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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 187
ANO DE 1969 6 DE MARÇO
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 187 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 5 de MARÇO
Presidente: Exmo. Sr.José Soares da Fonseca
Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Nota. - Foi publicado o 2.º suplemento ao Diário das Sessões n.º 181, inserindo o parecer da Comissão de Contas Públicas da Assembleia Nacional acerca das contas da Junta do Crédito Público referentes ao ano de 1967.
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
Foi recebido na Mesa, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109." da Constituição, o Decreto-Lei n.º 48 890.
O Sr. Deputado André Navarro fez considerações sobre aquilo a que chamou a «Mensagem portuguesa».
O Sr. Deputado Águedo de Oliveira, tratou de problemas relativos ao vinho do Porto.
O Sr. Deputado Melo Giraldes abordou certas disposições do Decreto n.º 48 373 respeitantes ao Regulamento de Pequenas Barragens de Terra.
O Sr. Deputado Henriques Mouta referiu-se a problemas de comunicações e de ensino no distrito de Viseu.
O Sr. Deputado Neto de Miranda tratou de questões ultramarinas.
O Sr. Deputado Pontífice de Sousa, analisou a actividade desenvolvida ùltimamente pela Inspecção-Geral das Actividades Económicas.
O Sr. Deputado Augusto Simões enalteceu a figura e a obra de Eugénio de Castro, a propósito do centenário do seu nascimento.
Ordem do dia. - Em primeira parte da ordem do dia procedeu-se à eleição do 2.º Vice-Presidente da Mesa. Foi eleito o Sr. Deputado Castro Fernandes.
Em segunda parte da ordem do dia prosseguiu o debate sobre as contas gerais do Estado e as contas da Junta do Credito Público relativas a 1967.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Manuel João Correia e Rui Vieira.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas c 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
André Francisco Navarro.
André da Silva Campos Neves.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António José Braz Regueiro.
António Júlio de Castro Fernandes.
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António dos Santos Martins Lima.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo da Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabril Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Horácio Brás da Silva.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
José Alberto de Carvalho.
José Coelho Jordão.
José Fernando Nunes Barata.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José Pais Ribeiro.
José Pinheiro da Silva.
José Rocha Calhorda.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves.
Sérgio Lecerde Sirvoicar.
Teófilo Lopes Frazão.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 80 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama da Câmara Municipal da Sertã, apoiando o discurso do Sr. Deputado Sebastião Alves sobre a valorização florestal.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Diário do Governo n.º 53, de ontem, que insere o Decreto-Lei n.º 48 890, que atribui às câmaras municipais a regulamentação do trânsito nas vias de comunicação sob a sua jurisdição ou a cargo das juntas de freguesia, bem como nos trechos de estradas nacionais situadas dentro dos limites das povoações, e dá nova redacção ao n.º 1 do artigo 2.º do Código da Estrada e a várias disposições dos artigos 55.º e 100.º do Código Administrativo, aprovados, respectivamente, pelos Decretos-Leis n.ºs 36 972 e 31 095.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado André Navarro.
O Sr. André Navarro: - Sr. Presidente: Prometi em sessão passada da presente legislatura dizer algo nesta Assembleia política sobre o que então designei pelo «desafio português», digo melhor, a «mensagem portuguesa», e isto após uma leitura atenta e profundamente interessada de um livro, Le défi Americain, obra que foi, durante largo período, best-seller em muitas livrarias das principais cidades do mundo culto.
Não tem, contudo, esta intervenção parlamentar, desde já o declaro, qualquer sentido de contestação das doutrinas que informam esta obra do distinto jornalista francês J. J. Serven-Schreiber.
Apenas me proponho, sim, entre os vários desafios que correm hoje o mundo, incluindo Le Défi Americain, chamar a atenção desta Assembleia política para o horizonte em que se situa a mensagem portuguesa, aquela que o mundo lusitano, com uma experiência de mais de oito séculos de vivência, integrando povos dos quatro cantos da Terra, apresenta perante a humanidade nestas primeiras páginas de um novo capítulo da história contemporânea. Digo mensagem definidora do rumo que melhor poderá defender .os sagrados direitos da pessoa humana.
O citado jornalista francês, que pontifica, com assiduidade, no Monde e no L'Express, é hoje, indiscutivelmente, uma personalidade, do sector da imprensa, muito ouvida em determinados meios intelectuais do Ocidente, sendo frequentemente convidado de honra em inúmeros colóquios e seminários que se realizam no Novo e Velho Mundos, especialmente para aquelas reuniões onde são debatidos os problemas mais candentes de política e da economia internacionais.
A sua opinião, apoiada, sempre, num agudo sentido de observação, a que nunca falta, de resto, uma originalidade de apreciação bem marcada, constitui, assim, modo de pensar com larga projecção política nos meios intelectuais europeus e americanos.
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O estudo que faz no referido livro, que podemos classificar de política e de economia comparada, constitui, por tudo o que fica dito sobre o curriculum deste jornalista, modo de ver de interesse marcado para uma análise das perspectivas futuras do mundo contemporâneo, isto quer em referência aos sectores de política e de economia, quer ainda ao vasto campo de vida social dos povos.
Da leitura desta obra não nos ficou, na realidade, qualquer dúvida sobre as vantagens que aponta, digo, as já conseguidas por determinados sectores do «hiperindus-trialismo» norte-americano, isto quando posto em confronto com a evolução incerta, heterogénea e por vezes lenta de sectores paralelos das actividades industriais europeias e, muito em especial, em relação ao que se passa nas regiões mais evoluídas da Europa. Quando Servan-Schreiber nos fala, por exemplo, no capítulo «A Europa sem estratégia», da «batalha do cálculo», citando uma afirmação de John Diebold, diz-nos, sem reticências, que o reino dos computadores, que dominará, a partir de 1970, toda a actividade das indústrias, como instrumentos excepcionais que são de análise e ainda de gestão e decisão, representa, só por si, condição suficiente, diz, para o domínio absoluto da indústria americana sobre a economia europeia, e consequente perda da independência das actividades manufactureiras do Velho Mundo. E, se nos lembrarmos que, no início desta ciclópica corrida, refiro-me ao aparecimento da primeira geração de ordenadores, a Europa ocupava ainda, então, lugar cimeiro, podemos avaliar quanto tempo já foi perdido, nesta parcela do mundo ocidental, pelos imprudentes e imprevidentes responsáveis pela política económica deste pequeno canto do continente euro-asiático.
Todos eles, digo, procurando, por vias incertas e confusas, uma hegemonia sob as mais variadas bandeiras, olvidando que o pequeno espaço europeu, numa moderna economia de mercado, terá de figurar na realidade, econòmicamente, como um todo indivisível.
Ora este todo indivisível, muito antes do ano de 1970, não estará já então dominado, e com significado avanço, pelas inúmeras I. B. M. norte-americanas instaladas até na própria Europa?
A idade do ordenador não correrá assim, definitivamente, sob o signo norte-americano?
Louis Armand, que assina com o seu prestigioso nome algumas das últimas páginas de Le Défi Américain, embora navegando em águas um pouco diversas das do autor, e sem qualquer sombra de pessimismo, admite que a Europa, dispondo, como dispõe, de uma incomensurável riqueza de matéria cinzenta, poderá ainda entrar na era electrónica com um grau de progressismo susceptível de colmatar a actual disparidade de posições.
O essencial, diz Louis Armand, é que a Europa aprenda a utilizar convenientemente os conjuntos electrónicos de gestão, em que os ordenadores são, de facto, peças fundamentais, isto para catalisar a renovação total das estruturas das suas actividades. Assim o Velho Mundo terá ainda, afirma, uma palavra a dizer, embora sem a necessidade de tudo pretender fabricar, antes, saber utilizar, nas melhores condições de rentabilidade, os equipamentos. Não é, na verdade, tarefa simples a desta «cibernetização», mas é também o grande e apaixonante trabalho que fascina hoje, ao mesmo tempo, técnicos americanos, russos e japoneses, entre os demais.
Com efeito, segundo especialistas modernos de gestão, por cada homem ocupado na fabricação de uma máquina são necessários pelo menos dez para definirem a melhor maneira de a utilizar, e estes cooperando estreitamente com outros, provàvelmente cem, que conhecendo bem, ao mesmo tempo, as características das máquinas e o funcionamento das empresas e das administrações facultem uma utilização mais lesta e produtiva das mesmas.
É, numa palavra, no trabalho intelectual, que o Americano designa por software, que o Europeu poderá, ainda, encontrar o fundamento de uma quase independência industrial, isto na era que se avizinha.
Trata-se, pois, na expressão de Louis Armand, de a Europa se mostrar mais inteligente com referência ao estudo das estruturas, já que se atrasou, por forma significante, no capítulo dos equipamentos.
Reestruturação educacional das massas nos diferentes graus da aprendizagem, evolução progressiva da estrutura e dos métodos de gestão das actividades, incluindo as do marketing, eis, assim, os grandes pilares da sobrevivência das actividades produtivas do ocidente europeu em face do crescente predomínio da indústria americana. E esta não oculta mesmo a intenção de conquistar, num futuro próximo, para maior expansão das suas actividades, este mercado de excepção, constituído por muitas dezenas de milhões de consumidores de elevada potencialidade de poder de compra.
Quando a Europa, destruída, em grande parte, nos seus mais valiosos sustentáculos económicos, isto no fim do último conflito mundial, procurava, com o auxílio dos investimentos facultados pelo Plano Marshall, reconstruir-se a partir de cinzas, encontrou-se, desde logo, perante a situação inquietante da perda de uma massa incomensurável de matéria cinzenta.
E não foram apenas os cientistas germânicos que, como verdadeiros prisioneiros de guerra, foram levados para a Rússia e para a América do Norte, onde foram, mais tarde, os pioneiros na construção de mísseis e de foguetões capazes de levar a morte aos pontos mais afastados da Terra. Teremos de somar a este número, de facto, a irreparável perda de muitos outros milhares de cientistas dos ramos de física, de química e de matemática, bem como do importante sector de biologia, mortos durante a guerra ou emigrados depois dela finda. Não nos devemos, assim, admirar, ao procurar conhecer a primeira nacionalidade de alguns dos galardoados com o Prémio Nobel, de encontrar nomes ilustres de muitos sábios americanos, mas oriundos, alguns deles, das mais prestigiosas Universidades da velha Europa.
Por tudo o que fica dito, e ainda mais pela notável revivência demonstrada no extenso sector das actividades industriais europeias no pós-guerra, estou com Louis Armand quando pergunta, aludindo à corrida russo-americana para a conquista da Lua, por que é que a Europa não se preocupará, entretanto, com a objectivação de um outro sonho, talvez menos dispendioso de realizar - o de verdadeira aproximação entre os habitantes da Terra?
E será, decerto, tarefa, além de menos custosa, muito mais efectiva na criação de bens capazes de, progressivamente, diminuírem aqueles fatídicos dois terços de subalimentados que constitui a maior nódoa dos tempos contemporâneos.
O exemplo da recuperação japonesa, em ambiente de excepcionais dificuldades políticas e económicas, isto também a partir do pós-guerra, não virá a favor do acerto desta atitude?
Chegou o momento, julgo, de pôr perante VV. Ex.ªs, Sr Presidente e Srs. Deputados, o teor da mensagem portuguesa. Ela ultrapassa, creio, a projecção humana de todas as outras tentativas que correm mundo para o reequilíbrio de uma situação instável sujeita hoje aos mais variados ventos e sob a forte pressão consequente dos
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progressos científicos e tecnológicos verificados a partir do pós-guerra.
Não se projectará ela, refiro-me à filosofia política em que se apoiou o Governo do Presidente Salazar durante cerca de quarenta anos, no aquém e no além do ano de 2000, por forma mais válida na consolidação da civilização ocidental?
Ela não fel baseada, é certo, em respostas oriundas de diálogos, embora profundos, com cérebros electrónicos.
Ela é, como foi sempre, apenas o grito da alma de gerações, modelada por séculos de vivência e de luta insana de inúmeros missionários da Verdade e de batalhadores, que foram abrindo, através dos tempos, ingratos caminhos para a fazer progredir entre povos das mais distantes e diferentes paragens e etnias.
Como poderá então ser definida, nos termos contemporâneos, essa fecunda mensagem de oito séculos, digo, na expressão corrente já internacionalizada - le défi portugais?
Não nos diz ela que os sonhos de universalidade sob o signo luso, do infante, foram, através dos séculos, objectivados em acertadas políticas de gerações, todas elas aparentemente diferentes, mas obedecendo, sempre, no evolutivo, aos mesmos superiores ditames - aqueles que o nosso primeiro rei, el-rei D. Afonso Henriques, recebeu do Senhor, em Ourique, para criar novos mundos?
Não teria sido mesmo, no desolado século e meio de romantismo liberal, em que pelo natural cansaço de um pequeno grande povo, após tão prolongada jornada, se começou a lar, e mal, por cartilha estrangeira, em que a mensagem lusa continuou a ter os mais gloriosos vultos, capazes de a transmitir e de a difundir, digo, este divino testemunho?
Mouzinho de Albuquerque, como D. Carlos, Azevedo Coutinho e Couceiro, como D. Manuel, Norton de Matos, Gago Coutinho e tantos outros, figuras régias, navegadores, capitães e cientistas, não foram todos eles iguais no gigantesco esforço de defender a civilização cristã na Europa, na África e na Ásia, evitando que os inimigos de sempre aniquilassem este modo de vivência que os Portugueses criaram e que o Atlântico funde, há séculos, num único corpo e numa única alma - o Velho e o Novo Mundos?
Por isso, não nos devem admirar as palavras escritas por George Ball, estadista americano de nomeada, após uma longa entrevista tida com Salazar, afirmando que o Presidente português estava profundamente imbuído por uma dimensão do tempo, que não era certamente a dele, levando a curiosa impressão de que Salazar e toda a Nação estavam vivendo em mais de um século, e que o príncipe Henrique, o Navegador, Vasco da Gama e Magalhães eram ainda activos responsáveis pela modelação da política portuguesa. E acrescentava George Ball, dizendo por forma lapidar, que mais tarde, procurando relembrar a conferência tida com o Presidente Salazar, se encontrou perguntando a si próprio - e porque não?
Não terá sido, na realidade, messiânica, a visão, melhor, a antevisão de Salazar, procurando impedir uma maior divisão e consequente desgaste das forças europeias, digo, das nações arrastadas para a luta por hábeis manejadores das forças do mal a soldo do imperialismo eslavo e de certos sectores do capitalismo internacional?
Digo, ma atendo a paz a todo o custo no campo peninsular, em condições de Portugal poder partir, mais tarde e em força, para África, para defender aí o último reduto válido da Europa contra o assalto combinado das forças da subversão?
Quem era, na realidade, nos tempos actuais, por exemplo, esse famigerado professor da Universidade de Siracusa, assassinado recentemente na Tanzânia, e de quem eram e são as armas que a F. B. E. L. I. M. O. usava, e usa, para matar populações pacíficas no Norte de Moçambique? Não ressoa nessas paragens o nome da célebre Fundação Ford de mistura com outros, russos, chineses e cubanos? Quem são os utilizadadores e quem os subvenciona, falo dos inúmeros terroristas que mataram, e matam, milhares de negros e de brancos nas ridentes províncias portuguesas de Angola e da Guiné? A American Committee on África não estará com os mesmos russos, chineses e cubanos nos bastidores deste drama?
Qual é então o forte baluarte contra o qual alinham hoje tão poderosas forças subversivas? Apenas e só a Nação Portuguesa.
Estamos hoje sentindo já, não só nas fronteiras ultramarinas, mas também na retaguarda, esse insidioso e mortífero trabalho ofensivo das forças do mal.
Na frente interna vão mesmo procurando, a todo o custo, deteriorar e deformar os gostos e costumes, prólogo de uma anestesia total dos caracteres. Isto com o objectivo de diminuir a resistência encontrada na solidez do lar lusitano.
Todo este trabalho de sapa, permitam-me a expressão, está sendo conduzido com a suprema mestria de verdadeiros especialistas, que beberam em Freud os princípios em que fundamentam a metodologia psíquica da destruição.
Os variados mentores desta guerra fria sabem bem como, através das artes, das ciências e das letras e ainda das modas, bem como dos vastos horizontes do jornalismo, da radiodifusão e da televisão, se conseguem fazer triunfar os «vírus» mais deletérios que corroem os costumes e as consciências e vão esbatendo os próprios sustentáculos da fé. Sabem bem os altos comandos imperialistas russos e os dos que pretendem destruir, por via da dissolução dos costumes, os alicerces da civilização cristã, para poderem assim, um dia, empunhar o ceptro do mando à escala mundial, que é bem mais fecundo para os seus sinistros desígnios, criar minorias aguerridas e bem doutrinadas nos focos que dominam grandes «extensões» do pensamento humano, do que procurar conquistar maiorias maciças por uma propaganda embora extensa e profunda. E é assim que os comandos actuam. É o que se está passando nos domínios da própria Igreja. É o que nos aparece, com nitidez, no ambiente perturbado das academias e em certas esferas profissionais mais evoluídas.
Mas se é este o panorama do desregramento metódico, pré-fabricado, dos costumes e dos caracteres no Ocidente, e em que a bandeira da internacional marxista é já hoje ofuscada por outros pendões internacionalistas e até pela regra do anarquismo, o que é que poderemos discernir no vasto território do paraíso socialista do Leste e do imenso império chinês, este último ainda, porém, a braços com dificuldades inerentes a uma fase primeira de consolidação à custa de várias e extensas «purgas», bem como procurando a definição de rumos imperialistas adequados à índole do seu povo?
Neste vasto território, mais de metade da Terra emersa, domina, pelo contrário, a disciplina férrea e a ordem impostas por forças militares ou militarizadas. Aí seguem-se rìgidamente os planeamentos das actividades e a hierarquização dos investimentos obedece, não a interesses de sectores ou de clãs, mas, apenas, aos ditames de uma política de gestão totalitária. E assim é que, com referência às indústrias de bens de consumo -reduzem-se ao mínimo os tipos, isto é, vestir, calçar e comer, não segundo
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os gostos e modas, mas apenas conforme as determinantes de uma rígida economia. E quando chegou, nesse paraíso socialista, o momento de aproveitar os benefícios estimulantes da iniciativa privada, isto, apenas, para acréscimo da produtividade industrial, institui-se, de novo, o princípio capitalista do lucro, embora este vá projectar, no Leste, os favores de uma economia cujas virtualidades, sistematicamente, pretendem negar. E, ainda mais quando o afã da industrialização a todo o custo e os erros da colectivização agrária provocaram o caos quanto às possibilidades de sustento das populações rurais e citadinas, lá estavam, felizmente para esses desolados povos, os associados internacionalistas do capital a ocorrer, pressurosos, com os grãos acumulados nos silos da grande e poderosa América e do Canadá. Decerto o mesmo acontecerá, em determinado momento, e talvez, ainda em escala mais elevada, no decurso da evolução do imperialismo amarelo. Apenas terá então de ser substituída a dádiva de trigo pela de arroz e a paga não será, talvez, também na mesma moeda? Quem suportará, contudo, certamente, estes e outros gastos caritativos do internacionalismo capitalista do Ocidente, será fora de toda a dúvida o contribuinte americano e europeu?
Assim vai o mundo dos nacionalismos pseudomarxistas, berços que serão dos novos imperialismos do século que se avizinha.
Talvez seja conveniente agora, para melhor conhecimento da linha de rumo da estratégia e da táctica dos inimigos da nossa civilização, digo, da nossa mensagem, na luta que travam para o domínio do Mundo, dizer algo, embora a traços muito largos e sem preocupações de rigor cronológico, quanto aos tempos sobre a seriação dos passos que melhor definam as grandes linhas da sua actuação ofensiva.
Podemos assim escolher como ponto de partida, destes ventos avassaladores, a cidade de Nova Iorque, isto na segunda década do século corrente. Para muitos dos que me ouvem poderá este facto constituir surpresa. Mas foi, na realidade, nesta grande metrópole do dinheiro que foi organizado o primeiro grupo marxista - cerca de trezentos terroristas, financiado largamente por altas figuras bancárias dessa cidade, como Jacob Schiff, Otto Kahn, Paul Warburg e outros -, cerca de 48 milhões de dólares neste primeiro investimento terrorista. Desse grupo fizeram parte o primeiro orientador da estruturação do exército vermelho, Leon Trotsky, e o seu doutrinador político, Lenine.
Transitaram estes marxistas pela Alemanha, ainda em fase acesa da primeira guerra mundial, e isto com a protecção do chefe da espionagem do Kaiser, irmão de um dos banqueiros nova-iorquinos, e com o consentimento tácito do chanceler Von Bethman-Holhveg.
Depois, é do conhecimento geral o que então se passou - governos populares, assassínios em série e, finalmente, a implantação do regime marxista na Rússia sob a égide política de Lenine. Mas, como marco de maior valia para definir o rumo do movimento, é mister salientar o momento em que foi afastado Leon Trotsky dos comandos políticos e militares da Rússia Soviética. Este é, de facto, o momento histórico em que o movimento internacionalista, apoiado em determinado sector do capitalismo americano, adquiriu, a partir de então, uma feição puramente nacionalista, feição que o golpe realizado mais tarde por duas divisões do exército russo, destruindo a sede e a estrutra da polícia política, viria a consolidar definitivamente.
Estava implantado assim, a partir de então, o imperialismo russo sob a égide de José Estaline.
Depois, mais uma guerra aproveitada pelos dois parceiros desta grande empresa, e, em relação a um deles, ainda na esperança de que a aniquilação do último reduto da civilização cristã levaria, embora por caminhos já mais custosos, ao desejado fim - o do governo mundial sob a égide de uma internacional capitalista.
As decisões das conferências de Ialta e de Postdam marcam, porém, com relevância, a mestria política de Estaline e, assim, largamente inspiradas pelos acólitos comunistas do Presidente Roosevelt, entre os quais Alger Hiss, levaram à destruição total da tradicional barreira de defesa da Europa - os países balcânicos -, abrindo-se, assim, o Ocidente à penetração russa. De nada serviu então a resistência oposta pelo coveiro do império britânico, que ainda quis mostrar o seu poder, neste difícil balancear de influências, mandando aniquilar, com um formidável bombardeamento de aviação, a grande cidade fronteiriça do Leste - a universitária Dresden -, nela ficando sepultados cerca de cento e cinquenta mil indefesos refugiados alemães. De nada, porém, serviu essa extemporânea manifestação de força bruta perante a inteligência do czar vermelo. E assim foi inglòriamente abafada, nesse momento, a já débil voz da Europa.
Como era necessário então para os dois grandes da Terra, os únicos que ficaram em cena depois deste dramático acto, aumentar ainda algo os despojos, escolheu-se um novo método de baralhar influências, no Terceiro Mundo, e isto a partir de uma O. N. U. estruturada por representantes dos dois grandes da Terra, como o Dr. Leo Pasvolsky, Alger Hiss e outros.
Foi assim mais tarde içada, nesse edifício monumental de Nova Iorque, sob a batuta americana, com o apoio do imperialismo russo e dos trampolins socialistas, e ainda do extenso e sonoro batuque afro-asiático, a bandeira da autodeterminação. Mas como os limites desse novo movimento não puderam, pelo artifício da doutrina que o informou, ser fixados com rigor, o vírus da maleita autodeterminante, depois de ter extinguido grande parte das projecções europeias no Mundo, acabou também por infectar os seus próprios divulgadores.
E hoje, com fundamentos dos mais diversos, tanto se aceita uma fragmentação de uma Nigéria até à ínfima unidade tribal como já se fala, e com que insistência, na constituição de um superestado negro no seio da própria República Norte-Americana.
Mas continuemos a indicar mais alguns marcos definidores desta negra caminhada.
Fecha-se, em determinado momento de revivência europeia, o Suez à Europa, cortando-se o cordão umbelical do petróleo do Médio Oriente e as ligações rápidas com o Extremo Oriente asiático. Implantam-se depois na Argélia, e mais tarde no Cairo, fortes bases aeronavais russas, deixando o flanco Sul da Europa sujeito às possíveis ofensivas do imperialismo eslavo. E, de passo em passo, caminhando sempre para ocidente, a bandeira do czar de todas as Rússias tremula hoje bem perto das margens do Atlântico! Está assim realizado o grande sonho de Pedro, o Grande. E não foi necessário aguardar muito tempo nesta corrida russa para os grandes mares para se assistir a mais um passo decisivo, e este dado com o consentimento tácito de um presidente americano e perante o rasgar de um tratado que durara oito séculos. Refiro-me à tomada da nossa martirizada Goa, último farol do Ocidente no Indostão, e consequente transformação do Indico num mar russo.
Estava assim dominado, para efeitos futuros, pela Rússia Soviética a economia da valiosa região petrolífera do Médio Oriente.
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Agora mais um passo nesta caminhada predeterminada para a destruição de influência europeia no Mundo. Esta dirigiu-se directamente ao coração do próprio continente negro, cumprindo-se, assim, a antevisão estratégica de Lenine, quando preconizava essa rota para se conseguir a submissão total da Europa ao oriente eslavo. Refiro-me à conquista do ex-Congo Belga. Para tal, de novo se aliaram as forças subversivas e, sob a égide da O. N. U., utilizando soldados de várias pseudonações negras, da gélida Suécia e material americano, foram «acudidos os interesses belgas e ingleses nas actividades industriais desse país e em sua vez, ocupando mais um vácuo, fixaram-se nesse rico, hoje desolado território, os capitalistas americanos. Esta guerra ficará talvez para a história, conhecida pala do vaivém tchombiano, e no fim dela, a Rússia, como boa jogadora que tem sido, coleccionou mais um precioso trunfo, isto, é claro, tendo em vista negociações futuras.
Seguem-se nesta maré de autodeterminações africanas, além de muitas outras, a Zâmbia e a Tanzânia, após o Quénia, isto é, o fechar das últimas lojas criadas pelo grande ministro da rainha Vitória.
Não será necessário lembrar mais passos, julgo, deste verdadeiro desmanchar de feira da comunidade britânica e de outras c e menor vulto, para definir o que representou, representa e representará para a Europa e para o mundo ocidental a objectivação da sábia política ultramarina de Salazar, digamos a projecção hoje universal da mensagem portuguesa.
Quando as verdadeiras forças da nação americana, e não aquelas que suportam os encargos financeiros das propagandas eleitorais, bem como as que dominam na grande imprensa desse país, pontificarem, efectivamente, na sua política, então sim, melhor se avaliará o que representou para a salvação do mundo ocidental, incluindo nele, como é óbvio, a grande nação americana, o sacrifício da juventude lusa dado em holocausto de uma civilização a que pertencem milhões dos mais evoluídos habitantes deste planeta.
Então se aquilatará, sim, certamente, o valor do desafio português.
E não foi necessário para ta] êxito, nem entrar na corrida dos computadores, nem gastar vultosos haveres para chegar mais cedo à Lua ou a Marte. Bastou, sim, apenas, seguir o rumo dos verdadeiros ventos da história, e não aqueles que o Sr. Mac Donald levantou e que causaram tão grandes tempestades por esse mundo fora. E esperemos também que essa outra grande nação - a Grã-Bretanha - volte ao bom caminho e conquiste assim o direito de continuar a servir uma civilização para cujo esplendor largamente contribuíram, no passado, notáveis pensadores, cientistas e tantos outros vultos dessa maravilhosa terra insular.
Andam hoje muito em voga, dizia há dias em notável «conversa em família», o ilustre Presidente do Conselho, Prof. Marcelo Caetano, referindo-se «aos termos direita e esquerda para significar posição política em relação aos quais se procura situar o Governo»:
Trata-se - dizia - de palavras de sentido muito equívoco. Todavia, se a essência de esquerda está no movimento, se o espírito da esquerda é o da reforma social, não me esquivo à qualificação que dessa tendência possa resultar. Mas na medida em que a direita signifique a manutenção da autoridade do Poder para permitir a normalidade de vida dos indivíduos, o respeito das esferas da legítima actividade de cada um e o funcionamento das instituições que asseguram a ordem -então, e sobretudo nos tempos que correm, creio que nenhum governo, em qualquer regime que seja, pode deixar de ser dessa direita.
E assim termino, após a leitura deste conceito lapidar, dizendo que a mensagem portuguesa leva-nos a seguir em frente, continuando a dar ao mundo, pelos tempos fora, o necessário alento para que surjam na estrada do porvir novos marcos de resplandecente progresso, de esperança sincera e de verdadeira paz entre os homens.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: Diz-se que a análise, o ordenamento e legado, da história devem ser renovados em cada geração, porque a esta pertencem.
A verdade não dorme, e mesmo nos seus momentâneos obscurecimentos se está fazendo a luz dos seus novos trabalhos.
Nos últimos anos, a pesquisa e a reconstrução da história do vinho do Porto avançaram vários marcos, que convém registar para melhor compreender, e, sendo assim, melhor solucionar.
Por aqui começo.
Warner Allen, o mestre André Simon, William Jounger, Eduard Hyarns e outros melhoraram os fastos e contribuíram com novos acertos.
Também o nosso brilhante colega Prof. António Cruz, mostrou há pouco como, nas vésperas de Alcácer Quibir, o vinho de Ribadouro era metido em Miragaia e dali carregado para a Europa fria ou reexpedido através da feitoria de Viana do Castelo.
Um diplomata do Foreign Ofnce, A. D. Francis, escreveu sobre os «Methuens em Portugal» de 1691 a 1708.
Dá números de rigor sobre as carregações de vinhos portugueses e de vinhos portuenses entrados em Inglaterra.
Nós comprávamos cada vez mais, e de tudo - tecidos e sedas, chapéus e calçado, biscoitos e bacalhau, arroz e trigo -, o que ainda hoje continua.
O vinho de saca demonstra-se ser de embarque, segundo a nomenclatura das nossas leis e de Ribeiro de Macedo, e não quer dizer «seco, ou seja, xerez. O vinho osey era de dessert e caro.
O primeiro vintage chegado a Londres era da magnífica colheita de 1775, em garrafa evoluída.
O consumo do porto estava difundido no tempo do rei Guilherme e da rainha Maria.
Sabe-se quando chegaram a Inglaterra e como eram as primeiras garrafas. Em 1720 já era prática corrente dos mercados ingleses o reforço com aguardente.
Portanto, devemos acompanhar tais estudos e o património deles decorrente deve ser preservado.
Existe em Gaia um esplêndido museu da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas de Alto Douro, que deve ser acrescentado e melhorado, e parece-me que tão prestigiosa instituição pombalina devia vender apenas vinhos de alta estirpe e de elevado preço, não vulgarizando um nome mais que respeitável.
Nós dispomos de um lugar invejável na produção e comércio mundial. Titulamo-nos com dois brasões invejáveis: o porto e o madeira.
Mas outros poderiam apontar-se. Só por si, o porto encerra um capítulo dos mais brilhantes da nossa história económica.
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A sua ascendência mostra-se mundialmente reconhecida.
Nenhum vinho do Mundo possui atestados tão firmes de genuinidade, pureza e qualificação.
Produto de uma região demarcada e restrita, estritamente fiscalizada na produção, reforço, transporte e armazenamento, no vasilhame e na expedição, ele acentua a qualidade e o perfume das uvas, aproveita dos verões calmosos, ostenta uma velhice radiosa, combina as cores doiradas, do rubi ao âmbar, mostra personalidade aos três, quatro anos, e atinge a perfeição incrível dos quinze aos trinta, mas ninguém pode dizer que declina aos quarenta, porque ainda há hoje 1815 convincentes, mas caríssimos.
Tradição, nobreza, bouquet único, inimitável, originalidade que desafia as cópias e rivalidades, cálido e deleitoso, apaixona os conhecedores e convence os que o não conhecem.
Marca nas famílias as grandes celebrações.
Faz roda de amigos e conserva-os.
Melhora a convivência.
Torna a vida amável e graciosa.
Como vamos ver, a sua exportação recompõe-se, os seus mercados permanecem fiéis e as suas altas qualidades afinam-se e garantem-se, mercê de uma mecânica institucional inabalável e de leis corporativas de rigor, sensatamente executadas.
Nem tudo serão críticas.
E aqui começo por prestar a minha homenagem, não só à produção e à sua Casa, mas à Câmara dos Provadores, ao esplêndido Instituto do Vinho do Porto e ao poderoso Grémio de Exportadores, com o seu entreposto em Gaia.
Certamente, este capítulo de instituições e regras é severo, talvez pesado, mas mostra-se dignificante e progressivo.
O que vou apontar agora são meras observações extraídas destas ideias firmes que tanto enobrecem.
Não terão altura para críticas, mas merecem que se reflicta nelas, para além da literatura de reconhecimento e preito.
Parece-me que na política estabelecida, de resultados tão úteis, haveria vantagem em discutir se vale a pena conservar ou insistir em certos tipos:
Bastardo ou bastardinho;
Lacrima christi;
Malvasias;
Rosés e moscatéis.
Já vi garrafas com a designação de «mistura», o que me parece impróprio.
Também não gosto da apresentação de portos encanastrados, como se da Madeira fossem, e menos ainda vinhos tão forçados na secura que se aproximam dos xerezes.
Cada um, senhor no seu principado!
Seja como for, a melhoria e afinação dos tipos produzidos e exportados, a utilização de garrafas tradicionais, a beleza da apresentação, merecem os maiores louvores e parece-me que o público indistinto premeia o esforço realizado.
Não há formosura sem senão.
E num mundo livre e desorientado não escasseiam as tentativas fraudulentas de cópia, adulteração e falsificação deste primor natural.
Houve tempo que o vinho rotulado de «porto», mas sem ligação com ele, andava por outro tanto, no mercado mundial.
Hoje será mais, ainda.
Vendem-se, pelo mundo, cópias plebeias, imitações rasteiras, fabricações imitativas, que utilizam o nome e o título do nosso rei dos vinhos porque não é possível encontrar nas leis e obter nos tribunais desses países a salvaguarda dos interesses legítimos, do nome de origem, do tipo comercial e das marcas patenteadas.
Tudo é calcado aos pés, e daí resultam portos, e também xerezes, cor de café com leite, vinhos balseiros, sem generosidade, com perfume de farmácia, entorpecidos e plebeus e até escaldantes ou rançosos.
Um jornalista que abandonou a profissão e que montou um vinhago na Austrália distingue-se tristemente naquela literatura.
Diz que o porto parece feito para o paladar de caçadores de raposas e atesta que o socialista alemão Thomaz Man chamava ao porto «uma bebida para amadores».
Não sei se ele era profissional. (Risos).
Na Austrália, no estado da Califórnia, no Oaio, no estado de Nova Iorque, na África do Sul, fabricam-se «a martelo» portos imitativos, sob protecção local, alegando que as castas, as colinas e a fabricação se mostram similares às nossas.
O enólogo americano Leedom, que conhece perfeitamente o assunto, afirma, porém:
É uma desgraça que o porto não seja bebido mais largamente e mais apreciado neste país - Estados Unidos.
E acrescenta:
A diferença entre o verdadeiro porto e as imitações americanas e outras é a do dia para a noite.
É o que nos basta.
Direi, porém, apesar do esforço formidável de transplantação e de industrialização, das novas técnicas e dos acabamentos, as contrafacções de porto nem sequer são uma lembrança, mas apenas um reflexo em água pantanosa e chilra.
Vejo que também existem novas imitações entre os russos, japoneses e mexicanos.
Vamos aproximar-nos agora das correntes mundiais do comércio.
A exportação de vinhos, em cada dia que passa, mostra-se problema dificultoso de solucionar, dominado como está por factores complexos e matéria como é essencial ao desenvolvimento e expansão.
Baseia-se em técnicas especiais, mas afinadas, um conhecimento profundo e subtil dos mercados, com suas tendências, requer domínio das línguas estranhas e escrita de rigor e conhecimento das políticas de câmbio e de consumo e dos acordos genéricos e bilaterais sobre tarifas.
Tem havido crises gigantescas, alterações profundas de moeda e câmbios, práticas desviadas, medidas e contramedidas de retorsão, mudanças de gosto, que não dão um instante de repouso aos exportadores.
Estes, a braços com tantas dificuldades, têm ainda de dispor de créditos especializados e preparar-se para uma luta competitiva, onde falece o direito e onde se perde às vezes o cavalheirismo.
A socorrê-lo está a propaganda, a promoção de vendas em país estranho, que não são isentas de dificuldades e carecem de remuneração de alto preço.
Claro que a propaganda é o mais patente milagre destes tempos.
E de tal ordem que tantas vezes se acredita mais o gato que a lebre!
Ela sugestiona, leva a aceitar, recomenda, convence, faz adeptos de um momento para o outro, cultiva, penetra, toma uma fortaleza e, uma vez conquistada uma posição, tem de reforçá-la e defendê-la.
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Com tal chave de segredos se abrem as portas e penetram os blocos mais cerrados.
Louvo, por isso, o que se tem feito na banca para melhorar e esclarecer os créditos conferidos e as ousadias e lutas dos exportadores per manter íntegro o crédito do produto e assinalar juridicamente um triunfo natural indiscutível.
O Sr. Cunha Araújo: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Cunha Araújo: - Sabido como é que as exportações estão condicionadas às existências (stocks), muito se contribuiria para a expansão do vinho fino do Douro (vinho do Porto) se se aumentasse o crédito aos exportadores e se lhe facilitasse a longo ou a médio prazo, por forma que mais amplamente pudessem negociar e expandir a sua mercadoria. Era só isto que desejava acrescentar às considerações de V. Ex.ª
O Orador: - Muito obrigado.
Comecemos pela França.
É desvanecedor que a França ocupe o primeiro lugar nas importações de porto e haja suplantado os nossos velhos aliados.
A França possui no seu armorial títulos e brasões incomparáveis - os borgonhas, os médocs, os conhaques e os champanhes-, e se bebe porto pela maneira por que o está fazendo, dá merecidamente as palmas a quem as merece.
A capital das elegâncias continua a ser em Paris - indestronável.
Paris dita a moda, Paris é a moda, e ela está ditando que nas recepções, nos diálogos, nas reuniões de mundanidade e elegância se beba porto como entretenimento, intensificação de amizades, convivência delicada e atractivo.
O calendário mais ou menos protocolar estabelece que o «porto de honra» seja uma hora de glorificação, que as grandes ocasiões sejam humedecidas com porto, que a «hora do porto» pertença a combinação delicada de bem recebei e de bem acompanhar.
Só o ano passado o mercado francês subiu 7 por cento.
A França consumia antes já o dobro da Inglaterra.
De 5 milhões de litros em 1959, chegou-se a quase 13 milhões de litros o ano passado.
Faz certa impressão que os portos engarrafados não correspondam à aceitação e propensão que temos de algumas marcas.
Também ali são fornecidos em taras pouco correntes - bonbonnes e encanastrados.
Encontram-se também firmas de importadores britânicos aqui não conhecidos.
Falei cem um armazenista que me pareceu consciencioso e disse haver o maior cuidado em passar o porto dos cascos e recipientes para as garrafas e que as imitações estavam banidas.
A moda continua porto e roquefort.
Mas há por lá Reserve Alto Douro, Casa del Porto encanastrado, porto rosé e outras singularidades.
Talvez valesse a pena mandar lá um provador a ver por onde param as modas.
Um historiador inglês, Raymond Pastgate, afirma:
Há uma coisa em que estão de acordo a classe trabalhadora, a classe média e a classe mais elevada: nada há tão apetecível como um bom cálice de porto.
Sabe-se que de todos os vinhos do Mundo, o porto é o que mais interessa aos Britânicos. Interessa!
O gosto pela bebida famosa vem do tempo da rainha Catarina de Bragança.
As proibições de importação de vinhos franceses, no tempo de Carlos II e de Guilherme de Orange, determinavam o afluxo do porto e dos vinhos portugueses.
Era a idade de ouro daquele néctar.
The englishman and his port torna-se um paradigma, geralmente aceite. Mas os maiores tributos literários vieram do Doutor Jonhson, de Oxford, e de Meredith, no Egoísta.
Tem-se acrescentado que o porto deve a sua existência a ingleses conhecedores e industriosos.
Tem-se ido mais longe, afirmando que existe uma ligação temperamental entre os Britânicos e aquela perfeição das nossas encostas e vales.
Nenhuma dúvida existe em reconhecer que foram os mercadores britânicos que fizeram dele um objecto marcante nos fluxos e contrafluxos do comércio mundial e que o associaram aos carregamentos de bacalhau. Sempre que a Inglaterra se afastou da balança de poder continental aproximou-se de nós e do porto.
Existe uma documentação histórica imensa - memórias, versalhadas, literatura, cartas de banquetes, historiografia; tudo isso atesta a ascendência e predomínio do porto nas mesas, nos bares, nas estantes e frasqueiras.
Alguns ingleses pensam mesmo que o porto se enriquece mais de qualidades no subsolo londrino do que nos armazéns de Gaia.
As alterações monetárias, a luta mercantil, as mutações políticas, a vaga do xerez no tempo de Afonso XIII, têm repercutido sobre a importação.
Mas, segundo alguns, será pior - a revolução dos rendimentos e os exageros da fiscalidade, que empobrecem em vez de enriquecer. O declínio daí resultante parece, porém, travado. Os leilões continuam. Os vintages sobem de cotação.
E se as decepções continuarem, também os Ingleses despertarão para a fidelidade da aliança e para a perseverança no porto.
Passemos à República Federal Alemã. O terceiro lugar na importação pertence a esta.
Ali o branco reno sucede ao branco mosela e fazem ambos sede, na alternativa.
Do reno há cem tipos e as garrafas vendem-se caras, de 37$ a 70$, na nossa moeda.
Surpreendeu-me que o porto, com toda a sua nobreza e recomendação, fosse vendido barato - logo depois dos vermutes e por baixo dos xerezes. É claro que há ali uma grande cadeia de restaurantes italianos que propõem os seus vinhos, e a cerveja obtém predomínio mais que maciço. Há, pois, muito que fazer.
Reporto-me agora à Bélgica. Esta ilustre nação teve entre as duas guerras, em Antuérpia um centro de comercialização de portos imitativos e desacreditados.
Mas hoje, nos restaurantes e rôtisseries de categoria, serve-se porto das melhores marcas, autêntico.
O mercado perdeu, mas recupera desde 1956.
Quanto aos Estados Unidos, já disse alguma coisa que dá que pensar.
Na grande federação norte-americana as leis de comércio e consumo variam de estado para estado.
Estes protegem as marcas e firmas americanas, mesmo quanto elas copiam ou imitam as produções requintadamente europeias.
Há porto americano, com aparências de tom, sabor e com garrafa, em quatro grandes estados.
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São vinhos de rebuçado e de pastelaria que correm como portos, nos bares, drug-stores, farmácias armazenistas, e que não aceitam as convenções, o direito internacional, nem o direito mercantil.
Alguns americanos querem alinhar com os conhecedores ingleses, mas outros, o grande número, não fazem ideia nenhuma do que se passa. Tem de trabalhar-se junto dos sommeliers e donos de restaurante e armazenistas de categoria.
Assim estão as coisas mal e não se lhes vê fácil remédio.
O ultramar português constitui, em potencial, um enorme mercado para os vinhos portugueses.
Já em 1922 os estrangeiros consideravam admirável que os nossos territórios absorvessem uma parte importante das nossas expedições.
Isso devia-se à população mais civilizada, ao regime liberal de entrada e ao trabalho magnífico de uma civilização assimilável.
Os regimes agora tendem para a unificação, a propaganda é substituída pelo convívio indiscriminado e o nivelamento de remuneração asseguram perspectivas.
A bebida dos portos tradicionais levanta problemas em países quentes, mas já assim não é com os portos brancos, que podem ser gelados ou on rocks.
Nos «pôres do Sol» e até nos serões há um gosto pronunciado pelos whiskies, o que aproxima as nossas elegâncias de além-mar mais dos moors escoceses do que do asfalto dos boulevards.
As libações de whiskies antes das refeições - diz um médico do ultramar - são dispépticas.
Mas a apreciação do porto depois da refeição é o contrário - eupéptica.
O Instituto e o Grémio têm de ver esta quebra da nossa presença.
Vou referir-me agora aos portos vintage, que se nobilitam entre todos pela celebridade da colheita e pela distinção do perfume e sabor, e aos brancos, porque, mais leves e delicados, desfrutam agora de popularidade e voga.
Comecemos pelos primeiros:
Os vintages são entre nós conhecidos por «novidades», tornam-se famosos por serem produto de uvas e vindimas de qualidades e condições excepcionais. Haverá três, quando muito, nas colheitas de uma década.
Passam nos armazéns das quintas ou em Gaia, no tonel, dois a três anos, o máximo.
São a seguir engarrafados e o trabalho de afinação e eterização continua na garrafa.
Como a meteorologia e as vindimas variam e o tempo é incerto, um vintage pode ser para uma quinta e não ser para outra, em qualquer caso, a paz das frasqueiras faz do jovem famoso um portento.
Os vintages estão pouco difundidos entre nós, mas são em demasia conhecidos dos Londrinos e objectos ciosos de leilões da City.
No meu entender, sem serem tão velhos e respeitáveis como os vinhos dos tonéis e cascos, possuem perfume característico, individualizado, sabem mais a uvas, aproximam-se da generalidade dos tintos, correm melhor, escorregam e possuem grande riqueza de bouquet e de paladar.
Talvez sejam menos danosos para o fígado e, uma vez bem conhecidos, tornam-se companheiros.
Há anos famosos: 1835, 1863, 1868, 1896, 1908 e 1927.
Da garrafa deve constar o ano da colheita e o ano do engarrafamento, tanto mais que os vintages amortecem aos vinte anos.
Ultimamente, os meus amigos franceses distinguem os bordéus e borgonhas apenas pelos anos famosos das colheitas célebres, e é isto que torna preciosos e caros os vintages.
Se me são lícitas algumas observações como duriense, insistirei no seguinte:
Haveria vantagem que os vinhos desta classe contivessem sempre a indicação das quintas ou propriedades originárias, como já acontece com o Noval, Foz Malvados, Bom Retiro, Tordiz, Boa Vista, Junco, se não estou em erro.
Depois não faltariam também o ano famoso da vindima e a seguir o ano de engarrafamento - isto já se faz na maioria dos casos.
Para mim - mas entrego o caso a quem de direito corporativo -, não deveria ser permitida a exibição de dizeres comerciais, tais como: tipo vintage e vintage character visto que se diz, onde» se não diz.
Tem-se afirmado que o porto branco possui menos nobreza e, portanto, menos distinção o exorna.
Há quem afirme que se mostra ácido, hostil e difícil.
Manifesto exagero!
O porto branco, por mais leve e delicado, parecerá menos rico, mas reveste-se de igual poder, força, aromas e espírito.
A praxe consagrou-o para o aperitivo e para as horas menos solenes.
Diverge do xerez e do marsala.
Torna-se belo com os anos e aproxima-se do tom casca de cebola.
A sua finura adelgaçada não lhe tira o apanágio do brilho e permite-lhe servi-lo on rocks.
Seja-me permitida ainda uma nova observação.
Já vi dois ou três portos brancos de uma secura amarga que pareciam estabelecer competição com os xerezes dos nossos vizinhos.
Isto é perfeitamente desnecessário. A cada um o seu reino, por direito próprio, como já atrás disse.
O investimento:
Surge agora - e no final da minha intervenção - um capítulo inédito e para alguns inesperado: o do investimento.
Os escritores referem-no por excepção.
O porto não é negócio chorudo, mas pode ser uma aplicação regularmente vantajosa.
A oferta limitada, a certeza de melhoria com a idade, quer no casco, quer na garrafa, a regularidade das suas faculdades afirmam-no como objecto de negociação no mercado mundial.
Hugh Johnson mostra que um vintage adquire preço ao fim de dois ou três anos e que um vinho velho duplica de preço ao cabo de quinze anos.
Ele é ainda objecto de leilões como preciosidade.
Em Gaia há, porém, certo pessimismo, contràriamente a Londres.
Diz-se que o capital investido não renumera senão 2 por cento; reinvestimento, actualização de armazéns, imobilização de stocks, escoamento para o mercado mundial e despesas de propaganda contam por muitas cifras.
Há quem queira colocar cedo, alterar para isso a lei do terço.
São frequentes as queixas do abastecimento de aguardente, fornecida em condições menos onerosas que o xerez.
Também este último é posto nos mercados externos em condições favoráveis, obtendo, porém, mais elevadas remunerações.
São problemas dificílimos - como se vão inventariar vasilhas seculares, vinhos mais que preciosos, intimidades e alianças comerciais conquistadas por antepassados?
E o valor das casas, das marcas, das fidelidades e propensões do consumidor?
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Na história, na literatura, na expansão, no crédito alcançado pela moda, estamos numa ocasião manifestamente favorável e propícia aos negócios.
Aqui não devemos deixar passar esta oportunidade sem o registo devido e o incitamento necessário aos que bem trabalhando alargaram o domínio desta riqueza, única no Mundo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Melo Giraldes: -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi hoje a palavra para chamar a atenção da Câmara e, através dela, do Governo para a injustiça, e até arbitrariedade, de certas disposições do Regulamento de Pequenas Barragens de Terra, aprovado pelo Decreto n.º 48 373, emanado do Ministério das Obras Públicas e publicado no Diário do Governo de 8 de Maio de 1968.
Este Regulamento, nos artigos 1.º e 2.º do seu capítulo I e em relação à elaboração dos projectos e direcção técnica destas obras, estabelece um privilégio em favor da engenham civil e uma escala de qualificação, sem o devido respeito pela categoria do curso superior de Agronomia, nem pela competência e dignidade profissional dos engenheiros agrónomos e que, para além dos prejuízos materiais que lhes possa causar, coloca estes técnicos numa situação de inferioridade perante si próprios, que os ofende e revolta, pois constitui uma baixa de classe que não merecem e em relação a trabalhos que constituem matéria do curso que os diplomou e para os quais, na prática, têm já provas concludentes da sua superior qualificação.
O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª está tocando a questão, sempre delicada, das competências dos técnicos em artes servidas por informação científica comum. O que interessa, porém, é o sentido da especialização, pois sob o mesmo nome podem nas escolas tratar-se diferentemente as matérias.
Devo dizer que mesmo o humilde material que é a terra pode dar surpresas na construção. Se V. Ex.ª mo permite, dir-lhe-ei que sei de agrónomos que encontraram surpresas na execução de barragens, e dir-lhe-ei o meu exemple pessoal, que, sendo de formação engenheiro civil, mesmo assim recorri a um especialista para uma dessas que quis construir para mim.
O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª o reparo com o qual concordo, e c que afirmo é que os engenheiros agrónomos têm preparação suficiente para resolver os problemas que lhes possam levantar essas surpresas, que, como V. Ex.ª acaba de dizer, podem apresentar-se também a engenheiros civis.
Na memória justificativa do dito Regulamento reconhece-se o grande incremento que tem tido, recentemente, a construção de pequenas barragens de terra para o estabelecimento de regadios, e afirma-se como necessário um doer mento normativo referente ao seu projecto e construção, pela tendência, que diz haver muitas vezes, para simplificar demasiado os estudos do projecto e os cuidados da construção de tais obras, devido às suas reduzidas dimensões.
Estabelece o Regulamento a altura de 15 m e a capacidade de 1 milhão de metros cúbicos como limites abaixo dos quais as barragens de terra são consideradas pequenas e o Regulamento aplicado.
Trata, portanto, o referido documento de obras para fins que só excepcionalmente poderão não ser hidroagrícolas e para cujo estudo, projecto e construção o curso superior de Agronomia fornece as necessárias habilitações através das cadeiras de Projectos de Construção e de Hidráulica Agrícola e de Hidráulica Geral e Agrícola, além das que as precedem e preparam.
No entanto, e apesar disso, o artigo 2.º do capítulo I estipula que a elaboração dos projectos dessas barragens incumbirá a engenheiros civis, atribuindo assim a esta categoria de técnicos o exclusivo da competência em tal matéria, ignorando, esquecendo ou desprezando a que os engenheiros agrónomos têm o direito de reclamar lhes seja reconhecida, no mesmo grau, porque o seu curso lha dá e os trabalhos por eles realizados em todo o País o comprovam, e nenhuma comissão ou regulamento terá o direito de lha retirar.
E, como prémio de consolação, mas a agravar o efeito moral desta desqualificação, o mesmo artigo 1.º do capítulo I cria uma categoria de minibarragens, de altura inferior a 8 III e capacidade menor que 200 000 m3, para as quais o Regulamento poderá ser, total ou parcialmente, dispensado e a Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos poderá aceitar que os projectos sejam elaborados por engenheiros agrónomos ou agentes técnicos de engenharia.
Não será a equiparação dos agentes técnicos de engenharia aos engenheiros agrónomos, em relação a estas obras, que diminuirá estes últimos técnicos, mas o que não poderão aceitar é que seja decretada a sua incompetência em trabalhos para os quais o respectivo curso especialmente os habilitou, com mais ou menos competência que o curso de engenheiro civil, será discutível, mas com certeza com a competência necessária para satisfazer as exigências deste Regulamento no que respeita à elaboração dos projectos e construção de todas as barragens de terra que nele são consideradas, e com tanta mais razão quanto essa limitação lhes é imposta depois de existirem já no País mais de 50 barragens deste tipo e dimensões a funcionar sem qualquer problema e cujos projectos e direcção técnica se devem a engenheiros agrónomos.
Estas disposições regulamentares, impedindo os engenheiros agrónomos de utilizar integralmente as suas habilitações, prejudica-os pessoalmente, mas prejudica também o País, que não pode, como tanto precisa, aproveitar toda a rentabilidade destes técnicos para o desenvolvimento e reconversão agrícola da terra portuguesa, que depende em elevado grau da possibilidade de utilização da água, com baixos encargos, para fins de rega.
E não são os grandes empreendimentos hidroagrícolas que se adaptam mais econòmicamente às nossas condições fisiográficas, nem a barragem muito pequena, que se torna geralmente antieconómica, uma vez que o custo sempre elevado de certos órgãos de segurança e utilização é função do caudal de cheia da linha de água que a serve, e não da sua capacidade de armazenamento.
São exactamente as barragens consideradas no Regulamento que permitem o mais baixo custo da irrigação dos terrenos que possuam aptidão para o regadio, que em Portugal se apresentam em lotes geralmente pequenos e dispersos, embora em quantidade apreciável, e que exigirão, por isso, muitas barragens, dispersas e pequenas, proporcionadas às áreas que pela sua qualidade se possam regar com lucro.
E, sendo o fim último das pequenas barragens de terra o regadio, e não podendo a concepção fundamental de um projecto de uma obra de rega abstrair de todo o con-
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dicionalismo da sua utilização e exploração e até dos resultados económicos que condicionam o investimento, o técnico que a projecta não poderá estar desligado dessa finalidade e desses factores, cuja consideração é essencial à economia das soluções técnicas.
Para se projectar qualquer barragem com vista ao estabelecimento de um regadio deverá, inicialmente, proceder-se à determinação do volume total de água necessário à rega da zona a beneficiar. É esse volume que condiciona as dimensões da barragem, e depende:
a) Da área a regar;
b) Das culturas previstas;
c) Da dotação de água;
d) Do sistema de rega.
E, além do estudo da barragem, qualquer projecto de beneficiação hidroagrícola racionalmente elaborado deverá apresentar o estudo:
a) Da adaptação ao regadio;
b) Da rede de rega;
c) Da rede de enxugo.
E para que estas obras de hidráulica agrícola possam considerar-se realmente uma beneficiação deverá o seu projecto fazer-se acompanhar por um estudo económico que justifique a sua construção.
Para obter e interpretar estes elementos, que, embora omissos no Regulamento, são indispensáveis para definir completamente a obra e justificar o seu dimensionamento, como exige o artigo 3.º, e justificar também o seu custo, como exige o interesse do beneficiário e do País, julgamos ser o engenheiro agrónomo o técnico indicado, além de que todos os outros estudos e cálculos exigidos pelo mesmo Regulamento estão perfeitamente ao seu alcance.
É por isso que, não só entendemos de justiça lhe seja oficialmente reconhecida a competência que tem para elaborar os projectos de todas as pequenas barragens de terra, como pensamos ser de toda a conveniência, para o êxito de uma política de fomento hidroagrícola, que nenhum projecto de regadio possa deixar de ser assinado por um engenheiro agrónomo.
O que não se pode compreender é qual a razão por que se proíbe a estes técnicos a assinatura de projectos e direcção técnica de barragens com altura superior a 8 m e capacidade de armazenamento maior que 200 000 m3.
E por que abaixo destes limites?
Não haverá pequenas barragens de terra com menos de 8 m de altura e de 200 000 m3 de capacidade cujo projecto e construção tenham apresentado maiores dificuldades do que outras com maiores dimensões, nomeadamente no que diz respeito às características dos terrenos de fundação ou ao cálculo e construções do descarregador de superfície, no caso de grandes bacias hidrográficas?
A quem compete definir competências?
Neste caso foi uma comissão formada exclusivamente por engenheiros civis que elaborou o Regulamento, e um Ministro, também engenheiro civil, que o assinou.
Além do aspecto ético de uma classe de nível universitário ter a sua competência definida por outra classe de igual nível, que actuou como juiz em causa própria, pode prever-se que o conhecimento da preparação da outra classe fosse insuficiente.
Mas, como já afirmei, as matérias professadas no curso de Agronomia e Silvicultura cobrem amplamente o campo de conhecimentos necessários para o cumprimento do Regulamento.
E as realizações até ao decreto provam que para as obras nele consideradas não havia diferença sensível entre engenheiros agrónomos e engenheiros civis, e que até os primeiros tinham consciência das suas limitações, não indo além daquilo a que se sentiam habilitados.
Por que, então, esta discriminação?
Se se torna necessário um regulamento, e se os projectos são sempre sujeitos à aprovação da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, parece que o que esta terá de exigir é que eles estejam de acordo com as normas desse regulamento.
Ou para quê, então, o Regulamento, se o que dá confiança ao projecto é a antecipada qualificação de quem o pode assinar?
Chamo por isso a atenção do Governo para a injustiça e inconveniência das disposições do artigo 1.º do capítulo I do Regulamento de Pequenas Barragens, pedindo, que sejam modificadas de acordo com as realidades e com a justiça, pois, se o suposto desconhecimento da preparação dos engenheiros agrónomos poderia desculpar que tivessem «passado» na aprovação do Regulamento, só por razões de classe poderão continuar em vigor, depois das fundadas reclamações que originaram e da proposta de modificação apresentada na Ordem dos Engenheiros.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Henriques Mouta: - Sr. Presidente: Uma das minhas primeiras intervenções nesta Câmara foi a solicitar a melhoria das comunicações no distrito de Viseu. Parecia então, a julgar pelas informações da imprensa, despontar a madrugada da nova era no horizonte da história daquelas terras do interior, ia a dizer do coração do País. Em Viseu renascia a esperança de ver o distrito servido por um caminho de ferro à altura das suas necessidades, uma via larga que acabasse com o seu estrangulamento económico, permitindo a circulação eficiente de mercadorias e de pessoas e desta sorte estimulando a industrialização e promovendo o desenvolvimento económico-social de vasta e populosa região.
Já lá vão quatro anos. E até à data a única melhoria em perspectiva e para breve execução, nas comunicações de Viseu com Lisboa e outros centros do País, é o serviço de táxis aéreos, cuja inauguração está prevista para o próximo Abril. E aqui deixo, em nome da cidade e distrito, e interpretando os sentimentos de outras cidades e distritos que irão beneficiar desta iniciativa, o meu agradecimento a todas as entidades que tornaram possível concretizar-se esta grande aspiração. E muito especialmente à Direcção-Geral da Aeronáutica Civil e à TAP.
Quanto ao caminho de ferro, via larga, não chegou a entrar nem a sair do Pocinho, mas ficou no poço ... do esquecimento. E, não por oposição de forças que advogassem que ao interessinho de um concelho devia ser sacrificado o interesse de quinze concelhos, pela inércia das coisas e talvez por sugestão de possíveis estudos técnicos, a linha não arrancou. Entretanto, o minério ferroso de Moncorvo ... esse foi ... ou irá pela água a baixo. Irá quando for arrancado ao seu limbo milenário. Pela água a baixo, até Leixões, donde embarcará para Lisboa e outros destinos. Não certamente por causa de a linha do Norte estar congestionada de tráfico, mas porque será mais económico o transporte flúvio-marítimo, se não for porque o ferro prefere fazer turismo de cruzeiro.
Sr. Presidente: Para mais próxima e fácil execução estaria a actualização dos serviços do vale do Vouga, mais que ronceiros, sem eficiência, anacrónicos. Mas
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tudo permaneci, como há quatro anos - velocidade e comodidade, horários e material. E, para cúmulo, na planificação elaborada para modernizar os caminhos de ferro portugueses, o vale do Vouga não aparece incluído na 1.ª fase. Ronceiro em tudo. E assim se passou também esta esperança.
Estou seguro de haver razões válidas que não sejam votar ao ostracismo uma zona, nem dar muito a quem já tem muito e pouco a quem dispõe de pouco. Não é de admitir outra coisa, pois sabemos o empenho do Governo em corrigir ou atenuar os desequilíbrios de desenvolvimento. Razões técnico-económicas. Mas não seria mau dizê-las. Sei que nem sempre é possível dar explicações, e, se é possível, não é justificável, quando contende com o bem comum. Parece, porém, que não é o caso. E uma informação sumária teria evitado que o homem da ma concluísse precipitadamente: a modernização das linhas do Dão e do Vouga fica para o ano 2000! Por mim, continuo a confiar, confio mais que nunca, porque vejo o Governo da Nação empenhado na aceleração do desenvolvimento geral da nova economia e ao leme do departamento em causa o dinamismo realizador e justiceiro do Ministro Canto Moniz. E não ignorando que o momento é difícil, porque as necessidades são muitas e os recursos limitados, saberemos esperar pela nossa hora, que há-de chegar e antes do ano 2000.
Sr. Presidente: Enquanto não se dispõe de meios para uma resolução de fundo dos problemas ferroviários do distrito de Viseu, seria oportuno, até porque urgente, proceder desde já a rectificações, complementos e aperfeiçoamentos de pormenor, que não prejudicassem a planificação a longo prazo e nela se integrassem ou, pelo menos, ateimassem as sérias e gravosas dificuldades do presente. Não faltam arestas a limar. Sai-se de Viseu, por Mangualde, pelas 5 horas da tarde e 7 horas menos 15 minutos depois está-se finalmente em Lisboa. Parte-se de Santa Apolónia às 7 horas e 25 minutos da tarde de um dia e chega-se a Viseu à 1 hora da madrugada do dia seguinte Mas, para tanto, foi preciso fazer parte do percurso de «foguete» e outra de automotora e alugar carro em Mangualde, aproximando-se o seu custo do de uma viagem de Lisboa a Mangualde em carruagem de 2.ª classe. Saindo, de Santa Apolónia às 8 horas e 30 minutos matutinas, espera-se demasiado na Pampilhosa e atinge-se Mangualde pelas 14 horas e 30 minutos e 1 hora mais de camioneta (que desta vez não falta ligação, embora não seja imediata) põe-nos em Viseu.
Pelo Dão, agrava-se a odisseia. Não errarei muito se disser que um mortal leva 7, 8 ou 9 horas para alcançar a capital da Beira Alta, com risco de chegar já velho. Velho e carregado de pó e com o corpinho traumatizado.
Não estou dentro da complexidade técnica dos problemas. Ela, porém, adivinha-se e pressente-se mesmo. Todavia, melhor coordenação dos serviços, concretamente das ligações rodoviárias Viseu-Mangualde e Mangualde-Viseu com os comboios, de modo a dispensar o passageiro de alugar automóvel, por não existir carreira ou evitando que tenha, de esperar muito tempo por ela, no caso de haver, não a impossível.
Sr. Presidente: Outra dificuldade está na protecção aos caminhos de ferro. Apesar de generosa, torna-se, por vezes, intolerável. Intolerável na medida em que o comboio não serve as populações e a defesa dele impede novas carreiras de transportes rodoviários. Penso, por exemplo, no vale do Vouga. Os comboios não servem as populações marginais, nem deixam que sejam servidas por carreiras de camionetas. Beneficiam ainda as terras que a linha atravessa, mas as outras que, antigamente, pela sua vizinhança, se poderiam considerar privilegiadas, têm-se por amaldiçoadas. O comboio nem lhes passa à porta, nem permite a concessão de carreiras que à porta lhes passem. O comboio tornou-se um estorvo ao progresso.
Matar é doloroso e criminoso. Deixar morrer é, pelo menos, odioso. Se alguns comboios não são capazes de servir ou a sua utilidade se reduz ao transporte de mercadorias, que se faça um reajustamento de maneira a deixarem de ser um pesadelo para os cofres ou administração da Companhia e um travão ao progresso das terras e populações.
Sr. Presidente: Depois deste ligeiro apontamento, relativo às comunicações, um outro atinente à cultura. Eu, que fui alguns dias aluno único numa escola primária, a entreter a manhã do professor, que matava o tempo da tarde na caça, por falta de discípulos; que conheci um professor que não levou a exame uma dúzia de alunos, apesar de ter morrido em provecta idade; que fui um dos cinco ou seis alunos que estudavam num concelho inteiro ..., sei bem o longo caminho percorrido e não esqueço que Roma e Pavia não se fizeram num dia. Nem ignoro que estamos numa fase difícil da vida nacional, a exigir compreensão e colaboração, no interesse de toda a comunidade, que não pode ser servida por nenhum género de contestação ou reivindicação.
Por estas razões, e porque os problemas estão a ser devidamente seriados em ordem a uma planificação, e ainda porque tenho fé no espírito de justiça e lucidez do Sr. Ministro da Educação e de seus colaboradores, tenho calado algumas anomalias que precisam de ser removidas. Como exemplo, lembrarei que se exige exame do 7.º ano para frequentar a Universidade a pessoas admitidas a reger cadeiras do 3.º ciclo.
No plano administrativo, é flagrante o caso de alguns professores da Escola do Magistério Primário em situação insustentável quanto a vencimentos, confrontados com os de alguns professores primários que lhes passaram pelos cursos.
No mesmo espírito de compreensão, não tenho insistido no pedido de um instituto comercial para Viseu, que bem o merece e bem o precisa, até como um dos principais centros comerciais do País. Limitei-me a salientar os fundamentos e a importância de uma escola superior de pintura em Viseu, a bem da cultura nacional e do acesso das populações do Centro e Nordeste do País ao ensino universitário, cuja descentralização é hoje necessidade e fenómeno irreversível. Pois, se é certo que não se prega um prego com uma só martelada, também as marteladas desnecessárias são inúteis, além de barulhentas e mesmo impertinentes, se não perturbadoras.
Sr. Presidente: Ainda no plano da cultura, Viseu espera por uma escola ou instituto para educação e valorização de invisuais. Segundo inquéritos e dados estatísticos relativos à população invisual e colhidos por serviços especializados, que podem ler-se na revista Informação Social, e tendo em conta a situação geográfica e os limitados recursos do Tesouro, Viseu está indicada para sede de um instituto específico, destinado a fazer justiça aos cegos, preparando-os para a vida, como homens e cidadãos, e integrando-os na comunidade, como é seu direito, direito ainda recentemente sublinhado pelo Sr. Ministro da Saúde e Assistência.
Finalizo, Sr. Presidente, acentuando que estas lembranças não são desconfiadas, nem a vinagradas. Não são negativas, mas afirmativas. As pessoas responsáveis e sérias
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sabem donde viemos, onde estamos e para onde caminhamos. Não se gastam e agastam a falar e reclamar o que falta, esquecendo o recebido. Viseu tem razões para confiar, pois sabe (Viseu e todo o País ...) quanto deve à Administração, ao Governo Central e às entidades locais, lúcidas, atentas e dinâmicas no apoio à iniciativa particular.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Neto de Miranda: - Sr. Presidente: Regressou a Lisboa no passado dia 17 de Fevereiro da sua visita a Moçambique e Angola o Sr. Ministro da Defesa Nacional, general Sá Viana Rebelo. Os jornais deram notícia pormenorizada dos passos dessa visita e algumas declarações prestadas ou juízos formulados dão-nos uma ideia muito clara do interesse que a visita, que se estendeu também à África do Sul, suscitou.
Os contactos que os governantes, como já anteriormente o afirmei, vêm estabelecendo com as parcelas do ultramar, onde se vivem com muita agudeza, espírito de sacrifício e extremo interesse os problemas nacionais, têm uma importância que continua a ser conveniente salientar.
Não será, por isso, despropositado referir que estas visitas devam ser feitas também por aqueles governantes que, embora os assuntos que lhes estão cometidos não estejam directamente relacionados com a administração ultramarina, não podem, contudo, deixar de se enquadrar num conhecimento que os torne mais aptos à problemática ultramarina, já que a unidade da Nação se integra na gestão e na ordem política, como um todo que é preciso manter e fortalecer. E é já tão notável a interdependência dos assuntos que comandam a actividade nacional que só benefícios presentes ou futuros poderão resultar dessas visitas.
O Sr. Presidente do Conselho vai dar às três províncias em que actua a subversão a honra da sua visita, e estamos absolutamente seguros de que não só a sua presença, como a sua palavra de Chefe e continuador da política nacional nos horizontes em que ela se formou e completa com fins integradores, hão-de tornar mais fortes os laços que unem a família portuguesa e reforçar a certeza de que Portugal é uma nação una e indivisível.
Todos quantos têm feito o ultramar, situem-se eles onde se situarem, no tempo ou no espaço, no trabalho físico ou intelectual, na gestão pública ou privada, continuam a dedicar-lhe todo o seu carinho e interesse, toda a devoção, toda a consciência do esforço que despendem. Tendo estes mandamentos presentes, melhor se compreenderá a cautela que convém ter em não permitir que se subverta a honestidade deste trabalho e a bravura do combate, e ter ainda presente que a contribuição de qualificados sectores na vida política nacional não pode ofender o significado unitário da Nação.
Por isso, muito judiciosas foram, e merecem o nosso inteiro apoio, as palavras do Sr. Ministro da Defesa ao regressar a Lisboa, quando disse:
Não posso deixar de prestar homenagem à juventude dos jovens que lá estão. E o facto de alguns que por cá andam estarem a fazer distúrbios parece que é a oportunidade de rever a sua situação militar para se juntarem aos outros na defesa do património nacional.
Sr. Presidente: Não fugindo à linha de rumo que imprimi a estas considerações, sugeridas pela necessidade de todos melhor nos conhecermos, desejo agora referir-me à visita que o Sr. Governador-Geral de Angola, tenente-coronel Rebocho Vaz, fez a Moçambique, a convite do seu governador-geral, Sr. Dr. Rebelo de Sousa.
Já nesta Câmara, pela ilustre colega de Moçambique Dra. Custódia Lopes, foi justamente realçado o significado dessa visita e a necessidade do maior intercâmbio entre todos os elementos activos do mundo lusitano. Inteiramente de acordo com a enorme vantagem dessas visitas, condicionadas, como estão, evidentemente, a factores de ordem material.
O Ministério do Ultramar e as próprias províncias vêm favorecendo e apoiando materialmente em escala apreciável o intercâmbio de elementos estudantis, que também tem tido em parte apoio do Ministério da Educação Nacional, embora quanto a estes fosse de desejar que, preferentemente, as verbas deste Ministério fossem aplicadas àquele fim, e não também como subsídio a deslocações ao estrangeiro. Mas não só os grupos escolares devem ser os escolhidos. Outros elementos sectoriais da população nacional deveriam visitar as províncias do ultramar, para formar correntes de opinião através do conhecimento do que é, do que vale e de que potencialidades ou riquezas se compõe, afinal o seu País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Creio que não haverá hoje uma família portuguesa que não tenha tido ou tenha parente seu no ultramar.
Pois, se em anos recuados se fizeram excursões ao ultramar, que tanto ajudaram a conhecer e a apreciar terras ignotas, agora, já que o tempo vai diminuindo à medida que crescem os meios de o ocupar, que se promovam viagens acessíveis e rápidas, como a via aérea proporciona, como meio de conhecer o ultramar e de apreciar sob os ângulos que cada um prefira, inclusive o turístico, como é atraente e como cativa a nossa terra de além-mar.
Feliz, pois, a iniciativa do Sr. Governador-Geral de Moçambique, que, ao convidar o Sr. Governador-Geral de Angola a visitar a província irmã do Indico, pôde certamente acordar o interesse de todos nós para que não se perca cada oportunidade que surja no conhecimento mais completo da Nação. E a forma expressiva como saudou o Sr. Governador-Geral de Angola e a análise que fez do interesse do intercâmbio como reforço da unidade nacional são bem o testemunho das preocupações que todos temos de cerrar fileiras para defesa comum dos territórios que formam a Nação.
Certamente que o Sr. Governador-Geral de Moçambique visitará também Angola, e deste intercâmbio, que desejaríamos, como já apontámos, ver extensivo a outros sectores provinciais, se formará uma consciência também mais segura do conhecimento de cada território, de cada actividade, de cada sentimento, como constituindo um todo, que facilitará uma compreensão perfeita do que valemos como nação e como força política e económica internacionais.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pontífice de Sousa: - Sr. Presidente: A imprensa noticiou oportunamente as declarações feitas no passado dia 6 de Fevereiro pelo Exmo. Sr. Inspector-Geral das Actividades Económicas aos órgãos de informação, para esse fim convidados.
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Nessas declarações, que conheci pelos jornais, refere-se que o pessoal da Inspecção-Geral das Actividades Económicas iria exercer uma vigilância rigorosa sobre todas as actividades económicas, com objectivos diversos, entre os quais o de «reprimir, inexoràvelmente, todas e quaisquer elevações de preços descabidas ou processadas de má fé».
Acentua-se mais adiante ainda que «certo número de brigadas iria prestar especial atenção à formação de preços de artigos ou produtos não tabelados, de forma a não permitir percentagens que excedam os limites razoáveis».
Noutro passo das declarações, transcritas por um jornal, li ainda que, «no tocante ao comércio retalhista, se obrigará a cumprir as percentagens de lucro legal, mais a de encargos gerais, esta nos termos da lei, sempre passível de ser ilidida pelo comerciante mediante prova conveniente a submeter ao prudente arbítrio do julgador».
Ainda pela imprensa tomei conhecimento de que as brigadas iniciaram logo a sua acção fiscalizadora e repressiva e instauraram, em cerca de duas semanas, 564 processos, sendo 202 por especulação, 83 por comércio irregular, 257 por falta de afixação de preços, 1 por matança clandestina, 14 por existência para venda de produtos impróprios para consumo e 7 por faltas de higiene, abrangendo um numerosíssimo sector de actividades, desde o pão, a batata, os ovos, o peixe e a carne, às mercearias, salsicharias, supermercados e hotéis, desde o material escolar e de escritório aos electro-domésticos e à óptica, desde as linhas e os botões aos tecidos, vestuário e calçado, etc.
Detive-me algum tempo a ponderar esta iniciativa, a forma como me pareceu estar sendo executada, a sua necessidade e oportunidade, a diversidade de sectores abrangidos, a variedade de tipos de estabelecimentos comerciais existentes em determinados sectores, a sua implicação em alguns circuitos económicos e o regime legal vigente.
Pude, entretanto, conhecer a posição do comércio e de alguns responsáveis pela orientação do sector, quer através de declarações publicas, quer por troca de impressões pessoais.
Pude, sobretudo, sentir a angústia da maioria dos comerciantes, que ficaram perplexos perante a invocação de um decreto-lei que alguns ainda ignoravam e outros já tinham esquecido.
Fiquei também preocupado com a imprecisão de algumas expressões usadas, tais como «elevações de preços descabidas» e «percentagens que excedem limites razoáveis».
Por outro lado, também sentia que era necessário fazer alguma coisa pira «sustar a corrente altista que se tem verificado ùltimamente», o que foi comunicado ao País pela palavra esclarecida e respeitada de S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho, na notável palestra que proferiu em 9 de Janeiro último aos microfones da rádio e da televisão.
Haverá casos em que a produção não acompanha as tendências do consumo, criando-se assim um ambiente propício a uma subida de preços, que pode ser aproveitada pelos oportunistas ansiosos de obterem lucros provenientes da anormalidade de qualquer situação, enquanto se não restabelece o equilíbrio entre a oferta e a procura.
Também todos estaremos certamente de acordo quando se procura reprimir crimes contra a saúde pública, ou a comercialização de produtos sem as características legais, ou a fraude nos pesos líquidos, ou, mesmo, a existência de intermediários ilegítimos, quando se demonstre que o sejam.
A Inspecção-Geral das Actividades Económicas pode e deve exercer, nestes casos, uma profunda e extensa acção, e terá certamente um aplauso verdadeiramente nacional.
Estes casos estuo regulamentados no Decreto-Lei n.º 41 204, de 24 de Julho de 1957.
Mas este mesmo decreto-lei define o crime de especulação no seu artigo 24.º e nos seguintes termos:
Constitui crime de especulação a venda de produtos ou mercadorias por preço superior ao legalmente fixado ou, na falta de tabelamento, com margem de lucro líquido superior a 10 por cento nas vendas por grosso e de 15 por cento nas vendas a retalho.
E ainda:
É tido como lucro líquido para o comerciante aquele que se obtiver depois de abatidos o preço da aquisição, ou o de reposição, quando for superior àquele em mais de 10 por cento, o custo do transporte e quaisquer outros encargos proporcionalmente inerentes ao comércio dos artigos vendidos. Estes encargos serão fixados segundo o prudente arbítrio do julgador, que atenderá para o efeito à natureza e às circunstâncias especiais do comércio do arguido, presumindo-se que não excedem, na falta de outro critério especialmente fixado pelo Governo, 7 por cento da soma do preço de aquisição ou de reposição e do custo do transporte.
Este artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 41 204, que acabo de ler, constitui o fundamento legal da actuação em curso dos fiscais da Inspecção-Geral das Actividades Económicas; e porque algumas disposições nele contidas, quando não respeitadas, implicam sanções graves, que incluem multas e penas de prisão, torna-se necessário ponderar devidamente se essas disposições se podem considerar actualizadas e se elas se poderão aplicar genèricamente a todos os sectores comerciais e aos diferentes tipos de estabelecimentos abrangidos ou se, ao contrário, tais disposições não são passíveis de uma aplicação genérica e carecem, assim, de revisão.
Não deve deixar de referir-se em primeiro lugar a circunstância de esta regulamentação legal, datada de 1957, não ter tido uma aplicação generalizada, quanto à caracterização de crimes de especulação, durante os doze anos já quase decorridos, o que certamente resultou da impossibilidade, logo verificada após a sua publicação, de conter dentro das margens previstas todas as despesas inerentes ao exercício regular do comércio na generalidade dos estabelecimentos comerciais então existentes no País.
Logo na altura, entidades responsáveis fizeram sentir ao Governo a impossibilidade de pôr em prática os princípios consignados na lei; e foi certamente a veracidade da argumentação então produzida que induziu o Governo a deixar cair esta legislação - pelo menos parte dela - no esquecimento em que se manteve até há poucas semanas.
E não darei por certo qualquer novidade a ninguém ao referir o grande aumento que se tem verificado nos últimos anos quanto aos encargos normais das empresas - aumentos de toda ordem, desde o preço das remunerações e dos arrendamentos, aos encargos sociais, financeiros, fiscais e parafiscais -, todos se reflectindo nos encargos definidos na lei, que continua a estabelecer, como há doze anos, a presunção de que estes não excedem 7 por cento da soma do preço de aquisição, ou de reposição, e do custo do transporte.
Mas pergunto:
Como podem conter-se em 7 por cento sobre a base referida os encargos de muitos armazenistas, por exemplo, que só em comissões e despesas de venda são obrigados a
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trabalhar com percentagens superiores e calculadas com base no preço de venda?
Como deverão, pois, proceder os mesmos comerciantes com as restantes despesas a que também são obrigados para o exercício normal da sua actividade, como as de armazenagem, mostruário, publicidade, embalagens, portes, cobranças, impressos, material de consumo corrente, correios, telégrafos, telefones, seguros, água, electricidade, conservação, expediente, rendas, remunerações a pessoal, financeiras, de contencioso, fiscais e parafiscais, amortizações, representação, dívidas incobráveis, prejuízos em existências, livros e revistas e ainda tantas outras impossíveis de enumerar por variarem de caso para caso?
Quanto ao comércio retalhista, tem problemas idênticos, pois é também obrigado a suportar encargos da mesma natureza, ainda com a agravante de ser geralmente reduzido o seu volume de negócios, o que lhe ocasiona maior percentagem de encargos.
Com efeito, parece ser no retalhista que as desvalorizações de existência têm maior expressão e acuidade, pelo contacto mais próximo com o consumidor. Este gosta de andar ao sabor da moda, que evolui continuamente, existindo, pois, para alguns comerciantes a necessidade de saldar os seus artigos no final das estações, por preços muitas vezes inferiores ao custo.
Têm, portanto, de fazer a marcação dos produtos que vendem a preços compensadores dos prejuízos que poderão ter com aqueles que não conseguem vender na época mais conveniente.
E estes prejuízos já estão previstos actualmente na legislação fiscal.
Os saldos pressupõem prejuízos, e julgo que ninguém se sentirá com autoridade moral para os condenar - mas neles está implícita uma orientação empresarial que tem de fundamentar-se na fixação de preços de venda com margens que permitam fazer os descontos a que o consumidor está habituado e, mais tarde, os saldos - pois de outra forma seria o prejuízo certo e a ruína a curto prazo.
Estas margens não significam especulação, como acabará por ser reconhecido, nem roubo, nem crime - como foram classificadas por um órgão de informação que tem o dever de ser responsável, o que causou a mais viva repulsa às pessoas e entidades que têm alguma noção do que é o comércio e das dificuldades com que luta.
Há que restabelecer a verdade com toda a urgência, pois não pode continuar a circular, nem mesmo ficar impune, o libelo de ladrão que se procurou lançar sobre uma classe que abrange mais de 200 000 comerciantes e um número superior de famílias, grande percentagem das quais é obrigada a viver com modéstia, em virtude dos precários lucros que aufere, e que mais não são do que uma remuneração justa para o trabalho diário, não entrando em linha de conta com o capital investido.
Há, pois, que ponderar devidamente o problema, em profundidade e extensão, a fim de compatibilizar as necessidades vitais do comerciante com os interesses do consumidor.
O comércio não é uniforme. Há quem consiga administrar os seus estabelecimentos com encargos reduzidos, até porque a concorrência não consente, por vezes, que o comerciante possa ter empregados.
No notável estudo sobre problemas de distribuição publicado em 1964 pelo Doutor Cruz Vidal, refere-se que, quanto ao sector alimentar, num total de 1339 armazenistas, 415, ou sejam 31 por cento, não possuíam empregados; e nesse mesmo estudo o ilustre economista pergunta mais adiante: como poderão dispor de empregados empresas que não ganham o suficiente para lhes pagar?
Há ainda outros comerciantes que poderão eventualmente trabalhar sem despesas significativas - como sejam os vendedores de praças ou feiras, alguns estabelecimentos localizados em pequenos núcleos populacionais, em que o comércio é exercido pelo agregado familiar, e outros casos similares.
Mas também há o comércio evoluído e especializado por ramos de actividade ou por tipos de clientela.
Todos exercem uma actividade útil à Nação e todos devem ser defendidos pela lei, a par dos consumidores.
Entretanto, os encargos que uns suportam são indiscutìvelmente diferentes dos outros.
Exemplificarei ainda que nalguns ramos se pode fazer grande volume de vendas com pequenas existências, enquanto noutros se passa o inverso.
Alguns sectores trabalham com prazos de venda limitados, enquanto noutros esses prazos se situam entre seis meses a um ano, resultando encargos financeiros que podem estimar-se entre 2 e 3 por cento sobre o montante de vendas.
Lembro-me de referir aqui o facto de a matéria colectável do imposto de transacções ser o preço ilíquido praticado à saída do armazém, a que apenas se pode deduzir o desconto de pronto pagamento até ao limite de 3 por cento.
Porém, no caso de os retalhistas fazerem directamente importações, o valor tributável é o valor aduaneiro, acrescido dos direitos e ainda de 40 por cento sobre esse valor global.
Parece-me, pois, que estes 40 por cento, ou, melhor, os 37 por cento, são a margem estimada pela lei fiscal para encargos e lucro do armazenista, mais do dobro, portanto, dos 17 por cento estabelecidos pelo Decreto-Lei n.º 41 204.
Temos, portanto, assim, já dois critérios legais, mas não há dúvida nenhuma de que, desta vez, a lei fiscal se aproximou mais das realidades económicas.
O Sr. Antão Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Antão Santos da Cunha: - Queria, antes de mais, prestar as minhas homenagens a V. Ex.ª pela coragem demonstrada em trazer à Assembleia este problema. Nem sempre isso acontece, pois nos deixamos dominar por climas emocionais, por ambientes de suspeição, e os problemas ficam mal esclarecidos e pior resolvidos. O que vou dizer-lhe reveste-se da maior independência. Não se trata de atacar departamentos oficiais, sectores governativos ou as pessoas que respondem por uns e outros. Em cada reparo ou crítica logo se vê malquerença ou intuitos reservados. Quando assim se pensa, dão-se provas de menoridade política e cívica. Temos de ultrapassar resolutamente esse clima. O depoimento que V. Ex.ª está a fazer com profundidade e objectividade merece os agradecimentos da Câmara, ou, pelo menos, os meus. De algum modo se poderá dizer que V. Ex.ª, ao referir-se à maneira como se lançou a campanha contra a alta de preços - cuja necessidade ninguém põe em causa -, veio proclamar que o «rei vai nu». E a nudez do rei, neste caso, resulta do seguinte:
Não está definida a posição do comércio no quadro da economia portuguesa; não estão actualizados os dispositivos legais aplicáveis; a Inspecção-Geral das Actividades Económicas - sem embargo da competência de alguns dos seus funcionários, entre os quais conto verdadeiros amigos - não está preparada, nem possui quadros qualificados para tão complexa missão. Assim, não é possível
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atingir os objectivos da campanha; gera-se a confusão e, sobretudo, em clima demagógico condenável, ofende-se, sem razão ou justiça, uma actividade que não merece, na sua esmagadora maioria, o tratamento que lhe está a ser dado. Oxalá, Sr. Deputado, que as suas palavras sejam ouvidas e que os responsáveis nos diferentes escalões da Administração não percam tempo nem desbaratem a sua inteligência a justificar o que não tem justificação e se disponham a estudar o problema em extensão e profundidade, por forma que se alcancem os objectivos que são afinal de todos.
O Orador: - Quero agradecer vivamente a V. Ex.ª as gentilíssimas palavras que teve a atenção de me dirigir e as considerações que acaba de fazer em aparte à minha intervenção, que traduzem, em síntese, toda a problemática em causa.
Quanto à coragem a que V. Ex.ª aludiu com a sua tradicional fidalguia, não posso deixar de dizer que não fiz mais do que seguir os altos exemplos que V. Ex.ª tem dado nesta Casa, e sou eu quem lhe presta, relativamente a ela, a mais expressiva homenagem.
Sr. Presidente: Outro exemplo da dualidade de critérios existente é a legislação publicada há cerca de um ano sobre a matéria de contribuição industrial, que obriga o contribuinte do grupo A a ter rendimentos crescentes para que possa ser tributado pelos lucros efectivos. Se os lucros não aumentarem, a tributação poderá ser feita pelo livre arbítrio da administração fiscal.
Não pretendo, nesta intervenção, levantar objecções às percentagens de lucro líquido estabelecidas no decreto-lei a que me tenho referido para as vendas por grosso ou a retalho, que são, respectivamente, de 10 e de 15 por cento, mas há também que ter em conta que estas percentagens acabam por ficar substancialmente reduzidas por ter de pagar-se, no ano seguinte, a contribuição industrial sobre o lucro apurado no exercício, ainda com as correcções de aumento determinadas pela lei ou pela administração fiscal.
Se, além da taxa da contribuição industrial, se considerarem os adicionais respectivos, o imposto de comércio e indústria e o reflexo que tem no lucro tributável do ano seguinte, o facto de não poder considerar-se como custo do exercício a contribuição industrial paga nesse ano, referente ao ano anterior, e se tivermos ainda em conta que o lucro de uma sociedade, para ser distribuído aos sócios, está sujeito a imposto de capitais e aos adicionais respectivos, chegamos à conclusão de que o lucro líquido de 10 por cento a que se refere este decreto-lei apurado numa sociedade, quando distribuído aos sócios, apenas lhes cabe um quinhão inferior a 6 por cento. Verificando-se, pois, uma redução geralmente superior a 40 por cento, variável, entre pequenos limites, de concelho para concelho.
Não esquecer ainda que os lucros são tributáveis depois em imposto complementar.
Há, todavia, a considerar, como se refere no n.º 209, de 31 de Janeiro passado, do Boletim Informativo da Associação Comercial do Lisboa, que «nas margens de lucro das empreses deve estar considerada, além da verba necessária para remunerar o capital social - incluindo um razoável prémio de riscos-, uma segunda parcela destinada ao autofinanciamento, e, além desta, uma terceira parcela especialmente destinada a permitir aquilo a que também há pouco se referia o Sr. Presidente do Conselho, quando afirmou que a única forma de aumento real e efectivo dos salários é aquela em que tal aumento resulta do acréscimo de produtividade global das empresas, acréscimo a aduzido, em última análise, por maiores margens, que devem permitir melhor remuneração a todos os que nessas empresas trabalham».
Sr. Presidente: Querer obrigar todos os comerciantes a marcar as suas mercadorias com base no custo, acrescido de transporte, e ainda 7 por cento da soma dos preços anteriores significará, para a maioria, a sua ruína a prazo mais ou menos curto.
Quanto à percentagem de lucro, há que ter em atenção as actuais imposições fiscais, que oneram esse lucro e lhe reduzem substancialmente o seu significado.
Sendo verdade o que se afirma, o artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 41 204 necessita ser revisto imediatamente ou, em alternativa, deve o Governo fixar sem perda de tempo outro critério, como se prevê no n.º 3 do referido artigo.
Até que isto se verifique, deve a Inspecção-Geral das Actividades Económicas suspender o levantamento de autos por especulação para os artigos não tabelados, pois os comerciantes não podem, na sua generalidade, trabalhar com as margens previstas na lei, e é indispensável que o comércio continue a exercer a sua actividade sem o receio de tribunais, pois não pode viver em clima permanente de angústia.
Devem reprimir-se os desmandos, sim, mas quando constituam realmente abusos contra a economia, mas não pode o comerciante continuar sujeito a penalidades de uma lei que tem de considerar-se desactualizada, nem a critérios arbitrários, porque estabelecidos sem um conveniente estudo prévio e parecer fundamentado dos organismos corporativos competentes, que poderiam dar um contributo válido à Inspecção-Geral das Actividades Económicas, se este lhes fosse solicitado, de forma a habilitar o pessoal da fiscalização com elementos que lhe permitissem abarcar todo o complexo de condicionalismos que afectam a grande diversidade de tipos de estabelecimentos comerciais existentes.
Qual será a reacção normal de um comerciante que é autuado por especulação por ter vendido determinado artigo por margens superiores às actualmente permitidas pela Inspecção-Geral das Actividades Económicas (que, aliás, se desconhecem) -e podem ser superiores apenas em escassos escudos, ou mesmo centavos -, quando esse comerciante sabe, pela experiência colhida nos anos anteriores, que o lucro líquido da sua empresa se situa em nível inferior a 5 por cento ao capital investido, o que julgo ser a situação da grande maioria das empresas nos tempos que correm.
E relativamente àqueles que não têm tido lucros nos últimos anos por virtude da conjuntura em que se tem vivido, haverá alguma moralidade em levantar autos por prática de preços que possam ser considerados descabidos pelo fiscal que visita o estabelecimento, podendo tratar-se de um honrado comerciante que fica com o seu nome manchado para toda a vida, obrigando-o a perdas de tempo e de energias e a despesas que acabam por reflectir-se desfavoràvelmente quanto ao objectivo que se pretende de sustar a tendência altista?
Com que lógica a escrita comercial regularmente organizada pode merecer crédito, quanto a lucros, ao Ministério das Finanças e não merece ao Ministério da Economia?
Sr. Presidente: As palavras que acabo de proferir nesta Assembleia foram ditadas por um imperativo de consciência e interpretando as reclamações que me foram feitas por grande número de comerciantes e órgãos da classe.
O comércio está disposto a colaborar com o Governo no sentido de procurar suster a alta de preços, mas tem
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de alcançar-se este objectivo num clima de paz e de compreensão dos legítimos interesses e direitos de cada um.
O Governo tem de procurar uma solução para o problema, mas tendo em atenção as actuais estruturas económicas e sociais e a diversidade de preferências dos consumidores, que originam diferentes tipos de estabelecimentos comerciais, com encargos também diversos.
E ao terminar esta intervenção, quero testemunhar ao Governo, e particularmente ao Sr. Presidente do Conselho, o meu desejo de colaborar na empresa comum â que S. Ex.ª se referiu na palestra que fez à Nação no passado dia 10 de Fevereiro.
Tive para isso de fazer algumas críticas, que considero construtivas, tendo partido de dados colhidos com consciência e com recta intenção, como S. Ex.ª também preconizou.
Estou, pois, tranquilo e consciente de ter cumprido o meu dever.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: Completaram-se ontem cem anos depois do nascimento, em Coimbra, do vulto eminente das letras portuguesas que foi o Doutor Eugênio de Castro e Almeida, que nessa sua e nossa cidade se finou no ano de 1944.
Cumprindo nobremente um indeclinável dever, a Câmara Municipal de Coimbra deliberou comemorar tão significativo acontecimento com as solenidades que ontem se realizaram na cidade com verdadeira e singular elevação.
Sendo bem conhecido apanágio desta Câmara o associar-se à comemoração de acontecimentos que transcendem a vulgaridade e de qualquer forma assumem expressão relevar te na vida nacional, cabido me parece, Sr. Presidente e Srs. Deputados, anotar aqui a passagem desse importante fasto, reverenciando a memória do Doutor Eugênio de Castro pelo salientado valor que lhe conferem as páginas gloriosas da história dos melhores poetas de Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Na verdade, Eugênio de Castro foi um grande e distinguido servidor da poesia portuguesa, que cultivou com a rara inspiração que caracteriza os eleitos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Muito novo revelou o seu talento, pois tinha apenas 15 anos quando deu ao prelo os seus primeiros versos, que reuniu em primoroso livro denominado Canções de Abril, vindo a público em 1884.
Depois, o seu talento e o seu labor intelectual não mais pararam, e as suas obras, nimbadas do mais puro sentimentalismo, quer em verso, quer em prosa, são os mais válidos testemunhos da rara elevação do seu talento.
Eugénio de Castro tornou-se respeitado e amado pela sua fidalguia sem restrições.
Recordo-me, Sr. Presidente, como certamente V. Ex.ª se recorda também, da veneração com que olhávamos a sua figura cheia de nobreza quando de sua casa se dirigia à Universidade.
E recordo-me, com a mesma intensidade, como também V. Ex.ª se recordará, como tantos outros, da veneração com que, nos nossos tempos de Coimbra, se contemplava a casa de que o Doutor Eugénio de Castro fizera o seu santuário, situada próximo da Universidade e também próxima do monumento a Camões, formado por elegante coluna, junto à qual expectava um hierático leão de bronze, sempre reverenciado por todos os da velha Academia, que mandara erguer tão belo monumento ao nosso grande e glorioso épico!
Os cruéis desvarios dos mandos da civilização, que depredaram a cidade de Coimbra de tantos e tão significativos valores da colina sagrada, onde se ergue a sua gloriosa Universidade, fizeram destruir esse santuário e esse monumento em busca de espaços para implantar as inexpressivas construções da nova cidade universitária!
Sabe bem recordar esses elementos do valioso património de Coimbra, tão duramente sacrificados ...
Mas é especialmente grato poder recordar, cem anos volvidos, o nascimento de um homem de Coimbra, que, pelo valor incontestável e incontestado dos seus altos merecimentos, se tornou um vulto nacional dos mais relevantes, alcançando, por isso, haver-se «libertado da lei da morte»...
Ao comemorar, agora, com bem sentido orgulho a felicidade de haver sido a cidade berço de Eugénio de Castro, Coimbra transcende largamente os limites geográficos do seu território e personaliza e encarna, com a maior dignidade, o orgulho de todos nós por o grande poeta ter nascido português e ter enriquecido as letras de Portugal com os tesouros inestimáveis dos seus belos escritos!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Associo-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, e creio que todos nos associamos, como outros neste País já o fizeram, designadamente a nossa valorosa imprensa, à comemoração do notável acontecimento, fazendo assim justiça, e só justiça, à memória de quem, como Eugénio de Castro, continua presente entre nós, afirmado na sua grande obra literária, que não perdeu o seu fulgor, nem jamais será esquecida.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Como ontem anunciei, a primeira parte da ordem do dia é constituída pela eleição do 2.º Vice-Presidente. Para VV. Ex.ªs terem tempo de prepararem as suas propostas, suspendo a sessão por alguns minutos.
Eram 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa uma única proposta, subscrita pelos Srs. Deputados Albino dos Reis, Águedo de Oliveira, Neto de Miranda, Sebastião Ramirez, Paulo Cancella de Abreu, Barbieri Cardoso, Araújo Correia e
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Veiga de Macedo, propondo para 2.º Vice-Presidente o Sr. Deputado António Júlio de Castro Fernandes.
Proposta
Propomos para 2.º Vice-Presidente António Júlio de Castro Fernandes.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 5 de Março de 1969. - Os Deputados: Albino Soares Pinto dos Reis - Artur Águedo de Oliveira - Gustavo Neto de Miranda - Sebastião Saraiva Ramirez - Paulo Cancella de Abreu - Avelino Barbieri Cardoso - José de Araújo Correia - Henrique Veiga de Macedo.
Vai proceder-se à chamada para a eleição.
Foi feita a chamada.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se ao escrutínio. Nomeio escrutinadores os Srs. Deputados Pontífice de Sousa e Rui Vieira.
Foi feito o escrutínio.
O Sr. Presidente: - Entraram na uma 85 listas, tendo sido eleito 2.º Vice-Presidente, com 84 votos, o Sr. Deputado António Júlio de Castro Fernandes. Felicito vivamente o Sr. Deputado Castro Fernandes pela bem merecida distinção que lhe foi conferida pela Câmara, elegendo-o 2.º Vice-Presidente, e fico muito honrado com a inteligente e prestimosa colaboração que por certo vai prestar à Mesa.
Vai passar-se à segunda parte da ordem do dia, constituída pela continuação do debate sobre as Contas Gerais do Estado e as contas da Junta do Crédito Público relativas a 1967.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel João Correia.
O Sr. Manuel João Correia: - Sr. Presidente: No relatório que precede as contas públicas de Moçambique dá-se relevo ao comércio externo da província, com realce para o acentuado desequilíbrio da sua balança comercial.
Repetidas vazes, em sucessivos anos, o ilustre relator das contas públicas, Sr. Engenheiro Araújo Correia - a quem, aproveitando este ensejo, presto a minha homenagem -, tem chamado a atenção para esse desequilíbrio. Pela rainha parte, direi hoje, uma vez mais, acompanhando essas insistentes e oportunas observações, que o déficit da balança de comércio de Moçambique indica e aconselha a necessidade impreterível de a província aumentar e diversificar a sua produção, quer de bens de consumo interno, quer de produtos destinados à exportação.
Não é fácil diminuir as importações de um território em pleno desenvolvimento como é Moçambique. Os números demonstrativos desse aumento podem até ser considerados um bom sintoma de crescimento.
Mas se as importações aumentam porque os consumos se tornaram maiores, isto significa que se ampliou a dimensão do mercado interno, abrindo novas e mais largas perspectivas no domínio da produção.
Já debati muitas vezes a necessidade de a província aumentar a sua produção agrária. Hoje referir-me-ei apenas ao aspecto industrial do problema.
Sabe-se que são ricas as economias que se apoiam numa estrutura industrial; são ricos e progressivos os países industriais. A indústria, pagando salários mais elevados, permite que as sociedades humanas alcancem metas mais avançadas de progresso económico e social e facilita níveis de vida mais altos para as populações.
É notório o desenvolvimento que se imprimiu à economia de Moçambique nos últimos anos com o aparecimento da sua jovem indústria. É, sem dúvida, uma indústria incipiente, que não ilude quem conheça o fenómeno industrial, mas não pode contestar-se que ela representa, apesar da sua debilidade, uma animadora promessa. Nasceu e tem procurado firmar-se mercê do esforço da empresa privada, não obstante as dificuldades - algumas absurdas - que tem tido que vencer.
Uma das maiores dificuldades é talvez a inexistência de uma verdadeira política industrial, clara e insofismável, dinâmica e construtiva, que seja linha mestra de orientação para quem tenha a iniciativa de abrir portas de estabelecimentos fabris e neles investir capitais; que evite os erros, as dúvidas, as hesitações, quer da empresa privada, quer dos serviços públicos; que sirva de guia da vida económica da província, a qual, diga-se a verdade, tem andado algumas vezes desviada do rumo certo.
Poderá parecer ousada a afirmação de que nem sempre as actividades económicas têm encontrado o amparo que deveriam merecer. Mas sabe-se que, infelizmente, assim é. E que certas medidas tomadas por serviços responsáveis -ou que não foram tomadas - têm dificultado a vida de muitos empreendimentos industriais. Ora o primeiro dever do Estado em relação a qualquer empreendimento de natureza económica que se verifique ser de interesse para o País - e essa verificação foi com certeza feita no momento da apreciação do respectivo pedido de licença - é auxiliá-lo, ampará-lo, estimulá-lo, paira que se concretize nos seus fins.
Já tem acontecido que o serviço público que concede a licença industrial para a abertura do estabelecimento fabril é o mesmo que vem depois autorizar a importação de produtos concorrentes da nova indústria. Empreendimentos onde foram investidos muitos milhares de contos e que abriram as portas a centenas de operários ficam assim desamparados, sem protecção, correndo o risco de soçobrar. Não vejo que possa haver estabilidade na vida económica de um território subordinado a uma descoordenação desta natureza.
De resto, uma acertada política industrial serviria de esteio a uma boa e sã política social. É conhecido o esforço que o Governo desenvolve neste momento para elevar o nível social da população de Moçambique. É um esforço nobre e de elevados objectivos que bem merece o apoio de todos, não um apoio simplesmente moral, mas prático e efectivo, no contacto directo com as populações.
Ainda recentemente, num encontro com representantes do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, o Sr. Presidente do Conselho afirmou que «não é possível uma política social florescente numa economia em crise» e que «o progresso económico é condição fundamental para a obtenção e consolidação de melhores condições para o trabalho».
Ora a indústria pode auxiliar grandemente o alcance destes avançados alvos por uma melhoria do trabalho e pela obtenção de um nível de vida mais alto para o sector econòmicamente débil da população de Moçambique.
Mas torna-se fundamental que se determine uma política industrial, cuja defesa deve estar a cargo, antes de mais ninguém, do próprio Estado, o que quer dizer dos serviços públicos, que não mais podem encolher os ombros, como se o assunto lhes não dissesse respeito, a certos aspectos ou problemas que se lhes apresentam na conjuntura da vida económica da província. É preciso
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dinamizá-los, interessá-los, entusiasmá-los e fazer-lhes ver que deles tudo depende, muitas vezes, para o êxito do empreendimento privado.
No que respeita a Moçambique, não pode continuar a admitir-se a ausência de uma clara e bem definida política industrial. Este é um princípio inatacável, pois sem uma indústria válida que fortaleça a sua economia a província não poderá atingir verdadeiros índices de progresso e desenvolvimento. É, pois, indispensável que se estabeleça essa política sem as perigosas delongas que começam a gerar confusão e, o que é pior, um certo clima de desânimo.
Moçambique só alcançará pleno desenvolvimento quando possuir uma verdadeira indústria, não só boa na qualidade dos seus produtos, como aceitável nos seus preços de competição e ampla no número das suas unidades fabris.
De resto, como diz Servan-Schreiber no seu discutido livro O Desafio Americano, «o que conta, acima de tudo, é a indústria».
Ora Moçambique precisa que a tese do desenvolvimento da sua indústria seja defendida «acima de tudo», usando a lata expressão daquele autor, como cúpula de um objectivo a atingir no domínio do seu crescimento económico. Sem uma indústria bem organizada e progressiva não poderemos dar satisfatória expansão a dois outros sectores, aliás de importância enorme, da vida económica da província: o agrícola e o pecuário. Moçambique precisa de criar unia indústria que, na medida do possível e no momento próprio, industrialize os produtos da sua agricultura e da sua pecuária; não pode continuar a ser um território produtor de matérias-primas exportadas para animar e enriquecer outras indústrias.
Neste capítulo da industrialização, em Moçambique, das suas matérias-primas, quero referir o que se passa, por exemplo, com, as fábricas de óleos vegetais. Estas fábricas não conseguem obter toda a matéria-prima que poderiam laborar, porque se exportam as oleaginosas que deveriam ser transformadas na província.
É elucidativo o comentário que a este respeito faz o Grémio dos Industriais de Óleos Vegetais de Moçambique no seu relatório respeitante ao exercício de 1967.
Diz-se naquele relatório que «tem sido pedido o estabelecimento do direito de opção para a indústria sobre todas as exportações de copra, sem prejuízo do preço obtido na exportação, conforme tem vindo a ser mencionado nos relatórios do Grémio desde 1964».
E acrescenta-se noutro passo:
Também com a semente de algodão continuam a ser autorizadas exportações para a metrópole sem se atender primeiro ao completo abastecimento das fábricas da província que trabalham esta oleaginosa. Este princípio, que tem sido preconizado e defendido pelo Grémo desde sempre, por ser tido como de direito incontestável, também não conseguiu ainda ser adoptado e seguido.
Sr. Presidente: Mas nem sempre as unidades fabris de Moçambique podem laborar matérias-primas de produção local, no todo ou em parte. Até sucede que precisam de importá-las das mais diversas proveniências. Nestes casos, a indústria não pode desenvolver-se ou até sobreviver se não dispuser do benefício de medidas proteccionistas.
Este aspecto é tanto mais agudo quanto mais débil for a economia do território em que a indústria estiver instalada. É o caso de Moçambique, em que muitas das indústrias não podem dispensar medidas de proteccionismo, sobretudo nos primeiros anos da sua laboração.
A concessão de benefícios pautais - que chegam a atingir a isenção integral dos direitos - nas matérias-primas importadas para fins industriais, concessão esta dada pelos Decretos n.ºs 41 024 e 46 057, de 28 de Fevereiro de 1957 e 2 de Dezembro de 1964, respectivamente, tem permitido o desenvolvimento e a consolidação de muitas indústrias moçambicanas. O sistema de atribuição desse benefício precisa, porém, de ser revisto e modificado.
A atribuição anual, sujeita a modificação, das percentagens dos direitos a pagar obriga a um processo trabalhoso e demorado na apreciação dos pedidos. Isto coloca o industrial numa posição falsa e perigosa, em face de eventuais alterações nas percentagens fixadas para as isenções, as quais, chegando ao seu conhecimento muito tarde, por vezes em período adiantado do ano económico da sua exploração, não lhe consentem já alteração nos seus preços de venda, baseados nos novos preços de custo do produto. E então pode suceder ao industrial o pior: tendo fixado o seu preço de venda com base no benefício pautai pedido - certamente o preço que lhe permitiria competir com o produto similar importado -, terá de suportar, em caso de indeferimento, prejuízos irremediáveis. Isto já tem acontecido, instilando o receio e a hesitação no espírito dos empresários e desencorajando o investimento em novos empreendimentos.
Poderia ilustrar esta afirmação com muitos exemplos. Direi apenas que um pedido de benefício pautal respeitante ao ano de 1967, solicitado por uma indústria em Abril daquele ano, só foi submetido à apreciação do Conselho do Serviço Técnico-Aduaneiro em fins de Novembro de 1968, após demoradas e fatigantes diligências. Mas esta não era ainda a última formalidade antes da aprovação final por parte do respectivo secretário provincial, o que muito bem pode ter atirado a decisão já para o ano seguinte.
Estes casos, felizmente, não acontecem todos os dias, mas acontecem. E só pode atribuir-se a culpa de que aconteçam a um processo defeituoso e complicado, que a lei determina, mas que não corresponde às necessidades e ao dinamismo da indústria.
É preciso obviar a estas dificuldades e aos prejuízos que resultam de um sistema reconhecido como inoperante, pois está em jogo a expansão da indústria de todo um enorme território ansioso por desenvolver-se, como é Moçambique.
No intuito de resolver estas dificuldades, está em estudo um novo sistema, isto é, a regulamentação dos armazéns especiais previstos na alínea i) do artigo 821.º do Estatuto Orgânico das Alfândegas do Ultramar.
Não tem lugar discutir, neste momento, o mérito da solução que se pretende dar ao problema. Deve, porém, salientar-se que ela procura resolver as actuais dificuldades da indústria no capítulo apontado, de modo que possa caminhar sem asfixias ou incertezas, dando a Moçambique o contributo que é lícito esperar de tão valioso ramo das actividades económicas. E, sendo assim, é de esperar que o novo processo venha resolver todas as dificuldades que afligem as actividades privadas e até os próprios serviços públicos. Estou certo de que, num trabalho de bom entendimento e colaboração entre umas e outros, se conseguirá estabelecer um sistema que a todos satisfaça, evitando situações que causem entrave ao franco crescimento das indústrias. Neste sentido, seria acertada a audição prévia da associação representativa da actividade industrial, para se conhecer claramente o ponto de vista dos industriais acerca da nova regulamentação proposta.
Tem o meu apoio o que se fizer para a solução integral do problema, e peço ao Governo que sejam postas em
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vigor, sem de nora, as medidas que forem finalmente preconizadas.
Permita-se-me aqui uma palavra de advertência, que entendo oportuno registar. Não esqueçamos que em Janeiro de 1972 se completará o desarmamento aduaneiro entre a metrópole e o ultramar. Tenhamos o bom senso e a cautela de evitar que o ultramar, sufocada ou reduzida a sua indústria em consequência dessa extensa liberalização, passe a ser pràticamente apenas um mercado para a colocação de s produtos manufacturados pela indústria metropolitana - que beneficia de largas insenções pautais -, não podendo sustentar e manter a sua própria indústria.
Em defesa deste princípio, deverá ter-se o cuidado de fixar que os e cargos a incidir sobre os produtos manufacturados pelas fábricas ultramarinas, à saída dos seus armazéns especiais, nunca sejam superiores aos encargos que onerem os produtos das indústrias similares de origem nacional, à siri entrada na respectiva província.
Precisam de ser cuidadosamente estudados os diversos aspectos em que a concorrência da indústria metropolitana pode prejudicar, ao ponto de a aniquilar por completo, a indústria ultra narina. Têm aparecido, de vez em quando, casos concretos que fundamentam os receios que possam ter-se a este respeito. Um deles está patente no relatório do exercício de 1967 da Sociedade Algodoeira do Fomento Colonial, quando comenta as consequências da abolição dos direitos sobre os têxteis de algodão, por força do Decreto n.º 47 614, de 4 de Maio de 1967.
Em prosseguimento do seu comentário, acrescenta ainda aquela empresa o seguinte, que transcrevo para melhor elucidação:
O conselho de administração espera que as entidades oficiais metropolitanas e moçambicanas reparem na situação criada, da qual resultarão prejuízos imediatos para a nossa unidade de Moçambique, sem vantagem económica e com projecção no futuro para o escoamento dos produtos têxteis similares.
É clara a preocupação que reflectem as palavras acima transcritas, as quais vêm apoiar fortemente a tese que pretendo defender nesta intervenção. É insofismável o risco que corre uma grande indústria têxtil de Moçambique, que nu sua fábrica de Vila Pery tem investidos cerca de 155 000 contos de capitais próprios.
Idêntico risco ou dificuldades do mesmo jaez se depararão às empresas que no Sul, no Centro e no Norte de Moçambique requereram a instalação de fábricas de tecidos de algodão e cujos pedidos correm neste momento os respectivos trâmites.
A posição ca indústria do ultramar em face da da metrópole vem lar relevo a certos princípios que transparecem do preâmbulo do Decreto n.º 46 666, de 24 de Novembro de 1965, que regula o condicionamento industrial no espaço português.
Diz-se naquele preâmbulo, com referência à integração económica prevista no Decreto-Lei n.º 44 016:
Nada a experiência aconselha a alterar do que então se dispôs. O Ministério responsável pela economia do continente e ilhas pensa apenas que conviria alterar aquele diploma de modo a permitir às províncias ultramarinas a criação de direitos aduaneiros temporários para incentivo e protecção inicial de certas indústrias que, existindo já no continente e devendo continuar a existir desde que estejam em condições de trabalhar aos melhores preços as matérias-primas nacionais, tenham, no entanto, possibilidade de ser também instaladas no ultramar.
Poderá parecer absurdo à luz das novas teorias da integração económica no espaço português, mas a criação de direitos aduaneiros temporários - durante o tempo que fosse julgado necessário e nos casos que se justificassem - defenderia indubitàvelmente a indústria ultramarina de uma concorrência metropolitana que poderá vir a colocá-la, em alguns casos, perante dificuldades muito sérias ou até incapacitá-la para o desempenho que se prevê no citado preâmbulo, quando nele se afirma, com enorme clareza, que «a industrialização tem desde já que desempenhar papel de importância fundamental no que respeita à promoção do desenvolvimento económico das províncias ultramarinas».
Sr. Presidente: Mas se se reconhece, como é justo, que a indústria é tão importante para o desenvolvimento económico do ultramar, tem que reconhecer-se igualmente que os serviços oficiais que servem de apoio a essa mesma indústria, pelo menos no que respeita a Moçambique, já não estão em condições, pela sua limitada orgânica, de corresponder com eficácia às suas necessidades presentes e sobretudo à sua expansão futura.
Por isso, seria oportuna a revisão dessa orgânica, no sentido de elevar-se a actual Repartição de Indústria a um serviço provincial, o qual, a par das repartições necessárias para completo e rápido desempenho das suas funções, possuísse um órgão de estudo, que seria o seu órgão mais importante. Esse órgão, além de se pronunciar obrigatòriamente sobre a viabilidade dos pedidos de instalação de novas indústrias, deveria acompanhar, com o seu conselho técnico e administrativo, a actividade das indústrias existentes, orientando-as no seu labor e na sua função económico-social.
É claro que um órgão para o desempenho de tão importante papel teria de ser dotado dos meios necessários, sobretudo da alta qualificação técnica e profissional dos seus agentes. Evitar-se-iam assim autorizações para a instalação de indústrias que viessem estabelecer concorrência ruinosa ou sem viabilidade económica, com a perda irrecuperável de esforços e capitais tão preciosos para um território que precisa de aproveitar cuidadosamente todos os seus recursos.
Com efeito, não é plausível que tenhamos uma Direcção de Economia apenas para dois sectores da actividade económica da província. A agricultura e a pecuária também são actividades económicas, mas estão integradas em serviços próprios e na sua respectiva secretaria provincial. Seria mais adequado, salvo melhor opinião, que tivéssemos em Moçambique uma direcção de serviços de comércio e uma outra de indústria, independentes uma da outra, mas ambas subordinadas à mesma secretaria provincial, que deveria designar-se por secretaria provincial do comércio e da indústria, e não de economia, como hoje se denomina.
Poderia deter-me em mais larga apreciação acerca dos serviços que orientam, disciplinam e fiscalizam o exercício da indústria em Moçambique. Mas isso obrigar-me-ia a ocupar esta tribuna por mais tempo do que desejo. Deixo, pois, aqui a sugestão, como viga tosca de uma estrutura inacabada, esperando que os responsáveis pela administração pública a aproveitem, ampliem e aperfeiçoem, se nela encontrarem qualquer mérito.
Sr. Presidente: É tempo de terminar. Mas quero ainda dizer uma palavra: não creio que as divergências que apontei nesta intervenção, nem outras que possam adivinhar-se das minhas palavras, representem grandes obstáculos no percurso que a Nação traçou para o alcance de um objectivo que todos defendemos e desejamos atingir; nem duvido de que tudo se resolverá a seu tempo, examinados os factos à luz do interesse nacional e acerta-
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das que sejam todas as pedras do grande xadrez económico do espaço português.
Termino com um voto de confiança no futuro industrial de Moçambique, esperando que conceitos errados, produto do desconhecimento de certas realidades, não impeçam ou prejudiquem a concretização deste meu voto. É que ele é feito com os olhos postos numa Nação maior, em que todas as suas parcelas progridam e se desenvolvam sem queixas e sem atritos, em que todos os seus filhos caminhem para um futuro de harmonia, unidos num abraço fraterno.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Rui Vieira: - Sr. Presidente: A apreciação da Conta Geral do Estado de 1967 e a leitura do parecer que sobre ela foi elaborado pelo Sr. Deputado Araújo Correia - a qual me conduz a dar um voto para a sua aprovação na generalidade- levam-me também a tecer algumas considerações sobre o desenrolar de certas actividades económicas do meu distrito, nesse mesmo ano.
Antes, porém, deixo registado o meu apreço pelo equilíbrio financeiro que caracterizou a gerência de 1967, não esquecendo, todavia, que, apesar da recuperação na taxa de crescimento do produto interno bruto, ainda não se alcançou aquele ritmo que é indispensável para que Portugal venha a situar-se, em volume de rendimento nacional e na respectiva capitação, equiparado às médias da Europa.
E tal desiderato pode ser atingido; embora não abundem os recursos, impõe-se a rápida mobilização dos que existem, fazendo incidir-se a maior atenção nos mais reprodutivos, nos geradores de maiores riquezas, naqueles que «com bem orientada exploração poderiam e podem insuflar vida a uma economia debilitada por falta de fortes iniciativas utilitárias».
Sr. Presidente: No comércio externo do arquipélago da Madeira, em 1967, incluindo as transacções com o continente e os Açores, atingiu-se um deficit total de cerca de 397 000 contos, um pouco inferior ao de 1966, que ultrapassava ligeiramente 398 200 contos. No volume de transacções com o estrangeiro e as nossas províncias ultramarinas, a importação foi de 325 912 contos (em 1966, 329 214 contos) e a exportação foi de 268 064 contos (em 1966, 288 449 contos), com um saldo negativo de 57 848 contos (em 1966, 40 765 contos); e na comercialização com a parte continental do País e com o arquipélago açoriano a cabotagem por entrada atingiu 505259 contos (em 1966, 503774 contos), enquanto a cabotagem por saída foi apenas de 166 141 contos (146 331 contos em 1966), de que resultou um saldo negativo de 339 118 contos (357 443 contos em 1986).
Em 1964 o déficit total nas transacções da Madeira com o exterior foi de cerca de 350 000 contos, e se nos reportarmos a 1957 verificaremos que esse saldo pouco ultrapassou 216 000 contos.
No prazo de dez anos o déficit total subiu 83 por cento, tendo o valor das mercadorias entradas aumentado de 65 por cento e o das mercadorias saídas, apenas 51 por cento. Evolução normal de uma região que difìcilmente tem feito progredir a sua capacidade produtiva e a sua expansão comercial, e que, econòmicamente, não pode bastar-se a si própria.
Para o seu crescimento e cobertura dos saldos negativos que sempre se têm verificado, e que progressivamente aumentam na sua pequena balança comercial, tem a Madeira, e nisso enquadra-se no mesmo panorama de toda a metrópole, de ir buscar ao turismo e à emigração valores muito importantes, os quais acabam por proporcionar ainda o apuramento de lucros muito significativos no resultado final de toda a vida económica do arquipélago.
Antes de apreciar alguns aspectos da economia madeirense em 1967, apraz-me registar uma importante medida, que foi tomada em meados de 1968, após a visita ao arquipélago de dois técnicos do Secretariado Técnico da Presidência do Conselho, medida que pode vir a ter influência marcada no progresso de toda a região. Refiro-me à criação de um grupo de trabalho para estudo dos entraves à livre circulação de mercadorias entre as várias ilhas adjacentes e entre estas e o continente, o qual deverá apresentar medidas concretas visando a abolição dos entraves referidos.
É um primeiro passo para uma integração económica metropolitana, que está a ser dado com as necessárias firmeza e cautela, visto afectar muitos interesses, desde os que se referem ao custo de vida de uma população em geral até aos próprios de muitas entidades públicas e privadas. Pena é que não tenham sido dados poderes e competência ao grupo de trabalho para estudar e propor medidas de outro carácter, ainda mais lato e com influência marcada na circulação de certas mercadorias, sobretudo as que são parte vultosa do progresso económico ou do crescimento normal das regiões. Quero reportar-me à incidência forte do custo dos transportes sobre as mercadorias comercializadas entre as ilhas e o continente e a necessidade que se sente de que esse custo não deveria incidir apenas sobre a região que as importa, mas sobre toda a metrópole. São por de mais conhecidos, e já foram debatidos em tantos sectores - embora até hoje sem qualquer resultado positivo -, os casos de alguns materiais de construção, sobretudo cimento e ferro (e, em especial, aquele, pela sua elevada percentagem no volume e no custo final da obra), cujos preços no consumidor deveriam ser unificados em todo o País. Assim se entenderia que os transportes fomentam o progresso, são parte integrante de uma economia posta ao serviço de toda a Nação e não funcionam como entrave (e de monta!) para o desenvolvimento da parte dessa mesma Nação.
Olhando apenas p caso do cimento - produto que já é bastante caro em Portugal -, como é que se pode compreender que a Madeira continue a pagá-lo por um preço de cerca de 80 por cento mais elevado do que no continente? E que significaria a unificação do preço desse mesmo produto na metrópole por influência do consumo das ilhas adjacentes, sabendo-se que, por exemplo, na Madeira têm entrado anualmente apenas cerca de 35 000 t? Insistimos: será assim muito difícil estudar-se este caso que se nos afigura de solução simples? Porque se não aproveita o grupo de trabalho já constituído no Secretariado Técnico para, após o estudo a que procede neste momento, considerar também a unificação, na metrópole, de preços ao consumidor de produtos de primeira necessidade para o desenvolvimento de todo o País?
As taxas e outras imposições cobradas na Alfândega do Funchal atingiram, em 1967, o montante de 37 303 contos, aproximadamente, e no triénio de 1965-1967 foram ligeiramente inferiores a 37 050 contos. É um quantitativo que se reparte por vários organismos e serviços (câmaras municipais, Comissão Distrital de Assistência, Junta Autónoma dos Portos, Santa Casa da Misericórdia do Funchal, Junta Geral do Distrito e outros, em valores de pouco vulto), e a compensação da sua falta tem de processar-se, pois a maioria das entidades afectadas não poderia prosseguir a sua actividade sem aquelas receitas. De momento
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interessa, de facto, facilitar ao máximo a comercialização entre as várias parcelas da metrópole, tal como se passa entre os distritos do continente; ao Estado compete depois aplicar as medidas mais convenientes, sem prejudicar a vida das populações no custo dos produtos de que elas necessitam nem bloquear a actividade dos organismos que as servem.
As conclusões do grupo de trabalho a que nos temos referido vão ser, sem dúvida, do maior alcance; que se não perca de vista também o interesse, que atrás apontámos, do estudo da unificação dos preços ao consumidor de alguns produtos base do desenvolvimento, estudo que poderia vir a pertencer ao mesmo grupo de trabalho, acrescido dos membros a que fosse reconhecida especial competência para o seu seguimento e finalização.
Sr. Presidente: A produção agrícola na Madeira, em 1967, não sofreu grandes alterações quantitativas, com excepção do vinho, cuja colheita foi de cerca de 6 760 000 l, menos 32 por cento do que o volume obtido em 1966 (cerca de 10 milhões de litros) e menos 62 por cento do volume já apurado em l968 (aproximadamente 18 214 000 l). A escassa produção, justificada por condições de tempo adversas, obrigou naturalmente ao estabelecimento ou ao aparecimento de preços unitários elevados ao viticultor, o que lhe trouxe uma certa compensação no rendimento final da respectiva exploração. A exportação de vinho da Madeira, em 1967, manteve, porém, o nível dos anos anteriores em valo: e em volume (cerca de 4 580 000 l), com particular relevância para os quantitativos saídos para a França (22 per cento) e Suécia (20,7 por cento). Neste sector do fabrico do afamado vinho aguarda-se uma política de fomento de qualidade, a desenvolver pelos organismos competentes e a praticar pela lavoura, a fim de se aumentar o volume de massas vinárias de maior categoria, dadas as exigências cada vez maiores dos países importadores. Apesar de o vinho da Madeira ocupar um lugar muito importante entre os produtos de exportação da ilha, com um valor superior a 60 000 contos, é necessário que passe a salientar-se mais, dadas as suas características próprias, demarcação da região produtora, protecção a que está sujeito e vantagens consideráveis na sua obtenção, sobretudo quanto a preços de custo, o que coloca a vinha entre as culturas que mais interessa fomentar na região. E indispensável promover a colocação de produto em maior volume nalguns centros de consumo, hoje ainda sei II grande significado económico, como é o caso dos Estados Unidos da América, por exemplo, que em 1967 importaram apenas cerca de 5 por cento do total exportado, ou sejam aproximadamente 214 000 l.
A produção de banana e a exportação para o continente em 1967 (esta de 32 053,6 t) mantiveram-se quase nos mesmos quantitativos de 1966 (menos 65 t), sendo ligeiramente superior o preço médio unitário pago ao produtor (3$72 por quilograma).
Pelos números já apurados de 1968 (26 408 664 kg exportados com ) preço médio unitário à produção de 3$246 por quilograma), verifica-se a grande quebra que a lavoura sofreu nos seus rendimentos quer pela diminuição da colheita anual de perto de 6000 t, quer pelo menor preço unitário praticado (-$474 por quilograma).
O ano de 1967 marcou, assim, uma época de bons preços e de comercialização de grande volume de banana, os quais conviria preservar a bem da lavoura local, mas factos não controláveis não o permitem. A exportação de banana das províncias ultramarinas para o mercado continental vem estabelecendo uma progressiva concorrência à banana da Madeira, e de tal modo que os quantitativos chegados a Lisboa de Angola nestas primeiras semanas de 1969 foram já superiores aos remetidos pela ilha. Este facto tem mantido inquieta a agricultura madeirense; o que não admira, uma vez que a cultura da banana ocupa mais de 1000 ha dos mais valiosos terrenos da ilha e nela se despendem para cima de 500 000 dias/homem.
Independentemente de medidas que tenham de ser tomadas, na própria ilha, com o intuito de se apresentar ao consumidor continental banana de boa qualidade nas melhores condições competitivas com a do ultramar, há que definir uma orientação conveniente para os circuitos da distribuição de todo o produto no continente, por forma que nem os produtores madeirenses nem os angolanos ou cabo-verdianos venham a ficar lesados na sua actividade económica. Parece-nos, sem a pretensão de querer resolver problemas de outras regiões, que o fomento da cultura da banana no ultramar português deveria ter por principal objectivo o mercado internacional, uma vez que só aí poderão ser colocados os grandes quantitativos que podem vir a ser produzidos com baixo custo, principalmente na província de Angola.
O continente português não tem, para já, grandes possibilidades de vir a consumir muito além das 70 000 t de banana; reservando-se para a Madeira uma colocação até 35 000 t, ficaria para o ultramar a possibilidade de exportar para o continente igual quantitativo. Ora, 35 000 t não significam nada como fomento da cultura em Angola, e qualquer «fazenda» as pode produzir com relativa facilidade. Angola pode vir a cultivar bananeiras em muitos milhares ou centenas de milhares de hectares e pode vir a comercializar a respectiva produção no mercado internacional. Tudo o que colocar no mercado continental acima de 35 000 t, aproximadamente, vem prejudicar grandemente a economia madeirense, sem benefícios palpáveis para a sua própria agricultura ou para a sua actividade comercial.
É um assunto demasiado importante, que precisa meditação, estudo sério de opções e definição de directrizes, motivo por que deveria ser, desde já, sujeito à apreciação conjunta dos Srs. Ministros da Economia e do Ultramar.
Quanto aos outros produtos agrícolas destinados aos mercados exteriores, continuaram, em 1967, com um nível de comercialização relativamente aceitável, com excepção da batata, cujo quantitativo exportado pouco ultrapassou as 800 t, quando no ano anterior tinha sido superior a 2000 t. Sobre os produtos hortícolas e perspectivas de desenvolvimento do seu cultivo - assim como de algumas frutas subtropicais - já proferimos nesta Assembleia palavras de esperança no seu futuro e nas grandes possibilidades que a Madeira tem de os vir a exportar, aumentando-se, deste modo, a entrada de divisas no seu território. Há, todavia, que rodear esse fomento das necessárias cautelas, a primeira das quais é a existência de transportes marítimos regulares ou frequentes e, no caso dos primores, a utilização de materiais plásticos de cobertura, baratos, para uma produção mais segura e quantiosa. As exportações ou saídas, em 1967, de tomate (118,5 t), de «vaginha» ou feijão verde (13,3 t), de pepino (0,13 t), de pimentos (0,04 t), de entre esses «primores», e de abacate (15,3 t), de anona (10,9 t) e de maracujá (0,1 t), de entre os frutos subtropicais, nada significam quanto à posição que podem vir a assumir no quadro económico madeirense.
Continuou a processar-se normalmente, embora com todas as probabilidades de vir a crescer bastante, a exportação de flores, destinada sobretudo aos mercados da Alemanha e da Suíça. O interesse dos centros consumidores, apesar da forte concorrência que neles aparece de todas as proveniências, é garantia do bom acolhimento dispensado às flores da Madeira, as quais necessitam abso-
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lutamente de ser sempre apresentadas em impecável estado de sanidade e dentro dos tipos mais comerciáveis. Para o fomento da floricultura, que se tem manifestado sob diversas formas na Madeira, tem contribuído muito a ajuda financeira da Junta de Colonização Interna e do Fundo de Fomento de Exportação e a colaboração da Junta Geral do Distrito e da Junta Nacional das Frutas, e é absolutamente necessário que tais apoios continuem a existir, com maior vulto, se possível, incidindo nas iniciativas já em desenvolvimento e fazendo por despertar outras novas.
Umas palavras apenas sobre o cultivo da cana-de-açúcar, cuja produção, em 1967, atingiu 53 331 t, cerca de 3370 t acima da colheita de 1966. É cultura que, dentro do actual condicionalismo económico madeirense, necessita de protecção do Estado, sob pena de agravamentos exagerados dos preços dos produtos e subprodutos da respectiva industrialização. Impõe-se a revisão do regime sacarino de 1928, e neste momento, no Ministério das Finanças, estudam-se algumas medidas cuja aplicação foi ensaiada em 1968, com bons resultados. O pagamento de bónus ou dotações de fomento aos agricultores, de acordo com certa gradução sacarimétrica da cana, a libertação da área de cultura e o tratamento fitossanitário gratuito dos canaviais foram as normas principais que condicionaram, naquele ano, o regime sacarino, e espera-se que, dados a boa aceitação e os resultados que já se observam, venham a ser novamente aplicados, embora, por si só, não tenham o carácter de solução definitiva, uma vez que para esta é necessária uma análise económico-social de todo o circuito produção-industrialização-distribuição-consumo e a utilização de medidas que afectem os custos industriais e quantitativos dos produtos a obter, encurtem os caminhos da comercialização e considerem, até, os contingentes de açúcar que a Madeira necessita importar para o seu abastecimento. O Ministério das Finanças está certamente de posse dos elementos bastantes para poder actuar eficientemente e o Ministério da Economia poderá dar prestimosa colaboração neste sector; que as medidas a tomar não percam a devida oportunidade.
Sr. Presidente: A produção de lacticínios da Madeira, em 1967, foi inferior à de 1966, não atingindo sequer 11 milhões de litros o quantitativo de leite destinado à indústria - o mais baixo volume industrializado desde 1937. Da produção de manteiga, hoje reduzida a pouco mais de 562 t, apenas se exportaram 65 t, sendo o restante consumido no mercado madeirense.
Espera-se que do despacho de 1 de Julho de 1967, da Secretaria de Estado do Comércio, sobre os preços do leite no produtor e no consumidor, e, sobretudo, da atribuição da dotação de fomento de $40/litro, passe a haver maior interesse por parte do produtor e subam progressivamente os números atrás indicados.
Aliás, a reorganização da indústria de lacticínios da ilha da Madeira, determinada pelo Decreto-Lei n.º 48 593, de 26 de Setembro último, veio pôr termo a uma posição de instabilidade de toda a indústria, e aguarda-se que contribua para a obtenção de maiores produções, ao mesmo tempo que se defende a posição do consumidor.
Também as medidas anunciadas, durante o ano de 1968, sobre fomento pecuário estão a impulsionar o desenvolvimento da bovinicultura na Madeira, mas difìcilmente se conseguirá que o arquipélago se abasteça a si próprio, integralmente, a não ser que a política de preços se estabeleça mais de acordo com a realidade económica, que é o custo de produção da carne.
Das produções do sector primário focaremos, agora, apenas a pesca, cujo valor, em 1967, atingiu cerca de 37 000 contos, correspondente a cerca de 5600 t. Embora o valor tenha sido até hoje o maior obtido, o quantitativo do pescado foi ligeiramente superior ao de 1966 (mais 300 t), mas inferior aos de 1963, 1964 e 1965.
A pesca de tunídeos foi a mais volumosa de sempre, com quase 3500 t, num valor superior a 20 000 contos. Embora haja que cuidar do abastecimento local, sobretudo o facilitar-se o acesso das classes menos favorecidas, há que procurar por todos os meios estruturar-se o sector das pescas por forma a incrementar a actividade industrial, face à exportação, sobretudo de conservas, a qual importa aliviar do peso dos encargos, para ser cada vez mais positiva na balança comercial do distrito. Mas há que fazer-se, na opinião dos entendidos, prospecções e estudos para se determinar a riqueza piscícola do mar madeirense e águas vizinhas, melhorar e ampliar a frota pesqueira, concentrar esforços e capitais, para que aumentem os volumes do pescado, melhore quantitativamente o mercado local e a exportação cresça sensìvelmente.
Sr. Presidente: Ocupa, como todos sabemos, posição de realce no comércio externo da Madeira a exportação de bordados e tapeçarias, cujo valor total das transacções em 1967 foi de 180 423 contos. A baixa sensível, relativamente a 1966, cujo volume havia sido de 190 633 contos, explica-se pela diminuição de transacções com a América do Norte. Naquele valor total de transacções em 1967 está incluída uma parcela de cerca de 23 000 contos, que corresponde ao volume de exportação de tapeçarias, o qual tem vindo a sobressair progressivamente, tendo sido, por exemplo, em 1961, de 8500 contos, aproximadamente, e, em 1964, de 13 000 contos. É com agrado que se assiste a esta subida de importância, como valor de exportação, das nossas tapeçarias (hoje significando já 12,8 por cento do movimento total destes artigos), que valorizam melhor a mão-de-obra artesanal e das operárias madeirenses.
Do valor das transacções cabe à mão-de-obra e empregados, em 1967, a verba de 93 113 contos, cerca de 1460 contos menos do que em 1966.
Os bordados madeirenses sofrem, nos mercados estrangeiros para onde são exportados, concorrência forte de similares de outras proveniências, onde a mão-de-obra é ainda mais barata do que na Madeira. Há que estar atento à necessária evolução que convém imprimir aos processos de fabrico ou confecção normais e que prosseguir na prospecção e promoção de novos mercados.
Os bordados podem significar muito pouco, na realidade, no campo do desenvolvimento económico e social a nível regional, uma vez que não permitem uma compensação material equilibrada para o esforço despendido e tempo ocupado pela mão-de-obra; são, porém, parcela vultosa na economia insular, pela entrada de divisas a que a sua exportação obriga. Estamos certos de que os industriais e a sua organização corporativa, que muito têm procurado fazer, hão-de lutar cada vez mais pelo progresso e bem-estar de todos os intervenientes nas várias fases do fabrico dos bordados e tapeçarias madeirenses, dando ao capital e ao trabalho a indispensável remuneração justa, e hão-de contribuir para que a região continue a receber cada vez maiores e mais sólidos valores, os quais a sua capacidade empresarial tem de ir buscar, ou nos mercados tradicionais, ou em novos centros, ou através de melhores sistemas de fabrico, ou até de artigos similares, onde a procura externa ainda não tenha sido satisfeita.
Sr. Presidente: Todos os aspectos que considerámos fazem parte do corpo económico da Madeira no desenrolar de 1967.
No mesmo corpo e no mesmo ano se integra a breve nota que sobre o turismo aqui quero deixar.
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Antes de mais, convém referir que a Madeira foi visitada por 34 821 turistas, aos quais correspondeu um número de dormidas de 346 108, sendo 260 839 em hotéis e 85 269 em pensões. Digno de nota o facto de o maior número de turistas (7148) ter sido proveniente do Estados Unidos da América, mercado onde convém, indiscutìvelmente, fazer incidir a nossa propaganda, dadas as suas extraordinárias possibilidades económicas. Segue-se depois a França (5520) e a Inglaterra (4715).
Apesar do incremento que vai tendo o turismo na Madeira, ainda está muito distante a importância que lhe pode caber no desenvolvimento regional, devendo por isso todos os responsáveis procurar estabelecer uma política conjunta de esforço, no sentido de dotar o arquipélago das estruturas suficientes para um maior afluxo de turistas e dos dispositivas e estímulos necessários a uma maior atracção de capitais nacionais e estrangeiros.
Não podem deixar de ser citadas as campanhas de promoção turística que se têm empreendido através da delegação de turismo da Madeira e dos T. A. P., mas é óbvio que isso só não basta e que é necessário que a iniciativa privada, com o apoio do Estado, desenvolva, com maiores impulsos, a construção de unidades hoteleiras prontas a receber os que pretendam desfrutar do clima, do sossego, das belezas e do mar da Madeira.
O apetrechamento conveniente do Aeroporto de Santa Catarina e a sua electrificação, a permitirem uma utilização em maior número de horas por dia, hão-de também contribuir para uma maior frequência de aviões e, consequentemente, para um crescimento mais acelerado da importância do turismo na Madeira.
Não fazemos apelos nem ao Sr. Ministro das Comunicações, nem ao Sr. Secretário de Estado da Informação e Turismo. A Madeira conta inteiramente com o seu apoio, e tem a promessa da sua atenção e a certeza de que as suas directrizes e o seu entusiasmo se hão-de justapor no mesmo rumo de progresso que a ilha, como zona prioritária de turismo, pretende seguir.
Foi com muito interesse que a Madeira viu também, há pouco tempo, a estudar e a contactar com problemas turísticos do arquipélago, uma missão de especialistas da E. F. T. A. Aguarda-se com a maior ansiedade o seu relatório e as suas opiniões e confia-se na validade da sua orientação, que há-de ser, ao fim e ao cabo, a do desenvolvimento regional com base nas actividades turísticas, que se têm de multiplicar para serem verdadeiras alavancas de progresso.
Sr. Presidente: A agricultura, como sector criador de riqueza, tem de ser devidamente amparada e compreendida em todos os seus pormenores. Fizemos relativamente a algumas das suas produções certos considerandos, que a ai alise da situação económica em 1967 nos proporcionou.
Ainda no âmbito agrícola, não queremos deixar de referir um diploma legal que foi publicado em 1967 e de fazer algumas observações relacionadas com o seu contexto, que se prende com uma forma de exploração da terra muito generalizada no arquipélago da Madeira.
A publicação do Decreto-Lei n.º 47 937, de 15 de Setembro de 1967, sobre o regime de exploração da terra, conhecido cor ao «colónia», veio mostrar determinadas preocupações do Governo e veio revelar uma atitude oficial que se tem de registar com agrado, embora tenha trazido pouco:; remédios para a cura dos vários males afectos ao tradicional contrato agrícola. O diploma legal vale, sobretudo, pela afirmação que nele se faz de que «deixou o contrato de colónia no arquipélago da Madeira de desempenhar uma função útil, quer no ponto de vista económico, quer no aspecto social, impondo-se a sua abolição para o futuro». Ao longo de todo o articulado do decreto não há, porém, uma palavra sobre a justiça ou injustiça da actual divisão do rendimento bruto, que constitui o resultado anual da exploração entre os detentores do capital fundiário terra e do capital benfeitorias, nem sobre a cessação do contrato que é feita por imposição do senhorio, quando lhe convém, embora com o pagamento das benfeitorias existentes e que são património do colono. Nada consta, também, sobre a obrigatoriedade de o colono procurar conduzir com a maior rentabilidade possível a exploração agrícola e sobre o dever de não a arrendar a terceiros; de igual modo, nada se diz no decreto sobre o direito a indemnização que deveria ter o colono quando é obrigado a deixar a sua casa, construída, embora, num terreno que lhe não pertence. E, da mesma maneira, não é contemplado o aspecto frequente de o terreno agrícola poder ter excepcional aptidão urbanística, o que tem de conduzir a um processo de expropriação mais expedito e rápido.
O Governo há-de, certamente, rever este problema e procurar equacioná-lo, sem prejuízo das partes interessadas, olhando apenas ao objectivo que tem de procurar atingir-se: a maior produtividade da exploração racional da terra.
Para a resolução do problema da colónia e para que pouco a pouco este regime de exploração vá cedendo lugar à conta própria ou administração directa, prevê-se, no decreto em referência, no artigo 7.º:
A Secretaria de Estado da Agricultura, por intermédio da Junta de Colonização Interna, pode prestar assistência financeira, nos termos do Decreto-Lei n.º 43 355, de 24 de Novembro de 1960, ao senhorio e ao colono para o efeito da aquisição, por parte de qualquer deles, dos direitos do outro.
A disposição contida neste artigo é de extraordinária utilidade, e para o comprovar basta considerar o número de colonos e senhorios que procuram na Madeira os serviços da Junta de Colonização Interna.
Temos, todavia, de chamar a atenção do Governo para o facto de a alteração que se introduziu no processo de aquisição das propriedades sujeitas ao regime de colónia, a partir de 1967, dificultar de tal modo esta questão que nada, pràticamente, se tem conseguido ultimamente. Antes de 1967, sempre que senhorio e colonos acordavam em valor e na cedência dos seus direitos um aos outros, ou vice-versa, a Junta de Colonização Interna, através do acesso à propriedade, nos casos que se concretizaram, fez a aquisição da terra directamente ao proprietário e depois entregou-a aos colonos, em regime de fruição definitiva e de acordo com as áreas sobre que estes tinham as respectivas benfeitorias. É escusado referir, parece-nos, que a Junta tinha o controle dos preços acordados e só permitia a negociação quando os valores em causa se justificavam, a partir dos rendimentos agrícolas obtidos na exploração pelos colonos e pelo senhorio. Assim, adquiriu a Junta de Colonização Interna mais de uma vintena de propriedades, cobrindo uma área superior a 127 ha, que entregou aos respectivos colonos com as facilidades de pagamento habituais - baixo juro e prazos longos.
A partir de 1967 foi seguida outra orientação, estabelecendo-se que a aquisição do capital fundiário terra, para ser entregue aos colonos, se devia fazer através da Lei de Melhoramentos Agrícolas, nunca pela compra directa da propriedade total ao senhorio, mas por empréstimo a cada um dos colonos da importância correspondente ao valor da terra sobre que estavam as respectivas
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benfeitorias - valor que seria também prèviamente acordado entre os dois parceiros. Este novo sistema tem muito menos interesse do que o usado anteriormente o obriga a um trabalho moroso e intenso nas conservatórias do registo predial, onde as benfeitorias de cada colono precisam de estar devidamente identificadas e registadas, para servirem, com a terra que vai ser adquirida, de garantia ao empréstimo da Junta de Colonização Interna. Acresce que por este sistema é mais difícil o controle do preço justo do terreno, que resulta necessariamente do rendimento agrícola, acordado entre o senhorio e cada um dos colonos e que, por outro lado, dada a não interferência da Junta de Colonização Interna na escritura, não se evita que possa haver fuga ao pagamento integral da sisa ao Estado.
Pelas indiscutíveis vantagens do primeiro processo que a Junta de Colonização Interna usou até 1967 - acesso à propriedade - e pelas dificuldades nascidas do segundo sistema - utilização da Lei de Melhoramentos Agrícolas -, nos casos de colónia, que já foram apresentados (e creio que nenhum resolvido), ponho à consideração do Sr. Ministro da Economia e do Sr. Secretário de Estado da Agricultura esta questão, ponderando a necessidade urgente de passar a fazer-se novamente, através do acesso à propriedade, a «assistência financeira ... ao senhorio e ao colono para o efeito da aquisição, por parte de qualquer deles, dos direitos do outro».
Sr. Presidente: As minhas considerações situaram-se sobre região muito restrita numa pequena economia, que não é hábito, na Conta Geral do Estado, apreciar em separado. Parece-nos, todavia, que, de algum modo, dados os condicionalismos geográficos e até administrativos da Madeira, os seus aspectos económico-sociais deveriam ser objecto de análise e estudos próprios. Se as ilhas adjacentes fossem consideradas, primeiro, como as parcelas dotadas de certa autonomia que são, defendidas até por fortes barreiras alfandegárias, e, depois, analisadas no contexto metropolitano, se o Governo se habituasse a tomar em toda a sua extensão as potencialidades insulares, os seus valores físicos, humanos e económicos, é natural que o desenvolvimento fosse mais visível e o progresso social mais evidente.
Deixo nesta intervenção - pensando justamente na minha região e no seu crescimento integral -, e como já de outras vezes fiz, alguns apontamentos sobre a economia da Madeira, pedindo para eles um pouco de atenção, a protecção adequada, os estímulos necessários e, sobretudo, a medicamentação própria para os males há muito curáveis.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão à hora regimental com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 50 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
António Calheiros Lopes.
Armando José Perdigão.
Fernando de Matos.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
João Mendes da Costa Amaral.
Jorge Barros Duarte.
José Dias de Araújo Correia.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Rafael Valadão dos Santos.
Sebastião Garcia Ramirez.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Sinclética Soares Santos Torres.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Álvaro Santa Rita Vaz.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Magro Borges de Araújo.
António Moreira Longo.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Hirondino da Paixão Fernandes.
James Pinto Bull.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Guilherme Bato de Melo e Castro.
José de Mira Nunes Mexia.
José dos Santos Bessa.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Raul Satúrio Pires.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Tito Lívio Maria Feijóo.
O REDACTOR - António Manuel Pereira.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA