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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 180
ANO DE 1969 21 DE FEVEREIRO
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 180 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 20 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. José Soares da Fonseca
Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 33 minutos.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente informou estarem na Mesa, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os n.ºs 38, 39, 40 e 42 do Diário do Governo, 1.ª série, inserindo diversos decretos-leis.
Foram recebidos na Mesa os elementos oportunamente requeridos ao Ministério das Obras Públicas pelo Sr. Deputado Nunes Barata, a quem foram entregues.
Foi entregue ao Sr. Deputado Peres Claro um oficio da Secretaria de Estado da Agricultura em resposta a um requerimento daquele Sr. Deputado apresentado na sessão de 21 de Janeiro findo.
O Sr. Presidente propôs votos de pesar pelo falecimento da esposa do Sr. Deputado Castro Fernandes e do pai do Sr. Deputado Tito Lívio Feijóo.
Usaram da palavra os Sr». Deputados Jerónimo Jorge, acerca do centenário do nascimento do almirante Gago Coutinho; Armando Cândido, sobre problemas ligados aos transportes aéreos no arquipélago dos Açores, e Pinto Bull, para se referir a assuntos de interesse para a provinda da Guiné.
Ordem do dia. - Continuação do debate do aviso prévio acerca dos problemas da população idosa do nosso pais, do fenómeno do envelhecimento da população e da política da velhice.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Santos Bessa, Castro Salazar e Barros Duarte.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 35 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Pacheco Jorge.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
André Francisco Navarro.
André da Silva Campos Neves.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António José Braz Regueiro.
António dos Santos Martins Lima.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto Salazar Leite.
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Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Henriques Mouta.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José Pais Ribeiro.
José Rocha Calhorda.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Amo rim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João e útil eiró Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tanjo de Almeida.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Martinho Cá adido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valação dos Santos.
Raul Satúrio Pires.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecerde Sirvoicar.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 73 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 noras e 35 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Gaudcamus!, como se dizia nos bons velhos tempos do classicismo.
Devemos, efectivamente, rejubilar com o número de deputados que, vencendo a fácil tentação de se darem umas fúrias mais prolongadas, decididamente optaram pelo dever da assiduidade parlamentar e largamente asseguraram o cuórum de funcionamento da presente sessão. Eu iria mesmo dizer que, à parte as duas ou três cadeiras do hemiciclo com frequência penosamente sem frequência e à parte também meia dúzia de outras diariamente ocupadas em triste regime de tempo incompleto, todas as de mais que estão hoje vazias têm a ausência dos seus titulares explicada por motivos de saúde (eu próprio conheço directamente alguns casos) ou por outras sérias razões difíceis de remover.
Quase me arrependo de ter julgado conveniente, há dias, apelar para o sentido comum da nossa responsabilidade na manutenção do quorum indispensável às duas sessões desta semana.
Gandeamus!
Pausa.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa, enviados pela. Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no § 8.º do artigo 109.º da Constituição, os Diários do Governo n.ºs 38, 39, 40 e 42, 1.ª série, respectivamente de 14, 15, 17 e 19 de Fevereiro corrente, que inserem os seguintes diplomas:
Decreto-Lei n.º 48 864, que dá nova redacção ao artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 36 304, alterado pelo Decreto-Lei n.º 38 916, que promulga o Estatuto do Oficial do Exército;
Decreto-Lei n.º 48 865, que regula as condições em que poderá o Ministro do Exército, quando se verificarem operações militares ou de polícia, autorizar .que em qualquer arma, ou serviço do Exército se proceda a graduação no posto imediato de oficiais cuja promoção tenha por único impedimento a falta de frequência dos cursos de promoção normalmente estabelecidos e revoga o Decreto-Lei n.º 47 414;
Decreto-Lei n.º 48 866, que aumenta de várias unidades o quadro orgânico da Guarda Nacional Republicana, anexo ao Decreto-Lei n.º 33 905;
Decreto-Lei n.º 48 868, que regula a prestação de estágios para a formação pedagógica dos professores dos grupos 1.º a 9.º do ensino liceal e 1.º a 11.º do ensino técnico profissional;
Decreto-Lei n.º 48 871, que promulga o regime do contrato de empreitadas de obras públicas.
Estão também, na Mesa, para cumprimento de determinação superior, os elementos fornecidos pelo Ministério das Obras Públicas em satisfação dó requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Nunes Barata na sessão de 14 de Janeiro findo.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Está ainda na Mesa uma fotocópia de um ofício do Gabinete do Secretário de Estado da Agricultura em que se contém a resposta ao requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Peres Claro na sessão de 21 de Janeiro findo.
Vai igualmente ser entregue àquele Sr. Deputado.
Srs. Deputados: está de luto, pelo falecimento de sua mulher, o Sr. Deputado Castro Fernandes. Acompanhando-o sinceramente na grande dor com que a Providência o experimentou, creio interpretar o sentido unânime de VV. Ex.ªs mandando exarar no Diário das Sessões de hoje um voto de profundo pesar.
Está também de luto, pelo falecimento de seu pai, o Sr. Deputado Tito Lívio Feijóo. Igualmente suponho interpretar o sentido unânime de VV. Ex.ªs mandando exarar no Diário das Sessões de hoje um voto de profundo pesar.
Pausa.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Jerónimo Jorge.
O Sr. Jerónimo Jorge: - Sr. Presidente: No intervalo entre esta e a última sessão passou o primeiro centenário do nascimento do almirante Gago Coutinho, marinheiro ilustre, geógrafo erudito com assinalados serviços prestados ao País e glorioso pioneiro das grandes rotas aéreas, que soube aliar ao rigor científico o mais admirável destemor. A travessia do Atlântico Sul, feita por Gago Coutinho e Sacadura Cabral num minúsculo e frágil hidroavião, que foi pousar em águas de Santa Cruz, fez pulsar no mesmo ritmo os corações de portuguesas e brasileiros, que se sentiram então irmanados mais do que nunca na consciência viva de que as duas Pátrias tinham as mesmas raízes e as glórias de uma eram as glórias da outra.
O Governo Português, interpretando o sentimento nacional, resolveu comemorar este centenário e a essa comemoração se associou entusiasticamente o Governo Brasileiro, mandando para o efeito expressamente ao Tejo uma destaca da força naval, a que não faltou, simbolicamente, um porta-aviões.
Não vou recordar aqui, porque são de todos conhecidos, os diferentes actos da celebração de tão grande data.
Mas a minha sensibilidade de marinheiro e de piloto aviador naval não me consente que cale o meu vibrante aplauso, como deputado, às justas homenagens prestadas à memória de tão grande português. Estou certo de que ele encontrará nesta casa a melhor compreensão, pois nela, e por mais de uma vez, se patenteou a gratidão nacional devida a quem, pela sua estatura moral e intelectual e pelos seus altíssimos feitos ao serviço da grei, emparceira entre os maiores vultos da história de Portugal.
Apenas recordarei a patriótica e nobilíssima atitude desta Assembleia ao aprovar por unanimidade, em 14 de Fevereiro de 1958, a moção na qual se exprimia o voto de que ascendesse ao posto de almirante, o mais alto da hierarquia da Armada, o vice-almirante Carlos Viegas Gago Coutinho.
E tão eloquente se apresenta, na sua condensada redacção, o histórico documento que não resisto a reproduzir as suas palavras:
A Assembleia Nacional, considerando que vão ser iniciadas as comemorações do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, com o fim de celebrar os fastos do período mais fecundo da nossa história, durante o qual foram lançados os fundamentos da expansão portuguesa no mundo;
E não podendo deixar de ter presentes os altos serviços que à Nação Portuguesa prestou e continua a prestar o vice-almirante Carlos Viegas Gago Coutinho, como marinheiro ilustre, navegador que deu glória à aviação portuguesa, geógrafo de incomparável acção no Ultramar, historiador incansável e erudito e patriota estreme:
Rende ao excelso português preito da sua veneração, como o mais qualificado representante, na actualidade, das gerações de descobridores e cientistas que fizeram a grandeza de Portugal na sua missão civilizadora e humanitária, iniciada na era henriquina.
E exprime o voto de que o Governo distinga tão ínclito marinheiro-aviador português promovendo-o ao posto de almirante.
Honrando a excelsa figura de Gago Coutinho, a Assembleia e o Governo dignificaram-se e, mais uma vez, interpretaram o sentimento nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A Nação alegrou-se com a justiça prestada a esse distinto marinheiro, que sabia conjugar uma comprovada inteligência, dignidade e saber com uma simplicidade, uma lhaneza de vida e de atitudes que o tornavam imensamente querido e popular entre os seus concidadãos de todas as categorias.
Sr. Presidente: Cerca de um ano depois, o nome do almirante Gago Coutinho desapareceu dos quadros da Armada e do rol dos vivos, mas, apesar disso, ele continua a viver na memória dos bons portugueses. Tanto assim é que Portugal está celebrando o centenário do nascimento do ínclito marinheiro e homem de ciência que à Pátria dedicou uma vida inteira de esgotante labor.
Poucos são aqueles que, ainda em vida, vêem consagrados os seus feitos para além de efémeras manifestações de popularidade. Muitos, passados os primeiros entusiasmos, entram na numerosa fileira dos esquecidos e alguns até sofrem ingratidões.
Afonso de Albuquerque e D. Francisco de Almeida, redivivos, algo poderiam dizer sobre o assunto.
O almirante Gago Coutinho teve a bem merecida estrela de ficar imune a tão triste destino. Fizeram-lhe entusiástica justiça em vida e, após a sua não afastada morte, a Nação, reconhecida, comemora o centenário do seu nascimento.
Ditosa Pátria, que tal filho teve e bendita Pátria que lhe soube fazer justiça.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A excepcional craveira mental de Gago Coutinho manifestou-se invulgarmente multiforme e sempre no mais elevado nível. Marinheiro, geógrafo, aviador, historiador, em todos estes ramos ascendeu a posições cimeiras que poucos alcançaram.
Como marinheiro, por muitos anos cruzou todos os mares, quer em clássicos veleiros, quer nas naves de locomoção a vapor. Oficial de guarnição da famosa galera Pêro de Alenquer, das corvetas Mindelo, Afonso de Albuquerque, Rainha de Portugal e de outras unidades navais, evidenciou-se sempre pelo seu amor ao estudo e pela sua dedicação ao serviço. Nas prolongadas estações navais das províncias ultramarinas, sofreu o fascínio da África com tal intensidade que a ela voltaria, irresistivelmente atraído, para lhe desvendar os sertões.
O seu primeiro contacto com o Brasil, esse Brasil grandioso que tanto o apaixonaria e tanta admiração lhe viria a tributar, deu-se quando o Governo Português enviou ao Rio de Janeiro as corvetas Mindelo e Afonso de Albuquerque.
Em Angola comandou a lancha-canhoneira Loge, na Índia a canhoneira Sado e em Timor, quando da revolta do gentio, a Pátria.
Na sua paixão pelo mar deixou-se seduzir pela magia da navegação quinhentista e o sábio em que já se transformara passou a usar nos longos cruzeiros o astrolábio, à semelhança dos pilotos lusitanos da rota das índias. Tal sedução acompanhou-o sempre, mesmo até aos 75 anos, quando fez à vela a viagem de Santos a Lisboa, a bordo da barca mercante Foz do Douro, viagem que se arrastou por 105 dias.
Sr. Presidente: Como geógrafo, a obra de Gago Coutinho é simplesmente excepcional.
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Começou a trabalhar na cartografia ultramarina em Timor, no ano de 1898. Tarefa difícil em si mesma e mais difícil ai]ida pelo ambiente em que decorria.
Em Moçambique procedeu à delimitação das fronteiras entre a província e a British Central África, demarcando a fronteira de Tete e efectuando a triangulação geodésica desde a fronteira sul até ao Barotse.
Nos seus trabalhos em Angola tem particular interesse a demarcação da fronteira entre a província e a Rodésia, que então abrangia a actual Zâmbia.
Finalmente, ocupou-se do arquipélago de S. Tomé, onde fez a triangulação geodésica com o habitual rigor.
Gago Coutinho prestou serviço durante vinte anos nas províncias ultramarinas, demarcou mais de 2000 km de fronteiras, com duas travessias da África Central. Este sumaríssimo relato representa, evidentemente, uma ténue imagem do que foi o seu labor de geógrafo. Mas se no? lembrarmos daquela África de selvas densas e bravias, povoadas de animais selvagens e de tribos primitivas; daquela África de desertos, pântanos e savanas sem fim; daquela África de chuvas diluvianas e secas abrasadoras; laqueia África do paludismo e da doença do sono, sentiremos melhor o que foi a epopeia de Gago Coutinho calcorreando milhares de quilómetros a pé, sob um sol ardente, ou envolvido em neblinas geladas, marchando em aveias escaldantes, ou atascando-se em tremedais, dormindo em barracas e ao relento, para que as sagradas fronteiras portuguesas ficassem ao abrigo de apetites alheios insaciáveis:.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: No âmbito da aviação, quando se fala de Gago Coutinho temos logo de nos referir a Sacadura Cabral, pois os dois nomes ficaram indissoluvelmente ligados pelo feito assombroso do voo transatlântico.
Sacadura Cabral sabia bem qual era a grande cultura matemática e astronómica do seu prestigioso camarada e reconhecia-o entusiasmado com a aviação desde que em 1917 lhe proporcionara o baptismo do ar.
Ambos pensavam que a navegação aérea só teria sentido prático se fosse efectuada cientificamente. A altura a que norma mente se voava, o horizonte do mar não poderia ser utilizado nas observações astronómicas. Era preciso resolver este problema. E Gago Coutinho resolveu-o, adaptando um nível de bolha de ar a um sextante naval. Surgira assim o embrião do que viria a ser o sextante Gago Coutinho, depois utilizado nas grandes viagens aéreas, tanto de dia como de noite, em dirigíveis e aviões.
Com o seu espírito de verdadeiro homem de ciência, Gago Coutinho não se satisfez com a descoberta e a construção do seu sextante. Procedeu a sucessivas e numerosas experiências em terra, no mar e no ar, em curtas viagens, antes de afirmar categoricamente a sua eficiência. A navegação aérea marítima tinha, porém, outras exigências que levaram Gago Coutinho a estudar com Sacadura novos métodos do «cálculo do ponto» e destes surgiu o «corrector de rumos». Para provar a eficácia dos seus instrumentos e processos efectuou-se a viagem oceânica Lisboa-Funchal, onde se comprovaram com rigor prático os métodos ensaiados.
As águias (estavam agora preparadas para desferir mais largos voos. Sacadura Cabral e Gago Coutinho passaram a estudar objectivamente o sonho acalentado havia anos - a travessia atlântica de Lisboa ao Rio de Janeiro. A travessia apresentava-se de um alcance extraordinário, pois a viagem, na hipótese de êxito, traria para o País posição de prestígio no campo internacional, concorreria para cimentar a amizade luso-brasileira, dado o campo emocional criado, e serviria ainda de agente dinamizador de entusiasmo e energias internas.
As esferas governamentais auxiliaram o empreendimento, autorizando a compra do hidroavião, a que foi dado o nome de Lusitânia, e em 30 de Março de 1922 Gago Coutinho e Sacadura Cabral erguiam-se no espaço.
Descrever a façanha épica? Para quê, se ela ainda vive na memória dos já idosos que a ela assistiram é dos mais novos que não podiam ficar indiferentes ante os relatos escutados e as vibrantes páginas que a historiaram!
Mas há pontos capitais que devem ser recordados. O motor do avião, contra a expectativa resultante das experiências iniciais, consumiu durante as primeiras etapas mais gasolina do que a calculada, tornando impossível o percurso directo de Cabo Verde à ilha de Fernando de Noronha. Nestas condições, ou tinham de desistir da viagem ou procurar um ponto recuado da rota para o reabastecimento. Só havia os Penedos de S. Pedro e S. Paulo, que, pelas suas reduzidíssimas dimensões (cerca de 200 m), não davam qualquer abrigo e, consequentemente, o reabastecimento carecia de ser feito por um navio.
Procurar encontrar em pleno Atlântico um ponto perdido na imensidade, afastado mais de 900 milhas, após horas e horas de voo, com base numa navegação aérea ainda em fase experimental, constituía jogar decisivamente a vida.
Mas Coutinho e Sacadura confiavam nos seus métodos. Puseram superiormente a questão e o Ministro da Marinha deu-lhes inteiro apoio, pelo que o cruzador República foi mandado para os Penedos de S. Pedro e S. Paulo, como base móvel logística.
Gago Coutinho e Sacadura Cabral haviam partido de S. Tiago em 18 de Abril de manhã cedo e chegado aos Penedos de S. Pedro e S. Paulo após 11 horas e 21 minutos de voo, percorrendo 908 milhas, só com mar e céu à vista, baseando a navegação em dezenas de observações astronómicas!
A excelência e o rigor dos métodos estavam sobejamente comprovados. Os aviadores só consentiram em abandonar o avião, que, pelo estado do mar, se afundava, depois de salvarem os instrumentos, a documentação e Os Lusíadas!
Novos meios foram postos à disposição dos heróis, que, depois de grave perigo na etapa dos Penedos a Fernando de Noronha, amararam triunfalmente na baía de Guanabara em 17 de Junho de 1922.
Sr. Presidente: Desnecessário é encarecer o entusiasmo, a vibração popular que despertou a primeira travessia do Atlântico de norte a sul, de Lisboa ao Rio de Janeiro, em Portugal e no Brasil.
Recepções, espectáculos de gala, sessões solenes, manifestações populares, que enchiam ruas e praças, num trovejar de vivas e no tremular de centenas de bandeiras, consagraram os heróis do épico feito, aquém e além Atlântico.
A grã-cruz da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito foi-lhes concedida. A Academia das Ciências de Lisboa fez. de Coutinho e de Cabral seus sócios efectivos e as Universidades de Lisboa e Porto conferiram-lhes o grau de doutor honoris causa.
Dada ainda a grandeza do seu feito, que, além da coragem revelada e do mérito científico, trouxera para o País prestígio, foi o capitão-de-mar-e-guerra Gago Coutinho promovido por distinção ao posto de contra-almi-
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rante e o capitão-tenente Sacadura Cabral ao posto de capitão-de-fragata, por proposta do Ministro da Marinha ao Parlamento, que a aprovou por unanimidade.
O almirante Gago Coutinho foi convidado a proferir conferências no Rio de Janeiro, em Paris, em Madrid, em Nova Iorque, nas agremiações mais distintas - Universidades, entre elas a Sorbona, academias e sociedades científicas. Tomou parte em congressos em Portugal e no estrangeiro. Publicou numerosos artigos na imprensa e foram-lhe conferidas as mais altas condecorações portuguesas e estrangeiras. Todas aceitou grata e delicadamente, mas não fazia gala em as exibir.
Alma simples, despretensiosa, isenta de vaidades, mostrava-se todavia intransigente com tudo o que pudesse afectar a dignidade própria e o prestígio de Portugal e da Armada.
Gago Coutinho entrou por direito próprio nas páginas gloriosas da História de Portugal. O nobre e egrégio almirante bem mereceu da Pátria e da humanidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: Deste, mesmo lugar e já na presente legislatura falei da instante e cada vez mais premente necessidade da adequada construção de um porto de mar na ilha de Santa Maria e creio ter posto nesse meu já tão dilatado empenho a alma das razões que lhe assistem, sem cair no exagero, ou seja, como quem pesa a palavra na balança da verdade.
Hoje volto a apelar para. o Governo, mas agora no sentido de não se perder mais tempo quanto ao completo apetrechamento do aeroporto da Nordela, na ilha de S. Miguel, visto que os trabalhos de construção das pistas, acessos e plataforma de estacionamento não estão longe do seu termo.
Este caso do aeroporto da ilha de S. Miguel também é um velho caso, que conheceu as fases do erro inicial na escolha do chamado Campo de Santa Ana, do estagnamento posterior à improvisação que se lhe seguiu e do engasgue na escolha do novo local até ao período de mãos à obra e de mãos na obra, no começo muito embaraçado por causa de dificuldades inesperadas e depois envolvido em inquietantes demoras, nem sempre justificáveis.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Entretanto, a vida económica da maior ilha do arquipélago dos Açores - nos seus 747 km2 vivem 168,7 milhares de pessoas, mais de metade da população dos Açores -, a vida económica da maior ilha do arquipélago dos Açores - repito -, c, o processo das suas relações humanas com o exterior foram acumulando desesperos sobre esperanças e esperanças sobre desesperos, com os danos consequentes, alguns graves e todos irreversíveis.
Desde que os transportes aéreos se afirmaram como uma realidade crescente, as populações passaram a requerê-los com a mesma avidez das asas que cortam o espaço, designadamente as populações mais isoladas e distantes, como a população da ilha de S. Miguel, cujo ritmo de vida. pela intensidade do seu crescimento, carece da expansão a que tem direito.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Afirma-se que as obras do aeroporto - as que estão a ser executadas e dizem respeito, como já referi, às pistas, aos acessos e à plataforma de estacionamento - ficarão concluídas ainda este ano, talvez em Junho próximo, mas ninguém sabe ao certo quando principiam e quando acabam as obras relacionadas com as instalações definitivas dos serviços de apoio ao tráfego aéreo. E uma vez que as infra-estruturas essenciais ainda em construção na ilha dos Açores, que, pelo tamanho do seu território, volume da sua população e quadro das suas actividades, constitui o centro gerador de mais tráfego aéreo no arquipélago, deverão ficar - segundo se afirma - concluídas no aludido mês, é provável que se lhes agregue, à última hora, qualquer coisa de provisório para ir regulando aquele tráfego, dados os lógicos imperativos das futuras e inevitáveis circunstâncias.
Ora a gente pode habituar-se a não ter medo das coisas deste mundo, mas devemos ter medo ao provisório, que jamais cede ou custa muito a ceder ao definitivo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E não me digam que o aeroporto da Nordela poderá servir assim a política aérea dos Açores, que está em vias de ser definida mediante estudos preparatórios com vista a resoluções superiores.
Em meu entender - e salvo o devido respeito por todas as opiniões mais autorizadas -, o aeroporto da Nordela, ha ilha de S. Miguel, não deve ser unicamente equipado para servir o tráfego entre as ilhas do arquipélago. Terá, pelo menos, de possuir as condições exigidas por quaisquer linhas aéreas compatíveis com a capacidade das pistas, e essas linhas requerem elementos de apoio que não devem ser montados e entrar em funcionamento em qualquer instalação provisória e, consequentemente, precária. Porque não concebo o aeroporto da Nordela para o serviço exclusivo de voos entre as ilhas. Ele deverá e terá de servir, tanto quanto possível - e Deus queira que não venha a inserir-se neste ponto alguma áspera dificuldade -, para os voos directos a realizar no maior e mais aconselhado número entre o continente e a ilha de S. Miguel.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, recuso-me a admitir que esta ilha, depois de ter esperado tantos anos por um aeroporto capaz, vá agora, depois do desejado aeroporto aberto à navegação aérea de via reduzida, esperar mais alguns anos pela aparelhagem que o habilite à frequência dos aviões da transportadora nacional considerados de médio curso.
Desejo, Sr. Presidente, ser conciso e claro, tanto quanto possível. Mas desejaria alinhar mais duas considerações: urna, que talvez seja um desabafo; outra, que poderá ser tomada como nota aproveitável.
Tive sempre, a propósito das ligações aéreas com a ilha de S. Miguel, uma concepção que jamais se acomodou à ideia de melhoramentos definitivos a executar, para o efeito, no Campo de Santa Ana. Julguei, desde o princípio, o lugar contra-indicado e por mais de uma vez adiantei e sustentei a necessidade de se encontrar novo terreno que pudesse ser devidamente utilizado na construção do aeroporto que satisfizesse as exigências do presente e fosse ainda susceptível de ser aproveitado no futuro, no sentido de poderem ser nele realizadas as obras que as condições de desenvolvimento do tráfego aéreo viessem a impor.
Esta ideia acabou, felizmente, por vingar, mas era escusado levar-se tanto tempo a erguer projectos contra ela, alguns deles, verdade seja, nascidos da aflição em dotar a ilha de S. Miguel com um aeroporto razoável dentro dos condicionalismos existentes.
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Daqui se pude tirar a lição de que os leigos ocupados no estudo dos aspectos gerais dos problemas fundamentalmente ligados à técnica especializada têm, por vezes, razão nas suas razões. Durante a minha vida política, designadamente em relação ao círculo que represento, poderia trazer à colação outros factos, mas basta, por agora, o que se prende com as célebres reentrâncias que chegaram a figurar na obra de prolongamento do molhe do porto de Ponta Delgada e contra as quais tive várias e acesas controvérsias, acabarão o tempo, depois de executada a obra, por me dar plena razão, embora e para tanto as mesmas reentrâncias tivessem de desaparecer, como desapareceram, à custa de maiores gastos e de piores condições de execução.
E termino, Sr. Presidente, rogando o superior e o melhor interesse para o que disse com a serenidade de pensar e de dizer.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto Bull: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acabo de receber um exemplar do orçamento geral da província da Guiné para o corrente ano de 1969 e com grande satisfação verifico que a orientação financeira que continua sendo seguida na província, aliada a um rigoroso plano de austeridade e substancialmente beneficiada com as vantagens agora concedidas pelo Governo Central através do Decreto n.º 48845, de 21 de Janeiro findo, facilitou um certo desafogo à estruturação orçamental e permitiu acudir a determinados sectores que de há muito vinham reclamando imediata melhoria.
Uma rápida análise ao referido Decreto n.º 48 845 deixa antever que o Governo Central deseja tornar cada vez mais efectivo o auxílio à martirizada província da Guiné, cuja economia, vem sendo implacàvelmente causticada desde 1962 pelos duros golpes do terrorismo, com base nos territórios vizinhos.
Como deputado e filho daquela portuguesíssima província, vibro hoje de satisfação e bem-digo o tempo que dediquei nesta Câmara a demonstrar quão difícil era para mim, e também para as gentes da minha terra, compreender a razão por que vinham sendo sucessivamente suspensas as cobranças de juros, ampliados os prazos das respectivas amortizações e nalguns casos até concedidos financiamentos gratuitos às províncias de Cabo Verde, Timor e S. Tomé e Príncipe relativamente aos empréstimos dos planos de fomento, e à Guiné, que desde 1962 enfrenta uma Luta sem quartel e com toda a sua economia abalada, continuasse sendo exigido anualmente o pagamento das amortizações e juros dos mesmos financiamentos, ficando assim amarrada à obrigatoriedade de retirar do seu fraco orçamento mais de duas dezenas de milhares de contos só para solver esses compromissos!
Sinto-me pois recompensado das vezes sem conta que abordei este magno problema, e hoje, ao vê-lo solucionado, não posso deixar de, em meu nome pessoal e no de todo o eleitorado e demais gentes da Guiné, endereçar os melhores agradecimentos aos Srs. Presidente do Conselho e Ministros do ultramar, das Finanças e da Defesa Nacional por este grande auxílio que acabam de conceder à Guiné e que, estou certo, toda aquela boa gente não deixará de retribuir através do revigoramento do seu portuguesismo e do entusiasmo na prossecução da luta para rapidamente chegarmos ao dia da vitória.
Aproveito a oportunidade para endereçar publicamente as minhas sinceras felicitações ao Sr. Governador da Guiné, brigadeiro António Ribeiro de Spinola, pela forma corajosa e clara, usando a linguagem da verdade, como soube fazer compreender ao Governo Central a verdadeira e difícil situação da Guiné e faço sinceros votos por que, como militar brioso que é e administrador íntegro das coisas públicas, como se vem impondo, saberá ser um entusiástico continuador da obra dos seus antecessores no sentido de se construir uma Guiné melhor e cada vez mais portuguesa.
Para os dois ilustres governadores que o antecederam, comandante Vasco Martins Rodrigues e general Arnaldo Schulz, com os quais tive a honra de colaborar nesta hora difícil da governação da Guiné, vão igualmente as minhas sinceras homenagens pela forma como souberam enfrentai-as dificuldades do terrorismo e simultaneamente desenvolver uma sã política socio-económica no sentido de dar às populações autóctones uma acentuada melhoria no seu nível de vida.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O venerando Chefe do Estado evidenciou mais uma vez a sua serena e sempre oportuna decisão e prestou mais um alto serviço à Nação ao escolher para continuador da acção e obra do Presidente Salazar o antigo ministro e estadista dos mais consagrados do nosso tempo, Sr. Prof. Marcello Caetano, escolha feliz e que no ultramar constituiu motivo de júbilo e de bem significado aplauso, porquanto todos conhecem a obra invulgar que S. Ex.ª deixou na sua passagem pela pasta do Ultramar e sabem que é considerado como um profundo conhecedor das dificuldades o das potencialidades de todas as nossas províncias de além-mar.
Lembro-me bem de S. Ex.ª quando visitou pela primeira vez a Guiné o não me esqueço de que ]á nessa altura o Sr. Prof. Marcello Caetano deixava antever a grande paixão e a preocupação que viria a dedicar ao nosso ultramar.
E ao ter mais uma oportunidade de demonstrar o seu profundo conhecimento da problemática ultramarina, S. Ex.ª deixou-o bem vincado no seu magistral discurso proferido nesta Câmara em 27 de Novembro último ao afirmar:
Pois haverá quem duvide de que por detrás dos grupos que se apresentam como paladinos dos direitos das populações nativas se movem interesses imperialistas que se digladiam na disputa da supremacia mundial? Turnos desse facto provas constantes. Mas em nenhuma região são tão flagrantes como na Guiné.
Como deputado pelo círculo da Guiné e sobretudo como um dos seus filhos dedicados e que tem procurado colocar ao serviço da Nação todo o seu saber e entusiasmo, não podia deixar de registar e publicamente agradecer esta afirmação do Sr. Presidente do Conselho, esta justiça que o Sr. Prof. Marcello Caetano faz às gentes da minha terra ao reconhecer que só por uma imposição de forças estranhas e de dirigentes acoitados nos; territórios vizinhos eles seriam levados a colaborar nesta malfadada guerra que nos movem do exterior.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já por diversas vezes afirmei nesta Câmara que o portuguesismo das gentes da minha terra não temia confrontos e que aquelas populações mantêm o firme propósito de continuarem sob a protecção da bandeira das quinas e dispostas, como disso tem dado sobejas provas, a dar combate sem tréguas às arremetidas dos terroristas nas suas incursões criminosas, sobretudo se continuarem a ser armadas, como se está procurando fazer.
Oxalá, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que os feitos brilhantes e a colaboração eficaz que as milícias de Sanza
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Pombo, em Angola, as do Norte de Moçambique, e as de Bissorã, Catió e Cambaju, na Giné, sirvam de exemplos para nos levarem a intensificar o armamento e a instrução militar das populações autóctones, como meio de autodefesa das suas terras, vidas e riquezas, e se aproveite ao máximo o seu enquadramento na formação de milícias, para que, em perfeita colaboração com as forças regulares, se possa levar de vencida esta guerra que arruma a nossa economia e está cavando um grande fosso nas relações humanas entre os portugueses das várias etnias e que tão bem se entendiam nas nossas províncias ultramarinas.
Os meus longos anos de carreira administrativa, em verdadeiro contacto com as populações nativas, dão-me a certeza de que, hoje como ontem, a constituição de forças irregulares, devidamente equipadas, constitui alavanca eficaz para expulsar das regiões mais recônditas ou de acessos mais difíceis nas nossas províncias ultramarinas os elementos perturbadores da ordem e que em última análise mais não visam do que criar a confusão naqueles territórios para facilitarem aos seus mentores a apropriação das suas riquezas naturais, humanas e estratégicas.
Felizmente a nossa política de hoje é a mesma da de ontem e a sucessão normal do Sr. Presidente Salazar pelo Prof. Marcello Caetano no alto cargo de Presidente do Conselho constitui razão para que toda a Nação se sinta orgulhosa pela compreensão que se vislumbra por toda a parte, inclusive de alguns governos estrangeiros, depois dos conturbados dias de expectativa que se verificaram a seguir à segunda crise do Presidente Salazar.
E para confirmar a manutenção da linha de rumo da nossa política ultramarina não hesitou o actual Presidente do Conselho, Prof. Marcello Caetano, em afirmar no discurso atrás referido que:
A liberdade e a independência dos países da Europa ocidental jogam-se não só na própria Europa, como na África. Eis a razão pela qual temos de defender a Guiné. No nosso próprio interesse, é certo, mas também no interesse do Ocidente europeu e das próprias Américas.
E mais adiante:
Posso dizer que nem um só momento, a partir da hora em que assumi as responsabilidades do Governo, os problemas do ultramar deixaram de estar presentes no meu espírito e de ter larga quota nas minhas preocupações. Para, aliás, o tornar bem patente, projectei fazer uma breve visita a três capitais de província, visita de cortesia que fosse afirmação viva de solidariedade e de apoio às populações e às forças que as defendem.
Estas transcrições, conjugadas com uma outra afirmação do Sr. Prof. Marcello Caetano constante do seu sucinto discurso pronunciado neste Palácio de S. Bento, em 27 de Setembro do ano findo, após a sua investidura no elevado cargo de Presidente do Conselho e no qual disse:
Pensei particularmente na necessidade de não descurar um só momento a defesa das províncias ultramarinas, às quais me ligam tantos e tão afectuosos laços e cujas populações tenho presentes no coração. Pensei nas Forças Armadas que vigiam em todo o vasto território português o nalgumas partes dele se batem, lutando contra um inimigo insidioso, em legítima defesa da vida, da segurança e do labor de quantos aí se acolhem à sombra da nossa bandeira.
mostram bem as preocupações de S. Ex.ª em relação ao ultramar e a sua decisão firme e inabalável de manter o rumo anteriormente traçado de defender a todo o custo aqueles territórios contra as investidas e cobiças estrangeiras.
E na sua «conversa em família» de 10 de Fevereiro corrente mais uma vez deixou bem claras as suas intenções ao afirmar:
Para essa preocupação de todos nós em defender as vidas, a segurança, o trabalho dos nossos irmãos portugueses em África e em lhes garantir a paz se pede o respeito dos estrangeiros que vivam no solo da nossa Pátria.
E mais adiante:
Do mesmo modo, os estrangeiros que nos seus países estejam ligados aos inimigos de Portugal, os acolham, os apoiem, os alentem, não podem ser recebidos como hóspedes em terras portuguesas.
Para tanto o Governo de Marcello Caetano começou por fazer justiça aos militares que lutam na Guiné e em Angola, igualando os seus proventos aos dos seus camaradas que em idênticas condições lutam em Moçambique, e concedendo a todos os militares que prestam serviço no ultramar um subsídio eventual para acudir ao assustador aumento do custo de vida.
Esta medida de grande alcance veio colocar em pé de igualdade os bravos militares que em todos os nossos territórios ultramarinos defendem a nossa soberania, acabando de vez com as desigualdades de tratamento, que só serviam para criar um clima de descontentamento, pois a defesa das terras pantanosas da Guiné não é menos árdua do que a de qualquer região do Norte ou Leste de Angola e muito menos das três zonas de Moçambique afectadas pelo terrorismo, havendo ainda a considerar que tanto em Angola como em Moçambique existem zonas de clima privilegiado e verdadeiros pólos de atracção turística que permitem aos oficiais, sargentos e praças terem um repouso salutar depois de um período de combate ou de vigília nas matas e florestas.
E em prosseguimento da política de apoio técnico e financeiro para acelerar e melhorar as condições de combate ao inimigo, a recuperação das populações e a elevação do seu nível socio-económico e cultural acaba o Governo da Nação de conceder à Guiné um vultoso auxílio, com a promulgação, através do citado Decreto n.º 48 845, de medidas que vieram beneficiar directamente o orçamento geral da província, aliviando-o de encargos de perto de 30 mil contos que anualmente eram despendidos para amortização de compromissos assumidos principalmente com os financiamentos dos planos de fomento e com a contribuição para a defesa militar.
Esta importante ajuda que a metrópole mais uma vez presta à Guiné só foi concretizada depois das conversações havidas com o ilustre governador da província, brigadeiro António Ribeiro de Spinola, que, depois de ter percorrido a província de lés a lés, contactado com as autoridades civis e militares e auscultado os anseios da população, se deslocou à metrópole, volvidos seis meses, para junto das entidades superiores analisar clara e objectivamente a situação militar e económica da província.
O Sr. Cutileiro Ferreira: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Cutileiro Ferreira: - As providências ora tomadas pelo Governo, que tornaram possível um melhor orçamento da província da Guiné, já haviam sido pedidas, pelo
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menos, pelo anterior governador, Sr. General Arnaldo Schulz. Eu mesmo, depois da visita dos deputados à província da Guiné, em reforço ao já solicitado por V. Ex.ª, pedi nesta Câmara o agora concedido. Faço esta referência, com permissão de V. Ex.ª, para salientar a satisfação de que, finalmente, a Guiné viu atendidos os seus legítimos desejos, que tão substancialmente valorizaram a sua economia.
O Orador: - Agradeço o esclarecimento de V. Ex.ª e quero renovar os agradecimentos que na altura lhe dirigi quando V. Ex.ª nesta Câmara solicitou que a Guiné fosse aliviada de tão pesados encargos.
Sei bem que durante o governo do general Schulz foram feitos vários apelos ao Governo Central para, que fossem tornados extensivos à província os benefícios que haviam sido concedidos a Cabo Verde, Timor e S. Tomé, e, como deputado pelo círculo daquela província, apoiei isso várias vezes nesta Assembleia. E já agora aproveito a oportunidade para igualmente renovar os meus agradecimentos ao nosso colega Deputado Tarujo de Almeida, pelo interesse que sempre mostrou na boa solução deste assunto.
E em oportuna comunicação feita a toda a população, quando do seu regresso à província, o governador e comandante-chefe das Forças Armadas, em reunião magna do Conselho Legislativo, deu conta da receptividade encontrada na metrópole para os problemas da- Guiné e, no meio do entusiasmo geral, S. Ex.ª anunciou a boa nova da concessão de tão avultado auxílio, além da promessa de um reforço efectivo dos meios militares para melhorar a defesa das terras e das gentes da província.
E explanando a sua comunicação, S. Ex.ª entrou em pormenorizada análise dos benefícios que tão substancial auxílio iria proporcionar a todos os que, labutam na província, anunciando, entre outros: a concessão de um subsídio de custo de vida a todos os funcionários, inversamente proporcional à categoria e variando de 15 a 40 por cento sobre os respectivos vencimentos; aumento dos salários dos trabalhadores pagos pelo orçamento geral da província ou por outros organismos oficiais; revisão da tabela de salários mínimos, adaptando-a às actuais condições de vida atribuição de um vencimento fixo aos regedores, medida de incalculável valor na presente conjuntura; aumente, de 100 por cento na contagem do tempo de serviço para efeitos de aposentação a todos os funcionários que trabalham ou venham a trabalhar na província.
Todos estes benefícios, afirmou o Sr. Governador, só foram possíveis graças à compreensão do Governo Central pelas sérias dificuldades financeiras com que luta a província da Guiné, que só à custa de uma severa e rigorosa austeridade conseguia ter equilibrado o seu magro orçamento. Esta compreensão traduziu-se na, dispensa, dos juros relativos ao* empréstimos dos diferentes planos de fomento, ampla dilação dos prazos de pagamento das anuidades dos mesmos planos, o que. em última análise, equivale à dispensa por largo tempo das amortizações do capital invertido na província- e ainda à dispensa de contribuição para os encargos com a defesa nacional.
Estas medicas de grande alcance, tão bem compreendidas e apoiadas pelos ilustres titulares das pastas das Finanças, Defesa Nacional e Ultramar, traduzem uma vantagem de perto de 30 mil contos que anualmente saíam do orçamento da província e que a partir de 1 de Janeiro findo passaram a constituir contrapartida para os benefícios concedidos aos servidores do Estado que labutam nas terra? da Guiné, fazendo-os aproximar materialmente dos sei s colegas que em condições de vida mais atraentes trabalham nas províncias de Angola e Moçambique.
Eis porque, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ao receber o exemplar do orçamento geral da província, achei ser meu dever pedir a palavra para publicamente apresentar aos ilustres membros do Governo que com a sua compreensão acabam de insuflar um sopro de vida à Guiné os agradecimentos sinceros de toda a população da província e em especial dos que acabam de ser beneficiados.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Não há mais nenhum orador inscrito para o período de antes da ordem do dia. Antes, porém, de passarmos à ordem do dia, permito-me fazer uma recomendação à nossa Comissão de Legislação e Redacção. Como VV. Ex.ªs sabem, foram votados aqui na Assembleia Nacional um projecto de lei referente à chamada reformatio in pejus, uma proposta de lei respeitante a normas para se imprimir maior celeridade à justiça penal e, finalmente, um projecto de lei, da autoria dos Srs. Deputados Abranches Soveral e Borges de Araújo, contendo uma alteração à Lei n.º 2114. Tela sua própria natureza, há todo o interesse em não demorar a publicação destes diplomas. Por isso, solicito à Comissão de Legislação e Redacção o favor de, com a possível brevidade, proceder à fixação dos textos de tais diplomas para serem submetidos à aprovação da Assembleia. Nacional e de seguida enviados à Presidência da República.
Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate do aviso prévio acerca dos problemas da população idosa no nosso país, do fenómeno do envelhecimento da população e da política da velhice.
Tem a palavra o Sr. Deputado Santos Bessa.
O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: Pedi a palavra porque não podia dispensar-me de subir a esta tribuna quando, nesta Câmara, se discute um aviso prévio de tão grande importância política e de tão largo alcanço social como este que o ilustre Deputado Agostinho Cardoso aqui apresentou com tanto brilho e tanta oportunidade.
Felicito sinceramente o ilustre deputado avisante. Louvo a sua iniciativa B agradeço-lhe as achegas valiosas que trouxe a um grande número de problemas que ele envolve. São, entre outros, problemas de medicina especializada, de economia, de sociologia, de moral o de política. Questões sérias do presente, que se avolumam continuamente e que, por isso, serão ainda mais sérias e graves no futuro. Não se trata sòmente de um problema de socorros ou de assistência aos velhos, mas de um conjunto de problemas de grande amplitude e de reais exigências que é necessário estudar e resolver com humanidade.
Todos os aspectos deste vasto conjunto foram apresentados à Câmara com ciência e consciência, não só pelo deputado avisante, mas também pelos que se lhe seguiram. A ninguém resta também a menor dúvida da que este aviso prévio é de uma flagrante oportunidade.
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Peço licença para recordar aqui uma afirmação do Dr. Howard Curtis, proferida numa conferência realizada na Universidade de Coimbra há menos de quatro anos:
A morte e os impostos são coisas que o homem, desde o começo da civilização, tem vindo a aceitar como inevitáveis.
Mas, se compreende o porquê dos impostos, não atina com o mistério do envelhecimento e da morte.
Há dias, nesta mesma Assembleia e a propósito deste aviso prévio, um ilustre deputado perguntava-me, não sem alguma preocupação - embora a sua juventude transparecesse exuberantemente -, quando é que começava a terceira idade de que tanto se falava nesse dia. Fácil era a resposta: não tem arranque fixo, pois varia de indivíduo para indivíduo. Nesta mesma Casa fácil é topar com os de mais de 70 que ostentam uma admirável «juventude» ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... e lá fora, a cada passo, cruzamos com «velhos» que ainda há pouco dobraram o meio século! ...
O envelhecimento - esse processo degenerativo que quebranta as forças e o entusiasmo, que altera a morfologia, que origina polipatologia crónica, que cria deficiências sensoriais, intelectuais, físicas, etc., que leva a uma probabilidade de morte cada vez mais alta à medida que passam os anos - não tem idade definida para o seu início. No sentido biológico, poderemos dizer que ele não começa ao mesmo tempo em todos os órgãos, nem na mesma idade em todos os indivíduos. Há uma cronologia biológica do envelhecimento. Alguns elementos iniciam já a sua evolução na infância, como o timo; outros só mais tarde. O processo é complexo, envolvendo destruições, sobrecargas e proliferações e resultando de uma série de microfenómenos que culminam, por um lado, na invasão do tecido-conjuntivo, inerte e sem valor funcional e, por outro, na redução do número e do volume das células nobres dos parênquimas, células diferenciadas, massa metabòlicamente activa.
Como essas alterações podem começar cedo, por volta dos 50 anos, bom é que também cedo comece o combate contra as doenças da velhice. E como a evolução para uma sociedade de tipo industrial faz avultar a importância do problema, como geralmente se reconhece, impõe-se-nos o dever de estudar as soluções mais convenientes, de harmonia com uma concepção humana e equilibrada da vida, para quantos vêem chegar o declínio das suas aptidões, do rendimento do seu trabalho e de todas as consequências que daí derivam.
Se é certo que a longevidade potencial entre os humanos depende, em primeiro lugar, de factores genéticos, não é menos verdade que ela é fortemente influenciada pelas condições de vida. Há um código genético com que nasce cada um; mas, ao lado dele, temos de contar com os factores nutricionais, patológicos e socio-económicos, que interferem com os genéticos para a limitação da duração da vida. E esses factores ecológicos são também tão importantes como os genéticos no envelhecimento diferencial dos homens, na determinação da idade em que se acentuam as consequências dos tais microfenómenos a que há pouco me referi.
Não há a mínima dúvida de que a esperança de vida ao nascer e a longevidade média da população estão fortemente influenciadas pelos progressos científicos e técnicos, pela protecção médico-social dos indivíduos, pela educação sanitária, pelo conhecimento das doenças e suas causas, pelos meios terapêuticos que se lhe oferecem, pelos progressos da higiene e pelas demais condições de vida. Por isso mesmo esses valores são muito diferentes nos países em via de equipamento técnico e naqueles que têm nível de vida elevado. A Suécia tem o record da longevidade média. Está averiguado que o factor mais importante para o aumento da longevidade média é 8 redução da taxa da mortalidade infantil.
A ciência médica, segundo o Dr. Curtis, tem adicionado muitos anos ao tempo provável de vida da gente mais nova, mas tem feito muito pouco pelas pessoas mais velhas. Quer isto dizer que o homem moderno tem mais possibilidades de viver até avançada idade; mas, se o consegue, será tão decrépito como o era um homem da mesma idade um século atrás. Nem todos estão de acordo com este modo de ver, pois que são evidentes não só os progressos da gerontologia - ciência da senescência e dos processos de envelhecimento - como também os da geriatria - a medicina das pessoas idosas.
Sr. Presidente: Louvei já o ilustre deputado avisante, acentuei a importância e a oportunidade deste aviso prévio, manifesto-me de acordo com as suas linhas gerais, mas entendo que ele devia também encarar uns outros aspectos - os da infância e os da juventude. Quer isto dizer que, além do futuro das nossas pessoas idosas, devia também considerar os velhos do futuro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na solução dos problemas da assistência às pessoas idosas há que marcar um lugar para a formação de todos os elementos da infância e da adolescência, bem como para os adultos jovens.
A preparação de todos estes elementos para actividades produtoras futuras é investimento seguro de capital, embora este conceito seja diferente daquele que preside a esses investimentos do mundo moderno.
A preservação do capital humano não tem sido devidamente considerada nos planos de desenvolvimento, não só aqui como em muitos outros países. Parece que em nenhum deles os políticos e os economistas se convenceram da influência do progresso social no progresso económico. Nesta época de cálculos, de taxas e de índices, também se fizeram os cálculos do valor do capital humano:
O custo da formação desde o nascimento até à idade de 15 anos é igual a cinco anos de rendimento de trabalho do adulto;
A morte de um indivíduo com menos de 15 anos é, sob o ponto de vista económico, uma perda da sociedade; mas se a morte se observa aos 40 anos, a sociedade já foi recompensada; se ela se verifica aos 65, há benefício que será duplo do que se observou com o falecimento aos 40 anos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por isso mesmo, deve considerar-se prioritária a formação do capital humano, bem como a luta contra o desperdício das capacidades de cada qual, principalmente nos países de medíocre nível económico.
Para se ver a importância da taxa de mortalidade e da sua evolução, peço licença para recordar os recentes estudos americanos, relatados por André Piatier e referidos por Étienne Berthet:
Se a taxa da mortalidade verificada em 1940 se tivesse mantido, o rendimento nacional americano teria sido diminuído de 1400 milhões de dólares;
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Se a taxa de mortalidade de 1900 se não tivesse modificado esse rendimento seria diminuído não de 1400 milhões, mas de 61 000 milhões de dólares.
Esta foi a economia resultante da redução que sofreram as taxas de mortalidade.
Os cálculos não estão feitos para Portugal, mas é fácil admitir que serão muito elevados os prejuízos que nos causam a ele v, ida taxa de mortalidade infantil, acrescidos dos que resultam da emigração das populações activas.
A política pira a infância e para a juventude assumiu, no mundo contemporâneo, uma nova dimensão. Ela não se limita hoje a lutar contra a doença e contra a morte - a reduzir as taxas da morbilidade e as da mortalidade. E a visa, sobretudo, a preparação da criança para a vida, a sua integração no mundo dos adultos, a promoção de um desenvolvimento físico, mental e afectivo harmónico e o combate às diferentes causas da sua desadaptação física, psíquica e social.
A criança, restes seus aspectos, é um problema moderno, como o proclamou o Prof. Robert Debré. A prova das condições materiais da cultura e da moral dos diversos países pode aferir-se pelos esforços realizados á favor da infância e da juventude.
A Declaração dos Direitos da Criança de 20 de Novembro de 1959; a declaração do Secretariado-Geral das Nações Unidas de 1962; a mesa-redonda realizada em Bellagio em 1964 (que reuniu planificadores e especialistas da infância, representantes das várias instituições especializadas Ias Nações Unidas), e outras conferências da F. I. S. E. de 1965 e 1966 são demonstração evidente da importância cada vez maior que o mundo moderno está dane o aos problemas da infância.
Do relatório desta mesa-redonda consta textualmente:
Geralmente, os planos de desenvolvimento económico e social contêm disposições que dizem respeito implicitamente às necessidades da infância e da juventude, como, por exemplo, aqueles que visam a elevação do rendimento nacional e a melhoria da formação profissional, na medida em que contribuem para melhorar as condições das crianças do país. Todavia, se considerarmos o que até à data foi feito, somos levados a concluir que se devia conceder um interesse mais sistemático a todos os aspectos do desenvolvimento relativos à infância e à juventude ... e que os planos de desenvolvimento deviam dar maior relevo às necessidades sociais da infância e da juventude, a fim de que as mais importantes não fossem descuradas ou subestimadas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:
Não é desejável criar um departamento autónomo, à escala governamental, para a infância e juventude, mas antes proceder a uma análise metódica dos investimentos e dos gastos de consumo necessário às crianças e aos jovens ... Cada país, seja qual for o seu equipamento estatístico e organização da planificação, deve promover uma «política nacional da infância e da juventude».
Os elementos essenciais de uma tal política devem residir nu na declaração geral sobre os problemas das gerações jovens e numa definição das etapas previstas para atingir os objectivos fixados no final de dado período. Esta declaração deve comportar igualmente um apelo a todo o país, no sentido de assegurar o seu apoio moral e a participação efectiva da população na realização desses objectivos. Para além dos objectivos de desenvolvimento relativos às necessidades materiais do país, tais como a saúde e a nutrição, também a política nacional da infância deve prever as medidas necessárias para inculcar valores fundamentais, tais como a honestidade, o respeito pela democracia, a lealdade para com o seu próprio país e um profundo sentido de compreensão e solidariedade internacionais.
Julgo azado o momento para declarar que considero da maior conveniência política que o Governo defina claramente uma política da infância e da juventude, exponha em linhas gerais as ideias que a norteiam e os fins políticos e económicos a atingir, ao mesmo tempo que estabeleça um programa escalonado de prioridades para lhes dar execução, dentro das nossas possibilidades. Teríamos a vantagem de dispor de um programa geral de trabalho de uma orientação definida e escusávamos de andar com programazinhos parcelares desconexos, onde se gasta muito dinheiro e onde todos nos iludimos porque não vemos que os resultados possam considerar-se brilhantes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Com esse plano geral da política da infância e da juventude haveria justificação para reduzir muitos dos investimentos doutros sectores que não nos parece que tenham a urgência e a importância deste. Viria até daí uma coragem e uma justificação para fazer o que, nas condições actuais, ninguém se tem mostrado capaz de executar.
Não nos podemos contentar em satisfazer as necessidades pessoais de saúde, nutrição, ensino e segurança pessoal da infância e da juventude, mas temos de encarar decididamente as suas necessidades sociais, isto é, a sua preparação para a produção e para o desenvolvimento geral.
Como são múltiplas as necessidades, os governos são levados a concentrar a sua atenção em um ou dois problemas considerados como mais importantes, como a educação e a mortalidade infantil, e abandonam os outros considerados menos urgentes. Nalguns países cuida-se relativamente bem da primeira infância, mas esquecem-se as crianças dos O aos 6 anos. Noutros também não se cuida devidamente da adolescência com vista ao problema da mão-de-obra. São problemas aparentemente secundários, que se agravam dia a dia e que comprometem os resultados dos programas parcelares.
A geração que aí está em pleno desenvolvimento - a dos jovens - constitui metade ou mais da nossa população actual e tem um papel importante a desempenhar num futuro não muito distante. Se continuarmos a olhar para ela da mesma forma que até aqui, com os nossos processos tradicionais clássicos, não tiramos dela todos os valores potenciais que possui e teremos o panorama dos idosos como o temos hoje.
Os programas parcelares - sectoriais - têm de ser revistos e actualizados, e, mais do que isso, têm de ser reagrupados, analisados em conjunto, harmonizados e coordenados para que os desperdícios sejam menores e os rendimentos mais vultosos.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Em relatório de 1968, diz-se que o Instituto de Investigação das Nações Unidas para o Desenvolvimento Social e o Fundo das Nações Unidas para a Infância consideram desejável uma política da infância e da juventude e apresentam para tal as seguintes razões:
As necessidades especiais dos novos;
A interdependência existente entre essas diferentes necessidades;
O papel das novas gerações na sociedade e na economia;
A situação de dependência em que se encontram as crianças e os adolescentes.
No mesmo relatório se afirma que, até hoje, nenhum país elaborou ainda um verdadeiro plano a favor da infância abrangendo:
a) O agrupamento de todas as necessidades pessoais e de todos os meios exigidos no plano social pelas crianças e pelos jovens;
b) O controle da homogeneidade dos resultados gerais;
c) A harmonização dos diferentes aspectos entre si e em relação aos objectivos sociais do conjunto.
Nenhum deles tratou integralmente dos problemas da infância - nem na prática, nem mesmo nos princípios teóricos. Nalguns começaram já a esboçar-se tendências para esse ideal. Mesmo naqueles em que se abrangem mais numerosas necessidades desse sector da- população, os técnicos da programação encaram as necessidades pessoais já referidas, aplicam cálculos da O. M. S. e taxas da F. A. O., respeitam objectivos da U. N. E. S. C. O., atendem à forma óptima da pirâmide da população escolar que a U. N. E. S. C. O. definiu, mas, pelo contrário, não se ocupam:
Do inventário completo das necessidades dos jovens;
Do indicador de nível de vida actual dos mesmos;
Das doenças debilitantes que não causam invalidez nem são mortais;
Da adaptação das crianças e dos jovens numa evolução rápida;
Dos adolescentes em estabelecimentos de correcção; Das normas oficiais para o bem-estar social.
As necessidades da criança e chi juventude não são hoje o que eram há poucos anos - têm evoluído, na medida em que se tem modificado a própria estrutura da família, que o trabalho, a casa e outros factores a têm alterado. Também o conjunto da sociedade vive hoje a um ritmo muito diferente daquele que caracterizou a de não há muitos anos.
As crianças e a juventude constituem o grupo mais vulnerável da população. É necessário protegê-las e prepará-las para as exigências sociais do futuro; orientar as suas energias e as suas reacções; evitar que o seu tão importante potencial se perca, ficando insuficientemente aproveitado ou improdutivo. Serão então também uma sobrecarga da sociedade.
E isto pelo que respeita aos normais e pelo que toca aos diminuídos motores, sensoriais ou mentais e, além disso, aos sem família e aos que pertencem a agregados familiares traumatizados.
E precisamos nós de melhorar a situação da nossa infância e da nossa juventude ou tratar-se-á sòmente de afinar a nossa orientação com a de outros países? A resposta é fácil, se atentarmos:
a) Na esperança de vida ao nascer;
b) Na taxa da mortalidade infantil e na sua linha de tendência;
c) Nos níveis de peso e estatura das crianças;
d) Na frequência com que elas são atingidas por doenças evitáveis;
c) Nas dificuldades de emprego suficientemente remunerador, etc.
Estas bastam para o justificar. Aqui, nesta Câmara, a demonstração já foi feita com números suficientemente elucidativos.
Sr. Presidente: Entendo de meu dever, obedecendo a imperativos de justiça, deixar aqui uma palavra de reconhecimento para o esforço que tem sido realizado a favor da infância e da juventude e muito especialmente pela intenção que o determinou.
Igualmente justo é deixar aqui uma palavra de louvor ao Ministério da Saúde pelo esforço realizado, nos últimos anos, para melhorar as condições de vida e de assistência às crianças, aos jovens, aos diminuídos e aos velhos.
A Direcção-Geral da Assistência, pelos institutos que dela dependem, não se tem poupado a esforços para impulsionar em moldes modernos a assistência a todos os elementos que eles abrangem.
Os deficientes não têm sido excluídos e, antes pelo contrário, têm sido objecto de particular atenção, considerados seres humanos como nós, com a mesma dignidade humana, com os mesmos direitos ao auxílio c promoção, quer a sua deficiência seja motora, intelectual ou sensorial. Todos têm direito à reabilitação, a serem considerados como um todo, e não sòmente pelas deficiências que possuem. É certo que são estas as causas das suas limitações; não são elas que devem constituir o objectivo exclusivo das nossas preocupações, mas sim o indivíduo integral, na totalidade da sua personalidade.
Destaco de um relatório apresentado ao IV Colóquio Nacional do Trabalho, de Luanda, publicado em 1966 e respeitante à reabilitação dos cegos:
Só um dos centros do Ministério da Saúde e Assistência empregou até ao fim do ano findo 70 pessoas cegas, em regime de concorrência. Em relação a estas pessoas verifica-se que, mesmo atribuindo-se-lhes um salário médio diário de 35$, os seus ganhos podem computar-se em cerca de 770 contos por ano.
Se pensarmos que muitos deles estavam votados à inactividade e viviam à custa da família, de subsídios e de esmolas, não podemos deixar de reconhecer que a sua reabilitação constituiu um investimento rendável. As despesas efectuadas foram de longe financeiramente compensadas e, o que é mais importante, pessoas postas à margem tornaram-se, através da reabilitação, membros activos da comunidade, contribuindo assim para o aumento do rendimento nacional.
E não só para isso. A velhice destes diminuídos assim reabilitados há-de ser forçosamente diferente daquilo que os esperava.
Infelizmente, a nossa estrutura actual não pode cobrir mais de 350 crianças e adolescentes cegos. Precisamos de proteger e reabilitar 1000 destes deficientes visuais. Inquérito feito recentemente mostrou-nos que nos 940 destes diminuídos, com menos de 16 anos, no continente e nas ilhas adjacentes.
As nossas instituições de internamento, incluindo a excelente construção que a Fundação Bissaia Barreto está a
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edificar no Loreto, não dispõem de capacidade para mais de 160 crianças. Claro está que não contamos para a recuperação sòmente com estas instituições, pois também há que assinalar: o serviço de rastreio das crianças cegas, o curso de preparação das educadoras da infância e dos professores, o serviço de orientação domiciliário, etc.
Os diminuídos auditivos têm também merecido uma atenção especial nestes últimos tempos. O País já dispõe de instituições que cobrem 850 menores portadores de surdez total ou profunda; mas torna-se necessário alargar os centros de modo a garantirem a cobertura permanente de mais 200 crianças.
Por outro lado, estamos ainda na fase de admitir sòmente criança:; com 8 anos e não podemos ainda começar a atender crianças adolescentes que não iniciaram o tratamento na idade própria nem casos de surdez associada a outras deficiências.
Entre estes estabelecimentos justo é destacar o Instituto de Surdos da Bencanta, da Fundação Bissaia Barreto, uma instituição de nível europeu, magnificamente instalada e equipada e servida por pessoal especializado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Através desta e doutras instituições, está a fazer-se a reabilitação dos surdos e a proceder-se à sua valorização, mercê de técnicas diferenciadas. Eles, como os domais diminuídos, têm direito à educação apropriada.
As crianças e adolescentes deficientes intelectuais e motores são atendidos em centros especializados. Mas são só 600 os casos atendidos, do entre os milhares que necessitam de assistência e correcção especializada.
Todos os esforços realizados para a recuperação destes diminuídos merecem o nosso mais vivo aplauso. Ele aqui fica com a esperança de que o caminho traçado na senda da assistência e reabilitação a estes diminuídos se alargue, se aperfeiçoe e se intensifique.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: Não se estranhe que um pediatra venha aqui apreciar este aviso prévio sobre a velhice o que não largamente se tenha ocupado das crianças.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A criança e o velho estão nos dois extremos da vida humana e, embora de um se ocupe a pediatria o do outro a geriatria, os extremos tocam-se e os problemas da infância condicionam os da velhice. Os problemas da população vão do recém-nascido até ao velho, do nascimento à morte, em ininterrupta continuidade, e é absolutamente indispensável, ao estudá-los, olhar a população no seu conjunto, em todas as idades como em todas as camadas sociais e nas suas mais variadas características.
Entre a pediatria e a geriatria está a gerontologia, a cargo da qual está o estudo dos processos de envelhecimento.
Não me esqueci de que estamos a apreciar um aviso prévio sobre a assistência às pessoas idosas!...
Seja-me permitido chamar a atenção da Câmara, do Governo e do Sr. Deputado avisante para o problema dos médicos velhos e dos médicos inválidos e para a sua mais que deficiente previdência. Este sector da população da terceira idade bem merece que aqui o recorde neste momento.
Ninguém ignora que a classe médica tem desempenhado uma acção valiosa em tudo o que diz respeito à prevenção e ao tratamento das doenças, à redução das taxas da morbilidade e da mortalidade, ao bem-estar da população, ao aumento da esperança de vida, à longevidade média da população e até ao alívio do sofrimento e do bem-estar destes grupos etários que são objecto deste aviso prévio - a terceira idade.
Nunca ninguém apurou o valor desta colaboração, desta valiosa contribuição da classe médica para a valorização do País.
O sacerdócio é uma obrigação do médico, que lhe é imposta pela ética profissional. Nunca o médico negou a sua cooperação desinteressada a quantos dele precisam; mas não lhe parece justo que, pelo facto de exercer a sua profissão como tal, tenha de arrostar, tantas vezes, uma vida de baixo nível económico e tenha de ter uma velhice de miséria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A sua Caixa de Previdência não tem apoio patronal como as demais, naturalmente porque se criou e difundiu a ideia errónea de que o médico vive em regime de profissão liberal. Assim é na designação oficial, mas nanja na vida real.
Vozes: - Muito bom!
O Orador: - Vale a pena recordar um pouco da história desta Caixa de Previdência dos Médicos Portugueses.
Criou-se por iniciativa espontânea de um grupo de médicos de Lisboa, em Fevereiro de 1026, aquando da comemoração do I Centenário da Fundação da Régia Escola de Cirurgia de Lisboa. O decreto respectivo é de 8 do Março de 1926. Viveu vinte e um anos neste regime, fora do sistema corporativo. Com a instituição do regime de previdência obrigatório, o Decreto n.º 35 513, de 23 de Fevereiro de 1946, incluiu-a no sistema corporativo.
Nos vinte e um primeiros anos da sua vida - até 31 de Dezembro de 1946 - inscreveram-se 511 sócios, arrecadando-se 3 917 049$62, e deram-se subsídios e pensões que atingiram 717 360$.
Com a obrigatoriedade da inscrição, veio também a chamada medicina socializada, e, com ela, uma diminuição progressiva de ganhos auferidos pelos médicos. Isto é, também o agravamento progressivo do custo de vida e ainda o escasso valor das pensões que poderia conceder fizeram com que a maior parte dos médicos se inscrevesse no mais baixo grau dessas mesmas pensões. Efectivamente, no fim de quarenta anos, as pensões por invalidez concedidas oscilavam entre o limite mínimo de 400$ e o máximo, bem ridículo, de 1200$. Era assim pelo anterior regulamento de 1947.
A obrigatoriedade de inclusão no sistema corporativo atingiu todas as caixas do previdência.
Entrou a dos médicos como entrou a dos trabalhadores por conta de ou trem, mas com esta flagrante anomalia - enquanto esta tem a receita da contribuição da entidade patronal, a Caixa de Previdência dos Médicos não a tem!
O regulamento de 1961 melhorou as regalias, mas não eliminou a anomalia.
Afigura-se-me que é indispensável e urgente fazer desaparecer esta anomalia, estudando, entre outras coisas, um subsídio do Estado que substitua a contribuição da entidade patronal.
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Foi graças a um subsídio eventual de 2 416 000$, concedido pelo Sr. Ministro das Corporações para ocorrer à situação aflitiva da Caixa, que foi possível a esta atribuir subsídios mensais de 500$ a 83 médicos!
A lista das pensões por invalidez abrange 14 médicos e as pensões vão de 100$ a 600$. As de velhice vão de 50$90 a 3000$ mensais. São ao todo 187 os indivíduos subsidiados: 22 médicos, 122 viúvas de médicos, 35 filhos de médicos e 8 outros familiares de médicos.
Parece-me necessário que o Governo analise o que ao Ministério das Corporações e Previdência Social foi proposto pela direcção da Caixa e que oiça não só esta como a Ordem dos Médicos, para que a reforma há tanto solicitada seja realizada em bases justas e acabe de vez esta luta entre a Caixa, a Ordem e os próprios médicos. Tal como se encontram as coisas, as pensões são ridículas, há muitos médicos a arrastar uma velhice aviltante, na mais clamorosa miséria, há viúvas de médicos que não podem educar os filhos e outras que nem podem prover ao seu sustento! Médicos que passaram dezenas de anos no exercício de uma profissão que foi um autêntico sacerdócio, cujo trabalho não foi remunerado na maior parte das vezes, que serviram abnegadamente a sociedade, que tanto contribuíram para a riqueza da Nação, vêem-se agora repelidos por essa mesma sociedade, numa velhice sem amparo, tantas vezes sem o mínimo que garanta as condições da dignidade humana. Há muitas viúvas de médicos na miséria! Há muitos órfãos de médicos que não puderam prosseguir os seus estudos.
Como estava enganado o nosso grande Vieira quando dizia dos proventos médicos:
Nunca lhe pode faltar, ao médico, o pão em abundância; porque não há lavoura menos dependente do tempo, ou chova ou faça sol, que a da medicina.
Se a coisa era verdadeira no século XVIII, é muito diferente nos tempos actuais.
Muitos são os que não auferem o suficiente para uma vida decente e muitos os que arrastam uma velhice vergonhosa.
Atrevo-me, Sr. Presidente, a deixar aqui algumas perguntas:
Porque é que os médicos que prestam serviço em entidades patronais hão-de ser obrigados a descontar para uma caixa de previdência que não é a sua?
Porque é que esse desconto não pode reverter para a sua caixa de previdência e tem de continuar a ser arrecadado por caixas que são absolutamente estranhas à sua profissão?
Porque é que as entidades patronais, em vez de entregarem os 15 por cento de vencimentos dos seus médicos a essas caixas, hão-de continuar a estar impedidas de os enviar à Caixa de Previdência dos Médicos?
Apoiados.
E, se a Caixa de Previdência dos Advogados pode receber dos tribunais uma percentagem que pode representar uma compensação do trabalho que os advogados ali realizam, e que anda por 4000 contos ou mais, porque é que dos proventos hospitalares retirados dos honorários dos médicos não há-de poder destinar-se uma percentagem análoga para a Caixa de Previdência dos Médicos?...
Vozes: - Muito bem!
O Orador:
E porque não há-de haver também para esta Caixa um subsídio do Estado, de compensação da actividade dos médicos que não trabalham por conta de outrem?
A debilidade económica da grande maioria dos médicos é uma coisa que não carece de demonstração - está bem patente e é progressiva.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por isso mesmo, a previdência terá um lugar bem destacado nas medidas proteccionistas que lhe digam respeito para que deixe de verificar-se, com tão negras cores, o quadro que hoje é frequente entre tantos médicos atingidos pela velhice ou pela invalidez. Não é o desafogo económico de alguns, que podem ser apontados a dedo, que vem invalidar as afirmações que aí ficam.
Deixo este problema, de extrema gravidade e acuidade, à consideração de SS. Ex.ªs os Ministros das Corporações e da Saúde, na esperança de que o que se não pôde realizar até hoje possa conseguir-se dentro em breve. E um acto de justiça social a que nem um nem outro podem voltar as costas. Espero, por isso, que dentro em breve estejam nomeados os actuários, os juristas, os representantes da Caixa e os da Ordem dos Médicos para o necessário e indispensável estudo e para a elaboração da respectiva proposta de reforma.
Sr. Presidente: Ninguém em Portugal ignora que a sociedade portuguesa está a sentir as influências do surto de industrialização que o País está a viver. Por isso mesmo, é inevitável que se verifiquem as transformações das características tradicionais da nossa gente, como aqui o acentuou o Sr. Deputado Nunes Barata.
E não é sòmente o surto de industrialização do País. Vivemos também na época da contraconcepção, do envelhecimento da população, da pílula, dos anovulatórios, do prolongamento da longevidade potencial e do asilo dos velhos. Nos dois extremos da vida há problemas políticos, sociais e demográficos da maior importância e da maior urgência.
É uma época de transformações profundas e rápidas no campo da actividade, no das responsabilidades profissionais, no do modo de vida, no das concepções e dos conceitos. Esta lei da mobilidade de que fala Michel Aumont atinge o jovem, o adulto e o velho. E o velho, se não é preparado para enfrentar as atitudes e os conceitos que ela envolve, dificilmente se adaptará a eles. Quanto menos preparação tiver para isso mais difícil será a sua aceitação e a sua adaptação. Da sua não adaptação virá um sentimento de injustiça e de revolta e virá também um isolamento inevitável. Os choques desta natureza, pela sua repetição, agravam os idosos e estes, a breve trecho, mantêm-se completamente enucleados da sociedade, inteiramente à parte.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Este problema da conveniente assistência aos trabalhadores idosos e da sua preparação para a terceira idade tem vindo a afirmar-se com importância crescente, desde há poucos anos a esta parte. Por um lado, o número proporcional de idosos em cada população é cada vez maior. Pelo que respeita a Portugal, os números que aqui trouxe o Sr. Deputado Nunes Barata exuberantemente o demonstraram. Por outro lado, os seus problemas têm hoje de encarar-se por ângulo inteiramente diferente
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do de outrora há, por toda a parte, não só o desejo de aproveitar todos os seus recursos disponíveis, como também de lhes criar condições de vida de harmonia com a constelação das suas deficiências.
Bem avisado andou o Sr. Deputado Agostinho Cardoso em fazer este aviso prévio.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Termino, Sr. Presidente, dando o meu acordo às com ilusões do Deputado avisante e fazendo votos por que c Governo possa, em breve prazo, encarar este magno problema da velhice, nos seus aspectos preventivo, assistencial e recuperador e à luz das realidades sociais e nacionais.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Castra Salazar: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entre os vários problemas que se deparam aos países evoluídos ou em vias de desenvolvimento encontra-se o do envelhecimento da população, acarretando consigo implicações de ordem económica, financeira, social e médica. O envelhecimento demográfico caracteriza-se por um aumento da proporção de pessoas idosas no conjunto da população total, aumento esse condicionado por dois factores: a diminuição da natalidade e o prolongamento médio da vida humana.
O problema do envelhecimento da população, de flagrante actualidade em alguns países industrializados da Europa, nomeadamente na França, Alemanha e Grã-Bretanha, começará a ter verdadeira acuidade no nosso país dentro de dez anos.
A estrutura etária da população portuguesa dos últimos trinta anos mostra-nos a evolução de um processo de envelhecimento devido principalmente a uma diminuição da taxa de natalidade - passou de 29,32 por mil em 1930-1934 para 23,52 por mil em 1960-1964. E verdade que uma parte da diminuição da taxa de natalidade tem sido de certa maneira compensada pela redução da mortalidade infantil, cuja taxa passou de 126,08 por mil em 1940 para 77,50 por mil em 1960. Mas, por sua vez, esta compensação tem sido prejudicada pela emigração, que no nosso país aparece como terceiro factor de envelhecimento demográfico, quer influenciando directamente a estrutura etária, quer contribuindo indirectamente na diminuição da natalidade; de 1960 a 1964, 85 por cento dos indivíduos emigrados legalmente tinham menos de 40 anos de idade, correspondendo essa percentagem à saída de 77 000 jovens com menos de 20 anos e 87 000 adultos entre os 20 e os 40 anos.
Razão tem o Sr. Deputado Dr. Agostinho Cardoso em tios alertar com o seu aviso prévio sobre os problemas da população ide sã no nosso país e chamar para eles a atenção do Governo. Felicito o ilustre colega pela oportunidade do seu aviso prévio e pela maneira profunda e inteligente como o apresentou. Foi uma lição de mestre a que, do alto desta tribuna, nos deu o Sr. Dr. Agostinho Cardoso, focando todos os aspectos do problema com tal largueza e profundidade que praticamente disse tudo o que havia a dizer sobre o problema da velhice.
As palavras que aqui ouvi sugeriram-me alguns temas de meditação, e pensei naqueles que imerecidamente envelhecem mais cedo do que devem, por ignorância dos mais elementares princípios profilácticos ou por não lhes serem proporcionadas as condições para um envelhecimento fisiológico; pensei nos velhos que por esse País fora não têm possibilidade de usufruir os benefícios que a ciência médica põe hoje à disposição da humanidade; pensei nas péssimas condições económicas e humanas em que vivem tantas pessoas de idade, abandonadas pela família e pela sociedade, para quem a morte é a única esperança da vida. E pensei então em trazer o meu contributo a este aviso prévio, tratando alguns aspectos médico-sociais da política da velhice.
Devo começar por dizer que entendo ser a obrigatoriedade da pensão de velhice e a assistência na doença as colunas mestras em que terá de assentar uma autêntica política de velhice, de âmbito nacional; são direitos que não podem nem devem ser negados - ou mesmo regateados - àqueles que melhor ou pior ajudaram a construir o mundo em que vivemos. Infelizmente persiste no nosso país a mentalidade - que é forçoso e urgente modificar - de que a assistência à velhice se deve limitar ao internamento das pessoas idosas em asilos e à ajuda monetária, quase sempre com o sabor de esmola, aos que não podem ou não querem ser internados nos albergues. Não me quero referir à regulamentação anacrónica e quantas vezes desumana da maior parte dos nossos asilos no que diz respeito à separação dos casais, à segregação a que os asilados estão sujeitos, à promiscuidade no que se refere à coabitação de válidos, estropiados e doentes e ao pouco respeito, não intencional mas que tantas vezes se verifica, pela dignidade da pessoa do velho asilado. Apesar de todas as boas intenções e de algumas honrosas excepções, a maioria dos nossos asilos não está adaptada às necessidades da população idosa nem aos novos conceitos referentes à política de alojamento dos velhos.
A pensão obrigatória aos velhos, a ocupação das pessoas idosas válidas, a assistência médica (incluindo hospitalização e ajuda medicamentosa), uma nova política de alojamento, a educação da população sobre os problemas da velhice, são assuntos que devem ser estudados ao elaborar-se o plano de assistência às pessoas idosas no nosso país. Deve merecer também cuidadoso estudo a preparação do pessoal médico e auxiliar mais directamente ligado aos problemas de assistência médica às pessoas da terceira idade. A inclusão do estudo de gerontologia e geriatria nos programas das Faculdades de Medicina, embora necessária, torna-se difícil, dado o grande número de matérias que preenchem os programas actuais; mas para já parece ser possível incluir na formação pós-universitária dos médicos gerais de geriatria e gerontologia, criando-se para tal nos hospitais escolares um serviço de geriatria.
O Bureau Regional da Europa da O. M. S., na sua reunião de Kiev em 1963, preconizou a criação, em todos os países, de institutos de geriatria e gerontologia, não só para investigação científica e estudo dos problemas do envelhecimento, mas também para «assegurar a formação do pessoal médico, paramédico e assistentes sociais».
Parece-me desnecessário enaltecer as vantagens da criação em Portugal de um instituto nacional de gerontologia e geriatria, o qual, além das atribuições inerentes a um estabelecimento científico, poderia ser o centro coordenador de toda a acção médica de assistência à velhice, incluindo a educação da população sobre os problemas referentes à terceira idade e difusão de princípios gerais sobre a profilaxia da velhice.
As modernas pesquisas gerontológicas muito têm contribuído para a fixação de regras tendentes a evitar um precoce envelhecimento. Será novidade para muitos dizer-se que o envelhecimento começa mais cedo do que geralmente se julga; imperceptível durante muito tempo, caracterizado por uma lenta atrofia de grande parte de tecidos
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e órgãos, o fenómeno do envelhecimento inicia o seu processo logo após ter terminado o crescimento corporal, isto é, por volta dos vinte anos de idade. É por isso que a profilaxia da velhice deve começar a ser feita em plena juventude.
O que se pretende com a profilaxia da velhice não é evitá-la, evidentemente, mas sim retardá-la o máximo possível, isto é, evitar que seja prematuro o processo fisiológico de evolução lenta que é o envelhecimento, de modo a permitir a cada pessoa o máximo aproveitamento das suas possibilidades durante o maior tempo de vida. Existem, como sabemos, notórias diferenças quanto à rapidez do envelhecimento entre indivíduos do mesmo nível social, vivendo por vezes na mesma região e exercendo até a mesma profissão; este envelhecimento diferenciado está em grande parte relacionado com os cuidados profilácticos havidos, quer no uso de um regime alimentar apropriado, quer num justo equilíbrio entre as actividades intelectuais e as actividades físicas, quer na adaptação progressiva das condições de trabalho às possibilidades biológicas e psicológicas do indivíduo, etc.
Referir-me-ei, em breve apontamento, ao problema da prestação de serviços remunerados por parte das pessoas idosas válidas, compatíveis com a sua idade, sem me deter na apreciação dos benefícios que daí resultam para o indivíduo e para a sociedade, nem na análise dos problemas que o emprego de pessoas idosas possa criar aos países onde o pleno emprego não existe; tratá-lo-ei sob o ponto de vista da profilaxia da velhice, sem abordar os aspectos socio-económicos e até políticos que necessariamente o problema apresenta.
Uma das conclusões do seminário sobre a «protecção sanitária das pessoas idosas e dos velhos e prevenção do envelhecimento prematuro», realizado em Kiev sob os auspícios do Bureau Regional da Europa da O. M. S., foi justamente a de acentuar a necessidade de manter um certo grau de actividade profissional, adaptada às possibilidades físicas e mentais dos reformados, como «um dos melhores meios de atrasar o envelhecimento das pessoas idosas».
Evidentemente que nem sempre é fácil arranjar empregos para as pessoas idosas, já porque estas dificilmente se adaptam a novas condições de trabalho ou à sua aprendizagem, já porque as entidades patronais manifestam ainda uma certa prevenção relativamente ao emprego destes trabalhadores.
Em muitos países da Europa está a ser facultado o ingresso de pessoas idosas nos centros de formação acelerada de novas profissões, havendo mesmo cursos especiais para trabalhadores idosos. O problema do emprego, não só destas pessoas, mas também daquelas cuja idade se situa entre os 40 e os 60 anos, tem sido objecto de aturado estudo em alguns países e organizações internacionais, nomeadamente pela O. C. D. E., através do Comité de Mão-de-Obra e Assuntos Sociais. Em Portugal terá de ser também estudado, não só no que diz respeito às condições de trabalho, natureza dos empregos, remuneração, duração diária do trabalho, mercado de empregos, etc., como também à orientação, formação e adaptação profissional das pessoas idosas válidas, disponibilidade de mão-de-obra, etc. Deviam estudar-se também as vantagens da abolição dos limites de idade máxima, tanto no que diz respeito ao ingresso nos quadros do funcionalismo do Estado e das empresas particulares como à aposentação dos seus servidores.
Na Suécia entrou há mais de quinze anos em vigor a proibição de mencionar os limites de idade na oferta de empregos por parte dos particulares, e no sector público todos os limites de idade, quanto ao recrutamento de funcionários, foram abolidos. Na Grã-Bretanha o Governo elevou até aos 60 anos o limite de idade para o ingresso em muitos lugares permanentes do funcionalismo público e suprimiu completamente o limite de idade quanto aos empregos eventuais da administração. Medidas idênticas poderiam no nosso país facultar a colocação de muitas pessoas idosas em empregos que, não exigindo grande esforço físico e intelectual, estão infelizmente a ser ocupados por jovens que seriam mais úteis à economia nacional em lugares produtivos e mais compatíveis com o seu vigor físico.
O preenchimento das horas de ócio, que para velhos reformados inactivos são muitas e longas, tem sido preocupação daqueles que se têm dedicado ao estudo da profilaxia da velhice.
Na Inglaterra existem centenas de clubes de anciães, onde, uma ou mais vezes por semana, grupos de velhos de ambos os sexos e do mesmo nível social se reunam para em salutar convívio tomarem as suas refeições, conversarem, jogarem e divertirem-se, esquecendo pelo menos um dia por semana as suas mágoas e os seus achaques de velhos.
O Centro de Profilaxia da Velhice, em Lisboa, é a única instituição congénere existente em Portugal e que eu tive o prazer de visitar há dias. Há que fomentar no nosso país a criação de mais organizações idênticas e que, além de centros de convívio, promovam pequenas excursões, visitas de estudo, férias em casas de repouso próprias ou em hotéis fora da época de maior afluência, como, por exemplo, férias de Inverno nas praias do Algarve. A organização dos lazeres é de grande importância no combate ao isolamento e ao tédio a que os velhos, mais que ninguém, estão sujeitos.
Não quero deixar de me referir agora aos exames médicos periódicos a que devem ser submetidas as pessoas de idade. Estes exames devem ser extensivos a um número cada vez maior de pessoas da terceira idade, quer para prevenção de certos efeitos do envelhecimento, quer para despiste de algumas doenças, tais como a tuberculose senil, a diabetes, o glaucoma, as cardiopatias, etc.
A reunião de Kiev, a que já me referi, recomenda um certo número de testes para o exame sistemático da população idosa, não só como medida profiláctica, mas também para avaliação da capacidade de trabalho das pessoas examinadas. Embora estes exames se efectuem já como rotina em alguns dos nossos estabelecimentos de assistência, estamos contudo muito longe de uma cobertura que corresponda a um mínimo necessário; a inclusão destes exames periódicos numa futura organização de assistência médica aos velhos no nosso país parece-me de suma importância, além de corresponder às directrizes da O. M. S.
Sr. Presidente: Juntamente com a pensão de velhice, a assistência médica a todos os portugueses idosos deve estar na primeira linha das preocupações do Governo ao definir uma política nacional de velhice. Numa cobertura assistencial à terceira idade, a assistência médica ocupará sem dúvida papel de extraordinária importância, quer no que diz respeito ao tratamento das doenças e correcção dos transtornos devidos à idade, quer, como já foi dito, na prevenção das manifestações patológicas do envelhecimento. Partindo do pressuposto de que toda a pessoa idosa recebe a sua pensão de velhice, parece-me que, tanto por razões de ordem económica e social, como para maior dignidade da pessoa do velho, o internamento nos hospitais (ou em qualquer outro estabelecimento) deve ser pago pelos próprios, tendo em conta o quantitativo das
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respectivas pensões de velhice ou de reforma e o número de pessoas que possam ter a seu cargo.
A hospitalização das pessoas idosas, quando portadoras de doenças acudas ou vítimas de acidentes, deve ser feita nos hospitais gerais, nas mesmas enfermarias dos outros doentes, adultos, e sòmente em enfermarias especiais ou albergues quando atingidas por doenças crónicas ou próprias da, velhice. Além de não ser económica a criação de uma rede de hospitais destinada exclusivamente a velhos, isso levaria a uma segregação das pessoas idosas, com a qual não podemos concordar. O mesmo princípio se aplica, ao que diz respeito às consultas externas, dado que a maior parte dos velhos que se apresentam nas consultas de medicina geral e das especialidades sofrem geralmente das mesmas doenças que atacam os novos.
No entanto, nos hospitais escolares, os institutos de gerontologia e geriatria teriam os seus serviços próprios de, internamento e. consultas, tanto para o estudo científico das manifestações do envelhecimento, como para a formação geriátrica e gerontológica dos médicos, pessoal de enfermagem e assistentes sociais.
A assistência médica aos velhos deve compreender também a ajuda médica ao domicílio; este tipo de assistência é praticamente desconhecido pelas nossas organizações de auxílio à velhCB, mas é largamente praticado na Grã-Bretanha, Suécia e Rússia.
A «hospitalização domiciliária» e a «ajuda doméstica» são formas de assistência ao domicílio e, ao contrário do internamento nos hospitais, devia ser absolutamente gratuita; a primeira prolonga em casa a hospitalização dos doentes que iniciaram o seu tratamento nos hospitais, reintegrando-os mais rapidamente no seu meio familiar e permitindo aos hospitais dispor de maior número de leitos livres; a «ajuda doméstica» compreende a prestação de pequenos serviços domésticos aos velhos, cuidados de enfermagem e serviços de quiropodia e está muito generalizada na Inglaterra, onde existem centenas de organizações altruístas, cujos membros se dedicam a este tipo de auxílio às pessoas idosas deficientes.
Faço votos por que no nosso país se difunda este espírito de ajuda (já posto em prática por uma ou outra congregação religiosa feminina) e se multipliquem as organizações particulares idênticas; no entanto,, sem que haja uma reforme de mentalidade, será extremamente difícil o recrutamento de pessoas dispostas a prestar estas pequenas mas úteis ajudas domiciliárias às pessoas idosas, pois a maior parte de nós julga ainda ser de maior utilidade dar uma esmola do que prestar um serviço.
Sr. Presidente: Ao chegar ao fim da minha intervenção, ocorrem-me ao pensamento as palavras que aqui ouvi proferidas pelo ilustre Deputado avisante quando se referia à urgência da definição por parte do Governo de uma política de assistência às pessoas idosas; «os velhos não têm tempo para esperar». Entendo, pois, que a promulgação de medidas que facultem a assistência médica aos velhos em todos os recantos do País e garantam, através de uma pensão de velhice, certa independência económica às pessoas da terceira idade deve merecer toda a prioridade. A criarão de um instituto de gerontologia e geriatria, como organismo científico e coordenador de toda a assistência médica aos velhos no nosso país, parece-me de indiscutível necessidade e igual urgência.
Os velhos não podem esperar, a não ser veneração, amizade, carinho e compreensão por parte de todos nós.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Barros Duarte: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Discute a Assembleia Nacional mais um aviso prévio na presente sessão
Propõe-se agora uma política da velhice ou uma política de protecção à população idosa do País.
À pureza das intenções do seu ilustre autor, ao calor humano e cristianíssimo fervor que as repassam gostosamente trago a homenagem da minha mais profunda veneração.
Nenhum outro organismo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, poderia com mais propriedade e uma injunção mais premente da história assumir a defesa de uma política pró-senectude do que esta Assembleia, situada na linha de. uma herança de prerrogativas e funções políticas atribuídas, na antiguidade clássica, ao Sonatas Romanorum ou à vetusta gerontia dos Helenos. Tanto esta como aquele, eram órgãos políticos, cuja tradicional designação composição e poderes legais se inspiravam no conceito-base de que a senectude era detentora de uma experiência, de um conselho, de uma sabedoria que o verdor dos anos não era capaz de oferecer ou não costumava facilmente acumular.
Este critério, meus senhores, não quis ainda a fortuna que fosse, para nosso mal, totalmente subvertido, mesmo hoje, que o homem parece pretender reduzir a categoria «tempo» apenas a duas dimensões: presente e futuro.
Meus senhores: as inquietações da senilidade não são de hoje, não são desta ou daquela época, deste ou daquele povo; não são de uma latitude ou de outra. Sempre assim foi. São elas uma inerência da própria condição humana. Costumam, porém, exacerbar-se particularmente em sociedades ou meios de mais requintada civilização e conforto de vida.
Mas é também aí que, por imperativo da razão ou instinto de conservação, melhor se irá descobrir o pensamento, a atitude de defesa preconcebida, a solicitude organizada ou estruturalizada em favor do homem que os anos inveteraram.
Marco Túlio Cícero, no ano 44 antes de Cristo, já no apogeu da civilização romana, escreve, aos 62 anos de idade, o seu famoso De Senectute, em que desabafa mágoas da idade provecta, traçando-lhe a defesa filosófico-literária, avultando-lhe as prerrogativas e virtudes, proclamando-lhe o prestígio e superioridade, num esforço de, procurar conforto para si mesmo e para outros anciães seus coevos. O grande orador confessa que para a maioria dos anciães da Roma culta a terceira idade se apresentava tão vazia e tão acabrunhante que se lhes afigurava transportarem um peso maior do que o monte Etna. Pungia-lhes o espírito o sentirem-se eles desertados por aqueles mesmos a cuja consideração e respeito se haviam habituado, ou o suspeitarem-se onerosos a outros, mormente à gente nova.
Mas a antiguidade pagã não alcançou mais do que fechar toda a magnitude do problema na mesquinhíssima estreiteza do seu impermeável individualismo.
A era cristã, sob o signo do Calvário e ao impulso do mandamento novo, o mandamento da caridade, trouxe-lhe uma visão mais dilatada e um novo equacionamento.
Para o cristianismo o homem deixa de sor apenas um indivíduo, unidade económica ou social. Surge, a toda a altura, na plenitude da sua definição de «pessoa humana», com uma dignidade intrínseca, abstraída de condicionalismos da temporalidade.
O homem tem uma definição complexa e rica. E é nessa definição, meus senhores, que teremos de procurar a verdadeira razão de ser da problemática em discussão.
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Podemos defini-lo de vários modos.
Ontològicamente, ele é «pessoa humana», sui juris; é matéria e espírito; é razão e sensoriedade. Aqui não pode haver confrontações donde se infiram diversidades adjectivais. Pelo contrário, teremos de reconhecer nesta definição uma rígida e inflexível identidade que reduz todos os homens à sua unidade ontológica.
Mas o homem é também história e sociedade; susceptível de evolução, sujeito de direitos e obrigações entre os seus semelhantes.
É nestas coordenadas que se terão de situar os trinta artigos da Declaração Universal dos Direitos do Homem das Nações Unidas, que, no artigo 25.º, quiseram, de forma expressa, acautelar a defesa da velhice.
Na sua evolução, porém, o homem-história ou o homem-sociedade não pode desprender-se da sua definição ontológica nem poderá impunemente distorcê-la, prejudicá-la em proveito de uma definição meramente económica ou social.
É inexorável, na sua lógica e na sua dinâmica, esta exigência de unidade e de hierarquia de valores. Ela condena e pune implacàvelmente todos os desvirtuamentos de uma sã definição histórico-social do homem, os economistas que pretendam aferi-lo tão-sòmente pela relação «produção-consumo».
Todos esses desvirtuamentos se revelam ainda mais aberrantes se os analisarmos à luz da definição teológica do homem.
Teològicamente, meus senhores, o homem é objecto de uma definição progressiva: ele é a imagem viva da Divindade; filho de Deus, temporalidade agónica, eternidade beatífica.
Entroncado nesta linhagem divina e sublimado a esta dignidade indefinível, cada fragmento da existência do homem permanece impregnado de sentido divino.
É por isso, Srs. Deputados, que se pronunciam criminosos todos os atentados obstrusivos da vida nascitura. É por isso que a debilidade de uma criança é defendida pela maior força que existe: o amor dos seus progenitores. É por isso também, Srs. Deputados, que nós nos aproximamos agora da veneranda senectude, como que a passo de santuário, para lhe oferecermos o nosso apoio, a nossa palavra de conforto.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Seja na vida que apenas brotou ou se expandiu já em pleno vigor, seja na vida que envelheceu no trabalho e no sofrimento e se irá, a pouco e pouco, extinguindo, a plenitude ontológica do homem é sempre a mesma e a sua indivisibilidade teológica terá de ser respeitada e honrada em todo o seu itinerário vivencial.
É desta concepção do homem, simultaneamente ontológica e teológica, é dela que há-de vir toda a solução humana e adequada ao problema que se está a apreciar.
Na lei mosaica, a sorte dos velhos estava pelo decálogo relegada à piedade filial, que viria a ser depois facilmente ludibriada pelas tradições judaicas.
A era cristã surgiu com uma solução mais ampla, numa fórmula universalista, configurada, por assim dizer, numa geometria piramidal, com uma única paternidade divina no vértice e uma amplíssima filiação adoptiva na base.
Nesta concepção, todo o esforço sociológico procura soluções que intrinsecamente tendem a verticalizar-se, numa constante dinâmica de convergência para o vértice comum.
Característica essencial da fórmula da caridade é o seu voluntariado, contraposto a qualquer esquema imperativo. A partir deste facto todas as soluções propostas pela caridade genuína acusarão necessariamente uma clara democratização de iniciativas e auxílios em prol da gente necessitada ou incapacitada pelos anos.
A esta sociologia, inspirada na caridade, e que poderíamos classificar de «sociologia vertical», veio modernamente justapor-se uma outra, que poderia chamar-se «sociologia horizontal», mais ampla no seu campo de acção e esfera de influência, mais esquadriada nos seus esquemas, mais automatizada no seu funcionamento, mas reduzida a um ideário filosófico, onde em vão se procurariam verticidades extraterrenas, mas, pelo contrário, se pretende rasoirar o homem até ao mais perfeito nivelamento democrático.
Na sociologia vertical imperava a caridade. E as soluções de justiça eram procuradas preponderantemente na caridade. Na sociologia horizontal predomina o sentido de uma fria justiça; e as soluções de justiça buscam-se apenas na justiça distributiva cientificamente esquematizada.
Ali a iniciativa era caracterizadamente privada. Aqui, porém, é nitidamente da autoridade pública, numa forma directa ou indirecta.
Entre nós, Srs. Deputados, procurou-se, num eclectismo instintivo, enriquecer e completar esquemas sociológicos mais actualizados com o espírito e a acção da Igreja e o calor da multissecular tradição caritativa do nosso povo.
Assim, ao lado de asilos e lares e obras congéneres, nascidos da caridade o alguns por ela mantidos, aparecem várias formas de previdência social do próprio Estado e de agrupamentos de carácter corporativista.
Em 1967, o Estado despendeu, em 46 178 pensões de aposentação por limite de idade ou invalidez, a verba de 741 062 contos. Por seu lado, a previdência social gastou, no mesmo ano, a importante verba de 789 207 contos, atribuída a 125 452 pensões de reforma a favor de indivíduos atingidos por limite de idade ou declarados inválidos. Para uma apreciação mais aproximada da realidade, deve ter-se presente que grande número de indivíduos declarados inválidos praticamente se encontra já no grupo etário dos velhos.
Quanto a estabelecimentos para- internamento de pessoas idosas, contam-se 258, uns do Estado, outros particulares.
Mas entre nós nunca se chegou a praticar uma específica política da velhice. E para o muito que se deseja continuará a parecer pouco o muito que se terá podido fazer.
Quer-se mais. Pretende-se um verdadeiro estatuto da velhice. É o que imediatamente se infere da exaustiva intervenção do ilustre Deputado avisante, que. termina o seu valiosíssimo trabalho com um generoso fascículo de sugestões relativas à cobertura económica da gente idosa, seu alojamento, cobertura sanitária, ocupação e ambiente a criar-lhe.
Ressalvada a indiscutível nobreza das intenções e da causa que defendem, merecedora não só de atenção mas também de carinho, seja-me permitido exprimir sobre o assunto alguns receios, que espero venham a ser construtivos:
Atenta a nossa conhecida escassez de meios, será oportuno arquitectarmos um sistema de previdência muito requintado e completo para a terceira idade, quando, mercê dessas mesmas limitações, continuam ainda a aguardar solução plena ou adequada alguns problemas importantes da infância e da juventude e dos grupos etários activos?
Por outro lado, o requinte de sistemas muito perfeitos de previdência para velhos será um remédio
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ou, antes, uma consequência dos próprios refinamentos da mais avançada civilização moderna?
E, uma vez erguida a arquitectura previdencial mais perfeita que sonhássemos, lograríamos nós, só com isso, afastar definitivamente dos velhos a ameaça tremenda do sentimento de frustração, tão generalizado entre os povos de civilização reconhecidamente mais requintada?.
Pretendo com isto significar o pensamento de que, tidos em linha de conta todos os condicionamentos da vida nacional será na sabedoria do meio termo que se há-de ir porventura buscar a solução mais viável aos problemas aflorados neste aviso prévio, não se exigindo de mais, para alguma coisa se acreditar possível.
É neste sentido que adiro, com o maior apreço, à causa aqui defendida pelos meus ilustres colegas que neste debate me precederam no uso da palavra, perfilhando designadamente a sugestão de se criar um departamento do Estado que s I ocupe, de toda a problemática da protecção à velhice.
Mas não se esqueça que a felicidade, em qualquer idade consciente, é um pouco como o reino de Deus, que, na palavra evangélica, está dentro de nós mesmos, não fora, implicar do tal sentença o primado da iniciativa e esforço pessoal sobre qualquer estrutura social, quando se trata desse, mistério indefinível da felicidade.
Nisto valerá incalculàvelmente a acção espiritualista da caridade e do apostolado religioso, sobretudo quando, ao entardecer da vida, se começa a pressentir com mais inquietação o mistério da eternidade que se avizinha.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 Juras a 45 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Albano Carlos. Pereira Dias de Magalhães.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Calapez Gomes Garcia.
António Moreira Longo.
Arlindo Gonçalves Soares.
D. Custódia Lopes.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Hirondino da Paixão Fernandes.
João Duarte de Oliveira.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José de Mira Nunes Mexia.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Correia.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Srs. Deputados que faltaram à sessão.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
António Calheiros Lopes.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
José Janeiro Neves.
José Pinheiro da Silva.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Mário de Figueiredo.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Tito Lívio Maria Feijóo.
O REDACTOR - Luiz de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA