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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 183
ANO DE 1969 27 DE FEVEREIRO
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 183 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 26 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. José Soares da Fonseca
Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 165, inserindo a proposta de lei sobre o estabelecimento de normas tendentes a imprimir maior celeridade à justiça penal.
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente informou o Sr. Deputado Nunes Barata de que, dada a dificuldade de rápida obtenção e remessa dos elementos por ele pedidos na sessão de 31 de Janeiro findo, poderia informar-se sobre o assunto no Gabinete do Sr. Ministro do Ultramar.
O Sr. Deputado José Alberto de Carvalho requereu vários elementos, a fornecer pelo Ministério das Obras Públicas, sobre construção de escolas primárias.
O Sr. Deputado Duarte do Amaral solicitou do Governo a criação de uma organização eficiente de combate aos incêndios nas matas e florestas.
O Sr. Deputado Coelho Jordão fez considerações sobre problemas de fomento florestal.
O Sr. Deputado Amaral Neto falou sobre as tarifas das pautas aduaneiras, que funcionam como obstáculos à importação de determinados produtos.
O Sr. Deputado Vás Pires agradeceu ao Sr. Ministro da Educação Nacional as providências recentemente tomadas em relação aos professores do ensino liceal.
Ordem do dia. - Na primeira parte da ordem do dia foram aprovados os textos estabelecidos pela Comissão de Legislação e Redacção sobre os seguintes decretos da Assembleia Nacional: o referente à alteração do artigo 667.º do Código de Processo Penal; o que visa o estabelecimento de normas tendentes a imprimir maior celeridade à justiça penal, e o que altera a base XXI da Lei n.º 2114, de 15 de Junho de 1962.
Na segunda parte da ordem do dia continuou o debate do aviso prévio sobre problemas da população idosa no nosso pais, o fenómeno do envelhecimento da população e a política da velhice.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Armando Cândido, D. Maria de Lourdes Albuquerque, Augusto Simões e Pinto de Mesquita.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
André Francisco Navarro.
André da Silva Campos Neves.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
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António Júlio de Castro Fernandes.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Horácio Brás da Silva.
João Duarte lê Oliveira.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Coelho Jordão.
José Fernando Nunes Barata.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pais Ribeiro.
José Rocha Calhorda.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel [...] de Almeida.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Raul Satúrio Pires.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Simeão Pinte de Mesquita Carvalho Magalhães.
Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 77 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama da direcção do Sindicato Têxtil (secção de Fafe) pedindo a criação de um instituto industrial em Guimarães.
O Sr. Presidente: - Com referência a um requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Nunes Barata na sessão de 31 de Janeiro findo, o Sr. Presidente do Conselho manda comunicar que, dada a dificuldade da rápida obtenção e remessa dos elementos que foram requeridos, poderá o Sr. Deputado informar-se sobre o assunto no Gabinete de S. Ex.ª o Ministro do Ultramar.
Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado José Alberto de Carvalho.
O Sr. José Alberto de Carvalho: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
Tendo em vista uma intervenção a efectivar ainda nesta sessão, requeiro, nos termos do Regimento, que, com a urgência compatível, me sejam fornecidos pelo Ministério das Obras Públicas os seguintes elementos:
1.º Dotações atribuídas nos últimos cinco anos para a realização do Plano de Construções de Escolas Primárias;
2.º Número de edifícios e de salas de aula programados nos anos de 1965, 1966, 1967 e 1968. Se houver elementos para o ano em curso, indicação desses números em relação ao distrito do Porto;
3.º Número de salas de aula e edifícios escolares programados e não construídos nos diferentes distritos, com a indicação dos motivos que impediram a construção. Quanto ao distrito do Porto, deverá ser feita a separação por concelhos;
4.º Situação actual, por distritos, da realização do Plano dos Centenários, consideradas as actualizações posteriores;
5.º Indicação, quanto aos últimos cinco anos, dos saldos das dotações atribuídas;
6.º Indicação nominal dos núcleos escolares dos diferentes concelhos do distrito do Porto onde já foram postos à disposição do Ministério pelas câmaras municipais os terrenos necessários para a construção de escolas primárias e ainda não aproveitados;
7.º Número de casas para habitação de professores primários construídas ao abrigo do Plano, distribuídas pelos diferentes distritos, mencionando-se o valor da comparticipação do Estado;
8.º Razões justificativas do atraso do Plano.
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O Sr. Duarte do Amaral: - Sr. Presidente: Venho insistir na necessidade de procurar evitar os incêndios nas matas e florestas e de reduzir ao mínimo as suas trágicas consequências.
Em discurso aqui proferido há cerca de dois anos abordei este tema, que todos sentiam haver necessidade de ser tratado, e daí o seu êxito nas conversas, nos jornais de província e grandes diários e até aqui na Câmara, onde os ilustres Deputados Srs. Brigadeiro Fernando de Oliveira e Dr. Augusto Simões me deram a honra de louvar as minhas palavras, acrescentando esclarecimentos muito úteis e propondo novas formas de atacar o grave problema.
Não me parece que tenha resultado grande coisa dessas nossas intervenções: apenas a Direcção-Geral dos Serviços Florestais - honra lhe seja - intensificou a propaganda a favor dos cuidados a ter com as matas e florestas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Foi pouco, mas já foi alguma coisa.
Entretanto o arvoredo vai ardendo, parece que o do Estado cada vez menos, devido a cuidados e melhor organização da luta contra os fogos, mas não o dos particulares, cuja defesa é muito precária.
Quando se trata, porém, de grandes incêndios, para cujo combate é preciso mobilizar todos os recursos, as formas de ataque são difíceis, por várias razões, entre as quais a carência de comando e a consequente falta de autoridade para mobilização de meios materiais e humanos para o ataque.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Que quero eu então? Apenas que se tomem certas medidas para evitar esta calamidade e para que o combate aos incêndios das florestas possa ser mais rápido e eficiente: propaganda, vigilância, ensino intensivo à população das formas de evitar e combater o flagelo e prévia organização dos comandos de todas as forças que têm por missão intervir. Enfim, criar um verdadeiro ambiente, uma chefia eficaz e uma organização competente para esta batalha.
Sugeri no meu citado discurso uma organização desse tipo, para não se dar o caso de, nas aflições, não se saber quem manda, nem quais os recursos de que se dispõe e se podem mobilizar, nem mesmo a melhor forma de actuação.
Nada, porém, se fez, que eu saiba, neste último aspecto.
Aliás, o que digo de incêndios de matas e florestas vale igualmente para as inundações e outras grandes calamidades.
São elementos primários desta luta os bombeiros e os homens dos serviços florestais, mas, muitas vezes, tem de intervir o Exército e a própria população. Quem os recruta? Quem os põe em acção? Quem os comanda?
E, já que falei em bombeiros, queria igualmente chamar a atenção para outro aspecto da luta contra o fogo: as corporações de bombeiros voluntários, que constituem afinal e para o efeito a verdadeira cobertura do País, estão em grande crise, lutam com grandes embaraços. As dedicações são cada vez mais raras: há falta de dirigentes, dificuldade em arranjar comandantes competentes e são escassos os alistamentos de voluntários. E pena que a nossa juventude não acorra mais a estas generosas corporações. Mas também ninguém faz a sua propaganda, ninguém cria as condições necessárias nem incita a mocidade a tão heróica como prestigiosa actividade. Por outro lado, as verbas que se conseguem para as suas grandes despesas são pequenas para obter os meios de acção e manter os serviços.
Convém estudar este assunto fora da frieza das repartições e mais ao calor das realidades, pois é impossível, por incomportável, transformar todas as corporações de bombeiros voluntários em corporações municipais ou deixá-las morrer.
Se a Defesa Civil do Território tivesse organização que cobrisse todo o País, podia ser-lhe cometido em tempo de paz, até como treino, o que verdadeiramente lhe incumbe em tempo de guerra e que é, afinal, valer às populações civis. Pôr de pé, porém, toda essa organização pareceu-me sempre muito difícil e dispendioso, embora tivesse grande utilidade prática e talvez política.
Sugiro, portanto, uma leve, económica mas eficiente organização, com comandos capazes, que com prontidão e eficiência liguem e façam actuar as peças da máquina já existentes.
Como nota de interesse, direi que em França, num dos últimos anos, os helicópteros de protecção civil efectuaram, cerca de 2500 missões e os aviões-tanques acarretaram água para apagar incêndios de florestas em mais de 700 operações.
Não aspiro a tanto, Sr. Presidente, mas desejava que alguma coisa mais se fizesse. Ou será preciso esperar uma nova tragédia de Sintra?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Coelho Jordão: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No III Plano de Fomento ficou definido que o sector da silvicultura «constituiria empreendimento prioritário, dada a necessidade de impulsionar o desenvolvimento da arborização, pois que, além de outras razões, teriam de desviar-se para a cultura florestal mais de 2 milhões de hectares de solo sem aptidão agrícola».
Tinha-se, assim, como finalidade melhorar as condições de rendimento unitário, aproveitando as máximas potencialidades dos solos, permitindo às explorações agro-florestais melhores condições financeiras, e garantir à indústria transformadora que utiliza os produtos da floresta o abastecimento necessário ao seu desenvolvimento e expansão. Daqui resultaria ainda, como consequência de um acréscimo de rendimento das explorações, uma melhoria do nível das remunerações, acrescido ao aumento do rendimento bruto florestal.
A intensificação de uma política de florestação intensiva terá ainda papel de relevo na correcção de assimetrias de desenvolvimento regional, nas ligações que terá com o desenvolvimento e localização das indústrias interligadas e pelos efeitos intersectoriais destas.
Além de 300 000 contos destinados ao povoamento florestal de terrenos do Estado, prevê-se no referido Plano de Fomento o investimento de 1 130 000 contos para «recuperação florestal e silvo-pastoril em solos de capacidade de uso não agrícola da propriedade privada». Neste caso da propriedade privada, o plano de execução previa, nos seis anos, uma arborização de 304 000 ha, isto é, uma arborização média anual de cerca de 50 000 ha. O investimento médio anual seria de 188 000 contos, assim distribuído:
35 000 contos do Orçamento Geral do Estado;
30 000 contos de empresas privadas;
123 000 contos de títulos de crédito a emitir.
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O programa de execução era progressivo, pelo que em 1968 e 1969 investimento e área a arborizar eram inferiores à média. Assim, em 1968 deveriam ser beneficiados 25 000 ha na propriedade privada, o que exigiria um investimento de 109 000 contos, dos quais 75 000 contos seriam financiamentos feitos aos proprietários florestais. Em 1)69 previa-se uma arborização na propriedade privada em 38 000 ha, com um investimento de 144 550 contos, dos quais no 000 contos provenientes de fontes privadas e destinados a financiamentos aos empresários florestais.
A realidade, porém, é bem diferente deste panorama e não deixa de ser altamente preocupante, não só para a lavoura, que, se vê impossibilitada de realizar os seus programas de reconversão de culturas inframarginais ou utilização de terrenos incultos, não vendo assim aumentados os seus rendimentos, como para a própria indústria utilizadora de produtos da floresta, cuja produção começa a ser inferior 10 consumo, além de se ver comprometido o desenvolvimento projectado para aquela indústria.
Já no despacho orientador da indústria da celulose, de 11 de Julho de 1966, o Sr. Secretário de Estado da Indústria reconhecia «a necessidade imperiosa de se estimular por todos os meios o repovoamento florestal, como determinante que é da expansão da indústria transformadora de produtos florestais».
É através do Fundo de Fomento Florestal que devem ser realizados e executados estes programas. No entanto, verificar-se que este organismo não tem tido meios ao seu dispor para pç der impulsionar os trabalhos que lhe estão confiados.
Assim, em 1968 deveria receber 34 000 contos do Orçamento Geral do Estado e 75 000 contos de fonte privada, e recebeu apenas 23 000 contos do Orçamento Geral do Estado, o que significa uma redução de 32 por cento, e não obteve qualquer quantitativo de origem privada para financiar empreendimentos.
Deste modo, a florestação na propriedade privada não ultrapassou os 9000 ha, apenas 36 por cento da programação feita, área esta ainda inferior à conseguida durante os dois últimos anos do Plano Intercalar de Fomento.
Da mesma forma, o panorama para o corrente ano de 1969 não se apresenta mais optimista, porquanto ao Fundo de Fe mento Florestal apenas foram atribuídos 27 500 contos o que significa ter tido uma redução de cerca de 20 por cento do previsto. Não foram consideradas quaisquer verbas de fontes privadas, o que, a ser assim, significará não se cumprir a arborização de 38000 ha previstos para o ano de 1969.
O que se passou em 1968 e o que se apresenta para 1969 é motivo de sérias apreensões. A razão desta situação deve-se aos condicionalismos financeiros postos aos organismos que deveriam promover os créditos aos proprietários florestais, motivados principalmente, segundo se julga, por falta de promulgação de diplomas sobre a estruturação do crédito florestal.
Como se sabe, os investimentos florestais têm uma taxa de rentabilidade baixa e realizável só a longo prazo. Daqui resultam grandes dificuldades para o empresário florestal em mobilizar capitais para estes empreendimentos e os capinais que lhe possam ser facultados têm de ser a uma taxa de juro baixa.
Estabelece-se no referido Plano de Fomento que os financiamentos florestais se deveriam centralizar no Fundo de Melhoramentos Agrícolas e ser através destes serviços que seriam feitos os financiamentos. Assim, os capitais destinados ao fomento florestal poderiam provir de «Promissórias do Fomento Nacional», sobre cujas importâncias recairiam taxas apenas de 1 por cento. Como já se disse, à falta da referida promulgação de disposições legais que facultem ao Fundo de Melhoramentos Agrícolas concentrar os capitais necessários para pôr à disposição dos empresários florestais, assim como às alterações à regulamentação relativa ao Fundo de Fomento Florestal, se deve todos os obstáculos que impediram o cumprimento dos planos.
Se, porém, todo este mecanismo do financiamento continuasse a correr pelo Fundo de Fomento Florestal, conforme lhe é permitido pela sua actual legislação reguladora, todo o sistema se simplifica e é natural possa vir a ser mais rápido.
Seja como for, importa, porém, estabelecer com rapidez as estruturas e os meios necessários para a rápida execução dos programas de reflorestação.
A floresta portuguesa ocupa cerca de 3 000 000 ha, dos quais apenas 10 por cento, cerca de 300 000 ha, pertencem ao Estado. Daqui se vê a alta importância que representa para o País a floresta privada e a execução dos seus programas.
O produto florestal foi em 1964 de 2 808 000 contos, dos quais 1 609 000 contos correspondente ao material lenhoso. A exportação total de produtos florestais e derivados atingiu em 1965 o valor de 3 203 315 contos, sendo o valor material lenhoso de 1 112 215 contos. Tendo o valor da exportação total do País, no ano de 1965, sido de 17 812 000 contos, o produto florestal contribuiu para a exportação com cerca de 18 por cento, o que representa um valor muito importante.
A procura de madeiras nos mercados europeus tem subido num ritmo crescente, notando-se, no entanto, uma modificação na estrutura dessa procura, principalmente nas dimensões e qualidades de madeiras redondas.
A produção de madeiras redondas para a indústria, na Europa, passou de 173 000 000 m3 em 1950 para 212 000 000 m3 em 1960; prevê-se, de acordo com os planos de exploração dos diversos países, que a produção em 1975 seja de 270 000 000 m3. No mesmo período, os consumos passaram de 174 000 000 m3 para 246 000 000 m3, pré vendo-se para 1975 um consumo de 365 000 000 m3.
Daqui se conclui que, enquanto em 1960 havia um déficit de madeiras de 34 000 000 m8, em 1975 irá haver um deficit de 95 000 000 m3.
De trabalhos realizados pela F. A. O., organismos florestais e outros se salienta o constante aumento do interesse pela produção lenhosa e sua transformação tecnológica. O aumento de consumo em relação a 1961 de produtos derivados da madeira, no mercado europeu, está previsto que seja em 1975 de 96 por cento para papel de imprensa, 116 por cento para papéis de escrita e impressão, 131 por cento para papéis industriais e cartão, 11 por cento para contraplacados, 130 por cento para painéis de fibra e 282 por cento para painéis de partículas. E o déficit previsto para a mesma altura - 1975 - em pastas celulósicas e papel é avaliado em 4 000 000 t, o que corresponde a cerca de 20 000 000 m3 de madeira.
Os países do Norte da Europa - Suécia, Finlândia e Noruega, principais fornecedores - não podem já satisfazer os consumos daquela, não só por em muitos casos terem atingido o limite máximo de exploração das suas matas, como por dificuldades de mão-de-obra e valores elevados de matéria-prima. Vemos, assim, nesses países fecharem-se fábricas e transferi-las para o Sul da Europa. O nosso país tem condições especiais para a produção de matéria-prima necessária à indústria utilizadora de madeiras e encontra o País hão só uma fonte de divisas
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valiosíssima na exportação dos produtos florestais transformados, como o proprietário pode obter um maior rendimento dos seus terrenos.
A expansão das indústrias grandes consumidoras de madeiras poderá atingir, na vigência do III Plano de Fomento, uma taxa de acréscimo anual da ordem dos 15 a 20 por cento.
No período de 1960-1965 a indústria da celulose expandiu-se ao ritmo médio anual de 18,4 por cento e a indústria de aglomerados de partículas e fibras de madeira ao ritmo de 37 por cento.
Fixa-se para as indústrias transformadoras, no seu conjunto, uma taxa de expansão de 9 por cento na vigência do Plano. No entanto, apesar de moderada, ela não atingirá aquele número se não forem estimulados os sectores industriais com maior potencialidade de crescimento, como é o caso das indústrias de celulose e aglomerados.
Para isso, porém, terão de poder dispor da matéria-prima necessária para poderem competir no mercado externo, para onde se destinam 70 por cento da produção e nalguns casos até ultrapassando os 95 por cento.
O consumo global de madeiras (autoconsumo, combustível, serração, celulose, aglomerados, etc.) foi em 1966, no nosso país, de 5 100 000 m3 de pinho e 960 000 m8 de eucalipto e prevê-se, em face da expansão das indústrias do respectivo sector, que seja em 1970 de 6 240 000 m3 de pinho e 1 610 000 m3 de eucalipto e em 1973 de 7 310 000 m3 de pinho e 1 760 000 m3 de eucalipto.
Verifica-se assim que o consumo global de madeiras poderá crescer, neste período de 1966-1973, de cerca de 48,5 por cento, sendo 43 por cento o acréscimo de consumo de pinho e 83 por cento o acréscimo de consumo de eucalipto.
A produção média anual (possibilidade) dos povoamentos existentes em 1966, para um período de nove anos - 1967-1975 -, computa-se em 6 783 416 m3 de pinho e 1 260 555 m3 de eucalipto.
Daqui se conclui que em 1973, se contássemos apenas com os povoamentos existentes, o déficit de madeiras seria enorme, podendo atingir mais de 1 000 000 m3.
Pelo exposto se pode avaliar da premência deste assunto, e tanto mais que os problemas de produção florestal não se podem resolver a curto prazo, mas a longa distância, a períodos nunca inferiores a dez ou vinte anos a partir da instalação daquela. Encarado este problema ao ritmo de 50 000 ha anuais de florestação, não podemos deixar de olhar com apreensão que serão necessários, mesmo assim, quarenta ou mais anos para arborizar os 2 000 000 ha de terrenos de aptidão florestal. E as economias de hoje não se compadecem com ritmos de trabalhos lentos.
Urge, assim, dar o maior incremento aos trabalhos de florestação, a ritmos sempre crescentes, para que no próximo período se possa duplicar a área anual de mata agora prevista. E, a par deste programa de arborização, é necessário promover intensa valorização do património florestal existente, orientando o proprietário florestal para uma exploração intensiva e racional das suas matas.
Nem sempre, porém, se encontra, é certo, plena receptividade da lavoura em novas técnicas de exploração ou mesmo de reconversão. Ainda recentemente o Sr. Ministro da Economia afirmou que «na actividade agro-florestal, para além das insuficiências técnicas e financeiras da grande maioria das empresas agrícolas, um dos maiores obstáculos à reorganização das empresas e do sector está no conhecimento imperfeito, quando não desconhecimento total, por parte dos empresários, quer das orientações definidas pelo Governo, quer dos apoios financeiros e técnicos por ele oferecidos ao lavrador para que este possa executar a reconversão da sua exploração».
A campanha anunciada pelo Sr. Ministro da Economia, que irá ser lançada naquele sentido, é sem dúvida fundamental para um aceleramento do aproveitamento da terra mais racional e mais rentável. Mas a insuficiência técnica e financeira das empresas agrícolas é um obstáculo de não menor importância para a expansão do sector.
O apoio financeiro previsto no Plano de Fomento, a que já se referiu, é absolutamente indispensável, pois a lavoura não dispõe do suporte financeiro necessário a investimentos a longo prazo, como é o caso da floresta.
E ao levantar aqui a minha voz para solicitar do Governo a resolução urgente da regulamentação necessária àqueles financiamentos faço-o consciente da gravidade da situação e da importância que representa não só para a lavoura, como para a indústria e para o próprio País.
Sr. Presidente: É certo que um outro obstáculo ainda existe, e também de grande importância numa política florestal - é a comercialização dos produtos da floresta, nomeadamente, e mais concretamente, das madeiras. A lavoura vê - já aqui foi afirmado mais de uma vez - os seus produtos não serem devidamente valorizados, em benefício de uma rede de intermediários, cuja existência dificilmente se pode justificar. O Sr. Ministro da Economia, em declarações que fez no dia 7 de Fevereiro corrente, o afirmava, dizendo:
A justa defesa do produtor florestal tem de ser urgentemente resolvida se quisermos aumentar a produção florestal - o que, se é do interesse da lavoura, uma vez que a correcta utilização dos solos impõe um movimento acelerado da florestação privada, é também do interesse da própria indústria já instalada, que corre hoje grande risco de se encontrar amanhã na necessidade de importar matéria-prima.
Esta situação do mercado da madeira, além de permitir uma especulação, cria na lavoura um clima de dúvida e de desinteresse por novos investimentos florestais, além de que prejudica a rentabilidade da própria indústria. E indispensável, por isso, que o proprietário obtenha da sua mata um rendimento compensador, estimulante de novos empreendimentos.
Muitos outros países tiveram ou têm problemas semelhantes. Interessa referir o caso francês (Landes), onde foi criada uma organização completa, desde cooperativas florestais, sindicato dos proprietários, sindicato dos exploradores, até à Central Florestal do Sudoeste, sociedade anónima formada pelas empresas industriais para execução da actividade de exploração. Toda esta organização movimenta anualmente um volume de madeiras de 4 500 000 m3 e resolveu completamente os problemas da comercialização de madeiras, semelhantes aos nossos, conseguindo que a lavoura receba preços mais elevados pelas madeiras em pé e a indústria pague preços mais baixos pelas madeiras postas na fábrica.
Esta organização está a ser adaptada em Espanha (região de Bilbau), onde técnicos franceses dão a sua colaboração à montagem e funcionamento de todo o sistema.
Interessa que a lavoura se organize para a exploração das suas matas, à qual a indústria deverá, no seu próprio interesse, dar a maior colaboração, com o apoio dos serviços oficiais, no sentido de aproximar mais o circuito mata-fábrica e racionalizar o mais possível os respectivos circuitos de distribuição; a indústria deve ainda procurar adquirir directamente à lavoura a maior quantidade de madeiras, pois, além de estabelecer assim o controle e o
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equilíbrio de preços entre a madeira adquirida directamente à lavoura e a que lhe é fornecida pelos empresários de corte de árvores, exercerá ainda uma função de esclarecimento e demonstração das melhores técnicas e organização nas operações intermédias mata-fábrica.
O conhecimento das distorções dos actuais sistemas de comercialização, assim como o conhecimento dos métodos utilizados noutros países, permite-nos poder concluir ser possível eliminar muitos dos defeitos hoje existentes e dos fortes obstáculos que se possam opor a uma actualização dos circuitos de comercialização, de forma a estruturar um sistema com franca vantagem para a lavoura e para a indústria.
Sr. Presidente: Em conclusão do que se acaba de expor, e resumindo, verifica-se:
Em face da conjuntura do mercado europeu de produtos derivados da madeira;
Em face da nossa posição como país com condições favoráveis para a produção de madeiras;
Da posição favorável e possibilidades da indústria utilizadora de produtos das matas e colocação dos seus produtos transformados no mercado europeu, de significativa relevância na obtenção de divisas;
E tendo em atenção a capacidade de produção da floresta portuguesa, já inferior ao consumo e que ainda dentro da vigência do III Plano de Fomento acusará um deficit importante;
Que é vasta a área de terrenos da propriedade privada com aptidão florestal, cujos rendimentos hoje são nulos ou quase,
verifica-se, dizia:
Que se torna necessário que o programa de florestação previsto no Plano de Fomento se execute e se acelere, para o que é urgente a criação de estruturas e de meies indispensáveis, postos ao dispor dos organismos responsáveis pela sua execução, devendo salientar-se a regulamentação do financiamento florestal, cem a promulgação das disposições legais necessárias a uma plena eficiência dos serviços e a uma correcção dos gravíssimos defeitos dos sistemas actuais de comercialização.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Amarai Neto: - Sr. Presidente: Venho pedir a atenção do Governo, e mais especialmente a do Sr. Ministro das Finanças, para a necessidade, que me parece haver, do providenciar a fim de impedir as tarifas proteccionistas das pautas aduaneiras de funcionarem como obstáculo u importação de artigos de comodidade ou proveito, taxados como concorrentes a uma fabricação nacional que todavia não existe.
Tanto quanto consigo figurar, esta situação pode resultar de dois factores: imprecisão das classificações ou novidade de preditos, indiscernível na mesma deficiência das classificações.
É bem de cempreender que as pautas aduaneiras, como todo o sistema de classificação, não podem distingui!, na sua infindável variedade, todos os artigos propostos ao comércio, e desde sempre terá sido forçoso agrupá-los nelas por categorias, segundo determinadas afinidades de origem, de preparo ou de aplicação. A destrinça apriorística que permitisse com segurança e sem confusões situar cada mercadoria numa posição tarifária própria é certamente impraticável e pertence à informação banal de o homem da rua saber que todos os dias se levantam nas alfândegas problemas de classificação correcta das diferentes remessas.
Mas a deficiência acentua-se, sem dúvida, perante a ininterrupta apresentação de novidades que o desenvolvimento das técnicas e o fervilhar das invenções continuamente acrescentam às correntes comerciais: presumo que, a bem dizer, todos os dias se agravarão as perplexidades de verificadores e reverificadores, enfrentados por novas dúvidas de bem situarem nas tabelas dos direitos a pagar os imprevistos que aparecem a despacho. Ora, se neste quadro de uma classificação que não pode distinguir tudo e de um afluxo de novidade sobrelevando quaisquer previsões se introduzir o factor proteccionista, ferindo de direitos proibitivos as mercadorias concorrenciais da indústria nacional, mas direitos proibitivos segundo as categorias da classificação tarifária, é fácil surgirem os casos de artigos ainda não produzidos no País, mas arrumados nas pautas com os que já o são e por via delas se querem proteger, e de por esta mera afinidade tais artigos sofrerem, mas em verdade sem razão, todo o peso da barreira protectora.
E aqui está o meu problema e a tese que nele estou procurando assentar: convém estabelecer um processo de nisto de direitos não pagarem os justos pelos pecadores, não sofrerem das taxas inibitórias as importações de bens que só na classificação pautai se confundam com as da nossa produção interna.
Talvez uma simples ilustração de casos reais me faça inteligível sem mais desenvolvimentos e ilumine melhor as razões, do meu reparo. Se V. Ex.ª mo permite, Sr. Presidente, tirá-los-ei da minha experiência directa de agricultor.
Primeiro exemplo: desenvolveram-se ultimamente em Itália os receptáculos de matérias plásticas para acondicionamento de frutas, servindo o duplo fim de embalagens para transporte e expositores para venda, e por vezes acrescentando-lhes ainda a utilidade de logo à colheita servirem de calibradores, pela medida dos alvéolos de alojamento. Estas múltiplas vantagens tornam-nos de uso proveitoso, sobretudo para a fruta delicada; nos países de origem o seu emprego tem-se desenvolvido, e cá em Portugal procurou-se aplicá-los. Trata-se de peças muito leves - um tabuleiro para 5 kg de pêssegos pesa 30 g, mais ou menos -, mas de moldação complexa, e aqui intervém um dos factores mais caros da indústria dos plásticos: o custo dos moldes.
Em virtude deste custo, ninguém se abalançou ainda a fabricar em Portugal tais receptáculos. Todavia, na descrição eles confundem-se com muitos outros artigos cá feitos, como é fácil, dada a enorme variedade das produções congéneres, e portanto, se entrarem nas alfândegas, são taxados à razão de 60$ cada quilograma, salvo erro. Isto conduz a uma incidência que é de cerca do dobro do preço do custo na origem e resulta completamente impeditivo o seu uso. E não sendo usados não se tornam bastante conhecidos; não sendo conhecidos não ganham mercados; e não ganhando mercados não se abalançam industriais portugueses ao seu fabrico, de instalação cara. Entretanto, fica vedada a possibilidade de utilizar um invento útil!
Segundo exemplo: as capotas de protecção dos condutores de tractores agrícolas são ainda raridades entre nós, mas multiplicam-se no estrangeiro, onde os fabricantes vão aperfeiçoando os modelos, ensinados pela experiência. Tais acessórios generalizam-se e impõem-se como defesas contra as inclemências meteorológicas, como resguardos das nebulizações fitossanitárias, tão importan-
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tes mas tão requerentes de cautelas, e até como protectores das pessoas nos casos, não de todo raros, de embarcamento das máquinas. Nota-se, aliás, com os tractores uma evolução de certo modo paralela à dos automóveis, até neste aspecto; também os automóveis começaram por ser expostos a todo o tempo, mas, quando entraram de ser cobertos, depresso esta comodidade se generalizou.
Sendo singelas, as capotas para tractores não são, toda via, fáceis de construir com durabilidade. Necessariamente leves e desequilibradas, sujeitas a fortes e constantes vibrações, não é o primeiro chegado que acerta com o modelo satisfatório.
Disseram-me reputados e experientes comerciantes das máquinas, a quem consultei para me abastecer, não saberem de quem fabrique em Portugal, industrialmente, capotas destas, e por isso quis eu mesmo importar uma, para experimentar certo modelo muito apregoado.
Logo tive de desistir. Uma capota completa, custando cerca de quatro contos na Alemanha, sofreria na nossa alfândega o pagamento de seis a sete contos de direitos, para proteger, outra vez, uma fabricação que não há.
Sr. Presidente: Estes são dois casos de observação pessoal de um observador isolado em âmbito limitado.
Decerto não serão os únicos, e o exame geral da situação que esbocei atrás convence-mo de poderem ter muitos aparelhos a incomodar e estorvar sem real justificação.
Sabemos como a burocracia é inerte e como o Ministério das Finanças e os seus serviços aduaneiros são insensíveis a certos aspectos da economia e alérgicos a modificarem os sistemas que construíram, a seu modo e seu jeito, e sobre cuja conclusão repousaram. Por mim, reli, entre outras, para me inspirar, as páginas de Ferreira Dias em 1945, crente de que um quarto de século não mudou a essência dos serviços, por ser mais dos hábitos do que das pessoas, e quase me convenci da inutilidade deste apontamento que vim agora fazer. Mas foi lá que encontrei, a propósito das incidências da pauta na economia, uma frasezinha que me reanimou e retomo para dizer: se os problemas filiarem ao coração das pessoas que tratam disto, alguma solução se achará.
Na minha simplicidade de espírito, que convenho ser grande, afigura-se-me fácil de conceber, e não impossível de praticar, um sistema de consultas entre o Ministério das Finanças e a Corporação da Indústria para averiguar, nos casos de dúvida ou perante reclamações dos interessados, se há ou não produção nacional dos artigos que sejam postos em causa, para, consoante a resposta, lhes aplicar ou a pauta mínima ou a pauta máxima. Claro que também haveria de contar com um factor de consciência por parte da Corporação da Indústria que a fizesse tomar em conta a qualidade das fabricações antes de as abonar.
Se o problema falar ao coração das pessoas que tratam disto ...
Tenho dito, Sr. Presidente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Vaz Pires: - Sr. Presidente: Solicitei a minha inscrição nas actividades da Assembleia Nacional desta tarde para pronunciar - aliás com toda a justiça - uma palavra de agradecimento e uma palavra de regozijo.
A palavra de agradecimento - de agradecimento muito sincero - quero dirigi-la ao Sr. Ministro da Educação Nacional pela publicação do Decreto-Lei n.º 48 868, de 17 de Fevereiro corrente, que introduz modificações profundas na regulamentação da formação pedagógica e na realização do estágio preparatório dos futuros professores do ensino liceal.
O referido diploma estabelece nas suas disposições, que consideramos essenciais:
1.º Que o estágio se realize durante um ano lectivo completo, incluindo obrigatoriamente o serviço de exames;
2.º Que os candidatos com habilitação académica adequada sejam dispensados do exame de admissão;
3.º Que os estagiários recebam durante os doze meses do ano de estágio vencimento igual ao dos professores eventuais de horário completo e beneficiem ao mesmo tempo da redução de dez horas semanais;
4.º Que os estágios pedagógicos, que serão feitos, como é óbvio, nos três liceus normais do País, possam realizar-se também, mediante proposta da Direcção-Geral do Ensino Liceal, em outros liceus das mesmas ou de outras localidades.
Com a publicação deste diploma criaram-se, pois, condições francamente satisfatórias para a realização do estágio pedagógico dos candidatos a professores do ensino liceal e desapareceram as três características daquele serviço que desencorajaram, durante muitos anos, grande número dos que desejavam fazê-lo: o exame de admissão, prova de passagem muito estreita e difícil; a longa duração de dois anos lectivos, aliás com muito tempo desaproveitado; e a falta de uma remuneração mensal durante esses dois anos de trabalho.
Em nosso entender, foi agora dado, corajosamente, o primeiro grande passo no sentido de conquistar rapazes e raparigas para a carreira do professorado liceal, o que contribuirá decisivamente para reconstituir a grande família do ensino liceal e virá possibilitar a curto prazo a actualização dos quadros docentes dos liceus, que, de modo geral, não dispõem de mais de um terço dos lugares que seriam necessários para a população escolar que os frequenta.
Sabemos que estão em preparação outros diplomas que virão fazer revisão profunda do ensino liceal e das condições de trabalho dos professores e cuja publicação se prevê para futuro próximo, o que dá testemunho evidente do interesse que o titular da pasta da Educação Nacional vem dispensando à solução dos problemas do ensino liceal e do desejo sincero de os ver resolvidos como merecem.
A palavra de agradecimento - que eu pronuncio em meu nome e, certamente, no de todos os interessados - quero torná-la extensiva ao Sr. Ministro do Ultramar, que também subscreve o referido diploma, por ter determinado que o estágio pedagógico para professores dos liceus das nossas províncias ultramarinas se possa realizar em Angola e Moçambique.
É esta uma providência de largo alcance para a melhoria do nível do ensino liceal no nosso ultramar, pois a possibilidade de aquisição da preparação pedagógica naquelas duas províncias constituirá também convite irrecusável que levará muitos rapazes e raparigas a abraçarem a carreira do professorado liceal e possibilitará assim o preenchimento dos quadros do pessoal docente com elementos devidamente habilitados.
A palavra de regozijo - de regozijo também muito sincero - que eu quero aqui hoje pronunciar é motivada por duas circunstâncias a todos os títulos agradáveis: a primeira circunstância é o facto de notarmos que os problemas do ensino liceal, votados perigosamente ao esquecimento durante dezenas de anos, entraram na ordem de trabalhos das entidades responsáveis pela educação,
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as quais procuram dar-lhes, com urgência, as soluções mais adequadas, o que faz nascer em nós a esperança de vermos reconstituída, dentro de alguns anos, a classe do professorado liceal a que tanto nos orgulhamos de pertencer; a segunda circunstância é o facto de verificarmos que a nossa grande preocupação, vigorosamente sublinhada por ocasião da realização do aviso prévio sobre o ensino liceal a cargo do Estado, por nós efectivado nesta Assembleia há, precisamente um ano - a falta de professores c a falta de vontade de ser professor -, era também grande preocupação do ilustre titular da pasta da Educação Nacional, já que o verdadeiro alcance, o verdadeiro objectivo do diploma agora publicado é, com toda a clareza, a conquista de rapazes e raparigas para o magistério liceal, para que desapareça a falta de professores habilitados e o ensino liceal recupere o nível e o prestígio que a todos os títulos merece.
Ficamos, assim, cheios de esperança nos novos diplomas que hão-de fazer a revisão profunda do ensino liceal - nomeadamente no que respeita às condições de trabalho dos professores - e que hão-de dar satisfação às outras grandes preocupações por nós expressas no referido aviso prévio u u a moção que redigimos a respeito do mesmo e que a Assembleia Nacional nos deu a grande honra de aprovar por unanimidade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - A primeira parte da ordem do dia será, como ontem anunciei, a votação de alguns decretos da Assembleia Nacional, já com a redacção definitiva que lhes foi dada pela nossa Comissão de Legislação e Redacção. Mandei distribuir ontem a VV. Ex.ªs os textos elaborados pela Comissão, de modo a suprir-se a deficiência resultante de não estarem publicados ainda os competentes suplementos ao Diário das Sessões. Decerto todos os Srs. Deputados leram esses textos, e posso, portanto, pô-los afoitamente à consciente votação de VV. Ex.ªs Pô-los-ei à votação pela ordem cronológica por que os respectivos projectos ou propostas de lei aqui foram votados.
O primeiro diz respeito à alteração ao artigo 667.º do Código de Processo Penal, ou seja, a chamada reformatio in pejus. Consta de dois artigos, o primeiro dos quais altera o referido artigo 667.º do Código de Processo Penal. Ponho, portanto, à votação o texto fixado pela Comissão de Legislação e Redacção.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - O segundo texto votado foi o da proposta de lei acerca do estabelecimento de normas tendentes a imprimir maior celeridade à justiça penal. Consta de cinco artigos, o primeiro dos quais altera vários artigos do Código de Processo Penal. Também aqui decerto todos VV. Ex.ªs demoraram a sua esclarecida atenção sobre o texto fixado pela Comissão de Legislação e Redacção. É esse texto que ponho agora à votação.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Resta-nos finalmente o decreto da Assembleia Nacional originado num projecto de lei acerca da alteração da base XXI da Lei n.º 2114, de 15 de Junho de 1962. Consta de dois artigos, o primeiro dos quais altera a base XXI da aludida lei. Ponho, portanto, à votação o texto fixado pela Comissão de Legislação e Redacção.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Estão aprovados os textos definitivos dos citados decretos da Assembleia Nacional, que irão ser enviados amanhã mesmo à Presidência da República para serem publicados como leis.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vamos passar à segunda parte da ordem do dia. Continua o debate sobre o aviso prévio acerca dos problemas da população idosa no nosso país, do fenómeno do envelhecimento da população e da política da velhice.
Tem a palavra o Sr. Deputado Armando Cândido.
O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: Quis o Sr. Deputado Agostinho Cardoso trazer à Assembleia Nacional um problema difícil, que transcende a frieza das estatísticas, a matemática das previsões e o próprio esquema das medidas a adoptar se na base estiver apenas o entendimento de uma política social a realizar segundo normas de compêndio. O problema exige mais. Requer sentimento constante, propósito devotado, ânsia sempre renovada e sempre acrescida - a comoção de estudar e de resolver. Haverá assim que pegar nos dados nus, nas normas de pé, nas providências estabelecidas, nas estatísticas em ordem, nas previsões em cálculo, no potencial dos números e das hipóteses, e inundar tudo isso de espírito de humanidade vibrante e incansável, como se enchêssemos de luz mais viva e mais acalentadora o que, sem tal reforço, vivesse já à sombra de padrões erguidos pela engenharia da lógica com materiais do seu laboratório.
O tema, este tema que estamos discutindo, não é só um tema de razão - também é, eminentemente, um tema de paixão. Vive, sim, de estudos objectivos, de regras estabelecidas, de experiências aproveitadas e de projectos de avanço. Mas só lavra e progride como deve se o atearmos com o fogo das nossas almas.
A primeira vez que me VI diante do problema do envelhecimento das populações foi quando, em 29 de Março de 1950, anunciei o propósito de me ocupar aqui dos nossos excedentes demográficos relacionados com a emigração e o povoamento das províncias ultramarinas, e, principalmente, quando depois cumpri esse propósito, com largueza, nas sessões de 3, 4 e 13 de Março de 1952.
A minha terra acusava na altura um excesso demográfico impressionante e em impressionante crescimento, à uma com os graves embaraços resultantes das dificuldades criadas em matéria de emprego e subsistência. E foi por aí que começou o meu interesse, de pronto generalizado às outras ilhas e ao continente, com os olhos postos no ultramar, em especial Angola e Moçambique, as províncias maiores e mais carecidas de vontade e de braços para as tarefas de povoamento.
Rodeei-me então de muitas informações e fui pertinazmente ambicioso no carrear das parcelas para a soma. Procurei ser escrupuloso e seguro, útil e verdadeiro. Não tinha, até esse momento, visitado qualquer das nossas províncias ultramarinas. Estava aí uma grande barreira a transpor. O homem, quando deu gpassos num caminho e
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viu as gentes e as coisas, sabe falar dos trilhos que pisou e dos ambientes a que votou a sua directa atenção. Mas, além do mar e da história - do mar e do passado que nos envolvem no conjunto -, só possuía a vontade indomável de aprender e de relatar nesta tribuna os trabalhos e as canseiras do meu raciocínio.
Talvez me tivesse julgado um dom-quixote na esgrima com os moinhos ou um pimpão enfunado tentando ventos desproporcionados. Mas o tempo - que também julga e dá sentenças insusceptíveis de recurso - demonstrou que fui laborioso e certo e que trouxe no meu transporte carradas de razão.
Nos veios do meu sobressalto corriam verdades profundas e nos longes da minha visão desenhavam-se panoramas sérios. O ultramar - o nosso ultramar - era e continua a ser a grande nau para os trasbordos indispensáveis, pois eu figurava também os Açores e até o Portugal do continente como naus, cada qual de seu tamanho, mas fazendo todas parte da mesma formação, apostada em permanecer no mundo, sem necessidade alguma de desembarcar nas alheias partes da Terra as gentes que fossem aumentando incomportàvelmente nesta ou naquela unidade.
Sabia que tínhamos de dar destino aos excedentes demográficos que nos assoberbavam, mas não desejava nem queria que esses excedentes se encaminhassem para quaisquer destinos que não fossem os nossos. Não desejava, não queria - e temia - a pulverização e a alienação do nosso sangue, e nisso empenhava a minha qualidade de português, temperada com o sal das ondas, que me chegou ao berço logo que nasci. E não queria, firmemente, que a população envelhecesse, que se fossem os adultos na idade óptima para o trabalho e ficassem os idosos e os jovens a pesar nas percentagens averiguadas sobre o cômputo demográfico de todo o território português.
Ansiedade, imaginação, sonho - mas ansiedade natural, imaginação legítima, sonho capaz de gerar realidades.
Confessei então, e volto a confessar, que a obra de povoamento, designadamente nas nossas províncias de além-mar, é obra que se pode apressar, mas não é obra que se realize como a da vara de Moisés, que, ao bater no rochedo do monte Horeb, fez correr a água que a todo o povo matou a sede. É, sobretudo, uma obra de tempo e de perseverança, com a ajuda de Deus e dos homens.
Estive depois em Angola e em Moçambique. E vi, mormente em Angola, como a vida está crescendo na terra imensa: em parte generosa, por requerer menos trabalho; em parte esquiva, por exigir mais esforço. Mas terra sempre possível, continuada e sedutoramente forte nos chamamentos que nos faz. E se fosse impossível?
Recordo este passo do meu aviso prévio do ano de 1952:
Somos um povo capaz de renovar aquele êxtase de força e de coragem que por um século - como observou um grande espírito - «fez do impossível possível e da inverosimilhança realidade».
Porventura não tivemos também no Brasil pioneiros e bandeirantes que esgotaram a taça do sofrimento, superando-a com as avançadas que fizeram?
O ilustre autor do aviso prévio em apreço não podia deixar de reconhecer que a baixa da natalidade e o fenómeno emigratório são terríveis fautores do envelhecimento da população.
Tiro algumas palavras das palavras que proferiu:
É a diminuição da natalidade - projectando-se a breve trecho na diminuição do número de adultos - e a emigração, sobretudo quando atinge o subgrupo mais jovem dos adultos (20 a 40), que contribuem para o aumento da percentagem da gente idosa na demografia de um país e, portanto, para o envelhecimento da sua população.
Ora eu devo esclarecer - para que falsamente não se explorem falsas minas - que não sou contrário, em absoluto, à emigração, pois admito-a, e só a pretendi e pretendo ajuizadamente regulamentada e combatida pelo desenvolvimento acentuado do progresso económico em todo o espaço português.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Graças a Deus, temos almas e possuímos terras, e só precisamos de promover, de cada vez com mais apurada força e mais apurado sentido, o alastramento do fogo das almas.
Assim contribuiremos para que a população só envelheça no mínimo e cresça no máximo.
Outro ponto é o da gratidão por tudo quanto está feito a favor dos problemas da velhice. Foi muito? Foi pouco? Foi alguma coisa. E começar no deserto é diferente de intensificar na cidade. Tivemos e temos iniciativas sublimes, com obras à vista, umas melhores, outras piores, mas obras que são marcos na estrada.
Não estou dizendo isto por dizer. Estou olhando para a juventude e a apartar dela os que se dizem partidários de um futuro sem passado e, quem sabe?, de um futuro sem eles próprios, e pretendem juntar os homens no mundo da igualdade e da liberdade absolutas. Não sei já quando e onde disse que a igualdade plena era um zero recheado de gente. E agora, a propósito da liberdade, direi que a liberdade incontida é o forno crematório das liberdades possíveis, e mesmo das liberdades impossíveis, faulhando a anarquia até ao caos, que é a explosão do nada.
Julgam poder resolver tudo estes jovens danosos - mas nunca resolvem o que nós podemos resolver para os salvar.
Parecendo que não, servem-se também de símbolos. Mas os seus símbolos são a bandeira vermelha e a bandeira negra ... No entanto, da bandeira vermelha só pode escorrer sangue e da bandeira negra escuridão - as trevas molhadas em sangue.
O ilustre autor deste aviso prévio sobre os problemas da velhice também roçou com o dedo autorizado por esta chaga aberta:
Do fundo dos séculos - disse ele - ao dealbar da sociedade industrial, os anciãos foram respeitados, utilizada a sua experiência e sabedoria para a direcção ou o conselho dos agrupamentos humanos. O liberalismo foi contemporâneo da queda vertical deste prestígio; o velho passou a ser, para muitos, um inútil fardo humano.
E, se é certo que por toda a parte - como acrescenta o Sr. Deputado Agostinho Cardoso - as comunidades se preocupam hoje com a promoção social dos idosos e com a reparação daquele erro, os tais jovens de que falo tomam os velhos como espantalhos ridículos. Não querem saber da sua experiência proveitosa nem da sua presença moderadora. Nem da sua conquistada autoridade, nem do seu provado valor, nem da sua temperada acção. Os velhos sabem a passado e o passado, para esses inquietos demolidores, é sempre o inimigo de amanhã. Mas os velhos, os velhos não são para deitar fora. Cito argumentos poderosos
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invocados pelo Prof. Dorland e resumidos e comentados pela pena de Ferreira Deusdado:
Galileu passava dos 70 anos quando fez os seus maiores descobrimentos; com a mesma idade, Tintoretto pintava o Paraíso; Ticiano, Vénus e Adónis; Verdi compunha o Othello e o Falstaff; Goethe acabava o segundo Fausto; Meyerbeer escrevia a música da Africana. A Ética, de Confucius; o Juízo Final, de Miguel Ângelo; o Parsifal, de Wagner, o Dom Quixote, de Cervantes; os dramas mais célebres de Ibsen, são obras de sexagenários.
E - se quiserem também apelidar de velhos os homens entre os 50 e os 60 anos - com essa idade César compõe os Comentários e corrige o calendário; Kepler inventa a tábua de logaritmos; Morse, o seu alfabeto; Hegel edifica a sua filosofia do Universo; Velázquez pinta Inocêncio X; Verdi compõe Aida; Wagner, a Tetralogia e os Mestres Cantores.
Deusdado observa:
A velhice é a idade madura da razão, fase em que esta brilha, com todo o seu esplendor. A velhice dá a sobriedade nas conjecturas, a circunspecção nos juízos e a unidade no plano.
Cícero dizia que todo aquele que sofre tem memória. A memória dos velhos também é feita de sofrimentos e de desenganos E o que eles recordam pode servir para evitar a dor da desilusão ou, o que é melhor, para evitar o erro de viver em erro.
É preciso combater pelo respeito devido aos velhos. Alojamento, assistência, recuperação, emprego compatível. Sim, tudo e o mais que em tais domínios puder contribuir para o bem fim da longa vida. Mas a batalha pelo respeito que se deve aos velhos é uma batalha indispensável e tem de ser uma batalha de todos os dias. O autor deste aviso prévio bem o proclama, avisadamente: «Há que reavivar o respeito» que se dedicava aos velhos.
Sr. Presidente: Em tempos - e como vai longe o tempo! - visitei algumas vezes um velho prestigioso que passava os últimos dias da sua vida amarrado a uma quase total invalidez. Havia sido um orador fluente e brilhante, tão brilhante e tão fluente que as palavras lhe saíam da boca como diamantes lapidados. Conservava a lucidez do cérebro e o olhar intenso.
Outro velho prestigioso, que também conheci e visitei com o maior respeito pela sua avançada e atormentada idade, e ainda pela eloquência de que também fora dono e senhor, quando era mais novo, ao referir-se àqueloutro ancião no declínio do seu mundo, traçou com as cores do seu verbo admirável este quadro, que merece ser reproduzido:
E, como prova final do seu extraordinário afecto pelos humildes e desprotegidos da fortuna, este facto singular; nestes últimos tempos do seu sofrimento enorme, aguarda com ânsia, em cada manhã, a carícia apetecida do pequenino (...) de 3 anos que ele mandara recolher do desconforto e da miséria e que todos os dias lhe vai levar, como uma bênção - ao calvário da sua dor -, um beijo de inocente.
É o fio da luz de uma aurora que desponta a banhar a face sombria e triste de uma noite que tomba...
Pois eu queria que a mocidade fosse toda assim, reconhecida e respeitosa; que estimasse muito a experiência dos velhos e os rodeasse de todo o carinho, para os banhar de alegria moça.
Os velhos sentem o cansaço da longa jornada. É preciso proporcionar-lhes em amor a recuperação que merecem e de que carecem.
A velhice é uma lareira onde as brasas vão esmorecendo uma a uma. É preciso avivar as brasas para que o sentido da vida que vive ainda se prolongue no sentido da vida que vai morrer.
Façamos tudo para que o caso da velhice seja um caso menos doloroso, menos só, menos triste, menos sombrio.
Os jovens são os herdeiros do halo da velhice e têm de ser o penhor e a garantia da continuidade da sua mensagem espiritual. A própria velhice é, em si mesma, um incitamento à juventude para que ela faça por caminhar bem e caminhar longe.
São os jovens, naturalmente, os mais capazes de aquecer os poentes da velhice com os fulgores da aurora da vida - como aquele amoroso pequeno de tenra idade que todos os dias beijava o ancião seu amigo e lhe ia iluminando a face, a ser tomada pela noite, com a luz do seu doce amanhecer ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
A Sr.ª D. Maria de Lurdes Albuquerque: - Sr. Presidente: Ao subir à tribuna pela primeira vez nesta sessão legislativa, desejo prestar a V. Ex.ª as minhas homenagens. E peço o favor de transmitir ao Sr. Prof. Mário de Figueiredo os meus sinceros desejos para que S. Ex.ª sinta rápidas melhoras e para que tenha um completo restabelecimento.
Sr. Presidente: Nesta Assembleia de representantes da Nação, diversos assuntos têm sido trazidos à consideração das entidades responsáveis e para o conhecimento dos portugueses, por meio de avisos prévios ou em intervenções antes da ordem do dia. Nesta sala, onde se cruzam vozes de manifesta ansiedade, apontam-se problemas existentes, sugere-se e solicita-se a quem detém o Poder que sejam estudadas e procuradas as soluções.
O problema da política da velhice, tão oportunamente focado num valioso trabalho, fruto de um dedicado estudo, pelo Deputado Agostinho Cardoso, deve dar àquele Sr. Deputado uma enorme satisfação ao verificar que esta Gamara o aceitou para um largo debate, prova da importância de que o caso se reveste. Vozes que me antecederam manifestaram já o alto apreço pela forma como o Deputado avisante se debruçou nesta matéria de tão elevada justiça. Desejo associar-me, com a maior sinceridade, nesse aplauso de que é merecedor o Dr. Agostinho Cardoso.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Na sociedade moderna, em que a vida se processa num ritmo acelerado e as realizações se avaliam por uma óptica material, outros valores são tantas vezes relegados! Bem certo é que nem só de pão vive o homem, e, não podendo desligar-se do espírito, procura corrigir esse mal dos nossos tempos, que tão profundos e nefastos efeitos vem causando.
O progresso técnico e a industrialização dos países, que absorvem, grandemente, pessoas até à meia idade, criaram, em relação aos idosos, um sentimento de despreocupação e até se foi ao ponto de se considerar a velhice como um fardo pesado. Esqueceu-se, em parte, o muito que é devido aos velhos. Toda a atenção tem sido dedicada à criança e ao jovem, por estes representarem o futuro. Mas que é desse futuro sem uma visão retrospectiva e o
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respeito pelo passado? Como se poderá esquecê-lo no presente e no futuro, que têm aí a origem comum?
As preocupações com os jovens, embora necessárias e justificadas, vieram com uma tal virulência que pecaram por certos excessos. Esqueceu-se que a célula da sociedade é a família e que é nesta que se formam ou se devem formar os jovens. É também nesta que a pessoa de idade deve ter o seu lugar, manter a sua dignidade e sentir-se respeitada.
Desacertadamente, isolam-se os jovens como uma comunidade à parte, dão-se lares e escolas com o maior conforto, oferecem-se-lhes bolsas de estudo, proporcionam-se-lhes viagens por várias partes do mundo e procura-se pôr-lhes ao alcance toda uma gama de distracções e prazeres sem que lhes seja exigido qualquer esforço. Pede-se-lhes sòmente que estudem e que tenham êxito nos exames.
Com problemas comuns, com os mesmos choques e emoções próprias da idade, os jovens não encontram, só no seu meio, um ambiente favorável à obtenção de uma resposta às suas ansiedades. Daí, se muitos sentem que só têm direitos, a maioria desses jovens não se contenta com esse somatório de comodidades e regalias que se lhes pretende dar. Eles procuram preencher o vazio que lhes fica no espírito. Se não se lhes proporcionarem meios para que o preencham de forma sã e válida, se não sentirem estabilidade e afecto na vida familiar, se não estiverem ligados pelo fio da tradição, desnortear-se-ão e irão procurar outra forma de o preencher, nem sempre a mais desejada.
Nos nossos dias, em que pai e mãe se vêem na necessidade de sair de casa em busca de rendimentos para a manutenção da família cujas necessidades são crescentes, quem poderá negar o enorme valor da companhia e dos cuidados dos avós pelos netos, da dedicação dos tios pelos seus sobrinhos e de uma verdadeira harmonia familiar?
Se pais e filhos tantas vezes se opõem, querendo os primeiros usar a sua autoridade, embora razoável, muitas vezes incompreendida, e os últimos reivindicando o seu direito de «independência» e «liberdade», quantas vezes os primeiros fraquejam pelo ambiente que os cerca para que não sejam apodados de «botas-de-elástico»! Nessas alturas é inegável o poder estabilizador dos velhos da família, que, não tendo responsabilidades na educação, procuram com amor e carinho acalmar uns e outros. Porém, devido à exiguidade de espaço nas casas dos meios urbanos e à debilidade económica de uma grande parte de pessoas idosas, dá-se o afastamento destas do seio da família.
Sr. Presidente: Gostava dê poder dizer muito do que sinto em poucas palavras.
A dignificação do velho e a sua integração na sociedade são aspectos que estão a ser estudados em grande número de países de todas as latitudes.
Distintos oradores desta Câmara, com o peso do seu prestígio e dos seus conhecimentos, fizeram sugestões concretas para que seja estruturada uma política de velhice no nosso país. Peço desculpa de aqui vir destoar no meio de tão autorizadas opiniões que me precederam. (Não apoiados). Mas cada um dá o que pode, e eu não pretendo mais do que pedir a atenção para alguns aspectos que me parecem pertinentes, dentro da simplicidade das minhas considerações.
A dívida que contraímos com as gerações hoje envelhecidas pelo peso dos anos fez-me tomar coragem para intervir neste debate; salientarei, principalmente, para além do aspecto sanitário, largamente debatido por oradores especializados, outros que também afligem as pessoas da terceira idade. O primeiro desses aspectos, que atinge a maior parte desse sector da população, é sem dúvida o económico. Se ninguém aceita a velhice de ânimo leve, é bem mais triste ser velho e pobre. É certo que em todas as idades é possível encontrar uma alegria no viver, mas não é menos certo que é necessário que existam estruturas para que seja encontrada essa possibilidade.
Portugal é um país católico; levou pelo mundo fora a mensagem de amor e fraternidade humana. Essa mensagem teve um tal efeito nos povos a que ficou ligado que as lutas tribais, os problemas de castas e dissidências religiosas, tradicionais de alguns povos do mundo português, foram ultrapassados pela mensagem ensinada por Cristo.
Temos seculares instituições de caridade. As misericórdias, as confrarias, são brilhantes e nobres exemplos. Sulcando mares, abriram as suas portas até ao Oriente. São instituições com avultados meios, mas o volume de solicitações de ajudas materiais e morais mostra bem que o País carece de outras e de mais amplos institutos de assistência à família.
Vimos acalentando, de longa data, o culto da pobreza. Desde os bancos da escola, incutimos no espírito dos que queremos formar uma verdadeira ternura pelos pedintes, o amor pela dádiva da esmola, como que querendo cultivar o espírito de generosidade. Mas não incutimos nos nossos próprios espíritos que humilhamos a quem tem de estender a mão à caridade.
Repete-se com frequência que Portugal é um país pobre. Se não é vergonhoso ser pobre, não é certamente motivo de orgulho insistir em sê-lo.
Um país como o nosso, com 24 milhões de habitantes disseminados pelo continente e extensos territórios ultramarinos, generosamente dotados pela natureza de potencialidades incalculáveis, não tem o direito de chamar-se pobre.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Criemos espíritos ambiciosos nas realizações, estudantes, dirigentes e trabalhadores ambiciosos. Cultivemos essa sã ambição de ter mais para poder repartir melhor.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Na Antiguidade o destino dos povos era traçado pelo valor dos homens. A evolução dos tempos fê-lo repousar, igualmente, no desenvolvimento económico; na preparação, na iniciativa e coragem individual, na faculdade de trabalho e na capacidade colectiva de produzir.
Ainda há poucos dias disse S. Ex.ª o Presidente do Conselho, no seu último contacto com o povo português:
Há que promover o progresso de uma nação desejosa de recuperar atrasos, fomentar a riqueza melhorando a distribuição de rendimentos, valorizando cada vez mais os homens.
E mais adiante disse:
Para que todos os portugueses possam ter melhores condições de vida é preciso que a Nação seja mais rica, produzindo mais bens. Só se reparte o que há.
Os países que, reconhecendo a necessidade de solucionar o problema da terceira idade de forma mais adequada, sentem que, além de um dever de justiça, esse problema representa um encargo para o sector activo da população
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tentam aproveitar esses próprios elementos do terceira idade para aliviar o encargo que recai na comunidade.
Nós, em Portugal, temos um duplo encargo: com a população idosa e com aqueles que parece viverem no paraíso terrestre da ociosidade, da inactividade que não seja frequentar os cafés durante as horas de trabalho e apinhar os passeios das nossas c; idade s e vilas. Como não produzem para seu consumo, vivem, decerto, como parasitas.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Com estes o encargo é ainda maior do que com os primeiros, pois, se a ociosidade é a mãe de todos os vícios, é também mãe do boato e da maledicência, que tantas veies vai inquietar os espíritos de pacíficos trabalhadores.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Fala-se numa larga reforma administrativa. Venha ela e bem estruturada, para que seja dinamizada a máquina do Estado; para que os funcionários públicos possam viver melhor e trabalhar mais para o próprio Estado; para que as iniciativas particulares, que não são muitas, sejam totalmente aproveitadas e até estimuladas; para que demoradíssimos estudos não venham desencorajar es menos pacientes, fazendo-os desviar as suas economias para outros campos menos produtivos.
Os portugueses sabem bem quanto vale a estabilidade política do seu país. Para nossa alegria, muitos dos mais receosos que haviam exportado os seus capitais, de verem mantida essa estabilidade política, procuram fazê-los regressar e investir no continente e no ultramar. Regozijemo-nos com esse facto, sinónimo de confiança no futuro. Mas procede-se simultaneamente a uma ampla reforma da mentalidade, de cuja necessidade todos estamos conscientes e que, ainda há pouco, um dos prestigiosos jornais da capital veio recordar num editorial que tão favorável eco encontrou por todo o território.
Esta reforma deve abranger todos, chefes e subalternos dos serviços públicos, gerentes, empregados, operários, para que cada um cumpra o melhor que puder a missão que lhe for confiada.
Muitos se comprazem em lançar ao Governo as culpas de todos os males. A bem da comunidade, devem ser apontados as deficiências e os erros, para que possam ser corrigidos. Mas quantas vezes os mais maldizentes são os menos esclarecidos ...
O País é de todos os portugueses. Procuremos as oportunidades de servi-lo e engrandecê-lo, enriquecendo-o. Cabe ao Governo traçar a orientação, mas todos nós, cidadãos, temos a nossa quota-parte das responsabilidades. Sr. Presidente: A justiça impõe que as pessoas idosas do País tenham condições económicas para as suas maiores necessidades. A previdência terá de se estender até elas. Está em estudo o abono de família aos rurais, o que representará, sem dúvida, um passo em frente.
A previdência social tem poucos anos de existência em Portugal. E inegável que o Ministério das Corporações percorreu eu. pouco tempo um longo caminho, abrangendo uma grande parte da população activa. Nem todos o conhecem e muitos não sabem apreciar a extensão desta obra, encetada há escassas décadas. É necessário, contudo, que sejam aperfeiçoados os benefícios da previdência, nomeadamente no que diz respeito aos serviços médicos, ao abono de família pelos descendentes e pelos ascendentes dos beneficiários. Se, no primeiro caso, no respeitante ao abono de família, a quantia é diminuta, em relação aos ascendentes é verdadeiramente irrisória - 60$ por mês! Mal chegam pura um bom copo de leite por dia ...
Outro aspecto que está longe de atingir o grau satisfatório é o da habitação, mas é consolador verificar que continua a fazer-se um grande esforço para poderem ser satisfeitas as necessidades dos beneficiários.
Desejo dirigir uma palavra aos que, como eu, são beneficiários da previdência. Quero recordar apenas que não se pode, ou melhor, não se deve abusar das «baixas da caixa». Enquanto a doença existir, é legítima a falta ao serviço, mas o regresso à actividade impõe-se logo que a cura se verifique. Não devemos deixar-nos dominar pela preguiça ou comodismo, ou mesmo por receios descabidos; o abuso traduz-se, nestes casos, num maior encargo para a previdência. O saldo entre o legítimo e o injustamente usufruído poderá um dia ser aplicado a favor dos nossos ascendentes, por quem seríamos capazes dos maiores sacrifícios, e também pelo fomento habitacional de que tanto necessitamos.
É preciso não esquecermos igualmente que a nossa ausência ao serviço quebra o ritmo da produção. Quanto mais acelerado ele for, mais rica será a nossa própria comunidade. Não se pense que o nosso trabalho tem como único resultado aumentar a conta do banco da entidade patronal. Não é só para ela que trabalhamos, mas para a prosperidade de todos os portugueses.
Em países como a Holanda, Suécia, Inglaterra, Finlândia, Noruega, Japão e outros vem-se fomentando a política de ocupação dos idosos. Têm sido efectuados eficientes estudos sobre as aptidões e o interesse das pessoas da terceira idade pelo trabalho.
Esses países verificaram haver uma maior percentagem de pessoas idosas interessadas nos trabalhos manuais e só uma escassa minoria em actividades intelectuais.
Na Finlândia foi criada a Liga Central de Beneficência para os Idosos, organismo que dirige esse tipo de investigação sobre o trabalho e a actividade das pessoas da terceira idade. Procede-se ao estudo em duas linhas diferentes: tentando, por meio de contactos pessoais, formar grupos dos que serão sujeitos ao estudo, para se obterem elementos sobre a distribuição profissional, condições físicas, vivacidade, gosto pelo trabalho, oportunidades de ocupação, assim como a possibilidade de venda dos artigos produzidos; por outro lado, procurou-se conhecer o interesse pelo aperfeiçoamento do trabalho.
Se a tarefa não foi fácil, consideraram-se valiosas as conclusões tiradas da investigação para o conhecimento da extensão do interesse por uma ocupação e até para a forma de colocação dos produtos.
Sugere-se que o trabalho deve ser distribuído, na medida do possível, segundo o interesse de cada pessoa, a fim de se obterem melhores resultados.
É vulgar as mulheres optarem por trabalhos de costura, rendas e outros trabalhos de agulha. Lembrarei que, há várias décadas, os ingleses criaram nas colónias do Oriente um Centro de Trabalho de Viúvas e Órfãs. O Centro encarregava-se de fornecer o material, adquirir o produto, vendê-lo e até exportá-lo para várias partes do mundo. Não é possível, sem uma organização dessas, conseguir a valorização das pessoas de idade, pois a falta de conhecimentos e de recursos materiais para, a aquisição de matéria-prima e a impossibilidade da colocação do produto tornam inviável qualquer iniciativa individual e até mesmo de um pequeno grupo.
As Casas de Pescadores, numa louvável acção, vêm mantendo escolas de rendas características de certas regiões, como Peniche, Vila do Conde, etc. para que se
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não percam estes artísticos trabalhos, que tanta beleza imprimiram às roupas de casa e toilettes de senhora.
O artesanato do nosso país tende a desaparecer em face da indústria. Entre as pessoas da terceira idade poderiam ser encontrados óptimos elementos para o desenvolvimento da arte regional.
E não poderíamos colocar algumas, desejosas de se ocuparem de trabalhos intelectuais - não serão muitas, certamente - na investigação, nomeadamente na literária, já que os jovens não se entregam a essas tarefas, em parte pela razão de uma má remuneração?
Esta vasta obra assistencial, além da parte que cabe ao Estado, carece de um grande espírito de solidariedade. É, sem dúvida, uma obra de amor.
Em todos os países se verifica a necessidade de voluntários para esse trabalho. E em todos eles se criam variadas organizações humanitárias de apoio. Porém, em alguns são orientadas pelos serviços governamentais, o que, aliás, tem todas as vantagens - para que os trabalhos a efectuar possam ser coordenados, distribuídos, para que se evitem duplicações e ainda por outras razões poderosas.
A ajuda domiciliária é um dos serviços que tem de poder contar com um grande corpo voluntário. Pelo País fora há velhos solitários que desejariam ser visitados. Também necessitam de auxílio nos serviços domésticos os que, vivendo nas suas casas, não podem executar certos trabalhos. Estes precisam de quem lhes faça as compras, os acompanhe às saídas à rua, à igreja, aos passeios indispensáveis.
Mulheres e homens, raparigas e rapazes novos, e até as pessoas mais ágeis da terceira idade, deveriam formar este grande corpo voluntário. Uma larga campanha será necessária para se angariarem boas vontades para estes diferentes trabalhos que virão a ser necessários.
Na política de fomento habitacional estamos certos de que não será esquecida a terceira idade.
Na Inglaterra, na Dinamarca, na Noruega, etc., as habitações para velhos estão a cargo dos municípios. Estes suportam uma grande parte dos encargos, embora subsidiados pelos governos.
As nossas câmaras municipais, sobretudo as das maiores cidades, onde o problema da habitação é mais grave, não regatearão, certamente, o seu contributo nesse sector. É lícito esperar igualmente a ajuda da Previdência Social neste campo.
Foi sugerida pelo Deputado avisante a criação do Dia Nacional do Velho, para que o problema seja avivado. Não se poderia, do mesmo modo, instituir na metrópole selos da assistência pública, à maneira do nosso ultramar? E criar a obrigatoriedade de afixar na correspondência, na época do Natal, de 1 de Dezembro a 15 de Janeiro, um selo do valor de $50? Creio que nessa quadra de confraternização universal não se negarão mais $50 por cada carta a favor do velhos do nosso país.
Quando for estudada a forma de criar ocupação para a terceira idade virá a necessidade da valorização e aperfeiçoamento dos seus conhecimentos. Também aqui o corpo de voluntários terá um grande papel a desempenhar. Entre os nossos universitários, alunos dos liceus, dos institutos industriais, das escolas de enfermagem, do magistério primário, etc., encontraremos muitos jovens dispostos a desempenhar essa nobre missão.
Deste intercâmbio entre a gente moça e a idosa colhem-se valiosos resultados: os primeiros, sadios e cheios de vivacidade, transmitem, com a frescura da sua juventude, os seus conhecimentos, e os segundos dão, em contrapartida, um bocado da sua experiência e sabedoria. Promove-se assim o melhor conhecimento de duas gerações distantes, humanizando-as.
Em países altamente civilizados, tanto os jovens como os velhos têm os seus problemas. A falta de afecto que sentem uns e outros não é substituída por um elevado nível material. Vive cada um desses grupos sociais a sua vida própria, seus receios, suas angústias, e não raro são levados a praticar actos de desespero. É precisamente entre jovens e pessoas de idade que se verifica maior índice de suicídios nesses países mais evoluídos. Não poderão ser atribuídos à falta, de integração desses grupos no todo da comunidade? À falta de calor humano?
Todos sabemos que o problema da velhice não é dos mais graves em Portugal. Em 1980 atingiremos quase 10 por cento. Na metrópole temos uma percentagem de terceira idade sensivelmente igual à da Holanda, com uma população aproximada.
Mas no meio da nossa população idosa temos muitos milhares de casos verdadeiramente angustiantes. Sei que o conhecem e o sentem os que trabalham nos serviços sociais dos nossos Ministérios da Saúde e Assistência, das Corporações e do Ultramar, nas nossas diversas organizações humanitárias. Mas para que o estudo desse problema à. escala nacional seja profundo terá, evidentemente, de levar o seu tempo. Mas estou certa de que não demorará a palavra de ordem para que seja iniciado e para que sejam atendidos os casos mais graves na medida das possibilidades.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: No nosso ultramar não existe um problema da velhice. Mas pelos velhos que lá vivem tem-se feito pouco ou quase nada. Julgo que tem maior acuidade o caso da terceira idade em Macau, onde os velhos dos asilos vivem como que armazenados, aguardando o fim da vida. O estudo já em curso virá, certamente, resolver o problema com dignidade.
Em Moçambique, das instituições existentes podemos considerar duas delas modelares, embora cada uma no seu género:
Em Lourenço Marques a Mansão dos Velhos Colonos, com quartos para casais idosos e para pessoas isoladas, com um parque infantil muito frequentado e uma piscina para os mais crescidos. Os velhos colonos aí residentes podem contactar com crianças e jovens na sua própria casa. São hoje pequenas as dimensões desta instituição. Em Nampula, a Obra da Protecção aos Inválidos. Estes vivem num aldeamento, dedicando-se cada família a culturas agrícolas e criação de aves. que por vezes são vendidas na cidade.
Em Cabo Verde, porém, existem casas económicas, às quais têm prioridade pessoas idosas. É um exemplo para a metrópole esta modalidade de distribuição de algumas casas de renda baixa, comportável nos magros orçamentos.
Mas que dizer dos que não são beneficiados pela Assistência Pública? Muitas das viúvas e filhos de funcionários cuja vida foi consagrada ao serviço da Nação vêem-se desamparados e desprotegidos com a perda do chefe da família. Para muitos deles não veio a tempo a pensão de sobrevivência.
Não foi só nos campos de batalha que Portugal escreveu o seu destino histórico. Não é só das vitórias militares, com vidas oferecidas ao altar da Pátria, que se orgulha Portugal. Modestos funcionários e particulares gastaram uma vida inteira em terras inóspitas do nosso ultramar para o engrandecimento da Nação. Pensemos nas suas famílias necessitadas
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A rainha D. Amélia criou o Instituto Ultramarino a favor das famílias dos funcionários militares e civis que tenham trabalhado no ultramar. Os recursos desta instituição estão muito aquém das necessidades. Poderia ser alargado o seu âmbito e aumentados os recursos financeiros para que possa atender às necessidades vitais das viúvas e f lhos dos que serviram o ultramar.
Sr. Presidente: Sei que não trouxe para cá sugestões inéditas, mas para terminar lembrarei o que disse Joseph Chamberlain, antigo ministro conservador britânico: «Quando a causa é justa, é de se tocar a corneta a tempo; há sempre quem nos siga. O que importa é ter fé e coragem».
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A oradora foi muito cumprimentada.
O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: Renovo, com muito afecto, os cumprimentos que a V. Ex.ª dirigi desta tribuna quando há dias a ocupei.
E peço vénia para, dentro da ordem do quotidiano que nos manda ser gratos, daqui endereçar as minhas saudações mais cordiais aos representantes dos órgãos da informação pela forma elevada como estão a desempenhar as suas delicadas funções de levar ao conhecimento público os trabalhos desta Câmara.
Quebrada a sequência lógica da atempada publicação do Diário das Sessões, tão lamentavelmente atrasada, a Nação só tem imediato conhecimento dos problemas que os seus representantes debatem nesta Câmara pelos relatos imprescindíveis e muito valiosos da Imprensa, da Rádio e da Televisão.
Desta sorte, a importância desses relatos, se já era muito grande guando circulava a tempo e horas o referido Diário, agora aumentou extraordinariamente com a sua forçada ausência dos locais a que o mesmo tinha acesso.
Importa assim, Sr. Presidente, destacar a forma conscienciosa e relevante como são dados a conhecer ao País os nossos trabalhos parlamentares.
À natural narração dos pontos havidos como essenciais ou mais expressivos dos depoimentos aqui prestados, acresce agora o comentário gracioso, por vezes tocado de fina ironia, que muito os valoriza, pelo saliente interesse que lhes confere.
Muito gostosamente tributo aos ilustres e esforçados representantes dos órgãos da informação que trabalham nesta Câmara as minhas melhores homenagens e, como beneficiário que tenho sido do seu operoso labor, aqui lhes deixo também o meu mais expressivo agradecimento, a que VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, certamente se gostarão de associar.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: O aviso prévio que agora se efectiva salda uma grande dívida desta Câmara! Aqui se tem tratado dos grandes problemas nacionais e defendido as suas soluções havidas como mais justas ou mais convenientes.
Empenhámo-nos na discussão da lei militar para, através dos seus mandamentos, traçarmos os grandes rumos da defesa da Pátria e da garantia do seu território.
Aqui se defendeu a pureza da língua pátria com elevado sentido das grandes necessidades da valorização nacional.
Aqui se tem pugnado com frequência pela juventude e pela solução dos seus instantes problemas.
Aqui se têm referido as necessidades mais prementes da grei, integrando-as nos planos das realizações que não podem ser desconsideradas.
Todavia, ainda nesta Câmara não se tinha tratado com o merecido desenvolvimento dos grandes e muitos problemas da velhice.
Essa falta resgatou-a agora o Sr. Deputado Agostinho Cardoso, ao efectivar, com a nobreza que bem caracteriza a sua alma de apóstolo, este aviso prévio em que deixou estereotipadas com a maior clareza as grandes necessidades da imensa legião daqueles cujo amadurecimento na vida os coloca à margem dos valores humanos em que pouco atentam as gerações da gente nova, não obstante o acervo dos problemas que a terceira idade suscita merecer efectivamente uma reflexão muito especial de todos nós.
Bem sintetizou esses problemas o Sr. Deputado autor do aviso prévio nas justas e compreensivas palavras em que, ao traçar os esquemas do seu magnífico trabalho, afirma que é necessário consciencializar o País acerca da problemática da velhice, pois, segundo afirmou, «há que fazê-la viver com paz, segurança e dignidade, que são a antítese da esmola proteccionista; fazê-la viver longe dos seus grandes inimigos - a solidão, a inactividade, a dependência económica e a miséria».
Nestes passos da sua brilhante oração se consubstancia, na verdade, um grande programa que é imperioso cumprir para que aos velhos seja respeitada a gama dos seus irrecusáveis direitos.
Aplaudo sem reservas esse programa, cujo alto interesse se me não afigura necessário encarecer.
Dentro dos seus largos horizontes já aqui se proferiram valiosos depoimentos, que são seguro índice da verdadeira compreensão que os seus autores possuem dos problemas versados.
Acompanho inteiramente as proposições apresentadas, pois não desconheço que todas elas e tudo quanto se possa fazer e na verdade se faça além delas mais não é do que a prática dos mandamentos da caridade cristã.
E, ao contemplar o panorama actual da nossa política de socorro à velhice, ocorre-me, Sr. Presidente, aquela velha lenda que tantas vezes ouvi narrar na minha já distante meninice, quando, nas noites em que o vento álgido da invernia punha gritos alucinados na chaminé da lareira, nos aquecíamos ao braseiro.
Lamentando a situação dos que não podiam reconfortar-se com os calores do lenho incandescente e sofriam as inclemências do frio nos seus tugúrios, contava-se então que entre os povos de certa terra muito longínqua havia o costume de os filhos levarem para a montanha bravia os pais já velhinhos que se lhes tornavam pesados, para ali acabarem os seus dias.
Lá os deixavam à mercê de Deus e das feras, condenados aos horrores da fome e do frio, porque a cerimónia do despejo se efectuava sempre no pino do Inverno.
Acrescentava então a narrativa que, um dia, também um poderoso senhor dessa terra de gente cruel se resolveu a levar à montanha o próprio pai, que, não obstante ter sido igualmente poderoso, fora gravemente injuriado por natural decrepitude.
Todavia, movido por alguma piedade, o filho, ao despedir-se do pai que abandonava, deixou-lhe nas mãos uma manta para lhe servir de resguardo.
Agradeceu o pai essa magnanimidade, tão pouco praticada para com aqueles que a idade transformara em seres inúteis destinados à montanha, e, partindo ao meio a manta, entregou ao filho uma metade, pedindo-lhe que a guardasse para se agasalhar quando, mais tarde, o seu
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descendente também o viesse trazer àquele local de desgraça, pois bem podia acontecer que esse descendente não fosse tão magnânimo!
Impressionado e chocado com a lição dessa desusada solidariedade, o poderoso senhor reviu a sua atitude e reconduziu ao lar o seu velho pai, tendo abolido de pronto o hediondo costume.
Dessa velha história, que se ouvia sempre com o mais vivo recolhimento e a mais sentida emoção, se tirava, no final, o ensinamento de que era dever imperioso respeitar a velhice e não fazer aos outros o que não gostaríamos que a nós próprios fosse feito.
Gravou-se-me profundamente na alma essa lição comovente, que me recorda o conceito de que tudo quanto fizermos por aqueles que já atingiram na vida os estádios da terceira idade o poderemos estar a fazer por nós próprios.
A meditação bem amadurecida desta tão conceituosa verdade fará ter na devida conta, certamente, os problemas dos velhos, em que pouco atentam aqueles que se sentem ainda na pujança da vida.
Ao despertar as consciências mais ou menos acomodadas ao condicionalismo morno do presente, o Sr. Deputado Agostinho Cardoso e os outros Srs. Deputados que me antecederam nesta tribuna, secundando-o, prestaram um dos mais relevantes serviços aos nobres primados da caridade cristã e da justiça social que ela suscita.
Por natural vocação, sempre me tenho encontrado ao lado dos humildes.
Assim, tem-me sido dado perscrutar até que ponto de uma escala de valores sobe, muitas vezes, o conjunto das suas inibições e dos seus sofrimentos grandemente aumentados quando se trata de velhice desamparada.
Criaturas de Deus, os que formam a grande legião dessa infeliz classe são efectivamente ainda mais sacrificados do que as aves do céu ou as raposas do monte, na sugestiva figura do dramático apelo do Sr. Deputado Nunes Barata!
Na verdade, enquanto os braços tiveram poder para surribar a leira ou para arrancarem à terra o provento alheio de que se extraía a própria manutenção, sempre esta se foi adquirindo, melhor ou pior, mas sem as grandes inclemências e minguas da falta de rendimento. Todavia, quando os braços penderam inertes e cansados e deixaram de ser alavancas de trabalho, então essas grandes minguas tornaram-se no pão negro de cada dia, amassado com o sal do pranto que o isolamento mais aumentou.
Cessada no fim da vida a possibilidade de, pelo trabalho, se angariarem os meios de subsistência mesmo modesta ou até modestíssima, só os que podem contar com os auxílios de uma reforma têm alguma garantia de não perecerem à fome.
Ora, nem todos os portugueses que dedicaram a sua vida à criação da riqueza da Nação têm a garantia, mesmo precária, de uma reforma, pois raros são os da classe média que a possuem e os trabalhadores rurais ainda a não têm.
Por outro lado, no seu actual condicionalismo, essa reforma, porque tem apenas a duração da vida efémera dos que a ganharam e a possuem, também não dá as garantias de segurança social que se tornavam necessárias.
Daqui que os espectros da incerteza e da carência acompanhem de perto e dominem inteiramente o último quartel da vida dos idosos mais humildes.
Desprovidos de rendimentos, resta a muitos dos que atingiram a terceira idade, em qualquer dos sectores da vida nacional, o recurso à assistência pública ou à misericórdia da caridade privada. É que os que nunca foram mendigos, e não têm, por isso, a psicologia de esmolar, só por essas fórmulas de socorro conseguirão evadir-se à tragédia de perecerem à míngua.
Se recorrem à assistência pública, terão certamente abertas as portas de um asilo, como igualmente se abriram para muitos dos seus irmãos de infortúnio. Todavia, o ingresso nessas instituições tem um preço bastante elevado, que não se torna muito fácil pagar pelos necessitados.
Havidos normalmente mais como depósitos das inutilidades humanas que é imperioso arrumar do que como lares destinados às necessidades das criaturas no fim da vida que os procuram, aos asilos falta o toque humano e compreensivo de que tanto carecem os que têm necessidade de neles se albergarem. Por isso, ali se arrumam os sexos separados e se submetem os seus frequentadores a disciplina quase castrense, que, no fim da vida, não parece muito tolerável.
Depois, os asilados ficam completamente fora do ambiente em que se personalizaram e que constituiu, afinal, aquele que melhor servia as suas tendências e costumes.
Ao cabo e ao resto, o asilo, na sua actual condição e funcionamento, é - como bem o define o Sr. Deputado Agostinho Cardoso - um elemento terrível de segregação social.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E segrega o indivíduo não só do meio, como disse, mas, o que é muitíssimo pior, da própria família, produzindo não raramente a separação de cônjuges, que tinham o irrecusável direito de, no fim da vida, encontrarem o afecto e o carinho que se lhes denega drasticamente sob a hipócrita afirmação de lhes prestar socorro.
Este sistema, tão vulgarizado, de separar sem rebuço os cônjuges velhinhos representa uma das mais graves e mais trágicas invenções da nossa era. Atentou nele o Sr. Deputado Agostinho Cardoso, que muito justamente proclama «que a luta contra o asilo de velhos onde se separa o marido da mulher tem de inscrever-se no primeiro plano das reivindicações sociais do nosso tempo».
Pode ser, e no geral é, uma crueldade inqualificável quebrar abruptamente os laços de afecto, de compreensão e de entreajuda que a longa duração de um matrimónio fez nascer e cimentou para saldar a falta de recursos de um lar. Mas a indiferença do. actual sistema perante tal barbaridade, além de chocante, representa um grande pecado contra a essência do próprio matrimónio. Impõe-se, por isso, e com a maior celeridade, banir dos nossos processos assistenciais semelhante procedimento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No meu pequeno concelho de Vila Nova de Poiares criou a Irmandade de Nossa Senhora das Necessidades, que é a entidade que, havida como Misericórdia, tem especialmente a seu cargo os esquemas de socorro aos necessitados, uma obra a todos os títulos meritória, que me parece oportuno evidenciar pelo que representa de progresso para uma condigna solução de apropriado socorro dos casais de velhos que se incapacitaram e não têm recursos para a sua manutenção.
Possuindo essa Irmandade um hospital onde congrega a sua obra assistencial, anexou-lhe algumas casas que,
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com a comparticipação do Estado, construiu e que destina a lares pira os trabalhadores rurais incapacitados, pela idade e pela doença, de proverem ao seu próprio sustento ou de continuarem no seu primitivo lar.
Segundo o esquema dessa fórmula assistencial, cada casa destina-se a um casal, que ali tem vida independente, recebendo ou a alimentação já confeccionada, ou podendo confeccioná-la em modesta mas limpa cozinha da própria habitação, com géneros que lhe serão diariamente fornecidos.
Sei que aos casais que venham habitar essas casas está assegurado um rendimento que supra MS necessidades essenciais, rendimento esse que não será dado como esmola, mas como remuneração de tarefas levíssimas que o casal poderá facilmente desempenhar e que lhe servirá também de entretenimento para os ócios da vida desocupada.
Tenho para mim que este esquema poderia ser seguido, dado o saliente conjunto de reais benefícios que pode produzir, quando posto a funcionar dentro de ajustado espírito de compreensão.
As casas independentes talvez pudessem ser substituídas por casas de maior dimensão, contendo apartamentos individuais a ocupar por cada casal, a quem permitissem vida independente, construindo-se um centro comum de recreio ou de convivência.
Para uma obra desta envergadura ficar em satisfatórias condições de funcionamento seria ainda necessário prever a colocação do cônjuge sobrevivo, a quem o lar deixou de ser necessário, como o era enquanto durou o matrimónio.
São problemas de transcendente importância, que deverão ser convenientemente estudados, não apenas à luz das necessidades mecânicas de arrumar seres humanos; velhos e decrépitos, de nula rentabilidade económica, mas de reconhecer a irmãos nossos os direitos inerentes à sua personalidade, direitos que têm um conteúdo e um alcance em tudo semelhantes aos nossos» próprios direitos.
Por isso, Sr. Presidente, muito ajustada me parece a sugestão do Sr. Deputado Agostinho Cardoso para que seja urgentemente criada e imediatamente instalada uma comissão de estudos dos problemas da velhice, devidamente estruturada para- poder fazer obra útil em ritmo acelerada, como tanto o exigem as graves necessidades da legião dos portugueses que atingiram a terceira idade e se encontram despojados de protecção. O Sr. Deputado avisante teve o cuidado de seriar um conjunto de directrizes que devem formar o sumário das preocupações dessa comissão e que merecem o mais completo acordo e incondicional apoio.
Os velhos tom direitos que os novos, enquanto ainda o são, não lhes podem recusar. Como muito se aduz no aviso prévio, «há que enquadrar a pessoa idosa tanto quanto possível na família e em lar familiar, mediante uma política habitacional que estimule a sua presença ali».
Ora esta política conduz necessariamente u uma reforma completa e total do actual regime de asilamento e implica a modificação dos estabelecimentos que se instituíram e criaram pensando mais nas conveniências da sociedade instituidora do que propriamente nas comodidades e direitos daqueles a que os mesmos se destinaram.
Mas há também que fomentar e incentivar as instituições privadas que se dedicam ao socorro à velhice, onde se vem cultivando bem mais compreensivelmente do que nas instituições públicas ou oficiais o verdadeiro espírito de caridade que deve influenciar toda a obra de socorro ao nosso irmão carecido. Esse espírito domina inteiramente as proposições e conclusões do aviso prévio do Sr. Deputado Agostinho Cardoso, como tem dominado as intervenções que, no seu âmbito, aqui foram produzidas; isso valoriza extraordinariamente esses magníficos trabalhos.
Eu bem sei, Sr. Presidente, que não trago ideias novas a tais proposições e, desta sorte, pouco merecimento terá o meu trabalho. Todavia, com ele, quero também reforçar as ideias que ouvi apresentar nesta tribuna e que tenho por mandamentos dos mais válidos de qualquer política de socorro à velhice.
E não ponho fim à minha singela alegação sem novamente me referir ao sistema ou regime oficial das reformas atribuídas à classe do funcionalismo de proventos mais modestos.
Como é do geral conhecimento, para vencer pensão de reforma o funcionário tem de servir um dilatado quartel da sua vida e, quando a recebe, essa pensão passa a constituir, no geral, o único rendimento de que a família dispõe para a sua manutenção, pois, em regra, o funcionário nada mais conseguiu amealhar durante a sua laboriosa vida do que esse direito.
Assim sendo, a manutenção do agregado familiar de um funcionário desta classe fica inteiramente dependente dessa reforma.
Ora, esse rendimento termina quando ocorre o falecimento do reformado. Então a família, geralmente constituída por gente idosa e não raras vezes doente, fica absolutamente desprovida de meios de subsistência e por isso colocada na mais negra das misérias.
É que, atenta a sua estirpe ..., nem sequer tem acesso à assistência oficial. Semelhante a esta situação é a das famílias cujos chefes falecem antes de alcançarem a reforma de funcionários.
São casos de afrontosa injustiça que não podem continuar desconhecidos de uma política social que se queira impor pela justiça dos seus primados.
Eu não posso calcular até que ponto a prometida e ansiosamente esperada Reforma Administrativa venha a considerar casos deste teor e tantos outros que chocam profundamente a nossa sensibilidade, ou até se os considerará. Mas sei, Sr. Presidente, que todos eles merecem estudo e meditação, porque o estado de pobreza envergonhada a que a maioria deles conduz não pode deixar de pesar sinistramente nas consciências dos que, tendo por missão evitá-los, os não evitam razoavelmente.
Recordo-me, Sr. Presidente, da história que narrei no princípio deste trabalho e não posso afastar da mente a ideia de que, agora como nesses tempos, intentamos mais segregar os velhos do nosso convívio do que tratados como criaturas humanas que Deus criou à Sua imagem e semelhança.
No aviso prévio que está em discussão apela-se vigorosamente para o estabelecimento de novos rumos na política de socorro à velhice.
Aqui deixo o meu voto para que esses apelos sejam ouvidos e Portugal, como nação baluarte da civilização cristã, venha a estabelecer e cimente uma política por tal forma justa e compreensiva que dê ao mundo mais um nobre exemplo de verdadeira solidariedade humana, de que ele tanto carece!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador fui muito cumprimentado.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: Curtas palavras as minhas, destinadas a focar aspectos da nossa
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legislação vigente quanto ao problema da assistência à velhice. Isto porque me parece não terem sido suficientemente integrados na instrução desse problema que se vem processando nesta tribuna sobre o aviso prévio do ilustre Sr. Deputado Agostinho Cardoso.
Vêm sendo focados, aliás com larga competência o sabedoria, sobretudo aspectos de ordem sociológica, médica, moral, de assistência, previdência; que sei eu?
Tudo está muito bem como condições à formulação e planificação de uma política da velhice, que o douto avisante sugere constitua objecto do labor construtivo de uma comissão de estudos dos problemas da velhice, a instituir pelo Governo.
Mas a esse estudo não pode escapar aquilo que. já sobre a matéria constitui lei vigente, quite de se aperfeiçoar, jurídica e administrativamente, e coordenar com futuras providências de natureza pública ou quase pública a instituir.
Quero referir-me em particular à matéria designada na doutrina civilista por «alimentos» e que constitui o objecto do título V do livro IV - «Direitos de família» - do vigente Código Civil (artigos 2003.º e seguintes).
No Código de Seabra, a obrigação de alimentos achava-se especificadamente consignada na secção do capítulo atinente ao poder paternal (artigos -171.º e seguintes).
A matéria legislada transitou de um para outro diploma, quanto ao essencial, na mesma sendo no entanto de louvar o aperfeiçoamento que &e nota no Código vigente quanto à sua localização e sistemático, corrigindo-se os vícios de dispersão do anterior.
Assenta o assim legislado ainda no princípio de que, regra geral, tal matéria se integre na dominante do instituto da família, ao fogo do amor que os respectivos membros devem alimentar-se reciprocamente: o «amarás teu pai e tua mãe» do catecismo.
Em face das realidades presentes já, contudo, ensinava advertidamente a propósito o Prof. Vaz Serra no seu estudo sobre a «Obrigação de alimentos», publicado como preparatório do Código vigente no n.º 108 (Julho de 1961) do Boletim do Ministério da Justiça, a p. 20, nota que:
A obrigação alimentar não tem actualmente a importância prática que possuía antes, porque o Estado (através da segurança ou previdência social e da generalização do regime de aposentações), a diminuição de muitas fortunas particulares e a dispersão das famílias têm-lhe tirado grande parte dessa importância.
Esta observação, se condiciona, não obsta aos princípios definidos nas citadas disposições legais e apenas impõe que os aspectos sociais novos do problema SB venham a edificar partindo da raiz válida do amor da família, ou no da sua aproximação pela caridade cristã, sem o que as suas supostas soluções não corresponderão senão a paraísos artificiais, porventura lindíssimos por fora, mas mirrados por dentro.
Nas citadas disposições do Código Civil define-se logo, no artigo 2003.º, entender-se por «alimento tudo que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário». No artigo 2004.º se estatui que na sua fixação - que quando não por acordo é definida pelo juiz - se atenderá «aos meios de quem houver de prestá-los e às necessidades do quem houver de recebê-los. Pelos artigos 2009.º e 2020.º se prescreve a obrigação de alimentos dos descendentes em favor dos respectivos ascendentes.
Estes preceitos eram os tradicionais do nosso direito, como ver se pode nas Instituições, de Coelho da Rocha, §§ 318 e seguintes - segundo haviam sido definidos pelo Assento de 9 de Abril de 1772.
Como o mesmo autor salienta, «a obrigação de alimentos ordinariamente anda anexa ao direito de sucessão legítima». E isto ainda residualmente o sugere tanto o n.º 2.º do artigo 2009.º do Código vigente como o artigo 177." do de Seabra. E a sua natureza de um direito, como que originário, se traduz em não poder ser objecto de renúncia, nem de pactos sucessórios (artigo 2008.º).
Inculca o douto Sr. Deputado avisante na alínea c) do seu discurso entre os estudos a fazer precisamente o da possibilidade de uma legislação a favor dos descendentes. As linhas gerais dessa reforma seriam precisamente as promulgadas já, segundo oremos, através das citadas disposições do Código Civil.
Em abono do avisante, neste ponto há que reconhecer não dever causar surpresa, passe esta legislação despercebida dos que não sejam técnicos de direito pelo que respeita aos descendentes, isto é, aos velhos, tão corrente tem sido a prática do seu desuso.
Assim, devemos ter como assente que esta matéria de protecção à velhice não pode deixar de basear-se nos citados princípios do Código, embora ampliados, completados e tornados mais actuais e eficazes contra a maré de agressão à estabilidade da família a que, com ansiedade, assistimos.
A efectivação das respectivas obrigações tem de realizar-se normalmente hoje, pelo recurso aos meios de processo ordinário, tão moroso quão dispendioso. E o que é paradoxalmente curioso é que esses meios só se vêem abreviados quando se trata, não de defender a família, mas de prover, aquando da dissolução desta pelo desquite de qualquer índole, à subsistência dos desquitados.
Tanto basta para dever encarar-se uma reforma processual em que essas dificuldades sejam reduzidas, prevendo-se processo especial simplificado para o efeito, que por agora só existe na fase executiva das respectivas pensões (artigo 1118.º do Código de Processo Civil).
Atendendo ainda a que tal processo é de natureza predominantemente administrativa sobre a contenciosa, não se deveria de preferência desenrolar, quando possível, nas estancias tutelares de menores, para o efeito alargadas?
Não tende a velhice para uma segunda infância?
Por outro lado, em apoio quanto a alimentos aos provectos descendentes, ou outros, não seriam de encarar medidas coactivas penais análogas às previstas pela Lei n.º 2053, de 22 de Marco de 1952, a favor dos menores quanto a alimentos?
O benefício desta lei, em boa hora inspirada no projecto do nosso ilustre colega Sr. Paulo Cancella de Abreu, tudo parece aconselhar a que se possa estender aos alimentos relativos aos descendentes.
A súmula das considerações que acabamos de fazer parece deverão ser tidas em conta ao redigir-se a moção dirigida ao Governo, a ser votada como fecho deste diálogo monologado em série.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: Estas as razões que me levaram a quebrar o propósito de não intervir em assuntos atinentes ao que poderia considerar-se como em causa própria. E aqui deixo, intervindo no debate, esta pequena achega para a solução integrada, como o douto avisante
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propõe, nos problemas levantados por tão reconfortante aviso prévio.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador fui muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã, haverá sessão à hora regimental tendo por ordem do dia o encerramento do debate do aviso prévio que tem estada em discussão.
Está encerra a sessão.
Eram 19 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
António Calapez Gomes Garcia.
António José Braz Regueiro.
António Magro Borges de Araújo.
D. Custódia Lopes.
Francisco António da Silva.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
José Dias de Araújo Correia.
José Maria de Castro Salazar.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Henriques Nazaré.
Rafael Valadão dos Santos.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Pacheco Jorge.
Álvaro Santa Rita Vaz.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Calheiros Lopes.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando de Matos.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
O REDACTOR - Januário Pinto.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA