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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 173
ANO DE 1969 6 DE FEVEREIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 173, EM 5 DE FEVEREIRO
Presidente: Ex.mo Sr. José Soares da Fonseca
Secretários: Ex.mos Sr.
Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
SUMÁRI0: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os Diários das Sessões n.º 160 e 161.
Enviado pela Presidência, do Conselho e para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.° da Constituição, foi presente na Mesa o Diário do Governo que insere o Decreto-Lei n.º 48 858.
O Sr. Deputado Cutilciro Ferreira requereu ao Ministério da Saúde e Assistência algumas informardes sobre especialização de médicos em medicina do trabalho.
O Sr. Deputado Sebastião Alves evocou a figura de Vasco da Gama, a propósito do 5.º centenário do seu nascimento, que ocorre no presente ano.
O Sr. Deputado Sousa Rosal falou sobre alguns dos principais problemas que afectam o desenvolvimento turístico da Algarve.
O Sr. Deputado Cunha Araújo fés considerações sobre a política de liberalização seguida pelo Governo, a propósito do elevado civismo com que decorreram as comemorações do 31 de Janeiro.
Ordem do dia. - Continuou o debate do aviso prévio sobre defesa da língua portuguesa.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Arlindo Soares, António Cruz, Hirondino Fernandes e Vás Pires.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
André Francisco Navarro.
António Augusto
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António José Brás Regueiro.
António dos Santos Martins Lima.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco José Cortes Simões.
Gonçalo Castel-Branco da Costa do Sousa Macedo Mesquitela.
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Hirondino da Paixão Fernandes.
João Mendes da Costa Amaral
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul Satúrio Pires.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Sebastião Alves.
Sérgio Lecerde Sirvoicar.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 71 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Foram distribuídos ontem a VV. Ex.as os Diários das Sessões n.(tm) 160 e 161, correspondentes às sessões de 9 e 14 do mês findo. Se não houver qualquer rectificação a fazer a estes Diários, considerá-los-ei aprovados.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Estão aprovados.
Está na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.° do artigo 109.º da Constituição, o Diário do Governo n.° 29, 1.ª série, de 4 do corrente, que insere o Decreto-Lei n.° 48 858, o qual dá nova redacção no artigo 92.° do Decreto-Lei n.° 41 380, que reorganiza os serviços da Direcção-Geral dos Serviços Pecuários.
Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Cutileiro Ferreira.
O Sr. Cutileiro Ferreira: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
Nos termos da Constituição c do Regimento, requeiro que, pelo Ministério da Saúde o Assistência, me sejam facultadas as seguintes informações:
l.ª Quantos médicos existem no continente habilitados com a especialização de medicina do trabalho;
2.ª Quantos médicos frequentam presentemente o curso que confere a referida especialização.
O Sr. Sebastião Alves: - Sr. Presidente: Na sua mensagem do Ano Novo lembrou o Sr. Presidente da República que ocorriam neste ano de graça de 1969 dois centenários que deveriam ser condignamente celebrados.
De um - o de Gago Coutinho - se ocupou já o Governo, e bem, dando a conhecer ao País o programa a cumprir.
De outro me faço eco Deita tribuna, enquanto a Administração elabora plano de comemorações, que terá, certamente, a altura de Vasco da Gama.
Nos fastos mais altos da raça tem o grande navegador de Quinhentos um lugar cimeiro, que nem sempre, todavia, é considerado em toda a sua grandeza por especialistas estrangeiros de história c muito menos ainda pela cultura média de muitos países, mesmo dos mais evoluídos.
São muito vulgares por esse Mundo obras científicas ou de grande divulgação sobre Cristóvão Colombo e Fernando de Magalhães, talvez porque serviram outras pátrias, e, sobretudo, porque as suas memórias e descobertas se situam mais nas esferas dos grandes interesses modernos.
Vasco da Gama - certamente o maior explorador do todos os tempos -, temo-lo deixado cair, em muito, num meio esquecimento, permitindo que sejam bem mais conhecidas as rotas de Colombo e Magalhães que os feitos, incomparáveis no tempo, do nosso grande capitão dos mares.
Só muito raramente surge alguém no plano internacional a querer repor a verdade histórica.
A este propósito, merece ser aqui citado Arnold Toynbee, sem dm ida um dos grandes historiadores modernos, pura quem a chegada da armada portuguesa à índia é um marco miliário da marcha da humanidade: antes ou depois de Vasco da Gama, como para os Romanos antes ou depois de César, e para nós antes e depois de Cristo! Há pouco, também, quando se assistia à espantosa proeza dos primeiros norte-americanos ao redor da Lua e quando se conseguia transmitir para a Terra, e distância de mais de 300 000 km, as primeiras imagens, o receptor que de Houston as transmitia para as redes mundiais de televisão afirmava, com a ênfase que o momento conferia e exigia, que os três astronautas ficariam registados a letras de ouro nos livros da vida das gentes ao lado dos maiores exploradores de todos os tempos - de que se citava três nomes -, Vasco da Gama, desta vez em primeiro plano, Colombo e Fernando de Magalhães.
Este merecido reconhecimento é, porém, quase sempre mitigado - acentuemo-lo com tristeza - e há-de caber-nos a nós celebrar-lho o 5.° centenário do nascimento, de tal modo que a sua tamanha figura ocupe o lugar que n história lhe deve.
Ao recordar-lhe, a memória, ocorrem-nos em tropel factos e reis, cavaleiros e nautas, capitães, santos e heróis,
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que, ao longo dos séculos, ergueram esforçadamente uma pátria, votada a um ideal colectivo de civilização o expansão, em que Vasco da Gama toma, de facto, lugar incomparável, quer na arrojada empresa que levara a cabo, quer, simbolicamente, narrando ao sultão de Melinde a história dessa mesma pátria.
Saibamos nós repetir a repercutir que naquele encontro de dois mundos se alargaram as dimensões da Terra e do homem, que naquele diálogo de raças e povos que se desconheciam se iniciava uma nova era para a humanidade e que toda a história subsequente daí havia de decorrer nos seus mil corolários!
Saibamos nós, portugueses do século XX, que temos nas veias o mesmo sangue, captar tudo o que possa traduzir o sentir daquele punhado de heróis que, após mais de dez meses de viagem em boa parto "por mares nunca dantes navegados" e percorridas milhares de léguas, via naquele radioso dia de Maio de 1498, diante dos seus olhos, as almejadas costas da Península Indostânica.
Saibamos captar e traduzir toda aquela carga emocional, agora que os muros da Pátria estão a ser cobiçados c minados o assaltados por interesso de povos e gentes que vem do oriente e do ocidente e saibamos transmiti-la bem intacta e viva a quantos defendem a nossa cidadela.
Se a essa fracção da juventude, que parece aplicar o melhor das suas energias em arruaça e protestos, quase sempre inspirados ou dirigidas do exterior, sobejar algum tempo para meditar e pôr os olhos em exemplos como o de Goma, que aos 21 anos, e apenas, com 150 homens de equipagem assumia o comando da reduzida armada que havia de tornar maior o mundo daquele tempo, atices de milhares de milhas desconhecidas e com os meios de que então se dispunha, talvez que algumas das suas atitudes fossem diferentes e certamente que bem mais favorável se apresentaria o futuro de todos, o futuro de Portugal.
Lembrar Vasco da Gama há-de ser o rememorar do toda uma época em que, sendo os portugueses tão poucos para tão grandes tarefas, cada um tinha de valer por mil!
E isto no mar ou em terra, diante dos elementos em fúria ou diante dos inimigos do toda a parte! E isto na dilatação da fé ou no rasgar dos conhecimentos científicos!
A essa fracção da juventude, que já não crê e já não quer, lembro, a este propósito, a famosa asserção do piloto que de Melinde orientou a Armada à índia: "agora a ciência e a arte vêm dos francos", que é como quem diz, dos portugueses! E lembro-lhes, este testemunho escrito na época, por um árabe, inimigo tradicional dos portugueses, para vincar melhor o sabor, a força e o poder que advieram da seriedade, da persistência e da intensidade dos estudos de Sagres.
Vasco da Gama é a síntese de Sagres, a personificação da coragem, a medida da audácia e é o símbolo do que persiste! Que a juventude, que quer saber em verdade progredir em paz e agir com êxito, retenha este símbolo que pela, boca do poeta narra epopeias e é ele próprio epopeia!
Gama partira, em quatro pequenas naus, com 150 homens: eram insignificantes as forças, rudimentar a palamenta, gigantesca a tarefa. Assim mesmo chegara à índia. Chegara com os, efectivos reduzidos a 2/3, e regressam à Pátria com 1/3 Perdera capitães, pilotos e soldados, perdera até o sen próprio irmão, mau regressara.
Vinha vitorioso de uma longa, tenaz e dolorosa batalha em que os inimigos eram o mar, os homens, o desconhecido, a doença e as privações! Batalha começada oitenta anos antes, nos sonhos generosos de um sábio príncipe, que, em tímidas incursões no mar Tenebroso, desfizera lendas, abrira caminhos insuspeitados e acrescentara o espaço vital da humanidade.
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Porém, as circunstanciar obrigam a redobrados esforços, planificando para a conjuntura, com medidas necessárias, para não abrandar o índice do crescimento, dando novas facilidades, poupando incómodos e, sobretudo, dispostos a lutar nos domínios da concorrência com as mesmas armas ou outras para que estejamos mais aptos a manejar.
Para tanto, os sectores de propaganda, tanto estaduais como particulares, têm de agir numa acção conjugada e abrir generosamente as bolsas.
No Algarve, onde a percentagem de acréscimo foi espectacular e onde os empresários acorreram com mais arrojadas iniciativas, o cariz do turismo também não se apresentou risonho no ano findo para as organizações de toda a espécie.
A fama das suas magnificas condições naturais, a estrutura hoteleira que ali se implantou em dimensão e qualidade, não só para servir uma exploração do mais não nível, mas também para assistir a toda a classe de turistas, têm de ser devidamente consideradas.
Estamos perante uma indústria ali fortemente enraizada que é necessário continuar a estimular e a defender de todas as contingências que possam advir dos males do mundo ou tenham origem em erradas previsões.
Para tanto, julga-se oportuno fazer uma pequena pausa sobre aquilo que se fez, analisando os acontecimentos com espírito realista, verificando e comparando resultados para que saltem à vista os porquês dos sucessos e dos insucessos.
Com os ensinamentos colhidos poderemos então programar o necessário para acautelar o presente e demandar o futuro, com grande margem de segurança.
O Estado tem de dar a palavra de ordem para a batalha que está em curso, orientando e apoiando as iniciativas particulares, fazendo mesmo aquilo que não, lhe impôs com oportunidade ou o não fez em devido tempo de maneira acentuada em matéria de infra-estruturas, do modo a atingirem a categoria que as coloque ao nível que exige a delicadeza e a sensibilidade deste prestigiante e importante rumo da actividade nacional.
As infra-estruturas um que estou pensando são aquelas cm que devem assentar os empreendimentos turísticos e os núcleos urbanos onde se localizam e os meios que os hão-de servir, isto ó, designadamente, o saneamento, o abastecimento de água e de energia eléctrica e as comunicações de toda a ordem.
Sobre o saneamento pouco se tem feito, e aquilo que se fez não está conforme com as modernas soluções de salubridade que o Algarve tem de perfilhar para ser aquilo para que está predestinado em matéria de turismo.
Os problemas que se põem no sector do saneamento podem sintetizar-se e escalonar-se em graus de urgência, sobre as epígrafes de:
Tratamento de águas de esgotos domésticos e residuais de indústria e recolha c tratamento de lixos;
Higiene de alimentação e fiscalização dos métodos de pureza e de conservação dos alimentos.
Porém, para se atingirem os objectivos, deve-se começar por se reformar a legislação vigente.
As câmaras municipais e os serviços de saúde pública não dispõem de meios técnicos e apoio financeiro para equacionarem o problema de modo a encontrar-lhe solução convincente.
Só um plano geral de saneamento de toda a província, executado e administrado por uma junta autónoma de saneamento do Algarve, funcionando no âmbito da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, pode impedir que se chegue a um grau de insalubridade que ponha em sério risco o esforço que se tem feito para que o Algarve seja uma estância de turismo de qualidade.
Quanto aos abastecimentos de energia eléctrica, as dificuldades que tem surgido provêm do envelhecimento e insuficiência de algumas redes camarárias e de não ter sido ainda devidamente reforçada pela empresa concessionária a linha de alimentação geral.
A recomendação para a instalarão de grupos de socorro não pode ser aceito pelas médias e pequenas instalações e por particulares, que servem o turismo, por não serem suportáveis pela sua economia.
Neste particular também se impõe uma revisão de tarifas, dado que os preços que estão em vigor foram calculados sobre um consumo que hoje se encontra muito multiplicado, o que tem impedido a generalização e a intensificação do uso da energia para tudo aquilo que correntemente é recomendado no estado actual da nossa civilização e sistema de trabalho.
O abastecimento de água para consumo dos hotéis e populações residentes tem-se revelado irregular pelo irregular funcionamento de energia eléctrica e insuficiente pelo considerável aumento de consumo, deficiência que se vem acentuando também para regas dos campos do Algarve, que se mostram ecologicamente aptos para o cultivo dos produtos da mais variada e melhor qualidade que são de ter em conta para serem consumidos em regiões fadadas para o turismo, como é a do Algarve.
Estas deficiências podem ser resolvidas com a construção da albufeira da Retorta, destinada a reforçar a barragem do Arade e da barragem do Sotavento algarvio, esta para acudir, designadamente, a rega das ricas campinas desta zona e do centro da província, dependente de poços que já não a aguentam, conforme está previsto no III Plano de Fomento, por conta da verba de 430 000 contos destinada a aproveitamentos hidroagrícolas.
São as comunicações de toda a ordem que estão a constituir o maior obstáculo ao natural desenvolvimento turístico do Algarve. Os serviços dos C. T. T., geralmente mal instalados e deficientemente servidos, levantam clamores arreliantes e altamente criticados, nomeadamente no que se refere às ligações telefónicas com o País e o estrangeiro.
Nas comunicações ferroviárias e rodoviárias, as coisas processam-se do mesmo modo como se processavam antes do afluxo turístico que ali acorreu. Caminhos de ferro e entradas antiquados, que tornam morosos e perigosos os trajectos para as velocidades e comodidades que os tempos correntes exigem que se pratique.
Algo está projectado no ramo de transportes ferroviários ao abrigo do III Plano de Fomento. Segundo consta, trata-se da renovação da linha férrea que os serve.
O Algarve espera, pelo valor da sua indústria de turismo, que os trabalhos de renovação que lhe interessam não sejam relegados para o fim, menosprezando o peso da sua potencialidade.
Nessa renovação também se deve prestar atenção à substituição do material para permitir maiores velocidades e comodidades, havendo ainda a considerar o desaparecimento das passagens de nível e a correcção de alguns trajectos, de modo a servirem melhor os interesses da população, da economia e do turismo de certas zonas.
Uma correcção que se impõe é a do desvio da linha férrea entre Boliqueime e Almansil para servir Loulé, que é sede do mais populoso concelho do Algarve e grande exportador de produtos agrícolas e onde existe uma mina de sal-gema, cuja viabilidade económica de exploração está dependente de facilidades de transporte.
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É um grande centro importante do tráfego de mercadorias c de movimento do pessoas que ao caminho de ferro interessa facilitar.
O respectivo projecto está doidamente concluído, julgo que desde 1942, aguardando uma oportunidade de se lhe dar execução, agora tida como viável, o não se compreende que possa ser protelada mais uma vez.
Ainda outra correcção que se pretende, e esta de alto interesso turístico, é a do levantamento chi linha férrea que, partindo de Lagos, atravessa a Meia-Praia, para ser assente mais para o interior, de modo a permitir que nesta zona tenham viabilidade a; várias obras projectadas do apoio ao desenvolvimento turístico da província.
O Algarve não se pode dizer que esteja mal servido de estradas, em número, porquanto está ligado com o Norte por três vias de comunicação rodoviárias, mas os seus traçados são estreitos, cheios de lombas e de curvas, do que resultam inconvenientes e perigos de toda a ordem.
Para fugir a estes, está estudado um ramal, de cerca de 20 km, ligando Santana da Serra, no Alentejo, a S. Marcos da Serra, no Algarve, evitando-se assim as maçadoras curvas da serra, do Caldeirão.
Outra, hipótese se admite com o momo objectivo.
A construção de um outro ramal, ligando o sítio da Nave Redonda, na estrada que de Aljuslrel-S. Martinho-Odemira-Gare se dirige a Monchique, numa distância de cerca de 12 km, onde não há obras de arte de monta a encarar.
À solução definitiva e que serve de facto o trânsito actual e o previsto por efeito do turismo no Algarve é a da construção da auto-estrada referida no III Plano de Fomento, que partindo da Ponte Salazar, daria vazante ao movimento das grandes estradas internacionais com Lisboa e que, ao terminar em Vila Real de Santo António, se prepararia para atravessar o Guadiana pela falada e inadiável ponte e estabeleceria, assim, com as estradas que da Europa servem a Andaluzia, um verdadeiro circuito que se projectaria com inegável vantagem em todo o turismo continental.
No domínio das comunicações por via marítima, o Algarve pode dizer-se que se encontra bloqueado, visto que nenhum dos seus portos permite a entrada de paquetes de turismo, apesar de serem quatro - Vila Real de Santo António. Faro-Olhão, Portimão e Lagos -, que têm condições naturais para os receber.
Sabe-se que emprega? que exploram cruzeiros turísticos estão muito interessadas em incluir o Algarve nos seus roteiros.
Julga-se que com as obras iniciadas no porto de Portimão já seja possível no correntes ano consentir a entrada na sua barra de alguns paquetes e lazer desembarques ao abrigo dos molhes.
Com a desobstrução e regularização da barra do Guadiana, para o que estão sendo feitas instantes diligências, atendendo aos prejuízos que a sua obstrução está causando u. economia da zona, que o porto de Vila Real de Santo António serve, também se podo prever a inclusão do porto desta vila nos roteiros de paquetes de turismo.
A única via que está em condições de servir o desenvolvimento turístico do Algarve é a via aérea, pelo Aeroporto de Furo.
Porém, para o fazer mais eficazmente, carece de ser aberta, som restrições, ao tráfego internacional e do se dar à aerogare a dimensão que o tráfego exige.
Esta é a opinião que se tem, aliás confirmada frequentemente pelas agências de viagens que ao turismo dedicam a sua actividade.
Estes problemas das infra-estruturas que acabo de abordar, e aos quais me referi nesta Assembleia ainda recentemente, aquando da discussão do III Plano de Fomento, conjuntamente com a aprovação definitiva do planeamento urbano-turístico, cuja responsabilidade de execução deve ser entregue a uma única entidade, são os problemas fundamentais para o desenvolvimento turístico do Algarve. Não será de estranhar que insista pela solução destes problemas considerados básicos, visto que, apesar de tudo, subsistem e tendem a agravar-se.
É certo que ainda há outros de pormenor que também se tem do resolver com urgência e objectividade para que o referido desenvolvimento se processe sem retrocessos que ponham em perigo os altos objectivos regionais e nacionais que estão marcados e que por via do turismo se podem alcançar sem grande esforço, como sejam os de policiamento e limpeza das praia?, o da disciplina do exercício das actividades turísticas e da reforma da estrutura que a conjuntura recomenda para cobrir todo o Algarve com plena eficiência.
O turismo, com os seus efeitos multiplicadores sobre tantas actividades c como agente poderoso na colheita de divisas, tem-se mostrado entre nós factor preponderante no desenvolvimento e fortalecimento da economia e no progresso social e ao mesmo tempo da defesa da moeda, cobrindo, em grande parto, o fatal deficit da balança de mercadorias.
Apesar de os factos demonstrarem a verdade destas afirmações, que são já lugar-comum nas prédicas sobre turismo, o certo é que governantes e governados não estão ainda suficientemente convencidos de que é oportuno tomar as grandes decisões que elevem a indústria de turismo ao lugar cimeiro das indústrias de maior e mais benéfica- projecção na vida nacional.
As matérias-primas com que trabalha afloram exuberantemente por todo o território português, o que não acontece com outras tão acarinhadas.
O Algarve sente o muito que do turismo lhe tem vindo e prevê o mais que lhe poderá vir como estimulante e adjuvante da sua desenvolvimento regional, enfraquecido por efeito das crises abertas desde há muito nas actividades agrícolas e piscatórias, que têm sido a base da sua riqueza e que dia a dia se têm vindo agravando.
A província está voltada para a indústria do turismo com a mais justificada esperança e apetrechada com o melhor equipamento, no qual devem andar investidos cerca de 2 milhões de coutos e para a qual estão inclinados numerosos e categorizados projectos.
O Estado é o principal interessado na valorização e defesa dos capitais investidos, não só pelas razões referidas de interesse colectivo, mas também pelas comparticipações que tem nos investimentos.
Por tudo isto não se pode alhear do que no Algarve se passa em matéria de turismo nesta delicada emergência. Em nenhuma parte nem com mais vivos argumentos o Governo tem oportunidade de dar vida à opção que escolheu e deu a conhecer na nota final do relatório do Orçamento Geral do Estado para 1969. como directiva governamental, que reza assim:
incentivar os investimentos reprodutivos que maior influência possam exercer na disseminação regional dos efeitos do crescimento económico nacional.
Este crescimento tem no sector do turismo uma segura alavanca para o fomentar, o que solicita um aperfeiçoamento constante e progressivo, de modo a incentivar com equilíbrio os outros sectores económicos onde se projecta, com maior em menor evidência, e de modo a ser, efectivamente, factor precioso da proclamada política de desenvolvimento regional.
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Sendo assim, o Algarve está de parabéns.
Tanto mais quanto é certo que o Governo aprovou no Conselho de Ministros de ontem um decreto-lei que regula o planeamento regional, donde o Algarve espera para os seus problemas melhor audiência e mais autoridade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cunha Araújo: - Sr. Presidente: Soubemos pela imprensa diária que as homenagens aos heróis (?) do 31 de Janeiro decorreram com elevado civismo, ignoramos se com civismo, no sentido de patriotismo, de devoção ao interesse público, se, como também soe empregar-se o vocábulo, no sentido de compostura, correcção e visível propósito de bem servir aqueles.
De qualquer modo, e seja como for, em qualquer das acepções a reclamada atitude dos cidadãos memoradores é digna de registo o ato de respeito mesmo por parte daqueles que talvez lembrassem o evento por motivos diferentes e com sentido oposto ao dos que habitualmente o recordam para exultar a alvorada da República, dessa mesma República em que ainda vivemos e ó o Regime constitucionalmente adoptado na Nação em que nos integramos. Mas o que importa salientar sobre o demais e que decorreu com elevado civismo a homenagem aos heróis de 31 de Janeiro, precursores da República, que, depois de haver definido como palavra, algures, um orador considerou "ter sido escrita" por aqueles "com uma linguagem de sangue" (sic), in O Primeiro de Janeiro de l de Fevereiro corrente.
Com uma linguagem de sangue!
Eis, em curtas palavras, lodo o sadismo mórbido de um espírito de subversão revolucionária, ainda envolto em sangue, no sangue mais relembrado, que o sangue não edificou, autos obscureceu nos propósitos que o determinaram e tão mal sorvidos se mostram por quem só redimiria aquele na medida em que se esquecesse a luta fratricida que o fez correr, a tingir de vermelho e a sujar indelevelmente o que quarenta e dois anos de límpida República, pelo visto, tristemente, ainda não conseguiram fazer obliterar!
E por isso, será por isso, que o fosso permanece aberto, que o fosso, intransponível, se alonga ante os que, prestigiando a República, a República tem servido, para além de si e com menosprezo das suas convicções pessoais, para a história, que um dia, distante ainda, não irá buscar a sua justificação como regime aos dezasseis anos de balbúrdia sanguinolenta em que se comprometeu, mas ao fraterno convívio dos quarenta e dois anos posteriormente vividos, esses sim, os que deveriam estar presentes na mente dos que relembram o devotamento daqueles que, mais do que o sangue corrido, ura exaltado, queriam o estabelecimento e continuidade do que ainda vigora, merco de unia revolução sem tiros e sem crepes, feita na paz, e na paz vingada e prosseguida.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não sou republicano, e o não sê-lo nunca me impediu alguma vez de servir a Nação em República, a que tantas tezes tenho jurado lealdade e tão traída anda por aí nas palavras e nos actos dos que mais ardorosamente a confessam, esquecidos de que sobre as convicções políticas estão as pátrias mais do que nunca carecidas dos seus filhos - os da nossa a verterem sangue que estrangeiros fazem correr e não vi exaltado pelos republicanos do 31 de Janeiro, é sangue dignamente vertido que nos devia unir e chega bem para cobrir e fazer esquecer o que se evoca paru nos dividir! Isto apesar de o 31 de Janeiro ter sido feito sob o signo do nosso ultramar ofendido pelo ultimato da loura Albion!
Assim, depois de tão estranho e cúmplice silêncio, e depois de ter lido, como afirmado, num jantar de confraternização, "não tenhamos ilusões. Não podemos contar senão connosco próprios, com a nossa unidade" (sic), eu pergunto: e nós, com quem e com que podemos contar?
A resposta, antecipadamente dada, aí fica concludente e decisiva a desiludir os iludidos e a legitimar a repetição do grito de alerta, como outra oportuno, cavcant consules! Cavcant consules. A República está em perigo . . .
Sr. Presidente: Dispostos a continuar numa hora em que, de dentro e de fora, olhares atentos nos espreitam e sôfregos apetites se desencadeiam, sobrepondo o desejo de uma pacificação política à linha dura da intransigente defesa dos princípios orientadores do Regime, dispusemo-nos, obedientes às superiores directrizes dos mais responsáveis:, a uma mais ampla abertura possibilitadora de um entendimento propício ao desfazer de ódios e malquerenças que chocavam os nossos sentimentos.
O estarmos dispostos a continuar -certos de que o continuar, politicamente, como o viver, pressupõe as renovações e adaptações necessárias à permanência- trazia consigo, implícito, o propósito de transigir, renovando ou reajustando de acordo com as necessidades cuja satisfação se entendesse melhor servir os anseios de determinado momento, na demonstração inequívoca da adaptabilidade do sistema e maleabilidade dos princípios orientadores. Era a renovada confiança na solidez das nossas estruturas já consolidadas, e já comprovadas na resistência oferecida às arremetidas várias vezos ensaiadas que nos fornecia o alento.
Era a confiança na autenticidade da representação detida pelos órgãos da soberania que nos predispunha à integração de todos os portugueses de boa vontade.
Era, finalmente, a confiança nos próprios portugueses, já resguardados das virações assopradas dos sectores multíssonos e multívolos de inspiração partidária cujas incidências sofremos em termos que não desejamos ver voltar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por isso se foi consumindo na generalizada comichão, que se autorizou, no sentido de uma liberalização que abertamente se tem praticado com o aplauso dos de boa fé, de dentro e de fora do País; com a desconfiança de alguns e com a manifesta incredulidade dos de má fé, que nunca chegaremos a conquistar, nem o precisamos, agarrados como se mostram a mitos ultrapassados de que a Nação desdenha e não quer comprar pelo preço oferecido, legitimamente desconfiada, da "massa" que os amalgama.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Muito ou pouco, o que se tem permitido foi-o "sem Compromissos", não obstante, uma vez ou outra, algo demasiado se avançasse muito para além do que o consentia a letra e o espírito desse magistral discurso do Sr. Presidente do Conselho, em que ficou bem vincado o firme propósito de continuar. Isto apesar de nunca se haver prometido mais do que continuar.
Assim, fiéis às linhas mestras, foi com a promessa dessa fidelidade que a Nação se aquietou, submissa e
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tranquila ante a certeza da inalterabilidade da policiou interna que uma possível variação quanto aos métodos não afectaria nos fins superiores que visava.
Garantida a intransigente e inexorável defesa da ordem pública, foi na certeza da sua manutenção que todos nos predispusemos à outorga do crédito de confiança pedido, tanto moas prodigamente aberto quanto mais simultaneamente se mostrava ir ser respeitado, o que, mais do que política de um governo ou teimosia de um homem, é verdadeiro anseio nacional, firme determinação de um povo todo inteiro voltado para o ultramar a que se sente indestrutivelmente ligado e não consente ver sujeito aos azares dos conluios partidários.
E na fidelidade às linhas mestras, ainda olhos postos sempre na Constituição a que se jururu fidelidade, foi na implícita promessa de fidelidade à organização corporativa como elemento estrutural da Nação que pudemos certificar-nos de haverem sido devidamente considerados todos os seus elementos constituintes, todos os seus interesses neste sector, norteados por sentimentos de justiça social, com vista ao equilíbrio e desejável entre as forças da produção, do capital e do trabalho.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pôde por tal modo a Nação, tocada no seu conjunto, suportar sem sobressalto o que se prenunciara tumultuoso e viu na garantia do essencial a possibilidade de continuar vivendo na paz, na ordem e tranquilidade públicas, bem que sobretudo, mostra não querer perder e a leve a interrogar-se, comigo, sobre o que verdadeiramente quererão os arautos da divisão que para além do homem não consideraram n potencialidade de uma concepção política incompatível cora a satisfação de anseios que não cabem nos postulados da doutrina em que assenta e tem de continuar a ser contrária a, concessões propiciadoras da inserção na frente interna de interesses contrários aos de Portugal. Como se nós nau soubéssemos qual é o cavalo de Tróia, em cujo ventre se alberga o socialismo materialista e totalitário tão evidente na polifonia escutada.
Será por isso que em resposta as solicitações dos que pedem clemência (?) ou interpretam como cedência o que se tem vindo a processar como desenvolvimento natural e progressivo, devemos oferecer por nosso turno tolerância e compreensão, não clemência, como já se pediu, pois que, se clemência, é perdão, no perdão teria então de corresponder uma correlativa atitude de arrependimento e manifestação de uma séria vontade de franca integração nos postulados da doutrina ao abrigo da qual se pede. Pois é evidente que todos queremos um regime em que caibam e se entendam todos es portugueses, mas para isso terá de haver reciprocidade na tolerância propícia- ao desfazer de ódios e malquerenças. Tolerância para com as ideias, entendamo-nos, que não para com a acção subversiva tendente a sobrepor os gestos o as opiniões de cada um ao realismo de um ideal em marcha fortemente enraizado na consciência nacional legitimamente representada através de um poder constitucionalmente exercido e suficientemente forte para prevalecer na feição em que se modelou e tem vivido.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E bom será, no tocante, relembrar o actualíssimo pensamento de Salazar, para que chamo a atenção dos reivindicadores e dos reivindicados:
Quem se coloca no terreno nacional não tem partidos, nem grupos, nem escolas; aproveita materiais conforme a sua utilidade para reconstruir o País: tem a grande, a única, preocupação de que se integrem no plano nacional.
Isto porque, como em 1946, ele também o previra e sublinhara, já chegaram "os tempos em que a grande divisão, o inultrapassável abismo, há-de ser entre os que servem a Pátria e os que a negam".
Não se trata, pois, hoje, de dar prioridade aos entendimentos acerca da forma de melhor servir a Pátria.
A Pátria está servida, aqui e no ultramar.
O problema maior, o grande problema, é o de fazê-la sobreviver e salvá-la do caos a que a levariam os que a negam.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ora, não será transigindo apenas que isso se consegue. Nem com complacências e não só com tolerâncias por parte de quem governa. O ambiente da desejada pacificação tem de ser aspiração comum e só resultará do franco estabelecimento de um clima de confiança, tanto mais possível e tanto mais satisfatório quanto mais se sobrepuser à indulgência de quem está na posição de conceder a compostura e vontade de retribuir de quem se apresenta a solicitar.
Politicamente desmentalizados, mais do que as ideias, são as opiniões que nos dividem, os amues e os despeitos. São os gostos e as predilecções sem sentido nacional que tomam a dianteira a inquietarem uma opinião pública em pequeno número indecisa na escolha dos caminhos que mais rápida e concretamente a possam conduzir a uma mais activa participação na vida do Estado, de que é elemento essencial e cada dia mais preponderante e que, como o disse, algures, antes de o ser, o Sr. Presidente do Conselho, se não pode menosprezar nos nossos dias sem se correrem graves riscos para a sociedade.
Se assim é, considerados, apesar de tudo, os desígnios e as contestações dos que se nos opõem, há que enfrentar e percorrer abertamente os caminhos da política, . . .
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... indo-se naturalmente ao encontro dos anseios nacionais sem contrariar o estabelecimento de uma mentalidade política integrativa dos valores dispersos desapegados de um passado que não voltará e se mostrem dispostos a uma colaboração construtiva adentro das estruturas representativas dos interesses identificadores do binómio Estado-Nação, tal como o concebemos. Há que mentalizar, descentralizar, prestigiar os políticos no exercício das tarefas políticas. Há que não considerar defeito o sê-lo, sobretudo há que contestar o direito de se declararem apolíticos os burocratas da política . . .
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... na posse dos lugares-chave de uma administração omnipotente e omnisciente, em que fazem, cem os mais graves prejuízos, a mais nefasta das políticas, a sua política de âmbito estritamente pessoal e geralmente repudiada.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - A reconstrução ma temi do País foi, sem dúvida, obra meritória que não convirá nunca deixar cair no olvídio. Maravilhosa expressão da técnica, ficará, contudo, sem sentido se se esquecer que o foi da técnica ao serviço de uma política, e não de uma política subordinada a uma técnica endeusada e convencida de conter em si as virtualidades necessárias à consolidação o permanência do um regime, o que equivalerá a dizer-se que à política da técnica que tem dominado e desmentalizado, é preferível 11 técnica da política que se tem descurado, se não pratica e até se contraria, aqui e além despistigiados os seus valores demasiado continuadamente desinteressados de uma actividade que muito se perdeu em minimizar.
Não hasta mudar de homens como que a culpar os mudados du um imobilismo cuja responsabilidade lhos não cabe. É preciso mais, só é que realmente se quer avançar no compromisso tomado, ou que, como tal, se deixou tornar, no sentido de mostrar-se uma disposição favorável a uma participação mais activa do grande público na actividade política que, salvaguardado o essencial, já não vejo possibilidades de deixar de satisfazer-se, tão infrene corre o anseio de liberalização possibilitadora de uma Primavera têmpora que a prática de uma larga poda prometeu, mas que só uma enxertia satisfará, como aliás se mostra nas reacções dos sectores da opinião contrária, a quererem, verdade seja, muito mais do que poderemos realmente dar-lhes.
E aqui, convencido de que não estou a pisar terreno alheio - pois não é isto uma Assembleia política e não poderei eu, também, aproveitar-me da liberalização? -, sinto-me tentado, no desenvolvimento do pensamento que me domina e em paralelismo com recentes considerações do Sr. Ministro do Interior, a procurar, também eu, na terminologia da actividade que dá feição principal ao meu carácter, a definição da terapêutica que me parece mais adequada à satisfação das correntes verdadeiramente interessadas em servir o interesse nacional para que mais viçosas floresçam e em melhores condições frutifiquem as "plantas desta lavra em que andamos enredados, preparatória dessa Primavera que se prenuncia.
Assim - e nisto não deixarei decerto de agradar aos que, arredados, se mostram predispostos a transplantação -, direi que, se a poda é realmente essencial à preservação das plantas, no que lhes permite de alijamento dos rumos secos e consequente arejamento com vista à intensificação da sua capacidade produtiva, a enxertia não é menos importante para o lavrador atento, pela maior utilidade resultante de uma possibilidade de mais ampla satisfação dos gostos sempre em mutação. O enxerto, na operação que consiste em introduzir-se uma haste viva de uma planta sadia - eu disse sadia - noutra, tem indiscutível efeito na melhoria da qualidade para melhor satisfação do mercado consumidor, já que, tal como sucede nas vinhas, as renovas tem o risco do custo c os perigos das expectativas. Ao enxertar, assimila-se e integra-se num trabalho sempre experimental, ordenado e parcelar de modo a não só correrem riscos de prejudicar as características fundamentais da genuinidade de determinada cultura.
Cultura, na acepção em que estou empregando a palavra, quer dizer "destino", fim de um trabalho de sobrevivência.
Ora, em política, no constante evoluir das concepções e dos métodos de realização, haverá, parece-nos, que procurar na exertia os frutos mais concordes com as predilecções de dado momento, indo-se ao encontro, não dos gostos extravagantes dos que sempre acham mais sabor no estranho do que no próprio, mas das aspirações legítimas de sentido nacional que também nos sejam comuns, a que mal avisados andaremos se as deixarmos tomar a feição reivindicativa de correntes contrárias capazes de persuadirem de que não caberão nas nossas estruturas ou nas nossas possibilidades os anseios que visam. Interpretando exclusivamente, como o temos feito, a política como preocupação de realizar o bem comum, não vejo em que tenhamos de mudar muito, nem que outra satisfação possamos dar que não seja a de uma possibilidade de enxertarmos os nossos métodos ideais que possam ler estado na preocupação dos nossos adversários, das esquerdas que eles sejam, pois nos mostraremos tanto mais hábeis quanto mais capazes formos, nós mesmos, de fazermos aquilo a que eles chamam a sua revolução, imprudente ontem, talvez possível hoje, consolidadas como se mostram as estruturas necessárias às revisões de posição num meio ambiente em perfeita maturidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por tal processo, permito-me julgá-lo, se poderá chegar a um profícuo arejamento e apaziguamento dos espíritos como modo do alcançar-se a preconizada renovação na continuidade, cuja efectivação, bom será acentuá-lo, de nenhuma forma poderá resultar de pressões estranhas, de dentro ou de fora, mas antes e só do reconhecimento de uma necessidade de mais consentânea integração nas modernas correntes de opinião, em muitos aspectos perfeitamente compatíveis com o ideário dos homens que não querem perder uma revolução em cujos fins cabem os mais avançados anseios que as inspiram e que com tal objectivo se fez na paz, na ordem e tranquilidade públicas e com sentido verdadeiramente humano e cristão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - De contrário, arriscamo-nos a estagnar como sucede com os nossos adversários democráticos, que se não cansam de exibir o mesmo show . . .
Pois evoluamos, mas insistindo sempre em que não mudamos, ademais . . . não é verdade que foi porque se mostrou não terem sofrido alteração as nossas estruturas nacionais que o nosso país foi recentemente considerado, na América, como propício aos investimentos financeiros? . . .
Sr. Presidente: Não sei bem se a linguagem em que me exprimi se adapta, ou mesmo serve o pensamento do Governo quanto à matéria sobre que me debrucei a dar conta de um ponto de vista puramente pessoal, apenas com a ideia de servir o melhor que posso e sei um passado e um presente com que inteiramente me identifico, e o futuro que desejo os continuem e espero possa ser digno deles.
Entretanto, como esteve no espírito das palavras proferidas, sou de opinião que à aparente passividade (?) do inimigo que nos espreita e se apetrecha deveremos opor potencial idêntico e a certeza de que não é fraqueza a tolerância ensaiada, mostrando simultaneamente que somos nós quem está em condições de falar mais alto o com mais autoridade e a convencer de que a mudança de ritmo é possível sem afectar o essencial das partituras; na política como na música . . .
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Disse o Sr. Presidente do Conselho.
Gostaria que se fosse generalizando um espírito de convivência em que a recíproca tolerância das ideias desfizesse ódios e malquerenças.
Pois é assim que eu, que não alimento ódios contra ninguém, nem me considero extremista ou intolerante, gostaria de ver processar-se a ansiada pacificação, embora pouco tenha dado por um atendível estado de guerra neste lírio exemplo de compostura e vivida unidade nacional em que decorreu a mudança na chefia do Governo, exemplar render da guarda, no meio do angustiosa expectativa, é verdade, mas tocado da reconfortante certeza de que a Nação dispunha, afinal, de tudo quanto era preciso para a sua permanência na tranquilidade há quarenta e dois anos vivida.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Que dispunha do tudo u Nação .... e com H graça du Deus, até da serenidade e fortaleza de ânimo de um grande e bom timoneiro, bem senhor do leme e do rumo e, cônscio dos valores a preservar, a tal ponto que dele se poderá dizer, no futuro, que foi, como já ouvi, um Presidente da República a sevir segundo a tradição real . . .
Estaremos de acordo, Srs. Deputados? Oxalá que sim.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se á
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio acerca da defesa da língua portuguesa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Arlindo Soares.
O Sr. Arlindo Soares: - Sr. Presidente: Antes do dar início às singelas considerações que irei produzir, no intuito de trazer uma modesta achega para a concretização dos propósitos enunciados no aviso prévio dos ilustres confrades .Elísio Pimenta e José Alberto de Carvalho, cuja relevância e oportunidade desde já se acentua, quero apresentar a, V. Ex.ª os meus cumprimentos de muito respeito e profunda admiração pelo talento em que tem ilustrado a sua notável carreira pública, recheada de assinalados serviços prestados nu Regime e au País. e desejar, com V. Ex.ª e todos os nossos pares, o pronto e completo restabelecimento de S. Ex.ª o Prof. Mário de Figueiredo, que, com a auréola do seu nome e grandeza de seus méritos, tanto tem honrado essa alta presidência que V. Ex.ª, de igual forma, tem dignificado e prestigiado. E, porque é esta a primeira vez que uso da palavra depois das graves enfermidades que prostraram o Sr. Presidente Salazar, enchendo Portugal inteiro de angústias e desolação, que a Providência e a alta visão do venerando Chefe do Estado em parte desvaneceram, ao concederem-no a felicidade de vermos ao leme da nau do Estado o timoneiro sábio e prudente, que é o Prof. Marcelo Caetano, é meu dever, que gostosamente cumpro, saudar S. Ex.ª o Sr. Presidenta do Conselho e prestar-lhe a homenagem do mais alto apreço, respeito, acatamento e confiança nas excelsas virtudes do eminente homem de Estado, certo, como estou, e todos os portugueses, de que, sob a sua égide, a nossa querida pátria há-de continuar no caminho certo e seguro da Revolução Nacional.
Agora, e já dentro do ânimo que determina a minha subida a esta tribuna, cumpre-me saudar a egrégia figura do Salazar, o grande benemérito da Pátria, que na lapidar definição de S. Ex.ª o Prof. Marcelo Caetano, é o "homem de génio que durante quarenta anos imprimiu, à política portuguesa a marca inconfundível da sua poderosíssima personalidade, dotado de excepcional vigor do pensamento, traduzida por uma das mais eloquentes expressões da nossa língua e senhora du uma vontade inflexível e de uma energia inquebrantável que, ao serviço do interesse nacional, não tinha descanso nem dava tréguas".
Que Deus guarde, ainda por dilatados anos a sua vila preciosa, para que aquele que exercitou a língua com o rigor clássico de um Vieira ou de um Bernardes e nos proporcionou uma era de paz e prosperidade num mundo em constante convulsão possa gozar ainda a felicidade, que bem merece, de ver a nossa terra continuar na ascensão gloriosa do seu rumo histórico.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É verdade incontroversa que o Mundo é hoje um vulcão permanente e a vida um mar revolto de contradições. Como o nosso querido e venerando Chufe do Estado tão brilhantemente acentuou na sua notável mensagem do Ano Novo, repassada da mágoa, e inquietantes preocupações, que alanceiam a sua alma de homem profundamente bom, o progresso material, que é evidente, nomeadamente no campo da ciência e da técnica, não se tem feito acompanhar do necessário progresso moral. Pelo contrário, assiste-se, dia a dia, a uma sinistra decadência dos valores fundamentais do espírito e o homem bestializa-se, perdendo a consciência da sua missão na terra; que é apenas um passo, e demasiado curto, para a sua ascensão para Deus.
A loucura do nosso; tempo é não sabermos interpretar o sentido dessa missão e, engodados pelos prodígios que a ciência nos vai concedendo, chegarmos a acreditar que ela nos trará a felicidade a, que aspiramos, quando cada vez mais nos afastamos do caminho que a ela nos conduz. O homem é um ser livre por excelência o a ciência fonte inexaurível de bens e de riquezas, mas esses bens e essas riquezas só serão úteis e profícuos quando aplicados com a finalidade última: a participação do homem com a verdadeira ciência que é Deus.
É tão patente aquela decadência o tão assolador o seu alastramento que não são poupadas já as instituições que, por sua natureza, são as depositárias dos valores essenciais du primado do espírito. Fala-se até em autodestruição da Igreja, e o mais grave é que esta queixa aterradora sai dos lábios e do peito torturado do Santo Padre, a sua pedi-a fundamental, a quem os falsos profetas do nosso tempo, alguns ainda envoltos na mesma túnica que cobriu o corpo dos apóstolos e dos mártires, não tem pejo de acusar e apregoar a desaforada desobediência. Horrível sinal dos tempos! . . .
A velha máxima latina homo hominis lupus é cada vez mais actual, e basta um ligeiro relancear de olhos pela orbe terráqueo que o homem parece querer deixar deserto, na ânsia desmedida de desvendar o espaço infinito, para nos apercebermos das ruínas e destruições que a sua animalidade vai provocando. Nenhum canto da Terra está a ser respeitado na fúria demolidora e demoníaca do novo apocalipse, e até este bendito oásis de paz fraterna em que durante anos vivemos foi assaltado pela horda dos bárbaros que nos feriram no cerne da nossa carne e da nossa alma ao pretenderem amputar-nos parcelas sagradas no solo pátrio que havemos de defender, custe o que custar. A firme decisão de nos defendermos, "defen-
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dendo, não a civilização ocidental, mas a própria civilização", impõe-nos obrigações que não regateamos, mas que importa fazer incidir sobre tudo quanto constitua, ainda que diminutos pareçam, bocados indiscutíveis do nosso património espiritual e mural.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente. Srs. Deputados: A língua foi, durante séculos, o padrão pelo qual se aferia a maturidade de um povo e é ainda hoje o vínculo mais perfeito para conseguir a sua unidade. Bem avisado andou o Sr. Deputado Manuel Nazaré ao apresentar nesta Assembleia o aviso prévio sobre a difusão da língua portuguesa em terras do ultramar como o mais forte esteio para se avigorar a união com a metrópole e em cuja intervenção participaram vozes das mais autorizadas desta Casa, com brilho, relevo t1 sabedoria para, todos nós altamente proveitosa. Praza a Deus que a moção que aprovamos seja atendida cem o desvelo que merece, para que a enérgica campanha que vai empreender-se tenha efectivamente prioridade entro as preocupações governativas.
Há, de facto, necessidade imperiosa que a língua pátria se espalho por todos os recantos do mundo português, mas é também forte imperativo das, nossas consciências que essa mesma língua seja difundida com verdade, isto é, lia pureza dos, seus vocábulos, e não como para aí campeia, enxameada de remendos de falsa origem, desnacionalizada, empobrecida c enlameada, ela que é a mais bebi e rica de todas as línguas.
Sendo assim, que a campanha de difusão seja acompanhada, se não precedida, de uma intensa e não menos necessária campanha de defesa da sua integridade, de uma verdadeira batalha de profilaxia, para a qual temos todos de nos congregar.
No recente discurso de S. Ex.ª o Secretário de Estado de Informação podemos ler este passo:
Mais do que a forca das armas, a informação é, no nosso tempo, o meio mais eficaz para travar as batalhas das consciências.
Referia-se o ilustre membro do Governo ao valor da informação no difundir das ideias, mas não podemos esquecer que as palavras são o arcaboiço que as sustentam °, por isso, aquela só serão verdadeiramente fecundas quando o seu sustentáculo for de boa cepa e de sólida o autêntica construção.
A linguagem é um altíssimo valor que não podemos menosprezar, sob pena de nos diminuirmos a nós mesmos. Como muito bem aduz o ilustre Prof. Mário Gonçalves Viana:
A fala dos homens define o seu psiquismo, o seu modo de ser, a sua cultura ou incultura e até a sua saúde ou falta de saúde física ou moral.
E, assim, um índice valioso das suas potencial idades e factor indispensável para uma união fraterna. Por isso, e como aquele mesmo grande filólogo nos ensina, "quase todos os problemas humanos entroncam mais ou menos no problema linguístico", e ainda:
Aquele que mio cultiva, honesta e metodicamente, a sua fala comete, por isso mesmo, um pecado contra a própria formação e contra o prestigio da língua materna. O desinteresse pela língua materna assume, pois. um significado que transcende as próprias pessoas e atinge, em profundidade, a existência da alma nacional. Não respeitar o prestígio e a beleza do idioma pátrio, não o cultivar com amor, conduz, em linha recta, à perda da noção dos valores portugueses
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Tão grande é a tua valia que Camões, o épico imortal, ao colocar Vénus como representante da civilização ocidental, na defeca da gente lusitana, não hesitou em o teu prestígio aos fortes corações, à grande estrela que os nossos maiores mostraram na Terra Tingitana. E, para justificar o seu afecto às nossas, gentes, equipara o mérito das nossas armas à língua, na qual, quando imagina, com pouca corrupção crê que é a latina.
Língua portuguesa, última flor do Lúcio, inculta e bela... tuba de alto clangor lira singela... em que Camões chorou no exílio amargo ... assim te chamou Olavo Bilae, príncipe dos poetas do Brasil irmão! . . . Eu te bendigo eu te venero!...
Sr. Presidente. Srs. Deputados. Ao exaltar as virtudes da nossa língua, apetecia-me repetir aqui os versos do poeta da raça ao exaltar as nossas glórias: "Cesse tudo quanto a antiga musa canta que outro valor mais alto se alevanta mas não tenho o engenho ardente, nem pobre pigmeu, a coragem para invocar as musas para me darem o som alto e sublimado para entoar o cântico que a língua pátria merecia e que outros entoarão com melhor arte e maior talento.
Direi, porém que se a língua materna, a nossa língua, é efectivamente a última flor do Lácio, é deveras confrangedor que ela a doce geração da nossa gesta, ande por aí desfolhada e espezinhada, vilipendiada e adulterada, como se fora um trapo desprezível que se atira ao lixo e ao monturo. Sempre as flores foram objecto de requintada atenção, de carinho e amor, porque nos dão alimento para o corpo e enlevo para a alma. Zelas se consubstancia toda a beleza e toda arte, com elas se honram os vivos e os mortos, se glorificam os heróis e os santos, de adornam os altares quando prestamos o culto a Deus. Respeitemos, coma merece, a maravilhosa flor que é a nossa língua!...
Entretanto o que vemos nós?
Se nos dispusermos a observar os tratos a que quotidianamente a sujeitamos, treinemos de pavor, vergonha e indignação perante a inconsciência com que a palavra oral ou escrita é desrespeitada no mais íntimo do seu ser. E não queiram ver só na incultura a razão de ser de tal fenómeno, pois que as pessoas mais qualificadas já se não apercebem das repetidas afrontas que lhe dirigem. Os erros de pronúncia, de ortografia e de sintaxe sucedem-se com apavorante frequência e a moda essa força ditatorial que impera em tantos sectores da nossa vida. impõe-lhe novos figurinos que a desfeiam e despersonalizam. Os estrangeirismos se hoje moeda corrente na boca e mi pena de cultos e incultas, e esta devam por aí em público e raso em documentos vivos e gritantes, que ficarão a atestar a marca desta época de dessoramento de costumes.
Os órgãos de informação, salvo raras excepções, não desdenham acompanhar os vícios de linguagem e com eles os transmitem com a velocidade que hoje possuem, atingindo já pessoas e lugares ato há pouco imunes à grave endemia. Os neologismos de importação deram assim lugar aos provincianismos que ajudaram a nossa língua e que hoje são considerados anacrónicos e obsoletos. A linguagem falada e até já escrita por alguns jovens é feita quase exclusivamente por monossílabos e interjeições que lembram os grilos gentílicos que os mais velhos não entendem e que se casa perfeitamente com o gosto animalesco dessa mesma adolescência, que delira e enlouquece com os silvos, da música a que chamam moderna o que tem o som e o ritmo dos uivos da selva. E o grande mal é que as pobres das crianças, que tudo imitam e macaqueiam já começam a utilizar
a mesma linguagem, ante a tranquila passividade dos pais que por sua vez se deixam contagiar por tilo inverosímil forma de expressão.
chego por vezes, a lembrar-me que nesta era dai viagens espaciais, o homem, na sua ânsia incutida de subir, está a construir uma nova torre de Babel e vamos ter mesmo entre nós um novo castigo na confusão das línguas.
A escrita está a passar por estranha transformação, de tal forma que, u não se opor um forte dique à corrupção que a invade, nau é difícil aceitar que a gramática soja eliminada como disciplina, pois que a obediência às suas regras não se aceita nem se admite. A minuscivilização e hoje corrente até nos sectores mais responsáveis como manifestação de estética e invadiu já os próprios cartões de visita de pessoas de projecção na vida social c cultural, e. o que c mais grave, folhetos, programas e cartazes dimanados das próprias estações oficiais da informação e turismo.
A chamada poesia moderna ou abstracta, abstracta no verdadeiro sentido de distraída ou separada de qualquer ideia válida, adapta correntemente esta forma de escrita e nega-se à pontuação que efectivamente nada vale quando essa forma de pretensa poesia não passa de um amontoado de caracteres gráficos dispostos em fileira, como arremedo de vocábulos. A estética, que é por definição, a ciência que determina o carácter do belo nas produções naturais ou artísticas. Pois de não ler leis nem limitações, a não ser as impostas pela moral, mas a gramática é, um código de leis que obriga a todos, mas particularmente aos escolares, que por sua infracção. estão sujeitos a severas e por vezes, desmedidas punições. Parece não ser ousada ver em certos casos na minuseulizacão e na desordem ortográfica, que é sua companheira dilecta, propósitos subversivos, já que esta forma de escrita ofende, muitas vezes, os princípios da disciplina e do respeito pela hierarquia, valores essenciais numa sociedade devidamente estruturada.
Não valerá a pena escalpelizar por mais tempo, até porque a matéria é inesgotável, todos os vícios e mazelas de que a nossa língua enferma. Para a prevenção e tratamento destas mazelas se têm erguido as vozes mais autorizadas, propugnando medidas drásticas mas expurgo, de limpeza, higiene e profilaxia, mas tem sido até aqui em vão os gritos, de alarme e ignorados e desprezados os meios de combate ao mal epidémico.
De entre as pessoas singulares e colectivas que mais se tem debruçado sobre o magno problema c travado o mais rijo combate - guerra santa e generosa que merece o nosso incondicional apoio justo é salientar a Liga Portuguesa de Profilaxia Social, a benemérita associação nortenha criada e mantida quase exclusivamente pelo apostolado intemerato, nobre e alevantado dos meus ilustres colegas de profissão Drs. António Emílio de Magalhães e Gil da Costa, os quais, não se furtando a sacrifícios de toda a ordem, tom levado, desde há longos anos, à tribuna do prestante organismo o vivo clamor de pensadores, críticos
filólogos e mestres da literatura da estirpe dos Profs. Gonçalves Viana, Pereira Tavares e Carlota de Carvalho, Drs. Eduardo Moreira e Oscar Lopes e Adolfo Simões Müller e publicado, em separatas, a que tem dado a maior divulgação, as suas conferências, que são, todas elas, magnífico repositório de ensinamentos e remédios para a luta em que estamos empenhados,. Além disso. os directores da Liga. num trabalho que não conhece descanso, batem à porta das pessoas mais em evidência nos meios culturais do Pais e dos próprios responsáveis, num constante alerta, para
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pedirem ajuda o terapêutica eficaz para o mal que assustadoramente nos invade.
Seja-me permitido, antes de mais, evocar aqui as saudosas memórias de dois grandes mestres e paladinos da língua: o sábio filólogo insigne mestre que foi o Dr. Agostinho de Campos, que, na Emissora Nacional, durante tanto tempo nos deliciou com as suas palestras primorosas sobre as virtualidades da língua pátria e tanto pugnou pela sua correcção e pureza, e o reverendo Dr. Raul Machado, com as suas charlas linguísticas, sempre aliciantes, embora por vezes cáusticas e mordazes, mas sempre conduzidas com a recta intenção de nos ensinar a bem falar, como é nossa imperiosa obrigação. Se a língua é o espelho do povo, nenhum de nós gostará, certamente, de nele se ver esbatido, deformado e ridículo por o mantermos embaciado ou sujo, riscado ou torcido pelo nosso próprio bafo ou por nossas próprias mãos.
Injustiça grave que não quero cometer seria esquecer aqui uma palavra de sincero aplauso e viva gratidão que todos nós devemos, a esse grande e sempre remoçado jornal, que é O Primeiro de Janeiro, que, gloriosamente festejou este ano o seu centenário e a quem o País deve assinalados serviços pela verdade e independência da sua informação e pelo acrisolado carinho posto na elaboração das suas preciosas páginas culturais. A sua secção, dedicada à defesa da língua, pequena no vulto, mas grande na essência, dirigida desde há longos anos, primeiro, pela autoridade incontestada do grande pedagogo e mestre da língua, que foi o Prof. Augusto Moreno, e agora pelo não menus ilustre e sábio Prof. Cardoso Júnior, é, com certeza, daquelas que o leitor, ávido de saber, procura, pressuroso, ao abrir as páginas do magnífico periódico. De louvar o cuidado com que o autor de "Como falar . . . como escrever . . .", se dispôs a publicar, em volumes, sob título Em Prol da Língua Portuguesa. essa preciosa colectânea de nótulas filológicas, ortográficas!, sintácticas e lexicográficas em que, magistralmente, tem respondido a dádivas e rectificado erros a milhares de consulentes que se lhe dirigem, para melhor praticarem o nosso rico e colorido idioma.
Merece aqui também uma palavra de louvor o cuidado boletim Escola Portuguesa, que ao ensino da língua, nomeadamente para consulta dos agentes, do ensino primário, vem prestando relevantes serviços. Injustiça maior cometeria se não lembrasse nesta Assembleia os altos préstimos dedicados à causa da língua pela Sociedade da Língua Portuguesa, organismo que bem merece a homenagem, do nosso respeito, simpatia gratidão pela intensa actividade desenvolvida com a edição de obras notáveis sobre filologia e pelo precioso boletim mensal que insere sempre produções magníficas do profunda erudição, completada por um dicionário dos mais completos e cuidados que é possível organizar. Com armas desta natureza e lutadores da garra de um professor Vasco Botelho do Amaral ou de um Dr. Teixeira de Aguiar e outros que, certamente, deixarei de referir, é caso para perguntar por que razão alastra e campeia, infrene, o aviltamento do sagrado dom que, fazendo parte integrante, do património espiritual da Nação, tem no Brasil o seu empório máximo e é ali mais respeitado e protegido, como se o filho tivesse maior obrigação de guardar e conservar aquilo que o pai esbanja e adultera?
Não será muito difícil responder à interrogação. A nossa incúria, o nosso desamor pelas coisas que mais devíamos estimar, a tolerância com que nos dispomos a desculpar o indesculpável e até o vício já inveterado de infringir e deixar infringir as leis e os regulamentos e desrespeitar a autoridade sempre que estamos mais ou menos, certos de ficar impunes por deficiente fiscalização e policiamento, estão certamente na base do problema. Sendo assim, poderei afirmar que se a fala, como diz o Prof. Gonçalves Viana, reflecte os transes da vida do homem e da sua personalidade, a linguagem actual, desqualificada e despersonalizada, é a consequência lógica do desregramento moral a que aludi no início da minha intervenção. A culpa no final de contas é de todos nós. Ao falarmos mal, ensinamos os nossos filhos a falar mal. E cabe aqui lembrar que, se a criança naturalmente começa por ter dificuldade em articular devidamente certos vocábulos e só ao fim de muito treino e à força de os repetir, consegue pronunciá-los com precisão quantos pais e mães se deliciam em imitar a dicção errada de seus filhos e os ajudam a persistir no erro por vezes bem difícil de corrigir quando atingem a idade escolar. E não será injustiça afirmar que, nos tempos que correm, possa haver professores e particularmente professoras que imbuídos já da influencia nefasta da muda, inoculam na criança o vírus maléfico da linguagem yé-yé, como sói hoje apelidar-se tudo quanto é ultra-moderno sem carácter, sem tradição, sem alma e sem pátria. E acabamos sempre por cair no mesmo ponto: os vícios de educação forjam-se no lar e continuam-se na escola. Culpados, sempre, os pais e os mestres, que somos todos nós.
Uma das grandes causas da perda da vernaculidade e dos desvios do idioma foi sem dúvida a redução ou quase eliminação do Latim no ensino secundário, pois o que ficou, em certos cursos de obrigatório quanto a esta disciplina para pouco ou nada serve. Com que saudade recordo os já longínquos anos de menino e moço, no Colégio Internato dos Carvalhos, e as aulas do grande mestre que foi o P.º António Almeida, que a morte há pouco ceifou e que manteve, até aos últimos tempos de uma invejável longevidade, o ar austero que não era incompatível com uma bondade inata, que muitos ignoravam aulas que só ele sabia tornar atraentes numa matéria que, para muitos, era motivo de tortura e desespero! ... Os conhecimentos ministrados que o P.º António Luís Moreira, o grande pedagogo e latinista, de vez em quando se permitia fiscalizar, mostrando assim o interesse desta disciplina para a formação humanística dos alunos confiados à sua direcção e orientação, furam de capital importância para puder entender cm profundidade a linguagem que a carreira médica, que abraçei, me deparou. E abro aqui um parêntesis para lamentar que sendo a classe profissional a que pertenço aquela que sem dúvida, mais numerosa o qualificada contribuição tem dado às letras pátrias, nos tempos que correm, mercê, certamente do vazio que o desconhecimento do Latim cavou na pureza da língua, os médicos portugueses já por vezes, se não entendem, pois é diferente a linguagem usada de Faculdade para Faculdade.
Outra séria razão e talvez a mais importante de todas para a corrupção e desvios linguísticos é sem dúvida, a falta de gosto pela leitura, nomeadamente pela boa leitura, ou a impossibilidade manifesta de a efectuar. É de facto incomensurável o número de alunos que terminada a sua aprendizagem no ensino primário ou mesmo médio ou secundário, se divorciam dos livros, como se eles não fossem os nossos mais leais e proveitosos amigos. Bem andou por isso a grande e benemérita Fundação Calouste Gulbenkian em espalhar por esse Portugal inteiro as suas bibliotecas fixas o itinerantes que tão relevantes serviços vêm prestando à cultura, mas que precisavam de ser ainda mais procuradas e conhecidas um certos, meios, pois é desolador verificar-se o reduzido número de leitores, apesar do cuidado posto na substituição e renovação das suas valiosas colecções, na escolha dos autores e dos assuntos versados e na gama imensa das matérias oferecidas. O que
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será, portanto necessário fazer para pôr um travão e seguro ao alastramento do mal e para nos vermos livres da linguagem que para aí campeia, incaracterística, desvirtuada e desnacionalizada?
Em primeiro lugar há que fazer respeitar as leis ortográficas, não se permitindo os exageros o abusos que só vem cometendo, muitas vezes com ponto de partida dos próprios organismos oficiais. Para tanto basta fazer cumprir as disposições legais que regulam o uso do idioma, entre elas o Decreto-Lei n.° 35 228, de 8 de Dezembro de 1945, e, se for necessário promulgar outras que obriguem todos os portugueses, sem excepção de pessoas ou de classes. Como muito bem se diz na excelente brochura O Respeito pela Língua Portuguesa, editada pela Liga Portuguesa de Profilaxia Social, aquele decreto não formula regras para cada gosto. Não excepciona. Não credita aos artistas qualquer possibilidade de uma ortografia própria liberta, de condicionalismo legal. Essas regras deverão aplicar-se a todos os escritos, sejam curtos ou extensos, gravados na pedra ou no papel, pintados na tela ou iluminados no pergaminho, produzidos por intelectuais ou estetas, ao que eu acrescentarei, ou exibidos nas pantalhas dos cinemas ou da televisão.
Recordo-me que há anos foi proibido o uso de letreiros ou tabuletas com designações estrangeiras. Uma delas era bar. Pois logo os proprietários dos estabelecimentos com esta aberrante denominação se apressaram a sofismar a lei, mandando colocar um ponto final à frente de cada uma das letras, como se elas fossem as iniciais de qualquer nome que ninguém sabia decifrar. Hoje, porém, não é necessário sofisma, e os letreiros e tabuletas com nomes importados sem qualquer outra razão que não seja um exibicionismo torpe e ignaro, pois todos eles tem tradução exacta na nossa língua, enxameiam as frontarias dos prédios de cidades, vilas e aldeias, na maior parte dos casos pintados e iluminados com cores berrantes para chamarem ainda mais a atenção para a desfaçatez com que a lei é desrespeitada. Tudo isto leva a crer que não há um organismo com poderes ou força para a aplicação da lei e assim me abalanço a propor a criação de um instituto de higiene da língua, junto do qual funcione uma intendência com poderes de fiscalização e repressão das infracções e crimes previstos e punidos pelas leis e regulamentos. Se existe uma Inspecção-Geral dos Géneros Alimentícios, com fiscais atentos e em permanente actuação para nos livrarem da garra adunca dos especuladores e mixordeiros que exageram os preços e adulteram a qualidade dos géneros alimentares, porque não há-de haver um organismo paralelo que fiscalize e reprima, com igual severidade, a degradação do alimento espiritual que, é a nossa língua?
Depressão dos abusos e crimes e adopção de meios para que a língua seja conhecida em toda a sua maravilhosa contextura, eis o que se torna necessário e urgente pôr em prática. A reposição da disciplina do Latim nos moldes anteriores seria medida a considerar com a devida urgência.
A criação de jardins de infância e o restabelecimento do ensino infantil, que tive já oportunidade de propugnar aquando da discussão do aviso prévio do ilustre confrade Braamcamp Sobral, para que a criança possa desde tenra idade aprender a falar correctamente, seriam também óptimos meios de prevenção para os males que nos afligem.
Tive há dias a grande satisfação de ser procurado por um digno pároco de uma das mais pequenas e pobres freguesias do meu concelho para colaborar num curso popular de cultura, bela e feliz iniciativa dos organismos agrários da Acção Católica.
O tema que me deu, e que gostosamente aceitei para a palestra que logo me dispus a fazer, foi a leitura ao serviço da cultura. Pude verificar, apesar dos fracos méritos do palestrante, a atenção e o carinho com que me ouviram e a plena aceitação às sugestões propostas para que a leitura passasse a ter ali lugar de relevo como o elemento mais válido da formação. Que força enorme poderíamos conseguir se estes cursos ou outros de igual índole se estendessem a todos os recantos do Pais o como, com eles, devidamente amparados por pequenas bibliotecas, formadas por livros são, revistas e jornais que permitissem uma leitura bem orientada, seria fácil a solução do problema que nos ocupa.
Vamos todos trabalhar para que assim seja?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já demasiado me alonguei. sem que certamente tenha conseguido desempenhar-me como era meu desejo e de VV. Ex.ª, da missão que aqui me trouxe.
Consola-me, ao menos, saber que outros irão tratar com mestria este tema apaixonante.
Comecei por esboçar uma panorâmica da crise que o Mundo atravessa e em que pus uma nota de dúvida e inquietação que, a todos nós, atormenta o confrange. Mas, mal de nós se nos deixamos arrastar pelo pessimismo e pela descrença. Nas horas difíceis é que se torna necessário retemperar o Animo e vivificar a fé.
E eu tenho fé e esperança na nossa mocidade, apesar das nuvens que por eles. ensombram o Sol radioso que deve ser a fonte, que ilumine e aqueça o seu caminho "O amor da Pátria, não movido de prémio vil, mas alto e quase eterno".
Foi essa fé e essa esperança que há quarenta anos, quando a Pátria despertava do letargo em que havia mergulhado, fez desferir à minha pobre lira nesse tempo alegro e rumorosa, e hoje velha, gasta e ferrugenta, estes versos com que me permito alterar a habitual frieza do Diário das Sessões:
Portugal, Portugal, Pátria querida
De meus avôs, meu berço de criança
Não me morreu no peito a esperança
De vingada te ver e redimida.
O mal que, fizeram!... Tem confiança
Na heróica mocidade decidida
Cujo lema será, em toda a vida,
O dar-te um grande amor que jamais cansa.
Olhos fitos nas velhas tradições.
Cheios do amor ou rubros corações.
Vai teu nome pelo Mundo ressoar:
O teu e o dele, na mesma voz unidos,
No mesmo pensamento concebidos,
Portugal, Portugal e Salazar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. António Cruz: - Sr. Presidente: Uma palavra de cumprimento, um voto ditado por velha e funda admiração. Palavra de cumprimento devida a V. Ex.ª, quando tenho a honra de subir a esta tribuna pela primeira vez, neste período em que o plenário tem reunido sob tão esclarecida e atenta presidência. E um voto: esse o formulo, erguendo a Deus a minha prece, na esperança de ver regressado ao nosso convívio e a curto prazo o Prof. Mário de Figueiredo, para de novo colhermos o fruto do seu alto magistério.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todo o combate em defesa da nossa língua é sempre um bom combate, pelo que não pode recusar-se à luta quem vive o seu dia a dia na preocupação de bem servir a sua Pátria. Daí resulta
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o modesto depoimento que hoje trago a este debate, descolorido ou apoucado de forma, limitado nas suas ambições, carecido, e bem carecido, de riqueza de conteúdo.
O Sr. Elísio Pimenta: - Não apoiado
O Orador: - Falece-me qualidade para mais o nem me sobra o tempo requerido para a reflexão que exige repousos.
Modesto depoimento é o meu, repito, já pelas razões infundadas, já por outras que nem importa referir. Só tem si distingui-lo o sinal da sinceridade: vai ditá-lo já a lição colhida no magistério da leitura, já a certeza radicada no espírito a partir de todo o momento em que escutei a mais autorizada e qualificada voz da nossa terra.
É a minha uma geração, a dos anos trinta, que foi educada na leitura de páginas selectas, recolhidas na obra dos nossos escritores, que conquistaram, por seus méritos, consagrado posição de clássicos. Aí, e mais do que a beleza da forma, afiançada ao rigor e à clareza da expressão, aprendíamos a bem prezar a língua portuguesa como instrumento de difusão da doutrina que sempre foi o princípio e o fim das gerações que se sucederam e mergulham raízes em tempo bem recuado: aquela doutrina que ensinou o homem português a comportar-se, obediente a uma posição de verticalidade, no mundo do seu tempo, já, de princípio, debruçado nesta ocidental janela da Europa que se abro sobre o Atlântico, já e por força do destino que Deus lhe reservou, presente em qualquer dos lugares de além, vencidas na latitudes e as longitudes, esses lugares que ele descobriu, desbravou e cristianizou.
Complementar dessas leituras do banco da escola era aquela que nos ofertava, no remanso do lar, para além do livro do armário da casa, a folha periódica aí recebida todos os dias ou em cada semana. O artigo repousado, a crónica - aligeirada e amena, a breve e simples notícia, ainda o formulário de actos notariais e outros também do foro da comunicação oficial ou oficiosa, tudo obedecia à regra ditada por aqueles que bem conheciam a nossa língua, logo na sua origem como na evolução a que a submeteu a lei do tempo. Apartando-se do pormenor que define um estilo, todos se irmanavam aí, confundindo-se, no respeito pela gramática. Assim o autor do artigo ou do abreviado comentário, assim o cronista como aquele a quem cabia, obediente a um formulário, redigir qualquer diploma.
Na peugada de um Eça - grande, extraordinário escritor, porém, dobrado no que tange de perto com a pureza da língua mãe, diante de estranho falar - vieram os galiciparlas . Já o fundista, já o cronista, já o comentador, deixou de ser redactor de gazetas, para se chamar jornalista. E o mesmo autor daquelas circunstanciadas memórias de sucessos do dia a dia, que escreve ao serviço dos leitores seus contemporâneos e compõe, simultaneamente, fontes de informação para o futuro, esse não é já conhecido como autor das portuguesíssimas relações, nascidas no período meridiano da Restauração, mas sim como redactor de reportagens, pelo que lhe chamam repórter. Com isto não pretendo adiantar um só passo para além do limite estabelecido em obediência a uma natural evolução da língua. Natural e necessária, na medida em que pode vir a enriquecê-la. Mas pretendo, sim, anotar que estranhas influências até nos podem sujeitar à adopção de palavras de que não carecíamos, pois que outras de igual significado havia já no nosso léxico.
Não falta aí quem acuse a imprensa - e assim a radiotelefonia e a radiotelevisão - do feio pecado de concorrer para o abastardamento da língua portuguesa. Pois
em meu juízo o que cumpre é conhecer dos fundamentos de qualquer erro, voluntário ou involuntário, já na redacção, já na ortografia, já na pronúncia. O que cumpre é procurar a origem dos males apontados, de preferência a recriminá-los. E interroguemos, então, assim:
Cumpre a escola o seu dever quando chamada à responsabilidade de instruir no particular do ensino da nossa língua?
Cumpre o Estado o seu dever quando chamado a dar exemplo através dos textos que divulga?
Dispenso-me de arrolar tais exemplos - são de todos os dias . . . -. porque eles, grande infelicidade a nossa, repetem-se vezes sem conta.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E logo nas circulares dimanadas das secretaria de Estado e de toda a vez que se ordena a organização de um dossier, como não bastasse a classificação bem portuguesa de processo, e ainda de toda a vez que não se atende à regra da concordância do sujeito com o predicado. E logo em todo o diploma ou simples despacho que implica a referência a classificações de natureza técnica, esquecendo-se então que também há na língua portuguesa a palavra adequada para exprimir uma simples definição divulgada através de outra língua.
O técnico da informação não recebeu, talvez, quando frequentou uma escola, aquela instrução de base de que ele e todos nós carecemos. Por louvável esforço pessoal - ele como todos nós -, procurou, de certeza, aprimorar-se no conhecimento da nossa língua: porém, é lançado para a dúvida, embora suficientemente conhecedor das boas regras, de toda a vez que se lhe impõe a tarefa de estudar, para transmitir aos seus leitores o ouvintes ou para comentar, um texto divulgado através de organismos possuídos de particulares responsabilidades. E quando lemos, por exemplo, todos os dias, ditada pela lei do tecnicismo do nosso tempo, que importa aumentar a rentabilidade, quando se pretendia dizer - a haver respeito pela nossa língua - que é preciso que seja mais acentuada a rentabilidade, quando lemos ou ouvimos uma expressão deste mau gosto, que mais teremos de esperar?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não precisamos do o constatar, como também para ai se diz. O que temos, sim, é de o reconhecer, para deveras o lamentar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não se esbateu ainda nesta sala o eco da palavra de circunstância e sempre oportuna de quem tanta vez a honrou, trazendo para aqui o seu pensamento e confinado-o a quem - nós e aqueles que nos antecederam - devia ser incumbido na nobilíssima tarefa de o difundir. Sereno, mas firme, nos seus juízos, o homem do leme, ainda que teimando em viver a sua natural modéstia, agigantava-se de toda a vez que só dirigia à Nação. Era o mestre por excelência que falava, logo neste sítio como em quaisquer outros sítios que lhe foram tribuna.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E assim na varanda do quartel do Pópulo. na Braga Augusta, quando aí proclamou que não discutimos Deus, nem a Pátria, nem a Autoridade, nem a Família, nem o Trabalho.
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Caberia aqui dizer-se ou repetir-se, e nesta hora, e ainda em conexão com o tema debatido, que o ideário da Revolução Nacional tem de ser extraído, no conteúdo da doutrina e na expressão da forma, de todos aqueles ensaios que são os discursos do Presidente Salazar: meditados á luz das melhores tradições nacionais, ganhando assim tanto um carácter como numa indiscutível originalidade, todos eles são animados por um espírito criador e iluminados pela viva inteligência de quem não desejando ser mais do que o interprete de uma vontade colectiva, veio a ser o guia da geração do resgate e ainda o estruturador de uma ampla reforma que abrange todos os sectores da actividade nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mais ainda: o mesmo carácter, a mesma originalidade da própria reforma empreendida, esses os devemos também ao Prof. Doutor Oliveira Salazar - pelo que o "caso português", estudado e encarecido por destacadas personalidades do nosso tempo, é iniludívelmente a consequência imediata do um alto pensamento de filosofia política, este servido por um espírito propenso a meditação das realidades em si mesmas e também a louvar-se de toda a vez numa cultura válida e do mais variado matiz. Na cúpula deste juízo seria também de se inscrever a afirmação de que jamais, como da parte do Presidente Salazar, veio a saber-se de tamanha coerência do pensamento com a acção, ainda na conduta particular e assim na maneira de ser e de viver.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Acrescentemos a palavra adequada e requerida quando os nossos cuidados se volvem para a defesa da própria língua. E digamos que ninguém como o Presidente Salazar, em nossos dias, tanto amou e serviu a língua mãe.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O culto da forma sempre o dominou a todo o momento, porque subjugado a preocupação da clareza e da aplicação imediata das palavras que melhor traduziam um conceito e também da sua conjugação, em ordem à formulação de um juízo. E logo e sempre se impõe, da sua parte, o culto da clareza, porque não é particular do espirito cultivado e esclarecido o recurso ao hermetismo da expressão, ficando este reservado, sim, para quantos encortinam a ignorância com a expressão menos acessível a apressada leitura e fácil raciocínio.
A boa lei da portugalidade bem carecemos nós de a ver divulgada a todo o tempo e sobretudo na escola: saibam os novos o que fomos, para logo saberem o que são e qual o dever, qual a missão que lhes cabe. Exige-o a defesa do nosso património espiritual, riqueza sem par em que se radica a nossa própria individualidade. E não bastará, para tanto - consinta-se a interrogação -, não bastará seleccionar textos do homem de génio a quem os nossos destinos e o futuro dos nossos filhos e netos estiveram confiados por dilatado período du quatro decénios?
Para a difusão da lei da portugalidade, o que se impõe, a meu ver, é a preparação imediata de uma selecta de textos do Presidente Salazar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Faculte-se, depois, a todos os novos, já na escola, já, na oficina ou escritório, a leitura destes textos: através dela será oferecido a todos o conhecimento imediato do Evangelho português, bem como a formação necessária para sentir, amar e respeitar a pureza da nossa língua.
Esta uma sugestão que deixo aqui, na esperança de a ver acolhida, amparada e concretizada por quem de direito. E não será mais do que uma sugestão, o dever que nos impõe a hora presente, que é também uma hora meridiana de Portugal?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Hirondino Fernandes: - Sr. Presidente:
Floresça, fale, cante, ouça, e viva
A portuguesa língua, e já onde for, Senhora vá de sí soberba e altiva.
António Ferreira
Lá em cima, à, sombra das avelaneiras floridas dos ridentes Minho e Galiza: ao longe, o murmúrio das ondas, das ondas do mar de Vigo, espraiando-se na praia: e a dois passos, em perfeita harmonia de sons, o som orquestral dos estorninhos do avelanado.
Aí nasce mas breve, daí sai a portuguesa, língua, que o destino, que a fadara, não se compadecia com tão acanhados limites: galga o Douro, o Tejo, o Sado, para logo embarcar rumo a horizontes mais largos.
Enriquece-se com todo o aroma e fragrância das rosas de Santa Maria e, levada no peito de heróis e santos, continua na sua marcha triunfal: as Tormentas tornam-se Esperança, e em breve aí está ela repartida pelo Mundo em pedaços mil - na Europa, na África, na América, ontem língua franca de toda a Ásia, onde, por três séculos, chegou a falar-se mais ou menos pura, e hoje em Goa, Damão e Dio, quer queiram, quer não, e ainda em Bengala, Malaca, Singapura, Ceilão (sob a forma de crioulo), nalguns pontos da costa do Malabar, etc.
Floresça, fale, cante, ouça-se e viva ..., e a língua portuguesa floresceu e falou e cantou e, daí, necessariamente, se ouviu e viveu.
Fala-se e canta-se e ouve-se e vive-se ainda em quase todo o antigo território, e de tal modo que de entre, aproximadamente, as 2 000 línguas e uns 8 000 dialectos em que os homens se entendem - quando não se desentendem! - ela continua a ser uma das principais línguas comerciais de origem europeia, a sexta, segundo o Atlas Larousse de 1930. e falada por uns 60 e tal a 70 milhões do indivíduos, no dizer de Mário Pei e Nuno Simões (este com, base nos resultados de dois inquéritos organizados, um em 1934 pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros e publicado no Boletim Comercial, e outro pela Sociedade de Geografia de Lisboa, conforme respectivo Boletim de Novembro-Dezembro de 1940), para além de outros, ela ocupa um 2.º lugar entre as línguas, românicas. um 4.º entre as de civilização e comerciais e um 9.º entre as línguas do Mundo.
Repartida, muito embora, em "pedaços mil", como dissemos, postos de lado os crioulos propriamente ditos, ela mantém-se, surpreendentemente, sem diversificações dignas de tal nome, em todas as parcelas do território, em contraste bem flagrante com o que sucede em França, Itália, Alemanha, na vizinha Espanha, etc.
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Marchará, no entanto, senhora de si, soberba e altiva?
É problema de todos os tempos e, certamente, de todas as latitudes.
Ontem, e na metrópole, para que ele marchasse como António Ferreira desejava, impunha-se para além do mais mostrar como diria, no século seguinte e por quase idênticas razões. Rodrigues Lobo, que ela não era ... menos que as outras como elas "era branda para deleitar, grave para engrandecer, eficaz para mover, doce para pronunciar, breve para resolver o acomodada às matérias mais importantes da prática e escritura".
Em ambos os casos, um grave problema estava em causa. Embora de mais fútil solução, porque de natureza algo diferente novos problemas se lhe deparariam mais tarde: influências do francês, do italiano, etc. E nunca a língua pátria deixou de andar "soberba e altiva".
Ontem, e no ultramar, impunha-se difundi-la e para aí seguem por ordem de D. Manuel, já em 1504, "muitos mestres de ler e escrever", e em 1512, Afonso de Albuquerque cria uma escola em Cochim, logo com perto de 100 "moços".
Desde então, e sem desfalecimentos, a mesma política tem sido, com sobejas razões, justamente mantida: já há quatrocentos anos João de Barros via que as armas e os padrões portugueses postos em África e Ásia [. . ] pode-os o tempo gastar, mas nada gastará doutrina, costumes, linguagem, que os Portugueses nestas terras deixaram. É sempre "soberba e altiva", a cada passo que dava.
As línguas Pão um organismo vivo, e daí o estarem em constante evolução. Em tais condições, é hoje, como foi ontem, necessário enriquecê-las, ilustrá-las e até difundi-las. Por isso não é a primeira vez que o problema da defesa da língua vem a esta Câmara.
Ilustres oradores se debruçaram já sobre ele, dizendo do melhor caminho para a sua solução. Tal solução continua, todavia, em aberto, em razão do acima exposto e também das dificuldades em que assenta: financeiras, sobretudo.
De qualquer modo, ele não pode ser descurado: é um problema político, é um problema nacional. Por isso, bem fizeram os distintos autores do presente aviso prévio José Alberto de Carvalho e Elísio Pimenta em trazê-lo, de novo, para aqui.
Muito há que fazer neste capítulo da língua, já na metrópole, já no ultramar!
No ultramar não pode o problema ser resolvido de um momento para o outro. Se, como muito bem disse há dias o ilustre Deputado Dr. Henrique Veiga de Macedo - e quem o poderia fazer com melhor conhecimento de causa, se repetimos," na própria metrópole razões de fundo obstaram até há pouco à difusão generalizada do ensino primário, a despeito de a escolaridade obrigatória haver sido decretada vai para mais de um século", que fará no ultramar?!...
As dificuldades de um problema não devem impedir, pelo contrário, que se tente solucioná-lo da melhor forma possível, o que aliás, pensa o mesmo orador ao formular, mais uma vez, o voto de que se vencesse também em Moçambique, de que tratava, a "batalha da instrução", e de que a língua mãe "fosse falada por todos os que nascidos em qualquer parcela do território português, têm de manter o diálogo permanente, construtivo e pacífico da lusitanidade e do espírito cristão".
Com efeito, se a unidade linguística não é factor essencial para a formação de qualquer nação, ela é, no dizer do ilustre catedrático de Coimbra Manuel de Paiva Boléo, factor importante de coesão, tornando-se uma situação bilingue "quase sempre desfavorável à unidade nacional". Mais uma forte razão - política e nacional - para uma batalha sem tréguas neste capítulo.
Urge, assim, difundir a língua para logo a seguir a poder ilustrar aqui, em todo o ultramar e em todas as partes do Mundo em que ela é presentemente falada: grandes ou pequenos núcleos de tantos portugueses um pouco por todo o lado espalhados.
Senhora vá de si, soberba e altiva ... Pois também na metrópole muito há a fazer; também na metrópole muito a língua pátria pode florescer, e muito tem mesmo de florescer, se quiser andar verdadeiramente "soberba e altiva".
Por onde começar parece-nos ser difícil dizer-se, e talvez a nós nos não cumpra fazê-lo. Do que não temos dúvidas, porém, é de que a língua enormemente lucrará se se renovar - como julgamos impor-se (deformação profissional?!) - o seu ensino: o secundário, o superior, o primário - que são duas horas por dia nas escolas com desdobramento triplo?
Três ou quatro pontos, apenas, e do primeiro, mas os bastantes, ao que cremos, para provar à evidência a necessidade da sua renovação:
1. Estamos no século da oralidade, como correntemente se diz. Apesar de assim ser que ouvimos se prestarmos um pouco de atenção à leitura ou conversa da maior parte das pessoas?
Que nos responda Rebelo Gonçalves:
A verdade, a triste verdade, é que a má leitura nos acompanha pela vida adiante, como se fosse um estigma fatal. Saímos da escola secundária e não sabemos ler; entramos na Universidade, saímos dela e continuamos a não saber ler; encetamos as mais diversas das profissões oficiais ou liberais e ainda a dicção imperfeita, imobilizada sempre no mesmo tipo, fica em contraste desolador com a marcha ascensional da nessa cultura.
E Paiva Boléo confirma isto mesmo ao afirmar, igualmente, que é raro encontrar em Portugal "um aluno, mesmo da Universidade, que saiba fazer uma leitura expressiva, sendo poucos os conferencistas que se preocupam com a arte de dizer".
Ora, se dominar a língua é sinónimo de bem a escrever e bem a falar, que se faz para remediar aquele estado de coisas?
Em teoria, muito nos actuais programas do ensino técnico, talvez pouco ainda nos de liceu. Na prática, pouco, porventura, em ambos.
2. A Fontaine crê que as regras essenciais da gramática cabem na palma da mão. Outros, verdadeiros idólatras daquela, transformam as aulas em intermináveis fastidiosas, estéreis ... sessões de problemas morfológicos, sintácticos, fonéticos.
Optar, também aqui, pelo meio termo? Mas qual é ele? O que é que se deverá pôr de lado - deve haver tanta coisa! -, e no que é que se deverá insistir?
Quando teremos as nossas gramáticas de base? . . .
3. Quando teremos também um dicionário de base?
Qual o vocabulário a ensinar no ultramar, naturalmente aos que vão aprender o Português?
Qual o vocabulário a ensinar a um aluno do 2.° ano? E qual o vocabulário a ensinar a um aluno do 5.°?
O vocábulo que é importante para mim não o é para outrem e vice-versa; e o que é importante para ambos pode carecer por completo de funcionalidade.
Quando teremos os nossos dicionários de base de modo a podermos preocupar-nos. aqui como no mais, apenas com o que é pertinente, prático para os diferentes níveis?
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Quando é que em vez de um pôr do Sol - tema que aqui ou mais além ainda surge como assunto para dissertações -, passará a surgir nas nossas aulas somente um nascer do Sol: assuntos com aplicação na vida prática, que não puros devaneios líricos?...
O Sr. Elísio Pimenta: - Muito bem!
O Orador: - Pois tudo isto - isto que, pela força das circunstâncias, é uma pálida amostra de muito joio a ceifar, tudo isto se impõe renovar, para além de muito mais, por certo: aumentar mesmo as exigências nos exames - desde as ideias ao léxico, tão pobre, por vezes -, aumentando, primeiramente, como diremos já, as exigências de cada aula.
Renovar os programas, sim, bem como a respectiva didáctica da língua - nos casos em que é de renovar! - mas logo a seguir, se não concomitantemente, renovar os professores.
Segundo Marouzeau "lê secret de la réussite, pour l'enseignement du français, c'est la formation dês maitres". Pois o segredo de êxito no ensino do Português não é outro em 90 por cento dos casos, ao menos.
A situação actual não pode manter-se, urgindo, como dizia Costa Marques em O Ensino do Português nos Liceus, e separata da Revista de Portugal (série A, "Língua Portuguesa"), Lisboa, 1958:
Lutar contra a tendência generalizada para ver no ensino do Português uma actividade acessível a qualquer pessoa medianamente instruída.
Se queremos ver resultados, e temos de vê-los, torna-se necessário exigir, tendo primeiramente criado condições materiais e de prestígio social para o professor, que só agora, diga-se de passagem, se começam a vislumbrar.
Senhora vá de si, soberba e altiva...
Fazendo como dissemos, a língua passará a andar, por certo, mais soberba e mais altiva, mas não por completo ainda, dado que, de fora, liça tudo quanto ultrapassa as barreiras necessariamente limitadas da escola.
Poucos serão os países sem um instituto que vele pela pureza, correcção, clareza e beleza da sua língua. Na Itália existe desde o século XVI (1585), na Alemanha e França desde o século XVII (1617 e 1635, respectivamente), na Espanha desde n século XVIII (1713)...
Em Portugal têm-se encarregado da sua defesa a Academia das Ciências - para publicar um dicionário e uma gramática - e o Centro de Estudos Filológicos, para além dos esforços vários, mas desconexos, de uma Emissora Nacional, Rádio Clube Português - quando não faz o contrário! -, boletins ou revistas de filologia, a própria Liga de Profilaxia Social Portuguesa, simples particulares, como Gonçalves Viana, Carolina Michaelis, Cândido de Figueiredo, Leite de Vasconcelos..., para não falar dos vivos, com receio de vir a esquecer algum.
A ideia de um instituto que congregasse os cultores do idioma pátrio de todo o território nacional data de alguns tempos já. Referiu-se-lhe, embora com respeito ao Brasil, Rebelo Gonçalves, em 1935, e logo Sá Nogueiro, em 1936, para além da Revista de Portugal (série A, "Língua Portuguesa") , que, anos mais tanta, quis ouvir sugestões e opiniões de várias individualidades sobre tal ideia.
Semelhante instituto, que, no dizer de Brunot, se deveria compor de "techiiiciens, d'hommes de lettres et aussi d'usageurs, simples gens de goût et de bon sens"", sem, segundo o mesmo À., constituir "un bureau de police, donnerait de consultations, serait un instrument de progrès règlé, dont en apprécierait vite lês bienfaits".
No dizer de Vasco Botelho do Amaral, ele teria por objectivo "concentrar os esforços dos que, afinal, são conservadores, guardas e zeladores do tesouro espiritual que se chama língua portuguesa", e se um dia viesse a formar-se "grandes realizações" - continua - "se poderiam conseguir, como, por exemplo, a de estudos directos à língua popular, a de análise à escrita dos mais vernáculos autores portugueses, a de junção de materiais para um digno dicionário geral da língua, a de orientação da escrita da imprensa e das falas da rádio, etc. A expansão da língua portuguesa no Mundo constituiria indispensável intento desse organismo, visto que o nosso instrumento de expressão não deve ficar subjugado perante o poder crescente de outras línguas cultas ...".
Se um tal instituto viesse um dia a formar-se ... Mas um tal instituto tem de se formar um dia!
E urgente o estudo ordenado, científico, da linguagem popular, tesouro em vias de se perder.
O seu léxico é extraordinariamente rico, como bem o demonstrou Paiva Boléo ao reunir, apenas no continente, quarenta designações para "doninha", cem para "baloiço" e nada menos que duzentas para "agulha seca de pinheiro".
Porque assim é; urge levar a bom termo o seu esforço e, aproveitando os resultados do inquérito por correspondência que há anos realizou, lançar um novo inquérito, de lês a lês de Portugal (metropolitano, naturalmente, e, quando muito, insular), de modo a tornar uma realidade o atlas linguístico por que tanto, e com razão, os estudiosos da língua aspiram, como indispensável instrumento que é para o estudo da mesma.
É urgente o estudo da linguagem popular, mas não o é menos orientar a imprensa, a rádio, etc. Referimo-nos, essencialmente, à pequena imprensa - pequenos jornais da província, cartazes, etc.
Naturalmente prestará atenção tal instituto - qual novo Mulherbe - aos variadíssimos problemas que se lhe hão-de deparar: uso e abuso das siglas - nova "língua" a quebrar-nos a todos a cabeça ; os estrangeirismos - praga pior que as pragas bíblicas, porque quase que não há barreiras que valham; o velho problema da ortografia...
Se bem que haja erros de ortografia mais lindos... que as estrelas:
São mais lindos que as estrelas
Teus erros de ortografia
dizia Gonçalves Crespo - iniciais minúsculas que... não vemos nenhuma estética justifique, e tantos mais que; por todo o lado surgem - no simples anúncio e na grande reportagem, no cinema e na rádio, na televisão, etc. - , bem seriam de evitar e só a um instituto do género será possível reunir em tal sentido os necessários e múltiplos esforços.
É urgente depurar e conservar, como tal, a língua, está certo. Mas se o seu estado não é demasiado caótico - talvez seja este o caso! - , parece ser possível estabelecer outras prioridades e, deste modo, surgir-nos-á, logo em primeiro plano, a clamar justiça, a premência do estudo da difusão da língua portuguesa no Mundo.
Dissemos acima que a nossa língua a fio devia ficar subjugada perante o poder crescente de outras línguas, a merecerem dos, respectivos governos o maior interesse, como mostrou Vasco Botelho do Amaral em Defesa Oficial da Língua, aqui diremos que ela não pode - "não pode" é mais que "não deve" - ficar subjugada.
Não conhecemos ao certo a estatística da sua expansão no Mundo, mas valia bem a pena, como já por mais de uma vez fez notar o ilustre catedrático de Coimbra citado, que nos Ministérios da Educação Nacional, dos Negócios
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Estrangeiros e do Ultramar encarregassem uma equipa de investigadores, nacionais e estrangeiros, do levar a cabo duas tarefas complementares: indagar da expansão da língua portuguesa no Mundo, na época moderna, e fazer a história dos estudos de língua e literatura portuguesa em centros estrangeiros. Assim só preencheria uma grave lacuna nessa obra monumental, que é a História da Expansão Portuguesa no Mundo.
Assim se preencheria uma grave lacuna nessa obra, disse ele . . . ; assim diremos nós, saberíamos onde e como manter a chama que há-de preservar cada um dos pedaços deste Portugal que se repartiu pelo Mundo - o que ó imperioso fazer-se junto de tantos e tão numerosos núcleos do portugueses existentes no estrangeiro, muitos deles já com filhos que, desgraçadamente, para além do mais, já não sabem falar português. Para esses bom seria criar-lhes escolas que lhes dessem língua e, naturalmente , cultura; o para os outros estrangeiros simples amigos de Portugal, possivelmente dar maior incremento aos leitorados . . .
Que floresça e se fale ... E a língua portuguesa floresceu e falou-se. Ela está ainda, sentinela alerta em todos os continentes, a falar desta "gente ousada mais que quantas nu mundo cometeram grandes coisas".
Que senhora vá de si, soberba e. altiva ... E sempre mais ou menos soberba c altiva tem andado, que os pequenos senões que se lhe poderão atribuir em pouco nu nada a deslustram, até porque são comuns a todas as mais. E se não, veja-se, o que a respeito da francesa dizia há dias ainda Georges Pompidou, ao pedir aos funcionários públicos que não corrompessem, abastardassem ou de qualquer forma maltratassem a sua língua materna (cf. artigo sobre a "Língua Portuguesa", no Diário Popular de ontem).
Mas o passo dado tem de ser hoje, como foi sempre, incentivo e ordem para um mais além em todos os campos, e não são os problemas da casa alheia que nos devem preocupar.
Assim, que aquele seja, aqui pelo menos, obrigação bastante para não perder terreno, em pureza e em grandeza:
Língua batida na forja dos combatentes, rezada no horror dos naufrágios, língua de dor e de amor, que tem a eternidade da pedra nos padrões dos navegadores, o toque de bronze na voz imperial de Albuquerque, a humildade das pombas na lírica de João de Deus - como não havemos nós de a amar, se ela é feita do melhor do nosso sangue e da nossa glória; se ela é a mais viva expressão da nossa imortalidade; se - obra laboriosa de séculos! - tia viveu antes de nós e viverá para além um de nós; se ela é, enfim, o vínculo imortal que nos une e a voz dos mortos que nos fala?
Amor significa desvelo, devoção o fé. Assim, à razão da pergunta de um dos seus maiores cultores - Júlio Dantas - a única resposta possível é a junção de todos os nossos esforços no sentido de que, como queria o Poeta de Quinhentos tantas, vezes citado, esta "llengun de las flores", como parece ter-lhe chamado Cervantes, hoje como ontem, e amanha como sempre, por toda a parte e cada vez mais:
Floresça, fale, cante, ouça-se e rica. . .
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Vaz Pires: - Sr. Presidente: Permita V. Ex.ª que antes de dar início às minhas brevíssimas palavras sobre a defesa da língua portuguesa apresente a V. Ex.ª os meus mais respeitosos cumprimentos e signifique a V. Ex.ª todo o meu apreço, toda a minha consideração , e toda a minha estima.
Quero agora cumprimentar os ilustres Deputados avisantes, Dr. Elísio Pimenta e José Alberto de Carvalho, que em boa hora trouxeram à discussão nesta Assembleia um assunto que certamente interessa a todos os portugueses conscientes da posição singular de Portugal no Mundo, da sua história de longos séculos, da sua literatura de projecção universal e da sua língua de riqueza invulgar, veículo do pensamento e instrumento da acção que tornaram possível aquela posição única de Portugal no concerto das Nações.
Defender a língua portuguesa significará, pois, defender Portugal, amparar a sua literatura, contribuir para o seu prestígio e acautelar o destino da Nação com história tão bela que provoca a inveja do potências que se dizem grandes, mas que, inevitavelmente, se sentem pequenas perante nações pequenas de história grande.
Defender a língua portuguesa será, pois, não sujeitá-la u moldes rígidos - isso seria negar-lho a vida -, mas, pelo contrário, amparar e orientar a sua evolução como realidade viva que é, em permanente mutação, adquirindo elementos novos de significado palpitante e deixando perder elementos já gastos e desbotados, os quais, por terem perdido o poder de expressão, se tornaram perfeitamente dispensáveis; é que os fenómenos "neologismo" e "arcaísmo" são comuns a todas as fases da evolução de uma língua viva.
Defender a nossa língua será, pois, orientar a sua evolução como realidade viva que é, com uma fonética que faz lembrar, até ao mais pequeno pormenor, a vida de uma sociedade organizada, constituída por elementos que lutam constantemente pela defesa dos seus interesses. Sim, porque uma língua viva é um perfeito convívio de sons, nas fortes, outros fracos, uns dominadores, outros dominados. Neste convívio há sons que se atraem; há sons que se repelem; há sons que influenciam; há sons que sofrem influência; há sons que se casam; há sons que só separam; há sons que se atacam; há sons que se aniquilam; há sons que se engrandecem; há sons que enfraquecem; há sons que se perdem; há sons que mudam do posição: há sons que se dividem; há sons que se dilatam; há sons que permutam: há sons que se gastam; há sons que se tomam ásperos; há sons que se tornam brandos; há sons que se alongam: há sons que se abreviam: há sons que nascem; há sons que morrem.
Defender a língua será assistir a este convívio multifacetado de sons e ampará-lo na sua realização, na certeza de que uma língua, enquanto for viva, progredirá sempre, evoluirá sempre e caminhará sempre para a simplificação, pois as palavras no uso de todos os dias têm destino igual ao das pedras que a corrente arrasta: em permanente movimento, desgastam-se, perdem arestas, adquirem formas novas cada voz mais simples e mais pequenas.
Daí a sem-razão de alguns brasileiros que afirmam que nós pronunciamos mal o português e pretendem que a palavra "esperança", por exemplo - assim pronunciada "Isprança" -, deve ser "êsspêrança", amarrando-a ao seu estado primitivo e impedindo-lhe a evolução; talvez na suposição de que a palavra existe nu escrita e que a sua pronúncia dependerá da grana, quando é certo que, como é evidente, a palavra vive ao ser falada ou cantada, e a escrita não passa de um registo sem vida o mais ou menos imperfeito. Tal atitude assemelha-se aquela outra
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de se pretender que uma pessoa que tire uma fotografia em menino nunca passe de menino.
Defender a língua será, pois, garantir que no mundo da sua sintaxe cada elemento, também em natural convívio com os outros, ocupe bem o seu lugar e desempenhe bem a sua função, respeitando a função dos outros: que o sujeito, qual senhor absoluto e responsável, pratique a acção; que o atributo daquele lhe aponte as qualidades boas ou as qualidades más; que o predicado indique: a acção que o sujeito pratica: que o complemento directo mostre o objecto da acção praticada; que os outros complementos, os chamados circunstanciais, dêem conhecimento das circunstâncias de lugar, de tempo, de modo, de causa em que a acção se realiza.
Defender a língua será, pois, garantir as circunstâncias propícias a todo o convívio dos elementos que a constituem, a toda a sua evolução nos aspectos fonético, sintáctico, morfológico e semântico, sem consentir, todavia, que ela perca as suas características fundamentais, que a tornam diferente das outras c a mantém ao serviço exclusivo da literatura, da história, da vida, do povo, que a usa como veículo natural do seu pensamento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas, se falamos em defesa da língua portuguesa, será porque há factores que a atacam na sua integridade ou circunstâncias que a ameaçam nas suas características fundamentais?
Infelizmente, assim sucede.
A primeira circunstância que se nos depara como ameaçadora da pureza e da integridade da nossa língua é o facto de ela ser mal ensinada c mal aprendida. Dizia um professor meu, por acaso inglês de naturalidade, que the study of a language has no end - o estudo de uma língua não tem fim. Pois bem: os nossos médicos, os nossos engenheiros, os nossos farmacêuticos, os nossos oficiais e até mesmo os nossos professores, tanto os do ensino primário como os dos ramos de ciências do ensine secundário e do ensino superior, depois de adquiridas as primeiras noções na escola primária - agora tornadas mais simples ainda pela última reforma -, aprendem o Português durante quatro horas semanais nos dois anos do ciclo preparatório c durante três horas semanais no 2.º ciclo dos liceus; e vêem assim concluído o seu estudo da língua pátria ao terminarem o 2.º ciclo, isto é, aos 15 ou 16 anos de idade, sem terem podido ficar, como é evidente, com um conhecimento adequado da estrutura da nossa língua e sem terem tomado verdadeiro contacto com as belezas da nossa literatura.
Ouve-se então dizer u todo o momento: "Muito mal se fala agora!"; "Muito mal se escreve agora!".
Porque não uma apresentação mais demorada e mais cuidada da língua pátria nos alunos do ensino primário?
Porque não uma hora diária de Português para os alunos do ciclo preparatório?
Porque não umas quatro horas semanais de Português e umas três horas de Latim para os alunos do 2.° ciclo?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Porque não umas quatro horas de Português para todos os alunos do 8.° ciclo dos liceus?
Porque não rever os métodos do ensino do Português, de modo a levar os alunos ao uso rigoroso da língua pátria, quer falando-a, quer escrevendo-a?
Outra circunstância que põe em perigo a pureza da nossa língua é a desordem da época cm que vivemos, cheia de "modernices", cheia de exageros no sentido do irregular, do inesperado, do sensacional.
Que havemos de dizer de tanta música moderna que perturba o sossego e parece enlouquecer os que a escutam?
Que comentários merece a dança sacudida, monótona e desordenada do nosso tempo?
Que pensar de certa pintura moderna que muitas vezes ninguém entende, até porque não faz diferença que o quadro esteja de cabeça para baixo ou do cabeça para cima?
Que dizer do vestuário de rapazes c raparigas, que fora da regra quase geral da mini-saia, não obedece a qualquer outra regra ou padrão, notando-se mesmo clara predilecção pelo deselegante e pelo ordinário?
Que dizer de tantas outras manifestações da vida dos nossos dias em que não se segue qualquer linha do rumo e se procede dentro da mais perfeita desorientação?
Pois o modo de falar e o modo de escrever, isto é, o uso da língua como veículo do pensamento passa pelos mesmas vicissitudes e está sujeito à mesma desordem: assim como se toca de qualquer modo; assim como se dança de qualquer modo: assim como se veste do qualquer modo. assim como se pinta de qualquer modo, também, necessariamente, se fala e se escreve de qualquer modo.
E quem sabe? Nestes tempos cm que toda, estas coisas andam fora da regra, talvez até destoasse o uso regrado da linguagem falada e da linguagem escrita.
Uma terceira circunstancia que contraria a pureza da língua é a predilecção pela "estrangeirice". Damos preferência aos produtos de rótulo estrangeiro, sem notarmos, muitas vezes, que são mesmo fabricados cá: bebemos whisky; vestimos tweed, tratado com scotchgard; vamos à soirée, de preferência à matinée; visitamos o nosso amigo no seu atelier; consentimos quês a nossa criada vá fazer week-end em Cascais ou no Estoril; exercemos a nossa profissão, quando somos felizes em regime de full-time e quando somos infelizes em regime de full-time; baptizamos os nosso filhos de Nelsons, Hernánis e Macdonaldos, e as nossas filhas de Arlettes, Lisettes e Bernardettes. E tudo isto sucede sem qualquer necessidade, porque a língua portuguesa, graças a Deus, é suficientemente rica para resolver estes e outros casos som ter de pedir nada emprestado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não será possível impedir os Macdonaldos e as Arlettes? Os tweeds e os week-end? O half-time e o full-time? Não será possível determinar que o Liceu Rainha Santa Isabel passe a ser o Liceu da Rainha Santa Isabel? Que a Avenida Infante Santo passe a ser a Avenida do Infante Santo? Que o Madalena Ténis Club passe a ser o Clube de Ténis da Madalena? E que a Faro Editora passe a ser a Editora de Faro?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Talvez a solução deste problema possa entregar-se nas mãos dos conservadores do registo civil, dos notários, das câmaras municipais; nas mãos dos responsáveis pela imprensa, pela rádio, pela televisão.
E porque não a criação de um Instituto Nacional de Defesa e Difusão da Língua Portuguesa, aliás já oportunamente sugerido pelo ilustre Deputado Dr. Leonardo Coimbra?
A não se tomarem providências que impeçam que continue a verificar-se a falta de atenção e de respeito pela
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pureza da língua pátria, que vemos adulterar-se dia a dia, momento a momento, passaremos todos, sem grande demora, a seguir na onda de desorientarão que tudo parece perverter, e a falar e a escrever um português absolutamente "desaportuguesado".
O povo diz: "Pela aragem se vê quem vai na carruagem"; mas nós diremos antes: "Pela linguagem se vê quem anda em viagem".
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
André da Silva Campos Neves.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
António Moreira Longo.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Augusto Duarte Henriques Simões.
D. Custódia Lopes.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Horácio Brás da Silva.
James Pinto Buli.
Jerónimo Hei Tiques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José de Mira Nunes Mexia.
José Rocha Calhorda.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel Marques Teixeira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Garcia Ramirez.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Álvaro Santa Rita Vaz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Francisco José Roseta Fino.
Gabriel Maurício Teixeira.
Henrique Veiga de Macedo.
Joaquim de Jesus Santos.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Pais Ribeiro.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Mário de Figueiredo.
Tito Lívio Maria Feijóo.
O REDACTOR - Januário Pinto.
IMPRENSA NACIONAL DR LIRBOA