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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 185
ANO DE 1969 1 DE MARÇO
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 185 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 26 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. José Soares da Fonseca
Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Nota. - Foi publicado o 2.º suplemento ao Diário das Sessões n.º 16o, que insere o parecer da Câmara Corporativa n.º 181IX (projecto de proposta de lei n.º 7/IX) acerca do estabelecimento de normas tendentes a imprimir maior celeridade à justiça penal.
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
Foram entregues a vários Srs. Deputados elementos por eles requeridos em sessões anteriores a diversos departamentos governamentais.
O Sr. Deputado Duarte do Amaral fez considerações sobre obras a realizar no porto da Póvoa de Varzim.
O Sr. Deputado Amaral Neto referiu-se à anunciada revisão do regime jurídico do contrato individual de trabalho, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 47 032.
O Sr. Deputado Nunes de Oliveira falou sobre vários problemas de turismo no Norte do País.
O Sr. Presidente anunciou ter recebido da Presidência do Conselho uma proposta de lei, emanada do Ministério da Justiça, acerca do processo a observar nas expropriações muito urgentes. Dada a urgência desta proposta de lei, a Assembleia fixou um prazo até 15 de Março para a Câmara Corporativa emitir o seu parecer.
Ordem do dia. - Iniciou-se o debate sobre a Conta. Geral do Estado e as contas da Junta do Crédito Público de 1967.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Virgílio Cruz, Sebastião Alves e Satúrio Pires.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguinte» Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Calapez Gomes Garcia.
António Magro Borges de Araújo.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
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Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco José Cortes Simões.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Horácio Brás da Silva.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Coelho Jordão.
José Fernandes Nunes Barata.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José Pais Ribeiro.
José Rocha Calhorda.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Taruco de Almeida.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul Satúrio Pires.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente:- Estão presentes 64 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 45 minutos.
Artes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama dos directores dos estabelecimentos de ensino particular do distrito de Portalegre sobre problemas desses estabelecimentos relativos aos encargos com a previdência.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa elementos fornecidos pelo Ministério da Economia em satisfação do requerimento apresentado pela Sr.ª Deputada D. Maria de Lourdes Albuquerque na sessão de 4 do corrente.
Estão também na Mesa elementos fornecidos pelo Ministério das Obras Públicas em satisfação, do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Augusto Simões na sessão de 3 de Março de 1967.
Estão também na Mesa elementos fornecidos pelo Ministério da Saúde e Assistência em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Cutileiro Ferreira na sessão de 5 do corrente.
Igualmente está na Mesa uma fotocópia do ofício enviado pelo Ministério do Ultramar à Presidência do Conselho sobre os elementos requeridos pelo Sr. Deputado Castro Salazar na sessão de 20 de Janeiro de 1967.
Estão ainda na Mesa elementos fornecidos pelo Ministério da Educação Nacional em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Dias das Neves na sessão de 8 de Março do ano findo.
Estão também na Mesa elementos fornecidos pela Secretaria de Estado do Comércio em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Amaral Neto na sessão de 16 de Janeiro último.
Estão igualmente na Mesa elementos fornecidos pelo Ministério da Educação Nacional em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Cutileiro Ferreira na sessão de 30 de Janeiro último.
Finalmente, estão na Mesa elementos fornecidos pela Secretaria de Estado da Agricultura em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Augusto Simões na sessão de 18 de Fevereiro de 1966.
Todos estes elementos vão ser entregues aos respectivos Srs. Deputados.
Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Duarte do Amaral.
O Sr. Duarte do Amaral: - Sr. Presidente: Em 1960 dirigi nesta Câmara um apelo ao Governo no sentido de não se atrasarem nem os estudos do porto da Póvoa de Varzim, nem as obras, cujo início estava previsto para esse mesmo ano. Esta diligência pública e solene evidenciou-se na permanente acção com que acompanhei desde 1936 um grande entusiasmo de família e amigos na concretização das obras do porto da Póvoa. Foi o pagamento de uma dívida à terra a que, depois da minha, mais quero e o reconhecimento de extraordinária admiração pela sua gente do mar.
Estas e outras diligências, o brio e competência dos serviços e o extraordinário e calmo dinamismo do Sr. Engenheiro Arantes e Oliveira fizeram o milagre de que os Poveiros, com a sua fé intensa, aliás nunca descreram.
Na verdade, tudo se passou como se desejava, e na radiosa manhã de 20 de Junho de 1968 lá assistimos, alegres e comovidos, à inauguração dos novos molhes, à inauguração do porto de abrigo.
A obra assegura perfeitamente a entrada da barra, tristemente célebre pelos grandes naufrágios ali ocorridos, e constitui agora magnífica guarida, tendo-se verificado, ainda nos últimos temporais deste ano, a sua total eficiência. Lá se refugiam as motoras, os gasolineiros e os gasoleiros, em número de cerca de um cento e meio. Que progresso, Sr. Presidente!
Estão, portanto, estabelecidas as condições básicas para a criação do tão desejado porto de pesca da Póvoa de Varzim, pois que num porto, como todos sabemos, têm de fazer-se as operações de carga e descarga das embarcações de pesca e todas as outras operações complementares.
Estão já ali investidos cerca de 90 000 contos e, do ponto de vista económico - que há outros a considerar, como o de protecção de vidas, por exemplo - este invés-
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timento só terá rentabilidade quando o porto estiver completo, com as suas docas e obras acostáveis, terraplenos, armazéns, frigoríficos, instalações dos serviços oficiais e de exploração, lota, arruamentos do porto e de ligação aos meios gerais de viação, etc.
Para isso, porém, é indispensável: melhorar os fundos, com o quebramento e dragagem dos afloramentos rochosos existentes; melhorar as condições de entrada, removendo os enrocamentos provenientes das avarias sofridas pelo molhe durante o seu prolongamento, e construir os cais, docas, terraplenos, armazéns, etc., e montar o equipamento necessário à exploração do porto.
Para melhoramento de fundos e das condições de entrada, li nos jornais ter sido já atribuída a importância de 6000 contos. Diz-se, porém, entre os interessados, que há ajustamento de contas a fazer com o empreiteiro e que essa verba pode ficar reduzida, se forem julgadas procedentes certas reclamações, a cerca de 2000 contos, o que se julga ser insuficiente. Será necessário, se assim for, reforçá-la até à importância necessária, para que as obras, que se diz começam brevemente, comecem mesmo e não venham a parar.
Para construção dos cais e outras obras já citadas e necessárias à exploração, está inscrita no Plano de Fomento a verba de 24 000 contos, mas creio que o projecto não está completamente pronto e muito menos aprovado.
Que venho então aqui pedir?
Que as obras de quebramento de rochas e de melhoria das condições de entrada do porto comecem na próxima época de trabalho e que não parem até à sua execução final.
Que se ultime e aprove o projecto da parte ainda por fazer e se comece a construir, aproveitando assim a dotação consignada no Plano de Fomento.
Que se inicie o mais brevemente possível a edificação da lota, que, evidentemente, fará multiplicar o movimento do porto e os impostos do pescado.
Que a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim estude, se ainda o não fez, e execute depois e a tempo o que for necessário e lhe competir para dar satisfação às necessidades deste tão desejado melhoramento.
Tenho a maior confiança em todos os que têm de intervir no estudo e realização destas importantes obras; mas no ilustre Ministro das Obras Públicas a minha confiança, Sr. Presidente, é total.
A construção do porto da Póvoa de Varzim não pode nem vai voltar a parar!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador feri muito cumprimentado.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: A notícia de que está presente à Câmara Corporativa, sob a forma de projecto de decreto-lei, a revisão do regime jurídico do contrato individual de trabalho, estabelecido no Decreto-Lei n.º 47 032, de 27 de Maio de 1966, determina-me a uma breve observação sobre incidências económicas do regime presente, que vejo em risco de persistirem sobre as limitadas alterações projectadas e que, francamente, me surpreende não sejam mais bem atendidas.
Sem dúvida, o Governo não fechou as possibilidades de discussão geral destas tão delicadas questões, e por isto um cumprimento lhe é realmente devido.
Foi em Setembro de 1964, no dia do aniversário do Estatuto do Trabalho Nacional, tornado público o projecto de diploma, que ano e meio depois tomou a forma do decreto agora em revisão, e logo declarado que era assim oferecido para dar aos interessados tempo para eles próprios corresponderem com os seus reparos e sugestões de melhoria ao esforço de elaboração já desenvolvido nas esferas superiores da vida administrativa. Esforço que, convém lembrá-lo, começou a manifestar-se no envio à Câmara Corporativa, com data de 23 de Setembro de 1960, do projecto de proposta de lei n.º 517; a este respondeu o alto organismo com o parecer dado a lume na acta datada de 15 de Novembro do ano imediato, aliás substancial revisão do projecto original; e o segundo projecto do Governo, o de 1964, decreto-lei em 1966, confessa-se devedor dos dois articulados.
Parece-me, porém, de boa justiça reconhecer que um e outro desses articulados primitivos seriam mais comedidos e prudentes nos preceitos, por se conterem em generalidades de princípios cuja pormenorização preferiam deixar, provavelmente bem, à maior flexibilidade das convenções . colectivas, das portarias específicas e das regulamentações de conjuntura.
Seja como for, considerando esses primeiros articulados e muita elaboração posterior de peritos em assuntos sociais e corporativos, veio finalmente o texto apresentado em 1964, lei - decreto-lei, para ser exacto - em 1966 e ora em nova revisão na mesma figura de decreto-lei, que não deixa à nossa Assembleia mais voz do que a de intervenções avulsas, como esta que hoje me traz.
E assim, por limitado que seja, como é, o meu objecto, e no concreto formalmente muito modesto, o primeiro sentimento que me toma é o da delicadeza de intervir em matéria tão complexa e melindrosa e já tão trabalhada por especialistas, parcial que possa dizer-se a sua especialização.
Tenho a plena noção de que mesmo o pouco, em substância, que venho dizer, com o embaraço de estar a agarrar uma última oportunidade, se arrisca a ser mal aceite, quer pelos que me considerem mero atirador furtivo em terreno da sua competência, quer pelos que me figurem em trabalho de sapa, a querer minar regalias duramente conquistadas. Mesmo pequenino como vou mostrar-me nas discordâncias, estou preparado para que me valham desde refutações enfadadas a vitupérios apaixonados, mas, sem embargo, creio do meu dever apresentar reparos que são honestamente intencionados e sómente inspirados pela convicção de- dever lembrar algumas realidades importantes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nas reivindicações dos trabalhadores ressuma ainda tanto o destilado de uma eternidade de opressões e arbitrariedades, nos conceitos dos que lhes querem assegurar a justa consideração pesam ainda de tal modo decénios de argumentação tenaz, que mesmo hoje em dia, por clarificados que pareçam os problemas, tocar-lhes é ainda correr o risco de ferir sensibilidades, mais do que convidar razões.
Não obstante, tenho de dizer a minha convicção de que importa rever o regime jurídico do contrato de trabalho, introduzindo-lhe o conceito, que lhe falta, de defender também o rendimento do. trabalho, a par e sem prejuízo dos direitos do trabalhador.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Permitir-me-ei lembrar que já na sessão parlamentar de 5 de Dezembro de 1967, aquando do debate sobre o actual Plano de Fomento, chamei a atenção para esta falta; e peço a recordação tanto para comprovar que não são ideias novas em mim estas de hoje como para
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remeter para as palavras desse momento quem porventura me ache sucinto agora.
Defendi então a importância de fazer dar ao trabalho a primeira das suas dignidades, que chamei a da utilidade - utilidade do trabalho para a valorização do trabalhador, utilidade do trabalho para o rendimento da produção.
Observei que o trabalhador que não faz melhorar o rendimento do E eu trabalho se engana a si mesmo, pois se priva de participar em maior acervo de bens, quando julga estar somente a enganar o patrão.
E acabei por exprimir o juízo de que as nossas autoridades do trabalho demasiadas vezes procedem como se entendessem que a maneira por que lhes cabe defender o trabalhado: é ... livrá-lo de trabalhar, em vez de se dedicarem a 3ncaminhá-lo para a produtividade e para a melhoria da sua condição por esta via, a única segura e duradoura.
Vejo na legislação agora de novo em causa, primeiramente, a obsessão do conflito; em segundo lugar, a da garantia da estabilidade e dos descansos do trabalhador; em nenhuma pane o propósito de encaminhar o trabalho para a maior produtividade.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Numa conjuntura como temos vivido, de emprego praticamente garantido, esta última parece-me grave falha, o conveniente será entrar a saná-la na oportunidade que ora se depara.
Presumo poder dizer que os três objectivos fundamentais a assegurar por uma política do trabalho e pela sua permeação nos costumes serão os da dignificação social, da libertação das durezas evitáveis e da compensação material dos trabalhadores.
Em bom caminho as duas primeiras satisfações; a última é a que mais activamente é exigida, e a reivindicação dela visa todas as formas conducentes ao maior bem-estar: habitação, amparo na doença e na velhice, educação e, sobretudo, mais altos salários.
Ninguém as recusa, mas é necessário sustentá-las.
O Sr. Presidente do Conselho ainda há dias o lembrou:
Para que todos os portugueses possam ter melhores condições de vida é preciso que a Nação seja rica, produzindo mais bens. Só se reparte o que há. E não se pense que bastaria dividir igualmente aquilo que neste momento existe para se passar a viver melhor.
Só se reparte o que há !
Trabalhar menos e consumir mais, ganhar muito produzindo pouco, alcançar maior remuneração sem acrescentar, pela pessoa remunerada, a criação de valores, é, obviamente, impossível; seria outra quadratura do círculo, seria outro moto contínuo, movimento prosseguido sem insuflação de energias, que poderão tentar sonhadores, apenas sob a condição de se esquecerem das realidades, mas jamais materializar-se.
Contudo, e sonho é persistente. Veja-se só essa aspiração que agora renasce, a do pagamento dos dias de descanso; como alguém ingenuamente a pôs, o descanso por conta da empresa.
E o conceito do dia feriado pago, já incrustado na legislação e na pratica das negociações colectivas; é o conceito novo da retribuição abrangendo o dia do descanso semanal, que aparece como n.º 4 do artigo 54.º na revisão do Decreto-lei n.º 47 032; é a aspiração, que se generaliza, do ganho ao mês, num mundo em que os mais adiantados países estendem a todos os vencimentos a liquidação semanal.
Quem pode pensar que a produção, que a empresa, paguem mais ou outra coisa senão o trabalho realmente aplicado ao fim produtivo? Trinta dias a 80$ ou vinte e quatro dias a 100$ serão a mesma soma dentro do mesmo lapso de tempo, dêem-lhe o nome que lhe derem, e será ilusão vã, e psicologicamente perniciosa, entendê-la de outro modo. Creio que a lei não a deveria patrocinar.
É facto já comprovado que o rendimento do trabalho em Portugal é baixo. Será do clima, será da tradição, será do quadro geográfico, será da educação; mas é. Da índole do povo não será, porque em meios estranhos os Portugueses se revelam afincados e dedicados trabalhadores; aí está, por isto mesmo, outro tema para a meditação dos legisladores. O certo é que em indústrias nacionais com cooperação técnica estrangeira se certifica com demasiada frequência serem para idênticas operações duplos ou triplos os tempos portugueses de execução.
E é isto um dos factores dos nossos baixos salários, que todos tanto deploramos, demasiado esquecendo donde provêm em parte.
Poderíamos optar pela civilização da sesta, do vagar, da pacatez ... e da pobreza, que, aliás, reaparece no mundo como novidade que não passa de desenfado de fartos; mas, se preferirmos outra, a do desenvolvimento, a de melhor bem-estar para todos, teremos de nos dispor a conquistá-la, e os legisladores do trabalho também.
Concretamente, parece-me principalmente de ponderar a esta luz as disposições tocantes a:
1.º Inamovibilidade dos ineficientes;
2.º Impraticabilidade de despedimentos por melhorias tecnológicas;
3.º Regime do trabalho extraordinário.
De passagem, frisarei quanto podem redundar em inconveniências as novas disposições sobre procedimento disciplinar incluídas na reforma do artigo 31.º A bondade da intenção é transparente; como ela se dissolverá em atritos, em ressentimentos, em discussões da autoridade empresarial, é ponto de conjecturas que proponho aos mais avisados, mas sinceramente lhes lembro não dever ser arredado sem o mais amadurecido exame.
Quanto à inamovibilidade dos ineficientes, ela é impraticável no regime legal previsto, continuação do existente, quer por efeito do extremo aperto das condições de justa causa de despedimento, quer por efeitos dos preceitos sobre mudança de categoria. Alguma coisa deveria prescrever-se para os casos de incompetência profissional ou manifesta quebra do rendimento produtivo, ao menos quando relacionável com a vontade do trabalhador. Não me alongarei aqui; mas são de mais conhecidos os inconvenientes da inamovibilidade de outras espécies de agentes para se poder ignorar o mal de a consignar para tão vasto sector.
cerca dos despedimentos por razões tecnológicas, parece que, se estas são os factores essenciais da maior doçura e da melhor remuneração do trabalho, para alcançar estes últimos objectivos se deve sacrificar àquele motivo algo do peso financeiro que hoje incide sobre os despedimentos sem longo aviso. A hipótese, aliás, está considerada nos casos de reorganização industrial generalizada; é. o fim das disposições do Decreto-Lei n.º 44 506, de 10 de Agosto de 1962, que a revisão não esquece; mas importa prever a sua aplicação aos casos de unidades isoladas, em que a reconversão tecnológica torne redundante parte da força trabalhadora.
Resta o mais claro, o mais simples e talvez o mais imediatamente importante: a possibilidade de adernar o trabalho às emergências da produção, por via do esforço extraordinário.
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O nosso legislador encara este com evidente repugnância: quê, obrigar as pessoas a um pouco mais de trabalho? Só depois de bem ponderado e autorizado expressamente pelo Instituto Nacional do Trabalho e Previdência - é claro, com as necessárias demoras e o mais perfeito desprezo por qualquer urgência.
A este respeito, não me furtarei - não furtarei VV. Ex.ªs- a um exemplo ilustrativo, que colhi, há anos já, numa publicação dedicada a questões sociais, e cito de memória, convicto, todavia, de não o deturpar no essencial.
Certa fábrica do Centro do País tinha pendente a execução de uma encomenda importante - obra de uma centena de contos ou mais - para país longínquo.
Ajustara com o transitário o embarque da peça para o meio de determinada semana, data prevista da passagem do navio utilizável.
De repente, na sexta-feira antecedente, foi avisada de que o navio se apressava, que o embarque teria de ser logo na segunda-feira, ou então só vários meses depois haveria nova oportunidade de transporte.
Na iminência da perda de um contrato importante, ou de pesada multa por atraso, o industrial, que tinha o acabamento preso por muito pouco, chamou dois ou três operários, que de boa vontade se prestaram a umas escassas horas de trabalho no sábado para acabar a remessa.
Ouvir o Instituto Nacional do Trabalho e Previdência? Havia lá tempo!
Mas a fábrica tinha horário reduzido aos sábados; a fiscalização do trabalho, quem sabe se por denúncia de má fé, passou por lá; e os tribunais, sem embargo de reconhecerem quanto tudo se justificava, tiveram de aplicar a lei e, por força desta, pesada multa.
O Sr. Veiga de Macedo: - V. Ex.ma dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Veiga de Macedo: - Estou a ouvir V. Ex.mo com o interesse que sempre ponho em acompanhar as suas valiosas intervenções nesta Câmara.
Acresce que os problemas em apreciação se revestem de real importância e de flagrante actualidade. Não posso pronunciar-me sobre eles neste breve apontamento e não sei mesmo se o deveria fazer, por motivos que não vem ao acaso referir, noutras circunstâncias.
Por isso, só desejo agora esclarecer V. Ex.ª, se mo permite, de que o regime vigente sobre a utilização do trabalho suplementar está fixado e regulamentado de modo realista e equilibrado, ao menos no que toca à possibilidade do as empresas o utilizarem, em casos excepcionais e urgentes, sem necessidade de requererem prévia autorização ao Instituto Nacional do Trabalho e Previdência.
Se a memória me não falha, foi no Decreto-Lei n.º 43 182, de 23 de Setembro de 1960, que se deu nova redacção ao artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 24 402, de 24 de Agosto de 1934, precisamente o preceito legal que regulava a matéria e que carecia de ser actualizado. Pois, da redacção dada a esse artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 24 402, pelo artigo 14.º daquele Decreto-Lei n.º 43 182, ressalta com clareza que, em casos de força maior ou naqueles em que a iminência de prejuízos importantes e excepcionais imponha o aumento de horas de trabalho, podem as entidades patronais prolongá-lo além da hora habitual de encerramento. Mas é preciso, para tanto - prevê-o essa norma, e bem -, que as entidades patronais façam antecipadamente a respectiva anotação no registo de horas de trabalho extraordinário, indicando o motivo do recurso ao serviço suplementar, sob pena de o não poderem invocar mais tarde.
Creio que é este o regime legal ainda em vigor, ao menos na sua essência..
O Orador: - Agradeço muito a informação de V. Ex.ª, pois vem esclarecer a matéria com particular autoridade, e eu, por mim, nada mais aprecio do que ajuda de me corrigirem, se caio em erro.
Só lamento, porém, não ter trazido comigo o texto que estou apreciando, pois creio fácil pedir o crédito do que, tal e qual e só por si, justifica a minha interpretação.
Aliás, comentários que tenho ouvido, e até lido na imprensa de especialização económica, convencem-me de não estar só no entendimento que tirei dos textos à vista.
E acrescentarei que nem posso ficar tranquilizado se a lei complementar visa só os casos de força maior ou da iminência de prejuízos importantes ou excepcionais, pois os critérios de julgamento, também estes, podem não se ajustar às realidades económicas.
Deste modo, registando, embora, o esclarecimento e aceitando, sob esta última reserva, a rectificação, continuarei ainda preocupado.
Como trabalhar em tal regime? Manter o que já é o fardo, por exemplo, de certas empresas agrícolas, pessoal supranumerário à espera das pontas de serviço, ou regular este muito direitinho, para nunca haver surpresas, como parece ser a esperança do legislador (relatório da revisão do Decreto-Lei n.º 47 032, p. 2008, 2.º col., das Actas da Câmara Corporativa)? Que irrealismo!
A prestação de horas extraordinárias é prática corrente da indústria moderna, nos países socialmente mais adiantados, obrigatória mesmo nalguns, por simples ordem das empresas. É apreciada, ouço e leio, como fonte de ganhos suplementares, parece que às vezes até forçada pelos interessados; os nossos emigrantes consta que tiram dela o maior líquido do que para cá mandam às famílias.
Não se concebe que seja contrariada com as delongas de ponderações prévias de burocratas, quiçá displicentes; mas, se querem que seja conhecida, para fiscalização, não bastará que no n.º 2 do artigo 46.º se escreva "sancionado" onde está "autorizado" e se elimine a ocorrência de motivos ponderados como condição? Isto, não se podendo ser tão moderno que se consigne mesmo a sua obrigatoriedade, dentro de limites razoáveis, a simples decisão patronal.
Acabo por aqui, e com um último voto final.
Recentes incidentes na cintura industrial de Lisboa demonstraram a pouca confiança dos operários na organização corporativa do trabalho.
Oxalá tão-pouco os economistas tenham de vir a considerá-la como vivendo em mundo de ilusões.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Nunes de Oliveira: - Sr. Presidente: Na sequência das palavras que encimaram a minha última intervenção sobre os problemas do ensino ao nível do distrito de Braga, vou ocupar-me hoje de um aspecto do maior interesse -o turismo-, não só para o distrito que represento, como para a vasta região onde se enquadra.
O Norte do País, Sr. Presidente, com as suas tradições históricas projectadas nos monumentos e museus, a constituírem motivos de magia e de beleza; com os seus ar-
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quivos e bibliotecas, manancial de riqueza e deleite espiritual; com as suas magníficas praias; com o seu atraente e variado folclore e artesanato; com as suas romarias e festejos tradicionais, revestidos de acentuado ineditismo; com as suas feiras movimentadas e cheias de colorido, onde perduram velhos costumes das nossas gentes; com o panorama deslumbrante das nossas terras, onde se situam alguns santuários do mais elevado significado religioso e até histórico; com a afabilidade e a alegria do seu povo e as suas ementas tipicamente nortenhas; dispõe de atractivos mais do que suficientes para despertar e permitir a estada, mais ou menos prolongada, de turistas nacionais e estrangeiros e proporcionar imagens a perdurarem longamente no espírito de todos aqueles que por lá passarem.
No que respeita propriamente ao distrito de Braga, existem já estudos elaborados pelas entidades responsáveis sobre as suas possibilidades turísticas, estando também a equipa de estudo e promoção de desenvolvimento comunitário do distrito de Braga empenhada nesses estudos, com vista a definir-se proficuamente um palno de desenvolvimento regional. Os trabalhos prosseguem com aquele interesse e entusiasmo que são apanágio dos que se dedicam verdadeiramente ao progresso das suas terras, e a que não tem faltado :t colaboração de quem superintende neste sector à escala nacional.
Desta forma, as minhas considerações surgem de certo modo simplificadas, a exigirem apenas uma chamada de atenção para certos problemas cujas resoluções me parecem inadiáveis, importando colocar em primeiro plano nos motivos de interesse prioritário.
Sem me prender demasiado com o ordenamento dos assuntos, pois cada qual tem, como veremos, o seu lugar próprio, sem que uns surjam em detrimento de outros, dada a relevância que qualquer deles atinge na política económico-social da região, decidi orientar as minhas considerações fazendo desde já o comentário relativo às exigências da ligação mais rápida entre as cidades do Porto e Braga. A estrada nacional n.º 14, a servir povoações e vilas, das quais sobressai Vila Nova de Famalicão, cujo progresso comercial e industrial a colocam em plano de grande relevo, encontra-se diariamente submetida a um tráfego que supomos inultrapassável em qualquer outra região. O seu piso irregular salva uma ou outra rectificação relativamente pequena, a sinuosidade do traçado da maior parte do percurso, apresentando-se em alguns pontos excessivamente estreitos, rodeada de casas dispostas junto à faixa de rodagem numa extensão de muitos quilómetros, para lá dos desastres que tem provocado, a muitos mais, infelizmente, dará origem, além de constituir um trajecto, no decorrer da maior parte do dia, a proporcionar excelente prova de perícia. O estudo do novo traçado está, tanto quanto nos foi possível averiguar, concluído, faltando apenas incluí-la num futuro plano de obras. A sua importância é de tal magnitude que se impõe encarar sem demora tão sério problema, pelo que daqui lanço um vibrante apelo ao ilustre Ministro das Obras Públicas, Sr. Engenheiro Rui Sanches, a cujas altas qualidades de inteligência, de visão clara dos problemas e de extraordinário dinamismo eu presto a mais respeitosa homenagem.
Uma vez em Braga, e passando de relance às necessidades mais pi ementes do distrito, de acordo com os objectivos que inspiram esta intervenção, logo ressalta como pólo turístico carecido de desenvolvimento o Geres, estância termal de renome que, apesar de tudo e graças a empreendimentos de iniciativa particular, começa a apresentar-nos instalações hoteleiras que, pelo gosto requintado de que se revestem, aliado a uma sobriedade que encanta, muito vem valorizar um dos pontos de extraordinário interesse da região. A serra constitui um quadro admirável de imponência paisagística que lhe confere condições excepcionais de beleza, para além de oferecer motivos de atracção aos entusiastas do montanhismo e da prática da caça. Os rios e as extensas albufeiras que se situam junto à estância termal permitem desenvolver ainda a pesca, os desportos aquáticos, etc.
Com tão fortes atractivos, parece fora de dúvida que se torna indispensável cuidar das infra-estruturas que permitam, dentro do máximo de rentabilidade, o aproveitamento total da incomparável dádiva com que a natureza nos dotou. Nesse sentido, e em boa hora, iniciou a Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, devidamente apoiada pelas autarquias locais, os estudos necessários para que no mais curto espaço de tempo se possa inaugurar o primeiro parque nacional português, e que se denominará "Parque Nacional do Geres", a abranger regiões serranas junto à fronteira, numa área aproximada de 50 000 ha - na sua quase totalidade formada por terrenos submetidos ao regime florestal -, incluídas nos distritos de Viana, Braga e Vila Real, nas serras de Peneda, Amarela e Geres. A esses estudos se tem devotado com a maior dedicação e entusiasmo um técnico distinto a que me cumpre prestar um sincero agradecimento - o Sr. Engenheiro Silvicultor José Lagrifa Mendes.
Ora, Portugal metropolitano é o único país na Europa que ainda não possui um parque nacional enquadrado dentro das novas concepções internacionais, o que deixará de acontecer com a criação do futuro Parque Nacional do Geres, a cujos estudos não tem faltado a colaboração de vários organismos internacionais, como a União Internacional para a Conservação da Natureza, a Liga para a Protecção da Natureza e o Fundo Internacional para a Vida Selvagem, no louvável intuito da salvaguarda dos espaços territoriais ainda susceptíveis de fornecerem ar puro, água cristalina, vida selvagem na sua integridade, espaços abertos ao traumatizado homem dos nossos tempos.
A conservação da natureza nos seus variados e múltiplos aspectos é incontestavelmente uma necessidade imperiosa, não como idealismo platónico dos cientistas que a esse tipo de investigação se dedicam, mas como meio de persuasão e como valor contemplativo daquilo que vai rareando na fúria destruidora muito em voga nos tempos que decorrem.
O Parque Nacional do Geres abrangerá vários tipos de reservas. Desde aqueles que servirão de refúgio da fauna e albergue da flora mais característica das nossas montanhas, onde o turista só terá acesso a pé ou a cavalo, até às reservas envolventes, digamos assim, com possibilidades para práticas desportivas, inclusive a caça e a pesca, mas obedecendo a certos condicionalismos que serão regulamentados para a salvaguarda das espécies do alto interesse turístico, devidamente assegurados pelas grandes reservas de caça e pesca onde se realizarão periodicamente os repovoamentos indispensáveis.
Mas tudo se processará, segundo as informações de que disponho, de modo a salvaguardar, por um lado, as actividades pastoris tradicionais, que continuarão a exercer-se, embora regulamentadas, como aliás já hoje acontece; e, por outro lado, a permitir que a população serrana, quer enquadrada na área do Parque Nacional, quer a situada nas vizinhanças, possa ter abertas perspectivas materiais a permitirem uma promoção que dificilmente ou até nunca atingiriam.
Ao caçador, ao pescador, ao simples turista, pois, não faltarão habitações serranas onde possam pernoitar e saborear uma ementa tipicamente nortenha, ao mesmo
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tempo que se verificará uma melhor utilização do equipamento hoteleiro instalado na zona do Geres, como meio de suporte da mais alta importância.
Com o Parque Nacional do Geres lucrará, não apenas o turismo de toda a região onde se situa, mas o próprio turismo nacional.
O que tem sido o interesse que despertam tais realizações, que o diga, por exemplo, em Espanha, quem superintende no Parque Nacional de Ordesa e, na Suíça, no Parque Nacional Suíço, cujo número de visitantes é verdadeiramente espectacular.
A direcção do Parque, como tudo aconselha, estará dependente da Direcção-Geral dos Serviços Florestais Aquícolas, ficando ainda a seu cargo a divulgação e a mentalização dos visitantes quanto à forma de comportamento frente às responsabilidades e à preservação inerentes a um parque desta natureza.
E evidente que o Parque Nacional do Geres irá obedecer às concepções internacionais em vigor, e, como elemento fundamental para o seu proficiente funcionamento, necessita de legislação apropriada e de pessoal suficiente para garantir a eficácia dessa mesma legislação.
O projecto de arborização do perímetro do Geres foi aprovado em 1939, e já nessa altura - lá vão decorridos trinta anos! - se reconhecia a necessidade do Parque Nacional. A imprensa a ele se tem referido, e ainda recentemente o jornal O Século deu o maior relevo a um extenso artigo sobre tão grandioso empreendimento.
Importa, pois, que o esforço desenvolvido pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas seja agora coroado do maior êxito, e para isso não faltará, estou disso convencido, a melhor receptividade por parte do Sr. Ministro da Economia, para que muito em breve se corporize este grande anseio de tão vasta região, como fonte de extraordinária riqueza local e nacional.
Ligado ainda às necessidades vitais da região, levanta-se o problema do aeródromo de Braga, o qual dispõe de instalações que, uma vez aproveitadas e melhorados - e suponho que do ponto de vista técnico não existem quaisquer impedimentos -, poderia constituir uma base de apoio e de recurso ao aeródromo das Pedras Rubras. Por o atro lado, Braga possui condições e justifica o estabelecimento de ligações mais rápidas com os grandes centros pela utilização do sistema dos táxis aéreos. Eis um aspecto que deve ser decidido, para não se incorrer em grave injustiça.
Pela sua localização, pelas possibilidades naturais que apresenta e pelo interesse e entusiasmo que a sua existência tem despertado na juventude bracarense pela aviação, mercê de boas dedicações e da efectivação de festivais aéreos vários, bem merece Braga, com o seu aeródromo, uma atenção especial para a concretização de um velho sonho, que, por ser velho, nunca deixou de ser actual, encontrando, até, à medida que o tempo decorre, mais vincada justificação.
Para não tornar longa esta minha intervenção, passarei imediatamente a referir-me a outros aspectos da mais alta importância.
Se no respeitante a possibilidades de alojamento de turistas temos melhorado sensivelmente nos últimos anos, sem atingir, todavia, o nível que será de exigir- e desejam-se, devo acrescentar de passagem, não apenas hotéis de luxo ou de l. ª classe, mas de 2. ª classe -, o certo é que existe uma cidade que quase nada tem - nem um hotel, nem uma estalagem -, e essa cidade é Barcelos. Sendo visitada frequentemente por nacionais e estrangeiros vindos de longes terras, para admirarem os seus monumentos e o seu variado e tão divulgado artesanato, que hoje facilmente se aprecia num bem orientado centro de recolha e venda, instalado na Torre da Porta Nova, para admirarem ainda a sua feira semanal, cartaz inigualável que nos honra, ficam perplexos ante a impossibilidade de aí poderem permanecer uns dias. Dispõe a cidade de uma bela esplanada com um pequeno edifício, denominado "Turismo", sobranceiro ao rio Cávado, e pensa a Câmara Municipal, e bem, que não é possível dilatar por mais tempo a construção no mesmo local de uma estalagem, a suprir uma deficiência que envergonha e se torna deprimente. Para isso, depois de exaustivo estudo, sei ter sido submetido ao director-geral do Turismo, Sr. Engenheiro Álvaro Roquete, um anteprojecto para apreciação. Ora, tanto o ilustre Secretário de Estado, Sr. Dr. César Moreira Baptista, como o director-geral do Turismo, já honraram Barcelos, por mais de uma vez, com a sua sempre bem acolhida presença e conhecem em toda a extensão a verdade das minhas palavras e a justiça que neste momento se reclama por meu intermédio. Estou certo de que para SS. Ex.ªs não são necessárias mais do que estas sucintas palavras, que não deixarão de encontrar o devido eco em quem tem a noção exacta dos problemas e lhes sabe dar a prioridade indispensável quando surgem com tão clara e cruel realidade.
Quanto a empreendimentos que venham a completar em mais larga escala o que a estalagem só por si não resolve, eles surgirão naturalmente pela iniciativa particular, que já começou a despontar, pois Barcelos possui homens com possibilidades económicas e dedicados à terra onde nasceram.
Por sua vez, pelo que me tem sido dado observar, a cidade de Guimarães está carecida de instalações hoteleiras que correspondam às exigências actuais e à altura dos seus pergaminhos e incontestável importância. Julgo que convinha estimular a modernização do que já existe ou fomentar a criação de uma nova unidade que viesse facultar uma estada agradável e cómoda.
O Sr. Duarte do Amaral: -V. Ex.ma dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Duarte do Amaral: - Tenho ouvido com o maior prazer a notável intervenção de V. Ex.ma em prol das terras que ambos representamos. Quanto ao hotel de Guimarães de que fala, devo dizer que cumpre perfeitamente a sua missão, dentro da respectiva categoria, mas não creio que possa transformar-se em unidade que dê satisfação a numerosas pessoas que demandam aquela cidade. De resto, o problema hoteleiro no meu concelho é deveras complexo, visto que há o caso da cidade, com a sua intensa actividade comercial e industrial, com os seus altos valores artísticos e as suas tradições, e o da Penha, que lhe está muito ligado. Há também, e por outro, os problemas de Vizela e das Taipas, magníficas e lindíssimas estâncias termais. Em Vizela, o assunto não está bem resolvido relativamente à sua categoria, mas há, em todo o caso, um hotel bastante aceitável; nas Taipas, o caso carecerá ainda mais de urgente solução. Quanto à cidade de Guimarães e à Penha, o problema poderá pôr-se assim: são precisos um hotel na Penha ou em Guimarães e uma pousada em Guimarães ou na Penha, ou ainda a meio do caminho. Espero, no entanto, dar ainda aqui a minha opinião no próximo mês de Março sobre este e outros problemas que interessam ao meu concelho.
O Orador: - Pois agradeço a V. Ex.ma, Sr. Deputado Duarte do Amaral, as considerações pertinentes que acaba de fazer e que vêm completar de certo modo este aponta-
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mento que entendi não poder omitir. Depois do que V. Ex.ª disse, faço votos para que na realidade, com o conhecimento profundo que tem do problema, nos traga em breve algumas palavras sobre aquilo a que, neste aspecto, Guimarães aspira e de que necessita.
E estou finalmente chegado à zona marítima, onde o distrito é beijado pelo. mar, no progressivo concelho de. Esposende, num conjunto de magníficas praias, rodeadas de densos pinhais, progresso que se vem a processar de maneira a merecer os mais rasgados elogios e onde a iniciativa particular tem demonstrado o que vale a tenacidade e o querer, mesmo quando se enfrentam, por vezes, as maiores contrariedades e dificuldades. Tratando-se de uma zona importantíssima para o turismo da região, Esposende debate-se, entretanto, com problemas que urge solucionar e para a resolução dos quais não falta a acção entusiástica e persistente da sua Câmara Municipal, sem, contudo, encontrar em alguns casos a receptividade que este esforço merece e justifica.
Um dos aspectos, por exemplo, que têm entravado imenso a urbanização de Esposende e de todo o conjunto de esplêndidas praias, desde a Apúlia à sede do concelho, relaciona-se com a posição assumida pelos serviços hidráulicos. Por um lado, impedindo, segundo informações fidedignas que possuo, a abertura de indispensáveis acessos às praias, e por outro, nem sequer procurando definir a delimitação do seu domínio, de acordo com a legislação vigente. Tal situação, além de trazer as maiores perturbações à acção da Câmara Municipal, não as provoca menos relativamente à iniciativa particular, que se vê assim privada de levar por diante arrojados planos que viriam valorizar extraordinariamente esta zona marítima, qual farol a irradiar as maiores benesses a toda a região.
Estive propositadamente em Esposende a apreciar os inconvenientes que advêm das posições assumidas, e por tal motivo não posso deixar de solicitar para o caso a melhor atenção do Sr. Director-Geral dos Serviços Hidráulicos, por quanto, a manter-se a actuação até agora verificada, será altamente lesiva para os interesses e desenvolvimento de uma terra que constitui um recanto magnífico do nosso encantador Minho. E necessário boa compreensão e alma aberta às grandes realizações, numa franca e decidida vontade de entreajuda, para que possamos aproveitar ao máximo tudo aquilo com que a natureza prodigamente nos dotou e que sem rebuço concorra para o engrandecimento do País. Nesta linha de pensamento, aqui leixo expresso o meu apelo e a minha confiança na Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, para que se dissipem questiúnculas e se encarem superiormente os problemas de modo a assistirmos a uma nova e frutuosa realidade no progresso de Esposende.
Do ponto de vista turístico, e no conhecimento exacto das possibilidades, existe uma aspiração, que nos tempos de hoje toma maior acuidade, que se impunha resolver e enfrentar decisivamente: eliminação dos três açudes no rio Cávado, no trajecto de Esposende a Barcelos, tornando-o desta forma navegável e possibilitando excelentes digressões em barcaças apropriadas. Só quem não conhece a beleza das margens de tão remansoso rio, salpicadas de naturais praias fluviais, cheias de policromia e de motivos encantadores, poderá julgar estas palavras uma divagação de puro romantismo. Esta obra, tecnicamente fácil de resolver, seria de um admirável alcance, a ligar o mar a uma cidade cujo repositório histórico e artístico já por mim aqui foi justamente exaltado.
E agora, como breve parêntesis, seja-me permitido chamar a atenção para a imperiosa necessidade que há-de impedir que unto deste maravilhoso rio, onde a prática da pesca adquire o mais alto interesse e pode ser fomentada, se instalem indústrias que pela sua natureza possam contribuir para a poluição das águas e para o aniquilamento de uma zona de turismo que por forma alguma pode ser sacrificada.
Ainda dentro dos aspectos que possam constituir motivo de lazer, e Esposende dispõe de condições óptimas para o efeito, impõe-se a instalação de um campo para prática de golfe, que, cabendo à iniciativa particular - esta não está alheada do problema -, necessita, como é óbvio, do auxílio oficial, do qual se aguarda a melhor compreensão.
Voltando à questão rodoviária, e atendendo ao movimento e importância da estrada nacional Porto-Valença, são na verdade justos os reparos que eu próprio tenho verificado quanto ao trajecto compreendido entre Apúlia e Ofir e da vila de Esposende ao limite com o distrito de Viana do Castelo, que, numa extensão de cerca de 15 km, se apresenta extremamente perigoso, por estreito, sinuoso e de mau piso, a contrastar com os restantes quilómetros da mesma estrada. É uma obra que necessita, sem dúvida, da atenção da Junta Autónoma de Estradas, que, sempre receptiva às causas justas, não deixará por certo de se debruçar sobre tão necessário como urgente problema.
Sr. Presidente: Estou quase no final das minhas considerações de hoje, mas não queria encerrá-las sem mais algumas referências que me parecem oportunas. Uma diz respeito à existência de desdobráveis e cartazes que possam levar a todos os recantos do Mundo o conhecimento do nosso riquíssimo património, qualquer que seja o aspecto em que o encaremos, e cuja iniciativa, dadas as débeis possibilidades económicas das câmaras municipais, já assoberbadas com numerosos encargos que as asfixiam, devia partir da Direcção-Geral do Turismo.
E extremamente desagradável, perante as várias solicitações que surgem a cada passo das agências de viagens, e mesmo de particulares, receberem como resposta estas brevíssimas palavras: "Não há."
Outra referência incide sobre festividades de vária índole anualmente realizadas no Minho e que constituem já um cartaz de projecção internacional. Daí o auxílio e o interesse que têm merecido ao departamento responsável pelos problemas de turismo, pelo que não posso omitir, por essa circunstância, uma palavra de franco louvor e de viva simpatia, mas entendo que seria de acarinhar um pouco mais tais iniciativas, pois algumas delas adquiriram de há muito uma importância e um significado que poderão atingir ainda maior projecção, com reflexos dificilmente ultrapassáveis e que todos bem compreendem.
Estão nesse caso as cerimónias da Semana Santa da cidade de Braga, as festas da Agonia em Viana dos Castelo, das Cruzes em Barcelos, as Gualterianas em Guimarães e as festas São-Joaninas em Braga, todas elas necessitando de auxílio capaz e bem orientado, pois constituem indiscutível motivo de forte atracção.
Sr. Presidente: Pelo que disse e pelo muito mais que havia para dizer, tem este maravilhoso recanto de Portugal atractivos mais do que suficientes para contagiar, reter e prolongar a estada de turistas nacionais e estrangeiros.
Comungando no mesmo pensamento de um artigo publicado há meses no jornal Diário da Manha por um amigo e conterrâneo sobre "Turismo (a sério) - Turisminhos locais", sou de opinião de que os "turisminhos locais", embora com um papel utilíssimo a desempenhar e que ninguém lhes pode negar, só por si, pouco valem, o mesmo não acontecendo já com um "turismo a sério", a nível regional.
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O voto mais ardente que posso neste momento formular é que seja prestada à região a que me sinto profundamente ligado - e aqui desejo associar o Entre Douro e Minho- a mais devotada atenção, procurando-se, sem menosprezo pelas iniciativas locais, promover um turismo perfeitamente sincronizado e orientado.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Já depois de iniciadas as intervenções antes da ordem do dia, recebi da Presidência do Conselho uma proposta de lei, emanada do Ministério da Justiça, acerca do processo a observar nas expropriações muito urgentes. O Governo pede urgência para esta proposta de lei. Independentemente da natureza das matérias dela constantes, é evidente que o prazo limitado para o funcionamento desta sessão legislativa recomenda por si mesmo a urgência. Ora nós vamos iniciar a discussão da Conta Geral do Estado e das contas da Junta do Crédito Público de 1967, que eu disse desejar ver terminada no próximo dia 11 de Março. Seguir-se-á a proposta de lei sobre a previdência rural, o que quer dizer que até ao dia 15 não poderemos ocupar-nos da proposta de lei ora enviada pelo Governo. Por consequência, podemos à vontade fixar à Câmara Corporativa, como prazo para emitir o seu parecer, de hoje até ao dia 15 de Março. Consulto, pois, a Assembleia sobre se concorda com a fixação deste prazo.
Consultada a Assembleia, foi fixado o prazo indicado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vai iniciar-se a discussão da Conta Geral do Estado e das contas da Junta do Crédito Público de 1967.
Tem a palavra o Sr. Deputado Virgílio Cruz.
O Sr. Virgílio Cruz:- Sr. Presidente e Srs. Deputados: Á análise da Conta Geral do Estado de 1967 mostra que, não obstante as dificuldades que foi preciso vencer, esse ano foi mais uma gerência de finanças sãs.
O exercício da gestão pública realizou uma política de equilíbrio global, dentro dos bons princípios, e continuou a obra de ressurgimento nacional. Foi possível conceder meios acrescidos às heróicas forças armadas, intensificar o fomento económico, impulsionar a investigação e o ensino, reanimar da estagnação o mercado de capitais e consolidar a estrutura financeira.
A apreciação da Conta Geral do Estado é muito facilitada, como é já tradição, pelo parecer, sempre claro e rico de conteúdo, do nosso distinto colega Sr. Engenheiro Araújo Correia.
Além de outros méritos, estes pareceres valem pela serenidade e sentido profundamente construtivo das críticas que formulam e dos caminhos que apontam. Ao ilustre relator dirijo desta tribuna uma palavra de merecido apreço.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Em 1967 a actividade produtiva da nossa economia teve um crescimento de 7,3 por cento, e, como no ano anterior a produção nacional tinha acusado uma quebra de expansão, os cálculos para o biénio de 1966-1967 dão uma taxa global de 10,5 por cento.
Pelo exame do ano financeiro, vê-se que na execução orçamental as receitas ordinárias arrecadadas se aproximaram dos 20 milhões de contos (aumento de 17,5 por cento em relação a 1966), as despesas ordinárias cresceram em cerca de 13 por cento e as despesas globais incluídas na Conta Geral do Estado tiveram o forte aumento de 19 por cento.
A análise das principais componentes da despesa pública mostra que a elevada taxa do seu crescimento foi devida, principalmente, ao aumento de 880 000 contos nos investimentos, a terem sido gastos mais 1,42 milhões de contos nos serviços de administração civil, ao acréscimo de 1,83 milhões de contos nos serviços de defesa e de 523 000 contos na dívida pública.
Houve um aumento de despesas, não apenas nos gastos militares, mas em todas as rubricas orçamentais.
A expansão da dívida pública continuou a ser atenuada, mas os encargos da dívida satisfeitos pelo Orçamento Geral do Estado têm crescido apreciavelmente, por virtude, principalmente, do acréscimo das amortizações.
O investimento com fim económico aumentou, tendo o produto dos empréstimos sido totalmente destinado ao desenvolvimento do País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nas despesas públicas continuam a avultar os dispêndios com a defesa nacional, que em 1967 representaram 9,92 milhões de contos; deste total, cerca de 5,75 milhões de contos foram gastos com as forças militares extraordinárias no ultramar.
A vida portuguesa é hoje dominada por dois grandes problemas: a defesa ultramarina em milhares de quilómetros de fronteira e o aumento dos níveis de vida da generalidade dos portugueses. Para os enfrentar com êxito necessitamos de valorizar a nossa gente e de criar riqueza, aumentando o produto nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E a importância do aumento do produto nacional é salientada no parecer sobre as contas, onde o ilustre relator diz:
Supondo que as despesas com a defesa nacional se fixaram em 10 milhões de contos, o que é superior aos consumos actuais, e que o produto nacional se fixava em 150 milhões e 200 milhões de contos, as percentagens das despesas militares no produto nacional bruto estariam dentro de valores razoáveis: no primeiro caso seria de 6,6 por cento, e de 5 por cento no segundo caso, o do produto fixado em 200 milhões de contos, sempre inferiores às de 1961, apesar de terem mais do que dobrado as despesas.
Este é um exemplo da influência do quantitativo do produto nacional na vida da Nação, e da importância política do desenvolvimento dos recursos nacionais há tantos anos preconizado nestes pareceres. E não se diga que as cifras de 150 milhões ou 200 milhões de contos para o produto interno são inatingíveis. A primeira representaria uma capitação de cerca de 16 600$, já atingida pela grande maioria das nações europeias, e a capitação do segundo caso seria da ordem dos 22 000$, que ainda é baixa, se forem consideradas as capitações de grande número de países afins.
O problema da defesa nacional está ligado ao problema económico, até no aspecto estritamente financeiro.
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Quanto às despesas militares, salientarei que o esforço a desenvolver representará uma acção a prolongar pelo tempo que for necessário, até à vitória; isso aconselha a procurar ima integração crescente e uma projecção mais intenso, dos gastos da defesa na economia e no fomento.
No que respeita aos fornecimentos ao Estado, tanto militares como civis, interessa planeá-los para vários anos e entrar decididamente na prática dos contratos de desenvolvimento e abastecimento (development and suppley contracts), que está a ser cada vez mais corrente nos países que querem desenvolver á capacidade de produção interna. Esses contratos implicam o equipamento das empresas para ocorrer à satisfação das encomendas futuras.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por este sistema o Estado elaboraria programas das necessidades a satisfazer ao longo de um certo número de aios, programas que serviriam de base à celebração de contratos entre o sector público e empresas idóneas nacionais para que estas se possam preparar e responder a uma procura futura em condições previamente organizadas e negociadas a nível nacional. Isto, além de dar um apoio firme ao trabalho nacional, traria abaixamento dos custos, visto que as encomendas, quando passadas ano a ano, são sempre mais caras.
Para administrar 2 milhões de contos, a despender em 1968 e 1969. 1 milhão em cada ano, no reequipamento militar extraordinário do Exército e da Aeronáutica, criou o Decreto-Lei n.º 48 368, de 4 de Maio de 1968, várias comissões, sendo a comissão cimeira constituída por representantes das forças armadas e do Ministério das Finanças. Todas elas têm produzido trabalho útil, procurando integrar na produção nacional o máximo das compras referentes a esse reequipamento extraordinário.
É preciso alargar uma actuação deste tipo a outros gastos da defesa e até aos outros departamentos do Estado, planeando para vários anos, de modo a evitar importações que possam ser produzidas em condições satisfatórias pela indústria nacional.
Na medida em que isso se conseguir, menos dinheiro se exporta, novas riquezas se criam e até por essa via arranjaremos fontes de trabalho para muitos portugueses.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: O relatório da Conta Geral do Estado de 1967 reflecte mais uma vez a fragilidade da nossa balança comercial. Embora registe um aumento nas exportações de 2,35 milhões de contos e uma contracção nas importações da ordem de 1 milhão de contos, apresenta, ainda um saldo deficitário global de 10,28 milhões de contos.
Importaram-se 7 milhões de contos de bens de equipamento, 4 milhões de contos de bens de consumo e 5,33 milhões de contos de produtos alimentares.
Neste último agrupamento a importação de bacalhau excedeu os 700 milhares de contos, a de carnes, os 613 milhares, e a de amendoim (óleo e sementes), os 933 milhares de contos.
Continuamos, assim, a perder um volumoso caudal de divisas no nosso comércio externo, o que mostra a necessidade de defender a produção nacional de azeite, a produção nacional das carnes e de outros produtos, protegendo eficazmente a lavoura, a grande, a pequena e a média lavoura, para atenuar o permanente déficit das nossas trocas comerciais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O exame atento do que compramos ao estrangeiro pode apontar caminhos úteis no sentido de substituir por produção nacional várias importações. Há casos em que se importa muito do que pode e deve ser produzido internamente, ou de se importar o que, por ser supérfluo ou sumptuário, deverá ser restringido.
Habituar os Portugueses a comprar e a preferir, sempre que possível, os produtos nacionais é uma necessidade.
O Estado é um grande comprador, e terá de ser o primeiro a dar o bom exemplo preferindo, sempre que possível, os fornecimentos que a indústria nacional possa produzir.
Precisamos de ganhar a batalha do desenvolvimento, e, se todos colaborarmos, ganhá-la-emos com certeza.
Não existe estreita coordenação entre as economias da metrópole e do ultramar, que, em parte, são complementares, e daí resultam prejuízos para as nossas províncias ultramarinas e metropolitanas.
Uma política económica que aproveite melhor as complementaridades existentes criará mais intensas relações económicas entre os diferentes territórios portugueses.
Razão tem o ilustre relator ao chamar a atenção para esta necessidade, dizendo:
A coordenação da economia metropolitana e ultramarina poderia concorrer para a melhoria das economias ultramarina e metropolitana.
O cultivo do amendoim em Moçambique, o desenvolvimento da indústria de gados no Sul de Angola e outras produções poderiam aliviar o grande desnível da balança comercial da metrópole. E já se não fala em outros produtos, como o algodão, o tabaco e mais.
Devemos, pois, comprar no ultramar mais tabaco, mais algodão, mais amendoim, mais carne e outros produtos. Em vez de importar do estrangeiro, devemos passar a produzir e comprar de preferência nas províncias ultramarinas.
Quanto mais a metrópole comprar no ultramar, maior capacidade aquisitiva aí encontrará para os seus produtos. O incremento das trocas comerciais nos dois sentidos criará novas actividades e maior desenvolvimento, assegurando riqueza para as várias parcelas do território português, melhoria dos problemas das transferências e maior povoamento no ultramar.
Para a expansão das exportações nos mercados externos há necessidade de dinamizar e tornar mais vigoroso o nosso comércio exportador e até de conceder benefícios às entidades que realizem com eficácia a prospecção dos mercados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O crédito de apoio às exportações em termos eficientes será também de grande utilidade.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Na nossa balança comercial ocupa lugar de relevo o vinho do Porto, que vem proporcionando em exportações directas cerca de meio milhão de contos por ano, valor a que ainda há a acrescentar o daquele que é levado pelos turistas.
O ano de 1968 fechou com resultados francamente positivos para este nobre produto, que é o rei dos vinhos e o vinho dos reis, tendo a quantidade exportada aumentado 24 por cento em relação ao valor médio da década de 1958-1967 e 10 por cento em relação ao ano anterior.
Os quatro principais mercados externos -França, Reino Unido, Alemanha e Bélgica -, que têm absorvido nos últimos tempos mais de 75 por cento das exportações, e outros mercados acusaram no último ano assinalável ex-
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pansão: 7 por cento na França, 18 por cento no Reino Unido, 25 por cento na Alemanha, 18 por cento na Bélgica, 61 por cento na Irlanda, 20 por cento na Suécia, 32 por cento no Brasil, 33 por cento nos Estados Unidos da América, etc. O volume total das vendas foi da ordem das 69 000 pipas, o que corresponde ao máximo conseguido desde 1940, tendo o valor da comercialização atingido cerca de 650 milhares de contos.
Pelos níveis que atingiram as exportações, pela tendência de recuperação de vários mercados e pelo interesse manifestado por outros, bem poderá dizer-se que no ano de 1968, com uma exportação de 33,15 milhões de litros, constituiu mais um novo marco a assinalar na história económica do vinho do Porto.
Estes resultados favoráveis não devem significar que se tenha alcançado uma meta, nem tão-pouco que se possa descansar, mas antes a posição atingida deverá servir de ponto de partida para uma nova etapa de maior expansão do vinho do Porto nós vários mercados, procurando apontar para os valores já atingidos na década de 1916-1925, onde houve anos com exportação ainda muito superior e da ordem dos 56 a 59 milhões de litros.
Pelo que respeita à produção de mostos na região demarcada do Douro, esta fonte de divisas poderá exceder largamente o milhão de contos, desde que se continue a alargar os mercados tradicionais e a conquistar novos mercados.
Como as altas qualidades do vinho do Porto só se desenvolvem depois de um estágio de envelhecimento, é necessário robustecer as reservas de exportação, aumentando as litragens de mosto, a beneficiar na próxima vindima.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O preço médio de exportação melhorou em 1968, subindo 240$ por pipa em relação ao ano anterior; é preciso que da melhoria dos preços de exportação também beneficiem os lavradores do Douro, produtores dos mostos a beneficiar, visto terem de fazer face à subida dos custos de produção, sobretudo dos salários.
Há que continuar a prestigiar o produto pela intransigente defesa da qualidade e persistir na divulgação da excelência das suas qualidades, tornando-o mais conhecido, para ser mais apreciado e mais largamente vendido.
O Brasil parece estar a caminho de retomar posição mais consentânea com o lugar proeminente que noutros tempos ocupou entre os mercados importadores.
Pelo que respeita aos Estados Unidos da América, a recente aceitação da defesa das marcas Porto e Vinho do Porto parece já ter tido influência no seu consumo e no aumento registado no último ano. A acção da publicidade desenvolvida no campo das relações públicas, provas de vinho, artigos na imprensa, etc., também tem contribuído para este incremento; por isso deverá ser intensificada esta modalidade de propaganda, que parece aconselhável num país com as características dos Estados Unidos.
Sobre a colocação do vinho do Porto no mercado norte-americano publicou em 1956 um excelente trabalho o nosso distinto colega Sr. Doutor Águedo de Oliveira; por isso lhe dirijo desta tribuna uma palavra de muito apreço.
Actualmente o volume das exportações depende muito das campanhas de publicidade; por isso, é preciso que no ano em curso não afrouxem e, se possível, até sejam ampliados os apoios concedidos às campanhas de propaganda deste nobre produto.
O auxílio do Governo a essas campanhas nos mercados externos foi de 8932 contos em 1966, de 12 320 contos em 1967 e de 10 000 contos em 1968, mas para impulsionar as exportações do vinho do Porto este auxílio deve aumentar.
Tudo o que for feito a favor do vinho do Porto virá a beneficiar todos os que labutam, com persistência e dureza, em mais de 23 000 explorações agrícolas da região demarcada do Douro e todos aqueles que estão ligados à produção e exportação do vinho do Porto.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: A balança de pagamentos da zona do escudo, na sequência do comportamento observado a partir de 1962, manteve o saldo positivo, tendo apresentado no ano em análise o notável excedente de mais de 6 milhões de contos.
Neste saldo entram em linha de conta cerca de 2,4 milhões de contos do saldo também positivo do ultramar com o estrangeiro.
A reserva cambial do Banco de Portugal foi reforçada em 4,1 milhões de coutos e a acumulação de disponibilidades cambiais noutras instituições de crédito também foi superior à observada no ano precedente.
A frente financeira manteve, pois, a sua firmeza e consolidou a sua estrutura.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Durante o exercício financeiro foi fortalecida a solvabilidade externa do escudo, que se tem mantido, através das crises internacionais, como uma das moedas mais fortes do Mundo, fruto da política de finanças sãs seguidas nas últimas quatro décadas e da confiança na estabilidade da nossa ordem constitucional.
Mas no mercado interno o valor aquisitivo do escudo precisa de ser também tenazmente defendido.
Há necessidade de combater a inflação, porque a subida artificial dos preços é fonte de desordem na economia, dando origem, quase sempre; à redução do nível de vida e a sofrimentos sociais, que geram mal-estar e descontentamento.
Sabemos, pela voz prestigiosa do Chefe do Governo, que os Poderes Públicos estão empenhados em fazer frente à alta dos preços e pôr um travão às tendências especulativas desenhadas nos últimos tempos.
A psicose altista dos preços precisa de ser combatida principalmente naquilo que é de primeira necessidade: bens de consumo, rendas de casa e transportes urbanos. As tensões inflacionistas que temos vindo a sentir também resultam do aumento da procura, provocado por influxos monetários sem contrapartida na produção. É indispensável que a produção exerça a grande tarefa que lhe cabe, com o apoio do Governo e a confiança do consumo.
Uma acção criteriosa e enérgica sobre as especulações não neutraliza completamente as tensões inflacionistas, mas é sobremaneira oportuna.
Os comerciantes devem considerar-se servidores da comunidade, e alguns assim procedem - para esses dirijo desta tribuna uma palavra de simpatia -, mas os transgressores, os que não procedem com a dignidade de comerciantes, mas se dedicam antes a manejos e negócios oportunistas, esses precisam de atenta fiscalização e vigorosa repressão.
Tudo o que for feito para estabilizar os preços, mesmo com repressão enérgica e até actuando com dureza, terá o mais franco aplauso desta Assembleia.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: no mundo do nosso tempo, a defesa nacional, a segurança interna e o pró-
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gresso têm por alicerces o desenvolvimento económico e científico.
Ora, no piar o financeiro para o ano em curso inscreve o Governo no orçamento 3,2 milhões de contos destinados à educação e investigação, isto é, 700 milhares de contos a mais que no ano anterior.
Também a dotação atribuída para executar o III Plano de Fomento eu 1969 é a mais elevada de sempre, excedendo os 3,5 milhões de contos. Num só ano o Orçamento Geral do Estado destina ao Plano de Fomento e põe à disposição dos serviços públicos verbas que excedem substancialmente o total que lhes foi facultado nos seis anos de execução de I Plano de Fomento.
Devemos, pç is, reconhecer o notável esforço que o Governo está a realizar para resolver problemas fundamentais de que depende o bem-estar geral. Impõe-se que colaboremos com o Governo na empresa comum e que todos o apoiem na defesa da ordem, da paz social, da moeda estável, do progresso geral e da defesa do ultramar.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sebastião Abres: - Sr. Presidente: O muito ilustre relator aponta com teimosa insistência, ao longo deste, como sempre, elaborado parecer, a necessidade de aumentar rapidamente o produto nacional, de modo que o nível de vida se aproxime das cotas europeias e que o Estado disponha de mais recursos, sem agravamentos na pressão fiscal.
E, aliás, tema muito do agrado do relator, que por ele vem terçando is suas melhores armas, que são as armas de uma vasta sabedoria e de uma grande experiência.
Deixando de lado algumas outras vias, pelas quais o produto poderá ir crescendo rapidamente, ater-me-ei a dois aspectos que me parecem de capital importância no caso. Antes, porém, mostrarei, num breve apontamento, uma grave carência que coloca permanentemente em desvantagem os meios económico-financeiros portugueses perante a agressividade constante da competição internacional, e que, de ciência, certa, levanta também as maiores dificuldades à Administração, sobretudo nos escalões que tem que decidir.
Com a clareza que lhe é habitual, o Sr. Engenheiro Araújo Correia escreve que o crescimento do produto interno foi, a preços constantes, de 7,2 por cento no ano cujas contas apreciamos.
Particularmente - e digo particularmente porque alguns dados carecem de confirmação- sabe-se que para 1968 esse índice sei á ligeiramente inferior a 6 por cento.
Todavia, ao longo dos últimos dois anos, foi o País informado, por muitas e autorizadas fontes, de que vivíamos em clima de recessão.
Aceito que os índices referidos não são famosos, sobretudo tendo presente que para 1966 se não passou dos 3 por cento, mas há que sublinhar situar-se a média do triénio acima do comum dos países industrializados do Ocidente. Faço o reparo porque, baseado em indicadores e índices oficiais e oficiosos e em publicações especializadas, clamei desta tribuna por remédios para uma crise que ainda o não era, ou, se já existia, tocava só alguns sectores.
Sublinho o ponto e faço-o em nome de milhares de empresas e empresários, para quem os índices dos dois últimos anos constituem, de certo modo, uma surpresa, desmentindo em pari; o clima de estagnação que foi sendo anunciado, com g:- ave prejuízo para a orientação de muitas actividades, que, não tendo acesso fácil a uma informação garantida, limitaram os seus programas de expansão a níveis em regra muito aquém das possibilidades de investimento que uma conjuntura normal lhes permitiria.
Na verdade, se o crescimento do produto interno não correspondeu ao que se programou, porque incidências internacionais não propiciaram clima favorável, porque a produção agrícola sofre oscilações de grande amplitude de ano a ano, porque certos sectores industriais, mercê de várias circunstâncias, têm suportado sérias dificuldades e vivido, esses sim, em verdadeiro clima recessivo e porque o turismo fraquejou no ano findo, por causas estranhas à vida do País, não significa isso que a vida económica portuguesa esteja à beira do colapso ou que seja de comprovado pessimismo o seu horizonte.
Que se requerem estímulos, aqui e além, novas providências legislativas e outras, em muitos casos, e uma rasgada acção dinamizadora por toda a parte, tem sido insistentemente dito e repetido. Mas requer-se também, e isto é essencial, sobretudo às pequenas e médias empresas, ao País, em geral, e até à Administração, uma informação financeira e económica de periodicidade mensal, semanal e, nalguns casos, mesmo diária, que, dissipando receios e desfazendo alarmes, nem sempre bem intencionados, aponte caminhos, dissolva dúvidas e, em muitos casos, leve mesmo o seu esquadrinhar ao âmago dos mercados, com indicativos sobre flutuações monetárias e evolução de consumos.
De outro modo, as gentes das empresas e do dinheiro, balanceando-se entre dados contraditórios e disjuntivas incertas de desenvolvimento, contêm-se num agir todo feito de prudência. E mais não se poderia pedir a quem, não dispondo de escudo avisado de uma boa gama de balizas numéricas, tem de sopesar fiscos e prever surpresas.
E nem se vê como há-de alguém ter mão firme nos lemes da economia e das finanças nacionais se não conhecer, em tempo útil, a resposta aos impulsos dados à expansão, que se quer rápida, e aos travões postos à inflação, que tem de ser muito lenta.
Uma sólida informação seria, neste domínio, um grande, enorme, serviço prestado ao País e às suas actividades económicas.
Não está nas minhas intenções minimizar os esforços feitos e o trabalho produzido pelo Instituto Nacional de Estatística e pelo Fundo de Fomento de Exportação, que já fornecem um conjunto de dados preciosos e úteis para muitos fins e que até nem sempre serão aproveitados convenientemente pelos interessados.
Mas tem de reconhecer-se que a ritmo do mundo dos negócios e do dinheiro exige uma velocidade na acção, que torna obsoletos muitos dos nossos materiais estatísticos e requer uma muito mais vasta, precisa e actualizada informação.
Sem dados que memorizem rigorosamente o passado, projectem luz meridiana sobre o presente e arrisquem algumas previsões para o futuro, nenhum empresário poderá decidir com segurança e programar em certeza.
Carecemos de muitas outras coisas, mas sem estatísticas aperfeiçoadas que espelhem fiel e constantemente os dados conjunturais não vejo como encontrar as rotas certas. Aqui chamo em meu auxílio a sentença do velho Séneca: "Nenhum vento serve aos que ignoram o porto do destino!"
Fica o apelo e fica-me a esperança de o ver atendido.
E passo ao segundo ponto que me propus tratar.
Uma das mais brilhantes coordenadas do desenvolvimento europeu do pós-guerra foi traçada nos quadros onde se registam os índices do turismo. E se com isto não trago a debate qualquer aspecto novo da questão, todavia parece necessário acentuar algumas das características
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apresentadas por este sector económico, porque será dentro dos seus ângulos que o produto nacional mais crescerá nos próximos anos, porque não implica necessariamente investimentos vultosos e porque pode e deve desenvolver-se numa dispersão empresarial compatível com uma razoável distribuição geográfica e com os atractivos ambientais que o motivam.
Outra característica rara desta actividade é a sua espontaneidade. É a necessidade de evasão do homem moderno, dizem uns; fruto resultante da sociedade de lazer a que somos chegados, opinam outros; consequência complexa de uma brusca subida do nível de vida de vastas camadas populacionais, pensam uns tantos.
Será tudo isso e mais uma avidez pelo desconhecido, uma curiosidade sobre monumentos talhados em história e sobre cidades e povos que são ou foram guiões da história. Tudo isso e muitas outras coisas que não sei traduzir em palavras.
Mas mais que desenhar-lhe as motivações ou definir-lhe as características, importa fundamentalmente estabelecer-lhe prospectivamente os caminhos que vai percorrer e preparar as estruturas requeridas para lhe extrair os máximos de rendimento.
Há anos planeara-se o desenvolvimento do turismo nacional, dando prioridade aos dois pólos constituídos pelo Algarve e pela Madeira.
O critério que presidiu ao estabelecimento dessas prioridades suscitou algumas polémicas, mas, tendo de se começar, parece agora que, ao tempo, se começou bem.
Reconhece-se hoje que há necessidade imediata de estabelecer novos pólos de atracção, alguns dos quais destinados a acolher também as correntes turísticas formadas pelos portugueses, que, em números crescentes, dirigem para o estrangeiro a sua curiosidade e as suas distracções, carreando na bagagem preciosas divisas que bem poderiam animar algumas das nossas mais "desoladas" regiões, tornando-se, a aridez e o insólito em estâncias de repouso e fontes de rendimento.
De todos os possíveis pólos a desenvolver apontarei um, e aponto-o porque, situando-se no círculo que aqui represento, é também, provavelmente, o que oferece mais vastas perspectivas imediatas.
Dando-lhe por eixo as grandezas incomparáveis da serra da Estrela, com as suas enormes potencialidades atractivas para todas as estações do ano, agregando-lhe as belezas inexploradas dos vales do Zêzere e do Tejo, e não esquecendo Monsanto, que já foi a "aldeia mais portuguesa" e que agora é quase a mais esquecida, e lembrando o Paul ou Monfortinho, os Unhais da Serra, ou Alpedrinha, terei dado as linhas geométricas que hão-de esquematizar o turismo da Beira Baixa.
Um elemento de valor incalculável há-de vir enriquecer nos próximos anos toda a região: ergue-se neste momento a grande barragem do Fratel. Outras se lhe seguirão, nomeadamente as de Asse-Dasse, Valhelhas, Bogas e Alvito, a juntarem-se às já construídas do Cabril, Bouça e Castelo de Bode, e que o País bem conhece, ignorando-as, todavia, do lado abundantemente promissor do turismo.
A agreste fisionomia do distrito de Castelo Branco, povoada de grandes albufeiras, alterar-se-á profundamente, desdobrando-se daí em mil atractivos, e, nos espaços tranquilos de entre lagos e montanhas, os lugares incomparáveis para núcleos residenciais de veraneio multiplicar-se-ão, pelo prazer dos utentes e a favor da balança de pagamentos.
O plano de infra-estruturas que a região requer, e é urgente, há-de ter em conta tudo isto e há-de buscar ligações e apoios distantes na Guarda e em Castelo Branco e, mais longe ainda, em Tomar e Abrantes.
A preparação de um anteplano global não deverá impedir que, sem perda de tempo, se estabeleçam projectos, se construam abrigos no cume da serra e se ponha em movimento, imediatamente, o teleférico há anos adquirido.
A organização de uma empresa de economia mista, que, além do Estado e das autarquias, apele para a comparticipação da indústria e comércio regionais e até de muitos beirões devotados, que os há, não parece oferecer dificuldade de maior.
Não me alongarei no tema, pois sei das boas intenções oficiais para o caso. Mas quero solicitar que se estabeleça uma rápida e justa prioridade, que salve esforços bem intencionados e obras auspiciosamente iniciadas e temporariamente paralisadas. Nesta solicitação não ponho nenhuma recriminação, ponho, sim, apreço e muita simpatia por quantos arruinaram a saúde e descuidaram os seus interesses ao serviço do bem comum - no caso, a serra da Estrela e o seu turismo!
Outra das coordenadas do crescimento do produto nacional desenvolve-se em grande extensão pelo sector florestal.
É, aliás, opinião mais ou menos unânime dos entendidos e de vários organismos nacionais e estrangeiros (e destes cito dois: F. A. O. e O. C. D. E.) que, estando o País condenado- a florestar 2,5 a 3 milhões de hectares de solos que, no actual estádio dos conhecimentos agro-económicos, não oferecem melhor, ou mesmo qualquer outra alternativa de exploração, essa coordenada de desenvolvimento cobre os quatro ângulos geográficos de Portugal continental.
O tema tem sido extensamente tratado, quer global, quer parcelarmente, no relatório das contas do Estado, nos planos de fomento, em publicações especializadas, na imprensa e em várias brilhantes intervenções nesta Câmara.
O Ministério da- Economia tem-se mostrado atento à questão e até, há poucos dias, o mui ilustre titular daquela pasta, ao receber no seu gabinete a lavoura e indústria da Madeira, que vinham agradecer a reorganização dos sectores leiteiros e de lacticínios da ilha, abordou um aspecto do sector dos mais discutidos, o das relações entre a oferta e a procura de rolaria para pastas papeleiras.
À área a florestar já referida há que acrescentar cerca de 2 milhões e meio de hectares já povoados, em que a espécie dominante é o Pinus pinaster, quase sempre de origem espontânea, e em que a produção específica não vai além de 50 por cento do que seria desejável e é, aliás, possível.
Deste dado incontestável resulta que um primeiro aspecto a acautelar reside na tecnologia das explorações, a principiar pela implantação e selecção, amanho dos solos, cuidado das sementeiras e das plantações, desbastes, limpeza e cortes em estações e épocas apropriadas, tudo aconselhado pela experiência científica.
Quer a floresta existente, quer a futura, que forçosamente há-de desenvolver-se, terá de ser conduzida com critérios técnicos de hoje, e não, como até agora, ao sabor da inspiração de cada um, ressalvando, .evidentemente, casos isolados de lavradores esclarecidos e as matas nacionais.
Outro aspecto do sector que tem de ser urgentemente atacado será o da respectiva comercialização. Em regra, a questão é posta em tom polémico, e algumas vezes é-o com razão, mas esquecem-se os polemistas, no calor da discussão, dos aspectos mais vastos e rentáveis do sector.
De Pinus pinaster - as árvores de certo porte são por agora canalizadas para as madeiras ditas de obra, e nisso vai mais de 40 por cento do valor produzido pela floresta!
A respectiva indústria arrasta uma vida difícil, carecida de meios e técnicas que lhe permitam situar-se entre um
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proprietário da terra, em regra necessitado, e um comércio exportador, ir certo e sem perspectivas abertas.
Outro ponto que agora se discute menos é o da resinagem: a elevação do nível salarial matará a curto prazo esta actividade, que até há pouco tão promissora se mostrava e que nas zonas onde o pinheiro-bravo é dominante se tornava mais importante, sob o ponto de vista económico, que toda a restante produção das matas.
Habitualmente, também a questão dos produtos dos primeiros e desbastes, das limpezas e os desperdícios das serrações não tem merecido as atenções que lhe são devidas.
Madeiras de obra, desbastes e resinas constituem 85 a 90 por cento dos valores produzidos pelo pinhal, tal como agora é explorado, e só 10 a 15 por cento são destinados a rolaria de celulose!
Tratando-se de eucalipto, a situação é inversa, mas anota-se que as plantações desta espécie não vão ainda além de 15 a 16 por cento das de pinheiro-bravo.
Quem analisar estes números terá de estranhar que só uma pequena parte do produto da floresta seja discutida, e .eu, estranhando também, passo adiante, atrevendo-me a agitar hipóteses de solução para o sector, que os serviços, as organizações da lavoura e outros mais bem informados ou com maiores possibilidades deverão aprofundar, para que se
As madeira; de obra vão em boa parte para o consumo interno, mas DS preços pagos à lavoura são regulados pesada e incertamente pela procura externa.
Acresce que a respectiva produção, pulverizada num milhar de unidades, das quais uma escassa dúzia disporá de dimensões e equipamentos actualizados, opera, em regra, em condições desastrosas para todos: para a lavoura, que reclama preços melhores, muitas vezes justamente; para o industrial, que, com equipamentos obsoletos, a desperdiçarem 40 a 50 por cento da matéria-prima trabalhada e com índices de produtividade inqualificáveis, se condena a uma vida espartilhada entre a penúria e o colapso; e para a economia nacional, que a todos e tudo sofre as consequências e os prejuízos.
O vasto sector parece, pois, requerer concentração e modernização das suas unidades e uma dinâmica reorganização da estrutura exportadora.
As facilidades que estão a ser dadas, e muito bem, à industrialização dos produtos dos regadios terão urgentemente de contemplar também este ângulo da economia florestal.
No que se refere à resinagem, apareceram recentemente novas técnicas extractivas que perspectivam acentuadas melhorias de produção, com fortes economias de mão-de-obra. Aí haverá que acelerar as experiências em curso para1 salvar uma actividade ameaçada, com peso considerável nas balanças comercial e de pagamentos.
O aproveitamento dos desbastes de mais reduzido diâmetro, dos ramos e dos desperdícios da indústria madeireira requer também estudos, mas a localização estratégica de unidades produtoras de pastas semiquímicas e de certos tipos de prensados pode conduzir à industrialização de matérias desperdiçadas que se cifram em centos de milhares de toneladas 3 em valores em contos pelo menos duplos dos números de tonelagem.
Em síntese, acrescentarei que um país condenado a dispor de 4 a 5 milhões de hectares de floresta não pode deter-se no meio caminho dos produtos semiacabados, que, sendo em grande parte canalizados para os mercados externos, ali sofrerão as transformações finais e ali deixarão altos valores acrescentados, que, no todo ou pelo menos em boa parte, nos deveriam pertencer.
Haverá, pois, que prosseguir muito mais profundamente nos trilhos da industrialização dos produtos florestais: para os fios e tecidos, em vez de pastas solúveis; para os papéis, cartões, cartolinas e embalagens, em vez de pastas papeleiras; para os mobiliários e carpintarias terminadas, em vez de madeiras serradas e prensadas; para os B-pinenos, pergamóides, colas, tintas, vernizes e resinas modificadas, em lugar de aguarrás e colofónia.
É todo um mundo a transformar.
Do nosso património florestal um aspecto há que tem sido lamentavelmente descurado, apesar de ser aquele que mais celeuma levanta, todos os estios: a defesa contra os fogos!
Há meia dúzia de anos, adentro da maior mancha florestal contínua do País, não existia nenhuma corporação de bombeiros apetrechada para enfrentar um incêndio como os que ocorreram e ocorrem, "regularmente", todos os anos.
E hoje a situação não é muito melhor.
As populações tendem para organizar a defesa dos seus pinhais e fazem esforços generosos e sacrifícios pesados para que as suas pequenas corporações de bombeiros disponham de instalações e material eficiente. O Estado e a Fundação Calouste Gulbenkian têm comparticipado com alguma generosidade.
Mas tudo me dá a ideia de um pirilampo a querer afugentar uma águia.
Quando surge o fogo na floresta densa de pinhal ninguém cruza os braços: vêm militares e bombeiros, às vezes de um raio de 150 km, e vem o povo das redondezas, todo, a pé, a cavalo ou de carro, apetrechado como pode! Todos lutam generosos e abnegados, defendendo a propriedade alheia como se sua fora, todos se batem no meio de riscos, que só serão bem medidos por quantos participaram no ataque a um destes desastres. Mas o fogo segue quase sempre implacável, até que o detenham acidentes geográficos ou ventos adversos!
Para acautelar os prejuízos anuais, sempre a avolumarem-se com o desenvolvimento da floresta e com o abandono crescente dos campos e que ferem gravosamente as pequenas economias rurais, há que organizar, à escala nacional, a defesa contra os fogos florestais.
Uma colaboração estreita e em novos moldes entre as corporações de bombeiros - talvez federando-as por zonas mais ou menos afins - e entre estas e a Defesa Civil do Território seria um caminho que aponto a quem tem de tomar as decisões.
Os circuitos, um tanto confusos, da comercialização deveriam ser orientados para as federações de grémios ou para cooperativas de produtores, que disciplinem a oferta e contratem a venda com as indústrias transformadoras. Aí, talvez no seio das corporações, se dirimiriam interpartes as questões emergentes.
Esta sugestão não contém, aliás, novidade: aplica-se em vários países que, como o nosso, praticam a economia de mercado.
Todo este mundo silvícola, que às vezes até parece, todo ele, uma floresta de problemas, vai tornar-se a médio prazo na nossa principal fonte de produção do sector primário, que, por sua vez, levará a uma das primeiras, se não à primeira, das nossas actividades industriais.
É fácil deduzir daí quantas atenções têm de merecer ao Estado e às actividades que vivem ou operam adentro do sector económico.
Talvez que, a nível nacional, um instituto de tecnologia florestal, abrangendo os aspectos biológicos e sócio-eco-
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nómicos, incluindo industrialização e comercialização da riqueza florestal existente e a criar, tenha já plena justificação.
No âmbito mais restrito do distrito de Castelo Branco, a zona onde medrou o que se considera a maior mancha contínua de pinheiro-bravo conhecida, insere-se também uma lacuna já apontada por outros e que requer urgente preenchimento.
A região carece de serviços especializados muito mais desenvolvidos, e parece que uma circunscrição florestei no centro geográfico da floresta - a Sertã - tem inteira justificação.
Parece até necessário ir mais longe, instalando também uma escola de práticas florestais, que serviria, primariamente, toda a mancha referida, que se estende, para fora do distrito de Castelo Branco,, aos concelhos de Mação, Sardoal, Figueiró dos Vinhos, Ferreira do Zêzere, Castanheira de Pêra, Pedrógão Grande, Pampilhosa da Serra e, em segundo plano, outras regiões também carecidas de orientação técnica.
Se por toda esta zona e pelas restantes, com o mesmo tipo e densidade de flora, forem acautelados os aspectos do tratamento, implantação e exploração da floresta, o sector tornar-se-á mais atraente às populações, que, em regra, ainda se não mentalizaram para centrar nela boa parte das suas actividades e interesses.
Creio que poderia residir aí um dos travões à emigração.
Para terminar, e em sucinto epílogo, darei resumo do solicitado:
Uma informação estatística que responda aos desafios da era dos computadores;
Um instituto tecnológico que enquadre toda a problemática florestal;
Um plano orientador para o turismo do maciço montanhoso que tem por fulcro a serra da Estrela;
Uma organização, à escala nacional, da defesa contra os fogos das florestas;
E uma nova circunscrição florestal para a região da Sertã.
Tudo medidas que, a prazos mais ou menos longos, contribuirão fortemente para o crescimento do produto nacional.
Estas solicitações parecerão excessivas a quem tem de decidir e executar, mas são, com certeza, escassas aos olhos daqueles que sofrem as carências e lhes aguardam a terapêutica.
Sr. Presidente: Há-de V. Ex.ma perdoar, e a Assembleia também, que, não tendo conseguido ser pobre no pedir, o tenha sido nos termos em que formulei petições, sacrificando concisão e forma à presunção de uma clara objectividade e de uma premência evidente.
Em tal presunção se contém um voto de concordância para as contas em apreciação e outro de confiança em quem me há-de escutar e dar provimento.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Satúrio Pires: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para algumas considerações sobre as contas públicas do ano de 1967, agora na ordem do dia desta sessão legislativa, analisando muito sumariamente o douto parecer do seu ilustre relator e chamando a atenção do Governo para alguns problemas mais instantes que dessa análise directa ou indirectamente derivam.
Limitar-me-ei à parte que se refere a Moçambique, de cujas populações me sinto mandatário, dado que a vastidão de uma análise sobre todo o conjunto nacional não me seria de todo possível, além de que os meus ilustres colegas nesta Assembleia o farão por certo muito melhor do que eu.
O parecer está elaborado com a habitual seriedade e bem conhecida competência do Sr. Engenheiro Araújo Correia, a quem de novo dirijo as minhas modestas, mas bem justas, homenagens.
Diz-se no parecer que se notou no ano em apreciação uma melhoria em relação aos anos anteriores, sobretudo no aspecto do comércio externo, embora o seu déficit ainda apresente valores bastante altos.
Estou de acordo com a observação, mas noto que esse déficit, esse desequilíbrio, é já um fenómeno que se pode considerar normal, se atendermos a que, por um lado, não possui Moçambique um ou mais produtos de exportação que sejam base sólida e natural de riqueza, tais como seriam minérios e metais preciosos, petróleo ou mesmo um produto agrícola que pudesse, impor uma qualidade e um preço nos mercados externos; por outro lado, a província está, pode dizer-se, nos primeiros passos para uma industrialização mais estruturada, mas que consome equipamento, maquinaria e mesmo matérias-primas que, sendo necessário importá-las, vêm pesar na balança comercial. \
Este desequilíbrio é sensível no comércio com o estrangeiro e também com a metrópole, agravado este último por pesarem nas importações da província produtos e mercadorias que deveriam ser industrializados localmente, como já tanta vez tenho dito nesta tribuna.
Mais adiante voltarei a este assunto.
As receitas totais de Moçambique atingiram em 1967 mais de 6 500 000 contos, isto é, aproximadamente mais 10 por cento do que no ano anterior. Embora as despesas também tenham aumentado, o que é natural, as receitas cresceram mais.
No comércio externo também aumentou o valor das exportações e diminuiu o das importações, tornando assim o déficit um pouco menor.
Nas importações avultam, porém, produtos das indústrias alimentares, das indústrias químicas, matérias têxteis e respectivas obras, o que merece ponderada revisão, além de metais, máquinas, equipamentos e aparelhagem, o que é normal.
Nas exportações (por que não dizê-lo mais uma vez?) dominam os mesmos seis produtos agrícolas que já dominavam há dez, vinte ou trinta anos, o que pede um esforço comum público e privado para modificar e diversificar tal estado de coisas, que pode comprometer o desenvolvimento e o equilíbrio económico da província. Além de não poderem impor ou orientar preços no mercado externo, estão sujeitos a todas as espécies de variações conjunturais.
Em 1967 aparece o algodão com maior valor global (642 500 contos), seguido da castanha de caju, açúcar, chá, copra, madeira em bruto e sisal, para referir apenas produtos agrícolas não industrializados.
A tendência quanto à castanha de caju é a sua diminuição progressiva na lista das exportações, como produto agrícola em bruto, em virtude de já actualmente ser industrializada na província em mais de 60 por cento a sua produção comercial e estar prevista para 1973 a sua completa industrialização, sendo exportada em amêndoa, óleo e subprodutos derivados do óleo e da casca.
Quando assim for, o seu valor total pesará de forma definitiva na balança de pagamentos.
Prosseguindo na análise do parecer das contas, estranha o ilustre relator que no mercado de importações seja
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muito baixa a percentagem dos territórios nacionais (35,1 por cento). Não estou em desacordo, mas noto que há que atender ao equipamento industrial necessário ao apetrechamento da província e aos produtos e mercadorias que não se podem obter, ou se obtêm a preços não competitivos, no mercado nacional.
Por outro lado, a metrópole também apenas consome 42,5 por cento das exportações de Moçambique.
Quanto à balança de pagamentos, a situação, embora com tendência para melhorar, acusa ainda posição não equilibrada.
Haveria aqui que expender alguns comentários, até porque o desequilíbrio é sensível quanto à metrópole e não se têm tomado muitas vezes medidas que, no seu conjunto, poderiam contribuir para melhorar a situação. Há dificuldade nas transferências de capitais privados, e, no entretanto, um diploma legal ainda em vigor obriga todo o pessoal empregado a passar férias na metrópole, quer lhe contenha ou não convenha e quer a entidade patronal este a ou não em condições para tão grande dispêndio.
Que seria se a recíproca também fosse obrigatória?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -Este é apenas um pequeno exemplo do conjunto de medidas que se impõem tendentes a melhorar um mal que se vem tornando crónico - receitas e despesas.
As receitas aumentaram em 1967 em 613 000 contos, totalizando, no seu conjunto, 6 616 773 contos.
Os impostos directos atingiram mais de 900 000 contos, e os indirectos, mais de 800 000. As taxas cobradas foram de 258000 contos.
Maior cifra seria a dos impostos directos se a cobrança do imposto domiciliário correspondesse melhor ao que deveria ser recolhido, mas na prática a cobrança desta receita foi muito deficiente, por motivos que não vale a pena aqui no ar.
Em 1967 vigorava ainda o antigo e muito deficiente regime tributário.
Quando forem analisadas as contas do exercício passado, já sob o novo regime de impostos, verificar-se-á, não só um aumento sensível nas receitas do Estado, como uma mais equitativa distribuição da carga tributária.
Uma palavra de justiça é aqui devida ao Governo da província, que não hesitou em fazer as correcções que se impunham ao novo código dos impostos, suprimindo anomalias e tomando as medidas necessárias à defesa do autofinanciamento das empresas e ao estímulo aos novos investimentos privados. Veio, assim, ao encontro das representações que oportunamente lhe foram dirigidas pelas actividades conscientes e responsáveis da província e de que por mais de uma vez me fiz eco nesta tribuna.
Seguiu-se diste modo uma razoável orientação na política económica e financeira de Moçambique, com visíveis vantagens para o interesse geral.
Suporta actualmente a província um pesado ónus tributário, mas 1 á, sem dúvida, melhor justiça distributiva.
Quanto ao capítulo das despesas do parecer, quero apenas fazer uma referência aos Serviços de Educação, à Junta Autónoma de Estradas, aos Serviços de Agricultura e aos Serviços de Veterinária.
Os Serviços de Educação gastaram, em 1967, 237 000 contos, verba nódica, se atendermos à sua fundamentalidade e que será certamente necessário suprir com outras fontes de receita.
Em todo o caso, é notável já a acção exercida neste importante capítulo por aquele departamento.
Se considerarmos, como termo de comparação, o caminho andado no último decénio, vemos que de 1959 a 1969 aumentou em cerca de 100 por cento o número de escolas primárias, o de alunos e o de professores. A mesma percentagem se verificou no ensino liceal e no ensino técnico.
As escolas de formação de professores passaram de 6 para 14 e os cursos de alfabetização de adultos tiveram um aumento ainda mais espectacular, pois passaram de 20 para 150.
Pretende-se no fim do III Plano de Fomento atingir a taxa de escolaridade de 49 por cento em 1973, o que, embora cifra modesta, representa um esforço digno de apreciação e capaz de ser incrementado para níveis mais altos.
É evidente que as despesas com os serviços de educação não comportam a verba necessária à investigação, que se encontra distribuída por outros capítulos.
Infelizmente, essa verba não é significativa, o que é de lamentar, pois que hoje em dia não pode haver sério progresso industrial, agrícola e mesmo comercial, sem o apoio da investigação a cargo ou orientado preferentemente pela Universidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quero chamar a atenção da Câmara e do Governo para a necessidade de uma estruturação progressiva e bem planeada do apoio da investigação ao desenvolvimento económico, que se pratica largamente noutros países e territórios e sem. o que difícil será caminhar-se francamente para a frente e com mentalidade moderna.
São consideráveis as vantagens obtidas com esses institutos, devendo contribuir para a sua manutenção o Estado e a actividade privada em percentagens a estabelecer.
Não vem para aqui uma mais prolongada referência ao problema, mas não quis deixar de o apontar.
A exiguidade das verbas destinadas à Junta Autónoma de Estradas, que está empregando o máximo esforço possível para cumprir o programa mínimo para uma rede fundamental de apoio estratégico, económico e social, mas que não pode corresponder ao indispensável sem uma revisão de disponibilidades.
Neste campo está a província de Moçambique muito atrasada em relação, por exemplo, a Angola. Atendendo às deficientes ligações Norte-Sul e ao mau serviço das comunicações marítimas, como adiante apontarei, a rede fundamental de estradas é vital para Moçambique.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os Serviços de Agricultura e Veterinária despenderam, no total, 60000 contos. Não valeria a pena realçar o facto.
Os primeiros, sobretudo, sem dinheiro nem quadros, não podem desempenhar função útil como órgãos de fomento, não podem dar assistência ao agricultor, nem apoio à agricultura.
Moçambique é um território essencialmente agrícola, e da agricultura vive a grande maioria da sua população, em precário regime de economia de subsistência.
Parece dever intensificar-se o esforço geral para modificar este estado de coisas, dando prioridade a uma dotação e uniformização mais convenientes dos serviços agrícolas.
Deste modo, poder-se-á, não só assistir aos agricultores existentes, mas criar-se uma larga rede de animação rural que ajude, não só a racionalizar as culturas de .subsistência, mas também a instituir uma economia de mercado cada vez mais generalizada, planeada e diversificada conforme as possibilidades.
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Foram estas algumas considerações que me sugeriu o notável parecer do relator das contas de 1967. Vou em seguida, conforme disse, referir-me ao momentoso problema dos transportes da província de Moçambique, que directamente se insere nos resultados da Conta.
Sr. Presidente: Não podemos pensar em desenvolvimento económico se não tivermos suficientemente resolvido o problema do acesso dos produtos aos pontos de distribuição ou comercialização e seu transporte até ao mercado consumidor,- acesso esse que deverá ser certo, económico e pronto.
Num território como Moçambique, que se desenvolve no sentido Norte-Sul, com uma extensão de faixa costeira de 2470 km, cortada de rios, lagoas e zonas alagadiças, o problema reveste maior agudeza.
Como meios de penetração no interior e de ligação Norte-Sul e sul-norte possui a província estradas, caminhos de ferro e navegação costeira. Não está, porém, operante ainda a rede fundamental de estradas e as ligações entre a zona de Lourenço Marques e as restantes, da Beira, da Zambézia, Nampula, Cabo Delgado e Niassa, para mercadorias e pessoas são difíceis, morosas e por vezes interrompidas em largos períodos do ano.
Os caminhos de ferro são essencialmente de penetração leste-oeste, servindo os hinterlands e desempenhando uma missão fundamental na economia da província, sem dúvida, mas não podendo apoiar o necessário trânsito e escoamento da produção para os portos e entre os portos.
As ligações entre os portos de saída, secundários e principais, estão, portanto, entregues, na sua grande parte, à navegação marítima, já que a navegação aérea, como é óbvio, não pode servir o transporte dos produtos e sua baldeação para os navios de longo curso.
Fazem a cabotagem em Moçambique onze navios, salvo erro, todos nacionais e distribuídos por quatro empresas concorrentes. No período de 1960 a 1964 (última estatística publicada) essa frota nacional manuseou 374 364 t, num total de 444 255 t de carga.
Os portos principais, servidos por navios de longo curso, são Lourenço Marques, Beira e Nacala. Outros há que recebem navios de longo curso, como Moçambique, Porto Amélia e Quelimane, mas não podem considerar-se portos principais. Ora aqui é que começa a angústia do problema, pois Quelimane, por exemplo, servido essencialmente por navegação costeira, tem uma barra difícil, ponte-cais mais que exígua e serviços deficientes. Quelimane é o porto natural de escoamento dos produtos agrícolas da Zambézia, que representam por si só mais de 50 por cento das exportações de toda a província.
E fácil de compreender quanto o serviço de cabotagem é essencial para a economia do sector.
Ora, circunstâncias derivadas de factores de vária ordem conduzem a que os serviços de cabotagem são caros e correm mal. As frotas operam em condições desfavoráveis, mas as culpas também não podem ser imputáveis somente ao carregador, e muito menos ao produtor e ao consumidor, que são, afinal, as pedras mestras do sistema.
Sucedem-se durante o ano as situações mais aflitivas e desencorajadoras: mercadorias aguardando praça que não se encontra, falta de uma estrutura de apoio ao serviço nos portos e nos cais, armazenagem e despacho. Serviço caro e deficiente.
Mas será que a frota é insuficiente para as cargas disponíveis?
Parece que essencialmente o problema não se situa aí, porque o coeficiente de utilização da frota de cabotagem é baixo em relação à sua capacidade de transporte, e muitas vezes os navios entram e saem quase vazios.
Foi publicado recentemente um diploma facilitando o processo de autorização de utilização de navios estrangeiros quando haja falta de navios nacionais para escoar determinadas cargas. E louvável, sem dúvida, tal disposição e acode a situações desesperadas, mas não resolve, embora melhore, o problema de base, o qual assenta nos seguintes dados:
Insuficiente aproveitamento dos navios nacionais; Irregularidade na demanda dos portos secundários; Atrasos e insuficiências nos serviços de apoio; Irregularidade de distribuição das necessidades de cargas ao correr do ano; Necessidade de revisões tarifárias.
Parece que se impõe com urgência o estudo de uma disciplina que procure fazer coincidir necessidades com possibilidades, interesses dos armadores, carregadores, produtores e consumidores.
Não se compreende que possam existir cargas à espera de praça e ao mesmo tempo navios a saírem vazios dos portos.
Essa disciplina, essa organização, seja por união de empresas, seja por uma cooperação eficiente governo-armador-carregador, afigura-se-me ser da maior urgência.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se a frota não está adaptada à peculiaridade das cargas e aos portos de escoamento, haverá que tomar medidas rápidas nesse sentido.
O que não se poderá forçar é o produtor agrícola ou industrial a obedecer a uma utilização conforme a conveniência do transportador, já que é certo que a irregularidade que possa haver nas necessidades de escoamento é estranha à vontade do próprio produtor.
Se houvesse uma rede terrestre eficiente e económica para drenar os produtos para os portos de saída, já se poderia planear um conjunto de possibilidades e interesses.
Será talvez esse o caminho.
A situação como está não se pode manter sem grave prejuízo para o interesse geral.
Outro ponto a considerar será a revisão de certas anomalias tarifárias. Não se compreende que um produto da província pague um frete mais alto entre portos da mesma província do que entre ela e a Europa.
Não se compreende também que alguns produtos da indústria local sejam onerados de tal modo no transporte entre portos também locais, de forma a que percam o seu poder competitivo. E o caso de fretes que colocam o produtor de Moçambique, no seu próprio mercado, em condições concorrenciais de inferioridade perante o exportador de outros territórios nacionais.
O caso mais flagrante é o dos adubos químicos produzidos pela indústria moçambicana, mas há outros, como o papel de embrulho, etc.
Estas anomalias deverão ser urgentemente anuladas. A continuarem, poderão apressar, se não provocar, o desencorajamento dos investimentos e a ruína de indústrias fundamentais.
Tenho à disposição de qualquer consulta ou esclarecimento exemplos significativos dos fretes que pagam vários produtos entre a metrópole e os portos de Moçambique e fretes pagos entre portos desta província.
Deste confronto ressalta que chega a ser mais barata uma carga que atravessa o Atlântico de norte a sul e penetra ainda no Indico do que uma outra que circule apenas umas centenas de milhas entre o Norte e o Sul de Moçambique.
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Tenho estado a analisar a precária situação do escoamento dos produtos da província no plano da cabotagem. Mas as difícil Idades estendem-se ás praças em navios nacionais de longo curso.
O mercado metropolitano é de todos o que mais tem aumentado as suas compras de sisal, tendo-se importado em 3966 cerca de 48 000 t.
Em 1968 só até Agosto já se tinham importado 29 000 t, das quais 80 for cento pertencem ao ultramar.
Como se pode conciliar esse desejável incremento com a rarefacção das praças?
Se tomarmos outros produtos para exemplo, como o algodão, a situação é a mesma, com sensível prejuízo para a província, pelo atraso com que vê entrar divisas que lhe são indispensáveis ao equilíbrio da sua balança de pagamentos.
Feitos estes reparos, compete agora às entidades responsáveis e interessadas concertar os factores e remediar da melhor forma as anomalias apontadas, a bem do interesse nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Marco a próxima sessão para terça-feira, dia 4 de Março, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Armando Cândido de Medeiros.
João Ubach Chaves.
José Dias de Araújo Correia.
José dos Santos Bessa.
D. Maria de Lurdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Rogério Noel Peres Claro.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Pacheco Jorge.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André da Silva Campos Neves.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António José Braz Regueiro.
António Júlio de Castro Fernandes.
Arlindo Gonçalves Soares.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando de Matos.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Casal Ribeiro).
Francisco José Roseta Fino.
Gustavo Neto de Miranda.
James Pinto Buli.
João Duarte de Oliveira.
Joaquim de Jesus Santos.
José Alberto de Carvalho.
José Guilherme Bato de Melo e Castro.
José Henriques Mouta.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pinheiro da Silva.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Paulo Cancella de Abreu.
Simão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Lívio Maria Feijó.
O REDACTOR - Januário Pinto.
Proposta de lei a que o Sr. Presidente se referiu durante a sessão:
Regime jurídico das expropriações muito urgentes
Preâmbulo
1. Como é sabido, a estrutura do processo de expropriação envolve o aspecto melindroso da conciliação de dois interesses contrapostos: o de a entidade expropriante entrar sem demora na posse dos bens e o da salvaguarda de um mínimo de garantias devidas ao direito de propriedade do expropriado.
Essa dificuldade constitui a explicação essencial da tendência paia a proliferação de diplomas especiais de expropriação, nem sempre, aliás, suficientemente justificados pela necessidade de afastar o regime comum.
Não se ignora que antes da publicação da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, existia um avultado número de diplomas especiais elaborados ao sabor da conveniência transitória de cada serviço e à margem de um princípio unitário. Porém, após a publicação daquela lei e do seu primeiro regulamento (Decreto n.º 37 758, de 22 de Fevereiro de 1950) continuaram a ser promulgados vários diplomas especiais de expropriação. Recordem-se, entre outros, os Decretos-Leis n.º 40 616, de 28 de Maio de 1956 ("ilhas" no Porto), n.º 40 971, de 10 de Janeiro de 1957, substituído pelo Decreto-Lei n.º 43 192, de 24 de Setembro de 1960 (obras de defesa ou segurança nacio-
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nal), n.º 42 488, de 3 de Setembro de 1959 (aeródromo da ilha do Porto Santo), e n.º 43 514, de 23 de Fevereiro de 1961 (ponte sobre o Tejo).
Nalguns destes diplomas concede-se ao expropriante a posse imediata do bem expropriado, independentemente de investidura judicial, desde que se deposite o montante arbitrado por um perito permanente, designado para todas as expropriações que interessem à obra, e seja feita prévia vistoria ad perpetuam rei memoriam.
2. A fim de satisfazer o interesse de celeridade da entidade expropriante de direito público, o actual Regulamento das Expropriações (Decreto n.º 43 587, de 8 de Abril de 1961) disciplinou, dentro do processo comum de expropriação urgente, uma "arbitragem em certas expropriações urgentes". Os respectivos preceitos visaram fundamentalmente que a constituição e o funcionamento da arbitragem se realizem perante as entidades expropriantes de direito público sem prejuízo de o processo ser logo remetido ao tribunal, quando se requeira a expropriação total ou se reclame perante elas contra qualquer irregularidade cometida na constituição e funcionamento da arbitragem.
Em qualquer caso, manteve-se como princípio fundamental o de que só mediante prévia adjudicação judicial dos prédios aos expropriantes podem estes entrar na posse daqueles.
Na última parte do preâmbulo do Regulamento das Expropriações em vigor, observou-se que as providências adoptadas "dão ao Governo a fundada esperança de ser possível pôr cobro ao sistema, a todas as luzes inconveniente, da publicação de um regime especial de expropriações sempre que um plano importante de obras públicas é posto em execução".
Claro que o Governo, orientando-se por este critério de boa política legislativa, não afastava necessariamente a possibilidade de adoptar medidas adequadas para casos excepcionais, como aconteceu com o referido Decreto-Lei n.º 43 192, de 24 de Setembro de 1960, publicado alguns meses antes do actual Regulamento das Expropriações. E sucede, efectivamente, que,. decorridos cerca de oito anos de vigência desse regulamento, determinadas obras públicas de urgente execução impõem a adopção de um sistema que assegure maior rapidez.
Ora, cumpre evitar a publicação de um diploma para cada um dos referidos empreendimentos.
3. O exposto justifica o presente diploma relativo a expropriações que excepcionalmente reunam um conjunto de requisitos susceptíveis de lhes atribuírem carácter "muito urgente", reconhecido em Conselho de Ministros.
Neste novo diploma, ao mesmo tempo que se prossegue, com medidas de efectiva projecção prática, o objectivo da celeridade, não se prescinde de assegurar aos expropriados aquele mínimo de garantias que estão no espírito da lei constitucional. Segue-se especialmente o exemplo do citado Decreto-Lei n.º 43 192, referente a obras de defesa ou segurança nacional, em que se não deixou de atribuir ao juiz a faculdade de adjudicação, como requisito prévio indispensável ao empossamento do expropriado.
Além disso, mantém-se a exigência de três árbitros permanentes, e não de um só, pois esta última solução pode criar graves riscos, conforme já se acentuou no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 43 192. A intervenção de três árbitros não envolve qualquer morosidade no desenrolar do processo, pois as formalidades não se complicam pela circunstâncias de se requisitarem ao presidente da relação três árbitros em vez de um só.
4. Como se disse, é perfilhada a orientação do diploma relativo a obras de defesa ou segurança nacional, mas introduzem-se modificações resultantes da publicação posterior do Regulamento Geral das Expropriações e de outras soluções entretanto adoptadas, nomeadamente nos casos do aeródromo da ilha de Porto Santo e da ponte sobre o Tejo.
Assim, a arbitragem correrá perante a entidade expropriante - o que, sem dúvida, contribui para a maior celeridade do processo - e a vistoria prévia obedece a certas formalidades estabelecidas nos referidos diplomas especiais. Acaba-se também com a incoerência de estabelecer processos especiais que atribuíam maiores facilidades à entidade expropriante do que as concedidas em expropriações para obras de defesa ou segurança nacional.
Nestes termos, pode abolir-se o processo especial para obras de defesa ou segurança nacional, uma vez que o processo "muito urgente" agora consagrado se justifica igualmente para aquelas obras.
5. Besta apenas acentuar que, pelo sistema adoptado no presente diploma, se consegue manter a rápida marcha do processo, sem prejuízo de virem a suscitar-se incidentes, como e da expropriação total.
Tais incidentes não impedem que a arbitragem siga o seu curso normal, de forma a possibilitar a rápida investidura judicial na posse, dando-se ao juiz o prazo de quarenta e oito horas para fazer a adjudicação, conforme já hoje sucede nas expropriações para obras de defesa ou segurança nacional.
Deste modo, ao eliminar-se uma posse administrativa por simples iniciativa da entidade expropriante, com eventuais implicações em relação ao direito de propriedade protegido constitucionalmente, nem por isso a prévia adjudicação judicial prejudicará o objectivo da conveniente celeridade.
Articulado
Artigo 1.º O processo geral de expropriações urgentes sofre as modificações do presente diploma, sempre que se verifiquem cumulativamente, em relação à obra a realizar, os seguintes requisitos:
a) Ser de direito público a entidade expropriante;
b) Ser a obra em causa de grande interesse nacional;
c) Pertencerem a diversos proprietários os bens a expropriar;
d) Be vestirem as expropriações carácter muito urgente.
Art. 2.º A declaração de utilidade pública das expropriações a que este diploma se refere é sempre da competência do Conselho de Ministros, verificando previamente a existência dos requisitos mencionados no artigo anterior. , Art. 3.º - 1. Na arbitragem intervirão três árbitros permanentes, designados, a requerimento do expropriante, pelo presidente do tribunal da relação do distrito da situação dos bens a expropriar ou da sua maior parte.
2. Os árbitros permanentes são escolhidos de entre a lista a que se referem o artigo 14.º, n.º 3, da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, e o artigo 36.º, n.º 2, do Decreto n.º 43 587, de 8 de Abril de 1961, devendo o presidente do tribunal da relação indicar logo, de entre os três árbitros, aquele que presidirá.
3. Os árbitros permanentes intervirão na fixação das indemnizações devidas em todas as expropriações efectuadas para a realização da obra.
Art. 4.º - 1. A entidade expropriante, além da designação dos árbitros a que se refere o artigo anterior,
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requererá simultaneamente ao presidente do tribunal da relação a indicação de um perito permanente para, em todos os casos, proceder à vistoria prevista na alínea a) do n.º 5 do artigo 14.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, e no artigo 50.º do Decreto n.º 43 587, de 8 de Abril de 1961.
2. A vistoria será realizada na presença de um representante da camará municipal da situação do prédio, ou da maior parti; dele, e, quando possível, dos interessados ou seus representantes.
3. As parte: poderão assistir à vistoria e formular quesitos, independentemente de notificação.
Art. 5.º A decisão dos árbitros e a vistoria efectuar-se-ão no prazo máximo de quinze dias, quer no caso de a expropriação correr perante a entidade expropriante, quer na hipótese prevista no artigo 30.º do Decreto n.º 43 587, de 8 de Abril de 1961. Neste último caso, o prazo conta-se a partir do recebimento da petição a que se refere o artigo 16.º do aludido Decreto n.º 43 587.
Art. 6.º - L. Correndo o processo perante a entidade expropriante até se obter o resultado da arbitragem, a petição referida no artigo anterior será remetida ao tribunal competente, acompanhada da guia de depósito e do auto de vistoria.
2. O juiz, no prazo de quarenta e oito horas, adjudicará ao expropriante o prédio, livre de quaisquer ónus ou encargos, procedendo de igual modo quando a petição tenha sido remetida ao tribunal nos termos do artigo 30.º do Decreto n.º 43 587, de 8 de Abril de 1961.
Art. 7.º - 1. Se o expropriante requerer a expropriação total, o processo será imediatamente remetido ao tribunal pela entidade expropriante, seguindo-se, por apenso, o processo previsto no artigo 18.º do Decreto n.º 43 587, de 8 de Abril de 1961, sem prejuízo da adjudicação de parte dos bens expropriados, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º
2. De igual modo se procederá quando surja outro incidente no decurso da arbitragem.
Art. 8.º Não havendo recurso do resultado da arbitragem, o juiz atribuirá aos interessados, sem mais diligências, o montante do depósito, nos termos do processo comum de expropriação.
Art. 9.º O disposto no presente diploma aplica-se às expropriações para obras de defesa ou segurança nacional, ainda que projectadas e executadas em tempo de paz, declaradas pelo Conselho de Ministros de carácter muito urgente.
Art. 10.º Fica revogado o Decreto-Lei n.º 43 192, de 24 de Setembro de 1960.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA