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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 189
ANO DE 1969 8 DE MARÇO
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 189 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 7 de MARÇO
Presidente: Exmo. Sr.José Soares da Fonseca
Secretários: Exmos Srs.Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente comunicou haver recebido, enviado pela Câmara Corporativa, o parecer n.º 23/IX, acerca da proposta de lei sobre produtos da indústria siderúrgica, que iria ser distribuído pelos Srs. Deputados sob a forma de fotocópia, dado o atraso do Diário das Sessões.
O Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu, pedindo a palavra para interrogar a Mesa, referiu-se à demora na publicação do Diário das Sessões; o Sr. Presidente esclareceu sobre as providências tomadas.
O Sr. Presidente informou estar na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, o Diário do Governo n.º 55, 1.ª série, inserindo diversos decretos-leis para o cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Elísio Pimenta, para se referir ao recente falecimento, por desastre de viação, do presidente da Câmara Municipal do Porto, e ao governador civil dessa cidade, gravemente ferido no mesmo desastre; Sousa Magalhães, sobre o mesmo assunto, propondo que ficasse exarado no Diário das Sessões um voto de pesar pelo falecimento do Dr. Pinheiro Torres e um de melhoras quanto ao Dr. Fonseca Jorge. Esses votos foram aprovados por unanimidade; Armando Cândido, sobre problemas de interesse para os Açores; Teófilo Frazão, acerca de assuntos de interesse para o distrito de Beja, e Peres Claro, que expôs pretensões quanto à melhoria da situação de funcionários menores de várias classes.
Ordem do dia. - Continuou o debate sobre as contas gerais do Estado e as da Junta do Crédito Público relativas a 1967.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Tito Lívio Feijóo, Sousa Magalhães, Alves Moreira, Nunes Mexia, Ernesto Lacerda e Serras Pereira.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Júlio de Castro Fernandes.
António dos Santos Martins Lima.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Finto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Filomeno da Silva Cartaxo.
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Francisco António da Silva.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
Horácio Brás da Silva.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Coelho Jordão.
José Fernando Nunes Barata.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pinheiro da Silva.
José Rocha Calhorda.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Leoerde Sirvoicar.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Tito Lívio Alaria Feijóo.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 66 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Congratulando-se com a intervenção do Sr. Deputado Melo Geraldes.
De apoio às palavras do Sr. Deputado Gonçalves Soares.
Aplaudindo a intervenção do Sr. Deputado Cunha Araújo.
De aplauso às considerações do Sr. Deputado Rui Pontífice de Sousa.
Ofício
De «A Voz do Operário», congratulando-se com a moção aprovada sobre a defesa da língua portuguesa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Recebi já, enviado pela Câmara Corporativa, o parecer n.º 23/IX, emitido pelas secções de Indústria e de Interesses de ordem administrativa, acerca da proposta de lei sobre produtos da indústria siderúrgica. Dado o lamentável atraso com que continua a sair o Diário das Sessões, dei instruções para que se tirem fotocópias deste parecer, de modo que ainda hoje sejam distribuídas a VV. Ex.ªs
O Sr. Paulo Cancella de Abreu - Sr. Presidente: Peço a palavra para interrogar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Queria perguntar se V. Ex.ª poderá informar a Assembleia do motivo por que começa a verificar-se nova demora na distribuição do Diário das Sessões. Não ignoro que V. Ex.ª já tem intervindo no assunto, na tentativa de se encontrar uma solução. Apesar disso, desejo sublinhar que, durante o interregno parlamentar, chegou a registar-se um atraso de cerca de oito meses na publicação do Diário das Sessões. Tomei, então, a liberdade de, perante V. Ex.ª, reclamar contra o facto, tendo V. Ex.ª prometido tomar providências, e tais foram essas providências que os resultados não se fizeram esperar. Quer isto dizer que quando reabriu a Assembleia Nacional já a publicação do Diário das Sessões estava quase em dia. Agora, porém, verifica-se que o último número distribuído diz respeito ao dia 18 de Janeiro, o que se traduz em mês e meio de atraso. É escusado encarecer o inconveniente que este atraso representa.
Já em tempos o Sr. Deputado Amaral Neto e eu reclamámos contra a demora da publicação do Diário das Sessões. Sabemos bem que houve a publicação pela Imprensa Nacional do Plano de Fomento e das contas gerais do Estado e mil outros trabalhos, que em parte poderão justificar estes atrasos. Parece-me, todavia, que o Governo deve ter essas circunstâncias em conta para evitar que se volte ao mesmo estado de coisas, com o inconveniente de quase se perder por completo a oportunidade dos assuntos aqui tratados quando o respectivo Diário chega a ser publicado.
Falta de pessoal? Excesso de trabalho?
Quaisquer que sejam as razões, creio que, estando em curso uma reforma da Imprensa Nacional, brevemente estes lamentáveis atrasos deixarão de verificar-se, passando nós a dispor, em casa ou aqui, do Diário das Sessões a tempo e horas, por forma a não se perder essa oportunidade.
Por exemplo: o ano passado ocupei-me aqui com certo desenvolvimento do problema dos incêndios nas florestas e já ouvi outros Srs. Deputados ocuparem-se de idêntico assunto. Ora este é um dos assuntos que incontestàvelmente sofre com o atraso na publicação do respectivo Diário das Sessões, por simples questão da oportunidade com que venha a público.
Por todas estas razões, mais uma vez peço a V. Ex.ª se digne providenciar no sentido de se evitarem futuramente mais atrasos na publicação do Diário das Sessões. Bem sei que o pessoal é diligente, mas tal facto não é razão para justificar os serviços da Imprensa Nacional. Por mim, estou certo de que, sendo necessário, V. Ex.ª providenciará junto do Sr. Ministro do Interior para que
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acabe esta irregularidade, esta indisciplina dos serviços, que repito, não posso atribuir ao pessoal, mas sim à organização da própria Imprensa Nacional.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Cancella de Abreu: ouvi V. Ex.ª com a maior atenção e interesse. E se V. Ex.ª não me levasse a mal, nem os jornalistas cometessem a indiscrição de dizerem lá fora que estou sempre a citar frases em latim, contaria a propósito uma história, para dizer a V. Ex.ª do sentimento com que vejo amarguradamente o atraso da publicação do Diário das Sessões.
Nos meus tempos de escola do ensino secundário, em que ainda se aprendia latim e se folheava ainda a Eneida, lia-se em determinado verso do poema, ao descreverem-se as tragédias de Ulisses no mar Mediterrâneo, que era o verdadeiro oceano de então:
Apparent rari nantes in gurgite vasto.
E o nosso José Agostinho de Macedo, que era um clássico, quando um dia, no seu convento de magras sopas, lhe serviram um caldo com muita água e poucos feijões, mexeu e remexeu com a colher, acabando por exclamar:
Apparent rari nantes in gurgite vasto.
Aplicando a história ao nosso caso, direi a V. Ex.ª e à Câmara que todos os dias, quando me sento nesta cadeira, olho para o oceano das nossas ansiedades relativamente ao Diário das Sessões e vejo que só lá de longe em longe nos aparece, com aquela raridade com que os navegantes apareciam a Ulisses no mar oceano de então que era o Mediterrâneo. Quero com isto dizer que eu, como V. Ex.ª, vejo com muita amargura o atraso da publicação do Diário das Sessões. Há algumas razões compreensíveis para esse atraso, como sejam as dificuldades técnicas de que sofre a Imprensa Nacional, mas custa a crer que tais dificuldades, por si sós, expliquem tão longos e lamentáveis atrasos. No intuito de que se vençam, ao menos em boa parte, tais dificuldades e esgotadas as possibilidades de outras diligências feitas, hoje mesmo, há cerca de trinta ou quarenta e cinco minutos, dirigi uma carta ao Sr. Ministro do Interior a expor a situação e a pedir-lhe se digne tomar providências, utilizando os seus bons ofícios no sentido de se vencerem, ao menos parcialmente, os longos atrasos verificados. Por hoje é quanto posso adiantar a V. Ex.ª
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Agradeço a V. Ex.ª os esclarecimentos que teve a bondade de prestar sobre o problema.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Diário do Governo n.º 55, 1.ª série, de ontem, que insere os seguintes Decreto-Leis:
N.º 48 894, que autoriza o Governo a contrair encargos até ao montante de 2 milhões de contos para continuação do reequipamento extraordinário do Exército e da Aeronáutica;
N.º 48 896 que torna extensivas à execução do aproveitamento hidroeléctrico do rio Salas, com a criação da albufeira de armazenamento até à cota (835,00), referida ao nivelamento de precisão de Portugal, as disposições aplicáveis ao Convénio entre Portugal e Espanha para Regular o Aproveitamento Hidroeléctrico dos Troços Internacionais do Rio Douro e Seus Afluentes, de 16 de Julho de 1964, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 45 991, e declara de urgente utilidade pública as expropriações necessárias para a realização das obras que tenham de ser construídas em território português;
N.º 48 898, que altera, a título excepcional, algumas disposições da legislação de melhoramentos agrícolas, em ordem a possibilitar a efectivação dos auxílios relativos à suspensão da amortização e à isenção de juros dos empréstimos concedidos pela Junta de Colonização Interna aos empresários agrícolas das zonas devastadas pelas inundações de 25 de Novembro de 1967, de diversos concelhos do distrito de Lisboa;
N.º 48 899, que sujeita a criação das caixas de previdência do pessoal dos caminhos de ferro e a sua regulamentação às bases VI e XXXIII da Lei n.º 2115, sem prejuízo da natureza específica da actividade a que respeitam, e revoga, em tudo o que contrarie o que for regulamentado de harmonia com o disposto no presente decreto-lei, o Decreto-Lei n.º 40 262.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Elísio Pimenta.
O Sr. Elísio Pimenta: - Sr. Presidente: Só Deus, na Sua infinita misericórdia, é senhor dos nossos propósitos.
Pedira a V. Ex.ª o obséquio de me conceder a palavra na sessão de hoje. Fizera o propósito de falar das estradas, das estradas do nosso país, por onde a tragédia passa, aqui ou além, em todos os momentos, com uma regularidade de arrepiar os sistemas nervosos mais estáveis, alimentando a morte ou destruindo os organismos sãos de muitos homens úteis.
Mais objectivamente, era meu propósito insistir para que se andasse depressa na continuação da auto-estrada do Norte, que, para além das razões da economia política ou social que a justificam, diria ser, pelo seu traçado, com todos os melhoramentos possíveis, introduzidos na actual primeira via rodoviária nacional, absorvendo tráfegos enormes, indispensável no desenvolvimento económico da região que se destina a servir e, sobretudo, à segurança da vida e da integridade dos que dela se utilizam.
A Providência concedeu mais um argumento para a justificação das palavras que me propusera proferir.
Antes não o tivesse dado!
E por isso mesmo não vou, por agora, mais longe. Por aqui me fico, até nova oportunidade, que não seja a de uma tragédia como a de hoje.
Só quero ir mais longe, sim, para, interpretando, com a emoção que neste momento me domina, a tristeza do meu coração, o sentimento da minha cidade do Porto, que hoje mais do que nunca recordo, pela tragédia que roubou a vida ao Dr. Nuno Pinheiro Torres, até há poucas horas presidente do seu Município, que serviu com exemplar dedicação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Foi um homem que fez o bem, serviu os altos ideais da Pátria e os superiores interesses da cidade que o viu nascer.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Choram-no os amigos, prestam-lhe justiça os indiferentes, veste de luto a cidade, o Porto.
Que Deus o tenha em Sua santa guarda! E ao humilde motorista da Câmara que com ele perdeu a vida.
E que a tragédia não venha trazer maior dor a quantos estimam e admiram nas suas excepcionais qualidades o Dr. Jorge da Fonseca Jorge, por cujas melhoras todos certamente faremos ardentes votos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sousa Magalhães: - Sr. Presidente: Tive conhecimento, pelos jornais da manhã, do brutal acidente que, próximo de Albergaria-a-Velha, vitimou o Sr. Presidente do Município do Porto e o seu motorista, deixando também gravemente ferido o Sr. Governador Civil do distrito.
Como Deputado pelo círculo do Porto, não posso deixar de, muito sentidamente, me associar ao luto da cidade pelo falecimento de um dos seus mais ilustres filhos. Com efeito, o Sr. Dr. Nuno Maria de Figueiredo Cabral Pinheiro Torres, filho do que foi ilustre advogado e escritor Dr. Alberto Pinheiro Torres, nasceu na freguesia de Cedofeita, no coração da Cidade Invicta, em 12 de Fevereiro de 1915. Licenciado em Direito, muito novo, pela Universidade de Lisboa, entrou imediatamente ao serviço do Ministério das Corporações, sendo nomeado subdelegado do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência em Beja e depois em Braga.
Pela acção notável no domínio do trabalho, em breve ascenderia ao cargo de delegado do mesmo Instituto na Covilhã, onde teve acção relevante, organizando a Caixa do Abono de Família de Castelo Branco, tendo sido o seu primeiro presidente.
Foi depois juiz dos Tribunais do Trabalho de Vila Real e de Braga, até que foi transferido para a sua cidade natal, onde, mercê da sua acção e isenção, se impôs à consideração de todos os que com ele lidaram.
Pertenceu também aos quadros da Comissão Distrital da União Nacional e em 1962 foi nomeado para as altas funções de presidente da Câmara Municipal do Porto. Estava então a cidade no grande arranque para realizações notáveis, das quais justo é salientar a extinção das famigeradas lhas, devido à preponderante acção do Sr. Engenheiro Machado Vaz, seu ilustre antecessor.
O Sr. Dr. Nuno Pinheiro Torres, mantendo viva essa acesa campanha humanitária e de largo alcance social, deu-lhe o maior apoio, podendo hoje a cidade vangloriar-se de ver extirpado esse verdadeiro cancro de tantos anos.
Também impulsionou de forma notável iniciativas de ordem cultural e artística, oferecendo gratuitamente à população da cidade inúmeros concertos musicais e representações teatrais.
Por tudo isto, e ainda porque, durante sete anos, serviu como ilustre Procurador à Câmara Corporativa, proponho que fique exarado no Diário das Sessões um voto de profundo pesar pelo seu falecimento.
Proponho também um voto pelo completo e rápido restabelecimento do Sr. Dr. Jorge da Fonseca Jorge, dedicado governador civil do Porto.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Ouviram VV. Ex.ªs os votos emitidos pelo Sr. Deputado Sousa Magalhães. Suponho que está no pensamento unânime da Câmara aceitá-los comovidamente e por unanimidade.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Armando Cândido.
O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: Na sessão da Assembleia Nacional de 7 de Março de 1947, faz hoje 22 anos - 22 anos!-, falei das barreiras alfandegárias entre as ilhas do arquipélago dos Açores e entre o continente e aquelas ilhas. Não utilizei só palavras, também empreguei razões, e se os ouvidos das gentes fossem como as conchas do mar, talvez guardassem ainda ressonâncias dos argumentos que então ofereci.
O certo é que o problema ganhou relevância, a ponto de se tornar brado de imprensa, quase diário, e de ter sido constituída e empossada já uma comissão para o seu estudo.
E não é bem para recordar uma atitude de pioneiro - do pioneiro que há mais de duas décadas se devotou ao caso das barreiras alfandegárias, agora em tanta evidência e em tanta agitação -, pois o fogo que renasce levanta mais poder que o do fogo abafado nas cinzas.
Não é, não, pelo desejo de relembrar um acto de vanguarda - é pelo dever que tenho de colaborar, mesmo que seja afirmando o que afirmei, sem curar da justiça da memória ou da injustiça do esquecimento.
E não vou agora repetir tudo quanto proferi, mas talvez valha a pena - já lá vão 22 anos! - aproveitar alguns passos do trecho que entreguei ao tempo.
Disse:
Quando se tropeça, então, com o impedimento fiscal, sentimos na carne as pontas de arame farpado disposto em linhas cerradas pelos portos e calhaus, pelas praias e encostas, e até onde se começa a tomar pó, até aí chega a barreira que nos sangra e corta o abraço de irmãos para com irmãos.
Depois referi que tudo nos chegava muito caro aos Açores - materiais de construção, artigos de vestuário, produtos alimentares e outros -, apresentei facturas reais e realmente espantosas e assinalei o pasmoso facto de umas célebres 401 de trigo - que saíram da ilha Graciosa para a ilha Terceira a fim de serem devidamente farinadas e regressarem àquele ilha - haverem pago à saída 2149$ de direitos e demais alcavalas e outros tantos 2149$ à entrada em Angra do Heroísmo.
Não fujo à conveniência de reproduzir o que observei a respeito do que se seguiu:
Mas nesta via dolorosa o trigo tirou bilhete de ida e volta.
Já a Moagem Terceirense farinou as 40 t; mais 2149$ à saída de Angra do Heroísmo; mais 2149$ a entrada na Graciosa.
Se não fosse a impiedade do confronto, dava vontade de perguntar se o mártir S. Sebastião foi alvo de mais setas do que este pobre trigo antes de se tornar o pão nosso de cada dia.
Citei mais exemplos, apresentei mais facturas, verdadeiras, mas incríveis.
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A certa altura, adiantei as seguintes palavras:
Tenho por ociosa a afirmativa de que o mandato que recebemos importa o dever de apontar erros, vícios e lacunas. Isso deseja a Nação; isso fazemos nós.
Como se há-de progredir nos Açores com tantas e tão estranhas lanças apontadas aos peitos do produtor e do consumidor?
Ninguém ali pode contar com a livre troca de produtos, com o lógico intercâmbio entre vizinhos de ao pé da porta.
Há que proteger o trabalho açoriano, desimpedindo o caminho à natural e recíproca expansão dos seus esforços.
Há que libertar a economia açoriana dos pesos que a sufocam.
Lembro-me ainda de que a propósito de uma curta viagem que tinha realizado entre a ilha de S. Jorge e a ilha do Pico, numa pequena lancha baleeira, relatei e comentei:
Pois quando apareci no cais das Velas para embarcar, andava ainda a tripulação atarefada nos trabalhos do despacho. Esperei duas horas. A. medida que o tempo ia crescendo, também a embarcação ia aumentando de tonelagem. E ao largar, por entre os votos de boa viagem de amigos e conhecidos, quase me senti dentro de um navio de alto bordo, desses que desamarram e amarram com majestade.
Não nego que isto possa ter a curiosa vantagem de tornar teoricamente grandes as coisas realmente pequenas, mas o bom senso é que não está para estes orgulhos da fantasia.
Foi isto tudo há 22 anos, e recordo-me de que essa minha intervenção impressionou muita gente.
E alguma coisa se ganhou mais tarde, pois as dificuldades aduaneiras foram reduzidas ou anuladas, ao menos, entre as ilhas pertencentes a cada distrito.
Sei também que o assunto está ganhando interesse na opinião pública e que está a ser estudado e preparado para resolução superior.
Mas é justamente aqui que desejo inserir novas considerações - fruto do muito que tenho meditado no problema em causa ao longo deste tempo todo decorrido após o que disse a propósito nesta Assembleia.
Não arredo, de modo nenhum, a necessidade de o assunto ser visto e revisto, estudado e ponderado.
Entretanto, dada a premência das circunstâncias e sem excluir as lógicas e indispensáveis cautelas, afigura-se-me que se deveria, desde já, decretar a supressão total das barreiras alfandegárias entre as ilhas do arquipélago dos Açores e o banimento dos direitos e taxas que oneram os géneros de primeira necessidade e os materiais de construção de uso corrente, habitualmente importados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Porque um dos aspectos mais graves, por exemplo, é o que se verificaria com a entrada e a saída livres de certos produtos.
Temos, principalmente na ilha de S. Miguel, consideráveis áreas de terrenos afectas a determinadas culturas, e penso nos sérios embaraços a vencer se tivéssemos de sujeitar esses terrenos a experiências de reconversão agrícola, visto que a completa e imediata abolição das barreiras alfandegárias entre o continente e as ilhas dos Açores - e já não falo entre os Açores e as províncias ultramarinas - importaria a franca entrada e a franca saída de todas as mercadorias, e aquelas ilhas não estão em condições de enfrentar a situação que viria, por tal forma, a ser criada.
É que ao pedirmos e reclamarmos a supressão das actuais barreiras alfandegárias, lembramo-nos, certamente, do que nos convém e nem sempre nos lembramos do que convém aos outros.
Por isso, e sem afirmar que o problema não é susceptível de resolução, convém que o estudem em todos os seus pormenores e reflexos, de modo a evitar quaisquer abalos para a economia insular, já de si bastante débil, pelo que deverão ser devidamente analisados os prós o os contras do sistema em vigor e do sistema a adoptar.
Outro aspecto grave é o da falta das receitas obtidas pelos municípios, juntas autónomas dos portos, juntas gerais dos distritos autónomos e comissões de assistência por meio dos impostos alfandegários, uma vez desmantelados.
No preâmbulo do Decreto com força de lei n.º 15 465, de 14 de Maio de 1928 - o primeiro decreto da regeneração financeira -, está escrito:
Não podendo continuar a permitir-se o desmembramento do País em regiões separadas por verdadeiras alfândegas interiores, decreta-se a abolição do imposto ad valorem e tomam-se as providências necessárias para ser compensada a receita líquida que por ele obtinham os municípios.
Repito, pausadamente:
Não podendo continuar a permitir-se o desmembramento do País em regiões separadas por verdadeiras alfândegas interiores ...
Mas é este precisamente o caso em questão. E quando no preâmbulo daquele decreto com força de lei se alude à compensação da receita líquida que os municípios obtinham, logo aí se foca também este outro aspecto grave a que me estou referindo e que terá de ser encarado e solucionado sem o tirar da lama e deitar no poço - permita-se-me a expressão -, tendo sempre e acima de tudo em mente a já nomeada debilidade da economia das ilhas do arquipélago dos Açores.
Simples reparos estes, Sr. Presidente, de um Deputado que participa nos trabalhos da Assembleia Nacional há muitos anos e sempre tomou como ponto de honra servir ardorosa e honestamente os mandatos que lhe conferiram, considerando as lutas travadas - e não foram poucas - como estímulos que são, afinal, as recompensas mais duras de ganhar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Teófilo Frazão: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: As terras pacenses, extensas e francamente ubertosas, de forte potencialidade económica, e que por mor dela hão-de vir a ser, em futuro que se prevê breve, um dos mais rijos sustentos da renda nacional, porque às vezes são remetidas a certo esquecimento, bem merecem que aqui sejam, em frequência, lembradas por aqueles a quem, como a nós, esse dever cabe e que as têm no coração.
Para que Beja e o seu termo se desentranhe no muito de que é capaz e nós tanto precisamos, necessário se torna que as estâncias responsáveis, e não só as achegadas ao meio como as de mais de cima, lhe emprestem todo o amparo que a engrandeça, fazendo-a entrar no concerto do viver nacional em extremado valor positivo.
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Sem grandes motivos que atraiam, bastante afastada da nossa Lisboa, perene de encanto e amenidade, donde não apetece sair, mal servida de meios de transporte, e ainda com lura continentalidade climática, de Verão abrasado e Inverno arrepiante, Beja só raramente é demandada, e assim, como é natural, mal sentidas são as suas penas, que as tem, e grandes.
Desculpem-se, portanto, as falas daqueles que, vivendo de há muito e intensamente o plano baixo alentejano, e sentindo-o nos seus desfavores, os proclamam em redobre, abrindo-os com largueza ao conhecimento, para seu remedeio urgente e certo.
O alentejano do Sul, caldeado na aspereza das suas terras, tem como elas a rudez que as caracteriza, mas também a força que as anima, e, bem assim, a grandeza de alma, tamanha quanto a província alargada onde vive e sofre num estoicismo que impressiona.
Sem um arremedo, sem uma malquerença, aguarda o dia de amanhã e confia, porque sente o vigor, a fortidão do seu território, e sabe que ele cada vez é mais pujante, emprestando largo contributo ao revigoramento do País, tendo por si a vontade dos homens, ou mesmo sem ela.
O Baixo Alentejo, temo-lo dito vezes sem conto, vale tanto que se promove por si próprio, e, por assim ser, vem respondendo sempre, e de que maneira, à chamada frequente de uma economia agrária deprimida, que nele tem, apesar de tudo uma grande robustez de apoio.
Mas o Alentejano, em desânimo natural pelo tanto que se lhe nega, sente, e muito, o pouco que se lhe faz. E de sua condição profundamente reconhecido.
Neste momento, Beja e Serpa, cabeças de concelho destacadas do Sul do Alentejo, testemunham, pela nossa voz apagada, ao Sr. Secretário de Estado da Informação e Turismo, o seu mais sentido agradecimento pela criação, há pouco, de zonas de turismo coincidentes com as suas áreas concelhias, considerando, assim se diz no texto preambular do Decreto n.º 48 859, a «fundada aspiração dos Municípios, para valorização dos seus valores paisagísticos, monumentais, económicos e humanos», na verdade, afirmamos nós, francamente credores da mais alta promoção.
Receamos, contudo, que, apesar da mobilização das melhores boas vontades, e tanto das gentes dos concelhos como de outros responsáveis a eles estranhos, esta tão justa como feliz determinação entre, por fortes razões obstativas a um exercício turístico fecundo, que, estamos em crer, ainda leva o seu tempo a arredar, em franca letargia e acção, dormindo, e precisava de estar bem despertada, a sono solto, nas páginas, breve amarelentas, de um Diário e o Governo.
Nós não vemos como ter turismo em apartados centros provincianos, já de si na míngua dos atractivos que lhes são peculiares, e este é o caso de Beja e Serpa, sem boas e eficientes vias de comunicação, que faltam ao distrito de Beja, no condicionalismo daquela bondade que se deseja e se impõe.
E não é só o turismo que sofre a afectação da manifesta precariedade dos meios de transporte de que enferma o distrito; tal-qualmente isso se reflecte, e com que dolo e intensidade, no seu desenvolvimento económico. E à margem da robustez económica não há robustez humana. Um território com meios de comunicação defeituosos, tal é o caso, é como o organismo com artérias esclerosadas, logo em vias de exaustão. Está a tender-se para o «deserto alentejano», e isto é que é preciso evitar a todo o custo. Isso só se conseguirá abandonando de vez a terapêutica emoliente, os costumados panos quentes, e indo-se abertamente para uma acção revulsiva, e quanto antes, para que não seja tarde amanhã.
As rodovias de Beja, já o salientámos em intervenção passada, atingiram um nível de marcado favor, mercê da acção operosa da Junta Autónoma de Estradas, sobretudo da diligência bem evidente da sua Direcção Distrital, que em esforço grande se tem entregado a obra de reconhecido merecimento.
Mas, mesmo assim, atente-se na demasiada estreiteza das faixas de rodagem, nomeadamente a da estrada internacional, aquela que da fronteira, por Serpa, Beja, Ferreira do Alentejo, Grândola e Alcácer do Sal, se desdobra até Lisboa, de trânsito intenso, sobretudo no Verão, época culminar do turismo.
Há também que ter em conta, como forte estorvo da marcha que se requer, a frequência das retardadoras e perigosas passagens de nível; para uma delas, localizada entre Serpa e Beja, a maior do Mundo, por distância de cerca de duas centenas de metros, coincidente na ponte sobre o Guadiana com a via férrea, e a que igualmente nos referimos em sessão transacta, pedimos já, pela perturbação grave ao trânsito internacional, a atenção do Governo. Confiamos na solução pronta e acertada do Sr. Ministro das Obras Públicas, pelo conhecimento que temos do seu espírito altamente esclarecido e da sua manifesta vontade de realizar tanto e o melhor que lhe é possível.
Ainda há mais o atravessamento de povoações de população densificada, o que se verifica, por enquanto, por muita parte.
Tudo isso, bem somado na sua negatividade, distancia as nossas estradas de uma perfeita capacitação turística.
Congratulamo-nos pelo bom serviço prestado à nossa província, e o Algarve também colhe do facto largo benefício, com a grande reparação, traduzida em substancial alargamento e novos traçados, da estrada Setúbal-Alcácer do Sal, o que diminui bastante o tempo de percurso.
Mas o favor seria extraordinariamente multiplicado, com enorme vantagem para o trânsito, se, entre Alcácer do Sal e a fronteira de Ficalho, por Grândola, em 154 km a estrada, com necessidade premente de arranjo - tenha-se em vista o perigo do troço em Alcácer-Grândola, exageradamente estreito e de bermas traiçoeiras -, tivesse faixa dupla. Assim, sim; assim passaríamos a dispor de uma estrada com nível internacional, servindo bem, ao mesmo tempo que o turismo algarvio, o distrito de Beja, na sua pluralidade económica - agrária, industrial, que há-de ter e dimensionada, e turística.
Outra palavra de gratidão é devida aos T. A. P., por ter incluído Beja no seu roteiro dos táxis aéreos, anunciados para muito breve. E mais ainda se colheu a promessa de que o desenvolvimento do tráfego, que temos esperança que não se atarde, condicionará no tempo o estabelecimento de carreiras regulares.
Em nossa intervenção de Dezembro de 1966 havíamos pedido para Beja o trânsito pelo ar, como alavanca potente para o seu progresso. Os T. A. P., pela perfeita consciência dos seus responsáveis, que muito me apraz encarecer, em todos havendo nós reconhecido o seu alto espírito de compreensão e mentalidade aberta, pronta e diligentemente acorreu ao chamamento, e assim é que, verificadas as regulares condições do aeródromo, afinal melhor e mais bem apetrechado que muitos em uso, imediatamente se dispôs a servir Beja. Beja está por isso sumamente agradecida.
Outro tanto, infelizmente, não podemos dizer com referência à C. P., que não considerou a ferrovia de Beja, absolutamente incapaz, nos estudos iniciados em fins de 1964, e que culminaram nos contratos muito recentes, largamente noticiados. E é que nessa altura já era péssimo o estado da via, sem vislumbres de melhoras, que não
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fossem conseguidas senão por um esforço enorme como aquele que acaba de ser produzido.
Como português encheu-nos de júbilo a notícia da «renovação da via férrea», que vai ser empreendida em cerca de um terço das linhas da Companhia, com um investimento para cima de dois milhões e meio de contos, sem dúvida, como o afirmou o Sr. Ministro das Comunicações, «uma das mais importantes obras a levar a efeito nos últimos cinquenta anos da vida dos caminhos de ferro em Portugal».
Mas pela responsabilidade que nos cumpre relativamente ao território sul-alentejano, ao mesmo tempo que extremamente agradados, ficámos grandemente pesarosos por não vermos nesse plano grandioso de modernização a linha do Sul, que serve a mais extensa província do País e a de maior potência agrária. Esqueceu-se que ela há-de conter a nossa mais larga mancha de rega, em execução adiantada, precisando-se de que tenha, e há-de ter, produtividade màximamente acrescida para que dê renda válida. Ora exactamente foi este um dos objectivos básicos considerados no plano: «Modernizar nos trechos que se situam na zona do território onde se concentra a maior actividade económica.» E Beja quer-nos parecer que é um desses trechos, que não o de menor vulto, e, portanto, merecedora de ter sido tratada como tal.
Mas o pior é que antes de 1975, termo da obra agora programada, certamente que não devemos contar com novos investimentos, e é que a linha do Sul, a deteriorar-se cada vez mais em cada ano que passa, não vemos bem como há-de continuar a servir, mesmo mal.
«Velhas locomotivas a vapor, com carruagens incómodas e antigas, com a via impossibilitando velocidades superiores a 30 km/h, com telefones ligados por fio de ferro, com estações acanhadas e de equipamento reduzido», de tudo isto que a C. P. se lamenta, enferma a linha de Beja.
O material circulante, péssimo, ainda julgamos que possa ser substituído pelo velho mais novo que venha das linhas bafejadas. Mas a via, essa é que não sabemos como há-de ser melhorada e útil, se não olharem para ela compadecidos, e com brevidade.
Quando viemos para as terras sul-alentejanas, os 150 km que nos separam de Lisboa eram percorridos por um comboio, chamado «rápido», em três horas; hoje, cerca de vinte e cinco anos passados, todos são ónibus, e só um deles, uma automotora, consegue vencer a distância em pouco menos de quatro horas 1 A marcha em grande extensão da via não se processa a mais de 35 km/h, e em redução de ano para ano! É o que se chama uma marcha rápida para o retrocesso!
No planejamento estudado prevê-se para a linha do Norte a velocidade de 140 km/h, e para a do! Sado, em certos troços, 120 km/h. Beja fica, pois, em inferioridade manifesta. Logo, «o tráfego de passageiros e mercadorias faz-se em grande maioria através do transporte rodoviário, sendo relativamente poucos os que utilizam o transporte ferroviário», assim é dito no relatório do III Plano de Fomento, e acrescenta-se que «as previsões acentuam esta disparidade».
Não há conforto, não há rapidez, não há frequência dos serviços, não há pontualidade! Os CTT de Beja viram-se forçados, para não demorar a correspondência para Lisboa dois dias, o que dava a ideia de estarmos nos confins do Mundo, a alugar uma camioneta transportadora do correio para a estação de Ermidas.
Desta maneira nunca poderá haver rentabilidade da linha e cai-se num círculo vicioso - não se moderniza porque não rende, não rende porque se não moderniza.
A já afamada «variante de Beja», quase concluída, supomos, com os trabalhos iniciados há cerca de trinta anos, ainda não entrou em uso, e sabe-se lá quando! Como se quer que haja aliciação?
Nós sempre defendemos o parecer, que muitos não tinham, por considerarem o trânsito ferroviário obsoleto, de que na sua estruturação perfeita ele é fundamento do progresso regional.
O Sr. Prof. Mário de Figueiredo, nosso ilustre Presidente e mui digno administrador da C. P., a quem aproveitamos a oportunidade para prestar a nossa homenagem sentida pelos seus altos dotes, com o desejo de melhoras rápidas do mal que o apoquenta e nos contrista, entende, e bem, que «o caminho de ferro é um facto do passado, mas não é um facto passado: está aí presente, e creio que continuará presente no porvir».
O caminho de ferro tem-se adaptado mal ao forte concorrente que é o transporte rodoviário, com o qual, em afluência, devia ter jogado. Mas pode competir com ele, e bem assim com o trânsito aéreo, numa adaptação perfeita. Tudo vai mal quando não haja um justo equilíbrio de desenvolvimento de todos os meios de transporte, e isso se verifica no Baixo Alentejo.
Resta-nos a esperança, que ainda não perdemos, de ver a linha do Sul renovada em breve, pelas palavras autorizadas e promissoras do Sr. Ministro das Comunicações, ao dizer que «o Governo tem entre mãos estudos de grande envergadura, com vista a encarar-se um mais ambicioso e justificado plano para a renovação de todo o nosso sistema de transportes, para se poder manter e incrementar o desenvolvimento económico da Nação».
A promoção económica da província baixo-alentejana tem que ir para diante a passos agrandados, assim o exige o interesse nacional, e não se compadece com transportes diminuídos e maculados pela ancilose. É preciso dar-lhes extensão e flexibilidade.
Grande favor traria à província, permitimo-nos lembrar isto ao Sr. Ministro das Comunicações, o que cabia bem nos empreendimentos de envergadura que disse «haverem de ser lançados», a construção, para este ano, do porto de Sines, moderno e bem dotado, para poder ser eficiente.
As condições naturais, de excepção, da maravilhosa angra de Sines, já bem conhecidas dos velhos povos marinheiros que nos demandavam - Fenícios, Gregos e Cartagineses -, amoldam-se perfeitamente a uma instalação portuária capacitada.
Foi porto romano afamado, servindo a vizinha Meróbriga, então cidade importante pelas suas quantiosas e melhores produções da terra.
Essa enseada, a meio caminho entre Lisboa e o Algarve, no dizer de alguém «a mais abordável que se encontra em condições propícias de utilização desde a foz do Sado até ao cabo de S. Vicente», foi apelidada de «uma janela que o Alentejo abre sobre o mar». Queremo-la antes de uma porta bem escancarada do Alentejo para o oceano, contribuindo ao melhor viver da província.
Para isso deve concretizar-se a ideia velha de muitos anos, que o ramal ferroviário de Ermidas se prolongue em penetração até Beja, por Canhestros, Ferreira do Alentejo e Beringel. Assim, o Baixo Alentejo seria atravessado pela via férrea desde o mar, que lhe pode ser tão proveitoso, até à zona raiana, e daí o seguimento rodoviário para Espanha, quando a aduana de Barrancos for aberta, o que muito se deseja.
Mas o porto de Sines impõe-se, não só para o desenvolvimento económico da província sul-alentejana, como ainda para defender as muitas vidas dos homens das companhas piscatórias da região, que hoje se obrigam a aceitar-se, aquando de enganosas e revoltas procelas, nos distantes portos de Setúbal ou Sesimbra, e é se têm a sorte de os atingir.
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Em 1876 um temporal violento arrojou à praia todas as embarcações que se encontravam na baía, perdendo-se muitas delas, bem como os aprestos do mar, e até algumas vidas. Depois disso quantas outras têm perecido por falta de um seguro porto de abrigo!
E que maior preito podia ser prestado ao grande «almirante da Índia e seu descobridor», o nauta intrépido e valoroso, que foi Vasco da Gama, no seu quingentésimo aniversário que passa neste ano de 1969, do que dotar Sines, a sua terra natal, de um porto de mar de valia!
A palavra fluente do par ilustre Sebastião Alves já lembrou aqui a comemoração que é devida a esta figura gigante de sul-alentejano. Ditamos uma memória que nos quer parecer bem cabida.
E assim o porto de Sines, no seu ramal ferroviário prosseguido até Beja, e a via férrea do Sul modernizada, com afluência complementar do trânsito rodoviário, sobretudo muito de ter em conta no círculo Beja-Odemira-Mértola-Serpa-Beja, quase sem incidência do transporte por ferrovia, ainda a auto-estrada do Sul, demos-lhe esse nome, e mais. o tráfego aéreo, tudo isto seria uma infra-estrutura perfeita de transportes, básica para o progresso económico e turístico de uma província, como é a do Baixo Alentejo, tamanha na sua dimensão e poder.
Que Beja não seja mais descuidada, e antes com exagero acarinhada, é tudo quanto ela pede na sua ânsia de querer ser útil ao melhor viver do País.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Peres Claro: - Sr. Presidente: Quando há tempos, desta mesma bancada, procurei chamar a atenção do Governo para a forma deficiente como a ponte sobre o Tejo estava a ser utilizada, em dias de temporal por falta de articulação de transportes, entre as muitas cartas de aplauso que então recebi, uma veio a criticar-me asperamente por ler aqui trazido, em estilo demasiado brincalhão, a história da molha monumental que apanhara com milhares de habitantes da Outra Banda. Se o estilo é marca inconfundível de cada um, e se o repórter o não pode usar como o ensaísta, eu fiz a crónica viva de uma indignação popular que é assim mesmo brincalhona e contundente, e não a exploração demagógica de um caso, que não foi de somemos, mas o de milhares de pessoas que têm de atravessar o rio diàriamente, na labuta da sua vida, e, come eu, o fazem usando o transporte mais barato.
Tenho sempre o receio de que o pudor da exploração demagógica nos faça cair no pecado da injustiça social. Durante dias discuti comigo mesmo se deveria ou não trazer aqui os casos de gente humilde, que seleccionei da correspondência recebida e das conversas que comigo vão tendo onde me encontram, na esperança de um apelo em que os meus interlocutores confiam. Acusem-me, embora alguns de demagogo, eu quero hoje trazer aqui casos de gente humilda, da massa anónima, que é o substrato da Nação, da «arraia-miúda», como diria o cronista da Lisboa medieval. Ela o merece.
Há poucos dias, ao agradecer ao Sr. Ministro da Educação Nacional as atenções que tivera para com o pessoal docente e o pessoal administrativo das escolas do ensino técnico, requeri em breve nota despacho favorável também para o pessoal dito menor. Todos nós sabemos, pela nossa experiência de estudantes, o que representa o contínuo numa escola. Ele é, até por defesa própria, o amigo de todos, o que não raro aconselha, o defensor atento da integridade física de cada um e do património, o executor de ordens que tem de fazer cumprir, não por uma turma de cada vez, mas por todo o grupo, e quando este está fora da acção do professor, ou junto dos professores, por não poder trair a direcção, mas de forma a não perder as boas-graças do pessoal docente. Ele é um pau-mandado das ocasiões aflitas, a guarda de choque. Sabem-no bem os que dirigem os estabelecimentos de ensino que, no pessoal menor, recrutado onde é possível, têm dedicados auxiliares, durante quarenta e oito horas por semana, quando os professores apenas têm vinte e duas; apenas com trinta dias de férias, quando os professores chegam a ter noventa; que descontam as faltas na licença, quando os professores nem licença pedem; que atingem os 70 anos sem diuturnidades; que vêem o seu vencimento cada vez mais desproporcionado. Decerto, só em revisão geral de vencimentos, pela reforma administrativa que se anuncia, as suas necessidades poderão ser atenuadas, mas talvez fosse possível, como tem acontecido noutras classes do funcionalismo, criar uma nova categoria, talvez a de perfeito ou de vigilante, à qual subiriam os actuais contínuos de 1.ª classe, extinguindo-se ao mesmo tempo os lugares de servente ou de auxiliares de limpeza. E talvez também para a sua classe fosse possível instituir diuturnidades, pois também eles sofrem o desgaste que traz o lidar com rapazes, perdendo a paciência para durante tantas horas os aturarem.
O meu guarda-nocturno é um homem sereno. Nas horas mortas da noite ouço os seus passos e o seu cão, que velam pela gente do meu bairro. Quando me atarde, e sozinho atravesso a minha rua, dou-lhe sempre um dedo de conversa descuidada. Mas ele tem o seu problema e voltou a pôr-mo, uma noite destas, sabendo-me em fim de mandato. Vive das quotas que os habitantes do bairro lhe pagam mensalmente, a mulher é achacada. Gostaria de ser abrangido pelos Serviços Sociais da Polícia de Segurança Pública, mesmo pagando qualquer coisa, 15$ a 20$ por mês. Suponho ser este problema de todos os guardas-nocturnos, que são, afinal, agentes de polícia, com farda e pistola, em ronda permanente às horas de dormir. Não será realmente possível abrangê-los pelos Serviços Sociais, dando-lhes o médico gratuito e os remédios mais baratos, facultando-lhes as cantinas e amparando-os na velhice?
No rio da minha terra pescam muitos pescadores sem patrão. São eles que trazem à lota as tecas do peixe mais saboroso, os salmonetes e os linguados com que Lisboa se regala. Mas pela costa fora, no meu distrito, da Caparica a Sines, quantos não se metem ao mar todos os dias para o seu ganha-pão e para a nossa mesa? Se o mar os deixa, que nos dias de vendaval é um andar pelas praias na ânsia de uma aberta ou o estar na taberna enganando a fome, enquanto em casa se vai vivendo das dívidas. E preciso ser-se da beira-mar para saber e sentir estas coisas.
Eles ouviram falar que os trabalhadores da terra vão ter abono de família; eles também têm filhos e pagam imposto sobre o peixe que vendem, e contribuem, parece, para a Casa dos Pescadores. Gostariam também de ter abono de família. Era dinheiro certo mensal, de ajuda aos filhos. Não têm patrão, é verdade, mas no esquema da nossa previdência não poderá encontrar-se solução para o seu caso, mesmo que demorem para os outros mais regalias?
Vieram até mim os ferroviários reformados que vivem ainda e sempre, por atracção irresistível, ao longo das linhas férreas do meu distrito. São do tempo em que os caminhos de ferro não eram da C. P., mas do Estado. Queixam-se de que, contrariando uma igualdade estabelecida em 1955, desde 1961 que na reforma são tratados em pé desigual com os que foram sempre e só da C. P.
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Não faz o Estado destrinça entre uns e outros, como até ùltimamente se viu com o aumento de 9 por cento mandado conceder a todos e quaisquer reformados, mas subsiste uma diferença de pensões, iniciada em 1961, com que se não conformam. Talvez o contrato colectivo em estudo possa corrigir uma situação que perturba escusadamente homens que nada esperam já da vida a não ser a consideração pelo que nela fizeram.
Sr. Presidente, não tenho mais requerimentos a fazer. Gostaria apenas que me fosse ainda dado o ensejo, nesta legislatura, de agradecer o deferimento dos que fiz.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: No intuito de poupar VV. Ex.ªs ao incómodo de duas sessões diárias, pedi aos oradores de ontem que não usassem do direito de esgotar os quarenta e cinco minutos que o Regimento lhes confere para o uso da palavra, no que fui por todos gentilmente atendido. Igual pedido faço aos oradores de hoje, esperando que do mesmo modo gentilmente me atendam. Mas a sessão de terça-feira, em que se deverá encerrar o presente debate, ameaça estar bastante sobrecarregada. E, portanto, não obtante o apelo que no mesmo sentido desde já dirijo aos oradores desse dia, previno que a sessão deverá começar às 15 horas e 30 minutos precisas, exactamente porque a sessão estará bastante sobrecarregada.
Com esta prevenção, vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre as contas gerais do Estado e as contas da Junta do Crédito Público relativas a 1967.
Tem a palavra o Sr. Deputado Tito Lívio Feijóo.
O Sr. Tito Lívio Feijóo: - Sr. Presidente: Apresento a V. Ex.ª os meus respeitosos cumprimentos e, ao mesmo tempo, rendo as minhas homenagens às suas altas qualidades como eminente homem público, que, há longos anos, vem dando ao País um valioso contributo nos mais variados sectores da política, da administração pública e da actividade privada.
Aproveito também mais esta oportunidade para prestar as minhas homenagens ao nosso querido Presidente Prof. Mário de Figueiredo, daqui formulando os meus votos pelo seu rápido restabelecimento.
Pretendo ocupar-me, no decorrente debate sobre as contas gerais do Estado de 1967, da província de Cabo Verde, que muito honrosamente represento nesta Câmara.
Quero, em primeiro lugar, apresentar à Comissão de Contas Públicas desta Assembleia, que subscreve o respectivo parecer, e, muito especialmente, ao seu ilustre presidente, engenheiro Araújo Correia, as minhas felicitações, pelo brilho e pela forma construtiva como, mais uma vez, foram tratados todos os assuntos, tão inteligentemente postos à consideração da Câmara.
Sr. Presidente: A despeito de em Cabo Verde não terem sido agravados, em 1967, quaisquer impostos ou taxas, as receitas ordinárias do orçamento geral da província, nesse ano, atingiram cerca de 127 000 contos, tendo-se, portanto, verificado um aumento de 13 por cento em relação ao ano anterior.
A partir da entrada em vigor da reforma tributária, em 1964, vem-se verificando um relevante aumento das receitas ordinárias.
Assim, enquanto em 1963 elas apenas atingiram a cifra de 63 479 contos, em 1967, ou seja no 4.º ano da vigência da citada reforma, cobraram-se 96 461 contos.
Da análise da evolução das receitas dentro de cada capítulo, verifica-se que foram bastante proeminentes os aumentos registados, quer no que se refere à cobrança dos impostos directos gerais, quer no que respeita aos impostos indirectos, cujos valores atingidos aumentaram de quase 100 por cento de 1963 para 1967.
A conta do exercício de 1967 encerrou-se com um saldo positivo de 19 398 890$57, que ultrapassou aquele que já havia sido registado no ano anterior.
Os resultados obtidos são, já por si, relevantes, e tanto mais quanto é certo que o Governo da província, tal como vem acontecendo de há seis anos a esta parte, não tem tido a preocupação de obter saldos orçamentais. Estes apenas têm resultado de uma administração financeira eficiente e cautelosa e de uma evolução favorável das actividades económicas do arquipélago.
Seria injusto se não reconhecesse que a forma de tributação presentemente em vigor, graças às correcções e adaptações de que por vezes tem sido objecto, vem contribuindo, e de uma forma bastante sensível, para o estabelecimento da justiça fiscal.
A evolução francamente favorável das receitas ordinárias, grandemente estimuladas não só pelo sistema fiscal vigente, como ainda pelo fortalecimento da armadura económico-financeira da província, coloca esta em posição de poder encarar, ainda com mais largueza, a resolução dos seus problemas, nomeadamente aqueles que dizem respeito à promoção social das populações, nos seus múltiplos aspectos.
Não tenho dúvidas em afirmar que toda essa evolução favorável das finanças e da economia da província traduz os benefícios de uma administração inteligente dos dinheiros do Estado. Tudo vem, em última análise, obedecendo a um circunstanciado plano de acção elaborado em perfeita cooperação do Governo Central e do Governo da província.
A continuidade do actual governador, comandante Sacramento Monteiro, à frente dos destinos de Cabo Verde tem contribuído de forma decisiva para que, mesmo dentro dos condicionalismos do arquipélago, o nível de vida das populações tenha subido de forma bastante sensível nestes últimos três anos.
Atendendo a que para o decorrente ano estão previstas no orçamento geral da província receitas ordinárias no valor de 128 441 contos, sem rebuço posso aqui afirmar que no 6.º ano da vigência da reforma tributária, e no 5.º da entrada em vigor das novas pautas aduaneiras, os rendimentos das receitas ordinárias ultrapassará, em muito, o dobro daquele que se havia registado no ano de 1963.
Pela análise das contas em apreciação se verifica que os impostos directos gerais passaram de cerca de 10 000 contos, cobrados em 1963 (último ano anterior à vigência da reforma tributária) para 19 000 contos em 1965 e, finalmente, para 22 000 contos em 1967.
Tal como há tempos tive já ocasião de dizer nesta Câmara, julgo que, por agora, está, sem dúvida, contra-indicada qualquer medida governativa que possa conduzir a uma sobrecarga fiscal, porquanto, apesar de todos os progressos ùltimamente verificados, as actividades económicas do território ainda não se encontram em posição de suficiente solidez para suportar novos encargos tributários. Proceder de outro modo equivaleria a provocar uma diminuição do actual ritmo de investimentos privados, com
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toda a gama de inconvenientes sociais, políticos e económicos, que, por sobejamente conhecidos, escuso de aqui enumerar.
Continuo pensando que alguns impostos directos gerais em vigor em Cabo Verde deverão ser revistos logo que possível e mais bem adaptados às actuais condições de vida da província. Quero referir-me, mais uma vez, e em especial, à contribuição predial rústica e ao imposto profissional do 2.º grupo, bem como àquele que diz respeito às sucessões e doações a que estão sujeitos na província todos os actos que importem transmissão perpétua ou temporária de propriedade de valor excedente a 500$, compreendendo dinheiro, títulos de dívida pública e acções de qualquer empresa, mesmo que essa transmissão se faça a favor dos filhos. É de notar que aqui, na metrópole, na transmissão de pais para filhos, só estão sujeitas ao imposto sucessório as propriedades de valor superior a 100 000$.
Sobre este último imposto a que acabei de me referir já alguém certa vez afirmou, e com absoluta propriedade, que em Cabo Verde o processo de inventário orfanológico é uma verdadeira maldição que cai sobre as famílias de débeis recursos, que, não tendo quaisquer possibilidades de pagar as curtas resultantes do processo, não poderão evitar a execução e a venda judicial dos modestos bens deixados. Peço a esclarecida atenção do Governo para este problema, que necessita de ser revisto em todos os seus aspectos, no interesse das populações de débeis possibilidades económicas.
Continuo também a pensar que há que rever as taxas do imposto do selo presentemente em vigor na província, e que são, de há longos anos, as mais elevadas, creio eu, de todo o território nacional.
Em 1965 foram cobrados em Cabo Verde 3228 contos (números redondos) de imposto do selo, em 13 010 contos respeitantes ao rendimento total dos impostos indirectos.
No ano de 1966 o rendimento do referido imposto atingiu 7078 contos, o que representou 20 por cento do total dos impostos indirectos cobrados. Em 1967 a cobrança do imposto de que me estou ocupando rendeu 7388 contos, e apenas foi ultrapassada por aquelas respeitantes aos direitos de importação (24 429 contos), à contribuição industrial (9959 contos) e ao imposto de consumo (7712 contos).
O rendimento dos direitos de importação tem vindo a evoluir muito favoràvelmente. Durante o ano de 1967 atingiu 24 249 contos, valor superior em 2018 contos àquele que havia sido registado no ano anterior. No entanto, é de lembrar que naquele ano se prosseguiu na queda de determinadas barreiras aduaneiras, com o objectivo de integração económica do espaço português, tendo-se iniciado no 2.º semestre a 3.ª fase do desagravamento pautal.
Tudo se tem operado dentro do desejado sincronismo, graças a uma inteligente actuação baseada em estudos prévios que tempestivamente foram elaborados pelo Governo da província antes da entrada em vigor das actuais pautas aduaneiras. O imposto de consumo, cuja cobrança atingiu em 1967 o valor de 7721 contos, tem vindo a servir, em certa medida, para compensar a perda de determinadas receitas desaparecidas em consequência da gradual queda das barreiras aduaneiras entre os diferentes territórios nacionais.
A balança comercial de Cabo Verde continua, infelizmente, a acusar um importante saldo negativo. Todavia, não se poderá deixar de reconhecer certos progressos na exportação de determinados produtos, como, por exemplo, a banana, que em 1967 atingiu o valor de cerca de 8000 contos, com um aumento de 20 por cento em relação ao ano anterior.
A área das plantações de banana tem aumentado ùltimamente, em especial na ilha de Santiago, num ritmo bastante significativo. Segundo elementos que muito recentemente me foram fornecidos, posso indicar que o aumento da exportação da banana, de 1967 para 1968, foi de 56 por cento em relação à ilha de Santiago e de 7 por cento em relação à ilha de Santo Antão.
O actual Governo da província vem estimulando nestes últimos anos, e de forma bastante relevante, a produção da banana dentro do esquema de reconversão que se pretende introduzir, e a que já me referi nesta Assembleia quando no ano passado tratei do III Plano de Fomento, na parte respeitante a Cabo Verde. O apoio governamental tem sido dado quer através da intensificação da assistência técnica e financeira ao agricultor, quer pelo estabelecimento de uma rede de vias de comunicação que garantam a drenagem em boas condições técnicas e económicas de toda a banana produzida para os portos de embarque.
Encontra-se nesta altura já bastante adiantada a estrada de penetração da ribeira da Garça, na ilha de Santo Antão. A construção dessa estrada e dos caminhos adjacentes irá provocar ràpidamente a criação de grandes manchas de bananais em toda a bacia hidrográfica dessa riquíssima ribeira.
A estrada da ribeira das Patas, também na ilha de Santo Antão, que está sendo construída em bom ritmo de trabalho e que deverá ficar concluída dentro de poucos meses, irá também beneficiar grandemente a região, onde, por certo, se intensificará a cultura da banana.
A captação da água de Lajedos, já realizada, irá provocar o alargamento dos pequenos bananais do lugar.
É provável que ainda no corrente, ano se iniciem os trabalhos de construção da estrada para a ribeira da Cruz e para a ribeira do Alto Mira, regiões onde poderão ser alargados os bananais depois de efectuadas algumas obras hidráulicas de maior ou menor envergadura.
Em Santiago a estrada dos órgãos para Pedra Badejo, já em adiantado estado de construção, estimulará grandemente o alargamento da cultura da banana na extensa bacia hidrográfica da ribeira Seca.
A recente e importante reforma do estatuto da Caixa de Crédito da província virá contribuir de forma decisiva para uma mais ampla assistência financeira ao agricultor, com importante projecção no desenvolvimento da agricultura em geral e da cultura da banana em especial.
Todavia, há absoluta necessidade de serem tomadas, o mais urgentemente possível, medidas que garantam melhores condições de embarque e de transporte da banana para a metrópole. É este um dos aspectos mais importantes no que se refere à exportação do produto, e que, infelizmente, ainda não se apresenta tècnicamente resolvido.
Torna-se indispensável que os navios da Sociedade Geral que trazem a banana para Lisboa passem a dispor de todos os necessários requisitos técnicos, de forma a evitar-se a deterioração de grandes quantidades do produto durante a viagem, como muitas vezes tem vindo a acontecer, dando lugar a manifesto prejuízo para todos, mas muito especialmente para os exportadores.
No caso de não ser econòmicamente viável a introdução nos navios da Sociedade Geral que têm a seu cargo a linha de Cabo Verde e Guiné de instalações adequadas ao transporte da banana, há que promover
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que alguns navios bananeiros passem a escalar o Porto Novo e o da Praia, de forma a ser assegurado o transporte da banana para a metrópole em boas condições técnicas e económicas de conservação. Reputo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, este problema de grande relevância na economia do arquipélago.
Já que abordei a questão dos transportes marítimos, também lembro a necessidade de todos os navios de passageiros da linha de Cabo Verde passarem a dispor de um número tal de camas na enfermaria de bordo que permitam o transporte de todos os doentes que embarquem nos portos da Praia e S. Vicente com destino à metrópole. A prática vem demonstrando que o número de camas actualmente existentes é manifestamente insuficiente para as necessidades da província.
Finalmente, ainda sobre o problema de transportes marítimos entre a metrópole e Cabo Verde, que, aliás, vem sendo tratado com todo o carinho pela Junta Nacional da Marinha Mercante, quero aqui deixar mais um apelo no sentido de se evitar de futuro que o paquete Amélia de Melo, com esta ou aquela alegação, deixe de escalar o porto de S. Vicente, não cumprindo, portanto, o itinerário superiormente aprovado, o que algumas vezes se tem passado, com manifesto prejuízo para a província de Cabo Verde.
Voltando ao capítulo da exportação, quero referir-me à da pozolana, cujo valor em 1967 quase que triplicou em relação aquele que se registou no ano anterior.
Ao que parece, a indústria de extracção da pozolana irá agora entrar numa fase de intensa exploração, já com mercados assegurados, tanto em alguns territórios nacionais como no estrangeiro. Todavia, mais uma vez lembro a necessidade de serem revistas quanto antes as condições do seu transporte, pois é essencial para um produto tão pobre que os fretes e os demais encargos sejam mínimos. De outra forma a exploração é antieconómica.
Ainda em 1967 a indústria da pesca não aparece na economia de Cabo Verde com qualquer relevância. Todavia, posso aqui dizer, como apontamento, que tanto a empresa Sapla como a Congel já iniciaram, e num ritmo desejado, o estabelecimento das necessárias infra-estruturas para o desenvolvimento da pesca, tanto artesanal como industrial, tal como, aliás, está previsto no decorrente Plano de Fomento.
É na pesca, Sr. Presidente e Srs. Deputados, onde serão investidos nestes próximos anos algumas centenas de milhares de contos, que se virá a apoiar grande parte da armadura económica de Cabo Verde. Estudos conscienciosamente realizados dão-nos disso garantia segura.
Estou certo, por todas as considerações feitas e conforme, aliás, já em tempos tive oportunidade de dizer nesta Câmara, que no fim da execução do decorrente III Plano de Fomento se conseguirá alterar muito favoràvelmente a balança comercial da província.
No que se refere às receitas provenientes das indústrias em regime tributário especial, em 1967 apenas se verificou um aumento, porém pouco significativo, no imposto da aguardente.
É de notar que o fabrico de aguardente de qualidade, em especial para a exportação, é um dos objectivos do actual Plano de Fomento. Este produto poderá vir a ter, conforme já aqui tive ocasião de dizer, uma posição importante na exportação da província, desde que o seu fabrico passe a ser feito em unidades industriais convenientemente localizadas e devidamente equipadas e dimensionadas, de molde que o produto seja tecnològicamente perfeito e firmemente padronizado, única forma de se tornar possível a conquista e a manutenção de mercados de consumo.
As taxas de trânsito de telegramas transmitidos pelos cabos submarinos que amarram em S. Vicente produziram no ano de 1967 um rendimento de 1137 contos, cifra bastante inferior aos 4931 contos registados no ano anterior. É uma fonte de receitas que dentro em pouco pràticamente desaparecerá, dado que a companhia que explora o cabo submarino inglês tenciona cessar a sua actividade na província, o que virá, infelizmente, ocasionar o desemprego de algumas dezenas de pessoas.
Em 1967 os rendimentos provenientes das actividades portuárias tiveram evolução favorável em relação ao ano anterior. Naquele ano entraram nos portos da província 1405 navios de longo curso, contra 1352 entrados em 1966.
É de notar que estão sendo introduzidos melhoramentos de maior ou menor volume e importância em quase todos os portes do arquipélago.
Dentro de poucos meses ficará concluído o cais acostável do Vale de Cavaleiros, a maior obra até hoje realizada na ilha do Fogo, que custará 30 000 centos e cuja projecção no desenvolvimento da ilha, por evidente, escuso de enaltecer.
Daqui a meses será aberto concurso para a construção do porto da Praia, devendo a 1.ª fase atingir os 80 000 contos.
Em relação ao Porto Grande de S. Vicente, vêm sendo tomadas medidas de grande alcance no sentido de se conseguir atrair para ele maior número de navios.
Recentemente nele foi criado uma zona franca, concretização de um anseio da gente de S. Vicente há mais de meio século, e que se fica devendo à inteligente actuação do Sr. Ministro do Ultramar, Prof. Silva Cunha.
Ainda no corrente mês deverão ser iniciados os trabalhos da regulamentação dessa zona franca, que virá a constituir a 1.ª fase do estabelecimento de um porto franco em S. Vicente. A medida tomada é só por si de alto alcance e servirá de valioso prospector antes do alargamento da franquia, essa franquia que, estou certo, virá a constituir uma poderosa alavanca no progresso não só de S. Vicente, como de toda a província.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A construção do dessalinizador para obtenção de água potável, há meses iniciada, é mais um elemento relevantemente positivo na valorização do Porto Grande. Passar-se-á a dispor, dentro de pouco mais ou menos de um ano, de água em boas condições de preço e de qualidade. O dessalinizador ficará dimensionado para produzir, em vinte e quatro horas, 2200 m3 de água doce, com possibilidade de adaptação, por unidade ou unidades adicionais, até ao total de 3300 m3 diários.
A canalização de combustível líquido para o cais acostável que está a ser realizada pela Shell, e custará 22 000 contos, é outro factor relevante na valorização do porto de S. Vicente. A conduta ficará com uma secção tal que permitirá o fornecimento de 1000 t por hora, ou seja, cinco vezes mais do que a quantidade que é agora possível fornecer aos navios através das barcaças.
Se atendermos a que, por exemplo, se calcula que as despesas totais suportadas pelos armadores pela permanência de um navio de 100 000 t num porto andam à roda dos 30 contos por hora, podemos avaliar o interesse económico do empreendimento que acabei de indicar.
Ainda sobre o porto de S. Vicente quero aqui deixar, por ser de grande relevância, mais um ligeiro aponta-
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mento: além do apetrechamento previsto no decorrente Plano de Fomento, no valor de 13 045 contos, e da instalação, aliás já iniciada, de um complexo para reparações navais, cujo custo ascenderá a algumas dezenas de milhares de contos e que ficará dimensionado para satisfazer às reais necessidades do porto, há que considerar, quanto antes, entre o mais, o prolongamento do cais acostável, de forma a permitir a acostagem de navios de grande tonelagem e, muito especialmente, dos grandes petroleiros. Segundo elementos que há dias colhi, só a Shell já dispõe de seis navios de 200 000 t para o transporte de combustíveis líquidos.
A tendência, que se acentua dia a dia é a de se aumentar, em todo o Mundo, o número de navios de grande capacidade. Teremos de preparar tempestivamente o Porto Grande para receber, em boas condições técnicas e económicas, entre outros, os grandes navios que, por excesso de tonelagem, não são susceptíveis de navegar no canal de Suez.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sei que o Governo está atento a todas as circunstâncias que acabei de indicar e estou certo de que tomará urgentemente as necessárias providências para que no porto de S. Vicente sejam realizadas as necessárias ampliações, de maneira que possa integralmente corresponder às solicitações e tendências da moderna navegação que actua no Atlântico.
Temos de estar atentos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, e suficientemente preparados, para enfrentar a concorrência de outros portos, nomeadamente o de Dacar e os das Canárias.
Durante o uno de 1967 foram realizadas despesas ordinárias no valor de 107 315 257$01, cerca de 14 000 contos mais do que 10 ano anterior.
Entre as despesas cujo valor aumentou de forma considerável nestes últimos anos há a realçar aquelas respeitantes à promoção social das populações, nomeadamente as realizadas com a educação.
Durante o ano de 1967 foram gastos com o sector da educação 11 291296$20, que ultrapassaram em cerca de 1300 contos as despesas nesse campo realizadas no ano anterior.
No ano lectivo de 1966-1967 frequentaram as escolas e postos de ensino primário 27 194 alunos. Além disso, funcionaram 43 cursos de educação de adultos, com um movimento de 1973 alunos.
Em 1967 verificou-se, em relação ao ano anterior, um aumento de cerca de 30 por cento na população escolar, o que é bastante relevante.
A evolução no que se refere ao ensino liceal foi a seguinte: em 1366 os dois estabelecimentos da província foram frequentados por 1213 alunos, enquanto no ano seguinte a frequência foi de 1344. Verificou-se, pois, um aumento de cerca de 10 por cento.
A Escola Industrial e Comercial do Mindelo teve no ano lectivo de 1966-1967 uma população escolar de 493 alunos, verificando-se, em relação ao ano lectivo anterior, um aumento de cerca de 21 por cento.
Encontravam-se no ano lectivo de 1966-1967 a frequentar na metrópole cursos universitários e médios, como bolseiros, 31 alunos, dos quais 28 matriculados em escolas superiores. Julgo que se deverá fazer neste campo mais um esforço no sentido de ser alargado o número de bolsas.
O panorama do ensino em Cabo Verde tem evoluído nestes último; anos de forma espectacular. Todavia, há necessidade de ser aumentado ainda mais o número de professores efectivos e contratados.
Presentemente, existem 413 professores afectos ao ensino primário, tendo havido, pois, um aumento de 210 unidades (mais de 100 por cento) em relação ao ano anterior. Com este substancial acréscimo do pessoal docente conseguiu-se já atingir, em alguns concelhos, a escolaridade absoluta, tendo o número de alunos do ensino primário aumentado, neste ano lectivo, em cerca de 70 por cento.
Os números que acabei de indicar mostram à evidência o esforço gigantesco que vem sendo realizado pelo Governo da província a favor do ensino.
É de salientar que o aumento do pessoal docente a que me referi só foi possível graças à inscrição, no actual Plano de Fomento, da verba global de 8438 contos, que vem proporcionando a manutenção, à margem do quadro, de um grande número de professores. Só assim seria possível a generalização progressiva do ensino primário ao nível que todos ansiosamente desejamos.
Tudo quanto se gaste em Cabo Verde com o ensino será, conforme já várias vezes tenho dito, amplamente compensado, social, política e econòmicamente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O povo cabo-verdiano, pelos condicionalismos que a natureza impôs à sua terra, terá, hoje como amanhã, necessidade de emigrar. Sendo assim, devemos educá-lo e prepará-lo profissionalmente, de forma que, lá fora, todos possam obter os mais altos proventos, não só em seu benefício directo, como ainda pelo contributo indirecto que virão a dar à sua própria terra.
Temos já hoje em Cabo Verde um exemplo vivo desse contributo, traduzido pelos milhares de contos que entram mensalmente e respeitantes às «mesadas» enviadas às famílias pelos cabo-verdianos que trabalham fora da sua terra.
Mas não só isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados. As três centenas de casas, das mais modestas às mais requintadas, que, neste momento, estão, por exemplo, a ser por eles construídas na cidade do Mindelo mostram, à evidência cristalina dos factos, quão grande tem sido a contribuição que os emigrantes, dia a dia, vêm dando à sua terra natal. Dela não se esquecem, nem hoje, nem nunca, como jamais deixarão de exteriorizar, em toda a parte, o seu arreigado patriotismo.
Muitos dos filhos desses emigrantes, como bons portugueses, batem-se corajosamente na Guiné, em Angola e em Moçambique, na defesa da integridade de Portugal.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sousa Magalhães: - Sr. Presidente: É das principais atribuições desta Assembleia tomar as contas respeitantes a cada ano económico, tanto da metrópole como das províncias ultramarinas, as quais lhe serão apresentadas com o relatório e os demais elementos que forem necessários para a sua apreciação.
Antes de entrar na breve análise que irei fazer a alguns aspectos das contas referentes ao ano de 1967, seja-me permitido dirigir uma palavra de muita admiração e profundo apreço ao presidente e relator da Comissão das Contas Públicas desta Assembleia, o ilustre Deputado Sr. Engenheiro Araújo Correia, para quem os problemas económicos e financeiros da Nação não têm qualquer segredo.
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Mais uma vez apresentou à nossa consideração um relatório sério, profundo e claro, tratando com rara proficiência todos os problemas, não esquecendo o estudo dos seus reflexos na nossa vida económica e social e tirando deles as lições necessárias para o desenvolvimento e progresso do povo português.
Quem ler o relatório será forçosamente levado a concluir pela honestidade de processos seguidos pelo Governo, merecendo especial relevo o Sr. Ministro das Finanças, pela acertada orientação dada na arrecadação das receitas públicas e na sua criteriosa aplicação.
E, não obstante as criminosas labaredas ateadas no nosso Portugal ultramarino, é consolador verificar que as contas do Estado continuam rigorosamente equilibradas.
É de lamentar que o mundo, desorientado, nos obrigue ao esforço tremendo de gastar 42,5 por cento da despesa geral do Estado com a defesa nacional, principalmente com a defesa do ultramar português.
Mas espero em Deus que os nossos inimigos não conseguirão os seus intentos e que a razão voltará a ocupar o seu lugar no Mundo e que os princípios da justiça continuarão a reger os povos e a conceder a cada um deles o direito de escolher o sistema político, social e económico que mais lhe convenha.
«A posição de Portugal em África», como disse, no dia 27 de Novembro, nesta Assembleia o Sr. Presidente do Conselho, «não podia ser outra. Portugal não podia abandonar aos caprichos da violência, aos furores dos ressentimentos, aos ódios dos clãs ou aos jogos malabares da política internacional os seus filhos de todas as raças e de todas as cores que vivem nas províncias ultramarinas, nem lançar aos dados de uma sorte incertíssima os valores que à sombra da sua bandeira fizeram de terras bárbaras promissores territórios em vias de civilização. Não declarámos guerra a ninguém, nem estamos em guerra com ninguém. A subversão não tem nome e os seus atentados partem não se sabe de quem. Defendemo-nos. Defendemos vidas e haveres. Defendemos, não uma civilização, mas a própria civilização», disse o Sr. Prof. Marcelo Caetano nessa memorável comunicação à Nação. «Defendemos, afinal, os verdadeiros interesses dos povos integrados na Nação Portuguesa e que dentro dela podem, sem sobressaltos, prosseguir os seus destinos contra desastrosas ficções encobridoras de formas irresponsáveis e detestáveis de neocolonialismo.»
Este caso português, que sentimos hora a hora, minuto a minuto, e para o qual não vemos outra solução, quase me ia desviando do propósito que me trouxe a esta tribuna. O certo é que o facto foi invocado, precisamente, para lamentar que nos obriguem a gastar tanto dinheiro na defesa do solo pátrio quando poderia ser investido em aplicações tendentes a aumentar a prosperidade e enriquecimento da Nação. Mas não se pense que, mesmo no campo económico, tudo é perdido, pois há imensas actividades que o esforço de defesa muito têm impulsionado. Com efeito, além do natural desenvolvimento económico-social provocado pelas próprias forças armadas nas províncias ultramarinas, também múltiplas actividades, metropolitanas e ultramarinas, directa ou indirectamente, têm sofrido grande impulso, ocasionado pelo esforço de defesa. Estão neste caso, entre muitas outras, as indústrias de vestuário, têxteis, alimentação e certas metalomecânicas.
Daí o facto de o desenvolvimento económico se ter processado a ritmo bastante satisfatório, tendo em 1967 a taxa de crescimento do produto interno atingido 7,3 por cento, apesar da recessão verificada no ano anterior, em que não ultrapassou os 3,2 por cento.
Isto resultou quase exclusivamente do produto agrícola, silvícola e da pesca, pois em 1966 diminuiu de 1 816 000 contos em relação a 1965, enquanto em 1967 alimentou de - 1 668 000 contos em relação ao ano anterior, ou seja, sofreu um acréscimo de 9,8 por cento. O produto industrial, por seu lado, cresceu 3 650 000 contos em 1966 e 3 456 000 em 1967, isto é, houve um ligeiro decréscimo na taxa de expansão.
A capitação do produto nacional bruto aos preços do mercado atingiu assim, em 1967, a importância de 14000$, a despeito do esforço que somos obrigados a fazer com a nossa defesa.
O produto interno deverá acusar, porém, no período do III Plano de Fomento, um crescimento anual médio de 7 por cento, atingindo em 1973 cerca de 155 milhões de contos. Em consequência, a capitação do produto assumirá nesse ano o valor de 17 200$ a preços constantes de 1963, o que representa um acréscimo de 77 por cento em relação a esse ano, enquanto na década anterior a variação foi nìtidamente inferior - apenas 47 por cento.
Ao eloborar o II Plano de Fomento admitiu-se que durante a sua execução o produto nacional bruto crescesse à razão de 4,2 por cento ao ano e, na realidade, cresceu à taxa média anual de 6,6 por cento; é de esperar, pois, que, dado o critério de prudência adoptado pela Administração, a taxa de expansão prevista de 7 por cento para o sexénio de 1968 a 1973 seja também atingida.
Só impulsionando o crescimento do produto poderemos fàcilmente suportar a despesa militar em África, como diz no parecer o Sr. Engenheiro Araújo Correia, mas para isso impõe-se o máximo de investimentos em empresas reprodutivas, seleccionando-as rigorosamente, de forma a dar prioridade absoluta às de maior reprodutividade, evitando as iniciativas, caprichos ou fantasias individuais ou até colectivas, que podem gerar abusos ou dissipação de investimentos. Só assim poderemos organizar a nossa economia num sentido utilitário que permita a exploração produtiva dos recursos disponíveis.
Para obter um desenvolvimento económico em proporções harmónicas entre todos os sectores produtivos, impõe-se uma cautelosa política económica no campo agrícola; política essa relativa aos impostos tributários, ao crédito, aos seguros sociais, à defesa dos preços, à promoção de indústrias integrantes e à educação das estruturas das empresas.
Apesar de o Ministério da Economia destinar mais de 50 por cento do seu orçamento a dotações dos serviços relacionados com a agricultura e de, em Lisboa e pelo País, haver inúmeros organismos a dedicar os melhores esforços aos problemas agrícolas, é doloroso verificar que a importação de produtos agrícolas tem crescido sempre com os anos. Assim, os valores das quatro primeiras secções da pauta de importações, que dizem respeito precisamente aos produtos do reino animal, do reino vegetal, gorduras e produtos das indústrias alimentares, subiram de 3 692 000 contos, em 1964, para 5 928 000 contos, em 1967, o que é verdadeiramente preocupante. Se atentarmos na complementaridade das possibilidades ultramarinas e metropolitanas, verificamos quão benéfica seria a coordenação das suas economias para o equilíbrio da balança comercial.
As áreas que servem de suporte à exploração agrícola, as formas de exploração e o sistema deficiente de comercialização de alguns produtos agrícolas e florestais constituem algumas das causas que impedem um mais eficiente desenvolvimento do sector. Não obstante estas dificuldades, a integração do sector agrícola, em condições de igualdade com os demais sectores, nos complexos esquemas de produção exigidos pelo desenvolvimento eco-
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nómico do País, constitui fim primordial a atingir, tão ràpidamente quanto possível. Não nos esqueçamos que a actividade agrícola é uma actividade primária, basilar para o desenvolvimento de qualquer comunidade, pois os seus produtos são destinados a satisfazer, antes de mais, necessidades humanas fundamentais, pelo que os seus preços devem ser tais que os tornem acessíveis à totalidade dos consumidores.
Não quero dizer com isto que se deve forçar toda uma categoria de cidadãos, a um estado permanente de inferioridade económico-social, privando-a de um poder de compra indispensável ao seu digno nível de vida. Pelo contrário, entendo que se devem promover nas zonas agrícolas as industrias e os serviços relativos à conservação, transformação e transporte dos produtos agrícolas, bem como iniciativas respeitantes a outros sectores económicos e a outras actividades profissionais. Desta maneira as famílias agrícolas ficariam com a possibilidade de integrar os seus réditos nos próprios ambientes em que vivem e trabalham.
Já que da empresa de dimensões familiares dificilmente se tira o rendimento suficiente para um decente nível de vida na respectiva família, torna-se indispensável instruir os agricultores e prestar-lhes a assistência técnica necessária para que criem uma abundante rede de iniciativas cooperativistas, pois só assim poderão vir a ser os protagonistas do desenvolvimento económico, do progresso social e da elevação cultural dos ambientes agrícola-rurais.
Estas considerações são formuladas na sequência das que aqui teci aquando da discussão da Lei de Meios para 1969, em Dezembro passado. Disse nessa altura que a industrialização devia começar do simples para o complexo, transformando os produtos da terra, da agricultura, silvicultura ou exploração mineira, até àquelas indústrias que têm características susceptíveis de adaptação dentro do País. O que devemos é evitar a exportação das matérias-primas que possam ser transformadas internamente com vantagem económica e promover um aproveitamento mais racional do território, quer utilizando mais intensivamente os recursos naturais, quer criando as estruturas e actividades económicas para a população das zonas rurais. Interessa, numa palavra, obter os melhores resultados com o mínimo de investimento. E não é isso que iremos fazer-se, muitas vezes, entre nós. Vemos montarem-se indústrias exigindo avultadas somas de capitais, utilizando matérias-primas importadas e, ainda para agravar a situação, muitas vezes sem dimensão mínima que lhes permita trabalharem em salutar regime concorrencial. O resultado é a dificuldade de expansão das indústrias delas dependentes e o consequente prejuízo para a economia nacional.
Grande parte dos erros cometidos no campo do desenvolvimento industrial deve-se ao facto de os governos muitas vezes não se aperceberem que o que tem interesse económico num país rico e evoluído pode ser contra-indicado num país pobre e atrasado, e o que é essencial num determinado estádio de desenvolvimento pode ser prematuro noutro. Mas ... muitos projectos econòmicamente inadequados são postos em execução por motivos políticos ou por falsos símbolos do orgulho nacional, resultando daí semiprodutos caros que vêm prejudicar o desenvolvimento das indústrias que os consomem.
Mais uma vez afirmo ser indispensável para o nosso processo de industrialização poder-se dispor de matérias-primas, energia e combustíveis a preços internacionais. E, entre nós os preços chegam a ser de 50 a 100 por cento mais caros do que os que os concorrentes estrangeiros da nossa indústria transformadora dispõem nos seus países. Numa altura em que a integração da economia portuguesa em espaços económicos mais vastos é um facto ao qual não podemos fugir, preocupa-me bastante que a aquisição de matérias-primas básicas e de combustíveis não se possa fazer em condições de concorrência internacional.
Também me preocupa o facto de não ver uma consciência aguda e profunda, por parte dos empresários responsáveis pela nossa industrialização, do que significará, na prática, uma progressiva integração no contexto internacional.
Sabendo que o desenvolvimento industrial tem sido dos principais motores do crescimento económico português e que, num futuro próximo, a industrialização será chamada a prestar contributo decisivo para o arranque final do nosso desenvolvimento, impõe-se a definição de uma política industrial de forma a conseguir o alto ritmo de crescimento programado para os próximos anos. É sabido que o condicionamento industrial não produziu os resultados práticos que dele se esperavam, pois os problemas que visava solucionar mantêm-se em larga medida. A deficiência das dimensões e do apetrechamento de muitas unidades fabris continua a impedir uma produtividade satisfatória, e a necessidade de se alcançar um poder competitivo que permita resistir à concorrência externa tornou-se mais premente agora que o proteccionismo aduaneiro está em vias de desaparecer.
Importa rever a política de condicionamento, uma vez que os parâmetros do mercado interno, que até aqui serviam de orientação, perderam muito do seu significado, em virtude dos movimentos de integração económica europeia e devido à necessidade de a indústria nacional exportar uma parte substancial da sua produção. Não nos devemos, porém, esquecer que a insuficiente difusão de uma mentalidade industrial verdadeiramente progressiva é susceptível de conduzir a casos de imitação injustificada e ao desperdício de capitais que, como já disse atrás, o País precisa de ver mais criteriosamente aplicados. Para evitar esta tendência, o Estado, em vez de usar um instrumento rígido, como é o actual condicionamento industrial, pode lançar mão de outras medidas orientadoras, tais como a preparação periódica de relatórios sobre a situação dos vários sectores industriais no respeitante a equipamento, evolução da produção e mercados; deve exigir a apresentação de projectos bem elaborados, onde sejam devidamente analisados os aspectos técnico, económico e financeiro das unidades produtivas a instalar em determinados sectores; deve recusar a concessão de incentivos fiscais, isenções aduaneiras e facilidades de crédito aos estabelecimentos fabris que pretendam instalar-se em sectores já demasiado sobreequipados.
Quanto à regularização da concorrência, não há dúvida que os argumentos em que o condicionamento industrial se tem apoiado estão também hoje muito enfraquecidos pelo condicionalismo que os esquemas de integração económica europeia impõem ao nosso país, uma vez que o mercado nacional passe a estar mais aberto à concorrência externa e também, em parte, na medida em que as exportações terão necessàriamente de passar a observar quantidades cada vez maiores da produção industrial portuguesa.
Convém, no entanto, generalizar a imposição de normas de qualidade ao maior número possível de produtos, de forma a evitar os riscos da desorganização da concorrência pelo aviltamento da qualidade dos produtos vendidos.
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Ainda como medidas urgentes de política industrial, importa orientar a localização das novas unidades de produção de harmonia com as directrizes de uma política regional assente num sistema de incentivos fiscais e outras facilidades em infra-estruturas e não em medidas de proibição ao seu estabelecimento em zonas já industrializadas.
Também a disciplina das aplicações de capitais estrangeiros precisa de ser revista, uma vez que o País está muito mais empenhado do que há alguns anos em atrair um volume considerável de capitais estrangeiros que completem os recursos internos, trazendo consigo contribuições importantes para resolver algumas dificuldades da indústria nacional em matéria de conhecimentos e experiências sobre técnicas de produção e organização, bem como de relações comerciais com o exterior. Não deve, contudo, excluir-se a necessidade de controlar a aplicação desses capitais, de forma a evitar abusos e desnacionalizações indesejáveis de alguns sectores da actividade produtiva.
Também urge intensificar a educação e a formação profissional a todos os níveis, especialmente ao nível médio e superior, onde a carência de técnicos mais se faz sentir. Hoje todas as nações, grandes ou pequenas, ligam o futuro das suas principais indústrias a vasto esforço de investigação. Nestas condições, a aquisição e difusão de novas possibilidades tecnológicas deve-se considerar como uma das tarefas que mais importa impulsionar nos próximos anos, tanto mais que, nesta matéria, a colheita dos primeiros frutos só passados anos se virá a verificar. A aquisição e difusão da tecnologia moderna envolve longa cadeia de esforços desde a investigação de base até à exploração industrial de novos produtos, novos processos ou novas combinações de factores.
Impõe-se intensificar uma adequada comunicação entre a Universidade e a indústria, a fim de concretizar novas ideias com real interesse prático e para que os resultados obtidos em laboratório ou instalações-piloto possam ser levados ao conhecimento dos interessados.
A promoção das exportações constitui também tarefa essencial para atenuar o desequilíbrio da nossa balança comercial, e embora seja, fundamentalmente, da responsabilidade da iniciativa privada, necessita, por parte do Estado, de tratamento marcadamente favorável, como sucede na generalidade dos países, sobretudo dos mais industrializados. A concessão de incentivos e assistência apropriada, a par da mentalização dos industriais exportadores, pode vir a colocar a indústria nacional em condições de competir melhor nos mercados externos. É consolador verificar que o déficit da nossa balança comercial foi, em 1968, o menor dos últimos quatro anos e que, desde 1966 tem vindo a decrescer. Com efeito, atingiu o máximo de sempre nesse ano de 1966, com 11 594 000 contos de saldo negativo, em 1967 houve um decréscimo de 1 307 000 contos e em 1968 a diminuição ainda foi mais acentuada, pois atingiu a cifra de 1 458 000 contos. Parece, assim, estarem a surtir efeito os esforços encetados no sentido de melhorar a nossa balança de comércio. Devemos continuar a fomentar as nossas exportações e limitar as importações aos bens indispensáveis, pondo dificuldades na importação de artigos de luxo ou sumptuários, desde que os compromissos internacionais a isso se não oponham.
Finalmente, e para terminar, quero manifestar séria preocupação com a tendência crescente para a elevação do custo de vida.
Na cidade do Porto, e o mesmo sucede nos outros pontos do País com maior ou menor agudeza, tomando por base o período de 1 de Julho de 1950 a 30 de Junho de
1951, os índices de custo de vida, em Maio de 1967, eram 139,6 para alimentação, 103,6 para o vestuário e calçado, 199,6 para a habitação, 111,6 para electricidade e combustíveis, 108,8 para artigos de higiene e 125,5 para artigos diversos. Os números respeitantes a Abril e Maio de 1968, extraídos como os anteriores do Boletim Mensal do Instituto Nacional de Estatística, mostram-nos uma tendência fortemente altista, principalmente nos grupos da alimentação, habitação, higiene e diversos, que subiram, respectivamente em relação a Maio do ano anterior, de 7,6, 20,9, 6,3 e 12,4. O índice geral passou, assim, de 100 em 1950-1951 para 138,2 em Maio de 1967, 144,6 em Abril de 1968 e 146,6 em Maio de 1968.
De então para cá os preços no consumidor têm continuado a subir a um ritmo crescente, pois ainda há bem poucas semanas a carne de bovino e certos tipos de arroz viram os seus preços substancialmente aumentados e o peixe fresco está por um preço inacessível à maioria das bolsas.
Impõe-se, por isso, que todos colaboremos num esforço de estabilização de preços, de forma a permitir o planeamento normal dos empreendimentos e uma política social com vantagens reais e efectivas para os trabalhadores.
Medidas de persuasão e de informação poderão dar algum resultado, desde que sejam convenientemente divulgadas, para que o público conheça a verdade dos problemas que lhe dizem respeito e participe, até, na sua resolução.
Com efeito, é altamente desejável que uma disciplina eficaz para defender os preços seja também obra das ategorias interessadas, embora assistida pela acção moderadora dos Poderes Públicos. Nem se deve esquecer nesta matéria que o preço de grande parte dos produtos de primeira necessidade constitui, muitas vezes, antes remuneração de trabalho do que remuneração de capital. Suster o aumento do custo de vida é tarefa difícil, mas que se impõe.
Sr. Presidente: Feitas estas breves considerações, que me pareceram de todo o modo oportunas, desejo, ao dar por findas as minhas palavras, manifestar a minha inteira concordância às contas gerais do Estado em discussão, dando-lhes por isso o meu voto de aprovação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alves Moreira: - Sr. Presidente: Da análise do diploma em discussão, em que o Governo dá a conhecer a maneira como se processou a gerência do Estado no ano de 1967, no que diz respeito à utilização das receitas gerais nos diversos sectores públicos de actuação, ressalta, claramente, a preocupação de equilíbrio nas contas, com transição, para o ano seguinte, com saldo positivo (102 421 contos), o que demonstra a prudência da administração, sem menosprezo por um factor importantíssimo que nos últimos tempos preocupa o Governo, como a Nação, e se traduz, fundamentalmente, no vultoso encargo com as despesas militares, tendo em vista a manutenção integral do património territorial, vilmente ameaçado, e que há que defender a todo o transe, custe o que custar.
De relevar, pois, mais uma vez, a maneira criteriosa como foram aplicados, na generalidade, os dinheiros públicos, a demonstrar sólida estabilidade financeira e capacidade de quem governa, com preocupação atenta na solução dos problemas vitais de actualidade, mas sem deixar
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de acautelar a realidade futura, a considerar sempre na condução criteriosa de responsáveis que se prezam em bem servir o País.
Se é certo que as receitas totais ascenderam a valores até então nunca, alcançados (23 460 953 contos), mais do dobro das acusadas no ano de 1960 (11 404 300 contos), mercê de medidas tomadas na emergência actual, também se sabe que as despesas cresceram proporcionalmente, pois atingiram 23 358 532 contos, excedendo também largamente as de 3960 (11 336 000 contos). Sabe-se ainda que os gastos com as forças armadas, que, como se disse, tomaram larga expressão nos últimos anos, pois de 2 968 298 contes em 1960 passaram a 9 927 810 contos no ano de 1967, despesa esta efectuada à custa de receitas ordinárias, influíram, grandemente, na impossibilidade de se fazerem investimentos em vários sectores nacionais, os mais carecidos, muito particularmente nos relacionados com a educação assistência e desenvolvimento económico.
Mas, apesar da contingência e condicionalismo imposto, nem por isso o Governo deixou de tomar as devidas providências financeiras no sentido de satisfazer algumas das necessidades mais prementes das populações, dentro de um critério actuante, que poderá ser discutível, mas que primou nìtidamente pela intenção de solucionar problemas de ocasião, de continuar a programação enunciada no Plano Intercalar de Fomento e proporcionar meios que pudessem vir a permitir encarar sem receio o Plano de Fomento em curso.
Eis por que me merecem inteiro aplauso e aprovação as contas públicas em apreço, congratulando-me pelos resultados alcançados pela gestão governamental e, muito, particularmente pela actuação do Ministério das Finanças, departamento do Governo sobre que recai a maior responsabilidade nas dotações orçamentais e sua distribuição.
O relato pormenorizado que consta do texto do documento em apreciação é tão claro e elucidativo, e, só por si, contém aspectos de crítica dignificante que pouco ou nada haverá a acrescentar ao seu conteúdo, tão valioso, a não ser o aplauso e louvor que ao seu autor, o ilustre Deputado Araújo Correia, é devido, pela maneira inteligente, elucidativa e criteriosa como o elaborou, dentro de uma linha de conduta a que há muito nos habituou, a continuar a merecer os maiores encómios.
Mas não que o deixar de analisar alguns aspectos da matéria que é objecto de discussão, aqueles que me parecem mais desajustados no momento e, perante algumas necessidades evidentes, a merecerem dos responsáveis actuação mais harmónica com as realidades, o sobretudo tende em vista um futuro próximo, em que se deve obviar aos inconvenientes que se apontam.
Vou referir-me, em primeiro lugar, às verbas gastas, através do Ministério das Obras Públicas, em estradas nacionais, em 1967, que totalizaram 610 374 contos, incluindo neste montante a ponte sobre o Tejo e os caminhos vicinais.
Ora, sabido que é ter sido produzida, pelo movimento rodoviário, em 1967, uma receita que excedeu 2 milhões de contos (exactamente 2 360 000 contos, sob a forma de impostos, taxas e outras imposições), o que representa cerca de 10 por cento das receitas totais do Estado, não tem qualquer justificação válida a discrepância resultante do confronto entre a dotação orçamental e a receita verificada, conhecidos que são os reflexos notórios na manutenção de uma rede rodoviária nacional que não tem acompanhado, nem de longe, as exigências de um substancial acréscimo do tráfego de veículos motorizados.
É evidente que com a orientação adoptada não se conseguem estradas em bom estado de conservação, nem se constróem novas rodovias, de que tanto se carece, a fim de se dotarem as várias regiões do País, que se espera atingirem elevada expressão económico-social, com estruturas fundamentais ao seu desenvolvimento em todos os sectores de actividade económica, muito particularmente no agrícola e industrial, a dependerem de uma circulação rápida e eficiente que facilite o escoamento dos seus produtos.
Verifica-se que o somatório dos impostos de compensação, circulação e camionagem atingiu, só por si, verba muito superior (671 913 contos) àquela que foi gasta em estradas nacionais do continente, durante o ano de 1967 (334 257 contos, sendo 216 787 contos em conservação e grande reparação, e 117 470 contos em construção), tendo as restantes receitas sido desviadas para outros fins diferentes daqueles que as originaram.
Tal orientação ainda se admitiria se as estruturas rodoviárias nacionais satisfizessem as exigências, mas acontece precisamente o contrário, pelo que haverá que ser revisto, pelo Governo, o critério adoptado, tanto mais que as carências vêm de longe, pois nem sequer se tem dado cumprimento à orientação oportunamente definida como é afirmado no relatório: «O Plano Rodoviário de 1928, reestruturado em 1946, está incompleto. E ainda há estradas do Plano de 1889 que não foram concluídas e algumas muito importantes para a economia regional e até nacional.»
Aliás, a clarividência dos factos, através das estatísticas elaboradas pela Junta Autónoma de Estradas, diz-nos que nos sucessivos anos tem aumentado extraordinàriamente o tráfego em todas as estradas nacionais: no período entre 1955 e 1965 (ano em que pela última vez foi feito o recenseamento), a percentagem média de aumento do tráfego motorizado, na rede nacional, atingiu 201 por cento, e só no período de 1960-1965 tal aumento cifrou-se em 70 por cento; que o tráfego médio diário de veículos motorizados nos postos de recenseamento foi de 146 em 1950, de 340 em 1955, de 601 em 1960 e de 1022 em 1965; e, ainda, que a previsão da evolução, no período de 1950-1980, será de 2818 veículos automóveis, em média, com maior expressão nos distritos de Aveiro, Lisboa e Porto, em que tal estimativa deve ser superior a 5000 veículos.
Ora, por ser precisamente no distrito de Aveiro, que represento nesta Assembleia, que as percentagens citadas atingem mais expressão, mormente a de aumento de tráfego médio diário no período de 1960-1965, pois cifra-se em 94 por cento, o mais elevado de todos, com tendência nítida a aumentar, mercê do constante acréscimo do seu parque automóvel, a ocupar um significativo terceiro lugar no conjunto nacional, sinto-me na obrigação de chamar a atenção da Junta Autónoma de Estradas o do Governo, por intermédio do ilustre titular do Ministério das Obras Públicas, para a urgência na revisão da posição tomada quanto à quase passividade de actuação da Direcção de Estradas do distrito, pois, nos últimos anos, naturalmente mercê da falta de atribuição de verbas, pouco ou nada tem sido feito. Durante o ano de 1967 gastaram-se em todo o distrito, em obras de conservação e grande reparação, 8885 contos, e de construção, 6593 contos, com realce para os trabalhos executados na estrada nacional n.º 1 (no troço Águeda-Albergaria-a-Velha) e na estrada n.º 327 (referente à despesa contra a erosão das águas da ria de Aveiro).
Tal actuação, num distrito que tem uma densidade rodoviária de 803 m por quilómetro quadrado, logo a seguir ao Porto (996 m) e à frente de Braga (707 m) e de Lisboa (701 m), a carecer de actuação urgente na remodelação da rede de estrada quanto a perfis transversais e
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longitudinais, a alargamentos, a rectificações, desvios e novas construções, a ligar núcleos populacionais de expressiva representação demográfica e incontestado valor económico, mormente no sector industrial, em que ocupa o terceiro lugar, foi demasiado inexpressiva, aliás, como tem sido de então para cá, o que se não coaduna ainda com a sua situação geográfica, a exigir ligações eficientes com os vizinhos distritos do Porto e Coimbra, cujas capitais representam regiões das mais expressivas do País, em todos os sectores de actividade.
Não pretendo, neste momento, citar as necessidades distritais mais em evidência neste sector tão importante de infra-estruturas, absolutamente imprescindíveis ao progresso da região e do País, pois já o fiz em intervenções anteriores nesta Assembleia.
Quero sómente chamar à atenção para a problemática resultante da não actuação em pressa, em tão importante sector do Ministério das Obras Públicas, a Junta Autónoma de Estradas, a braços, para além das evidentes carências financeiras, a lutar também com evidentes insuficiências de técnicos e de mão-de-obra que, a acrescer às primeiras, dificultam a esforçada actuação dos responsáveis pela orientação do departamento em causa. A não se modificar a orientação dos últimos anos, continuar-se-á a contribuir para o lento progresso da economia nacional, com todos os inconvenientes que de tal estado de coisas advém.
Passarei agora a analisar, ainda dentro do importante departamento do Ministério das Obras Públicas - a Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização -, as verbas gastas durante os vinte e três anos que precederam 1967, na metrópole e ilhas adjacentes, em estradas municipais e caminhos públicos (1 673 231 contos), redes de esgotos domésticos e pluviais (194 342 contos) e abastecimento de água (981 456 contos), aquelas que considero mais importantes e mais expressivas, pois se pretende valorizar, com estruturas fundamentais à sua promoção e elevação social, as populações mais modestas de núcleos, a carecerem ainda de uma actuação em maior profundidade, mormente dos meios rurais, já por si diminuídas por factores ligados à contingência do tempo e inerentes a uma actividade nem sempre compensadora de uma elevação do nível de vida, sobretudo as ligadas ao sector primário da economia nacional - agricultura.
Realmente, tudo quanto se puder fazer no sentido de se levar até às áreas mais afastadas dos núcleos urbanos mais evoluídos melhoramentos do tipo que citei, em maior quantidade, tem inteiro aplauso de quem, como eu, tem obrigação de conhecer as necessidades mais elementares de tais zonas menos favorecidas. Eis por que não só aplaudo inteiramente as verbas despendidas, como até formulo o melhor dos votos, mais, que se tornem mais expressivas, futuramente, dentro de uma verdadeira justiça distributiva.
Haverá, para que tal actuação seja válida, que o Estado e os municípios, em conjunta cooperação de esforços, pois as câmaras municipais, mercê das limitadas receitas e encargos a que legalmente estão sujeitas, não podem, só por si, resolver todos os problemas que se lhes deparam neste sector de actuação, procurem melhorar as dotações orçamentais, tendo em vista o fim apontado.
Torna-se absolutamente necessário, dentro deste princípio, que as comparticipações e os subsídios estatais sejam de molde a uma programação e actuação municipal em mais larga escala, de maneira a recuperar o tempo perdido, mercê de carências há muito existentes e a que se vão acrescentando outras, numa sequência de ritmo incontrolável.
Mas, se o binário Estado-município se torna imprescindível quanto a actuação válida na melhoria das comunicações por estradas e caminhos municipais, muito especialmente nas áreas periféricas e rurais dos grandes aglomerados urbanos, mais ainda se fará notar quando se pretende dotar as populações com meios que melhorem a sua salubridade, através do aumento da rede de água abastecedora ao domicílio e de esgotos domésticos e pluviais, pois de tais estruturas, amplamente a disseminar, resultará modo de vida compatível com a dignificação humana.
Eis por que entendo que devem atender-se com solicitude todos os pedidos fundamentados das populações, tanto mais que lhes caberá, futuramente, quota-parte de comparticipações nas despesas de instalação e de conservação.
Aliás, acresce o facto de que com, as modernas tendências urbanísticas com que se pretende valorizar os aglomerados urbanos, e até rurais, tem relevância especial considerar se antecipadamente, e a permitir tal directriz, a dotação, com os requisitos apontados, dos vários núcleos populacionais com um mínimo de condições de vida higiénica, o que só se conseguirá com o imprescindível saneamento e abastecimento de água.
Sabe-se que, de facto, tais investimentos são bastante onerosos, mas a possibilidade de fasamento e a reprodutividade do serviço poderão, de certo modo, numa continuidade de acção, permitir uma extensão gradual de tão importantes estruturas.
Mas sucede, muitas vezes, e não posso deixar de evidenciar o que a verificação dos factos vividos me tem ensinado que certos melhoramentos deste tipo não têm a sua execução rápida, mercê da morosidade, eu diria melhor, da pachorrenta morosidade de que os processos respectivos das obras pretendidas são alvo até ao despacho final favorável, com todos os inconvenientes, desde o aumento gradual do seu custo até, quantas vezes, à desactualização do projecto. E, se tal acontece, fica-se devendo, essencialmente, à burocracia de que teimosamente enfermam os serviços, para além da escassez realista de técnicos, motivada pela insuficiência de remunerações, que se debrucem atentamente sobre os processos que lhes são confiados, de molde a dar prestreza à informação que habilita os escalões superiores a decidir com fundamento. Não é raro assistir-se, apreensivamente, à marcha penosa de determinado projecto de uma obra, que se aspira concretizar a curto prazo, seguir os seus termos através dos vários escalões, com paragens bem demoradas, até que, uma vez considerado em forma, possa ser autorizada a sua inclusão em plano e subsequente execução. Geralmente começa a peregrinação na câmara municipal interessada, passa depois à direcção de urbanização do distrito, depois ao serviço superior respectivo da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização a que se destina, seguidamente ao director-geral, às vezes ao Conselho Superior de Obras Públicas e, finalmente, ao Ministro, com todas as paragens intermédias e dependentes das apreciações pelos técnicos, sómente perturbada pelo mendigar constante dos responsáveis, os presidentes das câmaras, que, sendo alvo directo da atenção das populações interessadas, arcam como todo o odioso de uma maquinação em que não estão envolvidos se não com o manifesto interesse na solução de problemas que estão sob sua alçada administrativa e que querem firmemente sejam resolvidos. Sucede tantas e tantas vezes que se perdem largos meses e, até, largos anos (e há exemplos bastantes a comprovar esta afirmação) na solução de problemas que em poucos dias poderiam ter o adequado seguimento se a centralização dos serviços, mal equipados em nu-
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mero de tecnicos qualificados, mercê da sua escassez e, fundamentalmente, devido às insuficientes remunerações, desse lugar a uma descentralização simplificativa, a cargo de organismos de actuação distrital dentro de um sector mais limitado e, como tal, mais eficiente no tempo e até na precisão da informação, por mais facilmente conhecida. Pois se há direcções do distrito, a apetrechar também devidamente com pessoal técnico adequado e meios, que podem e devem conhecer mais de perto as carências e necessidades que lhes são postas à consideração, porque se não lhes dá mais poderes que permitam uma relativa independência nos seus pareceres e nas suas decisões, particularmente naquelas que dizem respeito a implicações técnicas?
Compreende-se facilmente que as actuais deficiências nos serviços centrais não cabem, em responsabilidade, ao director-geral, pois sabe-se bem o quanto se esforça e multiplica, até com sacrifício pessoal, a compensar as falhas da burocracia, mas sim à falta de colaboradores que possam dar o adequado andamento ao sem-número de processos sobre que têm de se debruçar e dar parecer dentro dos quadros da organização. Se assim é, haverá que alterar a orgânica dos serviços, haverá que reformar as disposições legais vigentes, no sentido de se obter a tão proclamada descentralização administrativa, com todos os seus salutares benefícios que de tal atitude resultará.
Mas, apesar de todas estas dificuldades, por de mais conhecidas na sua essência e nefastas consequências, a que estão alheios os homens no seu estoicismo de louvar e enaltecer, pois antes está em causa uma deficiente organização, a remodelar totalmente, ainda assim, no meu distrito, despenderam-se, nos vinte e três anos que precederam o de 1967, quantias significativas em estradas municipais e caminhos públicos (89 508 contos), em redes de esgotos domésticos e pluviais (11 022 contos) e em abastecimentos de água (41 432 contos), se bem que muito há a fazer ainda nestes sectores de actuação municipal e estatal, de molde a atingir a expressão compatível com as exigências actuais e previsões que se adivinham fácilmente.
No entanto, é de salientar o esforço feito pelo Estado, directa ou indirectamente, no sentido de dotar todos os distritos do País com melhoramentos deste tipo, com relevância, nos tempos últimos, para os abastecimentos de água e obras de saneamento, que nos últimos vinte e três anos atingiram, em investimentos, 1 251 661 contos.
Ainda, e no cumprimento da intenção formulada no início das minhas considerações, que propositadamente quero encerrar como comecei, dentro da esfera de acção do Ministério das Obras Públicas, se bem que sob dependência também de outro Ministério, o das Comunicações (aliás, diga-se, de passagem, que esta dupla dependência se não compreende bem), quero referir algumas notas sobre o que se passou no ano de 1967 no que respeita a receitas e investimentos em portos nacionais, e muito particularmente no porto de Aveiro, ainda sem atingir aquela expressão que se deseja, de molde a servir adequadamente a região que domina e o seu primordial papel de relevo a desempenhar em futuro próximo, acção complementar indispensável do de Leixões, que está prestes a atingir a saturação, como é tão frequentemente afirmado.
Realmente, verifica-se que as receitas consignadas a portos subiram 1875 contos, diferenças de 42694 contos, em 1966, para 44 569 contos, em 1967, distribuídas pelos chamados portos secundários (pois os de Lisboa e Douro e Leixões são considerados à parte), e que cabe precisamente ao porto de Aveiro a posição mais saliente pelo progresso sensível na sua receita, que apresenta em 1967, a mais que em 1966, 2104 contos, diferença entre 10 834 e 8730 contos, ao passo que nos restantes houve insignificantes aumentos ou até declínio, traduzido em baixas sensíveis, a denotarem diminuição de tráfego. Tal facto, a evidenciar as francas possibilidades do porto de Aveiro, apesar de não ter ainda em funcionamento o seu cais comercial, recentemente concluído, mas sem as restantes obras imprescindíveis para o seu funcionamento, como sejam as dragagens do canal e das bacias de manobra, para além do seu apetrechamento, com material adequado, já não falando nas obras da barra, quer significar que as solicitações para a sua utilização são cada vez em maior número, o que denota confiança, por parte dos seus utentes, nas perspectivas que lhe estão reservadas, e nem se poderia concluir de outra maneira, sabendo-se das suas características e situação geográfica, a servir não só o hinterland nortenho, como foi dito, mas até a drenagem de produtos provenientes das Beiras e do próprio distrito de Aveiro, tão valorizado pelas numerosas indústrias que nele se localizam; isto só para referir o sector portuário menos favorecido, pois, enquanto se não concluem as arrastadas obras em curso da zona comercial, é no porto bacalhoeiro, com improvisação, a demonstrar nítida actuação de relevo por parte da administração portuária local, que se faz a crescente movimentação das mercadorias que entram no porto ou dele saem.
Eis por que os investimentos em obras feitos neste porto em 1967, da ordem dos 6301 contos (e note-se que foi excepcional, pois tal verba foi destinada precisamente ao cais comercial), são insuficientes para um arranque rápido, quando se pretende uma exploração imediata e crescente que venha a dar o rendimento positivo que se espera, o que se traduz em valorização a contribuir para a economia local e, consequentemente, nacional.
Com estas simples citações, pois poderia dizer-se muito mais a tal respeito, quero pôr em evidência a necessidade que há em se definir uma política portuária válida e eficiente, investindo por uma só vez e depressa naqueles portos que se prestam a uma exploração mais rentável os fundos suficientes em obras que os tornem realidades adaptáveis às necessidades dentro de um planeamento perfeito e devidamente fundamentado.
Tal política, a definir pelo Ministério das Comunicações, deveria ser acompanhada pelo Ministério das Obras Públicas, com as dotações suficientes para a realização das obras imprescindíveis a tal finalidade; ou então, e, preferentemente, tudo o que se relacionasse com portos estivesse sob a alçada de um único Ministério, e tudo indica que fosse só do primeiro que acabei de citar.
Sr. Presidente: Resumindo, e a finalizar, dentro do limitado quadro que me propus tratar, analisando o que Se fez em 1967, por intermédio do Estado, nos sectores considerados, e na sequência das observações formuladas, atrevo-me a sugerir ao Governo as seguintes medidas:
Necessidade absoluta de dotar o País com uma rede de estradas que sirva suficientemente os seus utentes, com a aplicação da maior parte dos fundos que resultam da sua exploração, sem desfasamento das dotações orçamentais; continuação do desenvolvimento e incremento das obras a levar a cabo nas estradas municipais e caminhos públicos, e ainda do estabelecimento das necessárias redes de saneamento e abastecimento de água das populações, alteração profunda da máquina administrativa imperrativa da normal sequência dos processos das obras mencionadas, acabando-se com sérios atrasos e insuficiências notórias de muitos serviços, com todas as suas perniciosas implicações;
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Definição de uma política portuária nacional de investimentos nos portos de maior possibilidade de arranque imediato, e, dentro destes, com relevo para o porto de Aveiro, pelas possibilidades já demonstradas e a desenvolver e pelo seu papel de porto de apoio do principal porto do Norte do País - o de Leixões.
Termino, dando o meu voto de plena confiança à Administração Central, que permitiu os resultados clarividentemente dados a conhecer através do importante diploma que merece aceitação no seu contexto geral, e ainda manifestando esperança no futuro que já decorre, a integrar-se na linha de rumo traçada, e a tirar partido da experiência vivida e das suas ilações, visando alcançar sempre os supremos ideais da grande Nação Portuguesa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Nunes Mexia: - Sr. Presidente: Ao intervir no debate sobre as contas gerais do Estado, não posso deixar de traduzir a minha satisfação pelo optimismo que, no início do douto parecer, vem bem expresso.
De facto, diz-se que os resultados permitiram um melhor equilíbrio da vida política e económica do que nos anos anteriores, que o produto nacional recuperou a quebra-grave de 1966 e que a balança de pagamentos da zona do escudo fechou com um saldo positivo para além de todas as previsões.
Estas afirmações, que, no fundo, são a conclusão lógica de uma profunda análise das contas públicas a que a Comissão procedeu, vêm acompanhadas de extensas considerações que nos chamam a atenção para um sem-número de problemas da vida nacional.
Pena é que o pouco tempo que sempre medeia entre a publicação destes dados e o debate nesta Assembleia não permita avaliar em toda a sua extensão o muito sobre que nos temos ou devemos pronunciar, pois penso que é na análise dos resultados conseguidos e na apreciação dos caminhos trilhados que podemos colher os ensinamentos para a acção futura, campo em que nenhum deve deixar de trazer a sua, mesmo que modesta, colaboração.
Só a forma como esta complicada matéria nos é apresentada, seu arrumo, clarificação e classificação dos diferentes problemas, permite, pelo menos no meu caso, e creio também no daqueles que como eu não têm uma especialização financeira, compreender e avaliar no seu todo o que nos é traduzido pelos números.
Não posso, pois, deixar de referir aqui os meus agradecimentos a toda a Comissão que se encarregou deste parecer e, de uma forma especial, ao Sr. Engenheiro Araújo Correia, que de há anos vem sendo o principal esteio desta orientação.
A mim, chamam-me principalmente a atenção as considerações produzidas sobre a actividade agrícola.
Logo na introdução se diz:
A actividade agrícola é uma actividade primária, basilar na integridade política dos povos.
Não pode esta afirmação deixar de calar fundo em todos aqueles que trabalham nos campos, dando-lhes um sentido da importância da sua missão tantas vezes mal compreendida e até depreciada perante as outras actividades, o que muito tem contribuído para a criação de um clima que se vem traduzindo, quer pelo pouco interesse manifestado no estudo das técnicas da agricultura e reflectido pela baixa frequência dos cursos agrícolas a todos os níveis, quer também na fuga da vida agrícola de muitos dos mais aptos.
É da máxima importância este reconhecimento da verdadeira dimensão do valor do sector no âmbito do complexo nacional, o que não pode deixar de produzir bons frutos, quer pelo estímulo que sempre se cria, quando se vê considerada a importância do trabalho que se produz, quer pelo sentido de responsabilidade que assim se incute, factor importante nesta hora em que a Nação precisa de mobilizar todos os seus recursos, para que possa vencer não só a guerra que nos é imposta, como também para incrementar o progresso económico e social.
O relevo do sector é manifesto quando se verifica a sua incidência no produto interno bruto. A grande amplitude de oscilação da taxa de crescimento verificada de 1966 para 1967 deve-se quase exclusivamente ao produto agrícola, falando os números por si. A preços constantes: de 1963, eram as taxas representadas pelo índice 3,2 em 1966 e passaram para 7,3 em 1967. Se nos reportarmos aos números, mais ressalta a contribuição do sector. Em 1967 a agricultura e silvicultura contribuíram para o produto interno com 17 635 000 contos, a preços de 1963. Considerando preços constantes, o contributo passa a ser representado por 22 471 000 contos, cabendo a verba principal, de 19 426 000 contos, à agricultura e sendo nesta que se notou a evolução, pois a silvicultura apresenta um pequeno aumento, podendo mesmo dentro da relatividade dos números considerar-se praticamente uma estagnação neste ramo.
Igualmente, através dos valores da exportação, podemos tirar conclusões quanto à importância do sector na vida do País, mas creio não ser necessário, pois são por de mais conhecidos os valores de exportação traduzidos pela cortiça, vinhos, madeiras, etc.
Só queria aqui deixar uma pequena nota quanto à celulose e aos concentrados de tomate.
Aparecem como, valores positivos das indústrias transformadoras, e não há dúvida de que assim deve ser; mas não podemos esquecer que, no fundo, só são possíveis ritmos de crescimento, como os conseguidos nas massas de tomate e seu concentrado, que, a manterem-se, em breve farão destes produtos uma das nossas primeiras exportações, pela pronta, resposta dada pela lavoura na instalação de uma cultura a que viu asseguradas as condições necessárias de escoamento e rentabilidade.
Se hoje se mostra algum retraimento quanto ao povoamento florestal, base para a celulose, é porque certamente há dúvidas ou não estão asseguradas as necessárias condições à produção. Não quero embrenhar-me agora neste assunto, até porque recordo o que já aqui tem sido dito, mas só formulo uma pergunta: estará certa a quota-parte do benefício que toca à produção no ciclo total da celulose?
Neste e noutros factos, a que à frente aludirei, reside a razão de ser do retraimento apontado.
Referi estes dois casos das indústrias transformadoras dos concentrados de tomate e da celulose, porque, no fundo, grande parte dos altos valores que já hoje traduzem para o País não podem deixar de ser também creditados à actuação da agricultura.
Sr. Presidente: Se do que fica dito, embora muito resumidamente, já se pode ter uma ideia do que de positivo traduzem as contas quanto ao sector em apreciação, convirá continuar a análise dos números para vermos que outras conclusões podemos tirar.
Assim, numa apreciação do que se passa no campo das importações, somos postos perante o facto de um crescimento, mas a ritmo inferior ao dos anos anteriores. Um aumento que se cifra à volta de 1 milhão de contos, contra 2 853 OCO contos no ano anterior. Verifica-se que, em grande parte a melhoria se deve à maior produção cerea-
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lífera, mas que continuamos com grande volume de importações de bens alimentares. Salientam-se os cereais, a carne e os óleos vegetais, sendo conveniente ter em atenção que o valor da importação destes produtos custou ao País mais de 1 800 000 contos.
O problema que daqui advém é não só o dos pagamentos, porque também interfere com a própria segurança interna - não esqueçamos a citação feita logo no início desta exposição.
Julgo que convirá aqui fazer uma paragem na apreciação dos dados postos à nossa disposição, para vermos se o que se passa na evolução actual do sector tenderá a levar à solução destes graves problemas de carências.
Parto do princípio que todos temos bem presente a situação crítica a que a lavoura tinha chegado por volta de 1964, depois do sucessivo agravar do problema a partir de anos anteriores. Muitos de nós não poucas vezes trouxemos o assunto a esta tribuna.
Não interessa recordar pormenores, e só faço esta citação porque no fundo, é necessário ter estes factos presentes para podermos avaliar a situação actual. Há consequências deste longo arrastar de uma crise que não podem deixai de ainda hoje produzir os seus nefastos reflexos.
Só não o compreende quem também nunca percebeu como foi possível aguentar ano após ano a crise.
Quantas vezes vimos o ar irónico daqueles que não aceitavam ser possível a sobrevivência de uma actividade que sofria dos deficits que se apontam.
E, contudo, a explicação é fácil.
Basta lembrarmo-nos que a relação entre o valor do capital base de uma empresa agrícola (terra, gado, alfaias, etc.) e o da sua produção anual é muito grande. Assim, esse aguentar traduz-se por uma hipoteca sobre o capital base, que dá para alguns anos. É um fenómeno um pouco contrário do que sucede na indústria, onde, muitas vezes, a produção anual tem valor superior ao do capital base, e basta um ou dois anos maus para se ser conduzido à falência.
Esta explicação deve ser retida, pois a dívida que se foi constituindo tem sido um elemento que dificulta o arranque e retarda a resposta do sector. Tanto mais que, também nesta frase inversa, o fenómeno é lento, não sendo possíveis grandes recuperações a curto prazo. Esta, uma das razões por que, apesar dos esforços ultimamente feitos, nos encontramos ainda com dificuldades graves no sector.
Numa análise um pouco mais circunstanciada, não podemos deixar de reconhecer que há hoje, a par de uma verdadeira renovação em vários campos, outras em que, por causas verias, ainda não se conseguiu vencer a crise.
Não podemos deixar de ter em conta que no pós-guerra toda a agricultura europeia se encontrou a braços com problemas de adaptabilidade que se arrastam até aos nossos dias. Necessariamente, também estes problemas nos têm afectado, e tanto mais quanto é certo que a crise atrás referida nos tinha conduzido a uma situação tal que a lavoura já duvidava mesmo dos seus próprios destinos.
No relatório do III Plano de Fomento e no próprio parecer da Câmara Corporativa reconheceu-se que a situação era complexa e que só por uma acção governamental de conjunto se poderia conduzir o sector agrícola ao nível que se impõe. Mas nem sempre se verifica esta acção de conjunto, havendo mesmo factores determinantes do desenvolvimento, apontados e muito debatidos aquando da discussão da proposta de lei relativa à elaboração e execução do III Plano de Fomento, que de forma alguma parece terem sido tomados na devida consideração.
Se, por um lado, a partir de 1965, tem sido mantida uma coerênte política agrícola, princípio indispensável para restabelecer a confiança, e foram atendidas muitas das justas recriminações da lavoura e resolvidos pontos-chaves para a sua recuperação e desenvolvimento, também, por outro, nunca ela deixou de corresponder, na medida em que lhes iam sendo criadas as condições necessárias de rentabilidade e se lhe facultavam meios de acção.
Começou por ser revisto o problema das carnes através da publicação de um despacho sobre fomento pecuário. Caminho certo, não só porque era um dos campos em que praticamente toda a produção de norte a sul do País era atingida, como também porque a carência do produto se vinha acentuando a passos largos. A resposta não se fez esperar, podendo mesmo considerar-se notável, se atendermos a que muitos dos nossos efectivos se encontravam em parte reduzidos, pela necessidade que houve em realizar capitais para poder persistir.
Em 1964 produzimos 33 000 t de carne de bovino adulto e em 1968 passámos das 60 000 t. Se ponderarmos que a taxa média de crescimento de abate de bovinos adultos no último decénio se situou à volta de 9 por cento, mantida quantas vezes à custa do desfazer de efectivos, e que a média do último quadriénio é 158 por cento superior à do anterior, coincidindo ainda com um notável aumento de efectivos, já temos um pouco a noção do que se tem progredido.
As medidas há pouco publicadas sobre esta matéria vêm dar continuidade de acção, actualizando as garantias e alargando-as praticamente a todas as espécies pecuárias, para que assim se acelere a produção de um produto - as carnes - em que somos tão deficitários, e, simultaneamente, procuram criar um condicionalismo em que todos, pequenos e grandes produtores, possam ter acesso aos benefícios estabelecidos.
A lavoura, através da sua organização corporativa, é chamada a colaborar na solução preconizada, com vista a conseguir-se uma efectivação conveniente e uma forma de actuação que melhor se adapte às características de cada região.
Muito há a esperar deste novo impulso, e ao lamentamos que as infra-estruturas indispensáveis para que se possa actuar neste sector com inteiro à vontade ainda se encontrem numa fase elementar. Faltam matadouros bem dimensionados, rede de frio, mas estamos certos de que os meios necessários à constituição destas infra-estruturas não faltarão, para que não se venha a perder o esforço em que todos já estamos empenhados.
Dentro desta linha de acção, foi definida a política do leite, e logo a sua produção sobe a um ritmo francamente notável, aumentando num só ano cerca de 20 por cento, principalmente no leite de qualidade. Aqui, por vezes, a montagem de infra-estruturas não tem conseguido acompanhar a velocidade requerida pela produção, e em alguns casos tem constituído uma travão para um ainda mais rápido aumento.
Não foi esquecido o caso da cerealicultura, tendo-se publicado um regime cerealífero em que foi dada resposta a pedidos insistentes da lavoura, pois pela primeira vez é plurianual e se introduzem factores de compensação que actuam nos anos de más produções. As medidas tomadas neste campo em anos seguintes, no que respeita à cevada dística, cevada vulgar e aveia, dando àquela preços rentáveis e a estas garantias de preços mínimos, vieram completar o quadro do regime cerealífero. Também neste campo não deixou a lavoura de corresponder, aperfeiçoando técnicas de cultivo que lhe permitiram aumentar a produção à tendência de 27 600 t anuais, embora reduzisse a área do cultura à taxa de 39 500 ha desde 1963. Esta redução de área, aliás, impunha-se, não só
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pela fraca rentabilidade de grande parte desses solos, como, noutros casos, por exigências das técnicas modernas.
Não vou continuar uma análise pormenorizada da política agrícola seguida nestes últimos três anos nem referir as alterações e orientações que vêm sendo tomadas sobre quase todos os produtos da agricultura, desde o vinho ao milho, desde o centeio ao arroz; estes exemplos que aqui deixo registados, já hoje pelos resultados, ilustram bem o acerto da orientação definida pelo actual responsável da pasta da Economia.
Tal política não pode deixar de trazer um contributo fortemente positivo para a solução da crise, e creio que através dos exemplos que apontei ressalta que igualmente se tem em vista levar a lavoura a maiores produções daqueles produtos que tanto pesam na nossa quota de importação, sendo ainda de salientar neste campo a política dos óleos há pouco definida, que, além de nos poder aproximar da auto-suficiência, vem possibilitar à lavoura novas culturas, cuja rentabilidade parece assegurada.
Contudo, embora o resultado das medidas tomadas já hoje tenha forte expressão, não era possível em tão curto espaço de tempo encontrarmo-nos já refeitos das brechas do passado; para isso, impõe-se continuidade na acção e disponibilidades maiores para a execução da política traçada, e isto quer da parte do Governo, como da lavoura, tanto mais que o interesse do País - as contas o mostram - exige que o ritmo se acelere, e é preciso ir fazendo frente aos novos problemas que vão surgindo.
Cito, como exemplo, dois casos:
Um, o resultante do contínuo subir do salário rural que a lavoura sempre desejou igualar aos das outras actividades, mas que cria também problemas, porque, não havendo acréscimo paralelo de produtividade, força a um contínuo elevar dos preços de custo, anulando-se assim, muitas vezes e em grande parte, medidas tomadas no intuito de defender a mesma lavoura. Neste facto encontramos a explicação para o problema grave que hoje existe quanto a algumas culturas e mesmo para determinadas empresas, em que não é possível uma mecanização económicamente viável;
Um outro problema que hoje se nos depara resulta dos novos condicionalismos das técnicas de produção, que fazem com que haja muitas explorações que não têm dimensão rentável e não se encontram, pois, em situação de poderem dar resposta ou sequer aproveitar as medidas tomadas. No próprio parecer sobre as contas gerais do Estado se afirmou que esta falta de dimensão é um dos grandes problemas nacionais que afecta os rendimentos agrícolas e torna impossível uma exploração eficiente.
Estes dois problemas, tal como outros que podíamos apresentar, no fundo, não podem encontrar solução no âmbito restrito do sector agrícola. De facto, se nos debruçarmos um pouco sobre o primeiro caso apresentado, veremos que ressaltam dois aspectos. Por um lado, um agravamento de despesa resultante do aumento de salário; por outro, esse agravamento é efectivo, porque não há correspondente aumento de produtividade de trabalho, logo, não pode deixar de se repercutir nos custos finais. Aparece-nos, pois, como solução mais fácil para este caso a de uma subida de preços, que, no fundo, já é um problema de política geral, ou então seria necessário criar-se uma maior rentabilidade ao trabalho. Mas isto só pode conseguir-se pela criação de uma mentalidade diferente ou, em muitos casos, por uma melhor preparação profissional do trabalhador.
Tanto num caso como noutro, como dizíamos, a solução não pode encontrar-se no sector agrícola. Trata-se, pois, do tipo de problemas que afectam o sector, mas só encontram solução fora dele, exigindo, para que se possam resolver, uma forte, bem estruturada e persistente acção de conjunto do Estado através de todos os meios ao seu alcance, como se apontava na primeira conclusão do parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto do III Plano de Fomento.
Estamos naquele campo que atrás referi quanto a factores determinantes do desenvolvimento que não me parecem tomados na devida consideração. Julgo importante vermos se da análise das contas em apreciação podemos tirar algumas conclusões sobre estes casos.
Como dentro da sequência do que vínhamos expondo fomos levados a questões de mentalização e de formação profissional, ou, por outras palavras, problemas de ensino, comecemos por ver o que se passa neste campo.
Verificamos que as despesas com o ensino agrícola andam por 18 500 contos, verba que se destina a fazer face às necessidades do Instituto Superior de Agronomia, três escolas de ensino agrícola médio e uma de ensino agrícola elementar. Há ainda uma escola de medicina veterinária, em que se gastaram 3268 contos. Temos, assim, 21 768 contos de despesa na preparação técnica a nível superior, médio e elementar dos que se destinam aos trabalhos do campo. Não faço comentários, só lembro que os investimentos mais reprodutivos são os do ensino. Também não posso deixar de chamar a atenção para o número de estabelecimentos de ensino agrícola de que dispomos, pois julgo indispensável a criação de mais alguns, convenientemente localizados, para que possam facilitar a sua frequência aos que vivem nos meios rurais, pois estou certo que assim se atrairiam mais alunos a uma formação em que somos tão deficitários.
Vejamos agora o que se passa no campo das comunicações e transportes, outro dos determinantes do desenvolvimento que achamos postos em causa.
Julgo não ser necessário mais do que a seguinte citação, extraída do parecer que analisamos, para justificar a questão posta:
Parte dos atrasos agrícolas em muitas terras derivava, e ainda deriva, da falta de comunicações. Se não é possível evacuar para os centros de consumo os produtos da terra, porque produzi-los? O caso da riqueza florestal em muitas regiões - do pinheiro e agora do eucalipto - é um exemplo.
Sem infra-estruturas não se pode evoluir; muitas das possibilidades de desenvolvimento agrícola estão dependentes de um fácil a barato meio de transporte.
Alguma coisa também haveria a dizer quanto às complicações e encargos criados sobre os transportes, mas é um assunto já tantas vezes tratado aqui nesta Assembleia, que julgo não ser necessário fazer mais referências.
Tal como o ensino, este problema das comunicações e transportes precisa de ser revisto e aceleradas as soluções, para que não continue sendo um entrave ao desenvolvimento da agricultura.
Podíamos também apreciar o que se passa no sector do desenvolvimento regional ou no capítulo dos melhoramentos rurais ou ainda no crédito agrícola que as conclusões não seriam diferentes das anteriores.
São mais alguns daqueles pontos que, pelos seus reflexos, são verdadeiros factores determinantes do desenvolvimento agrícola que urge ter na devida consideração. Principalmente, quanto ao último, o crédito agrícola, impõe-se a sua rápida estruturação em novos moldes, pois
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no momento presente é já um dos grandes entraves no investimento na agricultura.
Sr. Presidente: Antes de terminar, gostaria ainda de trazer perante V. Ex.ª mais um caso em que a apreciação das contas em discussão nos poderá ajudar e ver com mais clareza, que nem sempre existe aquela coordenação de esforços e acção de conjunto que se impõe. Julgo que no que ficou dito para trás já é suficientemente claro que um dos males que afecta o sector agrícola é a falta de capacidade de investimento e que grande parte dos esforços feitos pelo Governo para vencer a crise agrícola tem justamente vir do suprir esta falta e também procurando aumentar-lhe a sua rentabilidade para que o sector possa começar a ter disponibilidades que lhe permitam, a si mesmo, enfrentar as necessidades de capital que as transformações culturais impõem.
Como perceber então que o mesmo Governo, por outro lado, tenha uma actuação que no fundo leva a invalidar parto daquilo e a que se mostra tão empenhado. Refiro-me ao que se passa no campo das contribuições e impostos, e que não poucas vezes tem contribuído para criar insegurança e dúvidas que em nada favorecem o clima de confiança que tanto tem custado a restabelecer. Assim, o dizer-se que a contribuição rústica é a mais baixa estabelece a confusão, porque, se é uma verdade que a taxa que determina a verba principal é a menor, esta, com a adição dos adicionais obrigatórios e mais as quotas pagas às Casas do Povo, origina já um encargo total obrigatório que ultrapassa de largo os encargos totais que pesam sobre a parte urbano.
De facto, considerando que a quota a pagar à Casa do Povo se pode calcular em média como sendo de 5 por cento do rendimento colectável, teremos, no fundo, as seguintes taxas anuais, excluindo as «derramas» variáveis de concelho para concelho, mas que não poupam a parte rústica:
Parte urbana- 14,52 por cento;
Parte rustica - 18,90 por cento;
o que bem prova o que ficou dito.
Há ainda um facto que francamente não percebemos. A quota obrigatória a pagar à Casa do Povo não é descontada no imposto complementar, quando as quotizações, facultativas para instituições de previdência, ou os donativos, igualmente facultativos, a favor de pessoas colectivas de utilidade publica administrativa, museus, bibliotecas, escolas, institutos e associações de ensino ou de educação, de cultura científica, literária ou artística e de caridade, assistência ou beneficência, são todas elas deduzíveis do imposto, embora até determinados limites. Não podemos deixar de apoiar as disposições legais atrás citadas - alíneas a) e c) do artigo 30.º do Código do Imposto Complementar -, mas não podemos compreender como se encontra excluída uma quota cujo fim é a previdência e beneficência, e para mais obrigatória.
Julgamos até que seria muito útil, para evitar esta e outras confusões, que todas as contribuições e quotizações obrigatórias fossem englobadas num conhecimento único.
Outro aspecto que levanta reparo, pois mostra um verdadeiro antagonismo na acção, é o de se aumentar a cobrança sobre uma actividade que se reconhece estar em crise, não podendo deixar de se atrasar assim o seu desenvolvimento, que, aliás, o mesmo Governo, por outro lado, procura incentivar de todos os modos, mesmo através de subsídios, que muitas vezes são aplicados, em grande parte, a pagar novos impostos. Para mais, nem os critérios usados para a determinação destes aumentos parecem assentar em base segura de uma boa justiça fiscal.
Sabendo nós que há no País concelhos já sujeitos a regime cadastral e outros que não estão e que se procurou através de uma actualização das matrizes não cadastrais compensar as diferenças de rendimento colectável, vejamos um exemplo, donde se poderá facilmente concluir que não se obteve a justiça procurada.
Consideremos o concelho de Torres Vedras. Aplicando a doutrina do Decreto-Lei n.º 45 104, de 1 de Julho de 1963, o seu rendimento colectável sofreria um aumento de 220 por cento, mas como, entretanto, foi sujeito ao regime cadastral, sofreu um aumento de 600 por cento.
Não faço comentários quanto aos aumentos em face da crise reconhecida, mas não posso deixar de lembrar que, com maior ou menor amplitude, a injustiça patente no exemplo anterior se verifica em todos os concelhos cadastrados, e isto não pode deixar de ser um factor negativo.
Outro caso frisante é o que se passa quanto aos montados de azinho. Para vermos a razão dos clamores que de há tempo levanta este problema basta citar que o cadastro continua, imperturbavelmente, subindo o rendimento líquido do azinhal, apesar de as lenhas terem, praticamente, deixado de ter valor, de a produção da bolota ser cada vez menor por acção dos parasitas (Burgo) e, de se engordarem cada vez menos porcos por causa da peste suína africana (cerca de 120 000, em média anual, de 1954 a 1962 e cerca de 22 000, anualmente, de 1963 para cá).
E consegue isto, apesar de valorizar a carne de porco por um preço notavelmente baixo, 12$ por quilograma, quando o Ministério da Economia, com o evidente propósito de desfomentar a exploração do porco ibérico, fixou o preço de 15$ por quilograma. Estes 15$ são, portanto, na melhor das hipóteses, o preço de custo, mas o cadastro cifra-o em 3$96 por quilograma, pelo menos é o que resulta da análise dos números globais dos primeiros dez concelhos em regime de cadastro a preços actuais. De facto, o rendimento bruto da carne produzida pelo azinhal dos dez concelhos, segundo o cadastro, é de 24 260 contos e o rendimento líquido que as mesmas contas apresentam é de 16 259 contos, pelo que os custos são apenas 33 por cento do rendimento bruto, e como este é de 12$ por quilograma, aqueles são necessariamente os 3$96 por quilograma.
Como já se depreende facilmente, têm mais que razão os clamores crescentes da lavoura, tanto mais que aos factos apontados acresce ainda o de no solo subjacente, também tributado, não ser igualmente possível realizar os rendimentos calculados, porque na maioria dós casos não é económica a sua cultura, a ponto de o próprio Governo aconselhar que esses terrenos sejam apenas utilizados na produção de forragens.
Sendo o problema do azinhal igual em Portugal e Espanha, o facto de neste país, logo que eclodiu a peste suína africana, se terem isentado os montados das regiões onde eclodiu o surto epidémico de qualquer colecta, naturalmente porque se reconheceu que deixou de existir rendimento, vem confirmar ainda mais a razão das queixas apresentadas. Entre nós, julgo que seria da máxima conveniência seguir caminho idêntico ao do país vizinho, ou, pelo menos, rever o problema com base nas realidades actuais, para, em mais um ponto, se mostrar coerência de acção na resolução da crise agrícola, tanto mais que esta quebra de rendimento se vem processando desde 1962-1963.
Feitas estas considerações que me surgiram como resultado da apreciação das contas públicas, termino, Sr. Presidente, dando a minha aprovação na generalidade às contas que nos são presentes e manifestando
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a esperança que sejam tidas em conta estas e outras observações, tantas vezes aqui feitas, para que o sector agrícola possa, no mais curto prazo de tempo possível, vir a ocupar aquele lugar que se impõe.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Ernesto Lacerda: - Sr. Presidente: O equilíbrio do orçamento e das contas, a solidez da moeda e a estabilidade financeira interna e externa constituem valores que importa salvaguardar, e que desde há quarenta anos inspiram inalteràvelmente a acção do Governo.
Esta linha essencial permanece válida, como foi salientado pelo Sr. Presidente do Conselho na notável comunicação que, através desta Assembleia, dirigiu ao País, e a que devo prestar homenagem. Mas estes princípios, que estão na base do ressurgimento nacional e a que importa continuar fiel, correspondem à orientação adoptada na gerência de 1967, presentemente em exame nesta Assembleia.
Não vou ocupar-me da evolução da conjuntura internacional durante o ano em referência, dos graves problemas de carácter monetário que no seu decurso se suscitaram, nem tão-pouco da situação económica interna, brilhantemente analisada no parecer das contas públicas, de que é relator o nosso ilustre colega engenheiro Araújo Correia, a quem renderei o preito da minha admiração.
Confinarei as minhas considerações a alguns aspectos de ordem exclusivamente financeira, a que atribuo especial relevância.
Esses aspectos encontram-se condensados no final do relatório ministerial, e é sobre eles que me deterei, embora em síntese breve, para não abusar da benevolência da Assembleia.
O primeiro facto a anotar é o do equilíbrio das contas, que no parecer desta Câmara se considera legítimo e merecedor da nossa aprovação.
Com efeito, os resultados globais mostram que as receitas ordinárias e extraordinárias atingiram o total de 23 460 000 contos.
Por seu lado, as despesas gerais foram de 23 358 000 contos.
O saldo positivo alcançou, assim, o expressivo montante de 102 000 contos, números redondos.
Façamos agora as necessárias distinções para complemento desta análise. No que respeita às receitas ordinárias, o seu quantitativo elevou-se a cerca de 20 milhões de contos. O acréscimo, em relação ao ano anterior, foi considerável, pois excedeu em 17 por cento o montante registado em 1966.
O facto deve-se, sobretudo, à incidência durante todo o exercício do imposto sobre o valor das transacções, mas também ao crescimento normal da matéria colectável e ao aperfeiçoamento das técnicas de liquidação fiscal.
Relativamente às despesas ordinárias, a cadência de expansão foi mais reduzida. A percentagem de aumento não atingiu 13 por cento. Da conjugação destes dois factos - mais-valias consideráveis nas receitas ordinárias e moderação nos dispêndios da mesma natureza - resultou um excedente dos réditos normais, sem paralelo nos exercícios precedentes.
Esse excedente ascendeu a 6,8 milhões de contos, o que permitiu cobrir totalmente as despesas de defesa do ultramar, não obstante a sua evolução crescente e cada vez mais onerosa.
Tais encargos foram, efectivamente, de 5,7 milhões de contos.
Registou-se, assim, um avultado remanescente, a que foi dada aplicação reprodutiva e se traduziu, desse modo, em aumento de riqueza nacional.
O facto, pelo seu excepcional significado, merece ser posto em relevo e mostra, por si só, o critério judicioso que presidiu à gerência.
Não deixarei, no entanto, de salientar que a moderação das despesas ordinárias, embora inevitável no momento histórico que atravessamos, não deve contrariar o progresso da Administração nem preterir a satisfação de algumas prementes necessidades nacionais.
Outros aspectos há ainda a acentuar, e entre eles referirei os que se relacionam com a execução dos programas de fomento.
O relatório da gerência mostra a evolução dos investimentos orçamentais, com vista ao desenvolvimento económico do País, e neste aspecto cabe acentuar que os números referentes à gerência em análise são dos mais elevados do triénio.
O Governo continuou, pois, atento ao progresso do País e procurou impulsionar, a ritmo adequado, a sua promoção económica.
E esta mais uma circunstância que cumpre pôr em relevo, com o louvor que lhe é devido.
E, a propósito, é justo sublinhar também as amplas dotações concedidas para o mesmo fim no orçamento de 1969 e testemunhar o meu aplauso, por esse facto, ao actual e ilustre Ministro das Finanças, Dr. Dias Rosas, nosso antigo colega nesta Assembleia.
Mas a gerência de 1967 comporta ainda um outro significado que cumpre apontar à atenção da Assembleia.
E a orientação de atenuar o crescimento da dívida pública, interna e externa, em ordem a tornar mais comportável o seu acréscimo. O facto é assinalado no parecer das contas públicas desta Assembleia, em termos que me dispensam de insistir neste aspecto, aliás da maior importância.
Examinando, no seu conjunto, os resultados da execução orçamental de 1967, pode considerar-se, em confronto com os anos anteriores, que eles foram dos mais favoráveis dos últimos períodos financeiros.
Creio ser justo dirigir ao responsável pela gerência - o antigo Ministro das Finanças Dr. Ulisses Cortês - a expressão do meu apreço pela orientação dada ao exercício e pelos resultados obtidos.
Desejo agora ocupar-me de um outro problema relacionado com a gerência em apreciação e que se reveste da maior importância e oportunidade.
Quero referir-me ao desenvolvimento regional.
Tenho a honra de representar o distrito de Leiria, do qual sou natural, e que me tem eleito em sucessivas legislaturas.
Conheço bem as suas necessidades, os seus interesses e as suas aspirações - e é por isso que considero do meu dever proferir algumas palavras sobre o assunto.
A distribuição do potencial económico no nosso país é de uma extrema irregularidade.
Registe-se, com efeito, a sua concentração nalguns distritos - infelizmente em número muito reduzido -, ao mesmo tempo que noutros as fontes de riqueza são escassas e baixo, portanto, o nível de vida das populações.
Chama-se ao facto, em termos técnicos, assimetria do desenvolvimento espacial, ou, de uma forma mais simples, desigualdade do nível de progresso entre as várias regiões do País.
O distrito de Leiria, infelizmente, situa-se entre os menos favorecidos, não obstante as suas possibilidades, que urge aproveitar como merecem, a fim de que a obra
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de fomento em curso se processe de modo apropriado, ou seja, com igualdade e justiça.
A valorização das zonas atrasadas constitui, com efeito, exigência de una desenvolvimento equilibrado e harmonioso.
Não ignoro o esforço meritório que o Governo tem feito nesse sentido, quer em realizações directas, quer em comparticipações financeiras, quer em empréstimos aos municípios, efectuados pelas instituições competentes. Abastecimento de águas, electrificação, edifícios públicos para fins assistenciais ou sociais, construções para as classes mais modestas, vias de comunicação, fomento de bem-estar rural, representam aspectos da acção governativa neste domínio fundamental.
Mas esta acção, não obstante a amplitude já alcançada, necessita de intensificação, dentro, evidentemente, das possibilidades e das ordens de precedência estabelecidas.
A correcção dos desequilíbrios regionais é, efectivamente, uma das finalidades do III Plano de Fomento, como o era igualmente dos planos anteriores.
Já no II Plano de Fomento, elaborado em 1958, se inseria, entre as metas a alcançar, a atenuação dos desníveis de desenvolvimento entre as áreas evoluídas e as retardatárias, de forma a assegurar a promoção económica e social destas últimas.
Esta é uma das preocupações dos Governos e uma das características dos planeamentos económicos modernos.
Por isso mesmo a acção de fomento regional ocupou também - já o referi - lugar de relevo tanto no Plano Intercalar como no plano actualmente em curso de execução.
É indispensável, porém, que tal acção não seja, como não tem sido, uma pura fórmula verbal, mas uma realidade cada vez mais ampla, mais intensa e profunda.
Permite-me salientar o facto e chamar para ele a atenção do Governo.
O distrito de Leiria espera e crê - espera da acção esclarecida dos Poderes Públicos; crê na plena realização do planeamento económico e dos seus objectivos fundamentais, à escala, global regional.
Termino aqui as minhas considerações, mas antes de o fazer recordo que esta foi a quadragésima gerência equilibrada, a partir de restauração financeira, levada a cubo pelo Presidente Salazar, a cuja figura eminente, devoção à Pátria e altos serviços ao País presto a minha comovida homenagem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ao Sr. Presidente do Conselho, que corajosamente assumiu as responsabilidades de uma difícil sucessão e a quem cabem neste momento árduas tarefas e complexos trabalhos de orientação, coordenação e de busca de novas soluções, na continuidade de uma política de méritos já experimentados, dirijo também os protestou da minha admiração e o testemunho do meu respeito.
A V. Ex.ª, Sr. Presidente, cujo espírito brilhante e lúcida inteligência me habituei a apreciar, desejo igualmente render c preito que merece e manifestar-lhe o meu apreço pela eficiência e superior critério com que tem sabido conduzir os trabalhos desta Assembleia.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Serras Pereira: - Sr. Presidente: O parecer sobre as contas gerais do Estado relativo ao ano de 1967 analisa, o processamento dos receitas e das despesas, traduzindo um enorme trabalho - beneditino trabalho -, apresenta críticas fundamentadas aos diversos sectores da administração pública e preconiza orientações, quer daquele sector, quer no sector privado. Trabalho tão extenso e pormenorizado só permite uma análise sucinta, a que se vai proceder, incidindo apenas num ou noutro capítulo.
O ilustre relator, engenheiro Araújo Correia, com a larguíssima experiência que o consagrou, enaltece a gestão financeira do ano de 1967. Não é, porém, da mesma opinião quanto à orientação da política económica.
Se se atender a que em 1967 o produto nacional recuperou uma taxa de crescimento razoável, embora o seu nível não se deva ao sector dinâmico do desenvolvimento, a indústria transformadora; que o saldo das receitas ordinárias atingiu um montante de cerca de 7 milhões de contos, que cobriram as despesas extraordinárias de defesa com o excedente das receitas ordinárias; que a balança de pagamentos da zona do escudo fechou com um superavit excepcional; que se recorreu em muito menor escala ao crédito externo, o que ajudou a consolidar a solidez interna e externa do valor da moeda, e que as reservas do Banco de Portugal atingiram uma cifra de cerca de 40 milhões de contos, pode afirmar-se que a gerência financeira se desenrolou em plano francamente frutuoso.
Sem embargo de o ilustre relator manifestar algumas reservas quanto ao total das receitas ordinárias, que atingiram até hoje o seu mais alto nível, por lhe parecer que a tributação poderá ser impeditiva de investimentos reprodutivos, a verdade é que o crescimento do produto e os sinais de recuperação do sector secundário são indicadores de que o aumento das receitas não prejudica o desenvolvimento económico.
Preconiza, e muito bem, o engenheiro Araújo Correia que se impulsione o crescimento económico, utilizando convenientemente os recursos disponíveis, seleccionando investimentos e conduzindo-os para fins altamente reprodutivos.
De facto, como se diz no parecer, num país que importa cerca de 30 milhões de coutos e em que a exportação se fixa em cerca de 20 milhões de contos, há que pensar se não será possível encaminhar os investimentos para a produção de beras que reduzam a proporções razoáveis o déficit da balança comercial. Se algum sinal mesmo se pretende quanto ao sentido de investimento, aí fica uma indicação positiva da produção que urge incrementar.
Dado o carácter aleatório das rubricas que constituem a balança de pagamentos (remessa dos emigrantes e receitas do turismo), dever-se-á proceder com prudência e adoptar as providências convenientes à manutenção do superavit permanente daquela balança.
Como li algures:
A variável estratégica do processo do crescimento económico é a formação do capital fixo.
É precisamente neste domínio que o parecer reflecte as suas apreensões, que se traduzem numa baixa capitação do rendimento nacional, na importação de bens de equipamento, ou ausência de uma política selectiva de investimento, no aumento constante da despesa, quer no esforço de defesa, quer em obras sem rentabilidade, etc.
Quem acompanhou a discussão da lei de meios para o ano em curso ter-se-á apercebido da delicadeza da pro-
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blemática do desenvolvimento económico do País, conjugado com o esforço de defesa. Providências atinentes à revitalização do crescimento do produto, por participação do sector público; regulamentação dos mercados do dinheiro e, nomeadamente, do funcionamento do crédito a médio prazo: da melhoria de programação orçamental, com conhecimento recíproco da actividade financeira e da actividade económica geral; assistência na doença aos servidores civis do Estado; reforma administrativa, entre outras, mereceram a nossa concordância e a sua aprovação.
Ora, o parecer da Câmara Corporativa sobre aquela lei, da autoria do Prof. Doutor Pinto Barbosa, vem da resposta concreta a muitas das salutares preocupações do Sr. Engenheiro Araújo Correia.
Indica o ilustre relator que na procura interna para o consumo não deverá haver «uma política geral de contenção», mas seguir linhas de orientação fundamentais: fiscalização rigorosa quanto às despesas correntes do Estado e preferência na aquisição de produtos nacionais; aplicação de taxas sobre bens de consumo duradouro com carácter sumptuário; restrição de crédito interno para financiamentos à importação, e colocação de bens de consumo duradouro quanto a despesas dos consumidores de bens e serviços.
O que não quer dizer, na opinião do Prof. Pinto Barbosa, que se não faculte a outorga de crédito à importação de equipamentos e matérias-primas ou produtos intermédios necessários à produção nacional. Rever, por outro lado, a formação de poupanças, «contrariando a tendência actual, para que os depósitos a prazo, na maioria das instituições de crédito, sejam, na prática, apenas depósitos à ordem mais caros».
Quanto à formação do capital fixo por parte do Estado: «preferência pelos investimentos de maior reprodutividade directa e imediata» e naturalmente pelas infra-estruturas económicas e sociais de apoio à iniciativa privada que possam cumulativamente corrigir disparidades regionais e proporcionar o fomento de investigação fundamental e aplicada. As construções de instalações deverão ser funcionais, tão-pouco os centros de estudo e investigação deverão estar dispersos. É evidente que a fiscalização actuará convenientemente, não permitindo soluções de continuidade.
A formação do capital fixo pelo sector privado necessita:
«Revisão do sistema de estímulos directos ou indirectos ao investimento privado»... nos ramos de maior interesse imediato para o alargamento e diversificação da produção nacional, maior apoio do Estado ao investimento estrangeiro, renovação técnica e concentração vertical e horizontal das unidades produtivas; melhoria das estruturas de financiamento dos principais grupos de empresas.
Além das providências já enunciadas e em vigor, entende o eminente mestre que os mercados do dinheiro deverão actuar em carácter prioritário: na regulamentação geral das operações de crédito a médio e longo prazos; regime de crédito à importação e de financiamento das vendas a prestações; regime de crédito à exportação; constituição do Instituto de Seguro de Créditos e a entrada em funcionamento do Serviço de Centralização dos Riscos de Crédito; revisão de funcionamento da Caixa Nacional de Crédito e do Banco de Fomento Nacional; revisão dos regulamentos dos serviços e operações da Bolsa; criação de novos títulos; revisão das condições de emissão de acções e obrigações de empresas, etc.
Tendo em atenção a oferta global, considera o Prof. Pinto Barbosa que é neste domínio que a curto prazo se poderão produzir es maiores esforços, «mediante cooperação íntima entre o sector público e as actividades privadas», promovendo que uma grande parte da procura de bens e serviços das províncias ultramarinas se faça na metrópole, organizar uma grande campanha nacional de preferência pelos produtos portugueses, estimular a produção do sector primário e rever as condições de comercialização dos produtos e alargar a formação profissional.
Todas estas providências dariam como resultado repercussões nas balanças comercial e de pagamentos com os seus efeitos benéficos, que poderiam ser melhoradas, quer com o lançamento no estrangeiro de produtos nacionais, quer procurando atrair maior número de turistas; por outro lado, no domínio financeiro haveria de ter em conta a necessidade de procura de produtos ultramarinos que se importam do estrangeiro e o afluxo de capitais estrangeiros à economia nacional, etc.
Não ignora o ilustre Procurador que as providências não colherão os desejáveis frutos se forem desacompanhadas de uma comunicação directa e constante com a Nação, em dados objectivos e com a serenidade que preside às grandes e profundas renovações.
Sr. Presidente: Afirma o eminente relator das contas públicas que os Encargos Gerais da Nação consumiram 69,6 por cento das despesas extraordinárias e esta percentagem vem subindo de ano para ano. O que leva a concluir que se deveria tentar «reduzir os consumos militares por mais eficiente utilização de meios».
Dentro da linha das considerações anteriores, resta saber se não seria possível fazer apelo à indústria nacional para contribuir de uma maneira mais efectiva para esse esforço.
Entre as numerosas linhas de montagem de automóveis não haverá uma que, incorporando uma percentagem de mais de 60 por cento de trabalho nacional, se possa equipar para fornecer ao Exército as viaturas auto, desde que lhe seja garantido um programa mínimo do consumo do seu fabrico, obedecendo embora às características técnicas necessárias?
Não teria justificação a existência dessa linha de montagem?
E não teria essa linha de montagem contribuído de uma forma positiva para o esforço da defesa e para o fornecimento do parque automóvel nacional?
E no domínio das comunicações e rádio a contribuição não poderia ter ido mais além? De igual modo, os estaleiros navais portugueses não poderiam e deveriam estar apretrechados para o fabrico naval da guerra? As interrogações atrás formuladas parecem obrigar a que se defina uma orientação industrial na produção daqueles bens, e, porventura, de outros com o duplo objectivo de permitir a diminuição das despesas com a defesa e a criação diversificada de uma gama de fabricos industriais.
Não se julga legítimo negar a vantagem de tal orientação, já que ela responderia às necessidades internas do consumo e, em futuro próximo, à expansão indispensável das exportações nacionais.
Têm o mais alto interesse os efeitos benéficos de associações com empresas estrangeiras em que a incorporação do trabalho nacional represente valor estimável e que possa indicar caminho a prosseguir na política da industrialização nacional.
São perguntas que têm o seu cabimento no desejo formulado pelo engenheiro Araújo Correia, «no sentido de se obter uma diminuição apreciável» das despesas com a defesa com uma mais «eficiente utilização de meios».
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3428 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 189
Sr. Presidente: Diz-se no parecer que estou comentando que, se o produto nacional se fixasse em 150 a 200 milhões de contos, a percentagem com o esforço da defesa, supondo que o seu montante atinge 10 milhões de contos, seria respectivamente do 6,6 e de 5 por cento.
Esta feliz e oportuna consideração leva-me a pensar se, de facto, o rendimento nacional não estará substimado e se não haveria naturais vantagens em se proceder, em termos científicos, à sua reavaliação.
Sr. Presidente: A problemática do desenvolvimento económico do País está lapidarmente sintetizada no relatório do Orçamento Geral do Estado para 1969, quando o Sr. Ministro das Finanças afirma:
Às opções feitas pelo Governo presidiram dois grandes objectivos: atacar, de frente, o problema da insuficiente formação bruta de capital fixo, que se crê constituir factor determinante na caracterização da actual conjuntura económica; incentivar os investimentos reprodutivos que maior influência possam exercer na disseminação regional dos efeitos do crescimento económico nacional.
A obra a realizar, como diz o Sr. Presidente do Conselho, não é daquelas que se erguem de um momento para o outro.
No entanto, se formos capazes de colaborar na empresa comum, ainda que, criticando construtivamente, a partir de dados colhidos com consciência e raciocinando com frieza e recta intenção, estou certo de que venceremos mais uma vez as dificuldades e encontraremos o rumo certo - o rumo que a toda a Nação convém».
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima sessão será no dia 11, terça-feira, às 15 horas e 30 minutos precisos, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
João Mendes da Costa Amaral.
Jorge Barros Duarte.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André da Silva Campos Neves.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
António José Braz Regueiro.
António Magro Borges de Araújo.
António Moreira Longo.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando José Perdigão.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando de Matos.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro),
Hirondino da Paixão Fernandes.
João Duarte de Oliveira.
Joaquim de Jesus Santos.
José Alberto de Carvalho.
José Henriques Mouta.
José Pais ribeiro.
José dos Santos Bessa.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Raul Satúrio Pires.
Sebastião Alves.
O REDACTOR - Luiz de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA