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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 164

ANO DE 1969

18 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

IX LEGISLATURA

SESSÃO N.° 164, EM 17 DE JANEIRO

Presidente: Ex.mo Sr. José Soares da Fonseca

Secretários: Ex.mos Srs.
Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, e enviados pela Presidência do Conselho, foram presentes à Assembleia os Decretos-Leis n.ºs 48 834, 48 S35 e 48 836.

O Sr. Presidente mandou baixar às Comissões de Finanças e de Economia as matérias constantes dos Decretos-Leis n.ºs 48 707 e 48 760, cuja ratificação pela Assembleia fora requerida na sessão anterior.

O Sr. Deputado Pinto de Meneses pediu ao Governo a satisfação de algumas das necessidades mais urgentes da vila de Espinho.

O Sr. Deputado Fernando de Matos chamou a atenção para alguns problemas da cidade do Porto.

Ordem do dia. - Prosseguiu e concluiu-se o debata sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Manuel Nazaré acerca da difusão da língua portuguesa em Moçambique.

Usaram da palavra os Srs. Deputado* Jesus Santos, Neto de Miranda, Sérgio Sirvoicar e Barros Duarte.

Encerrou o debate o Sr. Deputado avisante, que apresentou uma moção sobre a matéria, do aviso prévio.

Na discussão da moção intervieram os Srs. Deputados Sérgio Sirvoicar, Veiga de Macedo, Manuel Nazaré, D. Custódia Lopes, Fernando de Matos e Pinto de Mesquita.

Posta à votação, a moção foi aprovada com uma alteração no seu n.º 6, proposta pelo Sr. Deputado Veiga de Macedo e outros Srs. Deputados.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António Júlio de Castro Fernandes.
António dos Santos Martins Lima.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.

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Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Fernando de Matos.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco José Cortes Simões.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
Horácio Brás da Silva.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim de Jesus Santos.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pais Ribeiro.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 68 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Enviado pela Presidência do Conselho, para efeitos do disposto no § 3.° do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário ao Governo n.° 13, l.ª série, de 16 do corrente, que insere os seguintes Decretos-Leis:

N.º 48 834, que define o regime de vencimentos e gratificações a que tem direito o comandante-chefe de Moçambique;

N.° 48 835, que declara a utilidade pública e urgência da expropriação, requerida pela Companhia Industrial de Cordoarias Têxteis e Metálicas Quintas & Quintas, S. A. E. L., com sede na Póvoa de Varzim, das parcelas de terreno necessárias para efectuar a ampliação das suas instalações fabris:

N.° 48 836, que dá nova redacção ao artigo 2.º do Decreto-Lei n.° 46 838 (produtos da indústria siderúrgica), corrigido pelo Decreto-Lei n.° 47 243, e revoga este último decreto-lei.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Anuncio a V. Ex.(tm) que espero marcar para breve a discussão im especialidade da ratificação dos Decretos-Leis n.ºs 48 757 e 48 760, que foi requerida ontem nesta Câmara. Mundo que as matérias constantes destes decretos-leis baixem às Comissões de Finanças e de Economia para o devido estudo e peço aos Srs. Presidentes destas Comissões o favor de as fazerem reunir com urgência, a fim de que, em sessão da próxima semana, possamos discutir essa ratificação.

Tem o palavra, antes du ordem do dia, o Sr. Deputado Pinto de Meneses.

O Sr. Pinto de Meneses: - Sr. Presidente: Nem a ausência, nem os anos, nem as vicissitudes da vida me têm impedido de manter sempre vivaz e pleno o amor à terra natal e, por consequência, de aproveitar todos os ensejos para cantar os seus louvores, defender os seus interesses, apresentar as suns aspirações, e para ela reclamar as atenções, os favores e a justiça do Poder.

Não vou dizer agora a VV. Ex.ª o que é essa formosíssima terra de Espinho. Não faria essa injúria, porque não há ninguém que não tenha desfrutado das múltiplas dádivas que ela ofereço, a nacionais c estrangeiros, de repouso, recreio e saúdo. Apenas recordo que se ela deve ao mar a sua vida e o seu progresso, também lhe deve alguns infortúnios, o maior dos quais foi ver-se mutilada, no espaço de um século, de uma vastíssima porção das suas dimensões físicas! É assim o mar, como que o executor profano daquele pensamento do Apóstolo das gentes: "Quos amo, illos arguo et castigo".

Também seria incivil esquecer neste momento quanto Espinho deve aos governos do Estado Corporativo. O bairro piscatório, a Casa da Câmara, o matadouro municipal, a Escola Técnica e o Liceu são, entre muitas outras, benemerência que nos prendem de gratidão ao Regime. Mas, acima de tudo, situa-se a muralha de defesa marítima, anteparo da sua existência de burgo em crescimento imparável, obra tão importante que. sem ela, talvez a vila hoje já não existisse. Por isso é que nós, os Espinhenses, e todos os que connosco vivem, dentro ou fora da época balnear, trazemos no mais íntimo escrínio do nosso afecto n figura ímpar de Salazar, governante que determinou e concedeu os meios técnicos e financeiros para a defesa frontal da vila, numa extensão de quase dois quilómetros.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas o certo é que as terras, dotadas de invulgar dinamismo e resoluta vontade de desenvolvimento, mal têm satisfeitas as suas aspirações e necessidades, logo vêem surgir outras igualmente imperiosas. E é neste incessante sobremontar das dificuldades que se documenta a fortaleza moral dos homens e dos povos. Por isso, acostumados como estamos a pugnar pelo progresso material e moral do concelho, perseveramos na

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reclamação dos melhoramentos de que urgentemente necessitamos, e de que eu, de plano vou enunciar hoje apenas três.

Em primeiro lugar, a mudança da via férrea. O traçado ainda existente do caminho de ferro foi, em tempos, não o esquecemos, excelente motivo de comodidade e nota pitoresca no aglomerado urbano. Quando o mar dele distava mais de um quilómetro, era agradável ao viandante ou turista apear-se e encontrar logo ali ao lado, o hotel, o café ou o estabelecimento que demandava, porque toda ou quase toda a vida da população se desenvolvia para além, entre n caminho de ferro e o mar. Mas hoje, com o crescimento do aglomerado, não é assim. A via férrea corta a vila em duas partes, dificultam a circulação entre elas. Sobre isso, ocasiona riscos e perdas de tempo, e de estética perdeu tudo o que fazia o enlevo dos estantes e passantes. Em suma, a presente localização é um estorvo para a rotina diária dos moradoras e um entrave para o fomento geral da vila. Espera-se, portanto, que a via férrea seja transferida para a, parte nascente da localidade, onde de há muito estão reservados os terrenos para o efeito. Por mim, opinaria que o seu futuro percurso fosse subterrâneo. Mas, subterrâneo nu não, o que interessa é que a mudança se faça com urgência, para a população poder comunicar livremente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O segundo ponto que devo referir é a, falta de boas vias de acesso. Apesar de ser uma estância de turismo de l.ª classe e a sala de estar de toda a vasta região que vai do Porto a Aveiro, a verdade é que de há muito constitui um suplício chagar ou sair de Espinho. As estradas que a servem são estreitas e sinuosas e não possuem as condições de segurança c comodidade que é lícito esperar para uma (ia a dizer cidade, como realmente merecia ser designada, mas cinjo-me ao título oficial), para uma vila daquela categoria. No entanto, o movimento faz-se cada vez mais intenso, já porque Espinho exerce um fascínio especialíssimo sobre as populações dos seus vastos arredores, já porque o seu comércio e indústria aumentam, já porque é ponto de escala quase obrigatório para quantos circulam entre Aveiro e Porto.

A permanência das actuais dificuldades rodoviárias representa um grave impedimento, não só para a grei local, mas também para o meio milhão de pessoas que habitam na mencionada orla marítima. Tão desajustado espartilho traz amargurados os povos e sufoca o aproveitamento das muitas potencialidades que o concelho contém e se faz mister ver aproveitadas para bem do País.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em terceiro lugar, o aspecto turístico. Poucas zonas haverá com as virtualidades turísticas do meu concelho. Desfrutando de uma longa planura e de uma maravilhosa lagoa, outrora pertenças da, honra de Paramos, Espinho, que é todo ele um mimo da Natureza, podia e devia ser a mais completa estação de recreio e turismo do País. E não seriam precisos quantiosos investimentos ou despe"as. O desassoreamento e regularização das margens da barrinha permitiriam a prática da pesca e dos desportos náuticos. E na planície que se estende por uns quatro quilómetros ao sul da vila e onde hoje apenas funciona o aeroclube e existem um aquartelamento militar e uma carreira de tiro, caberiam perfeitamente uma praia satélite da de Espinho, um hipódromo e um parque de campismo. Quase tudo está por aproveitar, e, no entanto, poucas terras terão ao seu dispor tantas possibilidades naturais e humanas. Ora, para que este admirável potencial possa emergir da inércia de séculos, basta um impulso, aliás módico, do Estado, já que, no respeitante às edilidades, o seu apego terraulês, o seu dinamismo e os seus porfiados esforços defrontam sempre com a clássica escassez de meios financeiros. Muitas vezes penso e vejo no caso de Espinho um paradigma das inúmeras dádivas e riquezas que a Providencia nos pôs ao alcance dos olhos e das mãos, e nós não íamos logo, não sei por que misteriosa inibição, recolher e utilizar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Que também desta vez não se recuse a Espinho o auxílio do Estado nos três sectores que descrevi e recapitulo: mudança da via férrea, criação de novas estruturas rodoviárias e fomento turístico. Que não se recuse e não se demore, porque, assim como no dar quem dá logo dá duas vozes, também em matéria de melhoramentos locais quem satisfaz de pronto as aspirações justas satisfaz duas vezes, de uma a necessidade do requerente e de outra a justiça da causa. Ora, esta, a justiça da causa, suponho tê-la demonstrado suficientemente; a outra, F. necessidade do requerente, basta passar por lá e experimentá-la.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Centro industrial de projecção internacional, estância balnear de primeira ordem, praça comercial de uma vasta zona do País, sala de estar permanente de uma população de meio milhão de habitantes, Espinho reclama e espera dos Poderes Públicos o mais franco a decidido apoio, para poder aproveitar todos os seus recursos e vir a ser, para o País, uma das fontes mais vivas de riqueza e cultura e o seu mais vistoso e útil cartaz de propaganda.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.
´
O Sr. Fernando de Matos: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: O venerando Chefe do Estado tem-se deslocado ao Porto com frequência que assume carácter de periodicidade, a que temos de atribuir o correspondente significado.

Quem tem atentado na actividade pública do Chefe do Estado não pode deixar de se impressionar com a solicitude e o interesse com que S. Ex.ª vem acompanhando a vida nacional nos seus múltiplos aspectos.

O Sr. Almirante Américo Tomás já percorreu quase todo o País, inaugurando ou visitando obras públicas, empreendimentos económicos, realizações de fomento industrial e agrícola, instalações hospitalares, culturais, científicas, etc.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora, se muitas vexes vai ao Porto, é porque muitas iniciativas lá têm sido levadas a cabo com importância suficiente para justificar a sua honrosa presença. E delas posso dar testemunho, por as ter acompanhado durante largos anos em que pertenci à respectiva edilidade.

Apraz-me consignar que S. Ex.ª é sempre recebido e saudado não só com manifestações de estima e apreço pela sua despretensiosa comunicabilidade e pela afectuosidade do seu trato, como também com sentimentos de

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respeito e admiração pela dignidade, bom senso, fervor patriótico e suave energia com que tem desempenhado o seu alto cargo, enfim, por tudo quanto o consagrou como o exemplo do homem bom e forte que, em feliz hora, foi escolhido como Chefe da Nação Portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nas suas diversas alocuções tem dito e repetido que se sente bem no Porto. £ porque assim é, o Porto considera-o como um dos seus, o que solenizou ao proclamá-lo seu cidadão honorário, envolvendo essa qualificação no halo da sensibilidade que tão profundamente caracteriza a gente nortenha.

Ora, na nobilíssima mensagem do Ano Novo, o Chefe do Estado honrou o Porto e o seu Município com referências excepcionalmente relevantes, ao proferir as seguintes palavras:

Estive presente [...] novamente no Porto, de 25 a 27 de Outubro, em várias inaugurações e visitas, sendo entre todas de salientar a relativa à entrega de mais mil moradias a outras tantas famílias portuenses delas carecidas, mantendo-se assim a cidade do Porto na vanguarda da resolução do problema da habitação em Portugal, posição saliente que muito a honra e àqueles que a levaram a essa posição.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ninguém ousará considerar inadequada a memoração, nesta Assembleia, de tão lisonjeiras apreciações, por si mesmas e pelo que representam
de incitamento a acolher em todo o mundo português.

Nem sempre se dá a devida estimação ao colossal esforço empreendido pela Câmara Municipal do Porto, em colaboração com o Governo Central, no sentido de resolver definitivamente e dignamente o gravíssimo problema da habitação insalubre e inumana, com todas as consequências de ordem moral, social e política que lhes é inerente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pelo Decreto-Lei n.° 40 616, de 28 de Maio de 1956, foi aprovado o chamado "Plano de melhoramentos para a cidade do Porto", a executar pela Câmara Municipal, e que previa a construção, no prazo de dez anos, de prédios urbanos com a capacidade de alojamento de 6000 famílias, mediante o pagamento de rendas módicas, estabelecidas em função dos diversos tipos de moradias e dos rendimentos do agregado familiar.

Ora, esse plano foi concluído antes de esgotado o decénio previsto, facto oportunamente salientado pelo distinto presidente da Câmara, Dr. Nuno Pinheiro Torres, que o considerou como a mais notável contribuição portuense nas comemorações do 40.° aniversário da Revolução Nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O êxito do empreendimento e a persistência do problema que o determinou, embora já muito atenuado, levaram a Câmara Municipal a elaborar planos complementares, idênticos na finalidade e na mecânica actuante.

E assim é que no começo do ano corrente já os planos inicial e subsequentes contavam no seu activo a construção de 8027 habitações e o projecto de mais 872, todas elas destinadas a desalojados das deploráveis "ilhas" e a famílias de fracos recursos económicos.

Trata-se de um balanço que nos alegra e nos concede justificável optimismo.

Teve, pois, o ilustre Chefe do Estado sobeja razão ao patentear o seu regozijo pela forma solene que intencionalmente utilizou.

O plano de melhoramentos constitui um exemplo eloquente da eficiente e benéfica colaboração entre o Poder Central e a administração local, nos casos em que ela é indispensável.

O que o Porto deseja e pede é que ela não esmoreça um só momento, embora conheça o zelo e dedicação com que é solicitada e concedida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Seja-nos permitido apontar alguns problemas muito importantes para a vida citadina e cuja solução tem sido diligentemente procurada pelos responsáveis, pelo que se justifica uma expectativa optimista, que desejaria aqui transmitir aos meus estimados Portuenses.

Desde que foi corajosamente rasgado o morro que impedia o acesso directo da Praça de Almeida Garrett à Ponte de D. Luís, já foram elaborados mais de vinte projectos para arranjo definitivo da avenida que lá se pretendeu implantar e das respectivas zonas adjacentes.

Trata-se da principal entrada da urbe portuense.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por ela são os visitantes rápida e directamente conduzidos ao coração da cidade invicta.

Ora, já passaram demasiados anos sem que tão importante problema tenha sido resolvido.

O bom nome da cidade, os seus interesses e até os imperativos estéticos não são esquecidos por nenhum dos responsáveis, bem o sabemos, pelo que esperamos que os esforços conjugados da Câmara Municipal e dos Ministérios das Obras Públicas, das Comunicações e da Educação Nacional, actuando com espírito decidido, nos concedam a satisfação de rapidamente vermos eliminado este quase pesadelo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A saturação do trânsito na velha Ponte de D. Luís, a carência de zonas de estacionamento para as viaturas de transportes colectivos, a precariedade dos arranjos que, com zelo e boa vontade, se vão adoptando a ocupação de todo e qualquer espaço disponível, tornado inevitável pela avalancha de viaturas que chegam à zona da Batalha, a estreiteza das ruas, utilizadas para manobras difíceis e demoradas, tudo isso impõe que os estudos em curso para a criação dos centros coordenadores de transportes entrem em fase de rápida concretização.

Sabemos que muito do essencial para a resolução deste agudo problema depende da promulgação de diploma legislativo relativo à competência das câmaras municipais na regulamentação do trânsito e que pende de parecer da Câmara Corporativa.
Nenhum tempo será perdido, bem sabemos. Mas, ao apontarmos a importância do assunto, prefiguramos i proporcional satisfação que teremos quando o virmos ultrapassado.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - O Porto e os concelhos limítrofes têm suportado com muita paciência, não isenta de compreensão, muitos incómodos derivados de um deficiente abastecimento de águas em certas épocas do ano.

Os inconvenientes desse estado de coisas ultrapassam o simples domínio das necessidades particulares, pois reflectem-se nas próprias actividades industriais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A Câmara Municipal do Porto, pelos respectivos Serviços Municipalizados, em colaboração com outros municípios interessados e com o incitamento e o apoio do Estado, todos cientes da importância do caso e da acuidade dos seus reflexos, tem cm execução um sistema de abastecimento de águas aos concelhos do Porto e limítrofes, de cuja continuidade se deve esperar o conforto e o alívio que façam esquecer os sacrifícios já suportados.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Que também nesse aspecto possamos encontrar, e disso estamos seguros, mais um exemplo de boa colaboração, para benefício geral.

Já agora, queria deixar aflorado, em rapidíssima anotação, um tema que me tem interessado desde há muitos anos.

A designação "capital do Norte" não devia corresponder a simples metáfora ou a vago reconhecimento da grande importância a que o Porto se guindou por seu esforço próprio e por especial condicionalismo geográfico.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A essa designação devia ser inerente uma realidade jurídico-administrativa que correspondesse a uma prudente e salutar descentralização, com todas as vantagens que lhe são reconhecidas por eminentes espíritos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O congestionamento burocrático derivado de uma centralização excessiva não se coaduna com a dinâmica da vida moderna, provocando grandes e inevitáveis demoras na resolução de problemas prementes, com todas as respectivas inconveniências.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Milhares de horas perdem anualmente, quer as autoridades, quer as pessoas privadas, nas suas deslocações a Lisboa por causa de assuntos de reduzida importância, em cujo trato são despendidos, por vezes, escassos minutos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nem doutrinária, nem pragmaticamente, ocorre qualquer contra-indicação para um movimento cautelosamente descentralizador.

Em suma: deixo consignado o meu voto de que não tardem muito os tempos em que no Porto seja resolvido tudo quanto o possa ser sem detrimento da política geral, da coordenação administrativa, nos altos planos das conveniências nacionais, e da estabilidade e da operosidade do Regime, nas suas inesgotáveis potencialidades.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Manuel Nazaré acerca da difusão da língua portuguesa em Moçambique.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jesus Santos.

O Sr. Jesus Santos: - Sr. Presidente: No passado dia 8 o Sr. Presidente do Conselho experimentou na televisão uma forma de comunicar com o País verdadeiramente singular. Numa linguagem simples, acessível à maioria do comum do" portugueses, despida de escusadas roupagens literárias e de "densos" conceitos técnicos ou científicos, o Sr. Prof. Marcelo Caetano teria iniciado um diálogo aberto e franco com os seus ouvintes se essa houvesse sido a sua intenção e se as circunstâncias, de lugar e de tempo, o tivessem consentido. De qualquer modo, deu início a uma nova forma de esclarecimento dos grandes problemas que preocupam o Governo e dos propósitos de os resolver, que efectivamente esclareceu, já que foi apreensível, na forma e na essência, a elegantíssima "conversa familiar" que quis ter com todos nós.

Vêm estas palavras a propósito do modo como se realizou o debate no plenário desta Assembleia. Por razões que desconheço e que me penitencio de nunca haver investigado, o plenário da Câmara funciona em termos tais que rouba aos Deputados a oportunidade de discutirem de facto os problemas que são trazidos à sua consideração. Desvirtuou-se, deste modo, o escopo fundamental da actividade parlamentar, que, por razões de utilidade política, devia ter a natureza e o estilo de um franco diálogo, que infelizmente só poucas vezes se verifica. O uso que se foi introduzindo na Câmara de os parlamentares apresentarem sistematicamente as diversas questões sob a forma de discursos escritos, mais ou menos extensos, criou nos Srs. Deputados a preocupação de apresentarem primorosas obras literárias, económicas ou sociais -raramente políticas-, que, mercê da sua forma e da sua extensão, constituem, sem dúvida, eruditos e belos monólogos, mas apenas monólogos.

O esclarecimento, a discussão viva dos problemas, poucas vezes tem lugar. Com efeito, a um discurso segue-se outro discurso, porventura tanto ou mais belo, tanto ou mais elegante do que o primeiro, mas a maioria de nós não chega a aperceber-se do essencial dos problemas porque não houve a indispensável comunicabilidade de ideias e troca de impressões, e portanto, não chegou a despertar o interesse, que só o debate imediato e despretensioso faz nascer.

Por outro lado, acontece que, por razões de vária ordem - diferenças de cultura, de talento literário ou da própria maneira de ser de cada um -, nem todos os Deputados são capazes de elaborar orações eloquentes, mas, apesar disso, todos poderiam utilmente trazer uma achega à clarificação e entendimento das questões postas. Por mim, confesso que experimento sempre grandes dificuldades quando tenho de fazer uma intervenção formal, já que me falta o suficiente talento literário ou mesmo a simples facilidade de expressão. Julgo, todavia, que algumas vezes poderia fazer ouvir a minha voz trazendo despretensiosamente um ligeiro apontamento, apresentando uma sugestão que a vida política do dia-a-dia aponta ou ainda rebatendo um ponto de vista com o qual eventualmente não possa concordar.

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Daí que, naturalmente, sinta maior propensão para trabalhar nas comissões onde, na realidade, se estabelece diálogo aberto e amplamente esclarecedor dos casos que suo postos à nossa ponderação. Daí também que inicialmente não estivesse inclinado a intervir na discussão do aviso prévio do ilustre Deputado que é o Dr. Manuel Henrique? Nazaré, apesar de o reputar de transcendente significado político e social na vida da Nação e de ter por aquele meu eminente par a maior consideração política, o mais alto apreso intelectual e a mais viva simpatia humana.

Apesar de tudo, e reconhecendo as limitações próprias, decidi-me a fazer um breve e descolorido apontamento.

Infelizmente, nunca, estive em Moçambique. Ignoro, portanto, a exacta extensão do problema, enunciado quanto à. expansão da língua portuguesa na granido província do Indico. No entanto, o grito de angústia lançado nesta Câmara pelo sou digno representante é de molde a provocar as mais sérias apreensões. Ficámos a saber, com efeito, que naquela terra portuguesa a grande maioria dos seus filhos não fala nem entende a língua-mãe: que, como consequência disso, se suscitam graves problemas humanos, sociais c políticos c se corre o risco do ver atraiçoado esse belo produto do espírito lusíada que é a ímpar e harmónica sociedade multirracial que só nós soubemos criar.

Graças a Deus, nessa outra grande província portuguesa do Atlântico que é Angola não sucede exactamente o mesmo. Ali, também o problema da difusão da língua nacional apresenta certa acuidade, mas pode asseverar-se que, nela, a maioria dos seus filhos fala correntemente a língua portuguesa. E para já, o essencial é que os portugueses de Angola utilizam na linguagem falada e escrita
o idioma, da Pátria-Mãe. É evidente que não se pode exigir que a generalidade das pessoas ali fale um português correcto, literariamente perfeito. O presente aviso prévio não equaciona tal questão, que é, se bom entendi, objecto de um outro aviso, cujo tema se centraria precisamente na defesa du pureza e da correcção da língua.

O problema agora em discussão e estudo é, sobretudo o fundamentalmente, o problema político da permanência da nossa presença efectiva e real nos territórios de além-mar. O outro que pode ter - e certamente tem - implicações políticas e incidências sociais e humanas é, acima de tudo, um problema literário. Situada dentro destes limites bem definidos, a difusão da língua portuguesa em Angola não é facto alarmante. Na verdade, os portugueses negros de Angola utilizam, em regra, como instrumento de comunicação a língua comum. Uns melhor, outros pior, mas quase todos nela se exprimem quando têm necessidade de o fazer. Raramente na província que aqui represento dois portugueses - sejam brancos, ou sejam negros - se encontram na dramática situação, apontada pelo Deputado Dr. Manuel Nazaré, de não poderem desejar um ao outro "um bom dia" de boa vontade. Só raramente isso poderá acontecer, e tão só em locais muito isolados, o que, de resto, não surpreenderá nem chocará quem conheça a fraca densidade demográfica de certos grandes espaços de Angola e as dificuldades de penetração resultantes ou da agressividade do meio geográfico ou das insuficiências e, por vezes, carências totais de vias de comunicação. Isto, sem embargo do notável esforço que neste sector só tem feito nos últimos anos.

A difusão da língua portuguesa, como instrumento de convívio humano e de comunicação do pensamento, não apresenta, pois a meu ver, em Angola o aspecto gritante de que parece revestir-se em Moçambique. Todavia, tudo pareceria indicar que o fenómeno só devia verificar ao contrário, já que é imensamente maior a dimensão geográfica de Angola e acentuadamente inferior a sua densidade demográfica, o que, obviamente, inculcaria menor expansão da língua portuguesa, por maiores serem as dificuldades do estabelecimento de contactos c de convivência entre as duas massas da população que ali vive - os portugueses negros e os portugueses brancos.

Como explicar então o fenómeno em Angola?

Creio que a explicação só pode encontrar-se num certo sentido e num especial espírito da presença dos portugueses europeus, em Angola.

O europeu que se deslocou para Angola fixou-se à terra com o propósito de o fazer, quase sempre, definitivamente, adaptando-se ao novo ambiente, integrando as populações que encontrou com elas se amalgamando, de forma a construir uma sociedade nova e repudiando, em obediência aos seus sentimentos de fraternidade e aos ditames de profunda solidariedade entro os homens, a existência de sociedades estanques, compartimentadas c diferenciadas, que separadamente quisessem viver vidas e destinos diferentes.

Como já tive oportunidade de dizer nesta Câmara, os portugueses que, com as descobertas, chegaram a Angola não se quedaram nas suas margens ribeirinhas, mas ames se internaram e espalharam afoitamente pelo sertão imenso. E verdade que levará séculos o plasmar desta sociedade nova, mas é verdade também que os portugueses oriundos da metrópole ofertaram, generosamente e desde sempre, aos seus irmãos oriundos de Angola os primores da sua civilização crista, receberam-nos fraternalmente no seu seio e, em consequência de um permanente R estreito contacto, insuflaram neles a sua própria maneira de ser modelaram-lhes um outro carácter, esculpiram-lhes uma alma semelhante à sua, ensinaram-lhes a sua língua e, com cristianíssimo modo de convivência humana, formaram com eles uma comunidade, que ó portadora dos mesmos anseios, de costumes e de sentimentos idênticos, assim dando fisionomia própria à magnífica sociedade multirracial, que é símbolo esplendoroso de amiga convivência num mundo perturbado e em permanente conflito. A formação e consolidação desta sociedade, porém, só poderá operar-se lentamente e no decurso do tempo, através do sérios sacrifícios e de perturbações penosas, mesmo sangrentas. Mas não será esse o preço da consolidação das verdadeiras pátrias?

Esta em meu entender, a mais séria razão por que em Angola a maioria dos seus habitantes entende a língua portuguesa.

Significará isto, porém, que ali se fala correctamente a nossa língua, se salvaguarda a sua pureza e que, portanto, nada há a fazer?

Certamente que não, e longa será necessariamente, a caminhada que temos de percorrer, mas o trabalho já feito é verdadeiramente ingente, e dá-nos a garantia de que iremos ate ao fim.

Importa, contudo, fazer mais, mais depressa e melhor e acuse encarar novas e adequadas soluções de conjunto, teria, porém, grave injustiça ignorar o colossal esforço que se está a fazer no propósito de expandir cada vez mais o conhecimento da língua-mãe e de promover culturalmente as populações, ao mesmo tempo que se procura elevar o sen nível económico e social.

Por temperamento e também por desconhecimento da correcta utilização das respectivas técnicas sou avesso a anunciações estatísticas, mas não resisto à tentação de assinalar que em Angola frequentam actualmente as escolas de ensino primário elementar mais de 300 000 crianças. Este número que, referido isoladamente, pouco podem significar, tem a sua eloquente expressão se disser

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que em 1958-1959 -há, portanto, menos de dez anos as crianças que beneficiavam do ensino primário não iam além de 85 000, o que demonstra que no curto espaço de um decénio quase quadruplicou a frequência das escolas primárias. Isto quer dizer também que como justamente se salientou na síntese das actividades da secretaria provincial da educação, a manter-se o vigoroso impulso que o ensino primário elementar tem experimentado nos últimos anos, deverá atingir-se, antes de decorridos os próximos cinco anos, a escolarização total da província. Paralelamente ao impulso dado à escola primária e à alfabetização de adultos, incrementou-se muito lisonjeiramente o ensino liceal e técnico e iniciou-se a administração do ensino universitário, tendo em vista a formação das necessárias elites, que irão desempenhar papel preponderante na promoção cultural, espiritual e social das futuras gerações.

Existem, pois na província de Angola as infra-estruturas indispensáveis ao ensino e difusão da língua portuguesa, cuja utilização em todas as escolas é obrigatória, não só por determinação expressa da lei, mas também por exigência imperativa das próprias populações. Existem, por outro lado, suficientes e favoráveis condições de ambiente social e de convívio entre as populações para que a língua portuguesa seja um meio natural de comunicação entre elas. Não se me afigura, por isso, absolutamente necessário o lançamento de novas e dispendiosas estruturas, que poderão trazer consigo o risco de uma perigosa experiência, como também me não parece aconselhável um órgão centralizador de toda a actuação. Conveniente ou até indispensável é um esforço financeiro ainda maior para. que se possam melhorar, ampliar e multiplicar os órgãos existentes e os meios disponíveis, afectando-lhes mais avultadas dotações. O que considero essencial é a indefectível constância no esforço que tenazmente se vem aplicando no desenvolvimento económico, que se revelou factor altamente valioso de promoção cultural, porque só economias poderosas e fortemente desenvolvidas possibilitam as grandes iniciativas humanas, mesmo quando estas se situam no puro domínio do espiritual e do social. O aceleramento das actividades industrial, comercial e agrícola apresenta-se assim como elemento de excepcional significado na difusão da língua, na medida em que convida ao convívio frequente e mais ou menos íntimo dos cidadãos das diferentes etnias, num ambiente cm que, naturalmente, o meio de expressão c constituído pela língua portuguesa.

Sr. Presidente: Disse o Sr. Deputado avisante, com finíssima sensibilidade política, que os problemas que nos dizem respeito elevem ser postos e estudados por nós, ou como crítica ou como depoimento, para que sejamos nós a resolvê-los.

O que deixo dito -e bem pouco é- traduz, na forma de um depoimento, que só tem o mérito do ser testemunho intensamente vivido, a minha modesta contribuição para o entendimento, em Angola, do problema que tem ocupado as atenções da Câmara.

Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Neto de Miranda: - Sr. Presidente: O nosso prezado colega Dr. Manuel Nazaré, a quem dirijo os meus melhores cumprimentos, tem trazido ao plenário desta Câmara problemas do maior interesse para meditação sobre a constante ultramarina.

Desta vez trouxe-nos o trabalho "Difusão da língua portuguesa", por reconhecer que "quando um país dispõe du um instrumento dúctil de comunicação humana, a um tempo musical e viril, adequado às exigências da sensibilidade como é a língua portuguesa, deve chamar a si a preocupação fundamental de irmanar no seu conhecimento a totalidade dos seus filhos".

E situa a sua preocupação na difusão da língua em Moçambique, ainda que considere ser ela necessária noutras parcelas do ultramar.

Estamos, pois, perante uma preocupação plena de ansiedade e visando uma completa unidade nacional.

Inteiramente de acordo com o ilustre Deputado avisante, eu que represento nesta Assembleia a província de Angola e que, conhecendo relativamente bem Moçambique e Goa, não podia deixar de vir trazer também o meu contributo ao tema em debate, para que, assim o espero, mais harmónicas com a realidade e as preocupações sejam as conclusões a extrair.

Acompanho os anseios da expansão da língua portuguesa expressos pelo ilustre avisante, mas creio que melhor esclarecidos ficamos se contudo, apontar alguns aspectos juridico-políticos que têm sido fixados como visando uma perfeita integração das instituições metropolitanas no ultramar e os caminhos a seguir para a persecução desses objectivos.

O Sr. Dr. Manuel Nazaré põe algumas sugestões como meio de se alcançar a difusão, que tem. como nós, como essencial.

Assim, referirei como em Angola se procura que a língua seja assimilada e quais os caminhos seguidos para esse desiderato, e, vamos lá quais os resultados obtidos.

E faço-o para esclarecimento de um objectivo, pois, perante a magnífica forma como o debate do aviso prévio foi encetado pelo Sr. Deputado Veiga, de Macedo e analisado também, pelo Sr. Deputado José Manuel da Costa, que colocaram o problema na sua verdadeira dimensão, fazendo a apologia de uma língua que formou a comunidade lusíada, creio bem que está enormemente facilitada a discussão do problema.

Falou quem devia, e pela melhor maneira. Bastará, pois que a Câmara conclua pelo alto significado da difusão da língua num esquema de interpenetrarão, de assimilação espiritual e de valorização dos sentimentos nacionais, num cunho verdadeiramente unitário.

Sr. Presidente: O artigo 133.° da Constituição define que é da essência orgânica da Nação desempenhar a função histórica de colonizar as terras dos descobrimentos sob a sua soberania e de comunicar e difundir entre as populações ali existentes os benefícios da sua civilização.

Essa tem sido sempre a nossa finalidade - fazer de portugueses verdadeiros portugueses, baseando a administração dos territórios, como sintetiza o Prof. Doutor Marcelo Caetano, na unidade política, na assimilação espiritual, numa diferenciação administrativa e numa solidariedade económica.

Será, pois, dentro destes princípios fundamentais, consagrados em princípios jurídicos de assinalável expressão, que a função assimiladora se exercerá em todos es campos, contribuindo em cada, um deles para a difusão da língua.

Na realidade, não podemos nem devemos circunscrever essa difusão ao ensino escolar da língua. Isso mesmo é reconhecido pelo Sr. Deputado avisante. Todos os meios de comunicação espiritual, de acção pelo trabalho, pela imagem, pelo convívio, são elementos válidos para a difusão.

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Num breve apontamento, e para que esta Câmara fique a conhecer um pouco do que se passa em Angola, farei uma enumeração desses meios e depois referirei, já dentro do campo da alfabetização, números que nos dêem uma imagem do esforço que todos vimos fazendo para que a língua seja o principal veículo da comunhão dos ideais que a mensagem henriquina nos legou.

Pode generalizar-se que a difusão da língua se faz através do ensino, das actividades empresariais, das actividades gimnodesportivas, da assistência social, do reordenamento das populações - a quem são, desde logo, postas escolas ao seu dispor-, das repartições dos serviços da administração pública, dos meios de que o Governo dispõe para a promoção social das populações, das emissoras de rádio - através de mais de uma dezena de estações emissoras regionais ou provinciais, fornecendo o Governo mesmo, em muitos casos, os aparelhos receptores-, pela imprensa, etc.

Aos serviços militares tem também estado atribuída uma função de difusão da língua, quer por terem chamado a si, nos locais mais recônditos, o ensino escolarizado do Português, quer pêlos contactos directos que estabelecem com os povos ao percorrerem as vastas regiões cuja defesa lhes está confiada.

Também o ensino exercido por professores ou monitores escolares formados nas escolas da província, e cujo aperfeiçoamento tem merecido um cuidado especial para que o aspecto qualitativo do ensino seja um meio mais intenso de aportuguesamento, se tem evidenciado como um incentivo a todos que anseiam pelo seu progresso cívico e educacional.

Por outro lado, em complementaridade desta acção, vem a Mocidade Portuguesa realizando cursos de dirigentes do ensino primário, expressamente destinados a professores de posto, numa tentativa du melhor enquadrar a juventude das aldeias e das povoações nos sentimentos da nossa unidade. A União Nacional também tem colaborado nesta acção.

As casas de trabalho mantidas pêlos grupos ou associações de assistência, quer particulares, quer oficiais, como também missões religiosas, contribuem enormemente para a difusão da língua, já que toda a actividade relativa se opera através dela e dela beneficiando todos os jovens que queiram aperfeiçoar-se nos trabalhos domésticos.

É preciso, na realidade, viver no próprio meio para sentir como as sementes lançadas há tantos e tantos anos continuam a germinar e a formar cada dia mais portugueses, pela língua e pelo sentimento. E tão presente está em todos esta necessidade da língua comum que muito raramente nas cidades e povoações limítrofes, onde vive a maioria da população, é que se ouve a língua gentílica, pois pode dizer-se hoje que não há crianças ou adolescentes que não falem entre si sempre o português, e só alguns mnis velhos, e muitas vezes para melhor entendimento, é que usam a sua própria língua. Mas a grande maioria fala o português e quase todos o entendem. Disso tenho conhecimento directo, pois, tendo percorrido a província de Angola por mais de uma vez, sempre senti a língua portuguesa como uma realidade de entendimento entre os povos.

Mas muito mais devemos ainda fazer. Intensificar por todos os meios, quer pela cultura popular, como se fez já nas escolas, quer pela imagem, como se deveria fazer; a difusão da língua impõe-se como meta de permanente preocupação.

Há três anos tive ocasião de lembrar nesta Assembleia que a informação e a formação pública era da maior conveniência que se fizessem por uma forma fácil e permanente, para que os objectivos totais do aportuguesamento dos povos se processasse aceleradamente, pois que avivar e dirigir toda a mentalidade é missão que nos cabe e de que não abdicamos. Lembrei que a TV seria o veículo mais adequado nos centros populacionais mais densos, como Luanda, para início de programas de difusão. Apontei as enormíssimas vantagens do sistema da telescola, considerando a sua múltipla acção e o ambiente social que dele poderia também beneficiar. Pode efectivamente pôr-se em dúvida o papel importantíssimo, digo mesmo- indispensável, que a TV exercerá na difusão da língua portuguesa? Creio que não.

Programar com esta finalidade é diferente de usar a TV para projectar emissões em que o português não seja a língua essencial. Que se organizem, pois, programas desses, e só teremos de nos congratular com a prova de que encontrámos mais um meio de unidade nacional.

Prometi fornecer alguns números de escolaridade. Prolonguei de mais a minha intervenção. Fui arrastado pelo entusiasmo de ver fortalecida a resistência que mantemos em África pela difusão da língua, e em cada ano que passa mais convincente se mostra essa realidade.

Em 31 de Dezembro de 1967 frequentavam o ensino primário 362 700 alunos; em 1968 já foram 422 000; o ensino secundário, abrangendo o liceal e o técnico, passou de 37 000 para 40 000. Pode considerar-se a expansão anual do ensino primário na ordem dos 60 000 a 70 000 alunos e no secundário de 3000 a 4000. Na Universidade de Luanda também aumenta por forma assinalável a frequência, sendo actualmente de cerca de 1200 alunos. Também os jornais acabam de publicar, e em reforço da expansão da língua, a criação pelo Sr. Ministro do Ultramar, que se encontra actualmente em Angola, de mais dois liceus, uma escola técnica e quatro escolas do ensino preparatório.

Estou chegando ao fim da minha intervenção.

Procurei definir uma posição assumida essencialmente pelo Ministério do Ultramar, sempre tão atento aos interesses de toda a actividade que se processa nas províncias, seja qual for o seu sector, e neste caso ao do ensino, em que em cada ano se multiplicam os meios docentes e de encaminhamento para a difusão da língua em todos os ambientes daqueles vastos territórios. Também ao Governo-Geral é devida uma palavra do maior apreço pela obra que vem realizando no desenvolvimento progressivo da expansão da língua portuguesa, pela permanente preocupação em que se encontra de satisfazer, como satisfaz, as solicitações que lhe são feitas, directa ou indirectamente, pêlos elementos mais representativos e responsáveis das populações da província.

Ao Ministério do Ultramar e ao Governo-Geral se deve o esforço que sempre fizemos, mais intensamente nas últimas décadas, para esse efeito.

A progressão tem sido nitidamente geométrica e assim continuará a ser, pois difícil é suster o que o coração manda e a inteligência coordena para se formar um sentimento de justiça e de humanidade.

Temo-lo conseguido.

Sr. Presidente: Para que todos nós nos apercebamos bem de que alguns resultados se conseguem quando se tem fé, eu peço licença para ler, desta revista, uma poesia feita e dita por um monitor de posto, africano, aos alunos da sua escola, situada a uns 40 km de Malanje e frequentada por crianças de todas as etnias.

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É seu autor Bartolomeu Sacramento:

Agora que Já sabes o caminho

Criança de hoje, homem de amanhã.
Vem, não tropeces, eis aqui um guia.
Eu trago-te a luz do dia.
Uma luz pura. clara e sadia.

Vês, criança, lá ao longe, no horizonte,
Aqueles raios de sol tão brilhantes
Que se espalham cada vez mais radiantes?
Criança! Vês? Ergue bem a tua fronte.

Vem comigo, não hesites mais, criança!
Foge das trevas perturbadoras!
Escuta estas palavras consoladoras,
Que serão tua alegria e tua esperança

Eu sou o teu professor,
O teu guia, a tua luz.
Trago-te a mensagem de Jesus.
Recebe-a decidida e com fervor.

Todo o ódio, toda a discórdia,
Todo o mal repudiarás.
E, sobretudo, a Deus amarás.
A Ele pedirás misericórdia.

Menino, vês além aquela tempestade
Naquele fundo todo tenebroso?
Caminha comigo, mui cuidadoso,
Deixemos o abismo da maldade.

Agora que já sabes o caminho,
Avança e não voltes para trás.
Serás no futuro um homem de paz,
A todos levarás o teu carinho.

Honra a tua Pátria, sem outra igual!
Sê uma criança cheia de certeza
De que nasceste em terra portuguesa
E és ainda o futuro de Portugal.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sérgio Sirvoicar: - Sr. Presidente: É justo reconhecer a utilidade e oportunidade do presente aviso prévio.

Pela generalização do debate cie permitirá que Governo e opinão pública possam colher esclarecimentos e aperceber-se da importância dos grandes problemas ligados à difusão da língua portuguesa em Moçambique.

E como não é ignorando ou fazendo silêncio sobre tais problemas que poderemos tentar a resolução deles, confesso-me, pela minha parte, grato ao Sr. Deputado Henriques Nazaré pela oportunidade que me dá de vir também falar sobre este assunto.

E presto homenagem à pureza das intenções que transparece da efectivação do aviso, sem embargo de o tom desta breve fala ser de discordância, como se vai ver.

Sobre o profundo desejo que todos temos de um dia poderem os Portugueses compreender-se na mesma língua e de que essa língua seja o português, julgo não haverá lugar a opiniões divergentes.

A aspiração é comum a todos os que sobre a questão se têm debruçado.

Mus, sobre os meios de a ver satisfeita, já não existe, é natural, a mesma unanimidade.

E é precisamente nesse campo que me proponho contribuir para que maior interesse por aqueles problemas seja e com ele as sugestões para os resolver.

Tenho pena de discordar de duas ordens de considerações produzidas pelo ilustre Deputado avisante, pois, uma vez que queremos ambos atingir a mesma finalidade, preferiria estar com ele plenamente de acordo.

Nada mais perigoso do que ideias generosas, ainda que bem intencionadas, postas a correr em homenagem a grandes princípios, se não tiverem em conta o sentido das realidades.

Assim, discordo, e discordo resolutamente da afirmação de que entre as políticas d u assimilação e de desenvolvimento diferenciado deve pôr-se de parte o sistema de assimilação, porque, segundo afirma o Dr. Manuel Nazaré, se não estou em erro, a política de assimilação não respeitava as culturas tradicionais e punha entraves ao seu desenvolvimento.

Em primeiro lugar, foi e continua a ser característica constante da administração portuguesa o respeito pelas culturas tradicionais das várias populações que tem acoitado viver em paz ao abrigo da soberania portuguesa, partilhando, no melhor e no pior, a sorte da comunidade nacional.

E nunca a assimilação foi, em linhas gerais, imposta, mas sim proposta, o que é bem diferente.

Acontece, porém, que as culturas tradicionais africanas, quando postas em contacto com a maneira de viver dos portugueses da metrópole, da índia ou de Gabo Verde, entram em decadência, não porque as sufoquem as autoridades, mas simplesmente porque abandonaram os seus portadores em favor da cultura nova que adoptam e gradualmente procuram assimilar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas isso não acontece somente entre nós. É um fenómeno social espontâneo, inevitável quando duas culturas de desigual grau de desenvolvimento entram em contacto.

Não há, pois, que contrapor política de assimilação e respeito pela cultura dos povos que constituem a Nação Portuguesa. Ambos podem coexistir. Na verdade, repito, a assimilação da cultura portuguesa tem-se processado, no longo e quotidiano contacto daqueles diversos povos, num clima de paz social assente precisamente no máximo respeito possível pêlos usos e costumes de todos eles.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Haverá, talvez, um pequeno mui entendido quando se diz que a promulgação de leis únicas para todo o território nacional foi instrumento da política de assimilação.

Pelo contrário, leis desse tipo ou pressupõem que a assimilação já se completou (como é o caso dos decretos que revogaram o regime do indigenato e operaram a equiparação no direito penal) ou partem do princípio nacionalista da igualdade de todos os cidadãos, isto é, negam a própria possibilidade de assimilação cultural como fenómeno com implicações sociais e políticas.

O que não chego a compreender é que se advogue o abandono de uma política, de assimilação coroada por magníficos sucessos, como Macau, Goa, Cabo Verde, S. Tomo e, em parte, certos núcleos urbanos de Angola, Moçambique, Guiné e Timor.

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Desrespeito por culturas tradicionais?

Não.

Respeito, sim por usos e costumes locais, acrescentado pela liberdade de acesso gradual, mas pleno, à cultura portuguesa, enriquecida e valorizada com elementos daqueles usos e costumes.

Diz-se hoje que esses processos já não servem. Fala-se em paternalismo e pretende-se atribuir a escola a missão que antes foi obra de gerações inteiras.

Não sei se neste século de velocidade não estaremos embriagados pelo poder da técnica e não correremos o perigo de nele confiar demasiado.

Poderá "ensinar-se" uma cultura em quatro, seis ou oito anos de escolaridade? (Quando me refiro a cultura, quero dizer maneira de viver, sentido de existência, escala de valores, não soma de conhecimentos ou aprendizado de técnicas).

Por mim, tenho as maiores dúvidas de que a chamada aceleração da história - que é bem real - permita a aculturação acelerada ministrada em cursos, por mais bem estudados que sejam.

E pôr falar de escolas, parece chegado o momento de abordar outro ponto simultaneamente relacionado com a cultura e a língua.

Defendeu o ilustre Deputado avisante o ensino da língua portuguesa no quadro das culturas tradicionais.

Salvo o respeito que devo a quem tão valiosamente suscitou este amplo debate, julgo não ser possível, nem útil, nem conforme aos nossos propósitos últimos, um tal ensino em tal quadro.

O conhecimento da língua portuguesa pelas populações africanas de Moçambique só terá sentido quando e na medida em que essas populações adoptem simultaneamente a cultura portuguesa.

Não julgo que seja possível no actual momento um esforço maior do que o desenvolvido pelo Estado, pelas missões e por muitas pessoas de boa vontade, dentro do contexto da política de desenvolvimento global da província, em prol da difusão da educação popular em Moçambique.

A integração está em curso; pode com segurança dizer-se que a grande maioria dos Moçambicanos adere sem reservas à paz portuguesa mantida pela Administração e defendida pela Nação em armas, respeita a justiça dispensada pêlos tribunais, acorre à assistência médica proporcionada pêlos serviços de saúde, procura o acesso aos conhecimentos e bens da civilização portuguesa.

Que sentido teria, pois, evitar a evolução da sociedade tribal para a nossa sociedade nacional, preservando artificialmente o quadro das culturas tradicionais?

Quase o mesmo, diria, que ensinar a língua aos povos, diminuindo as possibilidades de virem um dia a utilizá-la como sua língua ...

E aqui vou entrar no último e mais delicado dos vários aspectos do problema da difusão da língua portuguesa em Moçambique, que me propus tratar.

Antes, porém, e a fim de evitar equívocos, repetirei mais uma vez a minha inteira concordância com o autor do aviso prévio quanto à aspiração de podermos contribuir para que todos os portugueses venham a falar e entender-se em português.

Ainda se não extinguiram nos nossos ouvidos deliciados os ecos da notável e bela intervenção do Sr. Deputado Veiga de Macedo, verdadeiro hino à língua portuguesa.

Embora sem voz nem talento para o exprimir, também partilho esse amor pela minha língua-pátria.

Mas não posso deixar de reconhecer que, por muito bela que seja, a língua é um meio é um instrumento de comunicação; não é um fim nem uma garantia.

E em relação a Moçambique, se lhe tem chamado, neste mesmo aviso, "língua veicular".

Nada mais verdadeiro, nada mais apropriado.

Veículo de quê?, pergunto.

Só do bem? Só das obras-primas da nossa literatura? Só da mensagem cristã de amor do próximo? Só da devoção à Pátria e do exemplo dos nossos maiores?

Ou também do erro, do veneno das culturas estrangeiras e estranhas, dos slogans vazios e das propagandas insidiosas?

Infelizmente, a língua, por ser portuguesa, não deixa também de servir para diminuir, atacar ou negar Portugal.

A Mensagem, de Fernando Pessoa, está escrita em português.

Em português escreveu o Padre António Vieira.

Os Lusíadas são a nossa maior glória.

Mas, no Norte de Angola, relatórios de movimentos terroristas, inspirados e comandados por imperialismos estrangeiros, estão redigidos em português.

Todos os dias, na Europa, na Ásia e na África, radinemissores situados em países estrangeiros lançam para o ar mensagens de ódio e de violência ... em português.

A que vem tudo isto, perguntarão VV. Ex.ª

Será que pretendo desaconselhar o ensino do Português, porque pode servir de veículo a ideias contrárias a existência de Portugal como nação presente em quatro continentes?

Do modo nenhum.

O que pretendo é apenas isto: a difusão da língua portuguesa sem difusão simultânea de cultura portuguesa no sou todo não garante, por si, a unidade nacional, não é verdadeiramente útil e só teoricamente permite comunicação entre os vários grupos culturais que compõem a Nação.

Na moção que vier a coroar este útil e oportuno aviso prévio deveria, parece-me, sor claramente sublinhada esta indissolubilidade da cultura o da língua em qualquer programa de difusão a orientar ou empreender.

Este o propósito modesto destas breves palavras.

Talvez me tenha tornado sensível a este problema o conhecimento da existência de muitos goeses que, não sabendo uma palavra de português, resistiram em Bombaim, e mais recentemente em Goa, no Quénia e na Tanzânia, a toda a sorte de pressões, inclusive até ao espancamento, para conservar a qualidade de portugueses e honrar o nome da sua c nossa Pátria.

Não se me poderá levar a mal que me sinta mais fraternalmente unido a esses compatriotas do que aos lusófonos dirigentes c militantes do M. P. L. A., da U. P. A. ou do P. A. I. G. C. V.

Disse o Dr. Manuel Nazaré que procurara ser propositadamente chocante para suscitar interesse pelo tema do aviso.

Aprovo a ideia. E se me permite vou utilizá-la também com o mesmo objectivo, reproduzindo, mais uma vez, bela e expressiva fase da sua intervenção:

Que mais belo investimento de recursos e que mais promissora sementeira de esperanças do que essa de de pôr todo o português a falar português?

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Respondo:

O mais belo investimento de recursos e a mais promissora sementeira de esperanças é o de pôr todo o português a sentir, a pensar e a falar integralmente como português.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para que todos, com a ajuda de Deus, possamos, sob a orientação esclarecida e unitária dos nossos actuais dirigentes e a uma escala verdadeiramente nacional, alcançar a vitória. Vitória "através da qual", como disse a grande voz da política nacional, "não queremos senão continuar na paz n Nação Portuguesa".

Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Barros Duarte: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos os ilustres oradores que na actual sessão legislativa me precederam nesta tribuna se têm referido com merecido relevo a dois factos de grande relevância na vida nacional portuguesa, ocorridos durante o mês de Setembro do ano transacto. Quero referir-me às graves doenças e consequente afastamento da vida política do Presidente Salazar e à sucessão no cargo do Prof. Doutor Marcelo Caetano.

Nada poderia eu, meus senhores, sem estultícia, acrescentar à eloquência c autoridade dos depoimentos que já aqui tivemos a ventura de escutar com a maior atenção. Gostaria, no entanto, Sr. Presidente, me fosse permitido revelar, desta tribuna, a todo o País o estado de alma das gentes simples da nossa mais longínqua província ultramarina, quando as feriu também a elas a dor de saberem gravemente enfermo o Presidente Salazar. Esse estado colectivo de alma traduziu-se, com singela eloquência, neste simples desabafo com que humildes estivadores timorenses do porto de Díli quiseram espontaneamente sublinhar o triste acontecimento:

O homem grande Salazar está doente! ... Coitado! ... Ele é como que o nosso avô! ...

"Nosso avô" - versão superlativa de "Pai da Pátria", poder-se-ia afirmar. Este meus senhores, é o depoimento dos povos de Timor. Expressão singela da sua enorme gratidão e estima pelo homem que consumiu quarenta anos da sua existência a redescobrir e restaurar a alma nacional, a esculpir o monumento grandioso de um Portugal moderno, mas fiel à sua própria história.

Sobre a sucessão na chefia do Governo pelo Sr. Prof. Doutor Marcelo Caetano, apenas posso falar de uma atitude ou virtude que, à força de trinta e três anos de convívio com populações muito simples em terras de missão, se me tornou já muito familiar e muito querida. Estou a pensar na modéstia com que o ilustre mestre catedrático e esclarecido estadista se categorizou entre simples "homens como os outros" no seu notável discurso de posse e na humildade do gesto e da linguagem com que se quis aproximar do comum dos portugueses na sua recente mensagem ou comunicação ao País através das câmara da R. T. P.

Se a humildade é outro nome da verdade, bem haja quem assim a pôde exemplificar. E se a modéstia e a simplicidade são timbre dos espíritos superiores, bendito Deus, que o Governo da Nação não perdeu altitude.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Tem-se, no decurso do presente debate, verificado um interesse cada vez maior da Câmara relativamente ao aviso prévio sobre a expansão da língua-pátria no ultramar português, da autoria do ilustre Deputado Dr. Henriques Nazaré, a cuja inteligência, amor à verdade, intrepidez de atitudes e espírito humanitário rendo sinceras homenagens. E se razões intrínsecas, muito fortes, não houvesse para um convencimento imediato da importância e oportunidade do presente aviso prévio, bastaria aquele interesse geral, insistente e sério, da mais alta Assembleia da Nação para desvanecer qualquer duvida mais remissa a esse propósito. Um interesse que se foi afervorando em devoção patriótica pelo idioma pátrio, voz de ura grande povo com passado, presente e futuro.

Soam-me ainda nos ouvidos os belos acordes daquela verdadeira sinfonia da língua com que, há bem poucos dias, nos maravilhou a todos, certamente, o Sr. Dr. Veiga de Macedo, a quem o País ficou já a dever um muito maior conhecimento da sua língua escrita e a quem eu tributo o maior respeito, admiração e estima.

A língua, meus senhores, é expressão da própria vida de uma colectividade. Por isso mesmo é força, como também a vida é força. Mas, pelo mesmo facto de que a língua é expressão da vida, o idioma de um povo só pode mover-se na direcção da própria vida. Quer dizer: na direcção de necessidades e exigências da própria natureza, e actuar no sentido de uma permanente adaptação à vida, que procura, por instinto indefectível, a sua conservação c aperfeiçoamento no tempo e no espaço.

Deste modo, a relação língua e vida não pode embeber-se de outro sentido senão de que a língua existe em função da vida e não esta em ordem àquela. Esta proposição admite uma outra versão: a língua está ao serviço do homem, e não este em razão dela. E é nesta acepção que ela se torna símbolo e factor vigoroso de unidade política e se apresenta como a via mais curta e mais larga para a promoção integral de populações ainda em vias de desenvolvimento.

Unidade política e promoção social ou cultural - dois valores que bem podem justapor-se apenas em plano de igualdade ou simultaneidade, ou sobrepor-se um ao outro numa linha de subordinação de um em proveito do outro.

O ponto de equilíbrio neste confronto de valores não pode ser procurado senão na mais elevada noção da dignidade humana, na sensibilidade da nossa consciência de cristãos e na consagração da nossa história de nação civilizadora de povos e evangelizadora de almas.

Mas promoção pode ser assimilação ou evolução diferenciada. Aquela contém cm si um princípio coesivo de personalidade colectiva. O seu processo é gradativo, normalmente, forçosamente lento, mas seguro. A evolução diferenciada que se lhe contrapõe caracteriza-se, sobretudo, pelo gosto ou instinto de movimento, talvez ao ritmo da vertigem, num exarcebado ou permanente insofrimento perante a lentidão da própria história. E pode bem acontecer que, buscando refugir à morosidade dos processos de assimilação, venha o desejo incontido de uma rápida promoção social das massas populacionais nativas a optar por uma evolução diferenciada, susceptível de se precipitar em medidas violentas, revolutivas ou subversivas de valores tradicionais daquelas mesmas populações.

E não se pode facilmente ocultar um sinistro pressentimento de que numa evolução diferenciada assim definida se ocultem formas diversas de imaturidade não isentas de graves riscos.

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Talvez só possa aplicar aqui o que, em seu discurso de 23 de Setembro de 1996, afirmou o Presidente Salazar:

As sociedades, como os homens, não têm a capacidade de absorver ou de se adaptar, nos curtos prazos que os ideólogos fixam nas suas mentes alucinadas, a conceitos e a formas de vida muito diferentes dos que lhes modelaram o ser. E, por esse motivo, muitas revoluções, ainda que portadoras do princípios de verdade e de justiça, nós as vemos desencadear-se em violências, multiplicar-se em sofrimentos e sacrifícios humanos, desdizer-se em depurações, retroceder nos seus programas de acção, em suína, negar-se a si próprias, sem poderem realizar-se.

Permita-se-me acrescentar ainda a subia observação de P. Villeminot sobre métodos um tanto apressados, utilizados na promoção dos Papuas da Nova Guiné ocidental:

E de recear, diz aquele autor, que os métodos empregados na evolução dos Papuas de Irian Barat lhes traga a estes a mesma desorientação que têm conhecido tantos povos primitivos, desde que, sob a pressão dos ocidentais, eles renegaram a sua cultura. Tal desorientação coloca-os no risco de se lhes impossibilitar uma verdadeira- adaptação a uma- nova civilização, porquanto essa mesma indisciplina tem gerado frequentemente ou o desinteresse pela vida ou um mercantilismo amoral. (La Noucelle-Guinée, p. 46).

Mas não quero, não devo afastar-me da matéria específica do aviso prévio.

A difusão do português nos vastos territórios do nosso ultramar opera-se dentro de condicionalismos próprios de povos ainda muito alveolados em tribos, sem cultura comum, sem escrita, divididos uns dos outros por dezenas de línguas, dialectos e subdialectos, situados ainda nos primeiros estágios de vida social.
Em tais condições, é inevitável que a sua evolução se venha a fazer, não através da sua própria língua, inculta, magra de recursos de expressão, mas sim através de uma língua culta, falada por quem os procura elevar a fornias de vida mais perfeitas.

Trata-se de um fenómeno resultante de um processo natural de convivência. O contacto diário, ou pelo menos bastante assíduo, com pessoas e coisas de uma cultura superior necessariamente cria no homem inculto novos conceitos que, por força, se hão-de explicitar por vocábulos ou termos novos e até expressões completas ou quase completas, importadas da língua culta, que vai actuando em cada dialecto ou língua local como o rio principal que vai, no seu caminho, recebendo os seus vários afluentes, unificando-os num caudal único, já todo homogéneo quando se lança no oceano.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Na campanha de difusão da língua-pátria no ultramar, dois critérios se oferecem: um de tendência essencialmente difusiva ou quantitativa; outro caracterizadamente selectivo ou qualitativo. Dado que a grande maioria das populações nativas se encontra ainda analfabeta e sem o mínimo conhecimento do português, a forma difusiva é aquela que se afigura mais urgente. Os agentes da expansão da língua nesta fase situam-se nas escolas primárias oficiais, nas escolas missionárias, municipais e psicossociais do Exército. A maior parle destas escolas são pequenos e grandes externatos. As missões católicas mantêm igualmente alguns internatos, quer para rapazes, quer para raparigas.

Embora solução mais dispendiosa, os grandes internatos suo, no ultramar e enquanto se não formarem e multiplicarem núcleos familiares solidamente preparados, a fórmula mais adequada para se intensificar e consolidar o
ensino do Português, além de uma acção educativa mais eficaz e contínua. No que respeita ao Português, não sofre dúvida nenhuma aquela asserção, porquanto se sabe que, no regime externo e numa população praticamente analfabeta, como costuma acontecer, a criança, o rapaz ou a rapariga, passa 23 por cento do seu dia na escola, onde se vê obrigada a falar português, e 15 por cento em casa na sua povoação de nível primitivo, onde só ouve e fala a sua língua de origem, desaparecendo e deturpando constantemente o que se lhe ensinou no externato, sobretudo tipo pequeno externato.

Nos grandes internatos a vida decorre, por assim dizer toda em português.

Em Timor, para acelerar a difusão da língua, tentou-se criar uns pequenos externatos chamados "escolas de suco", versão local do programa ou campanha lançada em Angola pelo eu tão governador-geral desta província general Des-landes, campanha concebida e desenvolvida dentro da fórmula: "Levar a. escola à sanzala".

A experiência das "escolas de suco" é recente. Pela precariedade, de meios ao seu dispor; pela dificuldade de vigilância de que &e rodeia, mercê da grande dispersão das suas unidades, receio que, embora logre ensinar Português, não chegue a formar portugueses.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: A corrida entre o índice de natalidade e a escolaridade acusa um desequilíbrio cada vez mais acentuado a favor da natalidade. E, para o rectificar, os meios de que dispomos são por de mais insuficientes, em pessoal, edifícios, verbas e material. Em tais circunstâncias, porque não recorrer a uma fórmula, que poderíamos chamar "doméstica", complementar ou subsidiária da oficial e particular? Seria uma campanha discreta de alfabetização, por meio de material didáctico distribuído gratuitamente ou a preços simbólicos a membros de família que possam iniciar filhos ou irmãos mais novos ou sobrinhos nos rudimentos de ler, escrever e contar. Este ensino não abrangeria senão as primeiras letras ou a 1.ª classe da instrução primária elementar. O inédito da sugestão, o gravame orçamental da campanha e a incerteza do seu sucesso no meio primitivo não devem, só por si, constituir motivo bastante para abafar o desejo de uma tentativa ou o esboçar de uma experiência do género. Para não redundar em esforço improfícuo, teria a campanha de ser precedida e paralelamente acompanhada de certos incentivos, como concursos programados, com prémios instituídos pelos governos das províncias, pelas comissões municipais ou empresas particulares, para galardoar os melhores alunos e as melhores mestras (mães, irmãs ou tias), apurados aqueles e estas através de exames muito rudimentares, a realizar nos maiores centros escolares, em data a fixar pêlos serviços de educação.

Haveria ainda que garantir inteira fidelidade aos sãos princípios da moral cristã e do amor a Portugal, mediante uma vigilância muito discreta a exercer pelas autoridades competentes, designadamente os serviços de educação.

Para todas as escolas do tipo pequeno externato e para o ensino familiar acima descrito deveria elaborar-se um vocabulário básico português com cerca de quinhentos vocábulos. Neste sector, posso informar VV. Ex.ªs de que nas missões de Timor mais de um missionário se entregou a trabalhos lexicológicos de línguas locais em paralelo com o português. Encontram-se esgotadas as respectivas edições. É o caso dos dicionários: Português-Tétum, do P.e Aparício da Silva; Tétum-Português, do P.e Patrício Mendes: Português-Galole, do P.e Alves da Silva; Método Prático para Aprender Tétum, do P.e Abílio Fernandes,
além de outros pequenos trabalhos, como as cartilhas do

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P.° Manuel Laranjeira, utilizadas durante anos Das escolas rudimentares de Timor, por força de portaria provincial.

Todas estas obras, Sr. Presidente e Sr s. Deputados, foram preparadas e levadas a termo em anos de muito estudo, investigação, sacrifício e privações, ao Indo dos ministérios sagrados e mediante uma modesta côngrua. E ainda hoje os missionários de Timor - por eles avalio os mais - se entregam a labores que não são precisamente o Dominus vobiscum ou o catecismo, mas afectam a educação e promoção social de milhares de rapazes e raparigas timorenses. Esta Assembleia teve já entre os seus membros, na VII Legislatura, um filho de Timor, o Rev.° P.º Martinho da Costa Lopes, educado, desde as primeiras letras até ao curso Teológico, inteiramente pelas missões. Além de mais de uma dezena de sacerdotes nativos de Timor, as missões têm a consolação de haverem formado para a vida muitos dos actuais funcionários dos vários serviços públicos daquela província.

Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não obstante toda esta galeria de testemunhas da sua dedicação, do seu sacrifício e da sua competência, poderão, porventura, também eles, os missionários, um dia, repetir o doloroso desabafo de Lacordaire face à ciência do século XIX:

A ciência - dizia o grande orador -, apenas tombada das nossas mãos para as vossas, insurgiu-se contra nós, e nos acusou a nós que havíamos lutado quinze séculos por ela, nós que a havíamos acolhido novamente quando escapada do alfange ensanguentado de Maomé II, ela se lançou, completamente perdida, nas vestes dos nossos papas.

Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para encerrar o debate o Sr. Deputado Manuel Nazaré.

O Sr. Manuel Nazaré: - Sr. Presidente: Cabe-me uma palavra a encerrar o debate sobre a matéria do aviso prévio que tive a honra de trazer a esta Assembleia.

Quando outros motivos a não tornassem imperativa, bastaria a obrigação em que fui constituído de testemunhar o meu sincero apreço pelas esclarecidas e autorizadas vozes que ouvi reclamarem um Portugal mais português. Mas tenho de reconhecer que o apoio que me foi concedido ultrapassou as minhas melhores previsões.

Não me envaideço com o facto. Mas orgulho-me dele, por ter conseguido mobilizar tantas e tão boas vontades para a cruzada que estava presente no espírito de todos. Outro não foi o meu propósito.

Cabe agora aos especialistas programar a difusão maciça da língua portuguesa, e a todos os que a falam a tarefa de, em maior ou menor medida, mas com igual entusiasmo, ajudar a ser mais portugueses os que em breve passarão a fala-la.

Não me proponho, naturalmente, apreciar em particular todos os contributos trazidos pêlos Srs. Deputados intervenientes. Todos eles constituíram preciosa ajuda e foram para mim excelentes ensinamentos. Mas, ainda assim, penso que não poderemos permitir-nos a tranquilidade de quem já atingiu o plano das soluções, concretas. É preciso não nos deixarmos adormecer, negligenciando as medidas eficazes e prontas.

Desejo apenas realçar um ponto: não se deve confundir a difusão da língua, com a difusão da instrução. Também não esqueci o muito que se tem feito na expansão da alfabetização. Mas tive presente o pouco que se fez em matéria de pura difusão da língua falada.

As considerações que apresentei na parte preambular da minha exposição, tendentes a preparar o espírito para o essencial da questão - difusão da língua portuguesa em Moçambique e as suas implicações -, foram constituídas por matéria de diversas proveniências, isto é, fruto de leituras, de trocas de impressões com pessoas bem informadas, contactos directos das populações, etc.

Como VV. Ex.ªs tiveram ocasião de ouvir, durante a exposição fui sempre fazendo referência às origens dos pontos de vista apresentados. Ora, entre estes, ficam muito bem, completando-os, sem dúvida, muitas das sugestões que VV. Ex.ªs amavelmente proferiram no decurso dos debates. O que é imprescindível é que nos esforcemos por desenvolver o clima de amizade, de confiança, e sobretudo organizar o trabalho em comum.

Cultura, linguagem e ensino são conceitos universais c humanos, são problemas vitais e prioritários entre os imperativos das nações.

Não seria correcto alongar-me mais sobre o que, afinal, todos queremos e sabemos.

Apresento a V. Ex.ª, Sr. Presidente, as minhas sinceras saudações e o pedido de licença para ler e enviar para a mesa a seguinte

Moção

1) Reconhece-se que a pluralidade idiomática existente na província de Moçambique dificulta a promoção cultural e o progresso económico e social e não favorece mais íntima compreensão e amizade das populações;

2) Considera-se que a generalização da língua-pátria a todo o território moçambicano é objectivo do mais alto interesse nacional e especialmente imperioso, neste momento, em que a, soberania portuguesa se encontra ameaçada por inimigos preparados e dirigidos do exterior;

3) Assim, julga-se da maior importância e oportunidade que se empreenda uma enérgica campanha de difusão da língua nacional, a qual deve ser concedida prioridade entre as preocupações governativas;

4) Entende-se que este movimento deve ser executado por métodos apropriados, sem prejuízo do respeito devido às culturas tradicionais africanas;

5) Atribui-se grande valimento aos resultados obtidos pelo ensino universitário, secundário e primário ministrado no ultramar: considera-se altamente favorável à difusão da nossa língua a presença em terras africanas de efectivos militares, que, empenhados na defesa delas, se encontram em contacto com as populações; tem-se como prestimosas para a expansão da língua portuguesa as organizações oficiais e privadas que estendem a sua acção pelo território moçambicano;

6) Sugere-se que, para a consecução deste objectivo essencial, seja estudado o aproveitamento sistemático e continuado de todos os elementos humanos a institucionais válidos, e bem assim dos indispensáveis serviços e organismos a criar.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 17 de Janeiro de 1969.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 164 2976

O Sr. Presidente: - VV. Ex.ªs acabam de ouvir ler a moção proposta pela Sr. Deputado avisante Manuel Nazaré. Nos termos regimentais, a moção tem de ser lida na Mesa, para efeitos de ser submetida à votação.

Antes, portanto, de a pôr em discussão. vou mandar lê-la.

Foi lida.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Sérgio Sirvoicar: - Sr. Presidente: Ao usar da palavra, pretendo esclarecer em dois pontos o voto que vou dar à moção.

No n.° 3 fala-se na prioridade que deve merecer a difusão da língua portuguesa em Moçambique. O Sr. Deputado avisante já esclareceu, quando leu a moção, que essa prioridade não punha em causa a prioridade da defesa da integridade territorial. Cumpre-me, no entanto, esclarecer que, além dessa prioridade que não pode ser prejudicada, a prioridade da defesa da língua portuguesa também não pode pôr em causa a política de desenvolvimento global da província de Moçambique. Isto, para ser coerente com a minha intervenção de há pouco, em que defendi a tese de que a difusão da língua sem a difusão simultânea da cultura no seu conjunto não é útil.

Este é, pois, um dos condicionalismos em que exprimo o meu voto de aprovação à moção.

O segundo condicionalismo, referente ao n.º 4, exprime-se desta maneira: o respeito pela cultura tradicional africana não significa, no voto que vou formular, que opte pela política de desenvolvimento diferenciado, mas sim que esse respeito é um respeito, de contemporizarão, enquanto as populações não assimilam a cultura portuguesa.

O Sr. Veiga de Macedo: - Sr. Presidente: Penso que o último número da moção ora em apreciação carece de sei alterado, para que o seu conteúdo corresponda plenamente as realidades e até ao pensamento que através dele se pretende exprimir.

Na verdade, já existem nas, províncias ultramarinas e na metrópole serviços com atribuições relativas à língua portuguesa e ao seu ensino e difusão. Os diversos serviços de instrução não deixam de ter atribuições na matéria.

Admito que esses serviços precisem do ser remodelados para desempenharem com eficiência a missão que lhes cabe, e deve caber, neste domínio de tão alto interesse nacional. E nem sequer ponho de parte a vantagem que haverá em criar novos serviços ou organismos com competência específica, no que toca à expansão e defesa da língua.

Sendo assim, importa que a redacção do n.º 6 da moção em discussão seja modificada, de modo que a sua letra abranja também, na parte final, não apenas os serviços e organismos a criar, mas também aqueles que já estão criados e a funcionar.

Daí a minha intenção de - aliás na antecipada certeza de obter a concordância do Sr. Deputado Manuel Nazaré - propor a conveniente modificação do mencionado n.º 6 da moção no sentido que decorre destas minhas considerações.

O Sr. Presidente: - Para dar satisfação ao desejo de V. Ex.ª só há dois processos: ou o Sr. Deputado Manuel Nazaré altera ele própria o texto da moção de harmonia com o sugerido por V. Ex.ª, ou V. Ex.ª apresenta, uma proposta do alteração a esto último número.

O Sr. Manuel Nazaré - Não só não me oponho como aceito a emenda sugerida pelo Sr. Deputado Veiga de Macedo.

O Sr. Presidente: - Uma vez que o Sr. Deputado avisante aceita a alteração do texto inicial do último número da moção que apresentou, segundo o sugerido pelo Sr. Deputado Veiga de Macedo, fica entendido que, se houver proposta de alteração, o texto a submeter à votação será o seguinte: "Sugere-se que, para a consecução deste objectivo essencial, seja estudado o aproveitamento sistemático e continuado de todos os elementos humanos e institucionais válidos, e bem assim dos indispensáveis serviços e organismos criados ou a criar."

A Sr.ª D. Custódia Lopes: - Sr. Presidente: Apoio inteiramente nesta última redacção, visto que na minha intervenção me referi a alguns organismos já existentes em Moçambique com o fim do difundirem a língua portuguesa.

O Sr. Fernando de Matos: - Sr. Presidente: Relativamente à prioridade de que se fala no n.° 3, pretendo sugerir que o pressuposto aqui expresso pelo Sr. Deputado avisante conste do próprio texto da forma que for julgada conveniente, não vá porventura julgar-se que se trata de uma prioridade absoluta. Pelo contrário, a prioridade de que se fala no n.° 3 da moção é uma prioridade relativa, pois há o problema da defesa da integridade territorial, fora de toda a causa e ao qual tem de dar-se prioridade absoluta. Portanto, só a partir dele é que poderá ordenar-se outra ordem de prioridades, começando por este assunto. Gostaria, pois, que o entendimento que se quer dar ao termo "prioridade" constasse do próprio texto, pois é o texto que ao fim e ao cabo vai figurar nos jornais e revistas e correr mundo.

A Sr.ª D. Custódia Lopes: - Sr. Presidente: A propósito do ponto focado pelo Sr. Deputado Fernando de Matos, devo esclarecer que, na minha intervenção, quando me referi precisamente a esta prioridade, eu empreguei a expressão "prioridade que merece". Daí que me pareça conveniente arranjar-se uma outra redacção para o n.º 3.

O Sr. Presidente: - Compreendo e, se me é lícito dizê-lo, aplaudo a intenção das palavras de V. Ex.ª, mas o certo é que o único texto que tenho na Mesa é o da moção. Aliás, já o Sr. Deputado Sérgio Sirvoicar, com a concordância antecipada do autor da moção, deu um sentido claro ao termo "prioridade" usado no n.º 3. E como o entendimento da expressão será sempre o quo a Assembleia Nacional quiser dar-lhe, talvez não haja absoluta necessidade de alterar a redacção. Suponho que a matéria está suficientemente esclarecida por forma a dispensar uma proposta de alteração.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: Sugiro que a Assembleia, apoiada na oralidade do entendimento, considere suficiente o texto da moção quanto a este n.° 3.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como mais ninguém quer usar da palavra, ponho à votação os cinco primeiros números da moção, com a indicação expressa de que ao termo "prio-

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ridade" contido no n.º 3 se deve dar o entendimento que lhe foi dado pelo Sr. Deputado avisante e outros Srs. Deputados.

Submetidos à votação, foram aprovados.

O Sr. Presidente: - Ponho agora em votação o u.° 6, com a seguinte proposta de substituição subscrita pelo Sr. Deputado Veiga de Macedo e outros Srs. Deputados:

Propomos que a expressão final do n.º 6 da moção "organismos a criar" seja substituída por "organismos criados ou a criar".

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 17 de Janeiro de 1969. - Os Deputados: Manuel Henriques Nazaré - António Júlio da Castro Fernandes - Henrique Veiga de Macedo - Custódia Lopes - José Maria de Castro Salazar.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.

Marco sessão para terça-feira dia 21, à hora regimental, com a seguinte ordem do dia: discussão do projecto de lei relativo à, alteração da base XXI da Lei n.° 2114.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Calheiros Lopes.
António José Braz Regueiro.
António Magro Borges de Araújo.
António Moreira Longo.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Artur Alves Moreira.
Augusto Salazar Leite.
Gabriel Maurício Teixeira.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Hirondino da Paixão Fernandes.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Olheira.
João Ubach Chaves.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Leonardo Augusto Coimbra.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Rafael Valadão dos Santos.
Rogério Noel Pores Claro.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

André da Silva Campos Neves.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco José Roseta Fino.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Henriques Monta.
José Pinheiro da Silva.
José Rocha Calhorda.
José dos Santos Bessa.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel João Correia.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Mário de Figueiredo.
Raul Satúrio Pires.
Rui Manuel da Silva Vieira.

O REDACTOR - Januário Pinto.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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