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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 188
ANO DE 1969 7 DE MARÇO
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 188 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 6 de MARÇO
Presidente: Exmo. Sr.José Soares da Fonseca
Secretários: Exmo. Srs.Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Nota. - Foi publicado o 2.º suplemento ao Diário das Sessões n.º l48, inserindo a Conta Geral do Estado de 1967.
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 164, com uma rectificação apresentada pelo Sr. Deputado Pinto de Mesquita.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Duarte do Amaral referiu-se às disposições legais ùltimamente publicadas sobre a indústria têxtil algodoeira.
O Sr. Deputado Rocha Calhorda fez considerações sobre a orgânica da administração ultramarina, a propósito de problemas do desenvolvimento económico de Angola.
O Sr. Deputado Braamcamp Sobral falou sobre alguns dos problemas abordados pelo Sr. Presidente do Conselho nas palestras feitas através da televisão.
O Sr. Deputado Arlindo Soares tratou do estado das estradas nacionais e da situação do pessoal que nelas trabalha.
O Sr. Deputado Pinto de Mesquita evocou o bicentenário da Imprensa Nacional, preconizando a reforma desta instituição.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sobre as contas gerais do Estado e as contas da Junta do Crédito Público relativas a 1967.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Janeiro Neves, Correia Barbosa, Folhadela de Oliveira e Santos B essa.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António José Braz Regueiro.
António Júlio de Castro Fernandes.
António dos Santos Martins Lima.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeira).
Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
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Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Horácio Brás da Silva.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Coelho Jordão.
José Fernando Nunes Barata.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Maria de Castro Salazar.
José Pinheiro da Silva.
José Rocha Calhorda.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 81 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Foi ontem distribuído a VV. Ex.ªs o Diário das Sessões n.º 164, correspondente à sessão de 17 de Janeiro último. Ponho-o em reclamação.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: Requeiro que a p. 2976. col. 2.ª, em interpretação minha, a expressão pouco inteligível «na oralidade do entendimento» seja substituída pela expressão «no entendimento geral consolidado através da discussão oral».
O Sr. Presidente: - Se mais ninguém deduz qualquer reclamação a este Diário, considerá-lo-ei aprovado com a rectificação requerida pelo Sr. Deputado Pinto de Mesquita.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Vários telegramas a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Pontífice de Sousa sobre problemas do comércio.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Duarte do Amaral.
O Sr. Duarte do Amaral: - Sr. Presidente: Creio que não agradaram inteiramente a todo o sector têxtil algodoeiro as disposições legais ùltimamente publicadas. E era difícil que agradassem. É tão grande a diferença de mentalidades e de instrução de empresários, dirigentes e trabalhadores,, é tão dispersa e tão diversamente dimensionada a indústria, são tão variados os maquinismos e os tipos de produção e é tão diferente o estado económico e financeiro de cada empresa, que, de facto, é muito difícil obter o aplauso de todos por se ter dado rumo certo à salvação e prosperidade do conjunto.
De resto, as intenções primárias do Governo não poderiam ter sido necessàriamente as de agradar, mas as de salvar agora e de valorizar para o futuro tudo o que puder ser salvo e valorizado neste importantíssimo sector da vida nacional.
Falta saber se o consegue.
Já em Junho de 1959, ao agradecer nesta Câmara ao Governo as disposições tomadas nessa ocasião para salvar o mesmo ramo industrial, eu dizia «que estas medidas visam sobretudo a exportação e, por via dela, a indústria...» e ainda: «Esperemos que o alívio que estas medidas com certeza vão trazer seja aproveitado pela indústria, pelo comércio e pela Administração para resolver os problemas de fundo ...»
A verdade é que o êxito das providências de então excedeu todas as expectativas: vendiam-se em 1959 para o estrangeiro cerca de 7000 t de têxteis de algodão; depois a exportação foi subindo, até atingir em 1967 quase nove vezes mais, isto é, cerca de 46 000 t.
Durante este período, e a partir do começo de tal surto de exportações, a indústria algodoeira terá tido, na verdade, e muitas empresas as aproveitaram, condições para evolucionar no bom sentido.
Verifica-se, no entanto, que a crise é endémica, ou melhor, que o desenvolvimento industrial nos últimos anos se não fez, de uma forma geral, com a inteligência e o senso necessários.
Só por culpa da indústria? De forma nenhuma.
Apesar disso, verificaram-se em muitas empresas, e em alguns aspectos até globalmente, os seguintes factores: falta de administração competente e de idoneidade técnica; falta de auto-investimento e aceitação de crédito a curto prazo, quando só seria possível utilizá-lo a prazo médio ou longo; emulação entre empresários; exagerado luxo de instalações e falta de crescimento do mercado interno, necessário volante do de exportação, etc., além da concorrência entre si dos exportadores - industriais e comerciantes -, em face da inevitável concorrência estrangeira. Assim, as vendas, mesmo quando se fizeram com mais facilidade, realizaram-se, quase sempre, a preços muito baixos.
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Chama o Governo a atenção dos responsáveis deste sector - como aliás o vai fazendo, e muito bem, para os de outras actividades da vida portuguesa - para o facto de o Estado não poder tomar para si a tutoria de todos os empreendimentos, sendo aos seus próprios dirigentes, aqui os administradores das empresas algodoeiras, que cabe a responsabilidade da gerência dos negócios.
Pode perguntar-se: porque interveio então o Governo? Naturalmente porque, se da administração de cada fábrica é o empresário o responsável, a indústria, no seu conjunto, é um considerável agrupamento industrial do País, com equipamento instalado da ordem dos 4 000 000 de contos, com uma produção de cerca de 4 700 000 contos, com uma exportação que atingiu quase 2 000 000 de contos e que mantém a vida de cerca de 300 000 pessoas.
Está, por consequência, perfeitamente justificada a série de medidas muito importantes agora tomadas, e não me lembro de nenhumas mais valiosas determinadas em benefício de qualquer outra actividade nacional.
Em determinadas condições, e para atingir os fins previstos, poderão conceder-se a favor da indústria reduções de sisa, isenção de contribuição industrial por vários anos, dos impostos de mais-valia, conversão de empréstimos a curto prazo em empréstimos a médio ou longo prazo, etc.
Estes benefícios, destinados a favorecer e provocar a concentração ou a integração industrial, serão eficazes? Este programa, tão justamente acarinhado, terá viabilidade?
Oxalá que a criação de unidades maiores se atinja. Em toda a Europa se tem assistido a numerosas fusões e creio estar demonstrado, em face das possibilidades de produção alheias e da evolução dos ajustamentos económicos europeus, que esse é o caminho que a indústria deve trilhar.
Mas é preciso, ao estudar o assunto, não esquecer a variedade de situações que o quadro da nossa indústria têxtil engloba. O despacho desenha o seu perfil com verdade e análise bem feita é também a da Comissão de Estudo da Indústria Têxtil, datada de Abril do ano passado.
Ali, como aqui, se apontam diversas singularidades desta indústria, onde tantas unidades aparecem devido ao esforço de um só ou de poucos indivíduos, que pela sua inteligência, espírito de iniciativa e amor ao trabalho conseguiram tornar-se empresários, com falta, muitas vezes, de cultura e de dinheiro.
Virão muitas empresas a fundir-se? Certamente. Mas pode bem suceder que, relativamente àquelas já com alguma dimensão, com administração e técnica capazes, o receio das más consequências de um certo delírio bancário destes anos tenha diminuído e que, portanto, o mercado venha a prolongar agora os créditos por mais algum tempo, para não perder clientes. Assim, a indústria poderá não se entusiasmar com as condições fixadas para transformação dos seus débitos em empréstimos a longo prazo e deixar de utilizar as soluções agora oficialmente propostas, não se realizando as modificações de estrutura desejadas. A isso poderá ajudar também o espírito de independência e de aventura da nossa gente do Norte, assim como, em muitos casos, a falta de preparação económica suficiente para dominar os problemas da sua actividade e até para ter a noção de que existem.
Convém ainda ter em conta que não será fácil à pequena indústria algodoeira realizar as condições impostas pelo Governo para obtenção dos auxílios citados e que a esses clientes os bancos comerciais não terão, como é natural, tanto interesse em ajudar.
Estarão todas irremediàvelmente condenadas?
É, não obstante, uma verdade - o que é mais difícil é definir os respectivos limites - que a indústria, à medida que os produtos se aproximam do acabamento, não necessita de ser tão fortemente concentrada. E o certo é que as empresas que têm realizado concordatas ou falido não se situam todas - antes pelo contrário - entre as pequenas unidades. Parece poder dizer-se que se trata mais de um caso de má gestão do que de dimensão inexacta.
Sr. Presidente: As medidas propostas pela Comissão de Estudos não foram todas, até agora, acolhidas pela Administração. Quererá isso dizer que o Governo ainda as não estudou, as repudia ou apenas não as julga oportunas?
Inclino-me para a última hipótese, pois há muitos aspectos naquele valioso trabalho que não podem deixar de ser encarados da forma sugerida ou de outra. Estão entre eles os problemas das matérias-primas, da energia, do fomento de exportação, da investigação aplicada e da formação profissional, etc.
Parece indispensável, por exemplo, não apenas tentar aumentar a procura de têxteis no mercado interno, como disse, mas também criar um clima de competência profissional e de elegância mental nos meios desta indústria. Faz muitas vezes pena ver como esses grandes lutadores, esses verdadeiros criadores de riqueza, não foram capazes de assegurar a continuidade da sua, tantas vezes, prodigiosa obra.
Relativamente ao problema da investigação aplicada e formação profissional, queria daqui lembrar ao Governo que em tempo oportuno, quando durante anos batalhei aqui na Assembleia e fora dela pela indústria têxtil, lhe foi pedida (eram então Ministros da Educação Nacional o Sr. Prof. Leite Pinto e da Economia o nosso ilustre colega e meu querido amigo Dr. Ulisses Cortês) a criação em Guimarães de um instituto comercial e industrial, no qual se desse a primazia aos cursos de têxteis.
Porquê em Guimarães?
As razões são primeiro de natureza histórica, visto Guimarães ter sido sempre terra de conceituadas indústrias e também foco de onde irradiou, pelos vales do Ave e do Vizela e até ao Porto e outros sítios, a preciosa indústria de algodão, actividade que transformou totalmente a forma de viver daquelas regiões e dá agora, como disse, possibilidades de vida a três centenas de milhares de pessoas: seria essa, indubitàvelmente, uma merecida homenagem à terra do Alfageme de Santarém, expressão do ancestral valor de Guimarães no campo industrial, e aos introdutores da moderna indústria do algodão em terras de Portugal.
Mas não só isso. Se é preciso, e é, criar um instituto comercial e industrial na região interamnense, o local da sua implantação é naturalmente naquela cidade. É Guimarães um concelho industrial por excelência: basta dizer que a receita da contribuição industrial do concelho é uma das maiores da metrópole. Guimarães paga sozinha mais do que cada um de doze dos distritos da metrópole, pagando, por exemplo, mais do que a contribuição industrial reunida dos distritos de Évora e Bragança e perfazendo 40 por cento de toda a contribuição industrial do distrito de Braga, a que pertence, e que é um dos mais industrializados do País.
Este índice, que dá bem a noção da importância de Guimarães, diz-nos ainda que o seu concelho paga de contribuição industrial cerca de 23 000 contos por ano, ao passo que os importantes concelhos de Braga e Vila Nova de Famalicão pagam, respectivamente, cerca de 10 000 e de 16 000 contos.
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E pelo facto de muito se falar na importância de Guimarães como centro comercial e industrial não se julgue que aquele concelho não tem valimento no campo da agricultura. Assim, na pouco florescente actividade dos nossos campos, a posição de Guimarães naquela zona exprime-se de tal forma que a verba principal da contribuição predial rústica é aproximadamente de 2015 contos para Guimarães, de 1710 contos para Barcelos e de 1653 contos para Braga.
Outro elemento importante será o das distâncias a que ficará o instituto dos centros mais importantes dos seus utilizadores. Não há dúvida de que as distâncias às zonas mais industriais carecem de cuidadoso e pesado estudo, mas é indiscutível que nenhuma outra terra está tão perto de Pafe, de Pevidem, de Vizela, de Riba de Ave, de Vila Nova de Famalicão e de Santo Tirso como a de que venho a falar, e não há dúvida de que a frequência do instituto industrial será de toda a região, mas com predominância das gentes já mentalizadas desta zona industrial.
Por todos estes motivos, e porque a vida em Guimarães está desequilibrada por falta de instituições, é em Guimarães que deve ser criado um novo instituto comercial e industrial.
O Sr. Nunes de Oliveira: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Nunes de Oliveira: - Tenho seguido com a maior atenção as palavras de V. Ex.ª, com aquela atenção e consideração que V. Ex.ª me merece.
Referiu-se V. Ex.ª à criação do instituto industrial com a argumentação que entendeu dever apresentar. Como fiz uma intervenção exactamente no mesmo sentido na sessão do passado dia 6 de Fevereiro, aproveito a oportunidade para dizer os motivos que me levaram a solicitar então a criação do Instituto Industrial de Braga, com uma secção em Guimarães. É que Braga-cidade possui uma densidade populacional escolar que ultrapassa em mais de 5) por cento a de todo o distrito, além da sua privilegiada situação geográfica em relação a toda a região. Ora estes elementos são para mim os mais válidos ao pensar-se na criação de um instituto de ensino médio.
De resto, não esqueci na altura Guimarães. Como Deputado e homem do distrito, é evidente que tenho Guimarães, como aliás todas as outras terras, no coração.
O Orador: - Agradeço as palavras de V. Ex.ª, que muito apreciei. No entanto, a minha posição no problema é contrária à de V. Ex.ª, visto V. Ex.ª ser partidário da instalação em Braga de um instituto comercial e industrial com uma secção em Guimarães, enquanto eu sou partidário da criação da um instituto comercial e industrial em Guimarães com uma secção em Braga.
Não foi, todavia, Sr. Presidente, este último o fundamento único da minha intervenção: quis, sim e principalmente, chamar a atenção do Governo para o assunto, pedindo-lhe que siga cuidada e permanentemente o evolucionar cestas graves questões da indústria têxtil algodoeira através dos organismos competentes, não vá suceder que, resolvidos alguns problemas, logo outros surjam e se deixe deteriorar, como sucedeu aquando do aumento das exportações, todo este importantíssimo ramo da nossa economia.
Não quero acabar sem aplaudir de novo o Governo pelos seus esforços para resolver a situação, auxiliando as empresas e ajudando os desempregados. Faço-o não como Deputado da zona industrial mais importante, mas em nome de toda a região, que sofre gravemente e em todos os campos as repercussões desta dolorosa crise da sua principal actividade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Rocha Calhorda: - Sr. Presidente: É inegável que a província de Angola vem passando por um desenvolvimento económico bastante acentuado, o qual se mostra e se sente em diversos acontecimentos e reflexos que é impossível ignorar.
Todavia, creio interpretar o sentimento da sua população activa se levantar a dúvida de tal crescimento económico estar correspondendo a quanto seria possível e a quanto o permite a generosa potencialidade oferecida por aquela parcela do território nacional.
Efectivamente, as iniciativas particulares, embora em franca ascensão, não têm encontrado, como seria de esperar, a existência de condições favoráveis, acolhedoras, encorajantes e adequadas à sua concretização e expansão. E digo «como seria de esperar» em virtude de o desembarque no Suez em 1956, e a forma como essa crise política mundial foi solucionada, ter mostrado que nenhuma outra política válida podíamos seguir, relativamente às províncias ultramarinas, que não fosse a de procurar o seu rápido desenvolvimento económico, como meio, para atingir, como fim, a sua urgente ocupação demográfica em melhores proporções de equilíbrio de etnias. Tudo quanto em contrário se pudesse pensar e defender, a partir da lição de 1956, ficou prejudicado e ultrapassado.
Não obstante tal evidência, a realidade foi-se encarregando de mostrar que a acção da administração pública ultramarina não veio ajudar, na medida precisa e pretendida e na rapidez necessária, a criação de um ambiente favorável para a instalação e vigência de novas actividades e empreendimentos.
Culpa dos homens ou culpa das estruturas orgânicas? Em última análise, ter-se-á sempre de cair na condenação dos homens, pois que também os erros de estrutura só a eles se devem e só eles são responsáveis pela falta da sua correcção em tempo útil.
Sr. Presidente: Dentro do que talvez possa constituir uma exagerada insatisfação, quero admitir que o quadro que rapidamente tracei pensando em Angola, e que deve poder alargar-se ao ultramar português, encontra a maior parte das suas raízes na actualmente inadequada orgânica da administração ultramarina.
A falta de sucesso da integração económica do espaço português, meta desejada e de reais benefícios para o conjunto nacional se executada racionalmente com os olhos postos em todo o território, deve-se também, quanto a mim, em grande parte, ao sistema de administração do ultramar através de um Ministério independente e global.
Sempre pensei que a integração económica deveria ser precedida de integração administrativa, como condição necessária, ainda que não suficiente, para a sua viabilidade prática e para tornar possível o seu êxito.
Na verdade, e por mais perfeita que seja a condição humana, como conseguirá um Ministro da Economia, com jurisdição limitada ao território do continente e ilhas, deixar de ver no ultramar um fornecedor primário de matérias-primas e um posterior e conveniente mercado consumidor dos produtos criados na sua zona de acção e de sua responsabilidade directa?
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E os interesses regionais do ultramar, que por serem nacionais não deixam também de ser locais, como poderão, na sua diversidade e multiplicidade, mesmo sem atentar já na diversidade existente entre cada província ultramarina, como ia dizendo, como poderão ser estudados, compreendidos e executados por um único Ministério e um único Ministro? Ainda que a competência seja extraordinária e o saber profundo, como abarcar toda a gama de problemas e situações que ora respeitam à saúde ou educação como à agricultura ou obras públicas, à economia ou finanças como ao trabalho e assistência ou comunicações? O Ministério do ultramar tem de se comportar como um funil de boca enormemente larga, onde, forçosamente, as soluções têm de enfermar do sistema e sair prejudicadas na qualidade, dada a diversidade da mistura, e em ritmo lento, dada a convergência de tudo para o mesmo bico de saída.
O problema é profundo, de grandes reflexos, é certo, mas tem de ser encarado. Por outras palavras, e numa época em que a especialização caminha na vanguarda dos empreendimentos votados ao sucesso; pode pôr-se o dilema da seguinte forma? será preferível, numa base territorial, subordinar ao conhecimento geral das questões ultramarinas as decisões em matérias específicas de diversa natureza, ou, inversamente, numa base técnica, subordinar o factor territorial ao conhecimento profundo de cada matéria?
Creio bem que o grau de desenvolvimento atingido por Angola em particular e o ultramar em geral, criando uma dimensão que não tem paralelo com o que se verificava num passado ainda não muito remoto, aconselha que o rumo seja a integração administrativa, entrando sector por sector no seu correspondente Ministério e fazendo-se extinguir o Ministério do Ultramar.
Independentemente da melhoria de estrutura orgânica, que atenderia mais adequada e tècnicamente as solicitações e carências de cada sector público ou privado do ultramar, também polìticamente a eliminação de um Ministério que não deixa de denotar certa discriminação dentro da realidade nacional constituiria, assim o creio, medida de sentido muito positivo.
Por outro lado, fazendo-se a ligação da vida pública ultramarina com a metrópole através de diversos canais, em vez de um único e estrangulado canal, a existência de quadros de pessoal comuns, em todo e qualquer Ministério, além de conferir a citada vantagem de especialização técnica no estudo e execução das diferentes matérias, contribuiria também para um melhor conhecimento do ultramar. A rotação desse pessoal, fazendo-o passar pelas províncias ultramarinas, alargaria a todos os sectores da vida pública nacional um melhor conhecimento do valor e do portuguesismo daquelas províncias, o que não me parece demais realçar, em face do seu sempre premente e actual interesse.
Sr. Presidente: Da mesma forma como referi atrás que supunha interpretar um sentimento colectivo quando afirmei não estar o crescimento económico de Angola de harmonia com o que seria possível alcançar, receio agora que tal não aconteça ao defender o princípio da integração administrativa. Estou consciente do peso da responsabilidade que envolve a enunciação de tal princípio e do melindre do assunto, ambos suficientemente elevados para que seja cómodo abordá-los.
Parece-me, todavia, que o nível nacional desta Câmara só é realmente atingido quando precisamente são levantados e abordados problemas que, embora incómodos, carecem de apreciação, estudo e resolução.
Receio, no entanto, que a tese que defendo, da eliminação do Ministério do Ultramar e integração dos serviços públicos do ultramar nos correspondentes e adequados Ministérios, seja mal encarada em Angola, com o temor de que não haja nos seus responsáveis um suficiente conhecimento do ultramar e dos seus particularismos, estando limitados por um campo de visão ùnicamente metropolitano.
Mentiria se afirmasse que não compartilhava de semelhante temor, mas ainda tenho alguma esperança na preocupação que deve haver de bem servir a causa pública e, nomeadamente, na força das diligências e dos argumentos que não deixariam de ser utilizados pelas entidades e organismos que congregam em si a representação das actividades, de interesse económico ou outras, dos territórios ultramarinos.
A isso pode também objectar-se que, na verdade, o ideal seria conseguir-se acumular a melhor estrutura orgânica com a melhor qualidade humana dos seus componentes activos. Mas sendo a integração administrativa uma melhor estrutura para o tempo actual do que o ultrapassado Ministério único para tudo e para todos, poderá essa vantagem ser destruída e compensada por uma possível melhor qualidade humana e um provável melhor conhecimento das coisas ultramarinas por parte daquele?
O próprio reconhecimento de que se não tem andado quanto seria possível e é necessário poderá, quanto a mim, responder à pergunta e desfazer a dúvida.
Penso que um secretário provincial de determinada especialização, seja de obras públicas, seja de saúde e assistência, de economia ou finanças, encontrará melhor compreensão e receptividade junto de um Ministério e de um Ministro que apenas tratam desses sectores da vida pública nacional, ainda que aqueles tenham um certo desconhecimento de possíveis particularismos territoriais.
Para isso, e utilizando a linguagem de técnicos do mesmo ramo, o secretário provincial estaria em excelentes condições de informar e realçar os aspectos particulares existentes na sua zona de actuação.
Por outro lado, apenas numa fase inicial e transitória se poderia aceitar um desconhecimento dessa natureza, sendo certo que incumbiria a cada Ministro a obrigação de conhecer e visitar frequentemente todas as áreas da sua jurisdição. Neste aspecto, e em relação ao sistema que tem vigorado do Ministério único, nem sequer seriam precisas muitas viagens para manter um ritmo semelhante ao que tem sido seguido ...
Mas uma integração administrativa nacional, como a concebo e defendo, teria de ser efectivamente seguida e aplicada, relativamente a cada Ministério, com a atenção posta em todo o território, com o conhecimento directo e o contacto frequente com todas as suas parcelas territoriais, administrando esse todo com uma visão de conjunto que decerto teria de significar um melhor aproveitamento de meios e de potencialidades, com benéfico reflexo na economia do conjunto.
Teria de ser uma integração em que alguns Ministérios e serviços principais ficariam mesmo instalados no ultramar, desde que fosse ali que o objectivo da sua administração apresentasse maior importância e relevo. Penso, para já e como exemplo, relativamente a Angola, no sector das indústrias extractivas e na pecuária.
Teria de ser uma integração que, unindo mais e melhor todos os portugueses, constituiria um passo muito favorável no caminho da desejada normalidade dos pagamentos interterritoriais, cujas dificuldades me parecem ter fundamento apenas em razões de ordem psicológica, as quais
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contrariam a tendência para um equilíbrio natural que se devia registar.
Sr. Presidente: Atentando, dada a vastidão do tema abordado, apenas no que se passa no sector económico - e escolhi este porque é o sustentáculo de todos os restantes e porque é a base para todas as realizações e manifestações de ordem material e social -, não posso deixar de realçar, como evidente, a vantagem de haver um comando único para todo o território nacional. Só assim poderá haver integração económica, só assim se poderá tirar partido de uma complementaridade de economias diferentes, só assim se poderão ordenar e conjugar recìprocamente os elementos e factores de produção que uma tão vasta e diferenciada área territorial, tão providencialmente legada pelos nossos antepassados, oferece como generosa dádiva para quem a souber aproveitar.
O incrível problema das frutas de Angola, nomeadamente banana, abacaxi e laranja, há tantos anos numa situação de marasmo, debatendo-se no jogo de interesses de produtores doutras zonas do território nacional e entre interesses, mesquinhos e restritos, de empresas de navegação, que teu travado a expansão do que poderia ser uma das grandes riquezas de exportação daquela província, não estaria já solucionado se se inscrevesse no âmbito de um Ministério da Economia Nacional?
É evidente que uma integração administrativa não tem necessàriamente que fazer adoptar para todos os territórios o mesmo figurino. A aplicação que se está fazendo em Angola do mesmo ou semelhante regime tributário seguido na metrópole, numa política que não é de integração administrativa e que pretende ser de unidade, neste caso unidade fiscal, parece-me constituir um exemplo típico do que não deve ser feito. Não sei como estará decorrendo naquela província, neste momento, a aplicação e execução do novo Código do Imposto Profissional, que por amor ao figurino metropolitano ali foi estabelecido a partir de Janeiro deste ano, mas manifesto um sincero voto para que decorra com sucesso e se justifique como um êxito, demonstrando-me assim quanto me enganei ao votar contra o mesmo na altura de ser apreciado e aprovado no Conselho Económico e Social de Angola.
É que pode haver unidade dentro da diferenciação, e haver, como lerá de haver, diferenciação sem que isso prejudique a unidade. A integração dos sectores da Administração, encaminhando-os para unidades de comando consoante a natureza dos serviços ou actividades, não é incompatível com uma diferenciação de métodos e de medidas para os territórios administrados, pois essa diferenciação de tratamento terá mesmo que existir em função das maiores ou menores carências regionais, das maiores ou menores possibilidades económicas locais, do maior ou menor grau de desenvolvimento.
Sr. Presidente: Antes de terminar esta intervenção, pedindo que o Governo se debruce sobre o estudo da conveniência e viabilidade de ser alterada a forma de administrar as províncias do ultramar, não deixo de fazer a advertência, talvez escusada, de que apenas tive em mente funções e sistemas orgânicos, não estando em causa personalidades que desempenham ou desempenharam cargos cuja citação haja sido feita no decorrer da exposição.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Braamcamp Sobral: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Li com cuidada atenção os textos das teleconversas do Sr. Presidente do Conselho, que ouvira quando efectuadas.
A meditação que se me impunha, como Deputado e como cidadão português, sobre aqueles textos e a revisão que paralelamente fiz sobre a minha actuação nesta Câmara conduziram-me a determinadas reflexões que entendi não deverem ficar só para mim.
Quando tomei conhecimento da criação da Secretaria de Estado de Informação e Turismo, antevi que o novo Secretário de Estado seria, no futuro e dentro das suas atribuições, o porta-voz do Governo, e assim, através de comunicações directas, conferências de imprensa ou de outras formas mais adequadas, consoante a natureza dos assuntos a expor à Nação, esta passaria a ser, por seu intermédio, regular e oportunamente informada sobre os vários problemas da vida nacional, conhecendo em cada caso a política adoptada pelo Governo e os fundamentos das soluções escolhidas.
Também antevi que à nova Secretaria de Estado caberia, no futuro, em exclusivo, a publicação dos documentos doutrinários, políticos ou de pura informação técnica, oriundos de qualquer dos departamentos governamentais, processo de contribuir não só para a concentração da informação, mas também para a selecção, dignidade, economia e melhor difusão das publicações oficiais.
Mesmo que venham a ser estas, entre outras, as características do estilo diferente de actuar que foi anunciado no Palácio Foz, é evidente que não poderiam ainda ter-se salientado neste período de rodagem do novo departamento de Estado.
Entretanto, neste ano de 1969, tão carregado de interrogações e tão particularmente propício a tomadas de posição, tem de aceitar-se que na definição de linhas de rumo ou de princípios básicos a fala do Chefe do Governo empresta às considerações produzidas sobre esta matéria uma muito especial autoridade.
Certamente por isso, o Sr. Presidente do Conselho se dispôs a comparecer nos nossos serões familiares para nos esclarecer sobre o pensamento do Governo e simultâneamente connosco compartilhar as suas dificuldades, os seus anseios e as suas esperanças.
Ao terminar a segunda conversa, disse-nos o Sr. Prof. Marcello Caetano que se soubermos continuar unidos e formos capazes de colaborar na empresa comum, ainda que criticados construtivamente, a partir de dados colhidos com consciência, raciocinando com frieza e recta intenção, venceremos as dificuldades e encontraremos o rumo que à Nação convém.
Penso ter sempre aqui obedecido, nas minhas actuações, em conformidade com o condicionalismo atrás indicado, e contudo, sem falsa modéstia, mas por razões que fàcilmente se aduzirão das considerações que se seguem, não posso concluir que o tempo por mim utilizado a falar nesta Assembleia tenha sido bem empregado.
O mesmo não diria, òbviamente, do tempo por mim utilizado a ouvir, se não se desse a circunstância anacrónica de esta sala, na qual apenas há utentes para falar e para ouvir, possuir a pior instalação de som existente no País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não terei fundamentos sólidos para esta afirmação, mas corro o pequenino risco que a mesma envolve para melhor expressar a minha surpresa e a minha indignação.
Dá-se ainda a curiosa circunstância de, merca das próprias condições acústicas da sala, nós termos nos
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nossos lugares a maior dificuldade em ouvir o orador que está na tribuna, enquanto este, na tribuna, ouve fàcilmente os que falam no anfiteatro. (Risos).
Em 1965, após a 4.ª ou 5.ª sessão a que assistira, comentava eu, ao descer no elevador com um colega meu, também recém-chegado à Assembleia, as dificuldades que aqui temos para dar atenção aos oradores. Este meu colega concordou inteiramente com os meus comentários e foi até mais longe no seu desabafo; mas- um terceiro companheiro, veterano de muitas legislaturas e muito meu amigo, pôs-me paternalmente a mão sobre o ombro e disse-me: «Não se arrelie nem se preocupe; vem tudo no Diário das Sessões.»
Este conforto, se conforto foi, pouco durou. Cedo me apercebi da grande irregularidade com que se procedia à publicação do Diário das Sessões. A distribuição deste e doutros instrumentos de trabalho de que precisamos dispor no exercício das nossas funções é deficientíssima, mercê das circunstâncias que gravemente afectam a actividade da Imprensa Nacional de Lisboa.
Ainda há poucas semanas o Sr. Presidente em exercício da Assembleia Nacional, conhecedor que é destes factos, pediu a nossa atenção para o esforço que se vinha fazendo recentemente no sentido do abreviamento na publicação do Diário das Sessões e para a notável dedicação e boa vontade sempre revelada pelos zelosos funcionários da nossa Imprensa oficial. Seria injusto e ingrato se eu não reconhecesse e agradecesse esse esforço, aliás quase inglório, mas pergunto se é razoável que ele continue a exigir-se a esses dedicados funcionários, ano após ano, e ao longo de todo o ano, protelando continuamente a decisão que há muito se impõe e que permita legalmente transformar aquele serviço numa indústria, que pode ser rentável, capaz de satisfazer em tempo oportuno os compromissos que lhe forem exigidos.
Além da perturbação já referida, esta situação tem já acarretado, pelo menos aos serviços da Assembleia Nacional e portanto ao erário público, pesados encargos com fotocópias, em quantidades industriais, de elementos que meses depois nos são fornecidos, devidamente impressos em documentos definitivos, pela Imprensa Nacional de Lisboa.
Deixo aqui o meu voto de que no interregno, que se aproxima, dos trabalhos parlamentares, e que terá a duração de cerca de oito meses, se resolva de forma satisfatória os dois problemas graves que foram mencionados.
Quero ainda, em todo o caso, notar que em relação ao Diário das Sessões o, mais grave é não chegar este ao conhecimento do Governo. Pelo menos na grande maioria dos casos parece que assim sucede. E ... em política o que parece é, dizem os sábios.
Talvez fosse de desejar que o Diário das Sessões seguisse para os Ministérios, via arcada. Completar-se-ia assim maravilhosamente a acção daquele prestimoso serviço.
Dos Ministérios traria para os órgãos da informação o que os governantes estão fazendo pela Nação e da Imprensa Nacional de Lisboa levaria para os Ministérios o que a Nação gostaria que os governantes fizessem.
Em muitos casos haveria, graças a Deus, reconfortante coincidência, mas seria, apesar de tudo, um bom serviço prestado ao País.
Mas passemos às «conversas».
Para quem como eu tem dedicado, ao longo dos anos, algum do seu tempo e muito do seu interesse às questões da educação, é sem dúvida muito agradável ouvir o Presidente do Conselho sublinhar que a orientação do Governo é no sentido de consagrar o máximo das disponibilidades financeiras à solução dos problemas educacionais.
Mas terá sido igualmente agradável para todos os que se encontram já convencidos de que a base de todos os problemas se encontra efectivamente na educação.
Bem se compreende que para se manter no futuro, como foi seu expresso desejo, aquela orientação se torna necessário cuidar a sério do desenvolvimento económico do País.
De há muito considero indiscutível a interdependência das acções da educação e do fomento da riqueza nacional, pelo que foi reconfortante a afirmação que neste sentido nos fez o Sr. Presidente do Conselho. Mas infelizmente não tenho visto esta ideia muito bem concretizada nos Planos de Fomento. Contudo, vai-se melhorando.
O respeito do Chefe do Governo pelo já tradicional equilíbrio do orçamento e a forte preocupação que se evidencia na sua afirmação de que não podemos por agora criar novos encargos nem novas receitas reanimaram a minha convicção de que um controle mais eficiente sobre a realização das despesas conduziria a um apreciável acréscimo nas disponibilidades financeiras.
Quando analisei a Lei de Meios para 1966 recordei à Assembleia que trinta anos antes o Sr. Ministro das Finanças tinha escrito que devíamos convencer-nos de que somos bastante pobres para podermos gastar mal o que temos e manifestei o maior receio de que a legislação em vigor não estivesse adequada às exigências de uma criteriosa aplicação dos valores previstos no orçamento de despesas e de que a máquina administrativa não estivesse convenientemente montada, nem para evitar possíveis desvios na aplicação das verbas em relação aos fins para que foram votadas, nem para apurar ou pedir responsabilidades aos que porventura promovessem a realização de despesas sem o indispensável respeito ao espírito e letra das leis que nos regem.
Decorreram quatro anos e penso que os riscos aumentaram, pois hoje são maiores os compromissos assumidos; não pequenos os que estão em perspectiva; muito mais vultosas as verbas do Orçamento Geral do Estado e as dos diversos fundos autónomos que dão a alguns Ministérios a aparência e a vivência de ricos em contraste, por vezes chocante, com os seus irmãos mais humildes, sempre sujeitos, sem mais recursos, aos duodécimos e ao visto do Tribunal de Contas.
O Governo mantém-se porém tranquilo com os sãos critérios da Administração.
Parecerá portanto estranha a minha posição, continuando convencido de que nem sempre gastamos bem o dinheiro que temos. Mas estarei efectivamente pouco acompanhado nesta minha convicção?
Quero crer que não, tanto mais que é hoje uma ideia comum a todos, e sobretudo aos que na vida privada têm de viver dentro de orçamentos apertados, evitar os gastos inúteis e supérfluos e seguir rigorosamente um sólido critério de prioridades. O continuado aumento do custo de vida a isso nos obriga, e mesmo assim lá se faz de quando em vez uma despesa que não devia ser feita. Fraquezas humanas!
E, porque este problema do custo de vida constitui preocupação generalizada, foi muito bem recebida por todos a referência do Sr. Prof. Marcello Caetano às sérias preocupações do Governo com a tendência que se tem manifestado para a alta de preços e com a tendência para a especulação, que infelizmente quase sempre acompanha a primeira. E bem recebidas foram também as notícias que entretanto nos chegaram, não só relativas ao protelamento de possíveis futuros aumentos nos transportes, como respeitantes a determinadas decisões com
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vista a evitar especulação na venda ao público dos géneros alimentícios.
Mas da teoria à prática vai quase sempre um grande salto.
O Sr. Deputado Pontífice de Sousa, a quem presto as minhas homenagens, na sua clara e pertinente intervenção de ontem, bem o demonstrou.
E note-se: a acção da fiscalização, útil e disciplinadora na rigorosa fixação de preços nos géneros alimentícios, resulta incompleta e imperfeita enquanto outros serviços, aliás dependentes do mesmo Ministério, não criarem as condições de contrôle eficiente sobre os pesos e as medidas utilizados nas transacções.
Permita-se-me um pequeno parêntesis:
Estuo VV. Ex.ªs recordados de que trouxe a esta Assembleia (e creio que foi a primeira vez que tal assunto foi objecto de intervenção parlamentar) alguns dos mais graves problemas que resultam de uma legislação vigente sobre aferição de pesos e medidas que se mostra totalmente desactualizada e obsoleta e referi-me na mesma ocasião à situação vexatória em que se encontram os funcionários encarregados de dar cumprimento àquela inconcebível legislação e que, pelos vícios da mesma, estão impedidos de cumprir com rigor e eficiência o seu dever.
Penso que o Governo ainda não teve ocasião de ler o Diário das Sessões de 17 de Março de 1967, até porque não obtive até hoje resposta à nota de perguntas (apenas três) que sobre o assunto formulei em 8 de Novembro do mesmo ano.
E nada de essencial se modificou desde então.
Continua-se assim com grande zelo a estabelecer que determinado produto não pode ser vendido, por exemplo, a mais de 24$ o quilograma, mas ninguém se importa que o quilograma tenha efectivamente 1000 g ou apenas 900.
Continuam da mesma forma a rectificar-se ou afixar-se preços para a bandeirada dos táxis ou para o quilómetro dos carros de aluguer, sem cuidar de controlar-se se as centenas ou milhares de metros registados nos aparelhos correspondem ou não a iguais distâncias percorridas.
Hoje, como há dezenas de anos - e já o disse aqui -, a aferição dos taxímetros continua a fazer-se em Lisboa, na Avenida 24 de Julho.
Não obstante o tráfego intenso actual impedir uma prova regular de aferição, esta avenida, no decorrer dos últimos anos, mantendo ou alterando os buracos, as tabuletas de transita, as máquinas e os operários, transformou-se numa permanente prova de slaloom, que exige dos automobilistas extraordinária perícia para a percorrer sem penalidades.
Que este facto não deixe ao menos de ser tomado em consideração se vier a surgir alguma petição para aumentos de tarifas nos táxis.
Quanto ao problema dos conta-quilómetros, vale a pena relatar mais um caso de sabor anedótico.
A lei manda que sejam aferidos e selados os conta-quilómetros colocados em carros de praça ou de aluguer com ou sem condutor.
Há cerca de dois anos, a Direcção-Geral de Transportes Terrestres (e, ainda que com atraso, é louvável que o tenha feito) mandou passar guias a todos os proprietários de automóveis de aluguer, com ou sem condutor, para que se apresentassem nas respectivas câmaras municipais, a fim de aferirem os conta-quilómetros.
Sucede porém que só dois modelos de conta-quilómetros estão aprovados e são tão velhos como as leis que regulam esta matéria. Raros estão já em utilização.
Os aferidores receberam, por isso, instruções da Repartição de Pesos, e Medidas, em 6 de Outubro de 1967, para, no caso de lhes serem presentes as guias atrás mencionadas, escreverem nas mesmas a seguinte nota:
«Não é possível proceder à aferição de quaisquer conta-quilómetros, não só por se tratar de aparelhos que não estão aprovados nos termos do disposto nos artigos 6.º e 7.º do Decreto n.º 9051, de 11 de Agosto de 1923 (este é dos mais recentes), como também porque neste concelho não existe carreira de aferição de conta-quilómetros».
Estas instruções são ainda estranhamente seguidas em Lisboa, não obstante existir carreira aprovada, ainda que imprópria, como já referi.
As direcções de viação e os motoristas cumpriram o seu dever.
Os aferidores mais uma vez viram frustrada a sua acção e, como não se aprovaram novos modelos de conta-quilómetros, tudo continua como dantes.
Mas tudo isto, como cerejas, veio a propósito do aumento do custo de vida, que infelizmente não tem as suas origens apenas nos transportes e nos géneros alimentícios, pelo que o Governo terá de abrir luta em várias frentes, e esperamos que o faça.
Estes e muitos outros problemas que a nossa Administração tem de enfrentar só poderão naturalmente ter solução satisfatória depois da Reforma Administrativa, que todos aguardamos com a mais justificada ansiedade.
Bem se compreende, pois, que o Sr. Presidente do Conselho, ciente dos problemas mais vastos e prementes que preocupam o Governo, tenha querido, logo na sua primeira conversa com a Nação, comunicar-nos o seu especialíssimo interesse em ver ultimados no fim do corrente ano os estudos que vêm já sendo realizados desde há algum tempo com vista a essa tão necessária reforma.
Queira Deus que todos aqueles que de alguma forma puderem colaborar nesta tarefa o façam com entusiasmo e dedicação.
E lembremo-nos de que, ao lado desta e depois desta, outras tarefas há a realizar, tão ou mais vastas, tão ou mais importantes; por isso se classificaram de ciclópicos (e foram sempre) os trabalhos cuja responsabilidade está sobre os ombros do Chefe do Governo, o qual nos revela necessitar de pessoas capazes para guarnecer os postos-chave da Administração e dispostas para tal a fazer o sacrifício das suas comodidades e dos seus interesses.
E bem difícil é o provimento destes postos-chave, pois para além da competência e do espírito de servir, atrás assinalados, é óbvio que deverão as pessoas em causa ter idoneidade moral e política, condições básicas da fidelidade aos princípios há muito definidos, sobre os quais terá de continuadamente assentar a conduta da Nação Portuguesa.
Tanto para os que pretendem realizar uma obra como para aqueles que esperam vê-la realizada, nada há mais enervante do que a luta permanente contra o tempo e nada há mais desencorajante do que a clara noção dos tempos perdidos, quaisquer que sejam as causas.
Não vou, a propósito de tempos perdidos, tecer considerações sobre as revoltas diárias que todos temos com as burocracias inúteis, a ineficiência de certos serviços e o regime de part-time em que trabalham certos funcionários públicos.
Sem estar à espera de um milagre, estou agora mais confiado em que daqui por alguns meses acentuadas melhorias irão verificar-se em resultado das diligências que estão em curso e do particular interesse com que o Chefe do Governo as acompanha.
Mas registo, por exemplo, a minha surpresa perante o facto de ainda se não ter criado colectivamente a consciência de que é totalmente inadequado à nossa época o formalismo vigente dos cumprimentos de partida e de
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chegada, quase sempre no aeroporto, a personalidades cujo afastamento de Lisboa, para o ultramar português ou para o estrangeiro, se reduz a escassos dias ou semanas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Creio bem que estas atenções se justificam perfeitamente, e portanto se devem manter, para com as primeiras figuras da Nação, adicionando as honras próprias que por lei lhes são devidas, à excepção de uma homenagem que só pode prestigiá-las e honrá-las.
Aceito ainda como adequados os cumprimentos a entidades categorizadas que no desempenho de elevadas missões se afastam ou se afastaram de Lisboa com a demora de largos meses ou anos.
Mas fiquemos por aqui. É mais digno, mais próprio desta era de constantes e rápidas deslocações e mais barato para a Nação.
Também me surpreende que se mantenham ainda como prática corrente as constantes deslocações a Lisboa de representações numerosas desta ou daquela região, normalmente para pedirem ou para agradecerem a membros, do Governo a satisfação de determinado e legítimo anseio da região que representam, ou ainda para formularem convites de visitas à sua região e para agradecerem as visitas feitas.
Na grande maioria desces casos, a vinda a Lisboa do governador civil do distrito, ou um telefonema, resolvia o problema com muito mais economia de tempo, muito menos perturbação para os serviços e muito menos dispêndio de dinheiro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não é o governador civil um representante do Chefe do Governo? E não estamos nós já na parte final do século XX?
A época actual impõe-nos que sejamos práticos, funcionais e eficientes. E, como é nesta que vivemos e não noutra, creio bem que será conveniente que nos adaptemos.
Sem dúvida que me parece, aqui também, que este estilo de atenções se deve reservar para as primeiras figuras da Nação, que mais prestigiadas são, e muito bem, com o regime de excepção que preconizo.
Se alguns «conservadores rotineiros» me disserem, à guisa de desculpa, que muitas vezes as numerosas comissões a que me referi aproveitam a mesma deslocação a Lisboa para visitar o Chefe do Estado e determinados Ministros, eu direi que esse aproveitamento, dentro dos usos actuais, é de facto louvável, mas diminui consideràvelmente o valor da homenagem prestada ao Chefe do Estado, que deve em todas as circunstâncias ser sempre diferente.
Quantos de vós, neste momento e por associação de ideias, estarão já a pensar, como eu, noutras práticas correntes pouco próprias deste século, tão marcado pelo desejo de se actuar sempre mais rápida e econòmicamente!
Mas fiquemos por aqui, até para não nos afligirmos demasiado com a acumulação dos tempos mal utilizados, que, meditando na velha e actualíssima máxima, tantas vezes esquecida, correspondem, afinal, a dinheiro mal utilizado.
Srs. Deputados: Diz-nos o Sr. Presidente do Conselho que o instinto vital da conservação do País exige uma política de reformas, e nós sabemos que, de todas, a mais importante e a mais difícil é a reforma da mentalidade.
Uma reforma de mentalidade não se processa normalmente nos adultos, mas sim nos jovens, e alguns anos são necessários para se obterem resultados apreciáveis. Porém, o nosso atraso neste particular aconselha que se cuide simultâneamente dos jovens e dos adultos.
E não creio que se caminhe para a recuperação do tempo que foi perdido e para a conquista de posições desejáveis, continuando a divulgar-se largamente toda a espécie de literatura nefasta à alma e ao corpo, que sem necessidade de trabalhos de pesquisa encontramos com a maior facilidade nas estantes das livrarias.
Este facto adquire ainda maior gravidade perante outro altamente preocupante: a confrangedora ausência de boa literatura, não obstante o esforço, de louvar, de raras editoras portuguesas, últimas abencerragens da boa luta, que ainda, graças a Deus, se preocupam com a formação dos jovens e dos adultos.
Quando aqui foi debatido o aviso prévio da educação da juventude, vários Srs. Deputados se referiram, com inegável brilhantismo, à preponderante importância do livro na educação, e isso levou naturalmente a incluir na moção aprovada em 25 de Janeiro de 1967 o voto de que se fomente a boa literatura para jovens.
Um ano exacto depois da aprovação da referida moção, formulei por escrito, e apenas sobre dois ou três parágrafos da mesma, algumas perguntas ao Governo, à frente das quais a seguinte:
Que disposições foram tomadas pelo Governo desde 25 de Janeiro de 1967 até àquela data, tendo em vista a criação e difusão em larga escala de boa literatura para jovens?
Não estranhei que a resposta recebida, em relação às perguntas formuladas, evidenciasse, de uma forma geral, que nada de concreto havia sido feito.
Sempre me tem parecido que as moções da Assembleia Nacional não constituem normalmente para o Governo imperativos ou mesmo estímulos de acção, e mesmo nos casos em que posteriormente se legisla no sentido dos votos da Assembleia não é de uso incluir nos considerandos preambulares dos decretos-leis referência expressa àqueles votos. Eu costumo chamar alisto «complexo de soberania».
Reforma de mentalidade! Reforma do homem, como já preconizara Salazar em 1909, muitos anos antes de vir a assumir pesadas responsabilidades no Governo da Nação! São metas para as quais devemos continuar a caminhar, o que exige, para além da vontade própria de cada um, a mobilização de todos os recursos de que na nossa era é possível dispor.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Termino as minhas considerações sublinhando a confirmação que o ilustre autor das «conversas» nos deu sobre a intenção do Governo de permanecer firme no combate ao terrorismo; não só daquele que vem do exterior, mas do que se manifesta dentro das nossas fronteiras, mercê da actividade daqueles que menosprezam o presente e o futuro da Pátria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Efectivamente não se discute nem se discutirá a defesa da integridade nacional; nem podemos correr o risco de um abalo social que nos lance na guerra civil, interrompa o desenvolvimento, paralise a produção e reduza o País à miséria.
Importa ter estas palavras bem presentes no nosso espírito e tomar consciência de que todos temos o dever de contribuir para que aquele risco se não corra nunca.
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Necessitamos, de ordem e tranquilidade para trabalhar (a este condicionalismo nos habituámos, graças a Deus, há muitos anos), e trabalho não nos falta se quisermos, e queremos, que a Nação seja mais rica para que possam resolver-se muitos dos problemas que afligem a comunidade portuguesa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Arlindo Soares: - Sr. Presidente: A minha intensa e dispersa actividade de médico rural e o desempenho de funções que uma vocação inata e o impulso da minha formação profissional me levaram a aceitar obrigam-me a percorrer diàriamente para cima de uma centena de quilómetros.
O progresso, essa força indomável, com todo o seu cortejo de benefícios e malefícios, impôs-me a necessidade de trocar a sela da montada de modesto João Semana, cuja figura muito me orgulho de representar, procurando imitá-la o melhor que posso, pela cadeira almofadada, porventura mais confortável, mas nem por isso mais sadia, do veículo automóvel. Posso assim considerar-me um usuário, já de certo vulto, das nossas estradas.
Os milhares lê quilómetros percorridos por seus leitos, nem sempre suaves, têm, como é natural, deixado na minha carne e na estrutura das viaturas, marcados de forma indeléve , os efeitos erosivos dos traumas provocados pelas irregularidades do terreno. Durante as longas horas dos percursos muitas vezes tenho pensado no esforço enorme que se fez nos últimos quarenta anos para dotar o País com a rede de estradas necessária ao progressivo aumento do tráfego, abrindo novas vias de comunicação, reparando as antigas e procurando mante-las, a todas, em estado de conservação compatível com a sua normal utilização.
Infelizmente pertenço ao rol daqueles que bem conheceram o estado caótico em que se encontravam as nossas estradas, triste e pesada herança do Estado Novo, e convivi com alguns lavradores que, vivendo nas suas proximidades, tinham sempre os bois a postos para suprir com a força animal a impotência dos motores para arrancar os veículos dos atoleiros e barrancos em que era fértil o leito daquele arremedo de rodovias.
Foi, de facto, ingente o esforço e gigantesca a obra efectuada pela Junta Autónoma de Estradas, dotando o País da óptima rede rodoviária nacional, à qual vieram juntar-se as es iradas e caminhos construídos por iniciativa das autarquias administrativas.
Podemos afirmar que houve uma época em que podíamos orgulhar-nos do estado das nossas estradas, que nos ofereciam uma segurança e comodidade que faziam a inveja dos nossos visitantes. Hoje, porém, estamos a caminhar, a passo largo, não direi para aquele estado de descalabro em que as encontrámos, mas para uma situação incompatível com as necessidades sempre crescentes do trânsito. As estradas nacionais e municipais oferecem já um aspecto indesejável, que sobretudo se acentua quando sobre das incidem os efeitos de uma invernia prolongada. É, efectivamente, após uns dias de chuva e durante eles que se tornam mais evidentes os charcos que se formam nas covas e regueiras de que estão semeadas e nos vão desconjuntando o aparelho locomotor e os órgãos das viaturas, com manifesto prejuízo para a nossa economia corpórea e para a economia nacional.
O mais curioso é que são precisamente as estradas alcatroadas, que, com evidente vantagem em muitos aspectos, substituíram as antigas estradas de macadame, que mais contribuem para a ruína dos carros e mais agressivas se nos tornam, pois que os seus buracos de bordos irregulares e cortados a pique constituem autênticas ratoeiras, conduzindo a uma seca e rude trepidação e à mais brusca e violenta agressão à mecânica do veículo.
Torna-se por isso urgente uma maior vigilância e uma melhor assistência ao estado de conservação do piso das nossas rodovias, pois, se não lhe acudirmos com presteza, a insegurança e a incomodidade serão dentro em pouco flagelo insuportável e cada vez maiores os prejuízos dos utentes com o desgaste do material rolante e a consequente fuga de divisas para a aquisição de veículos e acessórios necessários ao nosso parque automóvel.
O problema, porém, parece estar a tomar uma feição bastante difícil para que possa prever-se uma solução imediata ou tão rápida quanto seria para desejar, pois tudo se congrega para o tornar mais complicado. É cada vez mais intenso o tráfego e maior a tonelagem que as estradas têm de suportar e por isso cada vez maior o desgaste sofrido; por sua vez, escasseiam, também cada vez mais, os braços empregados na sua conservação. Os cantoneiros, esses mártires da estrada, como os classificava há tempos o Jornal do Noticias, desertam, procurando noutras actividades o pão que lhes falta em casa para seu sustento e dos seus familiares.
Na verdade, é perfeitamente inconcebível o que se passa com estes beneméritos servidores do Estado e das câmaras municipais, que, abnegadamente, foram durante anos, e são-no ainda os poucos que restam, como diz aquele grande e simpático periódico pela pena brilhante do seu redactor Fernando Martins, «heróis anónimos e desprezados, homens a quem tanto se obriga e aos quais tão pouco se dá em troca». Os seus deveres, as suas obrigações, por vezes desumanas, não estão de forma alguma em concordância com os direitos que lhes conferem os regulamentos em vigor. Acima destes, porém, estão o direito natural e a dignidade humana, ofendidos pela injustiça que se lhes impõe.
As atribuições dos cantoneiros e dos seus superiores imediatos - os cabos - constam de mais de uma dezena de alíneas do Regulamento das Estradas Nacionais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36 816, de 2 de Abril de 1948, e que faz parte integrante também da Lei n.º 2037, de 19 de Agosto de 1949, e compreendem as tarefas mais variadas, desde a conservação da faixa de rodagem ao embelezamento das bermas, limpeza e conservação dos marcos, balizas, placas e sinais, ao policiamento e à ajuda obrigatória a quantos dela necessitem. São ainda fiéis depositários e responsáveis pela boa conservação de todos os artigos e materiais que o Estado lhes confia.
Há porém uma obrigação que transcende tudo quanto possa imaginar-se de cruel e que é a de «estarem presentes todos os dias úteis na estrada, sem que as chuvas ou intempéries possam ser invocadas como pretexto de ausência, e nela permanecerem durante as horas indicadas no horário em vigor», e ainda «não poderem ausentar-se dos locais de trabalho na estrada durante as horas de descanso e refeição».
Julgo não ser necessário comentar esta imposição, que não se coaduna, de forma alguma, com as normas da justiça social que felizmente vem sendo feita às classes trabalhadoras, como nos mandam os nossos deveres de cristãos.
Em troca destes pesados e injustos deveres, o que se lhes oferece? Aos cabos de cantoneiro os magros salários de 31$ ou 36$, conforme as classes (2.ª ou l.ª), acrescidos
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do subsídio eventual de custo de vida - 25 por cento. Aos cantoneiros, e também conforme as categorias, 26$ ou 29$, acrescidos do mesmo subsídio.
Se a doença os acomete, nenhuma assistência se lhes presta, nem médica nem medicamentosa, e o salário só será mantido por inteiro durante os primeiros vinte dias, pois passados estes o salário é reduzido a metade até ao quadragésimo dia, e após este período baixa para 25 por cento até ao sexagésimo dia. Terminados os sessenta dias, se a doença se mantiver, poderá continuar afastado do serviço, sem direito a qualquer abono, por mais noventa dias. Findo este prazo, será dispensado do serviço ou reformado, se à reforma tiver direito e estiver nas condições legais.
Pelo que respeita a férias, o pessoal cantoneiro com bom comportamento, zelo, reconhecida assiduidade e três anos de serviço pode ter direito a doze dias de licença em cada ano civil, mas ser-lhe-ão descontadas as faltas dadas no ano anterior quando não justificadas por nojo ou por motivo de doença motivada por acidente de trabalho.
Previa o artigo 31.º do citado regulamento que com destino ao pessoal cantoneiro se poderia dispor das seguintes edificações: em cada esquadra, uma casa de habitação para o cabo de cantoneiro; para cada grupo de dois cantões contíguos, uma dupla moradia para habitações de cantoneiros. Nessas moradias o pessoal cantoneiro seria obrigado a residir sem quaisquer encargos.
Por tudo quanto sabemos, poucas ou nenhumas casas haverão sido construídas para estes fins. Com tal recompensa pelos serviços prestados, cuja importância e sacrifício ocioso se torna encarecer, nada admira que a fuga do lugar se processe com tal frequência que só não conduz à extinção porque o pessoal mais antigo não quer perder o único benefício de uma próxima reforma por invalidez ou velhice.
Os quadros vão assim enfraquecendo dia a dia, e nalgumas secções estão reduzidos a 50 por cento ou ainda menos e só com pessoal velho, gasto e cansado. Eu próprio tenho verificado que numa distância de 50 km, correspondente a dez cantões, raro é o dia em que não os encontre desertos, certamente porque os titulares que ainda restam vão trabalhar para outros em regime de brigadas, mas quando comparecem nos seus postos de trabalho não vão além de três.
Custa, no entanto, a compreender que esta situação se mantenha, quando, afinal, as direcções de estradas se vêem forçadas, para ocorrer às imperiosas necessidades das reparações mais urgentes, a contratar trabalhadores rurais sem qualquer preparação, a quem têm de pagar salários da ordem dos 50$ a 60$ diários, e se se tratar de calceteiro ou outro operário mais especializado estes salários duplicarão.
Mais estranho e paradoxal é ainda o facto de este pessoal ter de trabalhar sob a orientação e fiscalização do cabo ou do próprio cantoneiro, o que se torna manifestamente degradante para ambas as partes. Não será por isso de estranhar que o cantoneiro ou o próprio cabo, nomeadamente o mais moderno, tenha a tentação, aliás legítima, de se demitir do cargo, para ser contratado, pela entidade que servia, como simples jornaleiro, o que para eles representa dobrar o salário, eximindo-se às pesadas responsabilidades que até aí tinham de suportar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se a situação do pessoal cantoneiro é esta, o que dizer dos seus superiores - os chefes de conservação? As atribuições destes prestantes serventuários desdobram-se pelas vinte e uma alíneas do artigo 59.º daquela Lei n.º 2037.
Não poderei, como é óbvio, enumerá-las todas. Bastará dizer que as suas funções são da maior relevância e complexidade e que lhes impõem sérias responsabilidades. Um chefe de conservação é admitido no quadro após rigoroso concurso de provas públicas, necessita de ter uma formação profissional altamente qualificada e ocupa socialmente uma posição de destaque, dada a latitude do seu campo de acção.
Recordo-me de que o primeiro chefe de conservação que conheci era uma veneranda figura, oriunda de uma das mais nobres casas do meu concelho natal, e essa lembrança me obrigou sempre a especial consideração e respeito, aliás merecidos, pelos actuais titulares do cargo.
A sua actividade desdobra-se por tarefas que exigem uma preparação técnica polivalente, pois têm de ser dirigentes, administradores, inquiridores, fiscais, topógrafos, desenhadores, contabilistas, armazenistas, agentes da autoridade, etc., e ter, ao mesmo tempo, uma formação intelectual e moral que lhes permita levar a bom termo algumas dessas bem difíceis ocupações.
A classe tem tradições muito antigas e de certo relevo.
Pelo Regulamento da Conservação, Arborização e Polícia das Estradas, de 21 de Fevereiro de 1889, eram designados condutores chefes de serviços de conservação, e as respectivas secções de conservação com uma extensão média de 50 km, podendo variar entre 40 e 60 km, constituídas por lanços de 15 a 20 km, e estes divididos em cantões de 3 a 4 km, a cargo, respectivamente, de cabos de cantoneiros e cantoneiros.
O chefe de serviços de conservação era então obrigado a percorrer a sua secção uma vez por quinzena. Este regulamento esteve em vigor, embora com diversas alterações, até que, pelo Regulamento de 19 de Setembro de 1900, as secções passaram a ter a extensão mínima de 60 km, constituídas por cantões com a extensão mínima de 5 km, e ao chefe de conservação passou a ser obrigatória uma visita completa à sua secção, pelo menos uma vez por semana.
Como pode ver-se pelo artigo 36.º do Regulamento de 1889, com trinta e sete números, e artigo 28.º do Regulamento de 1900, com vinte e um números, as atribuições e deveres do chefe de conservação foram mantidos ainda pelo artigo 96.º do Regulamento da Administração-Geral das Estradas e Turismo, aprovado pelo Decreto n.º 10 244, de 3 de Novembro de 1924.
O Estatuto das Estradas Nacionais, a que já me referi, estabelece agora para as secções de conservação uma extensão média de 70 km, passando a ser obrigatório para o chefe de conservação percorrer com assiduidade as estradas a seu cargo, de forma que a sua visita seja feita minuciosamente, pelo menos também, uma vez por semana.
Pelo exposto, verifica-se que as atribuições do chefe de conservação têm sido progressivamente aumentadas e alargado o seu complexo sem que, simultâneamente, sejam concedidos os meios indispensáveis para o seu exacto cumprimento.
A natureza técnica do cargo desempenhado pelo chefe de conservação é bem evidente e está claramente mencionada no Decreto de 12 de Março de 1929, do Ministério das Obras Públicas e Comunicações, publicado no Diário do Governo n.º 84, 2.ª série, da mesma data, a p. 128, e ainda no quadro numérico do pessoal da Junta Autónoma de Estradas inserto na monografia comemo-
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rativa do 25.º aniversário deste departamento do Ministério das Obras Públicas, publicada em 1952.
Os programas dos concursos de provas públicas a que têm de submeter-se os candidatos ao cargo são expressão clara da complexidade das atribuições e conhecimentos técnicos e administrativos que esses candidatos têm de adquirir ou possuir. Desses programas destaca-se o que foi publicado em obediência ao artigo 111.º do Decreto n.º 10 244, de 3 de Novembro de 1924.
Em 1926 ingressou no quadro dos chefes de conservação da Administração-Geral das Estradas e Turismo grande número de sardentos do Exército, classificados para empregos públicos, ou antigos combatentes da Grande Guerra, aprova-los em concurso de provas públicas, até ao preenchimento das vacaturas então existentes. Nessa época, os chefes de conservação desfrutavam ainda de prerrogativas de relevo social e regalias que lhes foram sucessivamente cerceadas até ao presente, em que se vêem desamparados e enfraquecidos no seu meio.
Então a sua remuneração era equiparada à de terceiro-oficial, secretário de finanças de 3.ª classe, etc.
Na constituirão das comissões de Iniciativa a que se refere o artigo 2.º do Regulamento da Lei n.º 1152, de 23 de Abril de 1921, aprovado pelo Decreto n.º 8046, de 24 de Fevereiro de 1922, que criou em todas as estâncias hidrológicas, praias, estâncias climatéricas, de altitude, de repouso, de recreio e turismo, comissões de iniciativa com o fim de promover o desenvolvimento das nossas estâncias e fomentar a indústria do turismo, o chefe de conservação de obras públicas da área respectiva, como o regente florestal da respectiva zona, eram vogais natos, como determinam os n.ºs 6.º e 7.º do artigo 2.º do dito regulamento e § 1.º da alínea d) deste artigo.
Comparticipava em 25 por cento da importância das multas arrecadadas pelas transgressões do disposto no Regulamento para a Cobrança e Arrecadação do Fundo de Viação e Turismo, aprovado pelo Decreto n.º 10 176, de 10 de Outubro de 1924, quando fosse o promotor da sua aplicação, segundo o artigo 21.º deste regulamento, e competia-lhe cobrar e distribuir a mesma comparticipação quando esta pertencesse a outro agente de polícia das estradas subordinado à sua secção. Comparticipava na distribuição dos emolumentos criados pelo Decreto n.º 14 873, de 10 de Janeiro de 1928, de importância trimestral sempre superior a 300$.
Estava isento do imposto de trânsito respeitante à viatura de qualquer natureza que utilizasse para o transporte privativo, estabelecido pela tabela B anexa ao referido regulamento, determinada pela nota 4.º à mesma alínea.
O desconto para aposentação já estava incluído no seu vencimento.
Estava autorizado gratuitamente ao uso e porte de arma de defesa no exercício das suas funções. Gozava do desconto de 50 por cento no seu transporte nos Caminhos de Ferro do Estado.
Como quota para o Montepio Geral descontava apenas 2$, com regalias superiores às que actualmente aufere pagando a quota de 20$.
Todas estas regalias que hoje não tem representavam, como facilmente se depreende, uma posição económica sensìvelmente vantajosa e em certas circunstâncias essa posição mais se destacava.
Pela organização do pessoal das Direcções de Obras Públicas, dos Serviços Hidráulicos e Especiais, no seu artigo 28.º, os vencimentos mensais do pessoal de que trata o decreto que aprovou aquela organização, de 24 de Outubro de 1901, eram os que constam da tabela seguinte:
[Ver Tabela na Imagem]
Decreto da mesma data aprovou a organização da engenharia civil e dos serviços da sua competência.
O artigo 32.º desse decreto estabelecia os vencimentos para os condutores, hoje agentes técnicos de engenharia, da seguinte forma:
[Ver Tabela na Imagem]
O vencimento do chefe de conservação estava então equiparado ao do condutor de 3.ª classe.
Estes vencimentos mantiveram-se na mesma proporção até 1914, quando surgiu a chamada Grande Guerra, data em que, pelas suas consequências, foram estabelecidos subsídios de custo para equilíbrio da vida de todo o funcionário, até que, anexo ao Decreto n.º 23 239, de 20 de Novembro de 1933, foi publicado o quadro do pessoal dos serviços de conservação da Junta Autónoma de Estradas, estabelecendo para cada funcionário o vencimento seguinte:
Agente técnico de 1.ª classe ........ 1 333$50
Agente técnico de 2.ª classe ........ 1 180$00
Agente técnico de 3.ª classe ........ l 026$00
Desenhadores de 1.ª classe .......... l 026$00
Desenhadores de 2.ª classe .......... 739$50
Desenhadores de 3.ª classe .......... 628$50
Serviços auxiliares:
Chefe de conservação de 1.ª classe ......... 628$50
Chefe de conservação de 2.a classe ......... 601$00
Apontadores de 1.ª classe .................. 601$00
Apontadores de 2.ª classe .................. 565$50
Escriturários de 1.ª classe ................ 628$50
Escriturários de 2.ª classe ................ 601$00
Contínuo ................................... 512$00
Serviço interno:
Primeiro-oficial ............ 1 269$50
Segundo-oficial ............ 739$50
Terceiro-oficial ............ 628$50
Pelo que fica exposto e pelas tabelas que refiro, verifica-se que a posição remunerativa dos chefes de conservação veio progressivamente a enfraquecer; esse enfraquecimento não parou por aqui, não obstante verificar-se inversamente o crescimento das suas atribuições e complexidade dos seus deveres, sem que simultaneamente sejam concedidos os meios necessários para o seu exacto cumprimento. Sempre porém o seu vencimento foi equi-
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parado ao de terceiro-oficial, embora com atribuições mais vastas.
Manteve-se esta tabela até que o Decreto n.º 26 115, de 23 de Novembro de 1935, relegou a classe dos chefes de conservação para um plano que os colocou em situação que poderá considerar-se deprimente, não obstante se manterem todas as suas atribuições e obrigações.
Os chefes de conservação passaram a auferir vencimento inferior ao dos que anteriormente eram seus equiparados e inferiores. Pertencendo-lhes o enquadramento na letra Q, passaram para a letra U.
Os actuais fiscais de trabalhos, que apenas desempenham um - fiscalizar os trabalhos de grande reparação - dos vinte e um deveres regulamentarmente atribuídos aos chefes de conservação, auferem salários muito superiores ao vencimento destes.
A outros assalariados que são directamente seus subordinados e constam do quadro que segue é atribuído salário que coloca o chefe de conservação em plano deprimente. Acresce que todos os assalariados que vou mencionar entram para o seu quadro sem necessidade de se submeterem a qualquer concurso de provas públicas ou de se lhes exigirem as habilitações literárias e técnicas especiais que são requeridas para os chefes de conservação:
Chefe de conservação de 1.ª classe .... l 750$00
Chefe de conservação de 2.ª classe .... l 600$00
Fiscais de 1.ª classe ................. 2 433$50
Fiscais de 2.ª classe ................. 2 190$00
Fiscais de 3.ª classe ................. l 825$00
Maquinistas ........................... l 764$10
Motoristas ............................ 1 672$90
Capatazes ............................. 1 672$90
Para percorrer com assiduidade as estradas a seu cargo, regulando esse serviço por forma que a visita minuciosa e completa da secção seja feita, pelo menos, uma vez em cada semana, devendo nessa visita inteirar-se das necessidades dos serviços e providenciar, dentro das normas superiormente estabelecidas, no sentido de, com brevidade, serem remediadas as deficiências encontradas, é atribuído ao chefe de conservação o subsídio de deslocação de 500$ mensais.
Sendo a extensão da secção em média de 70 km, existindo, porém, muitas secções com 75 km e mais, segue-se que o chefe de conservação terá de percorrer mensalmente o mínimo de 600 km, e em tais circunstâncias a sua remuneração por quilómetro é bastante inferior a 1$.
Dá-se ainda a circunstância de, adicionando o subsídio de deslocação ao vencimento do chefe de conservação, ainda não auferir o salário do fiscal de 2.ª classe.
Julgo ter demonstrado sobejamente que não é apetecível a situação destes profissionais, que se vêem perseguidos por uma adversidade que de forma alguma merecem e que urge contrariar.
Nas suas mãos está em grande parte a solução do problema da conservação das estradas.
Sem bons chefes não poderá haver bons cantoneiros. As estradas precisam deles. O Governo, assoberbado por tarefas gigantescas, não pode porém alhear-se de uma situação que começa a inquietar-nos. Segundo informações colhidas em fontes de certo crédito, um dos argumentos invocados para a baixa remuneração dos chefes de conservação é que muitos deles se dedicam a actividades extraprofissionais, nomeadamente à elaboração de projectos para edificações, donde auferem razoáveis proventos. E natural que isso aconteça, embora essa actividade lhes esteja rigorosamente proibida por lei e constitua inqualificável abuso e condenável intromissão nos domínios de uma profissão que merece todo o respeito, a dos arquitectos, para a qual se exige um curso superior e um sentido de arte que não é apanágio de qualquer. Esse abuso está, de resto, a ser cometido por indivíduos menos qualificados que os chefes de conservação, por simples desenhadores e até pelos chamados habilidosos, que, a coberto de alguns diplomados menos escrupulosos, conseguem obter aprovação por parte das câmaras municipais de plantas e projectos de habitações que por aí andam a desfear a fisionomia arquitectónica de aldeias e até de vilas.
O argumento, porém, não tem consistência, pois, a termos de o considerar, teríamos de concluir que seria o Estado, que é, por natureza, uma pessoa de bem, o fomentador do atropelo da lei, forçando o serventuário a quem não dá a justa paga do seu trabalho a cometer ilegalidades que teria de punir severamente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: De tudo quanto deixei exposto, duas verdades ressaltam com toda a evidência: o estado das nossas estradas é já precário e há que proceder com urgência à sua reparação e conveniente conservação; o pessoal mais directamente ligado a estas tarefas tem de ser devidamente amparado, de molde a desempenhá-las com o necessário interesse. Já por demais se falou nesta Assembleia das dificuldades que atormentam o funcionalismo público e administrativo. Todos sabemos da escassez do nosso erário e das vultosas despesas que nos acarreta a defesa do nosso ultramar.
O Governo já beneficiou algumas classes cuja situação económica estava a ser insustentável.
Daqui, porém, nos atrevemos a pedir que na reforma administrativa a que está a proceder-se tenham carácter de prioridade os estudos para a solução do angustiante problema dos mártires da estrada - os cabos e cantoneiros -, no sentido de lhes ser atribuído um justo salário e as demais regalias que já usufruem as profissões equivalentes no domínio da previdência social, e que igualmente sejam considerados os seus superiores - os chefes de conservação -, que satisfeitos ficariam se lhes fossem restabelecidas algumas das prerrogativas que injustamente perderam e as equiparações de que muito justamente gozaram.
Permito-me sugerir nomeadamente que lhes seja fixada a gratificação a que se refere o artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 26 115, de 23 de Novembro de 1935, e que a sua categoria passe a ser constituída por três classes, com as seguintes correspondências:
Chefe de conservação de 3.ª - terceiro-oficial.
Chefe de conservação de 2.ª - segundo-oficial.
Chefe de conservação de 1.ª - primeiro-oficial.
Assim sendo, praticar-se-ia um acto de inteira justiça.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: No dia 1 deste mês inaugurou S. Ex.ª o Chefe do Estado nas instalações da Feira Internacional de Lisboa a exposição Filgráfica, relativa, como o nome indica, ao sector das artes gráficas. Além do respectivo mostruário, a Imprensa Nacional apresenta no certame uma valiosa exposição de ex-líbris em comemoração do seu bicentenário.
Com efeito, entre os benefícios que o marquês de Pombal outorgou à Nação - e tantos e tão prestimosos foram eles, em válido saldo de alguns malefícios por vezes cho-
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cantes - conta-se, sem dúvida, o da instituição da actual Imprensa Nacional de Lisboa.
E essa medida por tal forma correspondia às necessidades daquela época em projecção para o futuro que se lhe está celebrando o bicentenário.
De facto, com a designação, ao sabor do tempo, de «Imprensa Régia», e depois também conhecida por «Régia Imprensa Tipográfica», foi criada por alvará de 24 de Dezembro de 1768 aquela entidade.
A sua laboração iniciou-se passado pouco tempo, precisamente em Março de 1769.
Justo será, por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que lembremos, também comemorativamente, nesta Assembleia tão feliz centenário dúplex. Fará o efeito se recordará a colaboração, aliás fundamental, que a Imprensa Nacional tão diligente, zelosa e desinteressadamente é de uso prestar aos organismos governantes, entre os quais esta Assembleia, na aceitável medida dos seus possíveis meios. Para que disso nos demos conta basta folhear, nos respectivos diários, actas das sessões parlamentares desde, as cortes de 1820.
Estou certo de que neste movimento de caloroso louvor tenho comigo, Srs. Deputados, a opinião geral desta Casa.
Mas reatemos sumàriamente a história da instituição objecto destas considerações, socorrendo-nos sobretudo dos Subsídios, de José Vitorino Ribeiro, agora reeditados, com esclarecidas notas de Ramiro Farinha, na publicação que em homenagem a este seu centenário a própria Imprensa acaba de fazer.
Nesta retrospectiva desejamos marcar sobretudo dois aspectos que correspondem a lições proveitosas para o presente e o futuro da homenageada instituição.
O primeiro encontra-se marcado pelos termos e propósitos a atingir aquando da fundação; é, por assim dizer, o seu selo de origem. Tem importância sobretudo a encarar-se em próximas reformas que as necessidades actuais reclamam. Lendo o alvará instituidor verifica-se que o Governo de então lhe imprimiu uma índole que hoje poderíamos designar de organismo económico de natureza industrial, na constituição e administração fortemente articulada à Junta do Comércio, da qual chamou a si a fábrica de caracteres. Isto não obstante os altos fins culturais que se propunha, não só pela publicação de obras escolhidas, como pela promoção da aprendizagem e aperfeiçoamento gráfico.
A forma de administração, para o tempo, revestia aspectos de liberdade de iniciativa e largueza remuneratória, que bem ilustram a índole inicial que acabamos de vincar nesta criação pombalina.
O segundo dos aspectos aludidos de que se antolha útil tirar lição é o que resulta do próprio desenrolar histórico da administração da Imprensa Nacional.
Salvos curtos parêntesis, sempre ela foi assistida por altas capacidades, quer no campo administrativo, quer no campo técnico. E neste artigo é de sublinhar sobremaneira a virtude da continuidade administrativa, que assaz se manifestou em proveitosos frutos. Logo de início se nomeou administrador Miguel Manescal da Costa, cuja oficina fora adquirida pela novel empresa; assim, esta constituiu a base da empresa e o seu dono pôde continuar a geri-la durante mais de 30 anos, seja até à sua morte, em 1801.
Nessa altura tinha a Imprensa publicado mais de duas mil espécies e no elenco dos seus colaboradores artísticos contaram-se dos mais destacados do tempo e entre eles o famoso gravador Bertolozzi.
Em sequência da revolução de 1820, foi dada a esta entidade o seu nome actual e sofreu as repercussões alternantes da política do tempo com escasso préstimo, já se está a ver.
Felizmente a chamada, em 1838, para a administração dos irmãos Marecos, primeiro José, a que sucedeu à sua morte, em 1844, Frederico, representou para a Imprensa Nacional o retomar de uma nova vida, reformadora, quer no material, quer no pessoal.
A esta dinastia fraternal Marecos, terminada em 1878 pela morte do segundo, sucedeu, na mesma orientação, a administração do Dr. Venâncio Deslandes, que também subsistiu até à sua morte, em 1909, e que presidiu a importantes reformas de benefícios sociais para o pessoal e reedificação da actual sede.
Teve o Governo da República, em 1910, o feliz sestro de nomear no seu advento um administrador tirado dos quadros próprios e que revelou qualidades dignas dos seus antecessores, dirigindo este estabelecimento até que, em 1927, foi assassinado desditosamente, no honroso cumprimento dos seus deveres funcionais.
A ele se deve a fundação da rica biblioteca privativa.
Assim, a virtude da continuidade administrativa decerto deveras tem contribuído para o prestígio desta entidade pública, e esta característica ainda hoje felizmente se verifica na competente administração do Dr. Higino Borges de Meneses, que desde 1956 a dirige.
Não obstante o desenrolar auspicioso destes duzentos anos, não se prefigura isento de sombras de pesadas dificuldades o futuro próximo da Imprensa, no sentido de poder preencher plenamente as finalidades em que se acha investida.
E nós próprios, os desta Assembleia, nos vemos já vítimas de tal emergência, no atraso que se vem verificando na publicação do Diário das Sessões, e que já tem dado lugar a queixas aqui formuladas.
É a sabida deserção para situações mais bem remuneradas, para a vida profissional fora da égide do Estado, a cuja tentação não há patriotismo profissional que possa resistir.
E isto nos conduz à segunda lição que nos propusemos colher da vida da Imprensa Nacional. É que a continuidade orientada do serviço como apoio da sua modelar administração não chega. É preciso associar-lhe a actualidade, ou seja, a sua correspondência com as circunstâncias do tempo. E nesse aspecto todos nos apercebemos de que tal ajustamento está em crise.
Parece-nos que para a ultrapassar será de urgência reflectir sobre os módulos em que, segundo o tempo, esta entidade se constituiu. Como vimos, transitou de raízes de empresa industrial privada para pública, mantendo as suas características de origem.
Será, em nosso entender, no regresso a uma inspiração semelhante que se encontrará o remédio.
Rege-se essencialmente hoje a Imprensa Nacional pelo Decreto-Lei n.º 39 487, completado pelo n.º 40 399, respectivamente de 29 de Dezembro de 1953 e 24 de Novembro de 1955, publicados sendo Ministro do Interior o conselheiro Trigo de Negreiros.
É certo que no artigo 2.º do primeiro desses diplomas se prescreve incumbir a actividade gráfica da Imprensa exercer-se «em regime de exploração industrial», em concordância com a primeira parte do artigo 1.º, que estabelece que ela goza de autonomia técnica e administrativa».
Mas logo a segunda parte deste mesmo preceito acrescenta estarem «as suas receitas e despesas sujeitas às formalidades a que têm de obedecer as demais receitas
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e despesas do Estado». E como se não bastasse, tal diploma prescreve corresponderem as remunerações do pessoal aos estritos mapas estabelecidos para o funcionalismo público, segundo as descendentes escalas alfabéticas.
Não sei se me faço entender: que regime de autonomia industrial pode ser este, sujeito a tal colete-de-forças e cinto de castidade? Já hoje nem na Soviécia russa.
Isto basta, Sr. Presidente, e mais não acrescentarei nesta crítica, para não perturbar os propósitos de concisão preconizados em relação a nós por V. Ex.ª, tão justa quão prolongadamente.
Cumpre encarar a sério a reforma adequada da Imprensa Nacional. Pelas directrizes definidas já pelo Sr. Ministro do Interior a propósito deste centenário parece que o respectivo estudo está em curso.
Certo que essa reforma estruturará esta instituição como serviço público, mas com carácter de verdadeira empresa industrial, com a indispensável autonomia, e não como agora, que, embora assim se chame, se lhe retirou, como vimos, com uma das mãos aquilo que com a outra se lhe concedia.
Nas lições que o Sr. Presidente do Conselho tão proficuamente nos tem dado, até particularmente neste sector dos serviços públicos autónomos - que podem ir até à conveniência de se realizarem através das chamadas empresas mistas - se deverão procurar o elemento motor e as directrizes da almejada reforma.
É preciso que a Imprensa Nacional festeje o seu bicentenário como entidade viva, prestante e sadia, ao contrário do que sucede aos humanos, os quais, quando o merecem, como ontem Eugênio de Castro - só post mortem podem usufruir essa consagração festiva.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre as contas gerais do Estado e as contas da Junta de Crédito Público relativas a 1967.
Tem a palavra o Sr. Deputado Janeiro Neves.
O Sr. Janeiro Neves: - Pela primeira vez, Sr. Presidente, faço uso da palavra depois do afastamento, que auguramos passageiro, do Exmo. Sr. Prof. Doutor Mário de Figueiredo.
Quando igualmente estimamos e admiramos dois homens que, pela sua ilustração, finura de trato, extrema bondade e, na situação vertente, possuidores de extraordinários dotes políticos, se impõem ao nosso respeito, é sempre custoso exteriorizar os sentimentos opostos que a transitória ausência de um e a sua substituição por outro ocasionam. É que se é de mágoa a causa é de aprazimento o efeito.
Querem estas minhas palavras significar quanto me penalizou a doença do nosso querido Presidente efectivo, por cujo rápido restabelecimento faço ardentes votos, e quanto me apraz colaborar nesta Assembleia sob a presidência interina, mas não menos ilustre e qualificada, de V. Ex.ª, Sr. Dr. José Soares da Fonseca, a quem, antes de iniciar a minha intervenção, peço aceite os meus mais respeitosos cumprimentos, que envolvem a maior consideração e a maior estima.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quis- o acaso e quis a organização da Mesa que hoje dois deputados de províncias ultramarinas distintas abordem um problema de certo modo comum. O Sr. Deputado Rocha Calhorda, como VV. Ex.ªs há pouco puderam ouvir, referiu, com o costumado brilho, determinados problemas que, como VV. Ex.ªs verão no termo das minhas curtas palavras, têm alguma coisa de comum com a minha conclusão. Tenho de agradecer ao Sr. Deputado Rocha Calhorda, embora não possa estar totalmente de acordo com as considerações produzidas, o teor da sua intervenção, que, pelo menos na parte que merece o meu inteiro apoio, foi mais brilhante do que poderá ser a minha, dados os meus modestos recursos. (Não apoiados).
Com esta nota, entrarei imediatamente nas curtas considerações que me propus fazer.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao exteriorizarmos o que nos ficou da leitura do «Parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1967», da autoria do ilustre Deputado Araújo Correia, leitura não total (por escassez de tempo e não dispormos de todo o volumoso trabalho), mas da parte que julgamos essencial, para quem, nesta Casa, representa Moçambique, não sabemos que mais admirar: se a costumada objectividade e isenção na apreciação feita, se a perseverança no apontar desvios, defeitos, omissões e soluções, nem sempre ouvidos.
Por todo este seu labor, peco-lhe, Sr. Eng.º Araújo Correia, aceite os agradecimentos de Moçambique e de um obscuro colega nas lides parlamentares que do seu convívio pessoal ou literário tem colhido um dos melhores exemplos de dedicação desinteressada à coisa pública.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em anos anteriores e ocasiões idênticas as nossas considerações incidiram sobre aspectos do comércio externo de Moçambique, indicando casos concretos que, julgamos, mostravam bem até que ponto a «comodidade» tem influído, em apreciável medida, em determinadas importações daquela província. A habitual cobertura dos transportes, que mantinha saldos positivos na balança de pagamentos (há alguns anos as coisas mudaram), parece ter criado uma grande propensão para comprar, já que produzir é mais difícil.
Por se tornar enfadonho e, quiçá, inoperante, embora seja o comércio externo o objectivo das nossas palavras, não seguiremos o rumo anterior. Reforça este propósito o facto de pouco se ter modificado. Certo que se têm feito esforços, e não pequenos, para contrariar tendências antigas, mas, pelos resultados obtidos, mais parece estarmos perante soluções de emergência, e, por isso, ocasionais, do que em presença de uma política determinada e devidamente estruturada de desenvolvimento económico. É que não basta importar num ano ou noutro menor quantidade de certa mercadoria quando, pouco tempo volvido, dela se repetem aquisições substanciais.
Procuraremos não nos repetir, limitando-nos a apontar algumas grandes realidades que o exame das contas faz ressaltar. Não teremos em vista sugerir soluções técnicas - não é essa a função do Deputado -, mas apenas exteriorizar anseios das populações de Moçambique, que temos a honra de representar.
l - Os três mais relevantes territórios nacionais do ponto de vista económico - metrópole, Angola e Moçambique - apresentam, de novo, balanças comerciais com saldo negativo. Apenas no que se refere a pagamentos, a balança da zona do escudo oferece saldo positivo. Este sinal + é consequência fundamental de entradas pró-
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venientes de «turismo» e «remessas de emigrantes», parcelas por de mais aleatórias para que possamos, com espírito tranquilo, confiar na sua longevidade.
2 - Os desequilíbrios apontados têm a sua origem ou agravamento em razões meramente económicas ou por virtude da guerra de África.
2.1 - No que a esta se refere, é óbvio que o peso das despesas militares se faz sentir. Não discutimos a guerra nem o seu custo pecuniário, pois, além de não discutirmos a Nação, não aceitamos que se esteja a desbaratar fazenda ao mesmo tempo que se paga em vidas parte não pequena do prisco total.
Com certeza que, se não fora a guerra, seria utilizado no desenvolvimento económico e social o que aquela nos consome. Certíssimo. Todavia, no caso da luta que travamos, aliás pèrfidamente imposta, temos de ter sempre presente o seu carácter subversivo.
Não estamos perante a guerra clássica, que se resolve exclusivamente em operações militares, mas perante uma guerra de aliciamento de populações, em que a resistência que estas opuserem ao inimigo contribuirá de forma decisiva para o desfecho.
Assim, a par da luta armada de defesa da integridade territorial, luta antiterrorista, há que travar uma luta psicológica, em que o principal armamento será a promoção socio-económica das populações cobiçadas.
Decorre daqui que no ultramar, mais concretamente nas províncias afectadas pela guerra, haverá que ter sempre presente a imperiosa necessidade de um válido e acelerado desenvolvimento económico das zonas afectadas pela subversão, com primazia para aquelas em que haja subversão violenta, de modo que se verifique um rápido progresso nos campos do bem-estar material, sanitário e educacional.
Para o efeito haverá, simultâneamente, que travar o crescimento desequilibrado, em relação ao todo, de certos centros populacionais. Referimos o exemplo de Moçambique, com os casos mais flagrantes de Lourenço Marques e Beira. Através de uma política de condicionamento industrial, quanto à localização, através de uma política de fomento agro-pecuário e através de incentivos fiscais, terão de ser encaminhados para os distritos de Gabo Delgado e do Niassa todos os esforços e investimentos que ali tenham viabilidade. Não referimos o distrito de Tete, pois a enorme Cabora Bassa e o seu integral aproveitamento atingirão de pleno o objectivo apontado.
Fugindo ao tom de generalidade que queremos dar a estas despretensiosas palavras, ocorre-nos sugerir uma simples medida fiscal que, estamos certos, dará os mais benéficos efeitos em matérias de correcção das assimetrias de desenvolvimento regional. Trata-se de inverter, sem pré judie ir as receitas, já escassíssimas, dos corpos administrativa, o que se vem praticando em matéria de adicionais à contribuição industrial, adicionais esses que as Câmaras Municipais de Lourenço Marques, Beira e Quelimane têm sido impedidas de cobrar.
Em paralelo, deverão criar-se condições que permitam a fixação de militares desmobilizados, pois, felizmente, são muitos os que pretendem continuar a viver em Moçambique.
2.2 - Olhemos agora para os desequilíbrios apontados, através de uma óptica meramente económica.
Não vemos que seja possível, como é evidente, equilibrar num ápice as várias balanças ou assegurar posição de permanência ao fiel da única que, mercê de factores aleatórios, está equilibrada.
Quanto à balança de comércio, só antevemos esse equilíbrio a longo prazo, já que o desejável e imperioso desenvolvimento económico - indiscutìvelmente verificado em todos os territórios nacionais - exige compras vultosas de bens de equipamento que não estamos aptos a produzir. Haverá apenas que nunca perder de vasta se aqueles bens se destinam a investimentos reprodutivos do ponto de vista dos superiores interesses da economia nacional.
Se a obtenção dos equilíbrios só a antevemos a longo prazo, já a redução substancial dos desequilíbrios nos parece poder e dever colocar-se a menor distância.
Diz-nos o ilustre relator a p. X do seu magnífico parecer:
Se da coordenação na metrópole for lançado um golpe de vista às possibilidades ultramarinas, em carnes e gorduras, por exemplo, verifica-se que a balança comercial é todos os anos onerada com altas importações de sementes oleaginosas (em especial o amendoim), às vezes mandadas vir de países inimigos ou pùblicamente contrários à ordem nacional.
A coordenação da economia metropolitana e ultramarina poderia concorrer para a melhoria das economias ultramarina e metropolitana.
O cultivo de amendoim em Moçambique, o desenvolvimento da indústria de gados no Sul de Angola (e eu acrescentarei «em Moçambique») e outras produções poderiam aliviar o grande desnível da balança comercial da metrópole. E já não se fala noutros produtos, como o algodão, o tabaco e mais.
O que o relator referiu para a metrópole, mudando o que deve ser mudado, aplica-se do mesmo modo às províncias ultramarinas, pelo menos a Moçambique.
Continuamos, como se viu, a importar do estrangeiro o que se produz ou pode produzir abundantemente, sem extraordinários esforços técnicos ou financeiros, em território nacional (aquele onde se verifica a carência ou outro). Se o volume de tais compras impressiona, que dizer do simples facto de se comprar o que podemos fazer?
O espaço português pode e deve auto-abastecer-se e até transformar-se de importador em exportador de numerosas mercadorias.
Então por que assim?
Estamos em crer que, muito embora seja digno dos maiores louvores todo o esforço de desenvolvimento económico efectuado nos últimos anos, esforço que tão bons resultados tem vindo a produzir, existe uma desconexão das políticas económicas das várias parcelas do território nacional.
Acresce que, nalguns casos, o já antigo e tão falado «problema das transferências», deteriora possíveis vendas da metrópole ao ultramar, na medida em que não é exigível que o vendedor se conforme ou sujeite aos grandes atrasos na cobrança dos seus créditos. Por outro lado, o importador ultramarino, perante as solicitações da sua clientela e a necessidade de exercer a sua actividade, procurará no estrangeiro os bens do seu comércio, já que em mercado nacional não os poderá adquirir em virtude de mora involuntária no pagamento.
Também o investidor metropolitano se ressentirá da lenta retribuição do seu capital, tudo ocasionando fortes retracções na respectiva oferta.
Surge, então, para quem já se tornou credor de prestações do ultramar, a tentação da fraude ou artifício para obter a justa retribuição da sua comparticipação nas economias de além-mar. Ora, não podemos acreditar que seja com base em artifícios ou procedimentos fraudulentos
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que se espere uma maior comparticipação das actividades privadas da metrópole no tão desejado desenvolvimento ultramarino.
Ficamos assim, frontalmente, perante a necessidade inadiável de promover com eficácia, alterando onde necessário, a por todos tão desejada política de integração económica do espaço português, que prossiga e consiga um desenvolvimento total, harmónico e acelerado de todos os territórios. Como corolário, impõe-se, e com a maior urgência, a resolução eficiente dos pagamentos interterritoriais em atraso e a sua estruturação futura, de modo que o credor metropolitano veja no devedor ultramarino um devedor solvente e pontual.
O primeiro diploma legal que expressamente aponta o objectivo da integração data de 8 de Novembro de 1961 (Decreto-Lei n.º 44016). O tempo decorrido de então para cá, ou até ao período a que se referem as contas em exame, sete ou seis anos, respectivamente, é já bastante longo para se poder concluir se os objectivos ali visados foram ou não atingidos e, se o foram, em que medida.
Do que atrás se disse concluiu-se que, se é certo terem-se feito reais progressos, estamos ainda longe da almejada meta, cuja primeira fase - livre circulação de mercadorias - foi prevista para daqui a cerca de escassos três anos.
O caminho é árduo e os escolhos são muitos. Basta que se pondere a diversidade das características, já não dizemos específicas, de cada província, mas apenas gerais, que ressaltam do confronto das economias metropolitana e ultramarina. Com efeito, nestas, caracterizadamente de subsistência, com forte incidência do sector primário e da monocultura na produção, sem um verdadeiro sector industrial diversificado, a par de uma acentuada escassez da poupança, pequena dimensão do mercado e deficiente estruturação dos mercados monetário e financeiro, há que atentar cautelosamente na sua integração no todo nacional.
Cautela não é, porém, sinónimo de lentidão. Significa apenas a necessidade dê serem bem ponderadas as medidas a tomar para que se evitem ou reduzam ao mínimo as perturbações. Assim, por exemplo, há que ser cauteloso na eliminação das barreiras aduaneiras e ter sempre presente que o mercado interno deve ser reservado à produção própria, sempre que esta se mostre merecedora de tal protecção.
Por outro lado, não poderão permitir-se investimentos em actividades de não comprovado interesse do ponto de vista nacional.
Sr. Presidente: Estamos a chegar ao fim das nossas palavras.
Julgamos que das proferidas ressaltou a necessidade - que julgamos ninguém contestará - de caminharmos mais rápida e eficazmente no sentido da completa integração económica nacional, para que o povo português possa em paz - sublinhamos «em paz» - e em qualquer parcela do nosso território desfrutar de um bem-estar económico e social e de um nível sanitário, educacional e cultural dignos do nosso passado de nação civilizada e civilizadora.
Para que a desejada celeridade e eficácia na integração sejam efectivas afigura-se-nos que entre as modificações a introduzir no actual condicionalismo uma avulta. Trata-se da integração administrativa de tudo o que à economia nacional respeita, na sua unificação em um único Ministério, pois não cremos que a actual diluição de competência possa conduzir, em tempo e modo compatíveis com as realidades ambicionadas, aos necessários efeitos.
Foi esta, aliás, a finalidade da nossa intervenção: chamar a atenção para a necessidade de unificar na origem o que se pretende produza a almejada unidade final.
Voltamos a repetir que de modo nenhum pretendemos significar com estas palavras menor apreço ou gratidão por todos os responsáveis que têm despendido muitos e dedicados esforços e, por isso, são merecedores do nosso profundo reconhecimento, que queremos deixar aqui bem expresso.
É que a complexidade e imensidão da tarefa exigem uma programação e execução que reclamam esforços e atenção momento a momento unificados - dadas as características tão diversas das economias metropolitana e ultramarina -, sob pena de não conseguirmos, em tempo útil, o aproveitamento integral de todos os recursos e factores produtivos naturais ou humanos, técnicos ou financeiros, de forma que os interesses particulares de uma parcela não prevaleçam sobre os interesses do todo nacional.
Sr. Presidente: Não quero abandonar esta tribuna sem manifestar o agradecimento de Moçambique ao Governo pela intransigência na política de defesa da integridade territorial das parcelas da Nação espalhadas pelo mundo e aos componentes das Forças Armadas que, de modo exemplar, materializam essa política oferecendo tudo pela perenidade da Pátria.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Correia Barbosa: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Da leitura do notabilíssimo parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1967 dois pensamentos surgem no meu espírito: um, da mais viva admiração pela forte inteligência, competência incontestada e admirável juízo crítico e poder de apreciação do homem que mais uma vez o elaborou. O Deputado Araújo Correia merece indiscutìvelmente desta Câmara e do País os mais rasgados e merecidos elogios pelo utilíssimo e esclarecedor trabalho produzido; o outro pensamento é aquele que se transforma num sentimento de júbilo e de confiança no futuro do País, estruturado na eloquência dos números do admirável parecer a que nos vimos referindo e que por forma iniludível e irrespondível destrói malévolas apreciações que por aí correm, inspiradas e apoiadas apenas em frustrações políticas e ódios recalcados por interesses mal feridos ou ambições desmedidas que não puderam ser realizadas ou por inépcia ou porque exigências nacionais a elas se opuseram.
De facto, as Contas Públicas de 1967 demonstram em primeiro lugar a capacidade financeira do País, decorrente, sem dúvida, do seu desenvolvimento industrial e comercial, que permite o aumento constante da carga tributária, e em segundo lugar a inabalável decisão dos Portugueses de manter íntegra e cada vez mais prestigiada esta Pátria que com tanto sacrifício, carinho e heroicidade nos foi legada pelos nossos maiores.
Sim, é necessário que afirmemos bem alto, aqui e em toda a parte, a decisão de todos os portugueses dignos desse nome de mantermos a nossa Pátria livre e intacta na sua honra e nas suas fronteiras. É necessário gritarmos com força essa decisão, para que ela seja bem ouvida pelos traidores, que infelizmente sempre os houve entre os portugueses, e as prepotências e ambições estrangeiras saibam que todos os seus maquiavélicos e sinistros planos de rapina se desfarão contra o patriotismo e a forte deter-
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minação dos portugueses de defenderem aquilo que legitimamente lhes pertence.
E a eloquência dessa determinação está na valentia e no denodo com que se bate a nossa juventude nas plagas africanas, aceitando patriótica e alegremente todas as agruras que lhe são impostas pela dureza da luta e pelos sacrifícios que o povo português, mormente as classes trabalhadoras, vem fazendo na retaguarda. Esses sacrifícios e essa determinação de continuar a lutar até que Portugal esteja livre da guerra que tão injustamente lhe vem sendo imposta estão bem expressos nas contas agora em apreciação. Com efeito, por elas claramente se vê que as receitas ordinárias se situam em 19 896 600 contos, mais 2 954 100 contas do que em 1966.
Quer dizer: o País aceita, sem reacções e dentro do mais compreensivo espírito, o aumento da carga tributária, porque sabe que ele se destina não só a defender o nosso Portugal de além-mar, mas também a continuar a obra de ressurgimento nacional em boa hora iniciado pelos governos nascidos do glorioso Movimento de 28 de Maio, a que o génio de Salazar deu a mais elevada expressão política e jurídica e que o Sr. Presidente do Conselho vem continuando e valorizando com brilho inexcedível.
E como Deputado pelo círculo de Aveiro, não posso deixar aqui de constatar o facto de o meu distrito continuar a estar colocado no terceiro lugar, logo a seguir a Lisboa e Porto, daqueles que mais pagam de contribuição industrial, bem como de imposto complementar.
No que diz respeito ao imposto de transacções, segundo informações fidedignas, o distrito de Aveiro continua também em terceiro lugar, com uma diferença notável para mais do que se situa logo a seguir.
Isto demonstra claramente o grande valor industrial e comercial do distrito, que constantemente vem crescendo no seu labor e no seu poder económico, a atestar as excepcionais qualidades de trabalho dos seus naturais, que cada vez o querem mais progressivo e prestigiado.
A densidade da sua população é das maiores do País e o seu tráfego rodoviário, como não podia deixar de ser - e já por mim na sessão anterior foi aqui acentuado -, é dos mais intensos que se processam nas nossas estradas, que dia a dia se tornam mais insuficientes para o conter.
A par deste desenvolvimento comercial e industrial, que os homens, com o seu afã, efectivaram, possui o distrito de Aveiro os atributos da extraordinária beleza que Deus lhe concedeu, desde os recortes da sua admirável costa marítima e das suas vastas planícies, que a ria fecunda e prateia com as suas águas inconfundíveis, até às altas serrarias, donde a vista se espraia num nunca acabar do paisagens empolgantes e onde a verdura dos seus pujantes pinhais torna puro e cristalino o ar que respiramos.
Mas o factor mais válido e poderoso de todo este desenvolvimento e beleza, nem sempre, infelizmente, aproveitada por quem de direito, é, sem dúvida, a acção propulsora e coordenadora das suas câmaras municipais, que, no seu labor diário e constante, não esquecem estes predicados, uns dos homens, outros da natureza, valorizando-os e realçando-os dia a dia. São elas, as câmaras municipais, que propiciam o desenvolvimento das indústrias, incentivando a sua instalação pela oferta de terrenos por preços acessíveis, consequência das obras de urbanização em que se lançam são elas que promovem o desenvolvimento regional, pela abertura de estradas e caminhos, pela instalação da energia eléctrica, pela construção de escolas, fontes e lavadouros públicos, não falando na rede de esgotos e distribuição de água aos domicílios.
São, sem dúvida, as câmaras municipais e as ignoradas juntas de freguesia as grandes alavancas e os denodados obreiros do progresso e do desenvolvimento do País. Desses prestantes organismos, que servem mais pelo amor à terra que os viu nascer do que pelo amor à arte; como se costuma dizer, dispõe o Governo gratuitamente, pois quem paga aos funcionários e aos poucos presidentes que auferem vencimentos - apenas os dos concelhos de primeira ordem - são os respectivos munícipes, que, além disso, suportam, com algumas ajudas do Estado, toda a realização de um programa de obras, impostas não só pelas necessidades locais, mas também pelas exigências nacionais.
Em que embaraços se veria o Estado se em todos os concelhos e freguesias que constituem o País, em vez das câmaras e das juntas de freguesia, que servem gratuitamente, apenas movidas pelo desejo do bem-estar dos seus conterrâneos e pelo desenvolvimento das suas terras, tivesse de colocar à frente das respectivas autarquias um sem-número de burocratas «desinteressados» e até inúteis na maioria dos casos!
Necessàriamente que o País atrasaria o seu desenvolvimento e o seu progresso, pois os novos dirigentes estariam despidos daquilo que se chama bairrismo e amor pela sua terra, armas poderosíssimas que vencem todos os obstáculos que pretendam entravar a ascensão de uma terra de uma região.
E, sendo assim, sendo as câmaras municipais e as juntas de freguesia órgãos válidos e indispensáveis à vida nacional, há que, Sr. Presidente, valorizá-los, dando-lhes cada vez melhores e maiores meios de desempenharem a sua utilíssima e indispensável missão. E embora se diga no notabilíssimo relatório que se está analisando que as «receitas de alguns concelhos melhoraram muito», o que é certo é que são cada vez maiores as tarefas e os encargos dos municípios, quer com pessoal dos serviços, quer com materiais a aplicar na realização das suas obras.
E se essa melhoria de receitas (mas já tenho notícia de regressões) se verifica num ou noutro caso, há que ter em consideração que tal melhoria só tem considerável expressão para as câmaras municipais dos grandes concelhos, pois as pequenas nem se chegam a aperceber de quaisquer aumentos de receitas. E há que notar - e faço-o com certo desalento - que em melhoramentos rurais, que são aqueles que mais interessam à Nação, sempre ansiosa pela sua indispensável promoção, se gastaram em vinte e três anos 1 858 197 contos, verba aliás modesta para ser aplicada em tão longo período num país onde, diga-se de passagem, estava tudo ou quase tudo por fazer antes do Movimento de 28 de Maio de 1926. E em 1967 gastaram-se nos mesmos melhoramentos 185 315 contos, verba também modestíssima se a compararmos com a receita ordinária do mesmo ano e tivermos em conta as grandes necessidades que existem nos meios rurais, muitos ainda sem acessos, sem energia eléctrica, sem escolas e sem abastecimento de água.
E o distrito de Aveiro nos últimos vinte e três anos foi contemplado com 89 508 contos para estradas municipais e caminhos públicos, o que não está nada de harmonia com as suas necessidades e ânsia constante de progresso nem com as enormes receitas que proporciona ao erário público, pois, como já acentuei, é um dos distritos que mais paga.
Se há que melhorar as receitas municipais - e em minha modesta opinião assim o exige o desenvolvimento regional, preocupação dominante da opinião pública, a reflectir o interesse nacional -, porque se não concede aos municípios uma percentagem, embora mínima, do
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chamado «imposto de transacções», que em 1967 atingiu a importante soma de 2 219 811 contos, mais 1 592 331 contos do que em 1966? Era um acto de inteira justiça, como o era também isentá-las do pagamento do mesmo imposto, a que incompreensìvelmente estão sujeitas.
Bem sei que a guerra que sustentamos no ultramar, e que temos de vencer, custe o que custar, para bem da honra nacional e do futuro de Portugal, absorve uma grande parte, se não a maior parte, destas avultadas somas; no entanto, não podemos deixar de ter em vista que a sua cobrança só é possível através da melhoria das condições económicas dos portugueses, e estas dependem em grande parte das infra-estruturas que as autarquias locais constantemente preparam e oferecem.
Ao povo que nos últimos anos tão bem tem sabido compreender os esforços que o Governo vem fazendo, não só para defender a integridade das nossas fronteiras, mas também para impulsionar o progresso do País, trazendo a todos aquele mínimo de bem-estar próprio das gentes civilizadas; a esses trabalhadores incansáveis, operários, industriais, agricultores e comerciantes, que não esquecem que «na vida moderna o nível de bem-estar de um povo vale o que valerem os resultados da actividade dos seus habitantes», como lapidarmente se escreve no notável parecer a que nos vimos referindo, eu presto as minhas homenagens, inteiramente confiado em que o seu labor intenso nos há-de colocar a par dos chamados povos evoluídos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não obstante estas desataviadas considerações e tendo em atenção as grandes preocupações do Governo, não só em defender a Pátria de todos os insólitos e injustos ataques de que está sendo vítima nos seus territórios ultramarinos, mas também no notável esforço que vem fazendo no sentido da elevação do nível de vida de todas as classes sociais e no constante desenvolvimento do País, quer sob o ponto de vista material, quer sob o ponto de vista espiritual, dou o meu voto de aprovação na generalidade às Contas Públicas do ano de 1967, com a expressão da mais respeitosa admiração pelas invulgares qualidades do Sr. Ministro das Finanças e de todos quantos trabalham no respectivo Ministério.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Folhadela de Oliveira: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O parecer da Comissão das Contas Públicas da Assembleia Nacional referente às Contas Gerais do Estado de 1967 é, uma vez mais, notável estudo que o ilustre Deputado Eng.º Araújo Correia lança aos meios económicos nacionais e, principalmente, séria advertência e sincero apelo a quem tem responsabilidades na condução da coisa pública.
Da cuidadosa leitura do parecer transparece uma objectiva análise global e um exaustivo estudo crítico da actividade do Estado através da relevância das receitas cobradas e das verbas gastas.
Precisamente do critério usado na aplicação das despesas nas prioridades concedidas, nas opções verificadas, de tudo o que verdadeiramente abarca o poder discricionário da Administração, é reflexo a Conta Geral do Estado.
Por preceito constitucional, compete à Assembleia Nacional apreciar «os actos do Governo ou da Administração» e «tomar as contas respeitantes a cada ano económico» (artigo 91.º).
Portanto, ocasião própria é esta para uma análise, que o tempo e as circunstâncias impedem global, às directrizes postas em prática pelo Governo no ano de 1967.
Sem pretender cair no lugar-comum da crítica pessimista ou desalentadora, atente-se nesta realidade: somos um país de limitadíssimos recursos.
Com uma lavoura débil, sujeitos à inconstância dos fluxos turísticos, descrentes do valor do subsolo a que o fogo-fátuo de esporádicas esperanças nem ilusões consegue acalentar, com o que poderemos contar para a nossa sobrevivência?
Julgos que sòmente a indústria poderá criar riqueza, trazer progresso e contribuir para a melhoria do nível de vida de cada português.
Só o esclarecido esforço de fomentar a industrialização - concedendo incentivos ao investimento, proporcionando estruturas e pressupostos de expansão, exigindo evoluída tecnologia, tão necessária ao embate com a concorrência internacional, e mentalizando e auxiliando os empresários na colocação dos seus produtos em mercados estrangeiros - concorrerá para a tão desejada independência económica que ambicionamos.
Na apreciação das despesas do Ministério das Obras Públicas e no que concretamente visa a Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, chama-se a atenção para um problema hoje existente, mas que conduzirá, inevitàvelmente, a resultados muito graves em futuro bem próximo.
Ora, a preocupação que está na base destes modestos comentários respeita essencialmente ao capítulo da energia.
Adverte o parecer que «o País não possui combustíveis sólidos ou líquidos que lhe permitam desenvolvimento industrial adequado».
Perante o modo categórico e o lugar onde é feita a afirmação, conhecida a competência e probidade de quem a proferiu, constitui sério motivo de inquietação quer a realidade do facto, quer as consequências que dele advêm.
No contexto do capítulo, a afirmação encerra um apelo ao melhor e mais urgente aproveitamento das potencialidades aquíferas nacionais.
Como primeiro ponto a destacar, resulta a necessidade de procurar no aproveitamento dos recursos hídricos a energia necessária ao desenvolvimento industrial.
Segundo ponto, pertinente com este, é avaliar o modo como tem sido executado o aproveitamento das potencialidades aquíferas nacionais.
Restará, por fim, apreciar as condições - nomeadamente distribuição e preço - em que é facultada à indústria a energia de que ela carece.
Irei socorrer-me, no explanar das considerações que formulei, da preciosa opinião do ilustre Deputado Eng.º Araújo Correia.
Começo por concordar inteiramente com o parecer, quando aí se escreveu que:
... a obra realizada pelo Ministério (das Obras Públicas) é bastante complexa e vai até além do que parecia ser a sua função exclusiva: construir.
Tal departamento é, entre nós, um superministério, autêntico faz-tudo da vida nacional. Tão absorvente e centralista que as próprias câmaras municipais, por vezes, parecem ser suas repartições.
Principalmente ao Ministério das Obras Públicas devem ser retiradas funções de concepção económica, como sublinha o parecer.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Este estado de coisas tem reflexo na descoordenação verificada, a nível ministerial, quer no estudo, quer na execução de muitos empreendimentos. As consequências estão à vista.
Sem quaisquer outros comentários nem pretender ir além do que é calçado pela Comissão das Contas Públicas da Assembleia Nacional, devo confessar que me causou natural surpresa, razão pela qual lamento, que «um acordo apressado alienou para Portugal os seus direitos sobre o Tejo internacional, o Erges e o Sever, rios fronteiriços, e por esse motivo a utilização daquele troço não poderá ter o rendimento previsto no troço nacional» (capítulo 121, p. 255).
Parece esquecer-se a importância e influência destes problemas na vida económica nacional.
O racional aproveitamento dos recursos aquíferos nacionais - com vista à sua utilização em energia, rega, abastecimento doméstico e industrial, turismo e navegação - não poda processar-se sem um estudo-base, quero dizer, sem o seu inventário.
Há muitos anos já que este parecer da Assembleia Nacional aponta a deficiência e clama a necessidade da sua realização.
Descoordenada, vivendo de esforços isolados e estudos dispersos, a utilização da água não tem sido bem orientada, reflectindo os vícios do seu defeituoso estudo.
Na verdade, neste sector de actividade existem taxas de crescimento do produto «baixas e erráticas», revelando «faltas graves na aplicação do investimento», derivadas de planificação pouco produtiva ou errada.
Ora de tal panorâmica emerge uma situação talvez irreversível e que se saldará quer por baixa produtividade dos factores, quer por dissipação de recursos hídricos.
Julgo, portanto, ser
... tempo de arrepiar caminho e de procurar obter mais resultados do investimento ..., de escolher os aproveitamentos aquíferos mais produtivos ..., de tentar desfazer erros de planeamento que levam a desperdícios impossíveis de suportar pela economia nacional.
Toda a abra de aproveitamento dos rios nacionais precisa de ser remodelada, refundida em bases económicas, tendo em vista não só a produção de energia, mas toda a variedade de utilizações que ela pode proporcionar ... e a elaboração de um inventário cuidadoso é condição basilar.
Estas afirmações não são minhas. Colhi-as, textualmente, no parecer sobre as Contas Gerais do Estado.
Em face disto, é lícito concluir que falta um minucioso estudo sobre os recursos hídricos nacionais e que os milhões de coutos investidos obteriam outra rentabilidade se houvesse melhor critério na sua aplicação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Cheguei, assim, ao segundo ponto que quis destacar: o plano de aproveitamento processado nas obras hidráulicas.
Também aqui entendo dever circunscrever-me ao parecer da Comissão das Contas Públicas da Assembleia Nacional; simplesmente recuo um ano, para salientar o que exprimiu o parecer sobre o exercício de 1966:
A execução de obras hidráulicas ao sabor de pedidos de empresas privadas, sem o conhecimento de conjunto, pode dar lugar, como já deu, à execução de empreendimentos que de outro modo seriam adiados pela sua baixa produtividade financeira. (Parecer sobre as Contas de 1966, p. 254).
Para o financiamento de tais obras recorrem as empresas produtoras de energia aos estabelecimentos do Estado ou pelo Estado orientados. Daí a obrigação que sobre ele impende de vigiar as suas possibilidades financeiras, permitindo apenas a execução de empreendimentos que garantam a maior rentabilidade económica e social.
De contrário haverá dissipação de investimentos onde eles não abundam e o produto nacional crescerá num ritmo lento para as necessidades, como, aliás, tem acontecido.
Fruto da inexistência de um inventário dos recursos, depara-se-nos licenças para certas obras perfeitamente adiáveis, com a imobilização de possibilidades financeiras do Estado em investimentos pouco rentáveis e com a construção de centrais térmicas.
Uma central térmica - todos o sabemos, embora os factos pareçam em contradição - queima combustíveis importados. Portanto, agravamento de uma balança comercial altamente desequilibrada e perigo evidente de um colapso em caso de beligerância.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As muitas transcrições e os poucos comentários próprios que venho apresentando a VV. Ex.ªs visam um objectivo concreto: mostrar que a Assembleia Nacional tem alertado o Governo da necessidade de rever toda a problemática do aproveitamento dos recursos aquíferos.
A execução de obras nascidas de estudos isolados, sem a coordenação fundamental de um planeamento rigoroso que estabeleça os casos prioritários, é luxo que se paga caro, mormente quando processado em país de débil economia.
Creio que não honra o Governo saber-se da inexistência de um inventário exaustivo dos recursos aquíferos nacionais.
De igual modo, deve censurar-se a execução de obras não prioritárias ou de baixa rentabilidade e a consequente imobilização de possibilidades financeiras do Estado em investimentos pouco produtivos.
Evidentemente - isso flui dos pareceres - que nem tudo está mal. O conjunto aponta-se satisfatório.
Mas urge tomar medidas positivas que possibilitem a melhor produtividade dos investimentos e que salvaguardem a nossa incipiente industrialização dos perigos advenientes de eventuais conflitos à escala internacional, impeditivos da livre aquisição e fácil transporte dos combustíveis sólidos ou líquidos indispensáveis ao regular abastecimento das centrais térmicas de apoio.
Sem desprezar, todavia, o que o relatório do III Plano de Fomento (§ 3.º, capítulo 36) considera inelutável - as produções térmicas como necessidade do preenchimento normal do diagrama de cargas-, também nesse estudo se salienta, em reforço do que argumento, a conveniência de manter a continuidade do programa hidroeléctrico e a utilidade da sua realização mais próxima no tempo.
As favoráveis condições económicas do aproveitamento de grande parte do potencial energético dos nossos rios, ainda por utilizar, e por se tratar de recursos inteiramente nacionais, não devem descurar-se.
Por outro lado, a inevitável tendência a um agravamento geral dos custos, nomeadamente pela forte incidência da
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mão-de-obra, aliada ao interesse de estabilizar os mercados das indústrias de construção civil e metalomecânica, aconselha a rápida execução das obras.
O problema é tanto mais grave quanto é sabido que os recursos aquíferos, econòmicamente utilizáveis, estão avaliados em 15 000 milhões de kWh anuais.
Em média anual, o nosso sistema hidroeléctrico produz 6000 milhões de kWh. Isto quer dizer que 40 por cento dos recursos em energia hídrica estão já aproveitados.
A expansão dos consumos que se vem processando, ano a ano, com uma cadência regular, corresponde a uma duplicação ao fim de seis anos, o que implica, em 1973, deverem estar em funcionamento instalações de energia eléctrica que produzam tanto como todo o actual sistema hidráulico e térmico.
Poderá argumentar-se com a conjuntura financeira, desfavorável às soluções produtivas de maior intensidade capitalística, ou até com a duvidosa viabilidade de construir, ao mesmo tempo, os numerosos aproveitamentos necessários.
Partindo daí, procura-se justificar o recurso à exploração térmica.
Não considero tais razões como prioritárias, atendendo à dependência em que ficamos dos mercados externos de combustíveis, ao preço necessàriamente mais alto, a longo prazo, da energia térmica e ainda às restantes vantagens económicas e sociais que só as albufeiras proporcionam - turismo, rega, navegação, lazer, desporto, etc.
Eis-me chegado ao terceiro ponto que decidi apreciar: distribuição e preço em que é facultada à indústria a energia eléctrica.
Partindo de elementos fornecidos no relatório do III Plano de Fomento, sobressai, como dos mais importantes, a desequilibrada distribuição regional dos consumos.
Bastará recordar que 90 por cento dos consumos dizem respeito a uma terça parte da superfície metropolitana: uma faixa litoral desde o distrito de Braga ao de Setúbal!
No que respeita à electrificação das freguesias, com exclusão, óbvia, das sedes de concelho, 25 por cento permanecem sem energia eléctrica!
Este panorama teimosamente permanece. E permanece por negligência dos departamentos responsáveis e absoluto desinteresse das companhias concessionárias da distribuição de energia eléctrica.
Acerca de concessionários da distribuição de energia eléctrica, talvez não seja despropositado um breve comentário.
Sendo intermediários entre a produção e o consumo, a sua função, hoje, é meramente parasitária, servindo apenas para onerar o preço por que chega aos utentes, visto ter falhado na primordial missão que lhe fora confiada: distribuição.
Ora, as margens altamente lucrativas que percebem - a diferença entre o preço de aquisição à rede primária e o preço de venda ao consumidor - tiveram justificação na época em que foi necessário abrir caminho à electrificação.
Hoje, tais margens são incompreensíveis, uma vez que as distribuidoras não cumpriram aquilo que fora intenção da lei ao consentir a sua presença no circuito produtor-consumidor.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Vigora ainda a esquecida Lei n.º 2002, de 26 de Dezembro de 1944, onde expressamente e de modo saudável se preceitua que a sua existência está condicionada à validade da função e cessaria quando deixasse de ter justificação técnica e económica.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - De qualquer modo, porém, estamos a assistir ao curioso fenómeno - contrário, aliás, aos princípios económicos - da sistemática subida de preços no fornecimento de energia eléctrica.
Quando tudo levaria a crer que quanto maior fosse o consumo menor seria o preço unitário, testemunhamos uma diferente política, a todos os títulos inexplicável.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Bem procura o Governo suster todo o género de actividades especulativas que acarretem ao consumidor maiores gastos. Essa preocupação não encontrou eco no sector da energia eléctrica. Vimos assistindo à elevação das tarifas, quer para fins domésticos, quer para fins industriais!
Tal qual se apresenta este problema à indústria, é verdadeiramente preocupante. Paga hoje a indústria a elevadíssimos preços a energia eléctrica e os combustíveis.
Se quanto a combustíveis - mesmo com as numerosas taxas que sobre eles incidem - não será muito presumível a estabilização do seu preço, o mesmo não se passa com a energia eléctrica.
Os preços praticados começam a ser incomportáveis para a indústria.
E não penso supérfluo repetir que sem indústria não há independência económica e política.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Com o agravamento processado nas tarifas, pode muito bem a indústria ser afastada da concorrência externa.
Tenha-se presente que exportamos produtos industriais em que a matéria-prima se adquire à cotação internacional e a incidência da mão-de-obra nos custos de produção é irrelevante.
Assim, qualquer aumento no preço da energia inibe da competição.
Pretendi, com o problema vital que apresentei a VV. Ex.ªs, chamar a atenção para a perigosa política praticada no sector da energia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As consequências podem ser para o País, que encara como única fonte de progresso a sua expansão industrial, verdadeiramente estagnantes.
O que originou tal estado de coisas está bem patente no magnífico trabalho ao nosso ilustre colega Eng.º Araújo Correia.
Que a lição contida no parecer da Comissão das Contas Públicas da Assembleia Nacional encontre a receptividade que lhe é merecida.
São estes os votos que formulo.
No restante, considero legítimo o saldo e aprovo a Conta Geral do Estado do ano de 1967.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: Subo a esta tribuna para apresentar um comentário breve a um capí-
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tulo das Contes Públicas - breve, para me cingir à solicitação de V. Ex.ª, que nanja pela importância que o assunto revesti: para o País inteiro.
Limitar-me-ei a algumas considerações sobre a evolução da luta antitulierculosa - sobre alguns resultados obtidos e sobre o que é necessário fazer.
Diz-se no excelente relatório que nos foi presente, e que é assinado por colegas a quem todos reconhecemos excepcional competência para tão delicada empresa, que o Ministério da Saúde e Assistência nos absorveu, na metrópole, cerca de um milhão de contos em 1967 - precisamente 942 891 contos. E diz-se também que esta verba está ainda longe das necessidades do País, no domínio da saúde e assistência da população, muito especialmente da nossa laboriosa gente das zonas rurais.
Suponho que não haverá ninguém que possa negar a sua franca adesão a este ponto de vista, em face do conhecimento que todos temos de como tem sido lenta, arrastada e difícil a cobertura sanitária das nossas populações da periferia, a agravar-se de ano para ano, a despeito da rede de hospitais que ali foram construídos, e como tem sido igualmente me roso tudo o que respeita ao saneamento, ao fornecimento de água potável e ao de energia eléctrica de numerosas povoações e também à educação sanitária das suas gentes.
Presta-se homenagem aos esforços do Governo, que em sete anos, de 1960 a 1967, reforçou as dotações da saúde em mais de 290 000 contos, mas não deixa de lamentar-se que continuemos ainda tão distantes, no campo das realizações práticas, da meta que nos propomos atingir.
Pelo que respeita à tuberculose - capítulo a que quero circunscrever-me -, a verba de 1967 não excedeu a do ano anterior senão em 1981 contos. É reconfortante verificar, no entanto, o que o ilustre relator e os demais elementos da O omissão das Contas Públicas afirmam:
Que a taxa da mortalidade por tuberculose, em todas as formas, continua a descer;
Que essa baixa mostra uma evolução segura, visto que nos últimos anos não houve qualquer retrocesso;
Que, pelo que se refere aos mais recentes progressos, hão-de ter contribuído para isso o radiorrastreio e a vacinação;
Que a tuberculose é uma «doença social» e, como tal, está, na verdade, ìntimamente relacionada com o nível económico e sanitário da população.
A luta antibuberculosa tem sido uma das campanhas sanitárias de que se pode orgulhar o nosso país. Desde que nesta Assembleia se votou, há muitos anos, a lei que continha as bases da nova campanha e que o Governo as estruturou e regulamentou, o trabalho tem sido executado com notável regularidade e em contínua adaptação das técnicas modernas às nossas necessidades e possibilidades. E é reconfortante verificar que os resultados dessa campanha estão tem patentes e que a Comissão das Contas Públicas pode, ao analisá-los, afirmar que eles demonstram uma evolução segura.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Há, no entanto, que afirmar que, hoje, não é já a taxa da mortalidade, como outrora, que nos serve de guia na apreciação dos resultados da luta, nem nos dá a medida da situação epidemiológica desta tão grave doença. Para além dela, temos de recorrer à prevalência da tuberculose, à de doentes e de novos casos de tuberculose, à de eliminadores de bacilos e à de bacilos resistentes aos medicamentos etiotrópicos.
É certo que a taxa da mortalidade pela tuberculose continua a baixar de forma animadora e sem retrocessos - em dez anos, de 1957 a 1967, passou de 59,6 para 21,3 por 100 000 habitantes.
Embora os novos casos de tuberculose registados nos últimos anos tenham também mostrado tendência regressiva, já que em 1965, 1966 e 1967 foram, respectivamente, de 16 046, de 13 149 e de 12 818, são motivo de sérias preocupações as percentagens de elementos eliminadores de bacilos e, mais do que isso, de bacilos resistentes à medicamentação específica - resistências tanto primárias como secundárias.
Podemos calcular, portanto, que são cerca de 15 000 os portugueses da metrópole que ainda adoecem de tuberculose em cada ano e que cada um deles constitui perigo iminente de disseminação da doença para indivíduos não protegidos por premunição natural ou artificial, e, portanto, especialmente para crianças não vacinadas pelo B. C. G.
Mas não nos interessa sòmente o número de novos casos - interessa-nos também a idade e o sexo desses doentes, pois é no sexo masculino, entre os 20 e os 60 anos, na idade da sua maior produtividade, que se observam as mais altas taxas desses novos casos.
O número elevado de dias de trabalho perdidos pela doença destes 15 000 portugueses atinge valores muito altos e é prejuízo de grande monta para a economia nacional. Isto e o custo do tratamento bastam para afirmarmos a necessidade de continuar a luta com o mesmo ou maior ritmo e com adaptação dos métodos às circunstâncias actuais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A quantos têm ouvido dizer que o Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos está a encerrar estabelecimentos destinados ao internamento de doentes ou a transformá-los em instituições destinadas a outras modalidades assistenciais pode parecer estranho que isso se faça, quando todos os anos surgem tantos doentes novos.
A luta carece de ajustamentos constantes, tendentes à máxima valorização dos elementos que nela são empenhados. Há já muitos anos que desapareceu entre nós a chamada «bicha» da sanatorização.
Podemos e devemos reduzir o número de camas. Das 8625 que tínhamos em 1967, passámos para 7204 em 1968; foi uma economia de 1421 camas, que deixámos de ter necessidade de manter. A política do aumento de camas dos primeiros anos da luta sucede agora a da redução do número de leitos para tuberculosos.
Mas a esta orientação há-de corresponder, simultâneamente, uma valorização substancial de outros meios de luta. Uma e outra estão plenamente justificadas. É preciso que à larga rede de instalações e ao excelente equipamento de que o I. A. N. T. já dispõe se assegure um rendimento ainda melhor do que aquele que tem tido.
O tempo de que disponho não me permite analisar em pormenor o que seria necessário fazer para tanto, limitando-me a apresentar para cada um dos elementos sucinta justificação. Por isso, farei pouco mais do que a sua enumeração:
1) Instituição da carreira médica, único processo de atrair médicos para o I. A. N. T. e garantir-lhes o seu progressivo aperfeiçoamento e a condigna remuneração;
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2) Modificação do regime de trabalho e seu aperfeiçoamento nas várias instituições;
3) Adaptação do radiorrastreio e melhoria do seu funcionamento. A despeito de fazermos cerca de um milhão de radiofotos em cada ano, carecemos de:
a) Marcar novos tipos de periodicidade do radiorrastreio a certos grupos populacionais;
b) Promover mais rápida entrega das radiofotos;
c) Fazer o contôle sistemático do doente no diagnosticados ou mesmo suspeitos.
4) Melhorar as condições de tratamento:
a) Instituir tratamento precoce e correcto do doente;
b) Fazer a sua educação sanitária, dando-lhe consciência da necessidade de tratamento ininterrupto e prolongado;
c) Fazer o controle sistemático do doente no que respeita à aplicação dos medicamentos e à evolução da doença.
5) Melhorar o rastreio bacteriológico, alargando a rede de laboratórios de análises clínicas, preparando microscopistas; além disso, em todos os casos de baciloscopia positiva, fazer provas de sensibilidade antibacilar;
6) Melhorar o nosso equipamento radiológico, para não obrigar os doentes a grandes deslocações, para fazer telerradiografias ou tomografias;
7) Intensificar a vacinação pelo B. C. G., aumentando o número de brigadas e interessando todos os médicos na obtenção de uma preparação técnica que lhes permita fazer a selecção dos indivíduos a vacinar e a aplicação da vacina B. C. G.
Enquanto houver uma endemia que nos dá ainda muitas viragens tuberculinas por infecção tuberculosa, temos de vacinar um maior número de recém-nascidos e de anérgicos. Temos em cada ano no continente mais de 190 000 nado-vivos.
O ideal seria vacinar todos os nado-vivos e a maior parte, se não a totalidade, dos anérgicos, quer dizer, dos que ainda não foram infectados. Ora, das crianças no primeiro ano de vida não vacinámos senão 41 104 em 1966 e 43 676 em 1967, quer dizer, menos de um quarto das que devíamos vacinar! O total das vacinações - destes e dos anérgicos de outras idades - entre 1962 e 1965 manteve-se entre 261 152 e 289 530 e baixou em 1966 para 136925. Em 1967 só atingiu 179 571. Os 289 530 de 1965 foi o máximo anual atingido até hoje.
Estamos convencidos de que a vacinação B. C. G. teve uma importância decisiva na redução intensa que sofreram as formas graves de disseminação pós-primária da tuberculose e mesmo dos casos de primoinfecção tuberculosa. Hoje é muito raro ver umas e outras formas. E julgo de interesse informar que das crianças internadas, até há poucos anos, no Sanatório de Manuel Tápia, desde o início do seu funcionamento - e que rondaram pelas novecentas -, nenhuma delas tinha sido vacinada pelo B. C. G.
8) Manter e alargar a distribuição gratuita de medicamentos da 1.º linha e também alguns da 2.º (embora condicionada). Como se sabe, o I. A. N. T. tem feito larga e generosa distribuição gratuita destes medicamentos, na esperança de conseguir obter grande número de curas e de modo que as razões de ordem económica não pudessem ser invocadas para que se não fizesse o moderno e conveniente tratamento. Os resultados, porém, não foram tão bons como ele esperava, por falta de educação sanitária dos doentes, por causa da irregularidade dos seus tratamentos ou da sua muito precoce suspensão e ainda por não ser possível fazer um controle e uma assistência suficientes a esses doentes em tratamento ambulatório. O tratamento tem de ser correctamente instituído, tem de ser suficientemente prolongado e tem de ter a colaboração activa e consciente do doente;
9) Manter e alargar a acção tão importante e de tão alto interesse do nosso projecto-piloto, que há anos, mercê da acção conjunta do I. A. N. T. e da Fundação Calouste Gulbenkian, iniciou a sua actuação no distrito de Leiria, que depois abrangeu alguns concelhos do distrito de Coimbra e agora se estendeu ao distrito de Santarém.
É uma concepção moderna da luta e da assistência às populações rurais em outros sectores para além da tuberculose. A maneira como têm actuado e os resultados que têm conseguido bem merecem que tanto o Estado como a benemérita Fundação o dotem com o necessário para alargar, intensificar e melhorar a sua tão interessante experiência de massa. Na mesa-redonda que no ano passado se realizou nas Jornadas de Medicina do Trabalho na Figueira da Foz foram claramente expostos os conceitos, os objectivos e os resultados dessa tão original campanha.
A enumeração que aqui fica não é só o ponto de vista do Deputado que a expõe - é também o dos próprios responsáveis pela direcção superior da luta. Em reuniões em que tive a honra de participar foram discutidos todos os aspectos técnicos e todas as possibilidades de aplicação destes elementos que aqui cito.
Também, com isto, não trago qualquer novidade ao ilustre Ministro da Saúde e Assistência, que durante anos guiou, com inteiro aplauso de todos os seus colaboradores responsáveis, esta campanha contra este terrível flagelo social.
Se aqui os trago é para dar conhecimento ao País da marcha da luta, para que ele se inteire dos seus resultados, para que saiba como têm sido aplicadas as verbas que lhe têm sido concedidas e para que verifique que os elementos da luta suo objecto de adaptação constante às novas condições do meio e às novas descobertas da ciência.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E não só para isso - para que o Governo saiba que não podemos abrandar esta luta sem corrermos o risco de ver aniquilado tudo o que se conse-
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guiu e de assistir a um deplorável retrocesso desta grave endemia, que nos inutiliza temporariamente tantos milhares de portugueses e que todos os anos nos ceifa ainda tão numerosas e preciosas vidas.
Eles fazem parte de uma política de erradicação da tuberculose, que é necessário prosseguir sem a menor quebra de ritmo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Amanha haverá sessão, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Eram 19 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
André da Silva Campos Neves.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Francisco José Cortes Simões.
José Dias de Araújo Correia.
José Manuel da Costa.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pais Ribeiro.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Álvaro Santa Rita Vaz.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
António Magro Borges de Araújo.
António Moreira Longo.
Armando José Perdigão.
Artur Proença Duarte.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Francisco José Roseta Fino.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Joaquim de Jesus Santos.
José Alberto de Carvalho.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Manuel Henriques Nazaré.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Raul Satúrio Pires.
Sebastião Alves.
Tito Lívio Maria Feijóo.
O REDACTOR - Januário Pinto.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA