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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 171

ANO DE 1969 1 DE FEVEREIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

IX LEGISLATURA

SESSÃO N.° 171, EM 31 DE JANEIRO

Presidente: Ex.mo Sr. José Soares da Fonseca

Secretários: Ex.mos Srs. Fernando Cid de Oliveira Proença.

João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.

Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 155, inserindo o texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção referente ao decreto da Assembleia Nacional sobre a autorização das receitas e despesas para 1969.

SUMÁRIO: - O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta dos expediente.

O Sr. Presidente informou estar na Mesa, para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Diário do Governo n.º 25, inserindo o Decreto-Lei n.º 18 853.

O Sr. Presidente declarou que, tendo o Sr. Deputado António Furtado dos Santos tomado hoje posse do cargo de procurador-geral da República, perdera o seu mandato.

O Sr. Deputado Nunes Barata enviou um requerimento à Mesa; o Sr. Deputado Moreira Longo referiu-se às ofertas pela África do Sul e Fundação Gulbenkian de aviões-ambulâncias a utilizar pela Força Aérea Voluntária em Moçambique; o Sr. Deputado José Alberto de Carvalho chamou a atenção do governo para a situação dos professores de Educação Física; O Sr. Deputado Augusto Simões falou acerca da situação quanto a vencimentos de funcionários públicos e dos corpos administrativos.

Ordem do dia. - Continuação do debate acerca do aviso prévio sobre a defesa da língua portuguesa.

Usaram da palavra os Srs. Deputados Leonardo Coimbra e pinto de Meneses.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 Horas e 15 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
André Francisco Navarro.
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco José Cortes Simões.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Horácio Brás da Silva.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.

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José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Rocha Calhorda.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Tarujo de Almeida.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Sebastião Alves.
Sebastião Garcia Ramirez.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 58 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Da administração da Companhia Portuguesa de Trefilaria, a respeito da última proposta de lei sobre pautas aduaneiras.

Numerosos, de aplauso à intervenção do Sr. Deputado Braz Regueiro.

Apoiando o debate sobre a defesa da integridade da língua.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, para efeito do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituirão, o Diário do Governo n.º 25, de ontem, que insere o Decreto-Lei n.º 48 853, que dá nova redacção a várias disposições do Código das Custas Judiciais, promulgado pelo Decreto-Lei n.º 44 329, e determina que as percentagens de. remuneração global, líquida da contribuição industrial, a que aludem os artigos 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 44 330, sejam calculadas em cada mês, e o excesso que se apurar fique retido até que se atinja o máximo anual fixado nas mesmas disposições.

Tendo tomado posse, do cargo de procurador-geral da República o Sr. Deputado António Furtado dos Santos, declarei a perda do seu mandato a partir desta data.

Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Nunes Barata.

O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

Ao abrigo do Regimento requeiro que me sejam fornecidos os seguintes elementos relacionados com a instalação e exploração da televisão nas províncias ultramarinas de Angola e de Moçambique:

a) Cópia dos estudos realizados pêlos, serviços públicos sobre a viabilidade económica da televisão;

b) Cópia dos estudos realizados pelos serviços públicos sobre a viabilidade da televisão como elemento de promoção sócio-cultural das populações nativas;

c) Cópia das propostas apresentadas ao Governo pelas entidades privadas sobre a exploração da televisão:

d) Cópia dos estudos realizados quanto a possibilidade de exploração da televisão por empresas públicas ou sociedades de economia mista;

e) Cópia dos despachos orientadores do Ministro do Ultramar ou dos governadores-gerais de Angola e de Moçambique, exarados nos requerimentos ou nos estudos referidos nas alíneas anteriores;

f) Cópia de outros elementos que, no entender do Governo, me habilitem a formular um juízo sobre a situação e problemas da instalação da televisão em Angola e Moçambique.

O Sr. Moreira Longo: - Sr. Presidente: A imprensa e a rádio da nossa metrópole não tem omitido o auxílio, de carácter não militar, que a população da vizinha África do Sul vem prestando aos nossos bravos soldados que lutam no ultramar, no sentido de minorar-lhes, as agruras e sofrimentos que a defesa contra o terrorismo comunista em terras da África- portuguesa lhes vem criando.

Os jornais do dia 27 dão-nos a notícia da entrega a Moçambique, pela África do Sul, de mais dois aviões-ambulâncias e uma ambulância automóvel, unidades destinadas a socorrer as vitimas do terrorismo no Norte de Moçambique, civis e militares, que ali defendem heroicamente a integridade nacional e se opõem tenazmente contra as pretensões dos inimigos da civilização ocidental.

É oportuno referir aqui que também a Fundação Gulbenkian, à qual o nosso país muito deve, à sua larga e digna generosidade, bem patente em todos os sectores da vida nacional, teve a gentileza de oferecer à nossa província de Moçambique um avião-ambulância, que tão altos serviços vai prestar no Norte daquela província.

Não podíamos, por tão elevado acto do benemerência, deixar de trazer aqui uma palavra de sentido agradecimento à Fundação Gulbenkian, por mais este gesto que a província lhe deve, dirigindo os nossos agradecimentos ao seu ilustre presidente, Dr. Azeredo Perdigão, homem digno e de sentimentos sãos, que tivemos o prazer de conhecer pessoalmente no Norte do Moçambique, quando então já densas nuvens pairavam sobre aquelas regiões.

Todas essas unidades vão ser tripuladas pela Força Aérea Voluntária, comummente conhecida pela F. A. V., obra de grande, valor a que grupos de rapazes intrépidos, corajosos e, destemidos, vêm dando vida activa, submetendo-se aos mais arriscados perigos onde quer que o seu auxílio

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seja necessário, socorrendo os feridos, civis e militares, e transportando-os, quantas vezes em circunstâncias dificílimas, para centros de maiores recursos médicos.

Estes actos de verdadeira abnegação que uma guerra de subversão e o meio difícil impõem a esse punhado de homens heróicos e destemidos, quer em Angola, quer em Moçambique, desde o início das hostilidades, não têm outro significado que não seja o brilho da luz clara de uma solidariedade verdadeiramente comunitária e sã comparticipação na defesa de quanto nos pertence e de quanto nos é sagrado.

Passando quase despercebido este heróico exemplo, caracterizado pela modéstia dessem grupos de valiosos homens componentes da F. A. V., ele é, indubitavelmente, digno da nossa grande admiração, pelos relevantes serviços prestados à Pátria, tão injustamente ignorados por quem de direito!

E por conhecer de perto o valor da sua acção, a generosidade e o brio com que a vêm cumprindo, quero deixar aqui uma palavra justa que traduz os nossos sentimentos de gratidão e a homenagem de quantos vivem e trabalham naquelas terras por um Portugal maior.

Sr. Presidente: Num gesto impar e da maior solidariedade que jamais olvidaremos, os nossos amigos sul-africanos têm colaborado activa e interessadamente nesta obra digna intitulada "Fundo de Amparo Moral dos Soldados Portugueses", lançada pela Sr.ª Aida Parker e a cuja iniciativa toda a população da África do Sul aderiu, dando o seu maior contributo.

Não quis o elemento estudantil, esse mundo de gente moça, cruzar os braços comodamente perante uma obra de tão grande objectividade, movida no seu país, por estar já conscientemente desperta para a sã realidade dos perigos que nos cercam, e assim tem colaborado activamente nessa obra em favor do amparo moral do soldado português, que no Norte de Moçambique se vem opondo tenazmente contra a guerra de subversão que elementos do exterior nos têm movido.

Remetendo dádivas de elevado valor para o Movimento Nacional Feminino, organismo dos mais, nobres que merece as homenagens do povo português pela dedicação e carinho dispensados aos nossos soldados, cujas vidas se acham expostas a duras privações, que o isolamento torna ainda mais difíceis de suportar, a população sul-africana, como penhor de amizade, não descura a angariação de fundos e ofertas várias para essa nossa mocidade que vem lutando pela defesa da nossa integridade e pela preservação dos valores ocidentais, largamente ameaçados em terras de África.

Cônscio do valor da presença de Portugal em África, como um marco imorredouro de uma civilização de séculos que não cede lugar, o povo sul-africano manifesta, nesta sua atitude, a valorização do esforço que o soldado português vem dando contra um inimigo a quem uma política enganadora de chefes comandados sob o signo comunista vem iludindo e embriagando com magias que jamais poderiam alcançar a realidade, por carência de propósitos honestos.

E é lícito aceitar, pelo que temos observado ao longo de alguns anos em toda a África independente, que a política portuguesa, realista, clara e de firmes e sãs convicções, é a única que serve à promoção social, económica, e ao bem-estar das gentes africanas!

Seria ilusório pensarmos que o auxílio prestado por algumas nações responsáveis pela paz do mundo aos novos Estados africanos tenha o timbre da honestidade e da valorização das massas negras.

Tal auxílio, todos o sabemos, mas é preciso que se diga, porque quanto mais se diz mais se afirma, é prestado com interesses confessos.

Algumas nações ocidentais anticomunistas vêm prestando tal auxílio na mira exclusiva do predomínio comercial, esquecendo-se, porém, de que tal auxílio tem as suas incidências benéficas no próprio movimento comunista, que está na base de toda a guerra subversiva e pretende atingir o Ocidente através do ponto mais vulnerável, que é sem dúvida, a África.

E é oportuno dizer, a propósito, que o panorama africano se apresenta já com cores tão claras e nítidas que a ninguém oferece dúvidas.

Haja em vista a presença de navios de guerra soviéticos no Mediterrâneo, que através do canal de Suez, se deslocam impassíveis para o Índico, onde as esperam as maiores facilidades e ancoradouros à medida da sua envergadura!

A presença desses mesmos navios em Zanzibar e Dar-es-Salaam, descarregando material bélico destinado aos terroristas de toda a África austral, dá à subversão africana o seu perfeito cunho, emprestando-lhe a sua inegável origem!

E contra o avanço comunista em África há apenas uma nação que se vem batendo, com todas as suas forças, para benefício das Africanos e protecção da civilização ocidental: Portugal!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Portugal, só, sem a compreensão de outras nações ocidentais responsáveis, constitui um verdadeiro baluarte em África, contando apenas com o apoio moral de dois países vizinhos: a África do Sul e o Malawi!

Estranha coincidência esta a de um país de governo branco e outro de governo negro comungarem nas mesmas ideias quanto à problemática africana portuguesa!

Isso nos conforta e nos concede razão válida, ao mesmo tempo que cimenta a posição de Portugal em África.

Sr. Presidente: Moçambique devia uma palavra de agradecimento ao povo da África do Sul, e é essa palavra quo eu aqui trago, na certeza de interpretar o sentir unânime de toda a população daquela província.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Que Deus nos ajude a todos e que os homens de boa vontade se aproximem da verdade, para que através dela iluminem o caminho da paz e da felicidade dos povos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. José Alberto de Carvalho: - Sr. Presidente.: É por de mais sabido que quando se procede a reformas parcelaras, dentro do mesmo serviço, o facto dá motivo a incongruências que se reflectem nos direitos e nos interesses das pessoas inerentes a esses serviços. Há, no entanto, muitas vezes, motivos que justificam procedimentos dessa natureza, e os factos a que aludo são então inevitáveis. É o que se vem verificando com o Ministério da Educação Nacional, onde uma reforma total e sincronizada não tem sido possível realizar pela grandeza e as implicações económicas do problema, mas onde a situação criada pela expansão escolar, a deserção de pessoal dos quadros docentes e a desactualização dos vencimentos em relação ao nível de vida corrente justificaram ar-

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ranjos que se exprimiram pela publicação das recentes medidas, que procuraram nivelar o desequilíbrio provocado pela publicação do Estatuto do Ciclo Preparatório do Ensino Secundário.

Para além das considerações já aqui proferidas pelos ilustres Deputados Drs. Peres Claro, Júlio Neves e Vaz Pires, eu quero hoje ocupar-me da situação de uma classe que me parece digna de toda a consideração e atenção do Sr. Ministro da Educação Nacional, pessoa aliás receptiva a todos os problemas humanamente justos. Refiro-me à classe dos instrutores de educação física.

O curso de instrutores de educação física foi criado para dar solução ao problema que pendia sobre as estruturas do ensino pela falta de professores devidamente habilitados pelo I. N. E. F., o que vinha tornando inoperante o desejo de lançar e cumprir um programa de desenvolvimento físico, cada vez mais reconhecido como indispensável à formação de uma juventude sadia de corpo e alma, na medida em que a educação física é, para alem do seu valor específico, uma escola de disciplina e de sacrifício, baseada na convivência e em respeito mutuo, com marcada projecção no sentido dos mais puros valores morais.

Os instrutores formados pelas escolas regionais de educação física, nome atribuído aos estabelecimentos: de ensino então criados, recrutados entre os professores de ensino primário e outras pessoas com a idoneidade e a habilitação julgadas indispensáveis, tiveram de se sujeitar a um rigoroso exame de admissão e à frequência de dois anus de aulas teóricas e práticas, estando neste momento a dar sua conta da sua acção em diversas escolas de ciclo, liceus e escolas técnicas, onde assumem funções de docência dentro da sua especialidade, sem qualquer distinção ou diferenciação em relação ao comum dos professores. É uma categoria nova, com habilitação específica necessária, tal como o entendeu a Direcção-Geral dos Desportos ao estabelecer os programas e o regime de habilitação, que procura cumprir com zelo e interesse e tem desejo de se valorizar.

No entanto, o que sucede com esses funcionários, em relação a vencimentos, é simplesmente inacreditável.

Esquecidos no texto do Estatuto do Ciclo Preparatório, foram-no também pela recente legislação que beneficiou o ensino primário, liceal e técnico, o que veio aumentar ainda mais a injustiça de que tinham sido vítimas aquando da sua classificação orçamental. Assim, um instrutor de educação física que se tenha efectivado em qualquer escola técnica recebe o vencimento mensal de 2 200$, enquanto que, se não for efectivo e exercer numa escola de ciclo, receberá o vencimento de 4 000$. De igual modo, se exercer como provisório num liceu ou numa escola técnica, o seu vencimento será de 3 400$, podendo em muitos casos assumir a direcção das actividades circum-escolares, como acontece com frequência em muitas escolas, onde, a falta de professores diplomados pelo I. N. E. F. é evidente.

O Sr. Dias das Neves: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Dias das Neves: - Tenho ouvido com a maior atenção as judiciosas considerações que V. Ex.ª tem estado a proferir, e com as quais estou inteiramente de acordo.

Se me permite, posso acrescentar mais uma anomalia, que acentua ainda mais a injusta situação dos instrutores de educação física e que é a seguinte: há indivíduos que não têm sequer a habilitação especifica de instrutores e que são nomeados professores eventuais com vencimento de 3 400$. enquanto que os instrutores recebem 2 200$.

A cobertura gimnodesportiva do País tem de ser feita e deve ser feita, mas com pessoal habilitado, e este tem de ser devidamente remunerado.

O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª a valiosa achega que veio trazer a esta intervenção. Dada a situação que ocupa nos quadros du Ministério, mais valiosa ela se considera, e por isso a tenho como elemento fundamental.

O que é estranho é que se vede a passagem para provisório aos professores efectivos, obrigando-se desta maneira a que assistam diariamente a consumação de uma injustiça gritante, perante o exercício na mesma escola e pela mesma categoria de professores pago de maneira diferente.

Para além deste facto. os instrutores de educação física, oriundos da classe do professorado primário, viram-se prejudicados com as, alterações a que aludi, pois que, se tivessem permanecido nos seus quadros, ver-se-iam agora classificados em nova posição dentro da escala do funcionalismo, com o aumento de vencimento consequente, e de que não puderam beneficiar devido a terem acreditado numa promessa formulada pelas pessoas responsáveis, sublinhada com o aceno de um melhor vencimento. E outra situação incongruente, se atentarmos um que a estes professores foi exigida uma nova especialização significada por dois anos de preparação, para virem a ganhar menor vencimento do que aquele que auferiam antes de a obter. Será isto lógico?

Esta situação, porque não é justa, não pude manter-se, e tudo leva a acreditar que esteja a ser considerada devidamente pelo Ministério da Educação Nacional, no sentido de uma revisão. Foi acreditando nessa revisão que me fiz portador das aspirações da classe, as quais se situam num quadro legítimo de promoção e actualização, pelo que lembro a necessidade de serem ouvidos devidamente e a tempo os seus representantes.

Não se pretende de forma alguma prejudicar os direitos que consigna um curso de diferente grau, mas pretende-se que, numa distribuição razoável de competências, não seja tão desnivelada a diferença de vencimentos e que os que possuem uma preparação dada por uma escola oficial e recentemente criada poisam exercer livremente e em competência normal de capacidades uma função para que estão suficientemente preparados.

Pretende-se ainda que aos instrutores de educação física seja permitido o acesso à classe do professorado, proporcionando-se aos habilitados com o 7.º ano dos liceus e tendo pelo menos, três anos de serviço oficial a matrícula, sem exame de admissão, no 1.º ano do I. N. E. F.

São, Sr. Presidente, pretensões pertinentes que deixo à consideração dos Srs. Ministro da Educação Nacional e Subsecretário de Estado da Juventude e Desportos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Pedi a palavra para evidenciar alguns problemas relacionados com a situação difícil da vasta classe do funcionalismo à qual não foi concedida ultimamente melhoria de remuneração.

E faço-o, Sr. Presidente, não apenas para dar satisfação a instantes e dramáticos apelos que me têm sido dirigidos, mas, principalmente, por me parecer de muito verdadeiro cabimento trazer a esta Câmara a impressionante situação dos serventuários da função pública que se debatem com

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as amarguras de uma vicia que está a ser vivida em permanente estado de necessidade.

Quando se anunciou o advento da Reforma Administrativa e se reconheceu, sem subterfúgios, que havia muitos caminhos a endireitar para banir desigualdades afrontosas entre os trabalhadores portugueses que centraram as suas vidas nas ocupações do sector privado e nas exigências do sector público, logo se tornou claro que, pelo império de circunstâncias variadíssimas, se criara uma discriminação económico-social, com as mais abomináveis consequências.

Vem de longe essa dura situação!

É que bem se prometera nas sucessivas propostas das leis de meios - diplomas sempre esperados com compreensível ansiedade - que a situação do funcionalismo haveria de ser devidamente considerada nesse mesmo ano, para se editarem medidas conducentes ao seu melhoramento no quadro geral do procurado equilíbrio para a vida dos Portugueses.

Sossegaram-se passageiramente alguns unimos mais torturados pelas repetidas carências de um acanhado viver, com essa expectativa de dias melhoras, que era tanto mais de aceitar e de acreditar quando se sabia que para muitos já havia chegado o limite possível de restrições e de sacrifícios.

Mas, ano após ano, a promessa ficou por cumprir e, como se não atacou a doença com o remédio heróico, cedo passou a acção entorpecente da prometida solução, e os males agravaram-se ...

Prometeu-se, depois a Reforma Administrativa e anunciou-se que se começaria imediatamente a estudar o conjunto de medidas destinadas a obviar aos inconvenientes que afligiam a vida du funcionário e do seu agregado familiar e concedeu-se um subsidiei para minorar as incidências do aumento du custo de vida.

Mas, entretanto, esse custo elevou-se extraordinariamente.

Então, a generalidade do funcionalismo, e designadamente aqueles que vencem os magros quantitativos estatuídos nas últimas letras do abecedário das remunerações, passaram a sofrer renovados sacrifícios e a fazer as mais desesperadas emitas e combinações para se manterem e mais ao seu agregado familiar.

Para o conseguirem houve que lançar mão dos recursos provenientes do outras ocupações c trabalhos, ganhos fora das missões específicas.

O rendimento e a utilidade destas diminuiu, porém, muito sensivelmente.
Por outro lado, o grande desenvolvimento das actividades do sector privado e as grandes obrigações atribuídas pelo fisco aos contribuintes chamaram às ocupações deste sector um volumoso numera de serventuários, aos quais desde logo foram oferecidas condições de trabalho e de remuneração substancialmente melhores do que aquelas que se mantinham teimosamente no sector dos serviços públicos.

Esse fenómeno deu lugar a um pronunciado êxodo de servidores de um para o outro sector, em todos os serviços e em todas as suas hierarquias, e causou um verdadeiro estado de alarme ...

Tentando esconjurar essa debandada ou, pelo menos, atenuá-la, cada Ministério e cada serviço tem lançado mão de fórmulas ou expedientes específicos, mais ou menos heterodoxos, mas seguramente eficazes. Todavia, o êxodo continua ainda em volume, muito significativo.

E que a vida continua a evoluir e os índices do seu custo aumentam sucessivamente.

Desta sorte, os que menos recebem voltaram aos sofrimentos anteriores.

Más agora os males estão mais agravados, porque a discriminação social e económica, que apenas existia em relação aos dois sectores, passou também a verificar-se no sector público, onde tem produzido as mais nefastas consequências.

Na verdade, se há serviços que concedem ao seu funcionalismo horas extraordinárias, gratificações suplementares e até categorias correspondentes a outras letras, etc., numa justíssima, e bem compreensível tentativa de remediarem situações da mais arreliadora dificuldade, outros departamentos permanecem no clima das anteriores remunerações, inteiramente indiferentes às evoluções do custo de vida e às necessidades inadiáveis daqueles, que os servem.

Criaram-se, desta sorte, discriminações injustíssimas, colocando-se em situações da mais chocante desigualdade pessoas e famílias da mesma, categoria profissional e social, o que representa uma indesmentível subversão dos mais básicos mandamentos da justiça social.

Mas o mais chocante de todo este panorama de profunda diferenciação é que no sector privado os vencimentos e salários resultam, as mais das vezes, de contratos colectivos ou de convenções bilaterais, no geral impostas pela hierarquia do Ministério das Corporações e Previdência Social.

Assim sendo, nota-se desde logo que este Ministério avalia de forma desigual o valor do trabalho dos portugueses, e mais pronunciadamente quando não permite que uns trabalhem além dos horários rígidos, enquanto se desinteressa do esforço que ao funcionalismo do sector público é efectivamente exigido ...

O confronto das delatadas desigualdades ou discriminações assume, contudo, uma expressão ainda mais inquietante quando se considera a situação do funcionalismo dos corpos administrativos e daqueles que vencem por cofres ou fundos especiais, em confronto com es que têm vencimentos pagos por força do Orçamento Geral do Estado.

Para estes últimos tem havido uma compreensão que se não verifica para com qualquer dos outros.

É o que se demonstra no seguinte exemplo, que não c certamente único. Num concelho rural de 2.ª ordem, ao chefe da respectiva repartição de finanças, que tem a categoria de segundo-oficial, é atribuído o vencimento correspondente à letra L, de 3 600$, uma gratificação de chefia de 1 000$, o subsídio eventual de custo de vida de 720$ e emolumentos mensais de cerca de 660$ e ainda a verba de 700$ de horas extraordinárias, formando um vencimento do 6 680$: todavia, ao chefe da secretaria da câmara municipal do mesmo concelho, cujo lugar corresponde à mesma, categoria de segundo-oficial, só é atribuído o vencimento da letra N, do 2 000$, a gratificação de chefia de 900$ e o correspondente subsídio eventual de 580$, que, com cerca de 360$ de emolumentos mensais - em média muito lisonjeira -, completam um vencimento ilíquido de 4 740$!

Assim, a diferença de vencimentos entre estes dois funcionários da mesma categoria e com missões idênticas orça pelos 1940$ ...

As coisas passam-se no mesmo clima em relação aos aspirantes e escriturários dos dois diferentes quadros. Na verdade, no Ministério das Finanças tais funcionários percebem, respectivamente, o ordenado mensal de 2 865$ e 2 420$, enquanto ao serviço dos corpos administrativos não vão além de 2 135$ e 1 830$ o que representa uma diferenciação de 730$ e 590$ por mês.

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Temos de convir em que estas situações silo extremamente chocantes ...

E o mesmo se pode dizer em relação ao funcionalismo das varias direcções-gerais do Ministério da Justiça, hoje colocado em situação da mais impressionante desigualdade com os restantes servidores, do sector público, sem qualquer razão que possa justificar a grave diferença.

E já nem quero considerar os vencimentos dos magistrados judiciais e dos delegados do procurador da República, também tocados de aflitiva desproporção quando equacionados com as graves responsabilidades e as muitas e muito especiais exigências das respectivas funções.

E o mesmo se deve ainda referir dos serventuários de alguns tribunais especiais, como por exemplo, do Tribunal Colectivo dos Géneros Alimentícios, que, não obstante produzirem rendimentos espectaculares, no entanto, tem a sua situação estagnada há variadíssimos anos, com vencimentos que não podem deixar de ser considerados como verdadeiras anomalias.

Ora eu sei. Sr. Presidente, que na actual emergência se toma extremamente difícil conceder e garantir a todo o funcionalismo do Estado e dos corpos administrativos os vencimentos compatíveis com o mínimo indispensável às sempre crescentes exigências da vida hodierna.

Eu sei. Sr. Presidente, que estamos a sofrer as graves e drásticas influências e implicações de gastos extraordinários para garantirmos a integridade dos nossos territórios, defendendo lindamente e palmo a palmo a terra que os nossos maiores sagraram como solo bendito de Portugal, tantas vezes regado com o sangue generoso de mártires e de heróis.

Eu sei, e todos sabemos, e todos aplaudimos sem refervas, o empenho, de fazer progredir todo esse solo para que o recebam nobremente engrandecido as gerações do porvir, desenvolvendo os grandes planos de fomento.

E sei também, Sr. Presidente, que não é possível contrariar o condicionalismo económico-financeiro das nossas conjunturas.

São verdades irrecusáveis que nenhuma dialéctica consegue dissipar.

Mas também sei. Sr. Presidente, que na gama de sacrifícios que nos são impostos
na hora presente a todos os portugueses deve tocar o seu quinhão.

Igualados na lei fundamental no que concerne às obrigações, também aos Portugueses ali se consignam direitos iguais no tocante à própria personalidade.

É certo que, em demonstração inequívoca de boa vontade e de compreensão, o Governo já melhorou, na medida do possível, a situação de algumas classes do seu funcionalismo.

Por sua vez, alguns municípios também o fizeram, como forma de assegurarem a continuidade dos seus serviços.

Mas ainda não foram todos contemplados, e todos têm, como referi, iguais direitos a tal melhoramento.

No estado actual das duras condições em que a vida se vai processando, já se não torna possível à maior parte dos funcionários de que o Estado e os municípios carecem para o desempenho das missões essenciais servir com zelo, dedicação e rendimento apropriados.

Dominados pela preocupação constante de acumuladas dificuldades a pesarem inexoravelmente sobre o teor de vida dos seus agregados familiares, os funcionários dos mais restritos proventos perdem gradativamente discernimento e eficiência e, sobretudo, o estimulo indispensável.

Mas o Estado, que é a maior c a nossa mais importante empresa, dado que pertence a todos nós, carece de ser bem servido, para que se não entorpeçam as suas grandes e importantíssimas missões.

Não pode, por isso, desvalorizar ou deixar que por si mesmos se desvalorizem os seus imprescindíveis servidores.

Há, então, que acautelar o permanente funcionamento de toda a máquina administrativa em normais condições do plena eficiência, e não compôs emperramentos provindos de funcionalismo inoperante.

Para tanto, custe embora maiores sacrifícios à grei, tem de garantir-se a quem serve a possibilidade, de servir bem e com pleno rendimento. O Governo anunciou que prosseguem em ritmo conveniente os trabalhos para a publicação da Reforma Administrativa, de que muito se espera.

Sabendo-se que há, efectivamente, muitíssimo que reformar e ajustar para se obter o equilíbrio que forma o principal objectivo da mesma. Reforma, calcula-se que muito tempo terá ainda de decorrer antes que os sons normativos passem a comandar.

Mas, entretanto, a vida não pode parar e há que acautelar devidamente o futuro.

Para tanto, urge considerar as tremendas discrepâncias oriundas da afrontosa discriminação sócio-económica, que me apressei a tentar caracterizar, e dar-lhes os apropriados remédios.

Mais do que os interesses e direitos do funcionalismo, é o próprio interesse geral e n sim projecção no futuro que exigem a aplicação imediata da terapêutica adequada.

Certamente que o Governo não deixará de encarar os problemas postos com vontade firme e decidida de lhes dar as prontas soluções quo esses problemas tanto exigem.

Esse, o meu voto e o meu pedido.

Disse.
Vozes: - Muito bom, muito liem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre a defesa da língua portuguesa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Leonardo Coimbra.

O Sr. Leonardo Coimbra: - No momento em que as civilizações e a história são sacudidas por um terrível maremoto que faz estremecer o Mundo até aos alicerces, na preparação de novas formas c estruturas sociais, o quando a humanidade se inclina inquieta sobre o seu destino incerto, pode parecer inoportuno e frágil um tema como o do valor da linguagem e a salvaguarda da sua pureza e integridade.

E, no entanto, o que edifica as civilizações é a força do espírito, porque na origem da acção e dos acontecimentos históricos sempre se encontra o pensamento criador. E a palavra, é um intermediário entre o pensamento e a acção e o veículo do pensamento a da experiência acumulada e vivida ao longo das gerações e dos séculos. A linguagem é a alma e o centro viva das civilizações e culturas, que serão tanto mais punjantes quanto mais denso e rico for o conteúdo da língua que as vivifica.

A palavra constitui o instrumento de que se serve o pensamento criador e será fecunda na medida em que

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exprima a integridade do pensamento de que brota como a torrente da fonte cavada na montanha. O pensamento não é inteiramente exprimível pela linguagem, o que exige um permanente esforço de aperfeiçoamento da palavra para a tornar mais dócil e rica. Ela tende a degradar-se, a que requer um continuado esforço de superação e crescimento.

A grande e primeira dignidade do homem reside no misterioso poder do pensamento. Como ser corporal é uma poeira perdida na torrente do tempo e na vastidão do espaço. Alas como ser pensante é capaz do sondar os mistérios do destino e as profundidades abismais do Universo. E é pelo pensamento e pela palavra que o homem poderá realizar a suprema finalidade do seu destino no acordo e no encontro com Deus.

Para os Gregos, o pôr o nome às coisas é dar-lhes a existência.

O Génesis diz-nos que Deus fez o Universo pela palavra, e o Evangelho de S. João revela-nos o Verbo de Deus como sendo a Fonte primeira e o Fim último o transfigurador de todas as realidades criadas.

Também o nosso pensamento, no sentido mais amplo, ou seja o nosso estado mental, as nossas ideias, nossas emoções e sentimentos. percepções e imagens, se comunica e transmite pela linguagem que necessita do ser adequada, límpida e pura para ser fecunda e eficaz.

Basta pensar na misteriosa acção exercida sobre as multidões pelos grandes oradores para sentirmos a força contida nas palavras.

O poder do pensamento e da palavra faz-se igualmente sentir nas grandes correntes da sociologia e da história. É bem patente o fenómeno social, maciço e avassalador, do mundo moderno, desencadeado pelo pensamento e pela dialéctica marxista.

A palavra possui um maravilhoso poder de criação e comunicação, mas é indispensável pensar bem e exprimir-se claramente para que o pensamento se associe com a acção e esta seja criadora no domínio da arte, da ciência e de todas as actividades humanas.

A sociologia estabeleceu que na ciência contemporânea da linguagem, a par dos fenómenos psíquicos e fonéticos, se evidencia uma terceira categoria, a dos fenómenos sociais.

A linguagem como sistema de comunicação é essencial para a formação da pessoa, e será tanto mais fecunda quanto mais puni e expressiva for como instrumento de transmissão do pensamento. A vida é comunicação a sociabilidade que se realiza através do misterioso e vital fluido da linguagem. Sem a palavra os espíritos permaneceriam enclausurados no isolamento e na esterilidade.

A finalidade da palavra é designar as coisas, mas è igualmente sua missão estabelecer a comunicação entre os seres. Mas, se a linguagem é instrumento de comunicação, pode ser igualmente agente de separação e de equivoco, se a expressão não for clara e pura. Há palavras que podem separar ou unir os homens, suscitando divergências ou proporcionando acordos.

Por isso o seu uso se reveste de uma dramática responsabilidade, e daí a necessidade de ser límpida, verdadeira e precisa como o fio acerado de uma lâmina. "Que a tua palavra seja sim, sim ou não, não", disse Cristo.

É tão forte o seu poder e fascinação que a linguagem, quando é pura, eterniza a memória dos homens. Quem poderá, jamais, esquecer os nomes de Dante e de Virgílio, de Homero ou de Camões?

A vida é uma incoercível fuga. deixando um rasto de inquietação e sofrimento. E a palavra é a tentativa de eternização dos momentos criadoras em que o homem se- realiza e exalta.

Como afirmou o pensador e pedagogo Delfim Santos:

É pela palavra que se opera o trânsito do ser possível para o ser real. E nos nossos dias a importância da palavra não é desconhecida, pois somos herdeiros de uma concepção que afirma que no princípio era o Verbo. Tais são as palavras de S. João do respectivo Evangelho.

Assim a nossa ascensão espiritual e a nossa maturação humana realiza-se pelo exercício e domínio da palavra.

A evolução da linguagem da criança é dos capítulos com maior interesse para a compreensão da formação do homem o génese da sua personalidade.

Da palavra depende a sorte e o destino dos homens nos condicionalismos sociais e políticos do tempo e também na eternidade; por uma penetrante palavra de humildade e amor o bom ladrão, num relâmpago, conquistou a vida eterna.

Depois de Cristo, a palavra assumiu definitivamente um valor sagrado ao realizar o que significa, através do milagre que demove a natureza, e dos sacramentos que operam, sobrenaturalmente, as realidades que simbolizam e exprimem.

Pelo contrário, os desvios e a corrupção dal linguagem acompanham todas as outras formas de degradação.

E a época em que vivemos está semeada destes perigos, razão por que se impõe estar cuidadosamente atento.

O homem revela-se pelo estilo, que é a marca da pessoa, e como diz o filósofo Louis Lavelle, "o desprezo do estilo, hoje tão frequente, é o sinal da baixeza da alma".

Na luta pela exaltação e promoção da dignidade do homem há pois, que considerar a necessidade de defender a língua e o estilo como condições de evolução e progresso do homem e da civilização.

Sobre esta meditação, e a seriedade do problema da pureza da linguagem que dela ressalta, poderemos construir uma validai metodologia de acção. Para ela vamos volver a nossa atenção, para solicitar medidas práticas e concretas que possam conduzir à valorização da língua que vivifica um povo e uma história.

Assim, seria de todo o interesse, promover o maior número possível de traduções de livros técnicos, utilizando sensata e bem escolhida terminologia portuguesa, tal como a praticam os Espanhóis e Brasileiros, para evitar a nossa forte dependência do estrangeiro, sobretudo marcada em relação às publicações francesas.

A nossa linguagem está contaminada por estrangeirismos, como árvore frondosa, mas tocada por corrosiva doença.

Entraram no uso corrente e irreflectido palavras, que já não se contestam, como drop, snack-bar, charcuterie, boutique, bouther, drag-store, entre outras, que podíamos e devíamos substituir por palavras genuínas e expressivamente portuguesas.

No aspecto positivo, apontarei exemplos que deviam ser seguidos, como certas marcas de cigarros com nomes portugueses sugestivos, tal como Tamariz, Sintra, etc.

Quando passamos ao longo de uni areal onde repousam barcos de pesca ao sol, pudemos avaliar, pela beleza ingénua e poética de muitos nomes encontrados, os inesgotáveis recursos da imaginação do nosso povo. Por que usar, então, nomes estrangeiros (Louvre, Miami, etc.). quando dispomos de inumeráveis possibilidades próprias da nossa língua?

E, como não é possível registar nomes estrangeiros no registo civil, por que não estender esse impedimento a todas as restantes nomenclaturas?

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Tal como existem consultores urbanísticos, e também em outros sectores da actividade social, deveriam ser criados lugares de consultores linguísticos junto rias entidades responsáveis, sobretudo organismos sociais, para aplicação das regras de um sã linguística como infra-estrutura viva da Nação.

Deveria ser constituído um organismo oficial que, permanentemente, estudasse a adaptação conveniente à nossa língua dos termos, técnicos com que a onda de progresso técnico inevitavelmente nos submerge, e inclusive publicasse um vocabulário para corresponder a essa necessidade.

Que fosse assegurado o mais cuidadoso estudo da língua portuguesa nos graus primário, secundário e técnico do ensino, em todo Portugal, continental e ultramarino.

Sugere-se, fundamentalmente, a criação de um instituto oficial da língua portuguesa, que seria encarregado da defesa e da investigação dos métodos e técnicas de difusão da língua portuguesa no País (sobretudo no ultramar) e no estrangeiro, à semelhança do que existe em Franca com o Centre de Recherche et d'Etude pour la Diffusion du Francais.

Deveria procurar-se a simplificação e uniformização das ortografias portuguesa e brasileira, mediante acordo com o país irmão, a fim de se facilitar a aprendizagem da língua e a sua mais fácil difusão no Mundo.

Seria extremamente útil a difusão de lições de língua portuguesa, através da rádio, destinadas sobretudo no ultramar e estrangeiro.

Tendo em vista preservar a correcção da língua:

a) Seria também útil a criação de lugares de assistente ou consultor de língua portuguesa junto da rádio e da televisão;

b) Conviria que as publicações oficiais fossem revistas por professores de Português;

c) Deveria permitir-se a revogação dos direitos de autor relativos a traduções de obras estrangeiras com graves incorrecções de linguagem, que tanto prejuízo acarretam à boa difusão da língua portuguesa, entre nós. E, como as obrigações implicam direitos. deveria ser assegurado um estatuto para os tradutores competentes.

Finalmente, solicitar-se que a esta nobilíssima tarefa se aliasse a imprensa, através dos jornais, revistas e outras publicações, com a dignidade e, o sentido crítico e construtivo que lhe são peculiares, e que poderia ajudar a afeiçoar a opinião pública, chamando a atenção para os desvios e corrupções de uma língua que é a alma de toda a nossa história e vínculo da nossa unidade planetária.

Sr. Presidenta: Para nós, Portugueses, que temos a responsabilidade de uma história maravilhosamente rica e singular, impõe-se, como dever inadiável e sagrado, o respeito pela língua comum, que representa a expressão viva da unidade histórica de um povo que, vindo das profundidades de oito séculos, caminha serenamente para um futuro promissor e imprevisível.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto de Meneses: - Sr. Presidente: Sendo esta a primeira vez que subo a esta tribuna sob a presidência de V. Ex.ª, não ficaria de bem com a minha consciência se não afirmasse o meu muito elevado respeito, o meu enternecido afecto e grata admiração que de há muito mantenho por V. Ex.ª

Sr. Presidente: Está dito, e bem dito, que a unidade da língua portuguesa (unidade, evidentemente, no fundamental das normas sintácticas, da pureza do léxico, da ortografia, e da correcta prolação) é uma das expressões mais vigorosas da coesão nacional. Não era simples figura de retórica o asserto em 1922 de Afonso Lopes Vieira, que vou reproduzir:

Portugal vive de uma íntima força prodigiosa, que explica só por si a prodigiosa resistência da sua seiva: em todo o Portugal fala-se a mesma língua. Desentendemo-nos na mesma linguagem, e na evidente decadência em que tombamos, este elo do coesão espiritual é tão forte que basta para fazer-nos discernir por que ainda vivamos. Viveremos por obra e graça da linguagem.

Também está dito, e bem dito, que a mesma unidade no essencial é o vínculo que mais resistente e estreitamente prende os povos e nações que têm a honra de a falar. Dizia Joaquim Nabuco que tudo, no Brasil e em Portugal, poderia seguir destinos diferentes, mas uma coisa havia de ficar perpetuamente pro indiviso entre nós: a língua.

Daqui entender eu que devia ser obrigatório o debate sobre a defesa do nosso idioma, não com a injunção constitucional de se fazer todos os anos, como acontece com o orçamento e as contas públicas, mas sim de se fazer pelo menos uma vez em cada legislatura.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tal periodicidade despertaria a atenção geral para este sempre candente problema da preservação do nosso idioma, e auxiliaria as instituições e os educadores que se dedicam a esse árduo ministério. Desempenhava, assim, a Assembleia uma alta função de vigilância p animação na salvaguarda deste preciosíssimo bem, não por certo com propósitos e escrúpulos académicos, mas com o estímulo da sua autoridade política.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sendo a língua organismo em permanente evolução, é natural que sofra alterações e perdas, e registe, em compensação, novas aquisições. Seria estultícia e prejuízo querer reprimir a sua modificação lenta, mas incoercível. ou represá-la em moldes imutáveis, como se se tratasse de um código fixo a que os falantes de aquém e de além-mar se submetessem em rigorosa obediência sacramental. Porque a lei da natureza dita e impõe que, não obstante a opulenta riqueza vocabular e sintáctica do português riqueza tão opulenta que não houve nem haverá escritor tão sábio e operoso que consiga em sua vida conhecê-la e explorá-la, a inserção na vida de novas técnicas, de novas indústrias, de novas modalidades de recreio e cultura, e de muitas outras novas modalidades de pensamento e acção humanos, obriga-nos a adoptar novos, termos e formas de expressão. Daqui julgar eu que, se não é vã a querela entre juristas e inovadores, é pelo menos reprovável a obstinácia com que ambos os grupos ateimam em não ceder uma polegada das suas posições. A fala galgará, irreprimivelmente, as sebes ou valos que se lhe pretenda opor e aos homens, patriòticamente ciosos da sua pureza e correcção, só se lhes pedirá que abram e regulem as calhas por onde ela continue a derivar límpida e vigorosa; de tal modo que mantenha o seu sabor nativo, a sua clareza expressiva e a sua força orgânica, isto é, o seu núcleo

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secular na modulação fonética, na formação vocabular, no jeito de ligar as partes da proposição e na regência das palavras. E isto com tanto maior empenho e solicitude quanto mais numerosos são os interstícios de fuga e os meios de evaporação.

O panorama actual do nosso idioma não é consolador. Verifica-se a tendência, cada vez mais sensível, para falar e escrever cada vez pior o português. As caudas desta degenerescência, que pode um dia lesar perigosamente a nossa dignidade colectiva, estão de há muito apontadas: o descrédito lançado sobre o ensino da gramática, exclusão do latim nas escolas, a lição cada vez menor dos clássicos, a corrente de traduções ineptas e o servilismo perante os idiomas estranhos. E nesse panorama todos nós temos uma parte de culpa, porque nele todos lançamos, por incúria, desamor ou ignorância, uma nódoa, ou uma sombra, que agora é um solecismo, logo um neologismo, depois um barbarismo, e quase sempre desalinho na composição, impropriedade nos termos e obscuridade na frase.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sim, todos nós temos uma parle de culpa. Nós, digo, os professores que não ensinamos, com gosto e esmero vivificantes, as regras e a sua aplicação, e descuramos, nas disciplinas que regemos, a expressão, ou julgamos alheia ao nosso ofício a emenda, nos pontos e exames escritos, da grafia errada, da pontuação viciosa e do outros delitos formais. Oh! Como andamos esquecidos de que as lições de língua são também lições de lógica, de observação, de estética e de probidade! Nós, digo, os que escrevemos para os jornais e, na celeridade da função, não empregamos o termo próprio, ou desatamos em períodos gongóricos, ou nos comprimimos em frases de concisão telegráfica.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nós, digo, os que na rádio e na televisão lemos os noticiários com ênfase ou com depressão e não raro agredimos o público com locuções bárbaras, dizendo, por exemplo, "periodo" em vez de "período", ou "riu" em vez de "rio". Nós, os que, nas legendas dos filmes, acentuamos mal e pontuamos pior, cometendo lapsos pueris e irritantes, como este de separar com vírgula o sujeito do predicado. Nós, os magistrados municipais, que, menosprezando a polícia da língua, admitimos, como se estivéramos em terra estranha, a nova vaga de termos estrangeiros, como snack-bar, drug-store e boite. Nós, os actores, que, no palco, engolimos, em dramática impreparação, metade das palavras e damos à frase um ritmo descompassado do assunto. Nós, os tradutores, que, parecendo conhecer melhor o idioma do autor do que o nosso, usamos circunlocuções e versões literais repugnantes ao bom senso e ao génio da língua. Nós, digo, os parlamentares, que devíamos ser uma forca militante contra a dilaceração do idioma, e somos muitas vezes os primeiros a esfarrapá-lo. E. finalmente, para não alongar mais a lista dos réus de lesa-idioma, também aponto os escritores em prosa e verso, que deviam ser os vélites da vernaculidade e elegância, e são os seus mais desleixados e sórdidos prostituidores. Por cem ou duzentas moedas num dia de apuro (disse um dia a Ramalho Alexandre Herculano) o Garrett seria capaz de todas as porcarias que quisessem, menos de pôr num papel, a troco de todo o
ouro deste mundo, uma linha mal escrita. E de si mesmo afirmava Lopes Vieira:

Quando no que escrevo descubro um erro contra a linguagem, punge-me um remorso que eu sinto nascido de meu sangue: é um remorso étnico que me desola, não já como mau artista, mas como matador da pátria.

Onde, se encontra hoje - pergunto eu - um homem de letras com iguais escrúpulos de consciência estética e linguística?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por tudo isto, não admira que, sendo os mais responsáveis a darem exemplo de infidelidade e corrupção, o comum das gentes se considere dispensado de evitar n indisciplina, e que a mocidade, perante vagas e vagas de desregramento, se modele pelo nível mais baixo do comunicação, exprimindo-se em tautologias enervantes, e usando uma gíria pavorosamente anémica e hipocorística. E, como se isto não bastara, alguma imprensa dá guarida, em páginas juvenis, a escritos em que não se respeitam as regras mais elementares da gramática, e se reproduzem esquálidos e tolos conceitos numa grafia sónica que roça pelo absurdo. Tal despautério, sobre ofensivo do bom gosto, gera a mais arbitrária licença do impudor linguístico e mental, tão certo como é que a inteireza do espírito (cito Rui Barbosa) começa por se educar no escrúpulo da linguagem. Bem, pois, dizia o recém-falecido António Sérgio:

Consideremos responsável da intranquilidade pública quem quer que não busca corporizar a ordem - a exactidão, a probidade - na frase que diz ou na prosa que escreve.

Mas, se passarmos ao plano mais elevado da elaboração científica, não teremos também razões de contentamento. Basta dizer que não possuímos uma única revista mensal que se ocupe exclusivamente da história, filologia, gramática e estética da língua, e tão lamentável carência não consegue ser compensada pela publicação de um boletim e de algumas escassas teses, lições e ensaios que saem de tempos a tempos sobre assuntos da língua. São também muito raros os congressos ou reuniões de estudiosos da língua, bem como a realização de conferências, o que denuncia fraca actividade num campo que tem de ser incessantemente cultivado, se pretendemos prestar aquele mínimo de assistência que se impõe ao mais característico meio de transmissão da nossa mentalidade. Por outro lado, e apesar do benemérito empenho de algumas casas editoras, pode afirmar-se que a edição dos clássicos portugueses, mestres da vernaculidade e joalheiros da beleza, se faz com intermitências, omissões ou em doses parcelares, ou ainda a tais preços de venda que inibem os curiosos e os amadores de os adquirir.

Tudo isto evidencia a debilidade do aparelho científico de defesa e propagação do português, e é para os verdadeiros patriotas motivo de apreensão. Creio, no entanto, oportuno e justo lembrar, em contraste com este árido panorama que acabo de esboçar, dois factos que, pelas suas profundas consequências, merecem particular anotação, e referir uma instituição cujos serviços não serão nunca bastantemente encarecidos.

O primeiro facto foi o I Simpósio Luso-Brasileiro, realizado em Coimbra em Maio de 1967, com o quádruplo fim de apreciar as variedades cultas do português con-

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temporâneo do Brasil e Portugal, discutir a reforma do seu ensino, reflectir nos aspectos essenciais da sua unidade e tentar um esquema de colaboração eficaz entre nós e os Brasileiros na realização das tarefas inerentes ao estudo, cultivo e difusão da língua comum. Segundo os relatos da imprensa, esto Simpósio fui particularmente frutuoso, e na realidade, não é de admitir outra opinião, em ince das conclusões a que chegaram os congressistas. Dessas conclusões, aponto como particularmente relevantes um concernentes a reforma do ensino do português, quanto a métodos e técnicas, de acordo com as modernas orientações e perspectivas da linguística e da pedagogia, e a, preparação cada vez mais cuidadosa e actualizada, nos campos teórico e prático, sobre a língua materna para os professores de todos os graus de ensino; a sugestão de que os futuros leitores sejam previamente preparados para o melhor desempenho de suas funções, e que os Governos criem uma comissão luso-brasileira para os orientar a respeito das actividades e projectos relativos ao ensino do português no estrangeiro; e ainda a criação de um organismo que sirva de centro informador e coordenador dos centros especializados no estudo, cultivo e difusão da língua.

Com estas e outras notáveis recomendações, o Congresso prestou inestimáveis serviços à causa que se propôs defender, sendo, por isso de desejar que não demore a concretizar-se a proposta do reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Professor Moniz de Aragão, para que o II Simpósio se realize naquela cidade, sob os auspícios da mencionada Universidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - OU segundo facto, aliás em parte decorrente do primeiro, foi a publicação, em 28 de Abril de 1967, de uma portaria em que o Ministro Galvão Teles aprovou, a título experimental, nova nomenclatura gramatical. Dando, assim, início de solução a um velho problema, o Governo prestou grande serviço ao País, pois atenuou os inconvenientes que resultavam para professores, alunos e autores de livros escolares da diversidade das denominações gramaticais, e criou as condições para a renovação do ensino da língua e para o melhor enquadramento da gramática num plano mais amplo de estudo. Só quem algum dia teve de lidar com estes assuntos poderá estimular a excelência daquela medida governamental.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à instituição que. acima disso haver prestado serviços nunca bastantemente encarecidos, trata-se da Sociedade da Língua Portuguesa, que tem a sua sede nesta cidade de Lisboa. Fundada há vinte e três anos, com a finalidade de promover a colaboração de todos os estudiosos da língua portuguesa, desenvolver o interesse pelo idioma nacional, estudar a função social da linguagem, elaborar estudos científicos, despertar o estudo da correcção linguística e da clareza e beleza da expressão literária, velar pela preservação, desenvolvimento e difusão do português e congregar todas as associações culturais de iguais objectivos, a Sociedade tem cumprido a sua missão com modelares persistência e eficácia, muito embora não tenha encontrado o apoio, compreensão o carinho que merece e muito legitimamente, espera.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vivendo da quotização dos seus 7000 associados, sente, como é de. calcular, enormes limitações. Não obstante, publica mensalmente um utilíssimo boletim, vem editando há anos um dicionário de ampla e sólida informação, deu a lume algumas obras de inegável interesse científico, promove, cursos e conferências e põe à disposição dos agremiados uma biblioteca de 5000 volumes. Porem, se tivesse dotações suficientes, poderia multiplicar estas formas de cultura e criar outras novas, pois aos seus dirigentes não faltam capacidade, dedicação e entusiasmo. E estranharei que tão patriótico e prestante organismo ainda não tenha sido considerado instituição de utilidade pública, para poder auferir as regalias que tal classificação proporciona.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Também cabe aqui uma referência aos esforços de alguns organismos que se têm preocupado com este problema, e cito especialmente a Emissora Nacional, que em tão boa hora organizou e pôs em execução um vasto quadro de cursos de aperfeiçoamento para locutores e outros funcionários, nos quais o ensino do português assumiu lugar preferencial. Se outras organizações estatais ou particulares seguissem o exemplo da Emissora Nacional, poderíamos, dentro de anos, verificar um alto nível de preparação profissional e, dentro desta, um apurado adestramento no uso oral e escrito da nossa língua. Quanto a mim, não tenho dúvidas de que toda a despesa feita em semelhante obra torna os serviços mais rendosos e é por isso, altamente útil ao País.

Finalmente, uma palavra sobro o ensino do português no estrangeiro. Não é segredo para ninguém que a aprendizagem da nossa língua, apesar de ser uma das três principais da América e uma das dez, mais faladas em todo o Mundo, ainda não se faz com a extensão equivalente a sua grandeza e importância. Bem sabemos da expansão que ultimamente tem tido, principalmente nos Estados Unidos, Alemanha Ocidental e Bélgica, mas isto não acontece com aquelas proporções que merece uma língua possuidora de uma das mais ricas literaturas, e ela mesma de incomparável opulência, sonoridade, elegância e ductilidade, sem falar já na vasta gama de interesses da ordem prática quo se adivinham para os povos que quiserem, melhor, que precisam do conviver com mais de 100 milhões de pessoas que a falam em todos os continentes.

A principal razão deste relativo insulamento está apenas na falta de uma política de irradiação, a qual não pode fazer-se sem a orientação de um órgão superior especificamente preparado para o efeito.

O Sr. Elísio Pimenta: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Elísio Pimenta: - Dizem que tem sido extintos alguns leitorados de Português em Universidades inglesas. Se assim é, essa circunstância parece, contrariar a política de irradiação que V. Ex.ª acava de exaltar.

O Orador: - Muito obrigado.

A esse órgão caberiam a investigação dos métodos o técnicas de difusão, a superintendência nos leitorados e escolas, a promoção do cursos P a distribuição das obras dos nossos autores pelos institutos onde se ensina o português. Tanto ou mais do que a diplomacia e o comércio, essa vanguarda ensinante levaria a toda a parte

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o conhecimento da nossa história e dos nossos valores, estabeleceria pontos; de apoio, compreensão e amizade e alargaria a nossa esfera de influência civilizadora. É que ainda não há tomo falar uma língua para se compreender e amar o povo que a criou e utiliza.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Neste perpassar de breves reflexões, não queria esquecer um apontamento sobre a necessidade de se estabelecer em todos os sectores públicos um como que policiamento da língua. Sempre me pareceu dissonante do interesse nacional a inexistência de quem velasse nos meios de comunicação pública pela correcção, propriedade e pureza do idioma, uma vez que a rádio, a televisão e a imprensa são os mais assíduos e poderosos agentes de educação linguística. E, assim, não se concebe a falta de um corpo de assistentes ou consultores junto desses meios de comunicação, assim como também não se compreende que as leis e publicações oficiais não sejam revistas por mestres competentes de Português.

Indo até um pouco mais além, não sei por que não deveria permitir-se a revogação dos direitos de autor relativos às traduções com graves incorrecções de linguagem, já que lesar ou manchar gravemente o nosso idioma é forma do corrupção tão grave como qualquer outra. E se a tudo isto juntássemos o cumprimento da legislação já publicada sobre n fiscalização de anúncios, prospectos, cartazes e outras formas de publicidade, teríamos abrangido um grande plano de preservação, de extraordinária incidência no futuro da língua.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Continuamos a viver (todos temos consciência disso) um período histórico de excepcional contenção a responsabilidade em que a Pátria nos exige provas também excepcionais de energia, destemor e capacidade nas armas na economia e na política. Nas armas, o valor das forças de terra, mar e ar garante o êxito de que nunca descremos. Na economia, o impulso adquirido não sofrerá detenha, graças à heróica aplicação de todos os trabalhadores. E na política, mau grado a ausência do chefe genial, não se alterará, o clima sábia e pacientemente, criado em quarenta anos de ordem e respeito. Ora, é nesta parte, na política, que se infere a defesa da língua como elemento definidor da unidade na mais variada, dispersa e prodigiosa comunidade de gentes e raças que existe à faço da Terra. Pois que ela seja cada vez mais a expressão desse clima político, traço de concórdia entre todos os homens de bom querer, além de instrumento imortal de graça- e beleza, e sopro divino que nos alente nas crises e modere nas euforias. E já que madre desveladíssima, nos mudou, no lar e na rua, o verbo ser da descrença no verbo ser da confiança, nos mude agora no ultramar o verbo sofrer da guerra no verbo exultar da paz.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.

Marco sessão para a próxima terça-feira, dia 4 de Fevereiro, à hora regimental, com a menina ordem do dia.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António José Braz Regueiro.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Francisco José Roseta Fino.
Hirondino da Paixão Fernandes.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
João Ubach Chaves.
Jorge Barros Duarte.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Raul Satúrio Pires.
Rui Pontífice de Sousa.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André da Silva Campos Neves.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
António Magro Borges de Araújo.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Fernando de Matos.
Gabriel Maurício Teixeira.
Henrique Veiga de Macedo.
Joaquim de Jesus Santos.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Pais Ribeiro.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Mário de Figueiredo.
Rogério Noel Peres Claro.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.

O REDACTOR - Luiz de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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