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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 170
ANO DE 1969 31 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.° 170, EM 30 DE JANEIRO
Presidente: Ex.mo Sr. José Soares da Fonseca
Secretários: Ex.mos Srs.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
SUMARIO: - O Sr presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Deputado Cutileiro Ferreira requereu ao Ministério da educação Nacional vários elementos sobre a frequência do Instituto Superior de Agronomia e da Escola superior de Medicina Veterinária.
Ordem do dia. - O Sr. Deputado Elísio Pimenta efectivou o seu aviso prévio sobre defesa da língua portuguesa.
Requerida e deferida a generalização do debate sobre este aviso prévio, usou da palavra o Sr. Deputado Henriques Mouta.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
André Francisco Navarro.
André da Silva Campos Neves.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António José Braz Regueiro.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Horácio Brás da Silva.
João Duarte de Oliveira.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
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José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul Satúrio Pires.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 70 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Cutileiro Ferreira.
O Sr. Cutileiro Ferreira: - Sr. Presidenta pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
No uso da faculdade conferida pela Constituição e pelo Regimento desta Câmara, requeiro que, pelo Ministério da Educação Nacional, me sejam fornecidos os seguintes elementos:
a) Quantos alunos estão inscritos, em cada ano, no Instituto Superior de Agronomia e na Escola Superior de Medicina Veterinária;
b) Qual o número dos inscritos pela primeira vez e qual o número dos repetentes, em ano.
O Sr. Presidente: - Não estando mais ninguém inscrito para o período de antes da ordem do dia, vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vai efectivar-se o aviso prévio sobre a defesa da língua portuguesa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Elísio Pimenta.
O Sr. Elísio Pimenta: - Sr. Presidente: Para a sensibilidade lusíada de Afonso Lopes Vieira - e sabe bem falar do Afonso Lopes Vieira ao iniciar-se a efectivação de um aviso prévio sobre a defesa da língua pátria -, Corte na Aldeia representa, na prosa, o mesmo que os Lusíadas, na expressão poética: "A língua viva no padrão sem data."
Francisco Rodrigues Lobo, em plena dominação castelhana, escreveu nu boa língua portuguesa, cujos atributos e virtudes minuciosamente descreve e apaixonadamente exalta, porque tem de todas o melhor, mas conclui, como em lamento, "para que diga tudo, pelo pouco que lhe querem os seus naturais, a trazem mais remendada que capa de pedinte".
Atrevo-me a perguntar, à distância de três séculos desse livro glorioso, que veio abrir um ciclo de obras-primas nas letras portuguesas - ainda segundo o poeta de S. Pedro de Muel -, se continuarmos a querer tão pouco ao idioma de Camões e de Rodrigues Lobo, os remendos de de uma prosódia adulterada, de uma sintaxe desnacionalizada e de uma pureza corrompida não tornarão irreconhecível o mais belo e forte elemento da individualidade nacional?
E porque elemento formativo da individualidade, nacional, o seu problema não é somente gramatical ou cultural, mas essencialmente político.
Eis, Sr. Presidente, a interrogação angustiosa que pretendíamos formular ao anunciar o aviso prévio que designámos por defesa da língua portuguesa.
Que V. Ex.ª o considerou pertinente e oportuno, mostra-o a circunstância de o haver incluído na ordem do dia desta sessão, e que a sua discussão pode ter mérito, a aprovação e o apoio dado pela digna Comissão de Educação Nacional. Cultura Popular o Interesses Espirituais o Morais.
Não farei mais nesta abertura do debate do que enunciar alguns dos aspectos mais importantes de um problema nacional, a resolver pela consciência pública e pela compreensão responsável do Governo. A realidade dos factos e o valor das soluções, essas sim, ficarão à autoridade dos Srs. Deputados que porventura venham a intervir na discussão e as conclusões finais ao meu querido amigo Sr. Deputado José Alberto de Carvalho, a cujos méritos e competência, que me faltam, e inexcedível espírito de solidariedade presto sentida homenagem.
Sr. Presidente: Neste momento em que defendemos à custa dos maiores sacrifícios os valores históricos e permanentes da comunidade portuguesa, ninguém certamente porá em dúvida a importância da língua como factor fundamental da unidade interna e do prestígio da Nação. Pode dizer-se, sem hipérbole, que a língua é um desses valores históricos e permanentes do património nacional cujo zelo, protecção e defesa contra tudo quanto a atinja na sua pureza e dignidade deve estar na primeira linha das nossas preocupações.
A defesa da língua, na sua expressão nacional e expansão universal, como actividade do cultura e acto de natureza e extensão política, não poderá ficar apenas no domínio das responsabilidades do Poder Público, ao qual pertence, certamente, a promoção das necessárias medidas de ensino e de educação, de educação cívica, sobretudo, de vigilância atenta contra todas as corrupções e de polícia das insidiosas infiltrações dos imodernismos internacionais que ofendem o bom gosto e servem às vezes de rapa subtil dos imperialismos linguísticos.
Serão nossas também as culpas - e sem absolvição -, porque toleramos, aceitamos ou até colaboramos nessa constante perversão da linguagem falada e escrita, na expressão pública directa ou através dos meios de comunicação e no diálogo quotidiano, se um dia se descarac-
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terizar esse admirável idioma em que D. Sancho I, logo no começo do século XII, cantava a sua balada
Ay eu coitado! Como vivo
em grau cuidado por meu amigo
com vinte e tal palavras diversas, todas elas singelas quanto à forma e à essência, mas todas elas já eram então como são hoje, no dizer de Carolina Michaëlis de Vasconcelos.
As línguas não são imutáveis, vão-se formando através dos tempos, evoluem, por um lado, como consequência das condições históricas dos povos que as falam e, por outro, do desenvolvimento sociológico da comunidade humana.
O estudo e análise da formação e da evolução do português falado c escrito, desde o alvorecer da nacionalidade, para cuja criação e individualização, repito, contribuiu decisivamente, mostra-nos que a partir da fragmentarão linguistica da Península Ibérica e da cisão do galego e do português, enquanto aquele permanecia, estático, como que língua morta, a nossa adquiriu a expressão de idioma político, que os Descobrimentos haviam de universalizar.
A expansão de Portugal no Mundo fez-se com a vontade, a energia e a heroicidade dos marinheiros, dos soldados, dos missionários e dos comerciantes, mas não ficou a dever menos à língua por eles falada e transmitida aos povos descobertos. Muitos a conheceram e falaram, outros a adoptaram e dela ficaram raízes profundas, como em mais de conto e cinquenta línguas e dialectos, e ainda hoje perdura nos crioulos do Ceilão, da Malásia e de Singapura.
Pois não mandou D. Manuel I, em 1504, para o Congo "muitos, mestres de ler e de escrever" e, em 1512, para Cochim uma "arca de cartilhas destinadas aos cem meninos" que ai aprendiam português, e dois anos depois não saía de Lisboa para o Oriente a primeira tipografia?
Segundo David Lopes, "é também essa difusão de português que explica que os Holandeses, Dinamarqueses e Ingleses nela pregassem em tantas partes do Oriente até ao alvorecer do século XIX e criassem uma literatura em língua portuguesa, de feição religiosa principalmente".
É sensível a influência do nosso idioma em determinadas línguas e dialectos de alguns dos novos países africanos. Ainda no século passado o português era a língua estrangeira mais conhecida na costa do Daomé, até ao ponto do os padres para serem compreendidos terem de nele pregar. Ainda há dias um escritor da República dos Camarões afirmou na Sociedade da Língua Portuguesa que o nosso idioma, com o seu carácter universalista e como idioma radicado em África, onde foi o primeiro a expandir-se como "língua franca", representa naquele continente uma das primeiras zonas linguísticas, geográfica e populacionalmente unida, devendo fomentar-se a sua expansão, para favorecer a própria vida das línguas nativas.
Para além do problema da difusão da língua portuguesa nas províncias ultramarinas tema largo e proficientemente tratado ainda há dias nesta Assembleia, não se omita a circunstância, antes sirva de força estimuladora para vencimento das carências, das dificuldades e das inércias então apontadas, de ser ela um dos mais poderosos vínculos espirituais da unidade deste velho país espalhado pelo Mundo e no presente, o denominador comum de uma cultura que partilhamos com oitenta milhões de brasileiros.
Não será bastante. Sr. Presidente, para exaltarmos a língua que é a própria pátria, no cantar de Fernando Pessoa, na qual escreveram D. Sancho I. Fernão Lopes, Camões, Rodrigues Lobo, António Vieira, Bernardes, Garrett e Camilo e alguns contemporâneos de génio, património comum de dois grandes povos, e para a defendermos dos estrangeirismos, dos modismos inconvenientes e dos solecismos que vão corroendo a sua pureza, roubando-lhe a personalidade tão singular e característica de instrumento de uma cultura e de uma civilização?
Li algures que "a língua é a expressão, melhor dizendo, o documento de um itinerário ou da mesma aventura vital por uma nação corrida".
A língua não permanece estática, nem no tempo, nem no espaço. Ela evolui constantemente num processo que nos parece lento, imperceptível, apenas porque entramos nele, nele participamos. A língua que falamos parece-nos diferente da dos portugueses da Idade Média ou do Renascimento, mas não nos apercebemos facilmente que os nossos pais e os nossos filhos têm linguagem diversa da nossa. E se isto se dá no tempo, o mesmo acontece no espaço. Não ê possível, no domínio ortoépico, conseguir-se a uniformidade do idioma, considerados os diferentes e afastados pontos em que é falada. É fácil demonstrá-lo mesmo sem se atentar na evolução da linguagem falada em Portugal e no Brasil. Ponhamos o caso metropolitano e insular português: não se fala no Minho como no Algarve, no Alentejo como na Madeira. Arriscamos até em dizer que o homem de Viseu falando com o de Ponta Delgada terá, por vezes, dificuldade em o entender.
E, todavia, todos falam o português, e será difícil e até ousado dizer qual deles fala melhor o português.
O problema da ortografia é um tanto diferente. É ela, pela sua própria expressão, que dá uniformidade à língua, é através dela que a cultura melhor se transmite e se expande.
A ortografia ria língua portuguesa manteve-se uniforme até à reforma de 1911, ligada ao nome do grande filólogo Gonçalves Viana. O caminho da simplificação era inevitável, e pena foi que ela não se houvesse obtido por acordo entre Portugal e o Brasil. Já em Espanha a simplificarão ortográfica se fizera cem anos antes e a própria Academia Brasileira de Letras, em 1907, estudara uma reforma semelhante à dos filólogos portugueses de 1911.
Os dois países irmãos mantinham-se de costas voltadas um para o outro e a partir dessa data ficou o Mundo perante duas línguas portuguesas, ou, antes, de uma língua que se escrevia de duas maneiras diferentes, uma em Portugal e outra no Brasil.
A situação não poderia manter-se sem sérios prejuízos para os dois países, mas somente em 1923 a Academia das Ciências de Lisboa pôde estabelecer negociações com a Academia Brasileira para o estudo ortográfico da unificação da língua, e em 1928 o Prof. Oliveira Salazar, Ministro das Finanças, preocupado com a divergência, mandou inscrever, pela primeira vez, no orçamento do listado, a verba destinada aos estudos necessários, que começaram imediatamente a ser feitos pelos Profs. José Maria Rodrigues, José Leite de Vasconcelos, David Lopes e José Joaquim Nunes, todos eminentes filólogos.
Foi possível, assim, assinar-se em 1931 um acordo entre os dois Governos e nele intervieram as citadas Academias, o que todavia, não conduziu à paz linguística.
Coube, finalmente, ao Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros, Prof. Oliveira Salazar, e ao embaixador do Brasil em Lisboa assinarem, em 1943, uma convenção destinada a regular de mútuo acordo o sistema ortográfico comum, da qual resultou a conferência interacadémica. Aprovada a unificação, no Rio de Janeiro em 5 de Dezembro de 1945 e na capital portuguesa três dias depois, o mérito principal da convenção coube ao Chefe do Governo Português, segundo a opinião insuspeita do escritor Ribeiro Couto, que fez parte da delegação brasileira.
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Ouçamo-lo, ainda:
Já agora, terminados os trabalhos das duas Academias e empenhada na oficialização dos seus resultados a palavra do Governo Português e a do Governo Brasileiro, as vozes; com que se exprimem os dois povos terão uma grafia única. sejam do origem latina ou árabe, tupi ou banto, embora cada português, ou brasileiro, dos confins da sua terra beiroa ou do sertão paulista, continue a abrir ou fechar vogais, suprir ou alongar sílabas. O musculoso corpo da língua é bastante sadio para suportar essas diferenças climáticas de expressão prosódica.
A Assembleia Nacional ratificou o instrumento diplomático. O Brasil ainda não o fez. Mas passado o perigo de uma cisão da língua, só resta formular o voto por. que as relações de amizade que reinam entre os dois povos irmão e os dois Governos favoreçam, sem demora, a solução de uma questão de tão grande transcendência para o futuro cultural e civilizador das duas pátrias.
Desculpem VV. Ex.ªs, Sr. Presidenta e Srs. Deputados, esta passagem longa por terrenos bem conhecidos de todos, mas, ela teve dois, objectivos primários: a formulação daquele voto pela indestrutível unidade da língua portuguesa, cujo condomínio pertenço inseparavelmente às duas nações atlânticas, e a afirmação de que nos cumpre, mais do que nunca, sobretudo a partir de 1945, o dever de a defender sem condescendências que afectem a sua pureza ou comprometam a sua expansão cultural, até pura provarmos a justiça da causa e o peso das nossas razões.
Estamos, na verdade, a defender a língua e a zelar polo seu prestígio ou queremos-lhe tão pouco que os remendos de que falava o prosador já não deixem ver o pano forte de que foi feita?
Sr. Presidente: Muitas e variadas vezes, no decurso das suas, legislaturas, a Assembleia Nacional ouviu falar da língua e da sua defesa. Outras tantas vezes se denunciou "de quanto ela anda abastardada do falar comum, nas traduções de livros e notícias, no papaguear de faladores da radio e da televisão, nas legendas das fitas cinematográficas, nas obras de minicultura recebidas do Brasil". como o fez aluda não há muito tempo o Sr. Deputado José Manuel da Gosta, cum títulos, de direito e de facto para ser ouvido e atendido, mas ao que conste e se veja, nem foi ouvido, nem atendido.
Já na presente legislatura tratou aqui da questão com vigor e autoridade, mas da mesma firma tudo ficou como dantes, sem se compreender a razão de um lavar de mãos que continua a entregar a dignidade da língua ao primeiro malfeitor, ignorante nu propositado, que apareça a pervertê-la.
Apoiemos tudo quanto se alvitre ou promova para a difusão do português entre, os portugueses de todas as latitudes. Mas, cautela: transmita-se-lhes o verdadeiro português falado e escrito, e não aquele que, por vezes, lhes dão no pequeno receptor de rádio ou em determinada literatura interna na de importação ou até em publicações do Estado.
A Assembleia discutiu dois avisos prévios, nos quais só visaram aspectos, da defesa da língua e formularam votos sobre essa defesa.
Com o Sr. Deputado Braamcamp Sobral votou a urgência de definição de uma política de juventude, particularizando, entre outros, o aspecto do fomento da literatura, das bibliotecas e dos espectáculos, bem como dos programas de rádio e televisão destinados à juventude de harmonia com a alta função que desempenham como meios de cultura popular.
No aviso prévio do Sr. Deputado Martinho Vaz Pires emitiu um voto no sentido de o estudo de português ser ministrado a todos os alunos do 3.º ciclo liceal.
Voltarei a estes assuntos, mas devo deixar desde já formulada a opinião de que os votos implicaram necessàriamente o reconhecimento do primado da língua pátria na instrução, no ensino e na educação e a preocupação da Assembleia em o defender.
Pois, tal como acontece com outros votos e sugestões, não há notícia, até agora, do seu seguimento.
Mas a preocupação da Câmara pelo prestígio da língua atingiu um ponto alto por ocasião da reforma constitucional de 1951.
Recordo, e alguns dos Srs. Deputados o poderão também recordar, o interesse provocado pelo projecto do lei apresentado pêlos Srs. Deputados Américo Cortês Pinto, Carlos Moreira, João Ameal e outros, no sentido do sor introduzido na Constituição Política um novo artigo, pela qual o listado tomaria as providências necessárias tendentes à protecção e defesa da língua, como instrumento básico da cultura, lusíada e da projecção do nome português.
A Câmara Corporativa reprovara o projecto, por considerar desnecessária a inovação. Não quero aqui reproduzir a vivacidade da discussão, nem disso seria capaz, e a longa e brilhante argumentação produzida.
A Assembleia, no entanto, rejeitou o projecto pela maioria de dois votos, em votação nominal. Por mim, fiquei com pena. Continuo a pensar na vantagem política de uma afirmação formal sobre a língua na lei fundamental do País.
Não tira daí mal ao mundo e só virá bem à língua e ao seu prestígio.
Recordei o facto, sobretudo porque dispondo a Assembleia Nacional, dentro de algum tempo, de poderes constituintes, pode acontecer que alguém, nessa altura, esteja em condições, e queira, de retomar o projecto apresentado há alguns anos por pessoas reconhecidamente qualificadas, como são os seus autores.
E por isto se verifica que a defesa da língua nem sempre anda fora das preocupações de muitos e bons portugueses.
A Semana do Ultramar de 1968 teve precisamente por tema "A Língua Portuguesa no Mundo", e no seu decorrer a história da língua recebeu valiosa contribuição dos estudiosos. Ela foi estudada com a preocupação de demonstrar o seu contributo excepcional para o exercício da nossa locação permanente e, portanto, actual do povo civilizador e o seu papel cultural no futuro como língua do uma comunidade atlântica.
E poder-se-á deixar de falar da Sociedade, da Língua Portuguesa, e das actividades que vão dos estudos da linguística à assistência e orientação às empresas tipográficas, às agências do notícias, à imprensa periódica, aos postos de radiodifusão, aos estabelecimentos comerciais e industriais, às empresas de espectáculos, para a correcção dos erros do linguagem?
E que dizer da benemérita Liga Portuguesa do Profilaxia Social e das suas campanhas para a dignificação do idioma, através de conferências, de publicações e da própria acção directa no sentido do persistentemente despertar as consciências dos responsáveis e educar civicamente o povo?
Aqui fica a homenagem que lhes é devida pelo muito que fazem pela defesa e dignificação do idioma pátrio.
Sr. Presidente: Na sessão inaugural da Semana do Ultramar o Sr. Prof. Herculano de Carvalho proferiu uma notável lição sobre a língua portuguesa no Mundo, conforme se disse o tema escolhido para 1968.
Depois de falar das duas tarefas fundamentais e urgentes que nos cabem neste momento, como ocidentais,
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cristãos o lusitanos: a integração de todas as populações de Portugal africano e oriental na língua portuguesa - e sobre este aspecto acaba a Assembleia de se pronunciar larga e doutamente - e o ensino do idioma pátrio, àqueles mesmos que o falam desde criança, acrescentou, sobre este último ponto:
Fala-se muitas vezes a este respeito, em defender a língua, mas, contra o que. alguns parecem julgar, não são medidas de mera defesa - policiais, punitivas até - uma espécie de censura prévia à correcção gramatical e ortográfica dos textos escritos, ou lidos através dos meios sonoros de comunicação social, que, não só vê bem como poderia pôr-se em prática.
Não são, repito, essas medidas defensivas ou profilácticas que produzirão o resultado que se deseja.
O que importa, de facto, não será defender a língua, mas ensinar os ignorantes.
Ensinar os ignorantes, sim. ensinar os ignorantes a bem falar e escrever a língua portuguesa, mas dar também a todos, ignorantes e não ignorantes, o sentido da dignidade e de respeito, a educação cívica, e cívico-patriótica, que vença o desconhecimento ou o desprezo pela função do idioma como elemento de transmissão de ideias entre os homens e forma de continuidade histórica do povo, para além da própria expressão geográfica.
O ensino da língua, ou melhor, as deficiências no ensino da língua portuguesa foram assunto tratado no decurso do referido aviso prévio sobre o ensino liceal e permito-me, sem quebra de consideração por outros Srs. Deputados que proficientemente a ele se referiram, salientar a intervenção da ilustre Deputada Sr.ª Dr.ª Custódia Lopes, que, aliás, já anteriormente havia feito ouvir a sua autorizada voz no sentido de se dar ao ensino do português a atenção, a importância e o carinho que merece, por me parecer resumir os dados principais do problema, dentro dos objectivos do presente aviso prévio.
Sem se ir mais longe na apreciação do ensino do português, choca profundamente a nossa sensibilidade admitir-se como possível perante a orgânica do ensino liceal, a incongruência de um aluno poder tirar um curso superior e obter a sua licenciatura sem nunca ter tido aproveitamento na disciplina de Português.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E para que isso aconteça bastará, pura n simplesmente, conseguir a aprovação em todas as outras disciplinas dos ciclos o matricular-se em seguida em qualquer dos cursos de ciências do 3.º ciclo, dos quais o ensino da língua e da literatura pátrias foi abolido.
Daí, não constituir surpresa para ninguém a incapacidade revelada por tantos dos nossos rapazes e raparigas que frequentam cursos superiores, e até de muitos licenciados, que falam incorrectamente a língua portuguesa e ignoram, tristemente, os redimentos da nossa história literária, para elaborar um relatório ou escrever uma simples carta.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas será suficiente que se aprenda o português em todos os cursos do 3.º ciclo?
Pensamos que se deverá ir mais longe, exigindo-se o aproveitamento nas disciplinas de Português, ou, pelo menos, nos exames dos dois primeiros ciclos, como condição para a aprovação.
Parta-se, antes, da escola primária, da escola primam cuide se começam a formar os caracteres e se recebe logo a marca indelével do bom ou do mau ensino, da boa ou má educação.
Tudo quanto se aprende ou se recebe na escola permanece na vida do homem e sobrepõe-se a tantas outras influências que pesam sobre a criança o sobre o adolescente.
A escola existe para formar homens e portugueses, homens que sejam também portugueses. Se não forma portugueses, ensinando-lhes bem a sua própria língua e despertando-lhe o gosto de a falarem, não cumpre a sua missão.
O gosto pela língua adquiro-se através da boa leitura do trechos agradáveis à inteligência e à sensibilidade, pelo diálogo sugestivo e disciplinado, pela redacção criadora, dos factos e das histórias da vida corrente, dominados pela bem e pela beleza, isto é, pela abertura de novos horizontes, à criança em desenvolvimento.
E tudo sem exigências de memória nas regras gramaticais, que fazem odiar a língua, e sem transigências com a linguagem baixa, soez, ordinária, nem condescendências com os estrangeirismos desnacionalizadores, com os modismos incaracterísticos ou a prosódia errada.
Outro ponto digno de atenção.
Merece reparo a forma como a nossa língua é ensinada em alguns estabelecimentos instalados e orientados por organismos oficiais estrangeiros, para fomento das suas próprias línguas. São, na verdade, excelentes elementos de cultura literária e científica, mas acontece tis vezes transformarem-se, em meios de adulteração do idioma português e focos de desnacionalização, tanto mais que gozam da preferência de certas camadas abastadas da população, que para elas encaminham os seus filhos, curando de lhos transmitir o conhecimento du uma ou mais, línguas que não a sua, sem ao mesmo tempo zelarem pela forma como esta lhes é ensinada.
Se este desejo de bilinguismo ou plurilinguismo é de aceitar, e do estimular, quando não revista a forma de imperialismo linguístico, há que condenar o desejo legítimo e pragmático de se adquirir por esse meio o conhecimento e o domínio de uma segunda língua, sempre que o português passa à categoria de segunda língua ou língua secundária.
O uso generalizado e progressão de expressões estrangeiras na fala comum, nos meios de comunicação radiofónicos ou televisivos no teatro e no cinema, na imprensa o na literatura, nos letreiros e cartazes públicos, nas legendas cinematográficas e na publicidade, é verdadeiramente perturbador da pureza e da dignidade da língua portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A propósito de teatro, ainda ontem o Diário de Lisboa, na crítica de uma peça estreada em casa de espectáculos da capital, fazia reparo ao tratamento infligido à língua portuguesa na dita peça.
Perguntar-se-à, apenas como apontamento ilustrativo, e sem se entrar no domínio da competência das academias, porque o snack-bar, a bouttique, o drugstor, de que já há dois em Lisboa, segundo reza a publicidade, ou o best-seller, o show ou a "transmissão em simultâneo"?
Porque não vão antes para os híbridos, que ao menos têm algo de português? Merece atenção louvável, em minha opinião, a nomenclatura generalizada dos actos desportivos, que já passou para o domínio da língua.
Estas coisas, e muitíssimas mais, "entram no ouvido de centenas de milhares de pessoas, dizia o Sr. Deputado José Manuel da Costa, muitas delas com tendência para
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o ordinário, como entram tantas outras coisas perniciosas e deseducativas estranhas à nossa índole, sensibilidade e necessidade culturais".
E entram por tal forma, acrescento, que o motivo do escândalo e da indignação de muitos passa em breve a ser admitido por todos, suporta ainda uma ou outra crítica dos menos benevolentes, mas a reacção vai também diminuindo, até desaparecer na rotina frenética da vida de hoje.
E o Mundo continua a girar ...
E a língua fica mais pobre!
E que dizer da escrita o da pronúncia de certos toponímicos e locativos estrangeiros?
E da pronúncia errada de toponímicos e locativos portugueses, que tanto irritam, pela contumácia com que é usada, os naturais dos meios atingidos?
E o uso das letras minúsculas nas palavras começadas por maiúsculas, conforme as regra ortográficas vigentes e, o respeito por muitas coisas sérias?
A Liga Portuguesa de Profilaxia Social anda envolvida desde há anos, e para seu prestígio, numa persistente campanha contra essa moda, importada do estrangeiro, ao sabor de certas correntes artísticas.
Argumenta-se que é um problema de estética, de liberdade artística, muito discutível, mas pouco discutida, porque julgo não originar muita discussão ... E que assim é, a campanha não encontrou muitos opositores, antes os de boa fé e não menor gosto se vão deixando vencer e convencer.
Apontarei apenas, numa infinidade de casas, que o Secretariado Nacional da Informação reconheceu expressamente a verdade da campanha e uma conhecida revista de cultura literária e cientifica, que um determinada altura passara a escrever o seu nome com minúsculas, contra as regra da ortografia, emendou a mão e regressou à grafia correcta.
Por seu lado, a Inspecção Provincial do Educação de Angola enviou há pouco mais de um ano uma circular aos reitores e aos professores recomendando-lhes a melhor atenção no sentido de se evitarem os casos de desrespeito pelas normas ortográficas, particularmente os de uso reprovável das letras minúsculas na grafia dos nomes próprios ou naqueles em que devem ser usadas as maiúsculas, impedindo até a circulação de livros e cadernos escolares em que se manifeste tal tendência, "visto não estar de acordo, diz, com o estabelecido oficialmente e com o respeito devido à língua nacional".
Bom exemplo nos dá mais uma vez essa portuguesíssima província, que bom seria viesse a ser seguido sem demora pelos organismos responsáveis pela educação em todo o território do País.
E bom será que assim se faça depressa, pois, direi com o Dr. Carlos de Soveral, que, quando Subsecretário de Estado da Educação Nacional, se pronunciou doutamente sobre o ajunto, a nivelação das maiúsculas com as minúsculas "... afirma não apenas a falta de um indispensável sentido de hierarquias, o desrespeito por outras palavras, de categorias mentais e morais que se situam no cerne de um arcaboiço social psicológico multissecular, como também ofensivamente, um consciente, propósito de anarquização das coisas o dos espíritos ...". E a invasão, que continua, apesar da voz que nesta Assembleia se ouviu com superior autoridade, dessa inqualificável miniliteratura infantil, esse caldo de subcultura que são as histórias de quadradinhos, publicadas em certas revistas nacionais e estrangeiras, e as divulgadas fotonovelas, meio de se gastar o tempo deseducativamente nos ... transportes colectivos.
E as traduções de obras literárias estrangeiras?
Permita-se que sobre este importante assunto do desaprender da língua portuguesa cite uma nota publicada há tempos no Diário de Notícias, sob o titulo de "A asneira tem limites"
Escreve-se na referida nota:
Traduz-se à letra, tão rigorosamente que em vez de dicionário o tradutor profere a semelhança fonética e acontece, com uma frequência de arrepiar, por exemplo, vermos pourtant traduzido por "portanto", em vez de "contudo", ou canne por "cana", quando se está mesmo a ver que é uma bengala que o sujeito leva na mão.
E Génèvê traduz-se Génova.
O pior - conclui - é que vemos subscrever algumas traduções nomes cuja responsabilidade como escritores, ou como críticos, devia impor-lhes um pouco de respeito pelos leitores.
Isto quer dizer, também, que a falta du respeito pelos ouvintes ou pelos leitores, em todos os domínios da deturpação da língua, não tem como autores apenas a massa ignara ou os semiletrados, mas os próprios que blasonam de letrados.
Como ensinar estes ignorantes? Eis outro problema ... As medidas de polícia são sempre difíceis de tomar e muito mais de executar, sobretudo nos tempos que correm, Recordo a existência de um diploma legal que proibiu, e digo proibiu e não proíbe, o uso de expressões em línguas estrangeiras nas designações públicas dos estabelecimentos comerciais e industriais. Pois bem, Lisboa, por exemplo, está a perder muitos dos aspectos característicos do cidade portuguesa pelo uso e o abuso do estrangeiro e do estrangeirado que invadiu, de dia e de noite, as frontarias dos prédios, transformando-a em irmã gémea de muitas outras urbes do Mundo. O diploma, que deu origem aos três pontinhos da palavra "bar", foi já revogado por desuso, se alguma vez, porventura, teve aplicação séria.
Creio, todavia, na necessidade de só intervir por meios indirectos na desordem que por aí vai e sujeitar à acção vigilante dos organismos licenciadores de exposições públicas de palavras, frases ou designações todo esse estendal de atentados ao vernáculo, impulsionado pelas chamadas técnicas da publicidade, uma nova forma de servidão deseducativa das almas.
Mas, sobretudo, há que educar, educar, educar na escola e fora da escola.
Educar na escola, ensinando bem a língua portuguesa, estimulando o gosto pelo seu uso correcto, mostrando as maravilhas que ela contém nas páginas imortais dos prosadores e dos poetas, fazendo sentir a beleza e a força das ideias, quando transmitidas com elegância e propriedade.
Educar constantemente, não se consentindo que ela se perverta ao sabor dos responsáveis pela sua transmissão e divulgação.
Fomentar, fomentar o uso da boa linguagem falada e escrita, por mercê, de um plano de. fomento desse bom uso, sem necessidade do investimentos estrangeiros, salvo os de ouro de lei.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: O I Simpósio Luso-Brasileiro sobre a Língua Portuguesa Contemporânea, reunido em Maio de 1967, em Coimbra, por iniciativa da Faculdade de Letras da sua Universidade, aprovou a proposta da criação de um organismo de carácter permanente, com funções de consulta e de fomento de medidas concretas relativas ao estudo, cultivo e difusão da língua.
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A ideia não é nova e o Simpósio chamou-a a si como anseio generoso e construtivo de encontrar o meio adequado a uma disciplina, mais consentida do que imposta, idónea e capaz de persuasivamente velar, orientando, pela pureza do idioma comum a portugueses e brasileiros.
Que a força de uma idoneidade se abra à compreensão, boa vontade e portuguesismo de quantos hajam de transmitir em actividade para o público a língua falada ou escrita; e a capacidade para os fiscalizar, sempre que o seu uso 6 comunicação pertença ao domínio do Estado ou de titulares de direitos exclusivos.
A ideia não é nova, insisto. Andou, por exemplo, nas colunas da revista Língua Portuguesa, mas pertence de direito e de justiça ao Sr. Deputado José Manuel da Costa, que ainda há dias no-lo recordava, por ocasião do seu notável discurso no aviso prévio sobre a difusão da língua em Moçambique.
E o que lhe dá maior significado: a ideia foi publicada no momento deveras singular da ratificação por esta Assembleia do diploma que aprovou o acordo luso-brasileiro para a unidade ortográfica, já lá vão mais de vinte anos.
Pois faremos bem em a retomar. Ratifiquemo-la no final deste aviso prédio e nos precisos termos em que ela foi posta nesta tribuna:
Que se crie, urgentemente, quando e como o Sr. Presidente do Conselho o tiver por possível e eficiente e sob a sua égide, directa inspiração e patrocínio, um organismo que superintenda com real autoridade e competência em todos os assuntos respeitantes à defesa e à expansão da língua portuguesa, por ser ela o bem maior da Nação e o fundamento primeiro da unidade e da continuidade de Portugal e da universalidade da sua cultura.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: Vou terminar. Essas belas palavras valem mais do que tudo que para trás pude dizer, e que teve apenas a pretensão de recordar um problema sobre o qual a Assembleia já se debruçou muitas vezes; mas falar dele, no magno problema da língua pátria, será sempre pouco - a língua, não nos cansemos de repetir, confunde-se com a pátria, condiciona porventura a sua existência. Ela nasceu com a própria nacionalidade, precedeu-a mesmo. Muito fez o invasor estrangeiro para destruir a nossa individualidade de nação, faltou aos compromissos tomados nas Cortes de 1958, as regalias prometidas foram-se perdendo pouco a pouco. Nunca, porém, foi capaz de atingir a língua, e foi ela então quem deu aos Portugueses a força para se libertarem do domínio intruso.
Direi mais apenas, com António Ferreira, este que nunca escreveu noutra língua que não fosse a língua portuguesa:
Floresça, fale, ouça-se e viva
a portuguesa língua, e já onde for
senhora vá de si, soberba e altiva!
Se até aqui esteve baixa e sem louvor
culpa e dos que a mal exercitaram,
esquecimento nosso o desamor!
E só peço perdão de a haver mal exercitado, mas foi para seu bem.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Henriques Mouta: - Sr. Presidente: Requeira a generalização do debate sobre o presente aviso prévio.
O Sr. Presidente: - Está deferido o requerimento e portanto, generalizado o debate. E dou desde já a palavra a V. Ex.ª
O Sr. Henriques Mouta: -Sr. Presidente: Será preciso justificar a. apresentação de um aviso prévio sobre a defesa da nossa língua? Tal justificação está feita, e muito bem, por quem da direito. Aliás, o problema da língua sempre foi momentoso. E não apenas delicado. Hoje, porém, mais que nunca. Basta pensar no estruturalismo. novidade recente, vinda de Moscovo, irradiando para Praga e destas duas cidades para a Europa e América. E pretende infiltrar-se mesmo na ... teologia.
Mais uma vez e cada vez mais, n, língua casada com as ideias e os problemas filológicos volvidos em ideológicos. Não se estranhará, por isso, que o estruturalismo seja considerado: nova versão do positivismo, filosofia do conceito, uma teoria do conhecimento, uma nora interpretação do Mundo, princípio de explicação universal do homem, nova leitura de Freud. Em si mesmo uma teoria. como "método" pretende ser uma análise, observação e indagação das estruturas, linguísticas primeiro e sociais depois . . . de uma transferência ou extensão, com refluxos na antropologia e noutros campos, nomeadamente no da filologia, pois de filologia se trata, radicalmente.
Filologia, mas sem considerar a palavra como estrutura, silábica, antes como sinal do pensamento e, sobretudo, como espelho do "ser" ou "não ser" do homem. Põe o homem em causa, não um propósito de promoção, mas de degradação e dissolução. Já se afirma que o homem passa e as estruturas permanecem ... que o mundo começou sem o homem e realizar-se-á sem ele ... Já se fala mesmo do homem desagradecido, como se falou da morte de Deus. A própria estrutura da palavra. Escaparia ao domínio do homem. A língua seria uma estrutura a observar, para averiguar e descrever estruturas sociais e, através delas, descobrir a motivação das relações humanas e surpreender as suas determinantes psicológicas no inconsciente. No político, o homem deixa de existir, porque cessa de ser indivíduo ou pessoa, para ser "conjunto", conjunto de relações que, somadas, dão apenas relação e colectivo.
Já se escreveu que o estruturalismo arrancou o marxismo do economismo. Parece-me, porém, que trazendo Marx pelo braço o larga no labirinto mecanicista do inconsciente e do ... materialismo, na companhia de Freud e de Hegel. Nestas emanações de Marx, Hegel e Freud, não trago para esta tribuna um tema literário ou filosófico, apenas documento actual e vivo do aproveitamento da língua para alcançar objectivos que ultrapassam as fronteiras científicas e artísticas. E será sob este ângulo, sobretudo, que entrarei no debate. E, a propósito, seja-me permitido dizer que, para mim, o debate não está, essencialmente e menos ainda exclusivamente, no colóquio, simpósio, mesa-redonda; não consiste em tiradas de retórica, ou logomaquias; não é torneio, nem justa, nem teia de apartes, graciosos ou chistosos. Estes poderão entrar no debate, como o sal nas comidas. Mas não deve ser com eles que se há-de alimentar a atenção desta Câmara. Ela não é sala de espectáculos, mas de formulação de sínteses ou juízos, que são críticas, e de sugestões ou aplausos. A urdidura de um debate é constituída pelos aspectos essenciais e complementares dos problemas propostos e submetidos a uma análise séria, independente e construtiva.
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Este é o meu parecer. E, por este caminho, tentarei seguir, na medida das minhas posses, ao ocupar-me do corpo e da alma da língua.
Sr. Presidente: Ao falar da língua portuguesa, faço-o com respeito, muito respeito, todo o respeito. Com o respeito devido à nossa mãe. Que a língua é mãe espiritual, mas verdadeira mãe. Por ela falada ou escrita, nos chega a vida... do espírito. Se ela se maltrata não fica apenas feia, desfigurara: perde a saúde e transmite-nos as doenças e as taras de que a fizeram portadora.
Desprezar a língua é desrespeitar a nação. Desfeitear a língua é como desacatar a bandeira do país. Porque é a sua bandeira mais alta, mais viva gloriosa e autêntica.
Melhor que os panos e as cores, que a pintura, escultura, arquitectura e a música, que todas as artes juntas a língua representa retrata e identifica um povo ou nação. A língua portuguesa é o painel, painel vivo da Nação Portuguesa terra e gente de aquém e de além-mar sensibilidade e mentalidade, paisagem física e humana situações e aspirações. Na sua fonética, morfologia e sintaxe na sua estrutura e no seu vocabulário, reflecte-se uma psicologia, uma cultura ou mensagem.
É miniatura ou síntese de várias civilizações. Cofre rico e de fundo clássico, onde se fez a integração, no perene núcleo greco-latino de elementos variadíssimos, do Oriente e do Ocidente, antigos e modernos, europeus e americanos, africanos e asiáticos. Todos em convergência de grande poder assimilativo e definidor de uma personalidade colectiva, de feição pluralista, multirracial e universalista. Painel vivo com a cor do sangue... Painel do temperamento e do carácter, da carne e do espírito, dos caminhos metas, tendências e aspirações dos povos lusíadas.
É mais que obra-prima de um génio é o génio vivo de uma comunidade. Como língua viva o português é sangue e alma dinamismo ou movimento, movimento enriquecedor. Que a bola de neve, rolando nos séculos cresça integrando mais neve mas sacudindo as lamas aderentes. Que o enriquecimento não redunde em pobreza, não corrompa, não mate ou degenere em monstro.
Sr. Presidente: Estou a pensar num livro que está nos escaparates da capital. Não tem página sem erros: históricos, ortográficos, fonéticos ou sintácticos. Veja-se esta beleza:
Nas últimas investigações confirmaram essa opinião.
Mas quem? Onde o sujeito? E repare-se nesta concordância:
Na Torre de Hércules vê-se estas gravações.
E ainda:
Na figura vê-se as abóbadas.
A supressão das vírgulas é fenómeno de todas as páginas, se não de todas as linhas. Um caso:
O homem leva nele o instinto de beleza de perfeição de supervivência e é então quando pinta.
Nem uma só vírgula em todo este período!
Não é só a greve das vírgulas. Aquele advérbio "então" é uma nota desafinada. O "super" da... "Supervivência" é hibridismo, denso de confusão. Pode sugerir "vivência" reforçada ou forma superior de vida... como a gasolina super é tipo especial de combustível, mas "sobrevivência", só com boa vontade, aos potes ou toneladas.
Os casos de abolição do verbo ou predicado são mais endémicos. Apenas algumas amostras. Seja a primeira o princípio do volume:
Aprofundarmo-nos na Arte e penetrar na história maravilhosa começando li, no homem primitivo.
Segunda:
Os seixos pintados até hoje escassos dado o clima húmido do Canfábrico.
Ainda outra, embora mais alentada, mas não menos típica:
Na Sé de Lisboa merece também especial menção o precioso presépio de autoria do célebre Machado de Castro século XVIII, como se vê pela data muito posterior e feito sobre base classicista, cria uma cena de nascimento do Senhor com dezenas de figurinhas plenas de movimento expressão e arte com uma cascata de anjos, são barroco excelente, assim, a Sé de Lisboa, templo austero construído numa época austera, é alegrado mais tarde por um sorriso gótico e pelas reparações depois dos tremores de terra.
São cerca de dez linhas, num só período, apenas com seis vírgulas e mal postas! E só mais uma amostra relativa aos arredores da capital:
É famosos o belíssimo castelo mouro de Sintra, edificado no cúspide do penedo e castelo de Óbidos!
Meu apenas o ponto de admiração pela confusão nascida da falta de um artigo e de uma vírgula... Já se não fala de vários erros com desactualizações históricas, como a vinda de S. Tiago à Espanha nem da promoção (ortográfica...) de Condeixa a "Condessa": "Condessa-a-nova". Ninguém duvidará de estarmos em presença de um espelho e de um documento de desordem e anarquia... fonéticos, morfológicas e sintácticas.
Aqui não se vê a língua portuguesa mas algo como articulações de crianças ou de paranóicos numa língua sem verbos. Com benevolência s poderá dizer que aquelas cem páginas são um telegrama larguíssimo, mais comprido que a légua da Póvoa, como se diz em algumas terras. Não é português, nem "brasileiro", nem espanhol, nem mesmo esperando. Parece antes babélico e troglodita. Pois este livro foi editado em Portugal! E estas falas soaram nas aulas de uma universidade se bem que não portuguesa.
Sr. Presidente: Sei que há pior que tudo isto. Pior que um gago é um povo intoxicado. Mais deprimente que uma nação primitiva é um país de tarados e de renegados. Mais perigoso que a embalagem é o elixir, conteúdo ou mensagem. Esta, de que falo, não prima pela exactidão, mas é sadia.
Nem sempre, infelizmente assim acontece. E não se pode estar desatento às drogas ou ingredientes do complexo. A língua é o aparelhos circulatório das ideias. E tanto pode levar a vida como a morte, sangue rico e puro como inçado de toxinas e povoado de vírus. Tanto pode ser veículo da verdade como da mentira, da ordem como da desordem da liberdade como da anarquia.
Da língua escrita se dirá, como Esopo, que é o melhor e o pior da praça... na culinária, como na ideologia.
Sr. Presidente: Acode-me, agora outro livro, também editado na língua-mãe, mas de tipo diferente do do primeiro. Nele não se registam pecados, pelo menos graves, contra a gramática, mas ofensas... e ofensas graves, à verdade, ao senso comum dos homens e às consciências dos portu-
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gueses. E no mesmo ano em que o escandaloso volume se exibia nos escaparates, aparecia um texto do mesmo autor nos pontos de exame de filosofia dos nossos liceus! Só não fosse coincidência mera, tínhamos de suspeitar de conspiração pedagógica, de pontos de exame a servir do reclamo de estupefacientes, de actividades de editoriais conjugadas com serviços públicos de muita responsabilidade, da presença do "homem invisível", que ninguém vê, nem mesmo a inspecção. Invisível e poderoso. Mais poderoso que os Ministros e directores-gerais, mais poderoso que a Assembleia Nacional.
Bem se tem clamado aqui, invocado constituição, leis, saúde e futuro da Nação. Gritar no deserto! Nos últimos anos, os pontos de exame mudaram do orientação, e não creio que fosse para melhor, mesmo sob o ponto de vista técnico. Mas, então, no pedagógico ... o progresso foi de caranguejo. Progrediram, isso sim, cortas tendência.-" e, talvez, certo ar pretensioso. Pelo que toca a tendências, nos pontos dos exames de Junho passado, apareceram mais acentuadas.
Sr. Presidente: Não me furtarei a concretizar alguns dos reparos, algumas das tendências, limitando-me, porém, ao ano passado. A uma primeira leitura, qualquer se dá couta, de recenderem a cepticismo, agnosticismo, fatalismo. pacifismo e materialismo. E utiliza-se não apenas a filosofia, também as línguas, para se insinuar moral cientifica ou negar a liberdade e consequente responsabilidade, coisa muito mais séria que o fundo sentimental ou romântico de um ou de outro texto. Os pontos de línguas são frequentemente demasiado abstractos e parecem mais virados para a filosofia do que para o domínio dos idiomas. A moral cristã foi substituída por fábulas ou pelo naturalismo, coisa muito diferente de moral natural, que não contradiz a cristã. Terá a moral cristã deixado de ser verdadeira, constitucional e a moral dos Portugueses?
Em filosofia, começam-se por insinuar, com autor da estranha, que a filosofia é mais para fazer perguntas que para dar respostas, sugestão discreta do cepticismo. Que valem perguntas sem respostas? Isto só serve para fazer perder o pé à juventude, o pé e o rumo. O ano passado apareceram a vender o seu peixe ...
Bertrand Russel e Kant, para falar só da primeira chamada da primeira época S. Tomás também aparece na composição do quadro, mas em plano secundário e na posição de vencido, não a provar, mas "querendo provar" ... a existência de Deus. No francês, exibe-se Alfred de Musset a fazer a sua sementeira sobre a terra, empapada do sangue das vítimas das guerras napoleónicas, e a falar de semideuses e de cadáveres. E o pensamento ou intenção pedagógica aparece reforçada na retroversão, a elaborar com texto de autor português, que diz:
Antes acabar debaixo das patas de um cavalo ou das esteiras de um tanque, berrando ... (nada menos que berrar ...): "Viva o Imperador!" ou "Viva a Pátria!", do que viver a discutir as contas da mercearia.
Em contrapartida, em língua c historia pátria, a dinâmica- da vontade para que se apela, é uma dinâmica naturalista ... do botão a querer ser flor e a flor fruto, e o menino a descobrir que a fraqueza é o medo e a ajuda dos outros. A dinâmica da acção e dos ideais das grandes figuras da Nação não surge, não se invoca. Que se pretende com tudo isto? E estará certo que os pontos de exame pareçam cartaz de publicidade, publicidade de autores estrangeiros e de orientação mais que duvidosa? Aonde nos conduzirá! estes caminhos ou descaminhos? Aqui não se descobre uma liberalizarão, mas uma planificação.
Sr. Presidente: Algo divaguei com esto escorço pedagógico. Peguei em cerejas e, presas a elas, vieram nêsperas. Também são fruta, embora mais ácida. Peço desculpa, mas estavam no mesmo cabaz. A falta procede da conjugação, porventura meramente ocasional, de um livro ímpio e desbragado, com actividades pedagógica. Regressemos ao livro, a mais alta e nobre expressão escrita da língua. O seu poder é simplesmente formidável. Pode, com efeito, atingir milhares e milhares até milhões, de leitores simultaneamente. E não apenas na época da sua publicação, mas dezenas e mesmo centenas de anos mais tarde. Amigo discreto e disponível, se é verdadeiro, vale por um tesouro. Mas nenhum autor é infalível e nem todos são bem intencionados. E quando o não são, o livro transforma-se numa emboscada ou num cavalo do Tróia. Respeito a sinceridade e admiro a coragem, mesmo para n mal. Porém, não são valores supremos. E, mesmo a primeira, não tem o direito de ferir, com facadas mortais, o bem comum e os cimeiros valores da vida.
Se a língua, aparelho circulatório da vida do espírito, se transforma em veículo do materialismo, está para breve a glorificação da tirania no templo do ateísmo. Só há que preparar-se para assistir à chegada triunfal do rebanho de Epicuro ou dos carneiros de Panurgo. Órgão de expressão e expansão de portugalidade. instrumento eficaz da formação humana dos Portugueses, a língua não suporta desafinações sem negar as raízes. E merece, merece e exige, toda a atenção c carinho na sua defesa. Defendê-la, no corpo e na alma, não é fácil tarefa. Mas é nobre, mais que nobre, essencial ... para defesa da própria Noção. Não apresento um esquema de estratégia. Peço estudo. Estudo e acção para resolver um problema, mais que estético, nacional.
Pelo que toca à estética, atrevo-me a sugerir a reposição do latim no curso geral dos liceus. Português sem latim é algo como vertebrado sem vértebras.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas não se trata de uma reposição qualquer, é de uma reposição a corresponder à matriz latina da língua e aos 80 por cento de termos latinos de raiz. do seu vocabulário: uma reposição válida, a sério, para ser eficaz. Talvez fosse o remédio mais poderoso contra os pontapés na gramática, vibrados não apenas com a nota comum dos alunos que não ultrapassam o curso geral e outros cursos secundários ou médios (e são a grande maioria), mas por vezes vibrados com o afilado nariz do sapato de verniz de não poucos diplomados.
Agora que se está a repensar as estruturas do ensino, a ideia parece do considerar.
A valorização da língua, porém, não se confina às reformas do ensino nem a um sector da população. A cooperar nela devem ser chamados todos os portugueses. Lembro, concretamente, as actividades industriais, comerciais e publicitárias. Porque há-de o inglês substituir o português nas etiquetas de produtos nacionais? Mesmo no mercado externo, a breve e facilmente inteligível expressão "fabrico português" seria, só por si, uma forma de publicidade.
E, a propósito, quando é que os comerciantes e empregados de balcão deixarão de considerar os produtos estrangeiros como "sinónimo" de excelentes produtos e os nacionais como "sinónimo" de inferiores, mesmo se bons e até superiores aos estranhos?
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Quando irá parar esta fábrica de complexos de inferioridade que atingem a nossa boa gente?
Passando do estético ao nacional, não parece construtivo nem legítimo consentir-se na livre circulação de textos negadores da Pátria da sua dignidade integridade e soberania, se não quisermos perder na retaguarda uma vitória ganha pela flor da nossa juventude nas fronteiras da Nação.
Mas não menos subversivos ou demolidores, os textos lançados no mercado a pretexto de literatura e até sem máscara literária, com o objectivo único e no de negar a Deus e o Espírito utilizando argumentos falaciosos ou sofismas que a gente simples não sabe descobrir ou reconhecer como não válidos, paradoxais ou incongruentes.
Este é um problema mais que grave, gravíssimo. E o mais estranho é que tais volumes ou volumetos, frequentemente simples traduções de artigos de estrangeiros, sem marcado valor artístico nem seriedade de pensamento, encontram sempre editoras mães suspeitas e sempre prontas a parturejar tais monstros e não lhes faltam escaparates ou berços para tais filhos ou enteados, às vezes até em livrarias católicas onde a luz da informação é eclipsada pela da publicidade.
Não sucede assim quando se apresentam autores portugueses sobretudo novos independentes e leais aos valores da vida com seus trabalhos ou estudos, válidos e clarificadores. Não raro são tratados como pedintes ou proletários, desprezíveis e efectivamente desprezados. E então uns fecham-se e, se não poisam a pena trabalham para o limbo mas não se rendem. Outros porém, perdem-se entregam-se inscrevendo-se no "livro de ouro" dos senhores fendais da letras portuguesas saudados com girândolas pelos confrades e compadres. É deplorável. É mais que grave, gravíssimo insisto. Tanto mais que já consta de poderosos meios acumulados fora das fronteiras e preparados para uma invasão económico-ideológica no sector da indústria e comércio livrescos e similares.
Sr. Presidente: Só mais uma nêspera também agarrada às cerejas...
Ainda há poucos meses já depois de vigorosa e prolongada campanha das Novidades e outros órgãos de imprensa contra a pornografia, podiam ver-se três crianças com a saca da escola primária a tiracolo observando comentando e rindo, perante imagens descaradas de revistas atrevidas e penduradas junto dos quiosques. Num destes, também recentemente um rapazola procurava debalde, nos mostruários a sua apetecida mercadoria. Abriu-se-lhe então, discretamente um álbum onde os olhos se lhe podiam pascer. São casos da nossa capital.
Sei muito bem que hoje não há crianças, todos nascem adultos e imunizados. Mas o homem de sempre não mudou, nem o direito natural. E, talvez por uma possível falsificação de vacinas, há muitas epidemias, indígenas e oriundas de outros continentes, não menos virulentas nem menos contagiosas que a gripe "asiática", e a de Hong-Kong. Além disso, em todos os tempos, os adultos, até por serem mais pesados, foram sempre mais sujeitos que as crianças às consequências dos acidentes. Por isso, não se podem esquecer nem minimizar as medidas profilácticas.
Hoje existe no mundo, à escala planetária, uma conspiração contra a verdade. Conspiração planificada, organizada, científica, subterrânea e de superfície, ora soturna e subtil, ora audaciosa e descarada e sempre subordinada à eficácia. As ideias merecem respeito, se sinceras. Alas a sinceridade não chega para conferir-lhes validade. Esta só lhes pode advir da verdade, concretamente da sua eficiência na promoção dos bens individuais e sociais, nos planos da cultura e da espiritualidade como no das coisas materiais.
Ideias falsas, por mais generosas que sejam, só poderão iludir, mas não servir o homem. E, mesmo falsas porém, não perdem toda a sua força, até porque todas se cobrem com o manto sedutor da...Terra das Promessas e todas se apresentam com alguma parcela de conteúdo positivo. São as ideias que conduzem o mundo. As ideias fazem a história e não os ventos da história as ideias como pretende certa cronolatria, tão irrealista como desumana. Depois de Deus, foi é e será sempre o homem, o homem livre quem faz a história.
Se o pensamento é a fonte da acção (e toda a acção procede do pensamento) claramente se verá a importância das ideias.
Podem mais que o ouro e as armas... E não é legítimo cruzar os braços e perder tempo com lamentações. Há que intervir, sem violências nem fanatismos, mas com firmeza esclarecendo e tomando posição. O que se observa pelo mundo, não acontece por acaso. E não é razoável esperar que outro acaso equilibre uma situação de crise.
Crise omnímoda e que só pode ser enfrentada detida e superada pela inteligência posta ao serviço da verdade. Só esta tem poder bastante para iluminar as nuvens da ignorância e a noite da mentira e confusão. Bem faz o Sr. Presidente do Conselho em iluminar periodicamente o País com a luz das suas falas. Mas todos, todos sem excepção, temos obrigação de colaborar no saneamento da atmosfera. Não é preciso que um livro advogue a causa do comunismo para ser perigoso. Karl Max utilizou Balzac como arado para lavrar a terra, onde semearia o comunismo. E os soviéticos de 1918 a 1961, fizeram duzentas e sessenta e cinco edições das obras dele em dezassete línguas.
Balzac não era comunista mas a sua moral era de manga larga. Para ele, não havia grandes escrúpulos, tudo estava mais ou menos certo. E foi, certamente, apreendendo esta realidade da relação da moral livre com o comunismo que Zola acentuou que A Comédia Humana "é a obra mais revolucionária que se pode ler".
Nem Karl Max nem Zola eram tontos ou míopes. E alguma coisa podemos aprender de ambos. E só não aprendem os que julgam saber tudo, porque a esses como observou Mons. Fulton Scheen, nem Deus os pode ensinar.
Ocorre perguntar porque se faz correr tanta tinta em papel português com prosa de estrangeiros e de alguns portugueses nossos irmãos para negar a existência de Deus a divindade e a existência histórica de Cristo, a existência do espírito e a imortalidade da alma? Que se pretende, que se busca que se prepara com empenho trabalho e capital dignos de mais nobre causa? Que está por detrás destas audácias ou destes "ímpetos", para usar uma palavra do primeiro discurso do Sr. Presidente do Conselho, ao prevenir o perigo de surtos "anárquicos"? Ele sabe, como poucos que a anarquia das acções começa na anarquia do pensamento.
Anota ainda o eminente estadista "que se vacilarmos" perante aqueles "ímpetos, corremos o risco de nos vermos cercados de ruínas sobre as quais só um feroz despotismo poderá vir a reconstruir depois".
E o Sr. Presidente do Conselho com exemplar lucidez, acrescenta:
Se queremos conservar a liberdade, temos de saber defende-la dos seus excessos porventura os mais perigosos dos inimigos que a ameaçam.
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E o Prof. Marcelo Caetano finaliza, com magistral equilíbrio e realismo:
O desejo sinceríssimo de um regime em que caibam todos os portugueses de boa vontade não pode, pois, ser confundido com cepticismo ideológico ou tibieza na decisão.
O Sr. Presidente do Conselho, que tão cuidadosamente ausculta os autênticos sentimentos do autêntico povo português, traduziu-os, com extraordinário poder de síntese e de exactidão, nestes tão breves como felizes traços:
. . . anseia, antes do tudo, por que se mantenha a independência nacional, a integridade do território, a ordem que permita o trabalho e facilite a aceleração do progresso material o moral.
E esta segurança nacional não poderia ser garantida sem um alicerce moral. Mas este alicerce seria demolido, se fosse consentido pôr em causa as realidades do espírito.
Portugal dispõe ainda de vastas reservas, na ordem moral, acumuladas em séculos. E o frasco, mesmo esvaziado do seu perfume, ainda rescende a ele. Mas ninguém acredita que indefinidamente ...
Sr. Presidente: Não posso pensar na língua sem pensar na juventude, e não posso pensar na juventude sem pensar na língua, como não posso pensar na Pátria sem pensar na língua, nem pensar na língua sem pensar na Pátria. A língua não pára, é espada que não enferruja. Mas estará a ser aproveitada para servir a Nação? E não estará a ser utilizada contra a Nação?
Não me detenho nos aspectos estéticos e formais (aliás muito importantes) da pureza, autenticidade e dignidade da linguagem: nos desregramentos ortográficos; nos atentados à lógica e à clareza: nos aleijões morfológicos; nas deformações sintácticas e nas deturpações fonéticas: "limitrofe", "autoctones", "unissono". "carácteres", "êxodo" . .. Sem falar nos "juniores", liberdade não poética mas fonética do desporto nacional, a marcar tónica uma sílaba anterior à antepenúltima.
Mais me preocupa o arrevesado do pensamento que o da frase, as ideias que os sons, os sentimentos que as palavras. Não deixarei, porém, de acentuar que os claudicantes não são apenas os alunos. Também professores e outros diplomados. Não poucos, destes e daqueles, pronunciam "periúdo" em vez de período o "exôdo" em lugar de êxodo. Com uns e outros afinam alguns emissores, ou os emissores com eles, pois ignoro quem merece a patente do invenção. E o mal vem de longe. Num dos seus discursos, disse o Presidente Salazar que tivera, diante dos olhos, uma folha inteira, de trinta e cinco linhas, escrita de um lado e do outro, por um universitário, e com a pontuação reduzida a um só ponto final, no termo da segunda página.
Mas nem por ser crónica, a doença pode deixar de ser combatida, porque não é incurável. E na planificação das medidas a tomar, nos objectivos como nos meios correspondentes, atenda-se a uma terapêutica específica. Mais profilaxia que terapêutica. Não seria de prestar maior atenção aos serviços de redacção e sobretudo de acentuação nos emissores de rádio? Um posto emissor, por insignificante que seja, é um professor com vastíssimo raio de acção, com tantos alunos que não caberiam em centenas de salas de aulas. Este auditório, na sua maioria, não sabe corrigir, sabe só seguir ... os lapsos de locução. Não se pede um técnico da língua para as estações de rádio, apenas maior atenção de alguns dos funcionários responsáveis.
Mais importante, porém, é não se olvidar a difusão da língua entre as comunidades portuguesas radicadas no estrangeiro. Sobretudo, não se descure a intensificação do ensino do português a todas as etnias da comunidade nacional. A língua irmana e comunica ideais. É um dos mais fortes elos de uma comunidade. Sem nada destruir, importa distribuir. Distribuir a todos, a todos os portugueses, um instrumento de entendimento e colaboração, de iluminação e de promoção social. Hastear, longe e ao largo ... e sempre alto, muito alto, o pendão da língua portuguesa. Não consitamos que se amarrote!, rasgue ou suje esta bandeira viva, que ondula nos quatro continentes e protege homens de todas as raças, símbolo da comunidade lusíada, pendão dos pioneiros do universalismo arauto de mensagem de humanidade.
Vozes: - Muito bom, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Ferreira da Cruz.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Hirondino da Paixão Fernandes.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jorge Barros Duarte.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Pais Ribeiro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Pacheco Jorge.
Álvaro Santa Rita Vaz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Fernando de Matos.
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DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 170 3064
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Gabriel Maurício Teixeira.
Henrique Veiga de Macedo.
Joaquim de Jesus Santos.
José Pinheiro da Silva.
José Rocha Calhorda.
José dos Santos Bessa.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
O REDACTOR - Januário Pinto.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA