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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 174

ANO DE 1969 7 DE FEVEREIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

IX LEGISLATURA

SESSÃO N.° 174, EM 6 DE FEVEREIRO

Presidente: Ex.mo Sr. José Soares da Fonseca

Secretários: Ex.mos Srs.
Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira

SUMÁRI0: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Deputado Águedo de Oliveira enviou um requerimento à Mesa; o Sr. Deputado José Manuel da Costa congratulou-se com o regresso do Presidente Salazar à residência e fez o seu elogio; o Sr. Deputado Nunes de Oliveira referiu-se n vários assuntos de interesse para o distrito de Braga: o Sr. Deputado Rui Vieira recordou as figuras dos, engenheiros Quartin Graça e Mário Galo.

Ordem do dia. - Continuou o debate sobre o ariso prépio acerca da defesa da língua portuguesa.
Exaram da palavra os Srs. Deputados Duarte, do Amaral, Armando Cândido, José Manuel da Costa e Filomeno Cartaxo.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António José Braz Regueiro.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
D. Custódia Lopes.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Horácio Brás da Silva.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.

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Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Coelho Jordão.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Gosto.
José de Mira Nunes Mexia.
José Bocha Calhorda.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Dias das Neves.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Colares Pereira. Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul Satúrio Pires.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 68 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Águedo de Oliveira.

O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

Nos termos constitucionais requeiro que me sejam facultadas informações sobre as medidas tomadas pela Direcção-Geral dos Serviços Pecuários e Junta Nacional dos Produtos Pecuários, na região do Nordeste, transmontano, tendentes a evitar o frequente aviltamento de preços dos animais destinados a abate, nas vendas dos produtores.

O Sr. José Manuel da Costa: - Sr. Presidente: Com a mais profunda emoção todos sentimos hoje, aqui mais perto de nós, na sua casa de trabalho e de sacrifício, a presença tutelar e inspiradora do Presidente Salazar, ao qual estamos todos ligados em espírito, unidos na doutrina e tão apegados na ternura do coração que quase parece ter-se agora afervorado a nossa fé e esclarecido a nossa esperança nos destinos de Portugal, pelos caminhos que ele nos traçou e pelos ensinamentos que todos colhemos da sua vida, da sua obra, da sua personalidade e da sua inteira consagração ao interesse nacional.
Alegra-se a nossa alma, com entranhada amizade, por senti-lo ali, onde tanto trabalhou e sofreu e onde agora regressa a recuperar forças e saúde e a passear os seus olhos por aquele santuário de meditação o por aquelas árvores do seu parlem, que eram sempre uma saudade do seu lar de família e uma recordação da sua Coimbra bem amada.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Tanto me habituei a encontrá-lo ali naquela casa, sempre igual a si mesmo na alegria e nas amarguras, que para mim uma desolação olhar para tudo aquilo e sentir tudo vazio daquela transcendente presença à sombra da qual durante quarenta anos viveu, na paz e na confiança, toda a comunidade, portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Até parece que então nós todos éramos melhores, menos inquietos, menos alvoraçados, não pelo temor da sua censura, mas pelo respeito do seu exemplo, todos, melhores porque a luz do seu pensamento parecia transpor este curto caminho que, vai daqui ali, para a todo o momento esclarecer e elucidar os nossos actos e as nossas palavras, para que uns e outras se encaminhassem sempre na dignidade e na justiça, no interesse dos Portugueses e no bem da Pátria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vinha daquela casa um clarão que iluminava sem estontear, não vinha palavra de ordem, mas sentido de ordem - que é diferente -, não vinha pressão de ideias, mas influxo de serenidade e disciplina e, nunca dali nos chegou um sistema de irritação ou um lampejo de animadversão contra quem quer que fosse.
Voltarão mais empalidecidos agora os fulgores daquele olhar penetrante, às vezes severo, quase sempre afectuoso e acolhedor, nunca indiferente, nem às pessoas, nem às circunstâncias, mas quis a Divina Providência que se não extinguissem nem a sua poderosa acção do presença, nem o seu exemplo de calma, de disciplina, de aceitação e de renúncia, mas no mesmo tempo da energia, do resistência e de vigor moral e físico, como a dar exemplo, até mesmo na adversidade pessoal, a todos quantos não podem deixar entibiar nem a fortaleza de alma, nem a obediência aos princípios, nem a capacidade de servir, acima de tudo e em toda a emergência, o interesse nacional.
Está de novo na sua casa, com as forcas que lhe restam, o Sr. Presidente Salazar, purificado no sacrifício e magoado pela dor que todavia, é sempre- nossa mãe!
Portugal sabe que na fraqueza daquelas forças reside ainda uma das maiores fontes de energia da consciência nacional em todos os tempos da vida histórica da Pátria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Saibamos ser em tudo conscientes desta presença, agora no espaço mais próxima de nós, o demos graças a Deus por ter conservado e para que continue conservando, até os limites da Sua vontade, uma vida sempre grande e preciosa, acima de toda a amarga contingência que é o próprio da fragilidade da nossa natureza humana.

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Leais a Salazar na vida sejamos fiéis no seu martírio, para que possamos ser dignos de ficar unidos à glória da sua obra e à honra do seu nome.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Salazar será sempre uma prodigiosa figura da história, mais nos nossos corações fiéis e amigos ele é uma emocionante e exemplar figura da vida!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Nunes de Oliveira: - Sr. Presidente: Em algumas intervenções que entendi levar a efeito relativamente aos problemas concernentes a uma região que pela sua expansão demográfica e económica, pela sua situação geográfica, pelo seu repositório histórico, artístico e paisagístico, representa um valioso recanto vivificador, manancial de inesgotáveis potencialidades, que urge aproveitar plenamente, procurarei ser sucinto o pertinente, mas não deixarei de ser incisivo naquilo que me pareça absolutamente essencial, Braga, como sede de um distrito cujas características acabo de apontar, não pude ficar calada em face de problemas da mais alta importância para o seu desenvolvimento cultural, económico e social, problemas que afinal se inserem profundamente no plano nacional, quebrando um pequeno período de silêncio para, através de um dos Deputados que o seu bom povo confiadamente elegeu, chamar a atenção do Governo para problemas que serão indubitavelmente de decisiva repercussão no futuro.
É o distrito constituído por treze concelhos, com uma população que anda à volta de 690 000 habitantes, segundo o censo demográfico de 1960, mas que de modo algum corresponde já aos actuais números, que são bastante mais elevados.
A vida das suas pentes, quer seja em Braga ou em qualquer das cidades ou vilas que se integram no respectivo distrito, quer nas suas mais recônditas aldeias, toda ela nos surge pujante, digna, embora eivada, por vezes, de pesados sacrifícios. Ao observador atento não deixa de impressionar essa azáfama quotidiana, desde as magníficas praias - cenário constante de uma faina laboriosa dos nossos pescadores - às zonas em que a grande industrialização ocupa lugar da maior relevância, até mergulhar naquelas que possuem um carácter essencialmente de agrícola e o de os seus habitantes empregam geralmente a sua actividade na terra moirejando desde o romper do dia ao cair da [ilegível] por tudo isso importa, pois, acarinhar mais a sua acção e desenvolver estruturas eficientes que facultem o aproveitamento de um potencial da mais alta importância para a sua valorização e com as mais expressivas incidências no âmbito nacional.
Um aspecto que primeiro vai prender a minha atenção é o do ensino, não só por me ser particularmente grato dada a profissão que abracei, mas por representar aquele sector de que depende toda a actividade humana e a que o Governo, pelo Ministério da Educação Nacional, reconhecendo-o, vem dedicando a mais decidida atenção e o mais acrisolado interesse.
Para o incremento económico-social do distrito é evidente que importa criar as infra-estruturas necessárias, o que não deixará de ter repercussões, não só quanto ao desenvolvimento regional, mas também, por evidente, nacional. E conscientes desta finalidade, organizou-se a "Equipa de Estudo e Promoção de Desenvolvimento Comunitário do Distrito de Braga", após aprovarão das entidades superiores, a cujo; elementos que a compõem, e sobretudo aqueles que lhe deram vida e lhe consagram o maior carinho e entusiasmo, eu presto a mais emotiva e sincera homenagem. É que somente com dedicações fortes e acendrado amor à terra que nos dispusemos a servir se torna possível levar a bom termo os propósitos que animam os que nessa "Equipa de Estudo" se integram. Os estudos e os inquéritos prosseguem neste momento, estando um curso o relativo aos estudantes du distrito, devidamente autorizado, por despacho de 12 de Setembro de 1967, pelo Sr. Ministro da Educação Nacional.- Com esse inquérito se pretende conhecer melhor os problemas e aspirações dos estudantes, procurar depois as condições o possibilidades que satisfaçam essas aspirações, com vista, inclusivamente à insistência pela criação de certos estabelecimentos de ensino.
Apesar de tudo, e assumindo inteira responsabilidade das considerações que se seguirão, alguns aspectos deverão ser desde já postos à boa e justa compreensão do Sr. Ministro da Educação Nacional.
No que respeita ao ensino primário, embora o ritmo de construções tenha em dada altura correspondido ao aumento da frequência escolar, o certo é que parece ter-se verificado um acentuado afrouxamento, a causar algumas preocupações, numa altura em que a extensão da escolaridade obrigatória exige uma intensificação que urge não descurar. Por outro lado, continuam a existir classes com quarenta e mais alunos. Os melhoras princípios pedagógicos são assim traídos, com refluxos profundos no aproveitamento escolar, sabendo-se que a capacidade intelectual difere entre os alunos, e não permitindo um trabalho individual que por vezes é aconselhável e se impõe.

O Sr. José Alberto de Carvalho: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça, favor.

O Sr. José Alberto de Carvalho: - Tenho estado a ouvir com muito interesse as oportunas considerações de V. Ex.ª.
Eu próprio tive ocasião de verificar a veracidade dessas considerações quando, numa visita profissional que fiz às escolas do concelho de Barcelos, fui encontrar professores a desenvolverem as suas lições em eiras, sujeitando as crianças às inclemências do tempo.
Na verdade, as verbas destinadas as construções escolares foram consideravelmente reduzidas, e hoje verifica-se o espanto facto de haver concelhos onde as câmaras municipais, à custa de incalculáveis sacrifícios económicos, puseram à disposição do Ministério das Obras Públicas terrenos para a construção de edifícios escolares, os quais ainda não foram construídos.
Faço pois, votos por que sejam ouvidas, como merecem as justas palavras de V. Ex.ª

O Orador: - Agradeço com reconhecimento as oportunas palavras de V. Ex.ª, e sobretudo pela autoridade de que se revestem, pois que V. Ex.ª é um distinto inspector superior do ensino primário e melhor do que eu conhece estes preocupantes problemas.
O enriquecimento cultural da região impõe certamente exigências noutras sectores do ensino que importa considerar. Segue-se, por ordem cronológica, o ensino secundário, onde é evidente a necessidade de novas unidades escolares, aguardando Vila Nova de Famalicão a sua Ião justa como justificada aspirarão da criação de uma secção liceal, e Vizela, a satisfação da instalação de uma secção da Escola Industrial e Comercial de Guimarães, como, aliás, está de há muito previsto e o seu desenvolvimento indus-

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trial, económico e demográfico aconselha. Não se compreende, mesmo, o motivo por. que não foi posto em execução o estudo que havia sido feito e que Vizela ansiosamente espera.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E sobre escolas técnicas vem a propósito referir a situação precaríssima em que funciona a de Barcelos, pois que, além do edifício inicialmente adaptado para o efeito e sem as indispensáveis condições, já houve necessidade de alugar uma outra casa e de a Câmara Municipal ceder o antigo matadouro, andando os alunos a saltitar diariamente de um para outro lado, com prejuízo de um eficiente aproveitamento e submetidos à inclemência do tempo. Sabemos estar a construção do novo edifício incluída no âmbito das iniciativas a realizar pelo III Plano de Fomento, mas também sabemos que se torna indispensável que a respectiva dotação do referido Plano seja devidamente reforçada, para que esta e outras iniciativas se concretizem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O terreno já existe, a localização está superiormente aprovada; os estudos, praticamente concluídos; o preço da mão-de-obra e dos materiais, a aumentar de dia para dia. Com certeza que o Governo não deixará de tomar as providências necessárias para que se cumpra o que no âmbito do Plano foi incluído e urge concretizar.
Para além dos problemas inerentes à organização e difusão do ensino no plano nacional, a criação de estabelecimentos de ensino mais de acordo com as características locais ó, por outro lado, uma aspiração que tem de ser posta em evidência e a que urge prestar imediata atenção, pois de forma alguma se compadece com mais delongas. Estão neste caso, como aqui acentuei aquando da discussão do III Plano de Fomento, os que se dirigem no sentido das necessidades industriais e agrárias da região em que o distrito de Braga se situa.
No que respeita ao sector industrial da região, são de evidenciar: indústrias têxteis, borracha (pneus), metalomecânica, electrotécnica, construção naval, química, minas, etc.; e, analisando o número de diplomas por sectores, verifica-se, com graves preocupações, que o País está carecido de técnicos ao nível do ensino médio (agentes técnicos, regentes agrícolas, contabilistas, etc.). A esta situação preocupante deu o devido relevo o Sr. Ministro da Educação Nacional, Dr. Hermano Saraiva, ao redigir o parecer subsidiário da subsecção de Ensino, da secção de Interesses de "ordem cultural da Câmara Corporativa, a propósito do capítulo relativo ao ensino e à investigação do III Plano de Fomento. Aí se fala da descoordenação entre a distribuição dos alunos pelos diferentes ramos de ensino e se faz uma especial referência ao ensino médio, que luta* actualmente com falta de estabelecimentos, a par de outros aspectos que não posso, por falta de tempo, neste momento considerar, mas que prometo ser objecto de uma próxima intervenção, porquanto bem a merece o ensino médio, sobretudo no respeitante ao sector industrial.
Justifica-se plenamente, e é de inteira justiça, dotar Braga de um instituto industrial e comercial, com ramificações em Guimarães e Barcelos, permitindo desse modo que uma grande percentagem de alunos que frequentam os diversos estabelecimentos de ensino encontrem meio de atingir uma útil finalidade que se traduza numa benéfica especialização, não apenas útil à região, mas a todo o País, dado que até ao momento existem sómente os institutos de Lisboa, Coimbra e Porto.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se atendermos ainda, a que a frequência actual dos Liceus Nacional de Sá de Miranda, incluindo a sua secção de Barcelos, de D. Maria II e Nacional de Guimarães é no presente ano lectivo de aproximadamente 2678 alunos internos, a do ciclo preparatório a funcionar em Braga, Guimarães, Barcelos, Vila Nova de Famalicão e Fafe é de cerca de 2466 alunos e a das Escolas Industriais e Comerciais de Braga, Guimarães, Barcelos, Vila Nova de Famalicão e Fafe anda à volta de 6672 alunos, o que perfaz um total de 11 816 alunos, sem entrar em linha de conta com os alunos que frequentam o ensino particular e o ensino individual e doméstico, apresentam-se esses números de tal modo significativos que só por si constituem o melhor aval para a decisão que Braga aguarda confiadamente.
Quanto às necessidades agrárias da região, dado que apenas dispomos de escolas de regentes agrícolas em Évora, Santarém e Coimbra, impõe-se, sem dúvida, logo que possível, a criação de uma no distrito de Braga. E Barcelos, pelas suas características essencialmente agrícolas, pela sua situação geográfica, pela sua densidade demográfica e porque já possui uma modelar Estação de Fomento Pecuário, está natural e justamente indicada para a localização da escola de regentes agrícolas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nunca perfilhei pedidos utópicos e sempre gostei de me situar no campo das realidades e das necessidades mais prementes. Estou em consciência convencido de que a promoção económico-social do distrito de Braga será travada se não se olhar de frente para os problemas apontados. Há, como é evidente, dificuldades a vencer e aspectos vários a equacionar. Tenho, entretanto, uma fé inabalável na forma criteriosa como estes assuntos serão apreciados.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sem mão-de-obra especializada e sem profissionais competentes não é possível ocorrer às necessidades que uma economia nacional progressiva impõe.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Rui Vieira: - Sr. Presidente: Uma breve intervenção para prestar a minha humilde, mas sincera, homenagem à memória de dois técnicos há pouco desaparecidos do nosso convívio e que, nesta Câmara, já foram também lembrados: o engenheiro agrónomo e silvicultor Joaquim Vieira Natividade, que faleceu a 18 de Novembro do ano passado, e o engenheiro silvicultor e Deputado Mário dos Santos Galo, que morreu no dia 25 de Dezembro último.
Ao primeiro, referiu-se o nosso colega Francisco Cortes Simões, que dele traçou o seu perfil de grande investigador da pomologia e subericultura nacionais e de figura grada nas letras portuguesas; do segundo, falou o Sr. Deputado Manuel Colares Pereira, retratando-nos, em curtas palavras, a personalidade, a competência técnica e o espírito de dedicação ao trabalho de quem foi também, du-

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rante largos anos, o chefe do Gabinete de Estudos e Obras de Correcção Torrencial da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas.
Um e outro dos ilustres falecidos ligaram-se, pela sua formação profissional, pela sua categoria técnica e pela força das circunstâncias, à Madeira. E porque desses contactos a fruticultura e a silvicultura locais muito beneficiaram, justo imperioso é que um filho do arquipélago deva, também, aqui, relembrar a memória dos que o honraram, serviram e valorizaram com o seu trabalho dedicado e proficiente.
Vieira Natividade visitou a Madeira, pela primeira vez, em 1945, a convite da Junta Nacional das Trutas, a fim de proceder ao estudo das possibilidades frutícolas do arquipélago. Nessa sua primeira visita foi acompanhado pelo engenheiro agrónomo Teixeira de Sousa, ao tempo Vice-presidente daquele organismo, o que prestou au ilustre investigador da agronomia portuguesa a mais activa o estreita colaboração.
Da estada de Vieira Natividade na Madeira resultou o magnifico trabalho Fomento da Fruticultura nu Madeira, que a Junta Nacional das Frutas e o Grémio dos Exportadores de Frutas e Produtos Hortícolas da Ilha da Madeira editaram em 1947. Trabalho que honra o técnico que o escreveu e é indiscutivelmente uma das, melhores obras da sua vastíssima e muito considerada produção cientifica.
Em 1952, Vieira Natividade voltou a deslocar-se à ilha em companhia do professor António Sousa da Câmara c a convite da Comissão Executiva da Junta Geral do Distrito, então presidida pelo engenheiro Teixeira de Sousa, cem n objectivo de estabelecer um plano do trabalhos de pamologia a realizar localmente através dos serviços competentes daquele corpo administrativo. Desta segunda visita resultou - além de um maior impulso e de melhoria na orientação dos trabalhos da fruticultura insular- a necessidade de se integrar nos serviços agrícolas regionais uma estacão experimental, para o que a Junta Geral adquiriu a Quinta do Bom Sucesso, mais tarde destinada, também, em aproveitamento complementar, ao núcleo-sede do Jardim Botânico da Madeira, o qual só foi instituído em 1960.
Um ano depois de regressar ao continente, em Junho de 1953, Vieira Natividade proferia na Associação Industrial Portuense, a comité do Centro Madeirense do Porto, uma conferência, a que deu o feliz e sugestivo título de "Madeira - A Epopeia Rural", que a Junta Geral do Funchal depois editou, e que constitui, embora em prosa, o mais belo hino de louvor à ilha e, sobretudo, ao trabalho humano que, nela, o Madeirense tem incorporado ao longo dos tempos.
Se, como técnico, tenho, em primeiro lugar, o dever de realçar o que de francamente positivo ficou para o progresso da fruticultura regional das presenças de Vieira Natividade na ilha e dos estudos subsequentes que realizou como madeirense, não posso deixar de manifestar-me, agradecido, pela forma, pela exuberância, pela beleza, com que o grande escritor exteriorizou nas suas obras e nas suas palavras o inexcedível amor, o extraordinário poder de compreensão, a maior simpatia para com a ilha, "que moureja profundamente para ter mais terra e para que dessa terra venha a brotar mais pão".
As directrizes que Vieira Natividade estabeleceu para a valorização da flora frutícola local e para uma maior rentabilidade da exploração do pomar na Madeira, se não foram, por dificuldades de ordem material e de pessoal técnico disponível, integralmente cumpridas, serviram, no entanto, em alto grau, de base para o desenvolvimento da experimentação e do fomento que os organismos; competentes locais têm levado a cabo desenvolvimento que tem sido
acompanhado progressivamente de indiscutível entusiasmo e interesse pelos agricultores mais esclarecidos. A maior intensificação cultural na exploração frutícola, a contínua expansão da superfície ocupada por pomares, especialmente de fruteiras dos climas temperados, a cautelosa escolha e divulgação das melhores e mais produtivas variedades para a região, a mais extensa rede de assistência fitossanitária, devem-se, sem dúvida, ao apoio directo dos serviços locais à lavoura: mas temos de reconhecer no plano de Vieira Natividade, elaborado no seu trabalho de fundo Fomento da Fruticultura na Madeira, em 1947, a razão primeira do progresso verificado neste campo. Progresso que ele próprio antevia e que considerava dependente, sobretudo de valor da assistência técnica prestada ao agricultor, a qual deveria ser obrigatoriamente efectiva, séria, interessada oportuna, realista.
Longamente meditou Natividade nos problemas que condicionam a actividade agrícola na Madeira, onde "cada palmo de terra foi fecundado pelo suor do agricultor, dignificado pelo seu sofrimento, abençoado pela sua coragem e pela sua fé". Para a Madeira - ali em cujo cenário majestoso "se ergueu [. . .J um dos mais extraordinários edifícios agrícolas no Mundo" -, escreveu Natividade das mais belas páginas da prosa portuguesa. Saibamos nós madeirenses extrair das suas meditações e dos seus trabalhos todos os ensinamentos neles contidos, e que as breves, horas que connosco viveu perdurem para todo o sempre, com a aceitação consciente dos rumos que soube traçar e com o reconhecimento perene à extrema sensibilidade da sua alma,. através da qual pôde compreender, acima de tudo e de todos, a epopeia grandiosa do trabalhador da Madeira e avaliar, em toda a sua dimensão, o "extraordinário esforço humano empregado na conquista da terra".
O engenheiro Mário Galo, homem público e íntegro que todos nós pudemos apreciar de perto, o industrial consciente e evoluído que sempre conhecemos, o técnico esclarecido e eficiente que à silvicultura portuguesa tanto deu, deixou, também, em projectos e obras, em planos e realizações, o seu nome ligado ao meu distrito.
Jamais podemos esquecer o carinho e amor com que sempre nos falava da Madeira e do Porto Santo, dos seus problemas e condicionalismos e também de todas as suas potencialidades.
Mas o arquipélago madeirense deve-lhe muito mais do que simples reconhecimento pela amizade que lhe dedicava ou pela crença que tinha no seu futuro.
Mário Galo foi, efectivamente, o grande impulsionador dos trabalhos de correcção torrencial que os serviços florestais têm vindo a realizar há mais de dezasseis anos na pequena ilha de Porto Santo, onde a, erosão não só tem delapidado o solo agrícola, como também arrastado para o mar, ou para o leito dos riachos, a terra das encostas e dos caminhos. Com a sua grande experiência e valia técnica. Mário Galo. que havia conquistado lugar de realce na hidráulica florestal, mercê dos trabalhos levados a cabo nas bacias hidrográficas do Lis e do Ceira, assinou os projectos de correcção torrencial de mais de vinte ribeiros em Porto Santo, fazendo construir, em muitos casos, as suas eficientíssimas barragens de lajes escoradas, que tão bem nos tem impressionado, do ponto de vista técnico e económico.
Na ilha da Madeira, Mário Galo foi também - entre vários trabalhos que realizou - o autor do projecto do Posto Aquícola do Ribeiro Frio, obra que tantos admiradores granjeou pela valia técnica da sua concepção e pelo seu incontestável interesse turístico.
Recordo-o já com saudade. Mas tenho a certeza de que os continuadores da obra de Mário Galo hão-de fazer por

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honrar a sua memória e hão-de esforçar-se por prosseguir, sem desfalecimento, com o mesmo interesse e o mesmo desejo de colaborar fortemente no progresso da Madeira e de Porto Santo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio acerca da defesa da língua portuguesa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte rio Amaral.

O Sr. Duarte do Amaral: - Sr. Presidente: A minha alegria por o ver sentado nessa cadeira só é diminuída pela tristeza sentida com a doença do Sr. Doutor Mário de Figueiredo. A ele desejo um rápido restabelecimento; a V. Ex.ª, que possa, entretanto, mostrar os altos méritos e as grandes qualidades que o fadaram para esta posição.
Uma sociedade portuguesa pós a funcionar um novo check-in. Todos nos regozijamos com o facto, do mesmo modo que anteriormente nos alegrámos com a inauguração por outra do um cracking, tal como nos dará satisfação assistir amanhã a um bem leccionado curso de marketing.
Conhecemos as razões por que no Cais do Sodré abriu mais um snack-bar e manifestamos n nosso contentamento por sabermos que os rotors e os staturs dos motores que encomendámos já estão fabricados e prontos para montagem.
Menos satisfação nos deu que pessoa das nossas relações, para nos aconselhar urgente visita a um deslumbrante roseiral em flor - que linda, esta expressão! - tivesse feito dizendo que não deixássemos de ir imediatamente ver tal roseraic.
Eis aqui, Sr. Presidente, algumas amostras diárias de como se abastarda a língua portuguesa, para nós a mais bela de todas: aquela em que ouvimos as primeiras palavras de nossas mães, aquela em que Camões cantou, aquela que é hoje prodigioso instrumento político falado já por muitas depenas de milhões de pessoas.
Suponho que todos estaremos de acordo: é preciso lutar contra o pedantismo que em pessoas de certa idade se exprime em francês e na gente nova, sobretudo, em inglês.
O mal não é nosso, ]á se vê, e há países, latinos que têm tido maiores dificuldades em nacionalizar expressões importadas do mundo anglo-saxónico do que nós. Assim, por exemplo, se aqui dizemos "fim de semana" e "parque de estacionamento", os franceses ainda empregam correntemente week-end e parking.
Mas, de qualquer modo, a língua é como uma flor, cuja beleza se não deve deixar macular, e por isso aqueles que a bem escrevem e bem falam não podem esmorecer na tarefa de velar pela pureza do idioma nacional. Cumpre estar atento e sor activo, para contrariar e superar as arremetidas da técnica que constantemente levam a introduzir escusados estrangeirismo e neologismo ou a adoptá-los sem critério. E importa ainda, por outro lado, não deixar empobrecer o nosso vocabulário, cuidando da sua permanente vivificação mediante, recolha e divulgação das ricas expressões que em toda a província o povo soube conservar e usar com tanta propriedade - o povo também faz língua.
Sei que o Estado c outras instituições tem lutado pela sua pureza, mas a verdade é que não se tem acompanhado o progresso técnico e o dinamismo industrial e comercial, nem a língua portuguesa - espelho da comunidade que a fala - se abriu ainda., generosa, à feliz introdução no nosso meio de novas indústrias, de novos processos de comerciar, com as suas técnicas e os seus falares: não é apenas Portugal, é também a língua portuguesa que precisa de aceitar o progresso.
Há empresas importantes que já se aperceberam disto e que para o efeito criaram comissões incumbidas da tradução permanente da linguagem técnica estrangeira. Mas o problema não deve ser entregue ao acaso das iniciativas isoladas, nem pode ser abandonado à dispersão das soluções descoordenadas.
É mister conceber um processo, rápido e eficaz, que permita aos serviços do Justado, civis e militares, às Universidades e às empresas obter da Academia das Ciências a definição precisa e oportuna das palavras portuguesas a adoptar, consoante os casos, para traduzir expressões estrangeiras ou designar ideias novas.
E é conveniente associar a este mecanismo uma ulterior acção fiscalizadora, tão ampla e maleável quanto possível, que vigie a aplicação do que for definido e que impeça, o se necessário, reprima a ofensa das regras em vigor neste domínio. Não é estranho que sejamos mais prontos a punir um estacionamento proibido que a evitar um erro de português?
Se o Estado quiser dar o exemplo, não lhe faltarão modelos já experimentados noutros países, onde têm sido criadas comissões nas Presidências do Conselho ou nos Ministérios da Educação, para velar pela pureza da língua nos diplomas e publicações oficiais.
Outro aspecto desejo pôr à consideração de V. Ex.ª, Sr. Presidente.
Em Portugal ensina-se razoavelmente a escrever: mas a falar quem nos ensina?
Não há, de facto, essa preocupação. Pois certamente nos ensinam a falar na família e na escola primária: mas não chega! Onde se encontra entre os Portugueses a espontaneidade dos Espanhóis, a fluência dos Brasileiros ou a precisão dos Franceses?
Pelo que respeita a pronúncia, também quem se importa com isso.
Quem procurou alguma vez por exemplo, que em certas províncias do Norte, onde a pronúncia é tão feia. Se falasse com mais harmonia, como em Coimbra, essa capital da língua portuguesa, onde o falar das tricanas tantas vezes envergonhou o dos galantes "doutores" do Porto, de Braga, de Guimarães?
Quem nos ensina a falar?
Que espectáculo tão triste o de algumas aulas das nossas escolas e de certas lamentáveis entrevistas da rádio e da televisão, onde toda a gente é tratada por você e onde os entrevistados, até alguns letrados, titubeiam e se engasgam, hesitando permanentemente . . .
E que dizer do confronto, quando recebemos a visita de brasileiros ilustres, entre a nossa oratória geralmente pobre e a fluência e riqueza do português em suas bocas.
Sr. Presidente: quero aflorar um último ponto nesta breve intervenção.
Disse de começo que a nossa língua é um extraordinário instrumento político, já falado por dezenas de milhões de homens, e não é novidade para ninguém que serão muitos mais a falar a língua de Fernando Pessoa daqui a dez, daqui a vinte, daqui a trinta anos.
Uma coisa me preocupa, porém: e os passos até agora dados -e foram muitos- para conseguir a unidade do português escrito levam-me a maior preocupação ainda.

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Não convém a Portugal, com a população que tem aqui e com os seus extensos e diferenciados territórios, nem convém ao Brasil, deixar que a língua se diversifique.

As tentativas decorrentes de acordos celebrados entre ou dois países não tem dado na verdade, todo s os resultados esperados. É preciso continuar nós por agora, somos ainda mais interessados que o Brasil, mas nas províncias ultramarinas estão a crescer e virá o dia em que o interesse será idêntico.

E ainda no que se refere ao português falado, não é altamente vantajoso impedir que se agravem as diferenças que os sangues, o clima e as maneiras de viver vêm acentuando.

Os estrangeiros compreendem melhor o português do Brasil que o daqui e há províncias do nosso ultramar cuja pronuncia se aproxima da maneira de falar da grande nação brasileira. Não deverá tentar-se que a língua falada continue também a ser a mesma? Que grande arma Sr. Presidente, para o futuro da Brasil. assim ligado à Europa, e para o futuro de Portugal, assim ligado às Américas, na sua perene trajectória do Minho a Timor!

Vozes: - Muito bem. muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: Por mais que me tenha habituado a esta, tribuna jamais me habituei à ideia de a usar no sossego que poderia decorrer do facto de ter experimentado tantas vezes a mesma situação de responsabilidade. Para além da natural medida, houve e há sempre em mim um especial apuro de consciência.

Por mais força, entusiasmo ou devoção que em qualquer tempo ou em qualquer lugar tenha posto na palavra escrita ou na palavra falada nunca deixei de pensar muito que disse e no que escrevi, não com o propósito de me compor para a História, mas com o sentido de ser digno da História, que não é só registo e interpretação dos homens de génio, mas ainda tombo da presença e da atitude dos homens comuns, sem os quais os próprios génios não subiriam, como sobem os degraus da notabilidade.

No entanto, sempre que me disponho a usar da palavra na tribuna da Assembleia Nacional sinto que lhe devo assinalável respeito - um respeito que me inquieta por nunca saber se o cumpro todo quer na obediência ao que ela por sim mesma exige, quer na admirarão a tributar aos que por aqui passam e tem passado, deixando sinais que me despertam o receio de os macular, até com a simples vulgaridade dos termos e das imagens.

Isto tem sucedido e sucede, qualquer que seja o tema proposto.
Hoje, então, que se trata, da língua portuguesa, de falar na nossa língua, e da nossa língua puni a exaltar e defender, sinto a angústia de quem tem os pés no chão e quer apanhar estrelas para as entremear nas palavras e emprestar-lhes o brilho que não tem.

O Sr. Araújo Novo: - Não apoiado!

O Orador: - É certo que nasci e vivi numa terra onde o português corre em
verdade Sai da boca do povo como a água da nascente - sem um cisco.

Também sei que dentro dos acanhados limites da minha velha propensão para as letras as tenho alimentado, quanto posso, com a seiva do vernáculo, não com a avidez de quem explora o filão dos arcaísmos para os usar em tom mais rebuscado do que opulento, mas com o admissível interesse de quem estima ser entendido pelo verbo castiço, não isento do tempero do meu modo de ser e simples na sua simplicidade forte.

Ainda assim, não estou tranquilo, pois o acto de falar na Assembleia Nacional acerca da língua portuguesa, e sobretudo, a favor da sua integridade, junge-me ao intenso dever de falar em português de lei sob pena de apoucar a defesa que se impõe com a defesa que me proponho.

Sr. Presidente: A iniciativa deste aviso prévio, com o qual pretendem os seus autores, ilustres Deputados a esta Assembleia, criar um sistema de protecção eficaz, à língua portuguesa, para que ela não se deteriore e untes se revigore, regressando à sua pureza, de modo a ser usada como merece e o requer a nossa condição de portugueses, por mais difíceis ou mais custosos que se apresentem os fins a atingir, terá de ser amplamente compreendida e atendida.

E mais vale contar com as arestas da complexidade do problema do que confiarmos demasiado nas palavras da sua razão.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Não é pelo valor da língua, que esse por ser tanto, até trasborda de riqueza. Mesmo no seu poder de brevidade para exprimir seja o que for pois "entre as mais", no dizer de frei Bernardo de Brito, "é a que em menos palavras, descobre mores conceitos e que com menos rodeios e mais graves termos dá no ponto da verdade".

É pelo processo de abastardamento estrago em que desde há muito vivemos, importando vocábulos à lei da moda adoptando expressões a força de as ouvir, tudo acrescido e, agravado pelo avassalante progresso das comunicações em geral, o ponto de o Mundo se tornar tão pequeno que já não temos quase vizinhos de ao pé da porta, tudo são portas abertas e tudo são vizinhos das portas todas. O próprio ar tornou-se o maior veículo da informação, da notícia dada em todas as línguas, e o que é pior, da novidade oferecida em qualquer feitio.

Já o nosso grande Camilo - esse extraordinário Camilo de "grada autoridade" em assuntos de são português - advertia que "toda a velha legislação da linguística extremadamente lusa dos Sonsas e Bernardes e Filintos" fora "derrogada a par e passo que as ideias de coisas novas multiplicadas se sentiam cativas e inexpressáveis no agorentado círculo da velha ciência, da velha arte e dos acanhados panoramas da vida antiga".

Sigo-lhe o texto, saboreando-o, para melhor o apreender e fixar.

Tudo já agora nos move a indugenciar a contextura afrancesada da frase indígena, porque insensivelmente e contra vontade nos surpreendemos a pensar em francês, pelo reflexo dos livros elementares da nossa educação literária e da nossa conveniência intelectual e recreativa com franceses. O termo "galicismo", este monstro, está a ser fechado no arquivo das caturreiras arqueológicas de alguns castiços veteranos, adidos ao paládio dos quinhentistas. Não são esses, todavia, os que hão-de ligar ao oiro puro da dicção portuguesa a contribuição de vocábulos que a opulentem e equiparem às linguagens de que de dia em dia auferimos a nomenclatura das artes, das ciências, dos ofícios. Afora isso a literatura propriamente dita, como o drama, a novela contemporânea, para que sejam do seu tempo, carecem de ferir a nota moderna, a palavra peregrina, de sabor estranho, picante, onomatopaica, para que se faça bem exprimir o nosso cosmopolitismo psicológico.

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Mas hoje - hoje é pior.

Há muita pressa na pressa.

E não só o redigir a falar e correr. Não são unicamente as concessões no que é moderno, ainda que o moderno seja feio ou de mau gosto ou chocantemente estranho. Nem mesmo a técnica e a sua alargada de termos ganhem a maior ou a absoluta relevância nesta balbúrdia de letras em que temos de erguer voz firme e dominante.

Estamos a ser vítimas de uma literatura de onfensiva contra tudo o que é virtuosamente nosso.. Não é só a língua - a pureza da língua - que está em causa.

É ela com os padrões da nossa cultura.

Estão a servir-se do português como um instrumento de guerra. Usam-no do modo que lhes convém para melhor atingirem o modo que pretendem. Quer dizer a lingua é deturpada para melhor deturpar e é envenenada para melhor envenenar.

Vozes: - Muito bem!

O orador : - Os maus livros são como as víboras.

Quanto mais agasalhados no peito mais mordem. E eles já são tantos os maus livros aninhados, que não me admiro de serem muitas inteligências mordidas.

Porque não é só a tradução péssima e conspurcadora, também é a tradução de índole e marca subversivas.

Vozes: - Muito bem!

O orador: - Por acaso as piores revoluções não se devem aos piores livros?

Não é tarefa fácil esta de defender a língua portuguesa feição e no seu português destino. Até se podem criar - e é forçoso que se criem - no ,mais curto espaço de tempo, os organismos para o efeito. O que não se cria de um instante para o outro é o escol dos paladinos dispostos à acção sem tréguas.

Aqueles apóstolos de cultura, vontade e inteligência que toda a hora e em todo o lugar ,sejam quais forem os opositores e sejam quais forem as circunstâncias requeiram e sustentem para a língua de Portugal a soberania a que ela tem direito.

Não é trabalho para ser executado por alguns: é obra para ser realizada amorosamente por muitos.

Todos os que governam, todos os que ensinam, todos os que educam, todos os que trabalham nos sectores da informação - da informação que irrompe pela nossa casa a todo o momentos - os escritores, os jornalistas, os homens cultos, designadamente esses todos, tem de ser combatentes de tal combate com a diária preocupação da vitória.

Poderá objecta-se que a língua portuguesa não é fácil. Leite de Vasconcelos, ao queixar-se de que ela se encontrava em grave crise, observava que os escritores se esquecem de ordinário que escrever para o público é uma arte que precisa de aprendizagem.

Mas eu digo que o estudo da língua portuguesa é apaixonante e que não cesso de a aprender, pois quanto mais difícil a vejo mais bela a encontro.

Vozes: - Muito bem!

O orador: - Talvez pelo constante fascínio, talvez por isso, o seu mérito de perpetuidade exceda a própria perpetuidade.

Essa águia da oratória que foi António Cândido, num dos seus voos de altura a propósito do 4,º centenário do descobrimento do Brasil imaginou que se um dia por fatalidade acabássemos se - figurando a hipótese extrema - uma terrível catástrofe, geológica submergisse esta parte do continente europeu, onde nasceu e donde partiu em épica aventura, o povo mais audaz e valente para iluminar os caminhos do mar, para descortinar as constelações do céu, para dar extensões à terra civilizações à história e almas a Deus lá ficariam no Brasil, para sempre, o seu sangue, a sua alma e a sua língua...

Pois eu atrevo-me a dizer que se o Mundo chegar ao nada, como se profetiza que chegará e com ele se sumirem os documentos e os ecos da nossa língua e ela já não puder ser dúctil nem formosa, nem servir para exaltar a Pátria , a Fé e o heroísmos e não puder já embriagar-se com o perfume de uma flor nem embeber-se na curva de uma asa, nem descrever a dor nem a esperança, nem alegria - quando ela por se apagar na terra não puder exprimir nada disso ou seja o que for de tudo isso nem responder a estes versos de rima ardorosa:
Amo o seu eiço agreste e o teu aroma
De cirgena aclaras e de oceano largo!
Amo-te ó rude e doloroso idioma. então, se o Mundo acabar ficam ainda na abóbada do céu as ressonâncias de um António Vieira e na cintilação das estrelas e na própria labareda do Sol as estrofes heróicas de um Camões.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. José Manuel da Costa: - Sr. Presidente: Vai passado quase meio século tive a honra de ser em nome da federação Académica de Lisboa o Redactor de uma mensagem de louvor e agradecimento ao ministro brasileiro Dr. Octávio Mangabeira por ter imposto o uso da língua portuguesa nas reuniões e conferências internacionais.

Há um quarto de século tive ensejo de subir a esta tribuna para enaltecer o valor da Convenção Ortográfica luso-brasileira e aqui propus então a criação de um organismo que se destinasse à defesa e expansão da língua portuguesa no Mundo: Depois disso interferi com iguais intenções nos avisos prévios dos Srs. Deputados Vaz Pires, sobre o ensino liceal e Manuel Nazaré, sobre a expansão da língua portuguesa no ultramar.

Isto se relembra para dizer que venho de longos tempos - e nesta Casa pela quarta vez - terçando armas por uma dama a que já chamei "alma da Nação" e que considero ser o fundamento primeiro do bem comum.

E se não fora um dever de companheirismo e um sentimento de gratidão aos Srs. Deputados Elísio Pimenta e José Alberto de Carvalho que quiseram neste aviso prévio aceitar e tornar seus alguns conceitos e propósitos insertos nas minhas anteriores intervenções, agora havia de calar-se a minha voz tão inúteis foram até agora os seus ecos e tanto me convenci de que se o pilriteiro é porque na verdade ele não era capaz de dar coisa melhor. E no entanto bem vistas as coisas aqui existem nos anais desta Casa, sumidos de pó dos arquivos depoimentos de alto mérito testemunhos da preocupação espiritual desta Assembleia por tudo quanto importa e respeita ao significado transcendente e ao prestígio vital da língua portuguesa que é ela sem sombra de dúvida o esteio mais forte da universalização da cultura lusíada.

Vamos próximos do termo do nosso mandato aqui fomos muitas vezes pragmáticos e materialistas ao triste.

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sabor dos tempos mas talvez possamos morrer com beleza se nas últimas das nossas preocupações de vermos um grito de alarme em favor e louvor daquela causa que é a única de todos nós e é também a única que em nenhuma circunstancia pode ser contra nenhum de nós a língua em que dizemos "Deus" em que dizemos "mãe" em que dizemos "amor" e em que dizemos "Portugal"!

Sr. Presidente venho em camada de forças despendido de ilusões e desprevenido de argumentos novos . Mas nem eles são precisos se sob o aspecto político alguém quiser desentranhar dos DIÁRIOS DAS SESSÕES[...] bleia e das Actas da Câmara Corporativa todo o substancial acervo de ideias e de sentimentos aqui e além aduzidos em salvaguarda da pureza e da beleza e da força criadora do idioma universal e universalizante que é a razão maior da nossa independência e a condição necessária da nossa sobrevivência como "gente grande" num Mundo que já não vê limites à sua ambição nem à sua capacidade de o abarcar no seu todo.

Relembro veja-se aí o debate realizado em 1944 a propósito da ratificação DA Convenção Ortográfica Luso-Brasileira: veja-se a discurso de Março de 19521 aquando de reforma constitucional em que nem o brilho da argumentação nem a qualidade intelectual dos Deputados interventores lograram instituir em matéria primeira do foro dos Portugueses a defesa e a expansão da língua : veja-se grande parte do teor do recente aviso prévio do Deputado Martinho Vaz Pires sobre o ensino liceal em que o problema da língua foi largamente ventilado: veja-se tudo quanto foi trazido e esta Câmara pelo Deputado Manuel Nazaré e pelos nossos ilustres colegas que na tribuna a acompanharam nas aspirações e no exacto sentido das realidades urgentes e necessários: veja-se o que já vai dito com tanto brilho e vivacidade no decorrer deste debate através do qual perpassaram tantos momentos de sadio lirismo e a par disso tantas sugestões úteis e viáveis!

Teimamos em reavivar este memorial da Assembleia para que ela se sinta orgulhosa e honrada por ter andado tais caminhos por ter posto seus anseios num material de trabalho que se não é pão da boca é pão do espírito e se não é aço da charrua com que se temperou a fortaleza de alma da gente portuguesa.

Sr. Presidente: nem sempre se terá subido a esta tribuna com tanta humildade de espírito Tanto desinteresse pessoal tanta emoção por um tema que a muitos se afigura abstracto e vago insusceptível de excitar e apaixonar... até a própria Câmara. Se de tal estivéssemos em absoluto convencidos também nos convenceríamos facilmente de que estávamos aqui de mais de que o nosso espiritualismo se soterrava na onda dos interesses materiais de que negávamos tudo aquilo que dizemos ser ao sermos nos actos e nos factos exactamente contrários à essência do nosso pensamento espiritual histórico social e político.

Falando de Castela Ortega Y Gasstt disse "Castela é uma espada uma política uma fonética novas".

Estar-se-à vendo onde quero chegar com a citação!

Tivemos nós uma espada uma política uma fonética novas e próprias que nos libertaram da supremacia casteliana e onde às vezes a espada se enfraqueceu ou a política tergiversou nunca cedeu a fonética porque ficou sempre no canto da alma e na ponta da língua a palavra ou expressão que determinavam a nossa irredutível vontade de independência.

A espada a política a fonética nós acrescentamos a cruz e Sr. Presidente até aonde fomos de tudo isso lá ficou e lá onde estamos a cruz a espada a política trabalham ao som das mesmas vozes ao entendimento das mesmas expressões à consciência da mesma fonética a luz da mesma língua que para não morrer na poeira da Península foi rolar nas ondas do mar e tornar fluída em todo o contorno do Mundo esta energia e esta saudade de ser português.

Não trago outra tese que não seja a de que a língua é um bem comum. E em consequência de que como tal pertence ao Governo acautelá-la e defendê-la como que defende a menina dos olhos, at papilas oculi como lá diz a divisa da nossa cidade fronteiriça ELVAS.

E pensava eu assim quando ví citadas num livros de Etiemble, estas palavras de um sacerdote e professor do Canadá " a língua é um bem comum e como tal ao Estado compete protegê-la e só o Estado guardião do bem comum pode agir eficazmente ao nível da civilização: a civilização é o suporte da cultura e o estado tem por si a lei e a força ; nós os professores tudo quanto temos é razão e é uma coisa tão pouca... quase só serve para morrer "! E tudo isto se dizia para pedir a criação de um organismo defensor da língua no Canadá francês!
Defender a língua como bem comum defendê-la ao nível da civilização com lei e com força do estado. E no suporte da cultura,. Ninguém na verdade pretende outra coisa e para isso foi que aqui viemos cada um com a sua bagagem de entusiasmo e de conhecimentos e todos convictos de que temos razão mesmo que está só nos sirva para morrer tal como a mim me vem acontecendo desde ha um quarto do século e a esta parte. É aqui respondo ao momento de discordância do ilustre Deputado Peres Claro na sua intervenção de anteontem.

Eu tenho preconizado como sei e posso a criação de um organismo que defenda a pureza ( nunca disse o purismo) da língua pátria. E nunca confundi a defesa da língua com a defesa da cultura pele simples e enorme razão de que a língua é um bem comum nosso bem entendido daqueles todos que falamos português quem quer sejamos e onde quer que estejamos. E esse bem comum só nos temos o integral direito e o insostimável dever de defendê-lo.

Mas a cultura é um bem universal em extensão e em profundidade e hoje de tal modo avassalador que nenhuma forma de expressão pode suficientemente interpretá-la ou traduzi-la.

O que é a cultura? O que é a cultura Portuguesa? Tomada no seu todo integral a noção de cultura ela toma um tal peso no que respeita à sua formulação expressional que o homem como Edward Sapir pode dizer: "parecer-lhe possível que o progresso humano para a universalização da cultura e para a tomada da consciência cada vez maior dos padrões culturais acabe facilitando afinal a eclosão de uma língua internacional que pouco a pouco se substitua em seus lineamentos gerais as múltiplas línguas vigentes entre os homens".

E aqui está precisamente o contrário do que se pretende com o presente aviso prévio.

No caso particular da cultura portuguesa... pois aí tem o ilustre Deputado Peres Claro bem patente exemplo do Instituto de Alta Cultura e veja como esse Instituto mais ou menos pretensioso no seu título vejo a pouco e pouco evolucionismo do sentido humanista que estava no espírito da instituição e na consciência dos instituidores para se tornar num seguimento científico dos tempos modernos á lenta cadência do passo nacional e diga-me lá que influência ela exerceu no plano interno em tudo quanto respeita à pureza à dignificação ao prestígio da

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língua portuguesa, isto não obstante serem notáveis alguns dos trabalhos sadios do seu Centro de Estudos Filológicos, e ser louváveis e mesmo única a sim acção no plano externo pelo ensino do português em Universidades estrangeiras, nas quais, aliás, nem sequer não conseguiu acertar o passo, creio eu, com os leitores brasileiros, que esses já se considerariam, relação a nós portadores de outros valores de cultura ou pelo menos de outras formas de expressão intelectual e literária.

Não é por teimosia que fico na minha, mas a sugestão do Sr. Deputado Peres Claro conduziria exactamente à ineficácia, á inoperância e ao apagamento do que julgo pretender-se na utilidade e na economia deste, aviso prévio. A língua portuguesa tem dimensão bastante para ser considerada em si mesma, sem o apoio da cultura. que tem outros horizontes mais largos, sim. mas menos determinados.

Se nos fosse permitida uma pequena cilada, nós levaríamos apelo até ao nosso leader que há dias ouvimos nesta tribuna, com altíssima dignidade e no apogeu de todos os seus méritos, invocar a sua, formação clássica, que nós sabemos ser, sem desdouro de ninguém, a mais esclarecida e, expressiva desta Câmara.
Pois que o nosso leader actue junto do Governo no sentido de que não morram nos arquivos as pálidas noções com que em geral terminam os avisos prévios.

Diga ao Governo, Sr. Deputado Albino dos Reis, que nós viemos aqui limpos de coração e isentos ,de quaisquer interesses, pedir apenas que seja criado um organismo no nível da civilização, que defenda a língua portuguesa e defendê-la não é colocá-la debaixo de nenhuma redoma, nem entregá-la a nenhuma categoria policial, que promova, a expansão da língua portuguesa - e expandi-la e dilatá-la na pureza e na beleza, tê-la em contacto com outros modos de falar, deixá-la mesmo ser língua-mãe, mas umas... defendê-la da ignorância, da petulância, e disparate, da facilidade com que se assimila hoje tudo quanto vem da informação externa e da publicidade interior, defendê-la e expandi-la por uma acção constante e contínua para a qual, hoje ninguém, nenhum organismo de direito público ou privado, tem entre nós, poderes legais, condições científicas ou meios materiais de levar adiante esta missão isto é, de zelar devida e, eficazmente por este fundamental aspecto do bem comum.

Não há, repito, nenhum organismo especificamente destinada a esta missão no ensino, em qualquer dos graus, ensina-se, faz-se que se pode e creio que por virtude de muitas circunstâncias, se vai podendo cada vez menos nos centros de estudo e de investigarão filológica, o campo de actividade é naturalmente e do plano desinteressado da ciência pura eles são sim, fundamentais, alcançam, porém, um escasso circuito de estudiosos e a sua penetração maior terá ainda, o que não é nada pouco, no terreno da convivência - científica internacional; as sociedades privadas que se consagram ao estudo da linguagem vivem do amor de uns tantos e só de muito poucos são conhecidas e acarinhadas (ainda há dias aqui se salientou que a Sociedade de Língua Portuguesa nunca conseguiu o reconhecimento de utilidade publica nem os magros benefícios que desse reconhecimento lhe adviriam): as academias, essas vivem alcandoradas na imortalidade, mas, como se vai cada vez intuir acreditando na imortalidade, mesmo na das academias nem sequer de lá saiu ainda o dicionário da língua, que é o fundamento da existência de uma delas, e isto se diz sem menosprezo do muito trabalhos que a essa tarefa já tem sido dedicado.

Falta, portanto, alguma coisa de grande, dinâmico, poderoso e forte que possa suprir todas estas gravíssimas deficiências de que todos somos culpados neste grande banco dos réus em que há dias com justa razão, nos sentou o Sr. Deputado Tinto de Meneses.

Talvez por um mau espírito académico não logrou a defesa da língua inserir-se, em 1951 no texto constitucional, e a esta Câmara cabem algumas responsabilidades ao negar o seu voto à tal inserção . Mas nem por isso o Governo está isento dessas obrigações e bem elas lhe são apontadas nos Decretos n.ºs 17 930 e 18 281, entre outros que ao governo consignam essa incumbência de zelar pela pureza e pela defesa do idioma pátrio.

Mas o Governo tem do ter os seus instrumentos de trabalho, e quando esses se minimizam por falta de poder legal, se atrofiam por falta de coordenação ou se desinteressam por carência de meios materiais, a obrigação do Governo fica em choque a responsabilidade é de todos e de ninguém, mas a autoridade declinou e com ela os valores e os bens que lhe estavam confiados.

Só um organismo de alto nível, de real e concreto poder de insofismável autoridade e de obrigatória aceitação e obediência pode superintender, coordenar e decidir em todas as actividades respeitantes à defesa e à expansão da língua portuguesa, perdoa-se a minha obstinação em considerar defesa à expansão não duas coisas opostas mas, juntas, uma ideia fulcro da nossa civilização. uma força - matriz da nossa cultura.

Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não faltam ao alcance do Governo romanistas, escritores linguistas, humanistas gramáticos, filósofos e homens de ciências com os quais se constitua e organize esse serviço de salvação pública, que virá a ser a defesa do único bem inalienável deixado pelos nossos maiores e perante o qual nenhuma força foi, é ou será capaz de nos aniquilar.

Em tempos antevi esse organismo à escala supramacional, isto é, imaginei-o comum a Portugal e no Brasil, e, pontencialmente ainda hoje ele poderia ser concebido deste modo, o mais poderoso e resistente elo da cadeia em que se forjou e se funde a comunidade luso-brasileira. Não é isso impossível, vejo porém as dificuldades e para já o problema é nosso, nosso aqui na metrópole, nas ilhas e no ultramar, nas terras onde vive gente do nosso sangue, nos países onde devemos confirmar e esclarecer, pela pureza e pela beleza da língua, o sentido da nossa civilização e a ordem da nossa cultura, ou seja a nossa razão de ser, a nossa razão de estar no Mundo, com a audácia de que não desistimos e com o orgulho de que não abdicamos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Como aqui em tempos foi lembrado pelo Sr. Deputado Mário de Albuquerque, não é isto mero assunto filológico, mas um primordial problema de direito público.

Tem o Governo à sua frente um homem que além de todas as suas múltiplas virtudes e qualidades é um humanista, um escritor, um mestre com cátedra assente na sua Faculdade e audiência no conjunto organizado da terra portuguesa e, como se tudo isto não bastasse cabe-lhe o direito e o dever de ser agora o regente de todo o interesse nacional, o defensor do bem comum!

Fopi por assim o entender que há dias aqui lancei a sugestão de que o serviço público de defesa e expansão da língua portuguesa fosse colocado sob a égide, inspiração directa e modalidade de organização do Prof. Marcello Caetano. Não queremos acrescentar preocupações às muitas que já terá mas, por honradez, diremos que os seus

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braços não abraçarem esta causa que aqui vimos defendendo, lá ficaremos, como no soneto camoniano, servindo outros tantos anos e mais servindo se não fora para tão grande amor, tão curta a vida.
O Prof. Marcelo Caetano já algures castigou os erros de linguagem, os vícios de conceito e de estilo de que enfermava o falar português e, designadamente, a própria estrutura formal das leis que saem desta Assembleia, e porque falo de leis direi com Francisco de Cossio:
As leis pelas quais havemos de reger-nos como o mais nobre género literário, são por isso as mais obrigadas a ser concisas, claras e terminantes. Muitos somos os que escrevemos mal, mas se alguém deve estiar obrigado a escrever bem é precisamente o legislador.
Isto, Sr. Presidente, quer dizer que o mal também nos toca pela porta...
Muito se falou aqui dos Antónios Ferreiras, dos Camões, dos Vieiras e dos Garretts, mas ai de nós se só eles nos restassem mim saudosismo cultural de pura cristalização das nossas qualidades e possibilidades de sobrevivência e crescimento! O povo e os escritores vão todos os dias fazendo e refazendo a língua, e não é de rodos eles que temos de defendê-la, mas sim dos semianalfabetos que assentaram banca em toda e qualquer tribuna que se dirige a mim gente inerte e passiva, que lê o que lhe dão, ouve o que lhe dizem e repete o que não deve, com a agravante de que em algumas dessas tribunas tem o Estado vou activa e não lhe é lícito ficar insensível ante a passividade das massas.
Tem o Sr. Presidente do Conselho a seu lado, nos Ministros da Educação Nacional e do Ultramar, dois professores que nunca foram reticentes na apreciação da gravidade, deste problema. Se concordam com a sugestão aqui levantada, não sei: mas julgo-me no direito de pensar que nem um nem outro julgarão suficientes, ainda quando indiscutivelmente necessários, os instrumentos culturais e administrativos de que actualmente dispõem para levar n bom termo o objectivo exacto deste aviso prévio.
A todos diremos, para terminar: fazei o melhor que puderdes e souberdes, e aceitemos uma parte do testamento espiritual de Hipólito Raposo, que, no seu livro Aula Régia, nos diz:
Aos nossos filho, deixemos, como melhor legado, depois dos ditames da mural e da honra, a língua portuguesa viva, orgulhosa e incorrupta, para que a sua música não se dissolva no silêncio nebuloso dos séculos, mas seja eterna a sua voz de pensamento, a sua consolação de caridade, o seu frémito de paixão. Estudemos todos com amor a nossa língua: nela se incorpora e vive a alma da Nação. E por sobre as facções que nos dividem o enfraquecem . . . falar bem a língua materna é ainda a melhor forma de cada um se afirmar português de Portugal.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem. muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Filomeno Cartaxo: - Sr. Presidente. Srs. Deputados: É devida uma palavra, de apreço e louvor aos ilustres Deputados Dr. Elísio Pimenta e José Alberto do Carvalho por trazerem às preocupações desta Câmara o problema da defesa e valorização do idioma pátrio. Aliás, tal assunto, por mais de uma vez, insistentemente, tem estado inscrita nos trabalhos desta Assembleia, evidenciando uma realidade que é mister estudar e que, sempre mais assume carácter de agudeza. Mas ai de nós!, tal insistência demonstra cabalmente que o assunto se tem descurado e que sobre ele se não tem tomado aquelas elementares providências que logo saltam à consideração do mais desprevenido dos observadores.
Estamos, Sr. Presidente, em face de um pequeno grande problema cuja importância se parece minimizar no mundo revolto em que vivemos, dominado por solicitações absorventes no campo social c económico. E em que, insensivelmente, se esquecem por vezes as questões de raiz, os fundamentos e os meios de trabalho que in-dentificam e personalizam um agregado nacional.
É o problema da língua uma das constantes da nossa história e da nossa independência, o meio de comunicação que connosco evoluiu e se enriqueceu, definindo-nos e particularizando-nos a nossa natural forma de expressão, o processo por que nos aprendemos a conhecer e a equacionar os nossos problemas, o processo por que concordamos e discordamos na luta permanente de nos actualizar e nos realizar como povo próspero e feliz.
E causam mágoa os atentados que, em cada dia, maculam o que de mais próprio e expressivo possuímos, os modismos que proliferam numa cadência nunca vista, o enfraquecimento da prosódia, os aligeiramento sintácticos, as expressões estrangeiras que, na sua pureza original, invadem c corrompem os anúncios do nosso comércio e indústria e adulteram os nossos contactos verbais de todos os dias. Caímos, até no contra-senso de minisculizar, contrariando as regras ortográficas em vigor o vogando nas águas de incompreensíveis normas de equilíbrio estético. Até, para mal dos nossos pecados, alguns organismos oficiais aderem às novas modas com uma preocupação invulgar de estar ao par, para além de se manterem apegados o formas de expressão já ultrapassadas e, por outro lado, sem significado. A nossa juventude, depositária do nosso porvir, achou uma linguagem própria, eivada dos males de certa música e literatura de gosto internacional, e acarinha um calão dispersivo e incompreensível, que hora a hora se renova com uma vitalidade e imaginativa a dizer com aquela mesma juventude.
Não será agradável o panorama. E certamente que ele se não virá a modificar com medidas estritamente policiais, que se mostram inadequadas e insuficientes. Aliás, não podemos criar a simplista ideia de que teremos normas rígidas a impor e a defender. A língua é uma expressão viva que não se encontra estratificada, que evolui au sabor das novas necessidades que o meio social vai sentindo, ele mesmo em permanente renovação.
O problema, no fundo, vem mais a colocar-se num para campo educativo, de rectificação e intensificação do ensino do português, permitindo conhecimentos mais ampla e mais precisos, criando um clima receptivo de mais perfeita consciência.
Não desejo meter a foice em seara alheia, o que seria, para além de descabido, estulto.
Humildemente, trago a esta tribuna apenas o peso e a autoridade de uma experiência pessoal, que decorridos mais de vinte anos se afigura ainda com a sua utilidade.
E dela resulta a necessidade premente de uma renovação de processos e métodos em todos os graus do ensino, a começar no primário, porque há falhas e erros de origem que nunca vêm a anular-se pela vida fora.
Compreendo o carácter do ensino ministrado nos estabelecimentos secundários e médios, a intenção de preparar

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e formar o jovem, proporcionando-lhe uma aquisição e armazenamento de conhecimentos. Mais não sei se se estará a abusar demasiadamente da memorização para atingir tal fim. Pude apreciar o critério de alguns professores que desciam ao pormenor cansativo e despersonalizante de exigir dos alunos, e certamente lá teriam as suas razões, a palavra precisa e libertadora que fazia no compêndio.
Pode ser que esteja errado, mas parece-me de utilidade imediata que, desde principie, se cultivem as qualidades de iniciativa do aluno, dando-lhe confiança na sua procura, incentivando-o n exprimir-se com vocábulos seus, mesmo para reproduzir as ideias de nutrem. Auxiliando-o, em suma, na descoberta do uma forma de expressão, quer falada, quer escrita, que lhe vai ser de capital importância na sua vida futura.
Sou, por outro lado um adepto fervoroso do regresso do latim aos cursos gerais. Talvez de um latim ensinado do outra forma, um dialéctica na sua conjugação com o português. Não aquele latim que de certa forma me foi ministrado e que era o meu "papão" e a minha dor de cabeça. E de alguma coisa me serviu, apesar de tudo, a sua aprendizagem. Para além das possibilidades francamente instrutivas que lhe adivinho, noto-lhe indubitavelmente a virtude de se tornar um óptimo elemento de disciplina mental e, por conseguinte, da formação intelectual do aluno.
Os considerandos que tenho vindo a desenvolver casam-se, na minha opinião, mais do que perfeitamente, com as dificuldades que de uma maneira geral, vem a experimentar o aluno que ingressa no ensino superior. Para além de uma maior mi menor soma de conhecimentos adquiridos, o universitário vem a reconhecer, até logo de início, uma dificuldade de expressão que o coíbe de se utilizar plenamente do sumo do ensino posto ao seu dispor - não discuto a qualidade deste e que obedece a outras coordenadas muito diferentes daquelas a que vinha habituado.
De tudo isto, podemos extrair certo número de conclusões nada animadoras. E a título exemplificativo e com o seu sabor anedótico, posso testemunhar a existência de universitários que, debatendo-se com problemas próprios de expressão das suas ideias dão com direito mais do que a palmatória, erros crassos de ortografia.
Não desejo generalizar e que será menos verdadeiro. Mas limito-me a verificar exemplos incompreensíveis que é necessário banir. E com esta agravante - vivemos num país grandemente dependente das suas élites universitárias, de quem há muito a esperar, ate no simples aspecto dos contactos:, donde se pode extrair um afinamento da linguagem, no grande papel que o convívio desempenha na melhoria das relações

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas, se propugnamos pela intensificação e melhoria do ensino do português nas escolas, reconhecemos igualmente a insuficiência da medida, já que há a adoptar uma acção que possibilite ao" graduados, seja em que meio de ensino for meios que lhes permitam aperfeiçoar-se metodicamente, alargando os conhecimentos que lhes fossem facultados e que no fundo, se limitam a ser uma base de partida para a sua realizarão social, que tem de processar-se hora a hora.
Há, assim, necessidade da fomentar o gosto da leitura da boa leitura - fornecendo livros escolhidos e por preço acessível. Como há necessidade de intensificar a formação de bibliotecas, de facilitar a sua utilização, cabe aqui uma palavra de louvor à Fundação Gulbenkian, que através das suas bibliotecas fixas e móveis, tem desenvolvido uma obra altamente meritória, e seria curioso elaborar-se um estudo que permitisse aquilatar as preferências e gostos do público, de várias origens, que utiliza tais serviços. Como cabe outra palavra de louvor às Casas do Povo e respectivos departamentos do Ministério das Corporações que fornecem uma literatura séria aos meios visuais, inclusivamente no aspecto de problemas de índole técnica.
O nosso problema, editorial assume aspectos a que há que pôr cobro. O livro atinge um preço incomportável para a média da população e nem sempre a encolha do que se publica obedece a normas de conveniência, editando-se muita matéria circunstancial e de interesse relativo, na pengada de um sensacionalismo de rejeitar, e apresentado, o que se lamenta, como factor válido de cultura.
E medidas de polícia mas imediatas, está a reclamar o sector editorial. Fazemos parte de um mundo inconsequente e despersonalizado, vivendo sob o signo de uma velocidade estonteante, em que se proclama a carência de tempo disponível o se aceita uma literatura de evasão que invade os escaparates e que, pela sua acessibilidade, inunda os nossos lares.
Não há muito que um semanário se debruçou sobre o fenómeno e percorreu os locais de venda ambulante, de procura popular, para ajuizar do volume de vendas verificadas. Pois, num pais em que não há o hábito de ler, chega a pasmar-se com o que se consome, e com o volume, que se consome. Desde a novela de ficção científica até ao livro policial prenhe de violência e de um sexualismo doentio, desde o contozinho cor-de-rosa, passado no melhor dos mundos possíveis, até à historiazinha em quadrados sincoparia, e inoperante, tudo se lê e se gasta. A preços módicos e em primeira, segunda e terceira mão. E com a virtude, dificilmente alcançável, de ser escrito no mais detestável e deseducativa português.
Isto sem falar, evidentemente, na literatura infantil e juvenil, que constitui o prato forte dos nossos rapazes. Inscrita numa língua amorfa e depauperada, o que é o normal, e fazendo gala de sentimentos e qualidades que talvez, não sejam os mais aconselháveis para uma mocidade, sadia, que deve procurar nos grandes exemplos e nas sublimações, que libertam, o sentido de uma vida, o sentimento daquela vida que está nos seus propósitos e na generosidade do seu coração.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Outro aspecto de divulgação me parece adequado versar nesta ligeira súmula. Referimo-nos à imprensa que se convencionou chamar de regionalista.
Uma imprensa que tem vivido de muita dedicação e sacrifício, votada a assoberbados problemas de ordem financeira. Há que reparar-se no papel de suma importância que lhe está reservado, dado o seu poder de penetração nos meios vedados a uniras formas de imprensa. Dai lhe advém, para além de certa missão informativa, o dever de uma participação na discussão dos problemas regionais, no seu esclarecimento, fornecendo elementos formativos que possibilitem uma crítica séria, uma explanação de necessidades locais que urge resolver, a criação de um espirito de gregarismo na defesa dos interesses Inçais, que cada vez mais se impou corporizar, dando-lhe forma e sentido lógico, independência e visão prática.
Mas, analisado o panorama, mais ou menos geral, dos nossos jornais de província, talvez tenhamos de reconhecer que não têm correspondido ao que deles se exige, em profundidade e em exposição. Sob orientação a que, muitas

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vezes, se não reconhece um mínimo de preparação literária, acresce uma notória falta de informação acerca dos mínimos, problemas locais, dos, problemas do dia-a-dia, agravados por um azedume resultante de conveniências de grupo, pouco ou muito legítimas, que normalmente se não parecem enquadrar nos interesses de ordem geral.
As palavras que aqui deixo em prol da imprensa regional são apenas movidas pelo interesse e carinho que ela me desperta, desde aqueles verdes anos em que me vi envolvido nos seus meandros, definitivamente marcado pelo cheiro característico da impressão ainda húmida, e por reconhecer a importância enorme que ela desempenha adentro da nossa imprensa única via de comunicação de grande sector da população. E o curioso é que, apegar de se ler na sua totalidade,. tenha por linha dela se desdenha publicamente, em tom de mofa,. sem se lhe ligar muita importância o que não corresponde à realidade íntima de se lhe conceder um grau de infalibilidade que talvez seja um tanto ou quanto exagerado.
Pois torna-se necessário chamar essa imprensa ao efectivo preenchimento do grande, papel educativo que tem a desempenhar na consciencialização de uma população regional cada vez mais em contacto com o mundo que a cerca, numa interdependência, colectiva de que tem uma noção mais aberta em cada hora que passa. Torna-se necessário auxiliá-la, protegendo-a e dando-lhe meios que lhe permitam resolver o angustiante problema financeiro com que se debate, proporcionar-lhe uma informação aberta e minuciosa chamar a colaborar nela homens intelectualmente válidos, numa conjugação de esforços que possibilite a descoberta da linguagem acessível e correntia que a deve caracterizar em contacto com um público leitor que, na sua grande maioria, desperta para uma nova compreensão da vida colectiva.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Outro assunto de interesse me parece útil abordar: o da dobragem dos filmes.
Há já anos muito recuados que a solução foi apresentada como processo eficaz para, dada a elevada percentagem de analfabetismo que então registávamos, expandir o nosso limitado mercado cinematográfico. Por esse caminho seguiu a nossa vizinha Espanha, tendo alcançado, note-se uma perfeição técnica do sistema que é de encarecer.
Suponho que a solução não está certa e que, praticamente, nada venha a melhorar, já que o problema da nossa indústria e comércio de filmes revela males profundos, de falta de qualidade, de deficiente colocação dos produtos, dado o número exíguo de salas, de uma perfeita organização industrial e financeira, de carência artística, de encargos fiscais e de fruiu a ordem que a asfixiam e não possibilitam um produto a preço acessível e popular, tudo agravado pela concorrência que a televisão lhe parece estabelecer ao fornecer ao espectador outra comodidade e psendocasas de espectáculo por todos os cantas e esquinas.
Aliás basta reparar que o sistema vigente da legenda resulta frutuoso, vindo a sobrecarregar o filme em meia dúzia de contos numa película de fundo normal, custo que resultará bastante modesto em comparação com o da dobragem sem número de cópias suficiente para uma correcta exploração. A primeira vista, a sua adopção parece até economicamente inviável.
A minha oposição, no entanto, funda-se mais em razões de ordem artística, que me parecem convincentes e fundamentais.
Um primeiro perigo logo se adivinha. O reduzido grupo de vozes de actores de que dispomos, vinha criar uma saturação a breve prazo, com o inconveniente de o espectador identificar insensivelmente o cómico actor A a emprestar a voz por sistema, aos, actores B, C, D, E, e F, provocando um cansaço exaustivo.
E há vozes insubstituíveis. Recordo aqui o mito Greta Garbo, no mundo de mitos que é o cinema, quando começou a falar nos seus filmes e a emprestar à sua figura enigmática e estranha aquele metal de voz que a caracterizava plenamente. Como não compreendo que se possa substituir com vantagem a voz de um Laurence olivier ou de Jean Gabin.
Um actor é um todo na amálgama dos seus elementos e processos. Amputar-lhe a voz própria, o seu volume, a sua intencionalidade, as suas cambiantes, equivale, bem vistas as coisas, a diminui-lo 50 por cento na sua valia artística, falsificando o espectáculo e tirando-lhe grande parte da sim riqueza.
O actual sistema de legendagem oferece os seus inconvenientes, de que aponto a distracção que provoca no espectador, desviando-o da pureza da imagem, veículo próprio e absorvente da arte cinematográfica. Mas parece-me um mal bem menor do que a dobragem. O que há que cuidar, sim, é da qualidade das legendas, da exigência literária que deve recair sobre o tradutor, do seu perfeito domínio das duas línguas em causa.
E deixo um aberto o problema da televisão, já que esta utiliza material filmado em grande quantidade. E o reconheço o cansaço que a leitura da* legendas provoca num écran de tão pequenas dimensões. E reconheço, ai de nós, que a televisão não se tem ocupado grandemente de problemas de ordem artística.
Sr. Presidente: Estas as sugestões que me pareceu aconselhável trazer a este plenário com a necessidade, que reconheço, de se criar um organismo estatal de coordenação e estudo que se debruce demoradamente sobre os mil e um problemas, que a defesa da língua levanta, para paulatinamente se lhes dar solução.
E só me dói não ter sido suficiente o tempo disponível para amadurecer mentalmente tudo aquilo que vai em esquema, ao sabor da inspiração do momento.
Mas a minha presença impunha-se pelo interesse indesmentível que vejo no tema e por aquilo que devo a muitas horas de convívio com António Vieira e Camilo Castelo Bronco.
E, já agora, o mea culpa, ao confessar-me publicamente um leitor assíduo de Eça de Queirós. Aquele Eça que à boca cheia, tem sido acusado de atentar contra a pureza da língua, mas que lhe deu uma plasticidade que nunca ela tinha experimentado. E, ademais Srs. Deputados, tudo se desculpa compreende e agradece a um homem de talento como ele.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão, à hora regimental, para conclusão do debate do aviso prévio sobre a defesa da língua portuguesa.
Se a Comissão do Legislação e Redacção tiver concluído o estudo da proposta de lei sobre o estabelecimento de normas, tendentes a imprimir maior celeridade à justiça penal, o que averiguarei amanhã, marcarei para or-

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dem do dia da sessão a realizar no próximo dia 11 o início da discussão na generalidade dessa proposta de lei.
Eram 18 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
André da Silva Campos Neves.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Calapez Gomes Garcia.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
James Pinto Buli.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
João Mendes da Costa Amaral.
José Dias de Araújo Correia.
José Maria de Castro Salazar
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Leonardo Augusto Coimbra.
Manuel Henriques Nazaré.
D. Alaria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves.
Sebastião Garcia Ramirez.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Tilo de Castelo Branco Arantes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Álvaro Santa Rita Vaz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Gabriel Maurício Teixeira.
Henrique Veiga de Macedo.
Joaquim de Jesus Santos.
José Fernando Nunes Barata.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Pais Ribeiro.
José Pinheiro da Silva.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Mário de Figueiredo.

O REDACTOR - Luiz de Avillez

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