também com especial apreço atentei neste ponto, por se devier ter em conta que o emprego das línguas vernáculas ou dos dialectos está reservado exclusivamente aos fins estabelecidos um acordos ou previstos na lei, a observar, portanto, em sua letra e espírito, tanto mais que o avanço da cultura e da própria evolução social e económica ficariam seriamente abalados se o idioma nacional não fosse posto ao seu serviço.
Isto quer dizer, no meu entender, que todos estamos de acordo em fazer uma verdadeira apologia da língua
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17 DE JANEIRO DE 1969 2961
portuguesa e querer colocá-la ao serviço e à existência da nossa querida pátria.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Vai pura um ano que um dos nossos ilustres colegas e consagrado homem de letras disse nesta Câmara que o problema da difusão da língua portuguesa constituía um problema de certa gravidade e de oportunidade imprescindível e que exigia "agir rapidamente e em força".
Ouçamos, pois, o clamor do ilustre Deputado Manuel Nazaré e procuremos todos agir e em força.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Marco sessão para amanhã, à hora regimental, com a mesma ordem do dia, esperando que o debato possa ficar concluído.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Calheiros Lopes.
António Moreira Longo.
Armando José Perdigão.
Augusto Salazar Leite.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Gabriel Maurício Teixeira.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Hirondino da Paixão Fernandes.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jorge Barros Duarte.
José de Mira Nunes Mexia.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
André da Silva Campos Neves.
Artur Proença Duarte.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Francisco José Roseta Fino.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Pinheiro da Silva.
José Rocha Calhorda.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel João Correia.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Mário de Figueiredo.
Raul Satúrio Pires.
Rui Manuel da Silva Vieira.
O REDACTOR - António Manuel Pereira.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA