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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 175
ANO DE 1969 8 DE FEVEREIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.° 175, EM 7 DE FEVEREIRO
Presidente: Ex.mo Sr. José Soares da Fonseca
Secretários: Ex.mos Srs
Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
SUMÁRI0: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta ,do expediente.
Foi aprovado o Diário das sessões n.º 162.
Foi recebido na Mesa para efeitos do disposto no $ 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Decreto-Lei n.º 48 854.
O Sr. Deputado Salazar Leite tratou de problemas de Cabo Verde.
O Sr. Deputado Nunes Bareto fez considerações sobre vários aspectos da vida rural portuguesa.
Ordem do dia. - Concluiu-se o debate acerca do aviso prévio relativo à defesa da língua portuguesa.
Usaram da palavra os Srs. Deputados D. Custódia Lopes Pinto de Mesquita e José Alberto de Carvalho.
Foi aprovada uma moção sobre a matéria daquele aviso prévio, apresentada pelo Sr. Deputado Elísio Pimenta e outros Srs. Deputados, tendo usado Já palavra sobre a mesma o Sr. Deputado Nunes de Oliveira.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Finto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto de Miranda. Horácio Brás da Silva.
James Pinto Buli.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
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José Alberto de Carvalho.
José Coelho Jordão.
José Fernando Nunes Barata.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José Rocha Calhorda.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos:
Raul Satúrio Pires.
Raul du Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Purés Claro.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Sérgio Lecercle. Sirvoicar.
D. Sinclética Soares Santos Turres.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 60 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta o seguinte
Expediente
Telegramas
De funcionários de Portalegre apoiando o discurso do Sr. Deputado Augusto Simões sobre problemas dos funcionários.
Do presidente da Câmara Municipal do Loulé aplaudindo o discurso do Sr. Deputado Sousa Rosal relativo a caminhos de ferro.
O Sr. Presidente: - Foi ontem distribuído n VV. Ex.ªs o Diário das Sessões n.º 162. Se nenhum Sr. Deputado desejar fazer qualquer rectificação a este Diário, considerá-lo-ei aprovado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está aprovado.
Da Presidência do Concelho foi recebido, para cumprimento do disposto no $ 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Diário do Governo n.º 26, de 31 do mês findo, que infere o Decreto-Lei n.º 48 854, que estabelece o quadro e remunerações do pessoal da Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado (A. D. S. E.), regula o provimento do seu pessoal e insere disposições tendentes a uma melhor adaptarão aos seus objectivos e à aceleração e simplificação do funcionamento dos serviços.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Salazar Leite.
O Sr. Salazar Leite: - Sr. Presidenta: As minhas homenagens. Nestas palavras encontre V. Ex.ª a expressão da minha sincera admiração pelas suas reais qualidades mais uma vez postas à prova no lugar que agora ocupa.
Se me permite, gostava de dizer quanto lastimo a ausência do Sr. Prof. Mário de Figueiredo, que infelizmente vemos afastado do nosso convívio, privados da sua sábia orientação por motivo de doença.
Sr. Presidente: No Diário do Governo de 25 de Janeiro de 1969 publicou-se um decreto que alterando a estrutura da Caixa de Crédito Agro-Pecuário de Cabo Verde, encerra disposições que podem vir a ter marcada influência na vida desta província.
Reflectindo sobre a extensão das possíveis actividades do organismo por esse decreto remodelado, rememorando algo do que me foi dado observar em recente visita, senti a necessidade de vos transmitir algumas considerações sobre aspectos de problemas, da província que, teimosamente, se mantém no sen espírito.
Antes quereria, no entanto, afirmar-lhes que, embora nascido em Cabo Verde desejando profunda e convictamente o progresso do arquipélago, não posso dissociá-lo do conjunto português e não representa o que pretende dizer-lhes um apelo a prioridades pois o estabelecê-las compete ao Governo, que as saberá subordinar ao interesse de todos.
Mas há também que reconhecer a enorme importância que para o todo nacional representam essas ilhas, que de desertas quando portugueses aí chegaram, constituem hoje berço da quase totalidade de cerca de 200 000 compatriotas que aí vivem, sofrem e lutam pelo seu progresso, sempre aguardando a concretização de um sonho esperançoso. Uma razão, e das mais fortes, que me permite recordar palavras recentemente proferida sobre o "arquipélago, que constitui uma posicão-chave nas comunicações entre o Norte e o Sul do oceano Atlântico e até entre as duas margens deste".
Ilhas vulcânicas, perdidas na imensidade do oceano, com elas não parecia ter sido muito pródiga a natureza: com escassez de água em algumas ilhas, sem grandes recursos minerais, condicionado e tornado difícil o desenvolvimento agro-pecuário generalizado, a sim verdadeira riqueza reside nos seus habitantes, de natural civismo, conscientes da posse de apreciável padrão cultural e profundamente amantes da sua terra.
A condição insular dessa população reforça o sen apego à terra que os seus antepassados criaram, mas dá-lhe ao mesmo tempo uma insatisfação, como já uma vez referi, um marcado desejo de fuga que a leva a emigrar em busca de novos horizontes. Longe da sua terra, o cabo-verdiano mantém com ela um constante contacto espiritual: na nostalgia que o afecta encontra a noção da sua real capacidade que por vezes, não se manifestaria nem se evidenciaria quando no ambiente pouco propício do meio natal. Pelo esforço de conjunto faz brotar através de muitas regiões do globo verdadeiras comunidades cabo-verdianas, sempre respeitadas, e apreciadas pela conduta exemplar dos seus elementos, fruto da sua noção de civismo, respeito pela ordem e reconhecimento pela comunidade que lhes permitiu uma vida digna baseada no trabalho e na noção de mútua utilidade do esforço desenvolvido.
Na melhoria das suas condições de vida não esquece os seus e não esquece, a sua terra; os seus, permitindo-lhes elevar o padrão material, a sua terra que, indirectamente,
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beneficia dessa melhoria material e social e, directamente, porque o emigrante, colabore na beneficiação do ambiente au qual pretende voltar. Este último fenómeno é actualmente, evidente na cidade do Mindelo fonte da maioria dos emigrantes para a Holanda, e que daí, pela esforço do seu trabalho, estão, a pouco e pouco, modificando, pelas construções que promovem, a fisionomia da cidade.
Este apontamento sobre o povo do Cabo Verde constitui uma das razões por que penso que a natureza não foi tão ingrata, como por vezes se pretende, com o arquipélago, uma vez que permitiu que nele eclodisse, desenvolvesse e estabilizasse o exemplo mais evidente de uma política social de coexistência de raças. Mas outros elementos positivos há a apontar, de entre os quais três queremos citar:
O Porto Grande da ilha de S. Vicente, com excepcionais condições naturais que num passado recente era ponto de escala quase obrigatório da navegação atlântica, reúne as condições naturais óptimas para constituir um valor positivo a referir na difícil economia da província; no entanto, essas condições não foram convenientemente aproveitadas e uma inércia, mais do que uma falta de visão, porque a previsão não se mostrava difícil, relevou para plano secundário o integral aproveitamento do que a natureza colocara à disposição do homem. Cito este exemplo propositadamente para que, noutro campo de actividade, não se venham a cometer erros semelhantes, não aproveitando, na melhor altura, outras dádivas da natureza.
Só cito hoje os problema ligados à pesca, que merecem ampla referência, pois do seu aproveitamento integral poderiam advir os elementos mais importantes para atingir ou pelo menos aproximar o equilíbrio na balança económica da província.
Passo a referir o que constituiu a motivação desta minha fala, que mais não pretendia senão chamar a atenção para um problema de cuja solução muito se pode esperar.
Permitam-me que vos ponha diante dos olhos o cenário onde, esperamos se virá a processar algo de muito útil para Cabo Verde; devo dizer-vos, desde já, que o cenário não é brilhante.
Olha do Sal, uma enorme plataforma, pouco elevada sobre o nível do mar, onde seria possível traçar, sem dificuldade, diversas pistas para aviões se uma só não fosse suficiente em face da direcção praticamente constante do vento a uniformidade, ia a dizer monotonia, só é interrompida pela existência de pequenas elevações de terreno em pontos que não afectariam qualquer possível traçado. Uma vegetação pobre, o que se justifica por uma falta quase absoluta de água potável. Mas, ao sul da ilha, junto à povoação de Santa Maria, uma praia de mais de uma dezena de quilómetros de extensão, de areia branca e finíssima, como poucas se verão no Mundo; e, como riqueza máxima, no decurso de todo o ano com pequenas e desprezíveis oscilações, as condições climáticas ideais para o equilíbrio biológico do organismo humano.
Esta a grande, a enorme riqueza da ilha, que pode oferecer sob um sol acariciador durante longas horas em cada dia e durante todos os dias do ano um clima ideal para aqueles que não podem sujeitar-se a grandes alterações do meio ambiente. Julgamos poder afirmar que este é o único local do Mundo em que se reúnem essas condições ideais: é uma riqueza inexplorada para a qual só agora se começa a chamar a atenção.
Um grande industrial belga, perseguido por teimosa afecção com repercussão sobre as vias respiratórias, aí encontrou o equilíbrio que procurou em anos de viagem através do Mundo; ai vive com sua mulher, que a ele se reuniu em condições mais do que precárias de saúde, e que em Santa Maria, depressa se recompôs, passando os dois a fazer uma vida normal. Quiseram nessa pequena vila, perdida no Mundo, viver com o conforto a que tinham direito, porque conquistado depois de uma vida de trabalho, c mandaram construir uma pequena pousada: é uma pousada de luxo com cinco quartos, quartos de amigos mais do que qualquer outra coisa, onde com requinte recebem sempre com o humano desejo de levar outros a beneficiar do que lhes foi concedido: a possibilidade de uns anos mais que sinceramente, desejamos sejam muitos de vida com saúde. A materializar-se o que desejam, o que nos parece fácil, muito lhes ficaremos devendo. Numa outra escala vimos já, em Portugal, fenómeno semelhante e dele resultou, através de uma Fundação, benefício inapreciável para o País. E também por reconhecimento este casal quer fazer beneficiar o País e a população de uma parcela de, Portugal que soube recebê-los de braços abertos e com carinho, propondo-se conseguir o investimento necessário para o lançamento de um complexo hoteleiro em terreno já demarcado, e que viria a modificar por completo a fisionomia da ilha. Creio ser nossa obrigação a facilitar a concretização dessa aspiração algo que não queremos chamar sonho. Mas é evidente que numa ilha onde só será possível contar com água destilada mesmo para se iniciarem os trabalhos de construção, necessário se torna prever esse fornecimento em quantidade apreciável. Este um primeiro obstáculo a remover, uma vez que se punham, frente a frente, duas atitudes ambas justificáveis: uma que desejaria que o fornecimento ficasse, assegurado antes de qualquer tentativa para oficializar o empreendimento, outra, que via no acordo sobre esse empreendimento a causa motora e a justificação para a instalação do sistema de dessalinização. Mas um factor humano, a noção da necessidade e interesse de um bom sistema de dessalinização para benefício da população da ilha foi a causa determinante que levou S. Ex.ª o Governador a adoptar pela compra imediata, à firma holandesa Wernspoor, de uma central que, com um turbocompressor acopulado permitirá fornecer e distribuir diariamente 90 t de água, e ao mesmo tempo, energia eléctrica com uma potência de l90 kWh: como medida comparativa, direi que a povoação dispõe actualmente só de 20 kwh.
Mas as possibilidades do arquipélago neste sector vão mais longe e há planos bastante avançados para o aproveitamento de outra ilha. Com o tempo limpo, olhando para o sul da praia de Santa Maria, desenha-se no horizonte o perfil de uma ilha na qual se não se reúnem as condições climáticas óptimas da ilha do Sal, as possui também muito aproximadas e compensa essa diferença com dezenas de quilómetros de praia de areia finíssima, que se deixa banhar pelo Atlântico acariciador: é a ilha da Boa Vista, uma das maiores do arquipélago, onde os estudos, conduzidos por uma empresa alemã, estão praticamente terminados para a instalação de uma complexa estância de turismo e repouso.
Ë evidente que o turismo tem as suas facetas negativas, e em Cabo Verde há a temer, como resultado imediato, um maior desequilíbrio da balança comercial, mas, em contrapartida, deve acentuar-se o saldo positivo da balança de pagamentos, encontrará ocupação uma parcela do excedente demográfico da província, estimular-se-ão as indústrias subsidiárias de um empreendimento desta natureza.
A decisão a que me referi, tomada na ilha do Sal pelo governador, comandante Sacramento Monteiro, foi mais uma decisão humana e firme de alguém a quem nós,
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cabo-verdianos, ficamos devendo uma dedicação plena, servida por reais qualidades, nunca olhando ao sacrifício evidente que tal representa para a sua carreira de homem do mar sempre com os olhos fitos no bem da província que tem de orientar: direi mais que achou seu dever continuar no seu posto num período de crise que soube debelar no seu início e que, esperamos, possa vencer no decurso do seu mandato.
Que todos compreendam como ele quanto urge realizar o que se pretende, que de S. Ex.ª o Ministro a quem já tanto devemos, se receba rapidamente o apoio necessário, que se não volte a cometer um erro por falta de visão ou, antes por reprovável inércia.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A interdependência do económico e do social constitui uma realidade que por toda a parte se proclama com insistência. Aceita-se por exemplo, que os condicionalismos psicológicos. sanitários ou educacionais de determinado meio reflectem a situarão existente, ao mesmo tempo que constituem factores de entravo ou de aceleração na dinâmica do desenvolvimento. O interesse pela sociedade rural justifica-se, a esta luz não só por razões de justiça social, mas ainda por imperativos de desenvolvimento económico.
Ao chegar aos meados do nosso século, a panorâmica rural nos países da Europa meridional revelava ainda muitas fraquezas e dificuldades. Sem pretender uma enumeração exaustiva, poderia referir a tal propósito:
Relevante percentagem de população activa no sector primário, com notável presença de desemprego oculto e baixa produtividade no trabalho;
Deficiências nas estruturas demográficas naturais, mormente com elevados índices de mortalidade infantil;
Insuficiente aproveitamento das potencialidades produtivas com diminuta capitação dos rendimentos agravada, de rosto, pela má repartirão dos mesmos; Predomínio, em regiões de propriedade mais extensa, de uma restrita classe dominante e acentuada proletarização das massas;
Carência de preparação técnica das populações trabalhadoras com repercussões negativas para uma fácil adopção de novos métodos de cultura ou reconversão de mão-de-obra;
Percentagem elevada de analfabetos;
Inexistência de esquemas eficazes de segurança social;
Ausência de outros serviços fomentadores de um bem-estar, adequado às exigências de um nível aceitável de vida;
Falta de infra-estruturas essenciais à circulação das pessoas e das mercadorias, valorização da riqueza e revitalização dos próprios esquemas institucionais.
O imenso problema de vencer este círculo vicioso de pobreza e de atraso pôs-se, como imperativo de primeira ordem, aos vários governos. Por toda a parte se assistiu a consagração de políticas visando assegurar ao povo dos campos uma presença efectiva o valiosa na vida económico-social. Daí o pretender-se incrementar o nível do vida rural através de melhorias na produção e na repartição da riqueza; promover a ajuda a regiões mais atrasadas, procurando revigorar as economias estagnadas e distribuir mais equilibradamente, pelos territórios nacionais, novas forças produtivas; dar aos rurais, além de uma instrução e educação de base formação técnica e consciência cívica adaptadas às exigências dos novos tempos; proteger o património familiar, consagrando a empresa agrícola economicamente viável, facilitando o acesso à mesma ou realizando outras soluções do que genericamente se tem conhecido por reforma agrária: estender aos trabalhadores rurais a legislação social do trabalho em vigor na indústria sempre que necessário convenientemente ajustada- e os benefícios dos esquemas da segurança social; defender a população dos factores, negativos que operam sobre os seus movimentos naturais e artificiais, mormente no que respeita às migrações descontroladas; prodigalizar infra-estruturas materiais capazes do assegurar um mínimo de bem-estar e revitalizar instituições tradicionais ou descentralizar serviços em ordem a obter-se a participação consciente do maior número na vida local.
Não obstante todos estes propósitos, a intervenção dos governos (ou de outras forças de valorização rural) não se desenvolveu com aquela extensão e eficácia capazes de compensar um fenómeno quis, não sendo peculiar das últimas décadas, nelas se revelou com maior intensidade: o êxodo rural.
Sr. Presidente: O quadro que esbocei aplica-se, em boa medida, à realidade portuguesa.
Já referi, noutra oportunidade, calcular-se que no período de 1969 a 1960 milhão e meio de portugueses abandonaram as zonas rurais do continente para se fixarem cm pólos de atracção urbana ou dirigirem para o exterior. Só no decénio de 1951-1960 o número de portugueses que abandonaram as zonas rurais - cerca de 730 000- foi sensivelmente idêntico ao total dos trinta anos anteriores. Por outro lado enquanto no período de 1921 a 1940 entre 70 a 75 concelhos atraíram população, na década de 11951-1969 esse número viu-se reduzido para 25. Mais: a população saída dos nossos campos deixou, nos últimos anos de alimentar, com a intensidade das décadas anteriores, os dois grandes pólos de atracção de Lisboa e do Porto, passando antes a engrossar as correntes de migração infra-europeias. A atracção urbana, que no decénio de 1921-1930 absorveu cerca de 85 por cento da população rural repelida, enfraqueceu consideravelmente a ponto de na década de 1951-1960 não ter absorvido mais de 22 por cento.
Tem-se afirmado, com fundada insistência, que a crise do sector agrícola português constitui uma causa (e já agora um efeito) deste êxodo desordenado.
Em 1963 o produto nacional bruto do sector da agricultura, silvicultura e pecuária atingiu cerca de 17,3 milhões de contos; em 1968, ainda a preços de 1963 a previsão do mesmo produto permitiu estimá-lo em 18,3 milhões de contos. Pois, neste entretempo, o produto originado nas indústrias transformadoras subiu de 23,2 milhões de contos para 38,2 milhões de contos (previsão de 1968 e preços de 1963).
Não vou repetir aqui as inúmeras razões invocadas pela agricultura como agravantes desta situação de desfavor: desequilíbrio entre a evolução dos preços dos produtos agrícolas e dos produtos industriais (nomeadamente os utilizados na agricultura); pequena elasticidade dos mercados de alguns produtos agrícolas; ausência de sistemas de comercialização; desequilíbrio entre os preços dos produtos agrícolas e os salários pagos na agricultura; dificuldades de crédito e indefesa contra as calamidades; insuficiente remuneração dos capitais investidos na terra, etc.
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Ao acentuar a interdependência do social e do económico não será contudo, despiciendo referir aspectos que pesam na realidade portuguesa, reflectindo-se na situação de desequilíbrio que se vive.
As diferenças inter-regionais mas remunerações constituíram factor de importância para as deslocações internas. O desvio médio dos distritos do continente em relação a Lisboa, quanto a salários pagos no ano de 1964 foi de 35,2 por cento para a agricultura e de 43,8 por cento para as outras actividades. No distrito do Porto, que ocupava o segundo lugar quanto ao valor das remunerações, os salários médios pagos em 1964 não foram além de 66,2 por cento dos praticados em Lisboa. Ainda nesse mesmo ano. no distrito de Portalegre tais salários desciam a 44 por cento da média de Lisboa.
O desequilíbrio revelou-se ainda mais notável no confronto entre os salários praticados em Portugal e nos outros países da Europa.
A partir da média ponderada dos salários pagos em 25 das 27 indústrias que figuram nas estatísticas de salários do Boletim Mensal do Instituto Nacional de Estatística e dos salários médios horários publicados pela O. C. D. E. tentou-se (cf. revista Análise Social n.º 17) dar uma ideia das disparidades existentes, em 1963 entre Portugal e outros países europeus. Chegou-se a conclusão de que o salário mediu pago na indústria portuguesa (incluindo as prestações patronais de carácter social obrigatório) representava 1/3 do salário da Áustria. 1/2 do do Reino Unido e da Suíça e 1/2 do da Suécia.
Outro cálculo realizado para o ano de 1964 permite a comparação entre os níveis dos salários na indústria dos países que tem constituído o principal destino da emigração portuguesa na Europa e os salários da indústria portuguesa. Utilizando o indicador de Beckerman, que tem em conta as diferença do custo de vida, os índices deflacionados assim obtidos permitem afirmar que na Alemanha se ganhava 3,8 vezes mais do que em Portugal, na Holanda, 3.1. na Suíça, 3 e na França, 2 vezes mais.
O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Amaral Neto: - Para completar os dados que V. Ex.ª está citando, talvez fosse cabido acrescentar que, muitas vezes, a produtividade do trabalho se compara nas razões inversas.
O Orador: - Muito obrigado pela sua atenção. Isso prova a necessidade de uma política de valorização da mão-de-obra pela formação profissional.
As possibilidades de formação profissional constituíram igualmente factor decisivo na deslocação dos rurais portugueses.
Pode afirmar-se que, pelo menos, 70 por cento dos nossos emigrantes saem do mundo agrário. Pois a análise das estatísticas estrangeiras sobre a sua distribuição, segundo as actividades exercidas nesses países, revela que só numa pequena percentagem se dedicam aí à agricultura.
Nos anos de l965, 1966 e 1967 o total dos nossos emigrantes "activos" foi respectivamente, de 68 243, 87 897 e 61 140. Destes totais pertenciam ao inundo agrário (sector primário nos activos com profissão + activos com ocupação) 39 746, 59 912 e 47 748.
A estes números, para ter uma visão completa dos que abandonaram em Portugal a agricultura, haveria, de resto, que acrescentar os emigrantes clandestinos.
Contrariamente a esta presença dominante dos trabalhadores agrícolas nas estatísticas portuguesas de emigração, a distribuição dos imigrantes portugueses em França, por sectores profissionais, é bem expressiva ao revelar que os mesmos se dedicam aí a outras actividades que não as de assalariados agrícolas.
De um total de 170 000 trabalhadores existentes em França no ano de 1967, apenas 15 100 figuravam como assalariados agrícolas. Dos outros, 105 200 ocupavam-se como operários especializados e não especializados. 37 000 como contramestres, operários qualificados e aprendizes. 9200 como pessoal de serviços. 1100 como empregados de comércio e escritório. 900 nas profissões liberais e quadros superiores e 1500 neutras categorias.
Também a carência de esquemas de segurança social entre as populações rurais portuguesas, tem funcionado como factor de repulsão.
Desde logo a política de acordos e convenções de segurança social, celebrados entre Portugal e os países do imigração, permite salientar os benefícios auferidos pelos nossos emigrantes nestes domínios.
No caso da Alemanha, os benefícios são pagos directamente, aos trabalhadores. Mas quanto à França, Luxemburgo e Espanha, já é possível uma ideia do seu montante. De 1960 a 1968 o movimento em numerário, contabilizado através da Caixa Central de Segurança Social dos Trabalhadores Migrantes, ultrapassou os 600 000 contos. Tais benefício provém, na sua quase totalidade, dos trabalhadores portugueses em França- 113 700 contos em 1966 e 142 200, contos em 1967. Em 1968, mais de 200 000 familiares de cerca de 60 000 trabalhadores portugueses em França receberam abono de família. Por outro lado, mais de 50 000 familiares de cerca de 13 000 trabalhadores beneficiaram de assistência médica. Trata-se, de resto, de um esforço em marcha. A medida que se complete a cobertura dos emigrantes mais nítida se tornará a disparidade existente se porventura não assegurarmos igualmente aos nossos rurais esquemas de previdência. Acresce que, esgotado o prazo em que os emigrantes portugueses tem direito ao pagamento dos benefícios aos familiares residentes em Portugal, estes tenderão a juntar-se-lhe no estrangeiro, perdendo-se assim muitas famílias para a comunidade portuguesa.
Sr. Presidente: Sem movimento migratório, e aceites para os próximos anos as tendências observadas quanto à diminuição na mortalidade e na natalidade, a população metropolitana poder-se-ia estimar, em 1975 em 10 350 000 habitantes. A manutenção dos fluxos migratórios afectará profundamente esta perspectiva. Poder-se-á mesmo perguntar em que medula se concretizará, com a imensa sangria humana vivida nos últimos tempos, o acréscimo anual dos 18 000 activos previstos no III Plano de Fomento. A questão que ponho, e me parece grave é a seguinte: serão os efeitos previsíveis do desenvolvimento económico, operado no período do III Plano de fomento capazes de servir de travão à saída dos trabalhadores para o exterior e de estímulo ao retorno dos emigrados. Em que medida as nossas já conhecidas carências de mão-de-obra constituirão factor de estrangulamento para os programas de desenvolvimento?
A comparação entre o crescimento natural da população e o número das saídas para o exterior revela uma situação extremamente grave. Em 1966 o total das saídas (emigração legal e ultramar) excedeu o crescimento natural da população em mais de 24 000 indivíduos.
O panorama será ainda mais delicado se tivermos em conta a emigração clandestina. Calcula-se terem saído, entre 1961 e 1966, cerca de 130 000 clandestinos. Mesmo
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que a este total descontemos 69 000 legalizações de situações irregulares verificadas no mesmo período, os clandestinos terão ainda ultrapassado os 80 000.
Só no ano de 1966 calcula-se terem saído clandestinamente 46 000 emigrantes. Mesmo que a emigração legal desse ano (12 200 emigrantes) descontemos as legalizações de situações irregulares verificados ( 28 600) obteremos ainda como saídos legalmente pela primeira vez 91 600 emigrantes. Se a estes 91 600 legais juntarmos os 46 000 clandestinos as saídas totalizarão 137 600 em 1966. Ora como o crescimento natural da população se saldou em 1966 em 106 800 indivíduos terão saído da metrópole mesmo sem contar os 10 700 que se dirigiram para o ultramar mais 30 800 do que o excesso dos nascimentos sobre os óbitos.
O contágio das partidas fez em muitas zonas do Pais baixar o potencial humano para lá do nível indispensável a manutenção ao progresso do produto bruto. A esta debandada correspondeu naturalmente uma ausência de iniciativa; e de meios de organização tão falada reorganização agraria espontânea não passou de mero devaneio teórico e os custos sociais, económicos e humanos de recuperação serão extremamente graves.
Sr. Presidente: Todos sabemos que o ambiente em que decorre a vida rural portuguesa é ainda caracterizado por assinaladas carências no domínio das infra-estruturas essenciais da vida colectiva. Agua e esgotos, estradas e caminhos, transportes e comunicações, iluminação e energia, equipamento sanitário e assistêncial, revelam-se, em muitas regiões, como grande ausentes.
Insisto em alguns números do conhecimento geral. Repito-os. pois, a sua eloquência é mais do que suficiente para nos dar consciência da gravidade da situação e do que importa realizar com urgência.
No que respeita à electrificação rural, faltava ainda, em 31 de Dezembro de 1966, electrificar 980 das 3 823 freguesias do País. Isto, aceitando como electrificada toda a freguesia que tivesse pelo menos um consumidor. Se, porém, estendermos a análise aos, agregados com mais de 100 habitantes concluiremos que 5 192 dos 13 387 existentes, ou seja cerca de 38 por cento, não se encontravam ainda servidos por electricidade em fins de 1966.
Quanto ao abastecimento domiciliário de água. apenas l600 aglomerado, (embora com uma população da ordem dos 3 200 indivíduos) dos 13 387 se encontravam na mesma data satisfatóriamente servidos. Dispunham de abastecimento por fontanários apenas 3 530 aglomerados.
No que se refere a esgotos dava-se conta de 200 aglomerado com colectores em mais do 50 por cento dos respectivos arruamentos, servindo cerca de 2 500 habitantes. Mais de 13 000 localidades não dispunham, portanto, de rede de saneamento.
finalmente, pelo que toca à viação rural, 2 550 aglomerados, ou seja 20 por cento, não beneficiavam de acesso por estrada.
A Câmara Corporativa, ao debruçar-se sobre o III Plano de Fomento, e considerando o ritmo das dotações aí prevista , concluiu serem ainda necessários treze anos para electrificar todas as povoações com mais de 100 habitantes, sessenta anos para realizar o abastecimento domiciliário de água dez anos para completar a rede de viação rural e um período indeterminável de tempo para construir as redes de esgotos!...
Estas carências harmonizam-se com as más condições de alojamento nas zonas rurais. Segundo os apuramentos do recenseamento de 1960, apenas 14,4 por cento desses alojamentos dispunham de água canalizada e 9,1 por cento de casa de banho. Quanto a electricidade e esgotos, as percentagens também não iam além de 27,4 por cento e 24 por cento.
A problemática da habitarão rural afigura-se-me tão importante que tomarei a liberdade de a tratar, com algum pormenor, noutra oportunidade.
Não será inteiramente despiciendo referir igualmente um ou outro indicador sanitário. A taxa de mortalidade infantil pode por exemplo, relacionar-se, com a percentagem de partos sem assistência ou até, com o número de habitantes, por médico.
Nos distritos de Bragança e da Vila Real. a taxa de mortalidade infantil (valor médio no período de 1063-1066) foi respectivamente, de 84,2 por mil e 8l,7 por mil. Nesses mesmos distritos, a percentagem de partos sem assistência (ano de 1966 atingiu 76,2 por cento e 85,6 por cento e o número de médicos por 10 000 mil habitantes (1964) não foi além de 4,2 e de 3,2. Bem mais favorável é a situação no distrito de Lisboa. Nos anos referidos, a taxa de mortalidade infantil acusou 43,8 por mil, o número de partos sem assistência não excedeu os 8,6 por cento e a população viu-se servida por 19,6 médicos para 10 000 habitantes. Para os homens de Murça terá menos significado o existirem no concelho 3 televisores por 1 000 habitantes, quando nus concelhos de Cascais e de Oeiras, se dá conta respectivamente de 101 e 118 televisores pelo mesmo número de 1 000 habitantes (1967). Mas já sentirão mais dolorosamente o facto de 84 por cento dos partos não terem qualquer assistência (l966) ou de a mortalidade infantil ter atingido (1963-1966) o altíssimo índice de 104,3 por mil. Freixo de Espada Cinta, por seu turno, com a mortalidade infantil de 113.6 por mil. poderá ainda ilustrar o doloroso atraso das regiões do Portugal das montanhas do interior, com o seu consumo de energia para fins industriais de 1.1 kWh por habitante. Valor bem distante do de Vila Franca de Xira. que atingiu no mesmo ano (1965) cerca de 2740 kWh por habitante. Não terá idêntico significado o facto de em Ribeira de Pena (1965) se terem cobrado de contribuição industrial 8$70 por habitante e em Alcochete 604$70 por habitante.
Sr. Presidente: Hoje o meu intuito não era porém, o de fazer recriminações, mas o de proferir palavras de louvor e congratulação.
No discurso que, em Novembro findo, pronunciou nesta Assembleia, o Sr. Presidente do Conselho referiu os propósitos do Governo, quanto a uma política de bem-estar rural e de infra-estruturas sociais, "não perdendo de vista, numa perspectiva regional a correcção dos desequilíbrios existentes e dispensando particular atenção às realizações tocantes à educação básica, à formação profissional e à saúde pública". Particularmente, quanto à situação dos trabalhadores rurais, no lado de uma atenção fundada em imperativos de justiça, reconheceu a oportunidade de uma política que vá de encontro à "necessidade de fixar nos campos a mão-de-obra de que a agricultura carece".
As palavras autorizadas do Chefe do Governo tiveram profunda repercussão no mundo rural, fazendo renascer a esperança, de uma redobrada atenção pelos seus problemas. E a expectativa vai dando lugar a animadoras certezas.
Permito-me destacar a proposta de lei sobre a reorganização das Casas do Povo e a previdência rural e o decreto-lei, aprovado no último Conselho de Ministros, relativo à orgânica do desenvolvimento regional. Creio que a proposta de lei sobre a previdência rural será objecto de debate, nesta Câmara, ainda na presente sessão legislativa. Ocorrerá então analisá-la. Mas já, quanto à orgânica do desenvolvimento regional, não será despropositado saudar, com júbilo e esperança, a medida do Governo.
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Não faltam A Assembleia Nacional razões especiais para o fazer. Aqui se levantaram, primeiro do que em qualquer outra parte, os problemas dos desequilíbrios regionais da metrópole e se sugeriram medidas para atenuar as assimetrias espaciais. Do Nordeste transmontano aos Açores, passando pelo vale do Mondego ou pelo Alentejo - e a referência é apenas exemplificativa -, quantas vozes a clamarem por justiça, a sugerirem soluções que acabarão por triunfar.
A definição das regiões de planeamento agora feita pelo Governo, a criação das comissões consultivas regionais e a fixação das suas atribuições, e competência, tudo constitui passo decisivo para atenuar o mundo de dificuldades e fraquezas que recordei na presente intervenção. Naturalmente que a orgânica agora consagrada não será imutável. Os estudos realizados e a experiência entretanto adquirida sugerirão as necessárias revisões. Mas o que importava era começar. E essa iniciativa, pela qual todos nos congratulamos, constitui justo título para o Governo do Sr. Prof. Doutor Marcello Caetano.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio acerca da defesa da língua portuguesa. Tem A palavra a Sr.ª Deputada D. Custódia Lopes.
A Sr.ª D. Custódia Lopes: - Sr. Presidente: Não c de estranhar que esta Assembleia, sempre atenta aos problemas que mais interessam no Pais se ocupe, mais uma vez em debater o problema da língua, portuguesa.
Ainda há pouco se ocupou a Câmara da premente necessidade de difundi-la mais largamente na província de Moçambique, e agora se detém no oportuno aviso prévio apresentado pelos ilustres Deputados Elísio Pimenta e José Alberto de Carvalho sobre a defesa da língua portuguesa. É que a expansão e defesa da língua são temas que se completam e que não dizem apenas respeito a filólogos ou linguistas, mas antes, pela sua transcendente importância no contexto nacional, ultrapassam o puro campo dos estudos académicos para deverem ser postos à consideração de todos quantos tem responsabilidades na vida do País e diremos até à meditação de todos os Portugueses.
No ano passado. "A língua portuguesa no Mundo" foi o tema escolhido pelo Sociedade de Geografia de Lisboa para a Semana do Ultramar, que culminou com uma brilhante conferência do então director-geral do ensino do Ultramar, hoje Subsecretário de Estado da Administração Escolar, Dr. Justino de Almeida, que na sua exposição, salientou o carácter político do tema, afirmando que "os problemas linguisticos são problemas essencialmente políticos e que a política das línguas sempre constituiu um dos mais importantes capítulos da política das nações".
Ora é precisamente a consciência deste facto que tem levado, de há muito, alguns Deputados desta Câmara a erguerem as suas vozes em defesa do idioma nacional, pedindo para ele a protecção oficial necessária.
É também evidente, pelo número de intervenções que este debate suscitou, o interesse de toda a Câmara pelo problema da língua portuguesa, instrumento de projecção universal da nossa cultura e factor de unidade dos portugueses espalhados pelo Mundo.
Difundi-la e defendê-la são, pois, aspectos do um mesmo problema nacional que importa resolver no seu conjunto dentro e fora das fronteiras do nosso território, onde quer que se encontrem comunidades portuguesas ou de língua portuguesa.
A expansão da língua traz consigo. Inevitavelmente, a sua transformação em alguns, aspectos, o que resulta do fenómeno natural da sua evolução normal em contacto com outras línguas e culturas diferentes.
A língua não é estática e a sua evolução é tanto mais extensa e profunda quanto mais acentuados são os fenómenos migratórios dos povos que a usam.
A própria origem da língua portuguesa se baseia na expansão do povo romano, trazendo consigo o latim, que em contacto com línguas locais se sobrepôs e se transformou, por influência destas, através dos tempos.
Assim também, na expansão ultramarina, a língua portuguesa portadora de uma cultura mais evoluída sobrelevou as línguas autóctones sem deixar contudo de ser influenciadas por estas e a tal ponto que se criaram em algumas regiões do Oriente e de África curiosos dialectos chamados "crioulos", entre os quais se contam os de Cabo Verde e de S. Tomé, que mereceram do jovem professor e linguista português Dr. Jorge Morais Barbosa um cuidadoso estudo.
É de salientar e aplaudir o interesse que está despertando entre alguns actuais filólogos portugueses o estudo da expansão da língua portuguesa no Mundo, particularmente no ultramar.
É um trabalho que merece todo o apoio do Governo, para que sejamos nós, os Portugueses, a registar para o futuro a acção que a língua portuguesa exerceu sobre as várias línguas com que contactou, e a influência que delas recebeu, numa interpenetração de culturas que a torna mais viva e rica e a coloca em lugar de relevo entre as línguas ocidentais.
Na verdade, a difusão da língua portuguesa por ferras africanas, brasileiras e orientais, trouxe-lhe uma riqueza vocabular universalista que nenhuma outra língua ocidental conseguiu alcançar.
No léxico português se fixaram inúmeros vocábulos exóticos de influência, oriental, a par de muitas palavras de origem africana e brasileira.
Alguns vocábulos de origem nativa continuam a ser introduzido e são ainda hoje somente usados no ultramar, como por exemplo, "maximbombo" que, em Moçambique e em Angola significa autocarro e que já entrou no uso corrente do idioma nacional nessas províncias, "milando" sinónimo de questão, e "machamba", de fazenda ou propriedade, em Moçambique.
Com o intercâmbio, cada vez mais intenso, entre u metrópole e o ultramar, não é de admirar que esses termos em breve façam parte do falar metropolitano, como por exemplo, a palavra, "minhoca", proveniente do ronga "nhoca", que significa na língua nativa cobra pequena.
Não só este, como muitos outros vocábulos originários, das línguas autóctones, destas e de outras terras portuguesas africanas, virão enriquecer, gradualmente, o léxico nacional, o que, aliás, vem sucedendo, através dos século, desde o começo da expansão ultramarina.
A preocupação pela difusão da língua vem de longe, desde a época em que o rei D. Manuel decidiu enviar para o ultramar livros portugueses, cartilhas para ensinar a ler os autóctones e também professores das primeiras letras.
Diz o historiador Damião de Góis que em 1504 seguiram para o Congo muitos "mestres de ler e escrever"", para aí abrirem escolas onde instruíssem meninos." e a eles foram entregues "muitos livros de doutrina cristã".
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Com a língua se difundia a fé cristã, e de tal maneira interdependentes que em algumas regiões do Oriente, como em Malaca, onde se formou um específico crioulo, "papiá cristão" veio a significar "falar português".
Mas não só com a expansão da língua se preocuparam os homens desses tempos. O desejo de que o ersismo da lingua Portuguesa se fizesse através do próprio idioma nacional, e não um línguas estranha levou Fernão de Oliveira, autor da primeira gramática portuguesa, a escrever:
Apliquemos nosso trabalho a nossa língua e gente e ficará com maior eternidade a memória dele: e nam trabalhemos em língua estrangeira, mas apuremos tanto a nossa em boas doutrinas que a possamos ensinar a muitas outras gentes e sempre seremos delas louvados e amados porque a semelhança é causa do amor e mais em línguas.
Também António Ferreira se insurge contra o predomínio do castelhano, considerado como língua da corte e da cultura. em desfavor da língua Portuguesa. Diz o poeta, numa carta escrita a Péro Andrade de Caminha, pedindo-lhe que deixe de escrever em castelhano:
Do que se antigamente mais prezavam todos os que escreveram foi honrar a própria lingua e nossa trabalhavam.
O culto pela língua o a preocupação de defendê-la surge-nos através dos séculos, em muitos poetas e prosadores, como podemos observar numa curiosa obra de Agostinho do Campos, a que deu o nome de Paladinos da Línguagem sendo ele próprio um verdadeiro paladino.
Assim, este escritor e Pedagogo. referindo-se ao culto que os antigos poetas e prosadores dedicavam ao idioma, pátrio escreve:
Aprendamos com eles a amar a venerar e a defender a fala que herdamos dos maiores e que nos cumpre transmitir aos vindouros rejuvenescida, sim, mas não desraizada - capaz de acompanhar o desenvolvimento e avanço as ideias, dos factos ou das artes. mas sem perder o norte da sua origem e da sua tradição, da sua autonomia c da sua individualidade.
É bom isto na verdade, o que se pretende com a defesa do idioma que não põe em causa a evolução natural da língua portuguesa. dinamizada na sua projecção universal e enriquecida com novos vocábulos. O que se pretende, porém é que ela preserve a sua identidade, ou o que possui o autêntico e de vernâculo na sua formação vocabular e sintáctica.
Não só os Portugueses se têm preocupado com a defesa da língua. A língua Portuguesa, comum a Português e Brasileiro levou Olavo Bilae num discurso Pronunciado em Lisboa em l946 a dizer:
... e prezai a vossa língua, respeitando-a e libertando-a de feios aleijões do calão pesado que a desonra e dos estrangeirismos inúteis que a sobrecarregam
quanto aos estrangeirismos que a avassalam cada vez mais e a desnacionalizam, já aqui foi acentuada pelos ilustres oradores que me antecederam a necessidade de se criar uma fiscalização que evite a introdução desregrada, de estrangeirismos, que só deverão ser adoptados quando indispensáveis mas adaptados, tanto quanto possível, à índole da língua nacional.
Para conhecimento da Câmara, apraz-me dizer que em Moçambique existe, desde 1940, sendo então governador-geral o general Bettes court uma comissão oficialmente designada com o fim de zelar pela pureza da língua, comissão que é constituída por professores de Português dos liceu, a quem são dirigido todos os instrumentos de carácter público escritos em língua portuguesa para serem revisto?
Só depois de analisadas e aprovadas pela Comissão da Pureza, da Língua essas inscrições poderão vir oficialmente a público. Diz expressamente o Diploma Legislativo n.º 724, do 11 de Setembro de 1940 no artigo 1.°, que é obrigatório:
O uso da língua portuguesa em nomes de edifícios, tabuletas cartazes marcas de fábrica e de comércio nacionais, listas de mesa de hotéis o restaurantes e, bem assim, em todos os letreiros de carácter mais ou menos fixo e de leitura instintivamente forçada para quem passa.
Este diploma é aplicado nos anúncios e de uma maneira geral, em todos os dizeres que com qualquer fim e sob qualquer pretexto sejam postos à leitura do público, e manda que se cumpram outras disposições relativamente ao que exigem o culto, a pureza e o prestígio da língua portuguesa.
Foi uma medida prática e realista do Governo da província no sentido não ,só de se abster as frequentes incorrecções ortográficas e sintácticas na língua nacional, mas também para se evitar o uso de estrangeirismos, sobretudo anglicismos que se manifestaram, durante largo tempo, nessa província de uma maneira assustadoramente desnacionalizante.
Embora ainda hoje persistam palavras como flat introduzida em Moçambique na linguagem corrente portuguesa para designar andar ou apartamento e haja quem continue a dizer Polana Hotel a maneira inglesa, em vez de Hotel Polana a verdade e que com a vigilância obrigatória da Comissão de Pureza da Língua se notou uma melhoria no emprego do idioma nacional na vida pública e uma maior consciencialização das populações para o uso mais perfeito da língua pátria.
Aproveito para desta tribuna dirigir um apelo a todos quantos convivem com as populações autóctones do ultramar para que na difusão da língua, haja também a preocupação do seu ensino correcto evitando-se o que vulgarmente sucede, que é falar-se um mau português ao nativo por se julgar, erradamente que deste modo ele nos compreenderá melhor.
Vozes : - Muito bem!
A Oradora: - A verdade é que o autóctone, desconhecendo completamente a língua, aprendê-la-á como lha ensinam, de uma maneira incorrecta, distorcida, deturpada de tal modo que chega por vezes a ser caricata.
Que na difusão da língua, no seu ensino ocasional a quem não a tem como língua materna, se empreguem vocábulos simples, frases curtas, em resumo, uma linguagem acessível, isso sim, mas não deturpações fonéticas, morfológicas e sintácticas, erros crassos de gramática, que são verdadeiros atentados contra o idioma nacional que queremos difundido largamente, mas na sua forma correcta e precisa.
Vozes: - Muito bem!
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A Oradora: - Embora de começo o nativo não deixe de sentir certas dificuldades inerentes à aprendizagem de uma língua nova, que possui uma estrutura completamente diferente, da materna, e pouco e pouco, pelo ouvido e pela prática se vai habituando nos novos sons e às novas turmas da linguagem nacional.
Não sejamos, pois, nós a contrariar esta evolução gradual e positiva e a contribuir, com a nossa negligência a indiferença, para que o nativo aprenda um português deturpado. Antes, com paciência, sem a ridicularizarão que inferioriza e inibe, quem aprende, façamos quanto esteja ao nosso alcance para que se difunda a língua portuguesa íntegra e correcta.
Será mais uma campanha a fazer-se para a difusão e defesa da língua no ultramar.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Vem a propósito lembrar, mais uma vez, a necessidade de se estudar um português fundamental, tão debatido e apoiado nos vários simpósios e congressos luso-brasileiros de língua portuguesa, com fim de do facilitar ensino do português, não só aos estrangeiros, mas, também aos portugueses que não têm a língua portuguesa como língua materna o aos que vivendo no estrangeiro, a esqueceram ou a falam com grande dificuldade.
Parece-me que dentro da política da língua portuguesa, que se impõe fazer este será um dos primeiros caminhos a seguir.
Na defesa da língua há a considerar os esforços que devem ser feitos em ensino propriamente dito através das escolas e professores, e os que igualmente são necessários nos ambientes extra-escolares e nos diversos aspectos da vida quotidiana da sociedade, em que vivemos nu em que vivem comunidades de língua portuguesa.
No que diz respeito à linguagem, poderemos dizer que o papel da escola, ou melhor, do professor de Língua Portuguesa, é hoje menos acentuado, pois que com os modernos e poderosos recursos, diremos mesmo aliciantes meios, de difusão da língua, quer falada, quer escrita, como a rádio, a televisão, as legendas do cinema, os jornais e as variadíssimas publicações de todo o género, ela é ensinada um pouco por toda a parte. E este facto, que poderia vir em auxílio do professor de Língua Portuguesa, torna-se-lhe, quantas vezes. adverso, precisamente porque a expansão da língua se fax de uma maneira desordenada e plena de incorrecções.
Como já aqui foi sugerido, há a necessidade da criação de um organismo oficial que zele pela língua nacional, coordenando os esforços, das instituições já criadas que se dedicam ao estudo da língua portuguesa, vigiando a sua difusão de uma maneira frequente c precisa, orientando não só os professores que a ensinam, mas também todos os que a propagam publicamente, tais como os jornalistas, os locutores da rádio e da televisão, e até mesmo o público interessado, por meio de revistas e boletins instrutivos condindo regras e padrões a seguir no uso da língua.
É de apoiar a ideia, sugerida pelo ilustre Deputado Leonardo Coimbra na sua intervenção, de se criarem lugares de consultores de língua portuguesa junto da. televisão e de todas as emissoras de rádio, à semelhança do que já se faz na Emissora Nacional, e eu acrescentaria, mesmo peritos da língua junto das repartições administrativas.
E se algum dia se vier a criar a tão desejada escola de jornalismo, não se deixará decerto, de atender às necessidade de se introduzirem nos programas cursos de língua portuguesa.
Torna-se também necessária a publicação de dicionários de pronúncia, de livros práticos sobre o vernáculo, ou seja expressões correctas, glossários e prontuários com nomenclaturas científicas, médicas, técnicas e administrativas, dicionários de estrangeirismos, onde se possa facilmente inquirir se tal ou tal expressão e estrangeira, evitando-se assim o emprego de galicismos e anglicismos inadmissíveis, dicionários sobre nomes próprios, manuais simples e bem exemplificativos da sintaxe portuguesa e outros livros de natureza prática sobre os vários aspectos do idioma e que muito contribuiriam para a sua defesa. Neste campo de livros práticos são pródigas as línguas estrangeiras, e a nossa, confrangedoramente pobre.
É certo que de vez em quando surgem pequenas obras auxiliares do estudo da língua, mas além do poucas, ao geralmente incompletas e imperfeitas.
Importa também que livros desta natureza sejam de preço acessível, para que possam ser mais largamente adquiridos e vulgarizados.
Como acima disse os modernos recursos áudio-visuais poderão, quando bem utilizados, ajudar o professor no ensino e defesa da língua portuguesa.
Temos disso já uma experiência feliz no País com a rádio educativa e escolar e a telescola. Sabemos que um plano expressamente, feito pelo Instituto de Meios Audios - Visuais de Ensino está a ser aplicado no ensino do português ,aos soldados do Norte de Moçambique. Seria de desejar que se pudesse, estender essa acção a toda a província através da rádio, enquanto não surge a televisão, que esperamos não tarde, para bem da difusão e defesa da língua no ultramar, particularmente, em Moçambique.
O ensino da língua portuguesa deverá ser feito de uma maneira actualizada, com os métodos modernamente adoptados no ensino das línguas vivas.
Tem-se estudado o português mais como uma língua morta, preocupando-nos, sobretudo, com os aspectos gramaticais, filológicos e linguísticos e ainda histórico - literários o que sem dúvida, é importante, mas não basta para se atingirem os múltiplos objectivos do ensino do idioma.
O professor de Língua Portuguesa deverá ter em conta as várias finalidades do ensino da língua, ou seja o aspecto formativo e informativo da língua portuguesa, despertando no aluno, por meio dela, a capacidade de interpretação o reflexão, o espírito crítico, o poder da síntese, a elocução, o diálogo, a expressão oral e escrita correctas, ao mesmo tempo que lhe desenvolve o gosto estético através da leitura de bons escritores clássicos o contemporâneos.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Mas para que este ensino se possa realizar eficientemente, há necessidade de uma reforma de métodos, programas e meios de acção.
Como pensar em novos métodos de ensino, na aplicação da reforma da nomenclatura gramatical e no uso de modernas técnicas no ensino da língua portuguesa sem que os professores estejam mentalizados e preparados para tal?
Se na metrópole alguma coisa se vem fazendo neste sentido, enviando-se ao estrangeiro professores de línguas para contactarem com os modernos centros do ensino de línguas, no ultramar, pelo menos em Moçambique, continuamos, rotineiramente, a ensinar a língua portuguesa como sabemos e podemos, não raras vezes por professores que não são da especialidade, através de livros de textos nem sempre perfeitos e das velhas gramáticas de nomenclatura discutível e desigual.
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Apesar de só ter concluído em 1967 a reforma da nomenclatura gramatical, que eu saiba, ainda não foram adoptadas gramáticas tem as novas normas.
Quanto aos professores de Língua Portuguesa, urge que se cuide da preparação destes agonies de ensino do idioma pátrio nus escolas primárias e secundárias.
Uns e outros não têm durante os seus cursos uma cadeira de Didáctica da Língua Portuguesa. Num nas escolas do magistério primário, nem nas Faculdades de Letras, existe uma cadeira do Língua Portuguesa. Nesta última substituiu-se, pela última reforma, a cadeira da Filologia Portuguesa pela de Linguística, mas continua a não haver uma licenciatura que tenha por base como cadeira principal, durante o curso, a Língua Portuguesa.
Há pois, a necessidade; de uma reforma em que se crie um curso que se desenvolva a partir do estudo, cada vez mais aprofundado, do idioma pátrio.
Só assim, e com os indispensáveis estágios pedagógicos, e ainda com a actualização dos professores já formados, poderemos vir a ter pessoal docente qualificado e apto para a vasta e complexa tarefa de um ensino actualizado e vivo da língua pátria. Por outro lado há necessidade, de uma reforma no plano de estudos a programar, da disciplina de Português nos liceus. A isso me referi aquando do aviso prévio sobre o ensino liceal a cargo do lotado, e não vou repetir a VV. Ex.ªs o que então me permiti dizer.
No entanto, não posso deixar de manifestar nesta Assembleia o espanto o desgosto que me causou o facto de se terem reduzido as horas lectivas do ensino do português no ciclo preparatório, passando a Língua Pátria a ser ensinada em quatro tempos um vez de cinco como era anteriormente no 1.º ciclo dos, liceus.
Contudo no vasto programa do ciclo preparatório exige-se que esse ensino se faça de uma maneira actualizada, com o auxílio de métodos audio - visuais, e diz-se, acertadamente, que a aprendizagem da língua, a correcção de desvios fonéticos e articulatórios se fará progressivamente pela repetição constante, pelo hábito, etc., e que se deve procurar desenvolver no aluno a elocução e arte de dizer, além dos exercícios de composição u outras tarefas.
Como cumprir um tal programa cabalmente, lendo em vista não só as aulas teóricas da língua, mas também as indispensáveis práticas em laboratórios, se possível, com turmas numerosas em quatro horas lectivas?
Não sabemos como no ultramar, onde as dificuldades da aprendizagem da língua, sobretudo nesta fase do ensino, suo maiores do que. na metrópole, devido ao condicionalismo do meio, em que são necessárias constantes correcções fonéticas sintácticas, os professores de Língua Portuguesa poderão, na verdade, conseguir dar eficientemente o programa que, se lhes exige cm dois anos do ciclo preparatório com menos horas.
O programa do ciclo preparatório foi mandado aplicar ao ultramar pela Portaria n.° 22 044, de 4 de Outubro de 1967, mas não sofreu nenhuma alteração neste capítulo, embora os professores de Língua Portuguesa, consultados sobre o programa, tivessem manifestado o seu desacordo por esta redução de horas, pelo menos quanto ao ultramar.
É de desejar que este aspecto do ensino da Língua Pátria seja considerado numa futura reforma do ensino liceal.
Sr. Presidente: Com uma melhoria no ensino da língua portuguesa, com medidas protectoras e orientadoras em todos os sectores do idioma, na vida pública, com legislação apropriada e unia fiscalização frequente, não será difícil conservar e língua na sua vernaculidade e unidade, tendo, sobretudo, este último aspecto que mais importa defender nas comunidades de língua portuguesa espalhadas pelo Mundo, pois que a língua portuguesa, como disse Afouto Lopes Vieira, é "laço de povos e harmonia".
Com a nossa expansão pelo Mundo criámos também grande responsabilidade de defendê-la onde quer que se encontrem portugueses.
As escolas, os leitorados, a propagação do manuais práticos e acessíveis sobre o idioma, a publicação de edições populares sobre obras dos nossos escritores mais representativos, clássicos e contemporâneos, e ainda lições de um português padrão através da rádio e televisão, serão os meios mais rápidos e eficientes na conservação da unidade linguística, que não queremos ver quebrada entre as várias comunidades portuguesas ou de língua portuguesa no Mundo.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Muitos destes aspectos da língua pátria tem sido largamente debatidos nos vários simpósios e congressos luso-brasileiros de língua portuguesa realizados dentro e fora do País.
Que se estudem e se considerem as conclusões desses vários simpósios e congressos e que se ponham em prática as que forem viáveis e prioritárias nesta campanha em que Portugueses e Brasileiros se encontram unidos por uma língua que no dizer do Agostinho de Campos, "fez de um pequeno povo duas grandes nações".
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Ao terminar esta minha intervenção com que, pelo imenso respeito e carinho que me merece a língua pátria, procurei dar o meu modesto contributo a este aviso prévio sobre a defesa da língua portuguesa.
permitam-me VV. Ex.ª que lhes leia uma passagem de um trecho de Antero de Figueiredo, um dia apaixonados cultores do idioma nacional:
Porque as línguas, como todo, de contínuo se transformam com as necessidades crescentes, solicitadas pela vida em movimento, num dinamismo revoltoso, mas vivificante, que só o justo saber e o bom gosto policiarão, com a índole da própria língua e as belezas estáveis que a tradição nela afinou P afincou - essas funções a essas estruturas novas, pela viveza e pelo imprevisto da factura, dirão, de maneira subtil, no corte, no colorido e no ritmo, o que de raro houver que dizer nesta inquieta era de arte, exigente de expressões fulgurantes.
Se tal acordo se dei, entre o passado fidalgo e o presente moço entre o sábio que a fixou, o povo que a desdobrou e vida moderna que a agitou, o génio da língua ficará íntegro; sua tradição, honrada mim fidelidade; a linguagem, escorreita; o estilo, limpo; a estrutura, reforçada no movimento e brincada na graça; e a expressão, irisada de mil facetas e aparelhada para tudo dizer e mostrar.
E, assim engrandecida, esta admirável língua, antiga e moderna, escrita por letrados, oralizada pelo povo, lesta e gentil, rolara nos tempos, sempre pura, mas mais robusta, mais ágil, mais bela.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A oradora foi muito cumprimentada.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: Felicito novamente os ilustres autores deste aviso prévio pela oportunidade com que levantaram o problema da defesa da língua pátria. Aliás, a sua discussão vem decorrendo
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e estreita correspondência e generalizarão de já efectuado pelo Sr. Deputado Nazaré que focou, particularmente, sector ultramarino e também deu lugar a tão útil apreciação desta Assembleia.
Não pude assistir ao discurso do Sr. Deputado Elísio Pimenta na efectivação, em 30 de Janeiro passado, do aviso em discussão. Pela leitura nos jornais das suas linhas mestras, só tenho de aplaudir a orientado nele definida.
Ao falar-se da defeca da língua, podem levantar-se dúvidas sobre a concepção que da língua se faça: só a correspondente a uma fixidez que se pretende dogmaticamente impor a todo o transe, como que de férula em punho; se, antes, correspondesse a uma entidade social viva e orgânica com elasticidade suficiente para se adaptar a circunstanciais temporais, contudo salvaguardando sempre o essencial da sua estrutura, da sua fisionomia específica e do seu espírito próprio.
Como a generalidade dos oradores que sobre o problema se vêm pronunciando, o douto avisantes segue a segunda das formuladas orientações, e é dentro do respectivo critério que reclama se processe a defesa da língua, de uma língua que, aliás, não permaneço estática nem no tempo nem no espaço, segundo a epígrafe de O Século ao interpretar o seu pensamento.
Muito bem: inteiramente de acordo.
Podia recear-se que ao caso se quisesse aplicar aquela critica que Eça fazia aos tributários de Camilo - que não a este - na carta que lhe dirigiu e só acha publicada nas suas últimas páginas. Nela. Eça. depois de realçar que os mesmos admiravam sobremaneira nele "o homem que em Portugal conhece mais termos do dicionário , o louvaminhavam "como o grande homem do vocábulo esteio forte de prosódia, restaurador da ordem gramatical, supremo arquitecto das frades arcaicas, acima de tudo castiço e imaculadamente purista.
Não é segundo esta linha que a defesa se propugna, e ainda bem porque seria pretender defendê-la pela munificação.
E já que falamos de Camilo e Eça. lembremos quanto, na sequência de Garrett, estes três, acompanhados de Ramalho. Oliveira Martins do próprio Fialho, mesmo com as suas dissonâncias, contribuíram para o arejamento do nosso idioma, aproximando-a, quando escrito, da realidade falada.
Ora é este idioma, com as suas estruturas de raiz e caule sólidas e sadias e a amplitude crescente e aberta da sua copa evidente que reclama uma elaborada e eficiente defesa.
Sem deixar de apregoar as devidas boas á beleza da nossa língua, gente prática que nos cumpre ser nesta época de mecanodinamismo despótico, temos de encarar os meios que mais conduzam a uma defesa permanente da língua, pois constantes são as infiltrações e tensões que ameaçam deteriorá-la. Já que embora culminante, se trata de valor terreno, urge mais do que acompanhar o êxtase de Maria, acicatar o zelo de Marta.
Neste sentido, já desta tribuna furam apontadas múltiplas formas de intervenção pública ou empresarial junto dos órgãos de informação c culturais. Hoje já não se limita a correspondente difusão à imprensa, sobretudo jornalística, embora ela continue à cabeça na respectiva hierarquia. Lembremos sempre e teatro, o cinema, a radiodifusão, a televisão.
No campo destes meios, para o efeito da defesa da língua portuguesa, duas coisas se impõem: primeiro, o policiamento da língua, que, sobretudo, se deve, obter pela segurança na preparação dos jornalistas e locutores; segundo, promover frequentemente emissões ou espectáculos de valor literário e de cultura portuguesa.
Em todo o caso parece-me haver processos aparentemente menos directos de que me proponho enumerar dois mas que devem encarar-se como indispensáveis para suporte, um e outro para a defesa e promoção de lídimo falar português.
Já se lê destes o primeiro terá de ser na dita companhia do ilustre Deputado Sr. Cónego Monta, a reposição do latim como matéria a estudar no ciclo geral do liceu. É a quarta vez pelo menos, que nesta tribuna nos ocupamos do caso. Sessões de 3l de Janeiro de 1964. de 24 do mesmo mês de Abril e de 13 de Fevereiro do ano passado.
As deficiências que no ensino superior se notam quanto á preparação em língua portuguesa quando os alunos ali chegam deve-se sobremaneira, à ignorância basilar do latim, língua integradora e permanente tutora, quer se queira, quer não, do nosso falar. Isto decerto, longe de pretender aproximar-nos hoje do almejado propósito camoniano do reajustamento das duas línguas que exprimiu nos sabidos versos:
E na língua na qual quando imagina com pouca corrupção crê que é bonita.
A substituição de algumas horas de português pelo latim quero crer que imprimiria espectacular desenvolvimento e segurança na utilização do pátrio idioma. Isto sem falar na achega ao estudo das línguas irmãs, neolatinas lá se vê que para a possibilidade deste regresso ao latim. haverá que simplificar noutras matérias também o pelo dos programas. No que só me parece haver a lucrar. Nem se contradiga com o argumento de que esse latim de três anos em classe fosse suficiente para se traduzir os grandes clássicos; e assim, para quê tanto esforço sem finalidade à vista. Decerto que normalmente isto se dá. Mas o benefício informativamente vivo daquela língua morta traduz-se sobretudo, não em fazer latinistas. mas impor coordenadas seguras no uso do português, Os elementares de latim serviriam como um corrimão seguro, que mesmo não se usando pela sua presença permitiriam conscientemente seguir com maior segurança na declivosa pendente da deterioração do idioma que nos ameaça.
Já se vê que o estudo do latim deverá metodizar-se de outra sorte que não aquela por que o aprendemos numa tradição multissecular, particularmente desde a Renascença, e que já Verney criticava construtivamente. Porque em vez de pretender traduzir os trechos dos grandes clássicos, não passar a utilizar o latim do fim do Império em particular o da Bíblia Vulgata, que sem ser incorrecto, não visava o sublime ou elíptico da locução, mas antes se queria mais popular, para ser entendido geralmente por todos.
Isto além de outras óbvias vantagens espirituais!
Encaremos agora o segundo meio supra - aludido. Seria esse o estudo do português em prejuízo de uma gramática excessiva, até porque compartilhada em tantos aspectos, concordantes ou divergentes com o de latim, a de uma impregnação de textos dos grandes escritores portugueses. já por leitura das suas obras na íntegra ou em parte já em múltiplas antologias, E não só a dos escritores consagrados de alto coturno, mas os mais directos e populares como Mendes Pinto. Gaspar Correia. Chiado e o Judeu, a par de Gil Vicente.
Esta impregnarão de textos desde Fernão Lopes, gradualmente instilada aos alunos desde a instrução primária até ao final do 3.º ciclo do liceu, servir-lhe-iam. Por.
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impregnação, de vacina e amparo incomparável na utilização correcta do idioma materno.
Sr. Presidente: Isto apontado, encaremos aspectos de outra face hoje candente do problema: a que aqui foi aberta pelo aviso prévio do Sr. Deputado Dr. Nazaré - a da promoção da nossa língua nas províncias do ultramar. Não se trata já do simples intercâmbio de vocábulos que constituem, em feliz reciprocidade, àquilo que o saudoso Hipólito Raposo qualificava de tatuagens da nossa língua! As orientais palavras, "quiosque", "pagode", "leque", "chá", "banzé", "chapim" e tantas que desde as descobertas enriquecem a nossa língua e a que já se poderão acrescentar, por exemplo, as moçambicanas "saguate", "manamuca" e "inibindo".
Quero referir-me ao problema instante do ensino do português aos portugueses nativos que o ignoram e que com a difusão da nossa fé entre aqueles a que ela se mostrem receptivos, constituirá o problema máximo da sua indispensável promoção cultural lusíada.
As traves mestras da nossa soberania ultramarina terão de ser sempre, na hierarquia ascendente dos valores terrenos, para além da base territorial: primeiro, a do sangue que o infante D. Henrique definiu no início das Descobertas e Albuquerque consagrou na índia: segundo, o da língua, meio de interligação e fie unificarão indispensável, entre tão diversos territórios, com tão variados idiomas, como aqui tem sido versado: estão a culminar, finalmente, na expansão da nossa fé cristã quando possível, e, pelo menos, na da aceitação monoteísta de Deus.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pelo que respeita ao veículo indispensável de uma língua comum, como consegui-lo através da nossa em trabalho intensivo que urge fazer?
Salientou-se já quanto caminha aqui na metrópole, criar organismos superiores que assistissem, promovessem e policiassem a defesa do idioma.
Pelo que respeita ao ultramar, onde os problemas criadores se adiantam aos da simples defesa não seria às suas prometedoras Universidades, através sobretudo das suas faculdades de Letras, que tal sector devia estar afecto?
Numa descentralizarão bem entendida e fecunda parece que sim. De entre os objectivos a terem-se em vista sobressaem os seguintes: a massa da população fora dos aglomerados urbanos, dispersa por um território imenso; a sua formação tribal, usando demais variadíssimas línguas e dialectos. Esses idiomas - ao meramente orais e tem de servir a uma vida de relação e de experiência em quadros limitadas, a que não pode deixar de corresponder - lá como cá, mesmo quando em condições aproximadas - num acanhamento ou mesmo tal como numa espécie de inocência mental.
Quer dizer: os idiomas em que se exprimem terão de começar por ser traduzidos foneticamente para a nossa língua.
O segundo tempo será o da alfabetizarão dos educandos.
Ora tudo isto em correspondência com uma mentalidade de faculdades condicionais, como vimos, qualquer que seja a avidez de quantos para mais ampla cultura.
Quer dizer: a língua portuguesa que tem de começar a ensinar-se terá de ser reduzida ao essencial no seu vocabulário e ad máximo possível na sua simplificação sintáctica, para, sem deixar de ser português puro, se lhes tornar assimilável porventura segundo as próprias condições dos idiomas do origem, terá que algo se ajustar a estas.
Mormente quando se trate em separado de Moçambique, de Angola ou da Guiné.
Nisso serão estes aspectos novo campo de acção utilíssimo a que as mas Universidades terão de se votar?
Não está na ordem do dia das reformas universitárias tornavam-se estas, a par de decentes órgãos de investigação?
Não constituiriam tais actividades campo experimental de investigação científica, que além da sua utilidade nacional, alto poderia prestigiar a ciência portuguesa quanto à linguística, em paralelo com o que no campo da medicina tropical temos conseguido?
Dependentes o orientadas pelas futuras Faculdades As Letras, não cumpriria criar adequadas escolas normais donde saíssem professores suficientemente adestrados para tão especializado mister?
As lições a colher dos missionários em se ter entregue devotadamente a tão árduo mister além das colhidas pelos poucos professores, leigos neles empenhados, como até pela paralela experiência do passado no Brasil, devem para tanto constituir precioso recurso.
Como ponto de partida para tudo isto não conviria àquelas Universidades começarem por ir levantar a carta geográfica linguística das ditas províncias.
Subsequentemente e num espírito de promoção gradual dos educandos nativos, não seja aspecto a encarar o da tradução do português literário dos nossos escritores para um português base a definir em termos que progressivamente pudessem ir assimilando!
Não competiria precisamente a essas novéis Universidades estudarem e proporem a definição desse português simplificado, mas correcto?
O ilustre Sr. Deputado que me precedeu na tribuna o qualificou, e muito bem de português fundamental. Estas são sugestivas reflexões que me parece haver oportunidade se formulem no âmbito deste aviso.
Resumirei quanto de mais importante enunciei nas seguintes conclusões: quanto à metrópole, regresso do ensino elementar de latim ao curso geral do liceu, como base indispensável de um ensino eficiente, do português; quanto ao ultramar, formulação de um português base, meio do ensino e de alfabetização dos nativos, além do veículo de entendimento entre os seus idiomas, tudo promovido descentralizadamente através das respectivas Universidades.
O Sr. Duarte do Amaral: - V. Ex.ª dá-me licença!
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Duarte do Amaral: - V. Ex.ª pretende que volte-o latim aos liceus por causa do português básico.
O Orador: - Precisamente. Para atenuar os riscos do português básico, carece-se, mais do que nunca, no ultramar da defesa da estrutura da nossa língua na metrópole: ora as deficiências no estudo do latim enfraquecem as possibilidades do estudo eficiente do nosso idioma.
Isto tudo porém, deve ser alimentado, Sr. Presidente, sobretudo pela impregnação de textos atraentes e só no estrito indispensável pela indigesta gramática, que geralmente só começa a ser de aceitação gostosa para os de mais de 40 anos.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador foi cumprimentado.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra para encerrar O debate o Sr. Deputado José Alberto de Carvalho.
O Sr. José Alberto de Carvalho: - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Chegamos ao fim do debate deste aviso prévio. Sem as orações proferidas, sem os conceitos formulados, as sugestões e as críticas - suaves ou duras - fracas teriam sido as vozes dos avisantes para que do debate saísse o brilho que a defesa do nosso belo idioma justifica, brilho que graças a VV. Ex.ªs por aqui andou frequentemente.
"Mas eu que falo, humilde, baixo e rude" - parafraseando o poeta-, terei de oferecer, ao encerrar o debate a inspiração que me falha. A VV. Ex.ª a irei buscar e neste toque final que procurarei dar sendo vossa a matéria da síntese, será meu o cunho pessoal, e nele vai desde já o débito, de que me confesso passivo, à imprensa, sempre atenta e vigilante a tudo que à grandeza e exaltação da velha Grei respeita. Ela foi a mensageira oportuna, a luz que clareou pelo Pais, iluminando sob os olhos do povo aquilo que mais necessitava de se mostrar, e com ela e por ela todas as meditações virão e n língua ficará mais rica.
Vozes: - Muito bera!
O Orador: - Sr. Presidente: Ao escutarmos os ilustres Deputados intervenientes, chegámos à conclusão de que todas as intervenções se caracterizaram por um denominador comum que assenta precisamente no mínimo tão completamente indicado na justificação do aviso prévio, mínimo esse que não sofrendo da parte desses ilustres colegas qualquer contestação, foi substancialmente ampliado. Podemos, pois aduzir que há matéria suficiente para tirar válidas conclusões.
De tudo o que ouvimos é-nos lícito afirmar que sendo a língua um inapreciável valor espiritual e fundamental instrumento de cultura e uma determinante de unidade nacional, deve ser motivo de especial atenção de quem governa. Na verdade, a pureza da linguagem é a base de uma cidadania, e a sua pobreza em vernáculo afasta das fontes originárias e conduz ao sentido da desunião. Levado por uma tendência, que é muito peculiar entre nós de imitar, o Português vai introduzindo na sua linguagem vocábulos estranhos que deformam a sua expressão e confundem o sentido da própria linguagem, a qual desta maneira abastardam, desnacionalizam e submetem.
A linguagem, uma língua nacional, é precisamente a expressão do espírito de um povo e por ela se avalia da sua evolução e da sua grandeza. Quanta vez acontece que encontrando-nos em terra estranha, somos identificados pelas pessoas cultas como sendo da terra de Camões, unidade estabelecida entre linguagem o nacionalidade bem reveladora do sentido que é atribuído à língua nacional como expressão das grandezas, do espírito e dos feitos de um povo. Essa é a razão por que através dos escritores, nós identificamos os períodos históricos, os caracterizamos pelo seu espírito e pelas suas realizações, ou até conseguimos determinar as nacionalidades e as características dominantes dos povos. É a língua o documento de toda a vida de uma nação, dos seus períodos de glória, como dos seus períodos de confusão, das suas crises, como das suas paragens, dos momentos de inspiração, como dos momentos de desânimo e de dor mas é-o somente quando se exprime na sua vernaculidade. Se esquecermos, se abandonarmos, as regras da linguagem e abastardarmos o seu vocabulário, não seremos mais nós próprios, não saberemos pensar à nossa maneira, e na facilidade e na cedência perderemos as nossas qualidades e não nos encontraremos, e então ficará perigosamente justificado o aviso de Afonso Lopes Vieira:
Em Portugal precisamos du reaprender quase tudo. Entre tantas coisas, de reaprender a falar. Somos de alguma sorte um povo na infância. E depois de termos descoberto o Mundo, devemos ir à escola para que nos ensinem o b-a-bá da vocabulização.
Este aviso, que vem já do século XVII e que hoje quisemos levantar nesta Assembleia, pela actualidade que tema nos nossos dias preocupa também as nações da velha Europa, ameaçada pelo maior mal que a poderia ler invadido e que se baseia fundamentalmente no receio da sua desintegração. Este facto tem na desnacionalização da língua-mãe uma das suas razões, o que levou os governos a tomá-la na sua maior consideração. Assim, a Inglaterra procura avaliar a extensão do problema, e em estatística realizada pode verificar-se que de 2000 estudantes universitários submetidos a teste, apenas 30 por cento souberam definir o vocábulo "síntese", verificando-se que, na maioria dos casos, a linguagem por eles empregada é incoerente, e reflecte um pensamento emaranhado e pouco claro. Na França o facto também se verifica, preocupando o Governo, de tal forma que julgou conveniente recomendar aos seus funcionários que não devem corromper, abastardar ou de qualquer forma maltratar a língua materna, evitando, tal como deve ser dever do comum dos Franceses, o uso abusivo de palavras de origem anglo-saxónica.
No dizer de Pompidou, e como tal dizer se enquadra tão bem no nosso panorama, o francês de hoje vai à "Le drug-store" para tomar café ou almoçar um "beef-steak". Passa a tarde lendo o ultimo "best-seller", depois de tomar "Le five-oclock" com a sua tia favorita, e não está a ver na televisão o "Speaker 9". Sai da cidade para "Le weeke d" ou assiste a de football".
O desfeiteamento da sintaxe, que é muita vez consequência do desconhecimento do significado dos vocábulos empregados, o abastardamento desse vocabulário e a corrupção da linguagem, são uma das primeiras ameaças que comprometem o futuro e significam preocupador declínio das capacidades intelectuais, de esforço e de bom senso. Essa língua popular que os gramáticos, clássicos puseram um voga está a perder a sua frescura e a sua inocência, substituída por uma sintaxe preguiçosa e um vocabulário eivado de frequência estrangeira, que poderá conduzir à desintegração da língua nacional.
Certamente que esta preocupação não atinge a formação clássica de neologismos que enriquecem a língua e lhe dão a expressão necessária para se actualizar e admitir vocábulos que o desenvolvimento e a técnica criam por força das descobertas e do progresso mas afecta o uso exagerado de vocábulos franceses, italianos e anglo-saxónicos que dominam o falar da nossa juventude.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Um outro aspecto que ocupou as sessões foi o da minusculização
Buscados numa justificação estética, é vulgar vermos a utilização das minúsculas na escrita dos numes próprios e de todos aqueles que o Acordo Ortográfico Luso-Brasileiro determina que devem ser grafados com letras iniciais maiúsculas. Infringe-se desta maneira uma lei (Decreto n.º 35 228, de 8 de Dezembro de 1945, em nome da arte ou do gosto estético, o que não só carece de razão, como ainda e susceptível de controvérsia, pois que sendo o gosto estético de carácter subjectivo, é passivo de discussão individual. A generalização de um determinado
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gosto ofende o direito dos outros, que, pela mesmíssima razão, podem não gostar, dando assim motivo a uma dança pandemónica de letras maiúsculas e minúsculas grafadas no mesmo nome ou no mesmo texto, indiscriminadamente, dando a impressão de estarmos perante uma obra escrita em estranha e difícil língua desconhecida.
No desenvolvimento da sua campanha contra a minusculização a prestimosa Liga Portuguesa de Profilaxia Social, como, aliás, aqui já foi realçado, em ofício dirigido au então secretário nacional da Informação, judiciosamente dizia:
Mas enquanto não formos elucidados acerca de novas disposições legais que porventura regulem a gramática o a escrita: enquanto estivermos convencidos de que a razão é nossa, de que a razão é da Academia de Letras e da Sociedade de Língua Portuguesa [. . .] lutaremos com todas as forças, sem hesitações, num tibiezas, para que a língua-mãe não se arraste sofredora o enxovalhada, por esse País além sob o azorrague dos incultos, dos néscios e até de outros [. . .].
Para além de todas as considerações postas na discussão deste assunto, parece-me poder aduzir-se ainda uma outra. A tendência para minusculização não se baseia, apenas num sentido estético, o qual justificará, por certo, o facto entre nós mas tem ainda uma justificação filosófica que não se quadra com a nossa maneira de ser de ocidentais. E uma despromoção dos valores tradicionalmente considerados reveladora da falta de espiritualidade que invade o Mundo e o materializa, reduzindo tudo e todos a mínima expressão de valor e de respeito. A sociedade ultrapragmatizada dá o mínimo valor aos símbolos nominais os quais considera ultrapassados pela promoção social.
É o sentido da massificação posto em andamento, na direcção do nivelamento absoluto, sem excepções negando-se a ideia de que as nações são conglomerados de indivíduos que apenas são iguais na sua génese e no significado de indivíduo-homem, mas diferem como forças vivas que são portadoras de personalidades que as distinguem e diversificam. Não é, pois, uma razão estética que está na base deste modernismo e nem se vê por que a arte há-de justificar uma infracção à lei, nem tão-pouco se encontra qualquer fundamento suficientemente válido para que essa mesma lei seja alterada.
Mas nós lutamos por uma regra, pois que sem regras não pode haver ordem, respeito a considerarão pelos direitos. Lutamos pelo cumprimento de nina regra gramatical definida, fundamentada e aceite e não podemos do forma alguma concordar que, pela simples justificarão do gosto, se ofenda a legalmente estatuído. Seria o mesmo que consentir os actos atentatórios da moral somente porque a estética os justificaria, e isso parece-me que ainda não passará pela cabeça dos responsáveis do sector artístico neste país advogar e consentir.
O uso da minusculização terá, pois, de ser definitivamente excluído de todas as publicações dimanadas dos departamentos estatais ou paraestatais, os quais do forma alguma deverão ser campo alieno ao desrespeito das leis. De igual modo me parece que deverá ser indicado às actividades privadas, coordenadoras das diversas actividades literárias e artísticas, que está em vigor o Decreto n.º 35 228, que têm de cumprir, estudando-se as sanções a que ficarão sujeitos no caso de falta do seu cumprimento.
Defendendo o princípio estabelecido quanto ao uso das maiúsculas iniciais, defende-se um princípio de disciplina do espirito nacional, disciplina que, uma vez quebrada, levaria a uma ambiguidade perigosa, promissora de confusão e de anarquia. Pode julgar-se excessiva esta preocupação em coisa que a muitos parece do somenos importância, mas creia-se que na técnica da subversão este é um dos meios de acção. Ao considerarmos as leis da imposição de mitos na técnica da subversão, tais como simplificação, orquestração e derivação talvez possamos encontrar ai a origem da moda que vai invadindo o nosso país baseada num critério estético aceite inocentemente, mas que visa à destruição de uma das mais fortes amarras do conceito de nacionalidade que ainda hoje existe entre os povos.
Não se tem cuidado suficientemente de promover a correcção das formas de expressão, falada e escrita, quando utilizados os divergis meios de informação pública. Normalmente, é vulgar encontrarem-se, através do País nos recintos públicos e até ao longo das estradas, caminhos e ruas, cartazes anunciadores ou avisos que são um triste documentário de ignorância. Habituado o Português a caricaturizar faz desses documentos fonte de espírito nas anedotas contadas à mesa do café ou nas colunas dos jornais, mas não pode de forma alguma consentir-se que num momento em que estamos empunhados na divulgação turística da nossa terra, continuemos a exibir perante o Mundo, esse então alheio ao tradicional espírito invocado, um testemunho de ignorância.
Se pretendesse trazer para esta tribuna a citação de exemplos infelizmente encheria horas que poderiam ser de engraçada pilhéria, mas que não deixariam de ser prova evidente do atraso educativo em que vivem as nossas autarquias, que mais cuidam de aprovar e cobrar impostos do que velar pelo que interessa ao bem-estar e promoção dos seus povos.
Anda o ar, este ar que o bom sol lusitano purifica, cheio de uma peste que tudo invado, contagia e perigosamente se instala nos lares. Essa é a peste das calinadas de linguagem, que através dos meios mudemos de difusão entra em todas as casas.
Esquecidos muitos desses profissionais de que a sua função tem valor educativo, na medida em que o entra sem pedir licença e se repete sem travão, utilizam não uma gíria profissional ou familiar, tanta vez simpática e carinhosa, mas uma gíria bastarda, rude e incómoda, que furo e destrói. Para além deste aspecto, vem ainda o da confusão criada pela silabada pelo desrespeito polo idioma, pelo uso demasiado e abusivamente repetido de um calão sem sentido e sem finalidade. Há que exigir desses órgãos de informação, cultura e distracção pública que ocupem na apresentação dos seus programas pessoas devidamente preparadas em califonia e que todos os que escrevem para eles sejam capazes de compor textos em bom português, respeitadores da dignidade do idioma e das regras, a fim do evitar tanta silabada, tanta ênfase som sentido e tanto vocábulo impróprio o descabido.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mais ainda, devo ser exigido que dos programas apresentados façam parte, em maioria de percentagem, composições portuguesas, ou em português, pois julgo que da fornia como estão a ser organizadas essas programações mais parece estarmos em país estrangeiro do que em terras de Camões. Se analisarmos eles programas, para além da desnacionalização inconsciente para que estão a contribuir, temos de concluir que aquilo que pretendia ser espectáculo de agrado não passa de nefasta maçadoria, sem proveito para ninguém. Necessariamente,
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a consideração deste aspecto leva-nos ao problema da dobragem dos filmes estrangeiros, pois que não só desta maneira se evitaria o mal a que nos referimos, como ainda se contribuiria para a redução do perigo de serem levados pela imagem visual ao campo da fixação intelectual um sem-número de erros ortográficos n de sintaxe de que são pródigas as legendas dos filmes.
Se se encontram inconvenientes de técnica, ou outros, julgo superar esses inconvenientes o bom uso que assim se podo fazer da nossa língua e da sua expansão nas terras do ultramar e até nas colónias de portugueses radicados pelo Mundo.
Também aqui se aplicam as considerações que deixei expressas quando aos cuidados que devem ser exigidos aos apresentadores da rádio e aos organizadores de textos, na certeza de que não basta uma tradução à, letra, sendo de exigir que essa tradução revele bons conhecimentos de português e não bons conhecimentos da língua vertida. Estas considerações levam-nos muito naturalmente ao campo das traduções. Foi esse um dos aspectos sobre o qual se debruçou com muita preocupação o I Simpósio Luso-Brasileiro sobre Língua Portuguesa, reunido em Coimbra no ano de 1967. Ali foi sugerido que em cada um dos países de língua portuguesa fossem, criadas escolas de tradução, procurando-se evitar que dessa maneira versões feitas comercialmente tornem em confusa linguagem os textos vertidos.
Um aspecto que deve ser motivo bastante de preocupação é o que se prende com a correspondência exacta do sentido a verdade científica das publicações traduzidas, as quais são de grande necessidade, dado que o conhecimento do pensamento e dos progressos obtidos no campo da ciência e fia arte nos países estrangeiros se torna cada vez mais indispensável para o estudo, a evolução e a convivência.
O Sr. Duarte do Amaral: - Muito bem!
O Orador: - Essas publicações, para corresponderem ao seu objectivo, terão de ser traduções apuradas, na forma e na expressão, a fim de que possam ser compreendidas e na exactidão da verdade científica cumpram a sua finalidade. Põe-se assim a necessidade de considerarmos que nas traduções de obras de carácter científico não basta que o tradutor seja um conhecedor sério da linguagem da origem e da própria linguagem, tornando-se indispensável que possua o mínimo de conhecimento científico relacionado com o assunto da obra. É este um caso que se põe desde já à consideração das empresas editoras, pois somente a elas cumpre velar pela verdade e pela correcção que devem ser postas nessas traduções, cuidando de escolher pessoa competente, a quem terão necessariamente de pagar melhor e conceder mais tempo. O prejuízo aparente que lhes advém será compensado pela escolha e deferência do público, mas muito principalmente, e julgo poder ainda apelar para este aspecto da questão, pela satisfação ética de ter contribuído para uma melhor formação e informação do seu público.
Sr. Presidente: Um jovem aluno de uma das nossas Faculdades dizia-me no outro dia que era difícil estudar determinada disciplina em virtude de não haver sebenta e ser dispendiosa, em tempo e dinheiro, a consulta de livros especializados. Pensara resolver a questão levando para a aula um pequeno gravador a fim de assim poder reter as exposições do mestre, as quais repetidas em casa o ajudariam a estudar, mas, tivera uma grande desilusão. Fora o facto que ao reproduzir a exposição no sossego da sua sala de estudo, com alguns companheiros de trabalho, verificara que na exposição os pontapés na gramática
eram tais e de tal ordem que tudo se perdia na confusão sintáctica.
Este facto, que encontra justificação na medida em que o interesse científico poderia superar o cuidado na exposição, sem que daí se conclua falta de cultura linguística do mestre, é sem dúvida, indicativo do pouco cuidado e interesse posto na correcção da linguagem. O facto repercute-se então nos jovens, que já de si mal preparados e com tendência para um desleixo que julgam estar na moda, fazem gula em falar mal e sem sentido, substituindo nomes, tempo e lugares pela mesma expressão, que sendo pobre monossílabo passa a ser de significado ilimitado na sua paupérrima linguagem. Expressões tais como "pá", "coiso", "mais ou menos", definem, invocam completam e baptizam.
No Brasil, ao verificar-se do mesmo modo este desinteresse pela língua-mãe, foi determinado que dos exames vestibulares de quase todas as Universidades e escolas superiores fizesse parte a prova de Português. Ali, e nas Faculdades de Medicina, Direito, Economia. Serviço Social, Administração Pública, Odontologia, Ciências Sociais, História, Ciências, Matemática, Educação Física, etc.. a prova de Português é eliminatória.
Para além destas providências, o Governo Brasileiro determinou ainda que nas escolas secundárias, até ao fim dos cursos se reservasse para a disciplina de Português maior número de aulas semanais do que para qualquer outra disciplina.
Ora, cá pela nossa casa, as coisas não vão melhor do que nos tempos em que o Governo do país irmão achou por bem introduzir tais determinações nos planos de estudo. Os alunos chegados ao limiar das Faculdades revelam o mais lastimoso primarismo, não só a escrever, mas também ao falar, facto que compromete as suas faculdades de compreensão, do assimilação, de raciocínio e de expressão, assim como o seu êxito futuro na própria profissão. (Gonçalves Viana.)
Para além de falta de cultura, esto facto nivela ainda falta de civismo. Falta ao nível da inteligência, ao nível da arejada consciência, ao nível da clara vontade e do limpo propósito: falta ao nível da educação como educação p onde o instinto não chega. Isso e uma excessiva positivação da vida ó quanto, em última e primeira análise, detectamos na base das desatenções e maus tratos, verdadeiros tratos de polé . . . de que a língua é objecto, (Carlos de Soveral.)
Uma das causas desta indisciplina, principalmente no período da escolaridade da nossa juventude, encontrou-a o Dr. Gomes Branco quando num dos seus artigos diz:
Igualmente o latim simbolizava estudo persistente, esforço, trabalho, desejo de se aperfeiçoar e de vencer. Na realidade, o latim clássico é uma língua rica de formas, vasta no vocabulário, de índole sintáctica bem diferente das línguas mais correntes entre nós. Por tudo isso o seu estudo exigia capacidade intelectual e desejo de a utilizar. O esforço que pedia, aliado à aparente inutilidade, muito concorreu para o seu afastamento dos cursos gerais. Ora a orientação, que cedeu no caso do latim, corre o risco de ceder noutros casos do ensino e da educação. O modo como hoje se estuda e disso claro sintoma. Muitos estudantes procuram quem os substitua no esforço de inteligência, e, sobretudo, de vontade, que a escola lhes pede. E será essa substituição possível?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É tempo bastante para que também nós, e com razão, tratemos de providenciar no sentido de cui-
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dar, pulo menos pelo ensino, de obviar, pura que os males diminuam e a cura se anteveja.
Façamos, pois, as nossas reformas nus diversos graus do ensino, considerando a necessidade de salvaguardar, um património que é basilar para a continuidade da Nação, aqui como nas terras do ultramar onde terá de ser pela língua-mãe comum que manteremos uma unidade de convivência e de sobrevivência usemos todos os meios ao nosso alcance, de difusão e de informação, em favor de uma campanha de educação da linguagem para o que podem ser meio utilíssimo as sessões da televisão educativa: interessem-se e estimulem-se as associações, a imprensa e a rádio no sentido do cumprimento escrupuloso das bases aprovadas no Acordo Ortográfico Luso-Brasileiro: ocupem-se grandemente os tempos destinados às actividades circum-escolares da nossa juventude com leituras dos clássicos, competições no género de jogos florais ao nível distrital e por graus de ensino, premiados pela pureza da linguagem e riqueza de expressão, e finalmente que o Governo através de um organismo competente, estabeleça os planos e realize as estruturas convenientes e indisponíveis para que mantenha, actualidade o dizer de Vieira naquela paisagem tão bela da sua obra Demanda do Graal:
A nossa linguagem foi a noiva do mar. Todos os ventos todas as marés, todas as vagas (e, o que mais é, todas as estrelas): as tempestades, como as calmarias, tudo que ele embala, vibra, rola, muge: os seus sabores lânguidos os acres e dos seus íris a perene magia - tudo em nossa linguagem deixou reflexo ou nácar, ritmo ou estrondo, violência ou carícia, ânsia ou perfume.
Ao terminar quero deixar aqui expresso um profundo aceno de muita simpatia e aplauso à Liga Portuguesa do Profilaxia Social pela forma entusiasta, desassombrada o pletórica do puder de convicção com que tem vindo a pugnar um defesa da linguagem. A sua acção neste campo, como aliás em tantos outros, bem merece essa "simpatia e a gratidão dos que sendo responsáveis, pugnam e interessam-se pela conservação e intangibilidade do património nacional.
Sr. Presidente: Em nome dos signatários, peco a V. Ex.ª que se digne aceitar a moção que julgamos exprimir os votos formulados durante o debate deste aviso prévio.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se a moção agora enviada para a Mesa.
Foi lida. É a seguinte:
A Assembleia Nacional, considerando que a língua, como bem comum de valor histórico e permanente do património da comunidade, instrumento básico da cultura e meio de expressão universal da lusitanidade, devo ser defendida na sua pureza e dignidade, formula os seguintes votos:
Que se atenda, à necessidade de criar na Presidência do Conselho um organismo para superintender, com suficientes poderes legais, em todos os assuntos respeitantes à defesa e expansão da língua portuguesa:
Que se considero básica a disciplina de Português nos ensinos primário, secundário e médio:
Que o Governo tome desde já, as providencias adequadas para defender correcção linguística nos textos ofícios nos divulgados pelos meios áudio-visuais e em todas as formas de publicidade;
Que seja fomentada a criação de escolas portuguesas nos núcleos de portugueses em terras estranhas e lhes seja dado assim como às já existentes, o mais amplo apoio em pessoal decente e em material didáctico:
Que se considere a conveniência de classificar como instituições de utilidade pública as sociedades de cultura ou benemerência, com serviços relevantes prestados ao ensino e difusão da língua portuguesa.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 7 de Fevereiro de 11969,- Os Deputados: Elísio Pimenta - José Alberto de Carvalho - Joaquim José Nunes de Oliveira - Miguel Pinto Meneses - Jorge Barros Duarte - Custódia Lopes - Rafael Valadão Santos - Rogério Vaz Peres Claro - Hirondino da Paixão Fernandes - André da Silva Campos Nunes - Júlio Dias das Neves.
O Sr. Presidente: - Ponho a moção em discussão.
O Sr. Nunes de Oliveira: - Peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Nunes de Oliveira: - Sr. Presidente: Pedi a palavra apenas por dois motivos: primeiro, para expressar aos Srs. Deputados Elísio Pimenta e José Alberto de Carvalho as minhas felicitações pela oportunidade da efectivação do aviso prévio que acabou de ser discutido e que suscitou a melhor atenção da Assembleia, se atendermos mesmo ao número de Deputados intervenientes no debate depois, para informar os Srs. Deputados de que a Comissão de Educação Nacional. Cultura Popular e Interesses Espirituais e Morais, tendo apreciado na sua última reunião a moção que há pouco foi lida, a aprovou por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vou pô-la a votação.
Submetido à votação foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Está assim encorrada a discussão do aviso prévio sobre a defesa da língua portuguesa.
Vou encerrar a sessão.
Marco sessão para terça-feira, dia 11, à hora regimental, tendo por ordem do dia a discussão na generalidade da proposta de lei sobre o estabelecimento de normas tendentes a imprimir maior celeridade à justiça penal.
Esta encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que atiraram durante a sessão
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António José Braz Regueiro.
António Magro Borges de Araújo.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Cândido de Medeiros.
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8 DE FEVERREIRO DE 1969 3141
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
José Dias de Araújo Correia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pais Ribeiro.
José dos Santos Bessa.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves.
Sebastião Garcia Ramirez.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Pacheco Jorge.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André da Silva Campos Neves.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
António Júlio do Castro Fernandes.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando de Matos.
Gabriel Maurício Teixeira.
Henrique Veiga de Macedo.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Jesus Santos.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Henriques Mouta.
José Pinheiro da Silva.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Mário de Figueiredo.
O REDACTOR - António Manuel Pereira.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA