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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 191

ANO DE 1969 13 DE MARÇO

ASSEMBLEIA NACIONAL

IX LEGISLATURA

SESSÃO N.º 191, EM 12 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. José Soares da Fonseca

Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira

Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 161, o qual insere o relatório e contas da Junta do Crédito Público referente ao ano de 1967.

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 45 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os Diários das Sessões n.º 165 e 166.
Deu-se conta do expediente.
Foi recebido na Mesa, para cumprimento do disposto no § S.º do artigo 109.º da Constituição, o Diário do Governo que insere 1 o Decreto-Lei n.º 48 905.
Igualmente foram recebidos na Mesa e lidos dois documentos relativos à resposta do Ministério da Economia a um requerimento e a uma nota de perguntas apresentados pelo Sr. Deputado Nunes Barata acerca da orientação do Governo sobre pedidos de aplicação do regime de draubaque.
O Sr. Presidente mandou exarar na acta um voto de pesar pelo falecimento da mãe do Sr. Deputado Henriques Mouta.
O Sr. Deputado Nunes Barata requereu que lhe fossem fornecidas cópias dos estudos e informações elaboradas sobre vários assuntos.
O Sr. Deputado Campos Neves falou sobre problemas do ensino nas Faculdades de Farmácia.
O Sr. Deputado Teófilo Frazão referiu-se à doação, feita pela família do falecido comandante Ernesto de Vilhena, de grande parte do espólio artístico por ele arrecadado em vida.
O Sr. Deputado Albano de Magalhães defendeu a criação de um interposto alfandegário no porto de Leixões.
O Sr. Deputado Pinto de Meneses fez considerações sobre o recente aumento das tarifas nos transportes da Companhia Carris de Ferro de Lisboa.
O Sr. Deputado Horácio Silva salientou a necessidade de se renovar a marinha mercante nacional.
O Sr. Deputado Agostinho Cardoso assinalou a visita do Sr. Ministro das Comunicações à Madeira e abordou alguns problemas deste arquipélago.
O Sr. Deputado Pais Ribeiro expôs as principais dificuldades que afectam a viticultura do Douro, especialmente na região de Vila Real.
O Sr. Deputado Magalhães Sousa pediu ao Governo uma acção prioritária para o arquipélago, dos Açores, com vista a melhorar as condições de vida das classes menos favorecidas.
O Sr. Deputado Santos Bessa chamou a atenção dos Ministérios responsáveis para a necessidade de se organizar o combate à toxoplasmose.

Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão na generalidade da proposta de lei sobre a reorganização das Casas do Povo e a previdência rural.
Usou da palavra o Sr. Deputado Veiga de Macedo.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada. Eram 15 horas e 35 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
André Francisco Navarro.
André da Silva Campos Neves.

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Antão Santos da Cunha.
António José Braz Regueiro.
António Júlio de Castro Fernandes.
António dos Santos Martins Lima.
Arlindo Gonçalves Soares.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
Horácio Brás da Silva.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Janeiro Neves.
José Maria de Castro Salazar.
José Pais Ribeiro.
José Pinheiro da Silva.
José Rocha Calhorda.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul Satúrio Pires.
Sérgio Lecerde Sirvoicar.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito Lívio Maria Feijão.
Virgílio Davíd Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente:- Estão presentes 62 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 45 minutos.

ntes da ordem do dia

O Sr. Presidente:- Ponho em reclamação os Diários das Sessões n.ºs 165 e 166, que ontem foram distribuídos a VV. Ex.ªs Se ninguém tiver qualquer reclamação a deduzir, considerá-los-ei aprovados.
Pausa.

O Sr. Presidente:- Estão aprovados.

Foi hoje distribuído a VV. Exas o Diário das Sessões n.º 167, que submeterei à aprovação amanhã, depois de VV. Ex.ª terem tempo de o ler.
Amanhã também espero dar conhecimento das informações que se dignou dar-me o Sr. Ministro do Interior relativas às diligências feitas para se vencer o atraso da publicação do Diário das Sessões.
Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

De apoio à intervenção do Sr. Deputado Melo Giraldas a propósito do regulamento de barragens.
Vários de apoio à intervenção do Sr. Deputado Pontífice de Sousa em defesa do comércio.

O Sr. Presidente:- Está na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Diário do Governo n.º 59, 1.º série, de ontem, que insere o Decreto-Lei n.º 48 905, o qual define a orgânica administrativa adequada ao início da realização do planeamento regional.
Finalmente, em satisfação de um requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Nunes Barata em Novembro de 1967 e de uma nota de perguntas em Fevereiro deste ano, receberam-se os dois documentos que o Sr. 1.º Secretário passará a ler.
Foram lidos. São os seguintes:

Oficio da Secretaria-Geral da Presidência do Conselho

Em cumprimento de determinação superior, tenho a honra de junto remeter a V. Ex.ª os elementos, fornecidos pelo Ministério da Economia, destinados a satisfazer, na parte que lhe respeita, o requerimento e a nota de perguntas apresentados pelo Sr. Deputado José Fernando Nunes Barata e aos quais se referem os ofícios acima citados.
Cabe-me ainda comunicar. a V. Ex.ª que, para além daqueles elementos, acrescenta o mesmo Ministério, no correspondente ofício de remessa, a seguinte informação, prestada pela Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais:

Quanto à «orientação do Governo em matéria de política económica, relativamente a pedidos de aplicação do regime de draubaque da natureza do presente», a que também se refere o Sr. Deputado Nunes Barata, afigura-se de esclarecer que tal orientação - na sequência da definida pelo despacho do Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos de 31 de Janeiro de 1968, sobre a isenção de direitos aduaneiros na importação de diversas matérias-primas e de bens de equipamento - é, necessariamente, tidas em conta as convenções internacionais, a de se utilizar o referido regime sempre que por essa via se possa concorrer para intensificar a corrente da exportação de produtos industrializados.
Em tais condições, consideram-se de autorizar as importações em regime de draubaque, nos casos em que se verifique, efectivamente, a não

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existência de matérias-primas nacionais, ou mesmo de certos produtos semiacabdos, como, por exemplo, os arames especiais, em condições competitivas para serem incorporados em produtos da indústria transformadora destinados à exportação.

Resposta do Ministério da Economia ao pedido do Sr. Deputado José Fernando Nunes Barata sobre o requerimento da Companhia Portuguesa de Trefilaria pedindo draubaque para fio máquina.

1) O requerimento da Companhia Portuguesa de Trefilaria veio a informar à Inspecção-Geral em Abril de 1966.
2) Em Agosto de 1965, a propósito de um pedido idêntico feito por outro industrial, foi ouvida a Companhia Portuguesa de Trefilaria, que deu o seguinte parecer:

Finalmente, querendo esclarecer que, dada a estreita colaboração que mantemos com a Siderurgia Nacional, não vemos qualquer interesse na pretensão apresentada, pois a própria Siderurgia Nacional, na maioria dos casos de exportação, tem feito preços especiais quando a transacção a efectuar é de molde a interessar industrialmente.

3) Com efeito, a Siderurgia Nacional, por força dos despachos sobre preços de aços, era naquela altura obrigada a fornecer os aços, quando destinados a produtos de exportação (e só para isto é o draubaque), ao preço de exportação CECA F. O. B. Anvers aumentado de 15 por cento, o que colocava o preço do fio máquina nacional igual e muitas vezes mais baixo do que era fornecido pelo estrangeiro em regime de draubaque, visto que neste regime as despesas aduaneiras ainda eram importantes.
4) Estas considerações levaram a considerar que não merecia deferimento o pedido formulado pela Companhia Portuguesa de Trefilaria.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Acabo de saber que o Sr. Deputado Henriques Mouta, que estava inscrito para falar hoje antes da ordem do dia, sofreu o desgosto do falecimento de sua mãe. Creio interpretar o sentimento da Câmara acompanhando-o nesta hora dolorosa e mandando exarar na acta um voto de sentido pesar.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Nunes Barata.

O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

Ao abrigo do Regimento, requeiro que me sejam fornecidas cópias dos estudos e informações elaborados, bem como dos respectivos despachos ministeriais exarados sobre tais documentos, tendo em vista:

1. A possibilidade de uma fusão das empresas grandes produtoras e distribuidoras de energia eléctrica no continente;
2. A instituição de um banco especial destinado a servir os fundos da previdência social dos trabalhadores;
3. A criação nas províncias ultramarinas de Angola e Moçambique de zonas de jogo de fortuna e azar;
4. A instalação na província de Cabo Verde de uma refinaria de petróleo;
5. A abolição nas ilhas do arquipélago dos Açores do sistema vigente relativo à cobrança de tarifas alfandegárias.

O Sr. Campos Neves: - Sr. Presidente: Rejubila a farmácia portuguesa por ver satisfeitas duas das suas mais legítimas e caras aspirações.
Em boa hora veio, na verdade, o Decreto-Lei n.º 48 696. de 21 de Novembro de 1968, restabelecer as Faculdades de Farmácia de Coimbra e de Lisboa.
Logo a seguir, em 3 de Fevereiro findo, o Decreto-Lei n.º 48 857 pôs termo à exigência da média mínima de 14 valores, no curso profissional, como condição de acesso à licenciatura em Farmácia.
Desde a sua extinção, em 12 de Abril de 1928, devida a razões meramente económicas, até à promulgação daquele primeiro diploma, as Universidades de Coimbra e de Lisboa nunca deixaram de chamar a atenção para a necessidade de se proceder à restauração das suas Faculdades de Farmácia.
Se bem que tardasse esta hora de justiça, há razões de sobejo para vivermos com alegria e com aquele reconhecimento que é devido a todos quantos contribuíram com o seu esforço, a sua boa vontade e o seu espírito de decisão para dotarem a Universidade Portuguesa com mais duas Faculdades, cuja falta tanto se fazia sentir, com graves prejuízos para o ensino e para a própria cobertura sanitária do País.
Na esteira de ilustres colegas que aqui ergueram a sua voz a pugnar pela mesma causa, também eu, na modéstia das minhas possibilidades, apresentei nesta tribuna as razões profundas que militavam no sentido de se restabelecerem as Faculdades há quarenta anos extintas, em momento pouco feliz.
Apraz-me, no entanto, salientar que os apelos feitos nesta Câmara foram, afinal, o eco político dos anseios que, de há muito, os professores e os próprios alunos das Escolas de Farmácia de Coimbra e de Lisboa acalentavam, o que a todos levou, por diversas vezes, a apresentar, com respeito e firmeza, o problema a quem de direito.
Merece também ser saudada a providência legislativa que veio facilitar o acesso à licenciatura, eliminando uma exigência que se não justificava e dava origem a delapidações de tempo com escusadas repetições de exame, quando não a numerosas renúncias ao prosseguimento dos estudos indispensáveis à licenciatura e a uma preparação imprescindível ao bom desempenho das múltiplas funções hoje confiadas ao farmacêutico.
Por tudo isto, sinto-me no dever de exprimir ao Governo, em particular ao Sr. Ministro da Educação Nacional, os mais vivos protestos do meu reconhecimento, na certeza de que todos os professores e alunos das Faculdades de Farmácia e todos os farmacêuticos portugueses se associam, jubilosa e penhoradamente, ao forte sentimento que ditam estas minhas palavras.
Mas, Sr. Presidente, embora embaraçado por me ver compelido a juntar a este vivo agradecimento uma outra petição, não posso deixar de aproveitar o ensejo para solicitar respeitosamente ao Governo e ao muito ilustre Ministro da Educação Nacional se dignem agora atentar na exiguidade dos quadros das novas Faculdades de Lisboa e Coimbra.

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Com efeito, torna-se urgente actualizar esses quadros, quer os do corpo docente, quer os do pessoal técnico, auxiliar e menos.
E isto porque o Decreto-Lei n.º 48:696 instituiu para as novas Faculdades o mesmo plano de estudos que vigora na do Porto, sem prever, contudo, qualquer alteração nos seus quadros. Quer isto dizer que as Faculdades recém-criadas para ministrar o ensino teórico e prático - agora que funciona já o 4.º ano - dispõem praticamente do mesmo pessoal com que contavam para o ensino dos três anos do curso profissional.
A situação agravar-se-á no próximo ano lectivo, se não forem tomadas as necessárias providências. É bom não esquecer que a partir de Outubro entrará em funcionamento o 5.º e último ano da licenciatura.
O simples confronto entre a situação anterior e a posterior à promulgação do citado Decreto-Lei n.º 48:0696 mostra que até 1968 o ensino nas Escolas de Farmácia, correspondente ao curso profissional, comportava treze disciplinas, das quais três eram, e continuam a ser, professadas nas Faculdades de Ciências. Para as dez disciplinas restantes dispunha a Escola de Farmácia de Coimbra de 4 professores extraordinários e de 4 assistentes, contando ainda, como pessoal técnico, auxiliar e menor, com 4 preparadores, 1 bedel, 1 catalogador e 2 serventes.
Com o restabelecimento da Faculdade e o imediato início do 1.º ano do Curso Complementar, o número de disciplinas professadas aumentou para quinze, e passará para vinte no próximo ano lectivo.
Entretanto, o Orçamento Geral do Estado para 1969 apenas veio beneficiar a Faculdade de Farmácia de Coimbra com 3 segundos assistentes além do quadro, elevando assim para 11 o número total de elementos do seu corpo docente.
Quase idêntica é, aliás, a situação da Faculdade de Farmácia de Lisboa.
Em contrapartida, a Faculdade de Farmácia do Porto, com igual ré rime de estudos, dispõe presentemente de 7 professores catedráticos, 2 professores extraordinários e 10 assistentes, além de 3 técnicos experimentadores, 1 segundo-bibliotecário, 9 preparadores, 1 terceiro-conservador, 1 fotógrafo-desenhador, 1 catalogador, 1 colector de 1.ª classe, 3 auxiliares de laboratório, 4 contínuos, 6 serventes e 1 tratador de animais. Conta, assim, com um total de 19 professores assistentes no seu corpo docente e com 31 elementos nos corpos técnico, auxiliar e menor.
Paralelamente, o corpo docente das Faculdades de Coimbra e de Lisboa é composto de 11 e 12 elementos respectivamente, enquanto os restantes quadros apenas comportam 10 unidades na Faculdade de Farmácia de Coimbra e 21 na de Lisboa.
Em remunerações fixas despende presentemente o Estado com o lessoaldas três Faculdades as seguintes verbas globais: 839 400$ com a de Coimbra, 1 065 600$ com a de Lisboa e 2 088 000$ com a do Porto.
Ora, se o plano de estudos nas Faculdades de Lisboa e de Coimbra é idêntico ao que vigora na do Porto, e sendo certo que esta não dispõe de pessoal em excesso, tem de concluir-se pela necessidade de dotar aquelas de quadros suficientes, que não deverão ser inferiores aos do estabelecimento universitário do Norte.
Por outro lado, não fará sentido a existência de Faculdades onde não existam lugares de professores catedráticos.
Na lógica situação presente, continuam ainda os membros do corpo docente dás novas Faculdades a não ter o necessário acesso, impossibilitando-se, assim, o recrutamento de pessoal qualificado e em condições de vir a contribuir de forma decisiva para a melhoria do ensino e para o desenvolvimento das suas actividades de investigação.
Se a imediata dotação de quadros docentes, técnicos, auxiliares e menores idênticos ao da Faculdade de Farmácia do Porto aparece, assim, plenamente justificada, representando condição imprescindível para a execução, com razoável eficiência, do plano de estudos actualmente em vigor nas três Faculdades, isso não significa, de modo algum, que tais quadros possam satisfazer, de modo cabal, a urgente necessidade de actualização das estruturas do ensino e da investigação farmacêutica. E não será de surpreender que, em futuro próximo, as diferentes Faculdades de Farmácia do País se vejam obrigadas a solicitar, uma vez mais, ao Governo a ampliação dos quadros e a inclusão de novas dotações relativas a diverso pessoal de apoio técnico e científico, tais como investigadores, preparadores-conservadores, analistas e chefes de estágio.
Só dessa forma lhes será possível preparar farmacêuticos com qualificação científica e tecnológica compatível com as exigências e responsabilidades decorrentes das suas múltiplas actividades de carácter profissional.
Sr. Presidente: Sabendo estar no espírito do Sr. Ministro da Educação Nacional a criação de novos quadros para as duas Faculdades agora restauradas, aqui deixo um apelo ao Governo para que os mesmos possam ser já uma realidade no início do próximo ano lectivo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Teófilo Frazão: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante a nobreza tamanha e a generosidade não menos grande da doação feita há dias por membros distintos da família Vilhena, a Sr.ª D. Maria Amélia e seu filho, o Dr. Júlio de Vilhena, de larga parte do espólio artístico ciosamente arrecadado por seu marido e pai, o Sr. Comandante Ernesto Jardim de Vilhena, não podia calar-se a voz do Baixo Alentejo, província que se orgulha de ter sido berço de homem tão ilustrado, que em vida devotadamente serviu o País e o continua a servir mesmo para além dela.
Nasceu esse marinheiro insigne, político hábil, colonialista distintíssimo e notável cultor de arte, em Ferreira do Alentejo, em Junho de 1876. Apenas com 16 anos entra na Escola Naval, onde é aluno distinguido. Concluído o curso, na Marinha tem ascensão rápida por reconhecido mérito.
Começou a sua vida política como Deputado pelo círculo do Funchal, e a seguir é eleito pelo círculo de Aljustrel, terra bem modesta, mas que naturalmente a tinha no coração, por ser arrimada à sua e do seu distrito. Foram afamadas as muitas intervenções que teve nesta Câmara, a maior parte incidentes sobre o ultramar português, pelo qual a sua alma vibrou sempre de interesse e ardorosamente defendeu.
Várias vezes nomeado governador de distritos da província de Moçambique, ascendeu em 1917 à posição cimeira de Ministro do Ultramar, onde teve acção de marcado brilhantismo.
Depois entrega-se em totalidade de função aos assuntos ultramarinos, tanto de Angola como de Moçambique, e muitas empresas destas nossas terras distantes devem à administração sã e criteriosamente exercida pelo comandante Vilhena a sua promoção e a validez do seu viver. Haja em vista a potestade da Companhia de Diamantes

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de Angola, de que foi presidente do conselho de administração desde 1919 até à data da sua morte.
Foi ainda o comandante Ernesto de Vilhena escritor destacado e publicista de valor.
De resto, como não havia de ser assim a vida glorificada deste alentejano de quilate, tendo na herança dê seu pai recebido os genes altissimamente qualificados nos campos do saber, da política, da arte e das letras, de um conselheiro Júlio Vilhena, também ferreirense dos maiores e homem enorme do nosso país.
Deputado de extraordinário vulto nesta Assembleia pelo círculo de Beja em 1884, ministro muitas vezes, par do reino, professor de Direito, poeta, escritor e historiador de renome, exaltado por Vítor Hugo e Michelet, tudo isto foi o conselheiro Júlio Marques de Vilhena.
Enobrecida e grande família é esta de sul-alentejanos do mais vincado e merecido destaque, agora culminada no acto tão generoso praticado por vergônteas suas, excelentes no querer dotar o País de um valor cultural inestimável.
Ainda não conhecemos essa colecção escultórica maravilhosa, de mais de mil e trezentas peças, «igual em número às existentes actualmente nos museus nacionais», na afirmação do Sr. Ministro da Educação Nacional.
Temos esperança de em breve podermos contactar e nos deleitarmos com tanta preciosidade, mas para ajuizar do seu valor nem é preciso ver-se, basta saber-se que só através desta colecção ora doada «foi possível escrever com segurança, como o fez o Prof. Reinaldo dos Santos, a história da cultura portuguesa a partir do século XIII até ao século XV».
A promessa da parte restante para o Estado, que não é pequena, fê-la a Sr.ª D. Maria Amélia de Vilhena, num condicionalismo que nem queremos acreditar que não se verifique.
Por tudo quanto acabam de fazer e pelo prometimento do que farão, vai para aquela tão digna senhora e seu filho o nosso bem haja muito sentido.
A divulgação que se impõe deste valor extraordinário agora recebido anunciou-a logo, e para muito breve, o Sr. Ministro da Educação Nacional, a quem pedimos para Beja, pelo direito que lhe cabe de ser cabeça do distrito que viu nascer o comandante Ernesto de Vilhena, um dos centros de cultura que vão ser disseminados pelo País.
Beja ficará, por isso, sumamente honrada e reconhecida.
Disse.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Albano de Magalhães: - Sr. Presidente: Quem, num dia de Verão escaldante, em Julho ou Agosto, vê chegar o fim do seu dia de trabalho nesta cidade de trabalho que é o Porto sente também como passeio desejado e reconfortante aquele que pela estrada marginal, no seu automóvel, o poderá levar do centro da cidade até à Boa Nova.
Vive então um sem-número de imagens e de épocas todas passadas, todas presentes e algumas já futuras.
É a obra do homem a retocar a natureza, nessa bela sucessão de imagens que ora nos leva sensivelmente ao passado, ora nos toca e orgulha no presente.
E lá está a Fraca do Infante, com o Palácio da Bolsa, a Casa do Infante, escola de uma época em que tantos foram aprender a ser grandes e tornar Portugal o maior da época dos Descobrimentos.
A Igreja de S. Francisco, a ribeirinha e sempre bela Miragaia, ensombrada pelo edifício da Alfândega, de uma Alfândega que cada vez mais longe está do porto a que deve destinar-se e servir ...
É Massarelos, a ponte da Arrábida, os estaleiros do Douro, desse Douro cujas águas barrentas, na sua miragem, logo nos levam à Afurada e ao Cabedelo.
É o Jardim do Passeio Alegrei, a Foz do Douro, a Foz Velha e a Foz Nova, que se estendem até ao Castelo do Queijo.
A vila de Matosinhos, cujo chegar logo nos faz sentir, cruzarem-se, os cheiros da maresia e do peixe que, destinado à conserva, para ela não serviu ...
E para quem atravessa Matosinhos do sul para norte, logo vai pressentindo o seu crescer, como se de uma cidade se tratasse, uma cidade portuária que efectivamente é, com as suas casas típicas de comércio, os seus bares, as indústrias de conserva, as agências de bancos, de navegação, e todo um sem número de estabelecimentos e sectores que antecedem e nos fazem já adivinhar a presença de uma estação portuária. Ela aí está! Já se avistam as chaminés dos navios, as suas bandeiras, as suas cargas, os seus tripulantes!
E o porto de Leixões, o segundo porto da metrópole, o porto que serve o Norte do País e, sem dúvida, uma das suas mais ricas zonas.
Estamos em Março, no dealbar de uma Primavera - que nada tem a ver com a ... política-, longe, portanto, de tal dia de Julho ou Agosto escaldante.
Quedemo-nos, pois, por aqui, neste porto de Leixões, cujas docas se situam entre Matosinhos e Leça da Palmeira.
Para conhecer alguém ou alguma coisa, há que ir ao. seu encontro e de novo voltar ao seu eu, com o que apreendeu do objecto, para que dele tome consciência.
Só então o conhecimento se pode manifestar na sua plenitude.
Entremos, pois, numa das docas desse porto e tomemos consciência do que se nos depara.
Tudo afinal que constitui lugar-comum em portos de grande escala: navios de grande tonelagem, guindastes em movimento, camionetas num vaivém constante e a agitação natural do pessoal marítimo diligenciando e tudo fazendo para que se opere com rapidez e segurança o transporte de mercadorias e, consequentemente, o fácil desembaraço dos navios.
A Administração dos Portos do Douro e Leixões procura por todos os meios, cuja eficiência e superior visão cumpre realçar, ampliar e modernizar o seu porto.
Pode dizer-se que a maior parte das obras previstas no Plano Geral de Ampliação de Leixões, aprovado em 1955, está já executada.
O sistema rodoviário de ligações que circunda o conjunto das quatro docas de comércio está já concluído, estando em exploração perfeita e plena as docas n.ºs 1 e 2.
As outras e os respectivos cais aguardam a sua vez de construção, o que sucederá quando o ritmo crescente das necessidades comerciais o impuser.
Pode, no entanto, dizer-se que a aceleração da vida de hoje impôs já a expansão para o lado do mar, ao longo da costa, estando quase concluído o terminal de petróleos constituído por três portos de acostagem, o maior dos quais para navios-tanques de 100 000 t.
Está também em estudo a montagem de uma instalação para carregamento de minério, com uma capacidade de 2000 t/hora, destinada ao aproveitamento em grande escala dos jazigos de minério do Norte.

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De colaboração com a A. P. D. L., a Câmara Municipal de Matosinhos estudou e pôs em prática o aproveitamento adequado do espaço em redor de Leixões, criando zonas verdas, zonas destinadas à instalação de grandes indústrias que, pela sua natureza, próximo do mar têm de viver, e zonas também destinadas ao armazenamento de mercadorias importadas ou a exportar.
O porto comercial de Leixões reúne hoje, mercê da rara visão e bom entendimento entre a sua Administração e a Câmara Muncipal de Matosinhos, um conjunto de condições de ordem técnica e aproveitamento que lhe dão justa fama mundial de porto rápido e eficiente.
Sendo um perto de carga geral, o seu movimento anual de mercadorias ultrapassa já dois milhões e meio de toneladas.
Paradoxalmente, o sistema aduaneiro, antiquado e ultrapassado, prejudica o seu desenvolvimento.
Não se compreende que o segundo porto de Portugal não disponha de uma alfândega, nem ao menos, è transitoriamente, de qualquer entreposto da Alfândega do Porto.
Situa-se esta a cerca de 10 km de Leixões!
O mesmo é dizer que o porto de Leixões, um grande e moderno porto, não tem regime aduaneiro.
Daqui resulta uma série de consequências, que convém pôr em relevo.
A descarga cê mercadorias é realizada, sob o ponto de vista aduaneiro, da mesma forma como se processaria a descarga de um navio que encalhasse algures, em qualquer ponto da costa portuguesa.
Vejamos:
Para ser efectuada a descarga de mercadorias em Leixões torna-se necessária a presença de funcionários aduaneiros, que têm de ser requisitados, com a devida antecedência, pelos representantes dos navios.
Ao custo desta assistência à descarga acresce o do despacho extraordinário em Leixões, sempre e necessariamente em relação às cargas a granel ou remessas maiores de carga geral cujo transporte em camião para a Alfândega do Porte não se justifica, por oneroso, difícil ou impraticável.
A deslocação dos funcionários aduaneiros é sempre considerada serviço extraordinário e como tal paga pelo comerciante importador, representando um encargo, em média, de 10$ por tonelada.
Mas se esta assistência aduaneira se prolongar, o que acontece na maioria dos casos, de manhã para a tarde, há ainda que lhe acrescentar o custo da refeição do almoço.
Efectuada a descarga, a mercadoria fica a aguardar despacho. É então armazenada em Leixões, nos locais previamente indicados pelo pessoal da A. P. D. L.
A quantidade e volume desta mercadoria impõem muito frequentemente o seu armazenamento não em um lote, mas sim em vários.
Enquanto aguarda despacho, a mercadoria armazenada está sob a vigilância da Guarda Fiscal, que cobra por dia e por lote vigiado 120$.
Competindo à Guarda Fiscal o exclusivo da vigilância permanente em toda a área portuária, indiferentemente da quantidade de mercadorias ou lotes de mercadorias lá armazenadas, o critério da cobrança dessa vigilância, não requerida por ninguém, mas antes imposta, reflecte, para além de uma arbitrariedade do Poder, o exercício ilegal de uma actividade puramente comercial, adulterando substancialmente a razão e legitimidade da sua presença e função.
Basta pensar - e na prática lamentavelmente assim acontece - que um guarda fiscal, num só dia e porque a vigiar, para além de outros, dez lotes da mesma mercadoria desembarcada, justifica uma facturação para a Guarda Fiscal de 1200$.
Tanto, quase tanto, como o seu vencimento mensal!
É então efectuado o despacho, que, por extraordinário, custa em média 250$.
Para além destes encargos, e com a publicação do Decreto-Lei n.º 48 191, de 30 de Dezembro de 1967, foi criada, só para Leixões a chamada «taxa de porto», imposto ad valorem, obtido através da aplicação da taxa de 1 por cento sobre o valor da mercadoria, criada, só para Leixões, a chamada «taxa de porto», importadas pelo porto de Leixões, sofrem, em relação ao porto de Lisboa, pelo menos os seguintes agravamentos:

Assistência aduaneira à descarga - 10$ por tonelada.
Guarda Fiscal - 120$ por dia.
Despacho extraordinário em Leixões - 250$.

Os reflexos destas diferenças de tratamento logo se apercebem se compararmos o movimento anual dos dois portos.
Assim, e com referência ao ano de 1968, verifica-se que o movimento de exportação de Janeiro a Setembro foi de: em Lisboa, 6 922 000$; no Porto, 6 905 000$.
No mesmo período, o movimento de importação foi de: em Lisboa, 14 180 000$; no Porto, 6 255 000$.
Sensivelmente igual, pois, o movimento de mercadorias exportadas; reduzido a menos de metade o volume da importação.
E esta diferença, constantemente verificada de 1966 para cá, encontra a sua principal justificação nos agravamentos já referidos e que incidem apenas sobre as mercadorias importadas por Leixões.
Voltemos, porém, a Leixões e vejamos agora o que se passa em relação à mercadoria importada, susceptível de ser transportada em camião para a Alfândega do Porto.
Ao comerciante importador cabe-lhe optar por um de dois caminhos:

Ou o seu despacho em Leixões, fazendo a requisição prévia, através do mecanismo já descrito, com os inerentes encargos;
Ou o seu despacho no Porto, aguardando ordens da Alfândega para o seu transporte em camião.

A estas mercadorias dá-se o nome de «carga de fazenda».
Descarregada do navio, tem logo o encargo de assistência aduaneira de 10$ por tonelada. É depois armazenada nos locais próprios destinados pela A. P. D. L. a esse fim.
Passa a render por dia e por lote 120$ à Guarda Fiscal.
A «carga de fazenda» aguarda a sua vez para seguir, por camião, para a Alfândega do Porto.
O edifício da Alfândega foi construído no princípio do século e desde então não foi ampliado; entretanto o volume de cargas multiplicou-se consideràvelmente.
Por este facto, as mercadorias não podem ser armazenadas na Alfândega do Porto, ao ritmo das descargas dos navios em Leixões. Isto, na prática, faz com que «a carga de fazenda» só seja transportada para a Alfândega do Porto 20 a 30 dias após a descarga.
Situação paradoxal e grotesca, pois as mercadorias vindas, por exemplo, de Hamburgo, Roterdão ou Londres chegam a Leixões entre 3 a 5 dias. Pois desde Leixões ao Porto, uma distância de cerca de 10 km, tem uma duração de viagem de 20 a 30 dias!

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Mas esta duração de viagem, para a carga armazenada aguardando vez para o seu despacho ordinário, custa por dia, e só para a Guarda Fiscal, 120$ por lote!
Se a isto juntarmos o custo da armazenagem nas instalações da A. P. D. L. e do transporte em camião para a Alfândega do Porto, verificamos quão pesado é o custo do despacho ordinário da mercadoria importada por Leixões.
Pesado pelo que custa em numerário; pesado, ainda, pela demora, numa época em que a indústria e o comércio valem pela rapidez de fabrico e transacção.
Porque não se cria um entreposto alfandegário em Leixões?
No momento em que o Governo tão preocupado se mostra, e bem, em combater a alta de preços, a criação do entreposto alfandegário em Leixões seria, sem dúvida, uma medida mais útil, mais bem acolhida, mais oportuna e justa de fazer descer os preços.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto de Meneses: - Sr. Presidente: Na sessão desta Assembleia de 14 de Janeiro último, impressionado com a questão do aumento tarifário nos transportes da Companhia Carris de Ferro de Lisboa, requeri que pelas estações oficiais competentes me fossem fornecidos determinados elementos. Pretendia fazer um juízo exacto sobre o problema, uma vez que os meios de apreciação chegados ao conhecimento do público eram incompletos e contraditórios entre si.
A rapidez com que o Sr. Presidente do Conselho determinou me fossem facultados todos os elementos do processo e as facilidades que para o mesmo efeito me concederam o Sr. Ministro das Comunicações e o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa possibilitaram a satisfação do meu desejo, e por isso lhes manifesto o meu agradecimento.
Pude esclarecer-me, ou melhor, informar-me por completo quanto ao aspecto processual e formar uma opinião quanto à parte substantiva da questão. Contando com a benevolência de todos os Srs. Deputados, vou, primeiro, descrever com o máximo de elementos e objectividade os trâmites do processo e, depois, dizer o meu entendimento sobre ele, para que esta Câmara possa, por sua vez, ficar com uma ideia de todo este problema, que tem apaixonado a opinião pública.
Vejamos então como os factos se passaram.
1. Em princípios de Julho de 1968, o Governo determina, depois de alguns acontecimentos que não interessa recordar, que a Carris aumente o salário de cada empregado em 20$ diários.
2. Em 4 do mesmo mês a Carris escreve uma carta à Câmara Municipal de Lisboa.
Nela começa por lembrar o parecer do Ministério das Corporações segundo o qual os ajustamentos de que este havia tomado a iniciativa sobre os salários «não prejudicavam quer o prosseguimento das negociações relatavas à Convenção Colectiva do Trabalho, quer as providências necessárias à viabilidade financeira das soluções adoptadas».
Esta viabilidade financeira - continua a Carris - «constitui o problema fundamental para a cobertura dos encargos que lealmente se estimam na ordem dos 50 000 contos anuais». Para mais, segundo alegava a Carris, a decisão tomada por unanimidade no tribunal arbitrai, que funcionou (em 1967) sob a presidência do Sr. Director-Geral de Transportes Terrestres, «reconheceu e decidiu, após exaustiva verificação das contas da Companhia, que a alteração de tarifas, que se aprovava, se destinava apenas a cobrir encargos passados e de modo nenhum poderia servir de base a quaisquer novos pedidos de elevação de salários do pessoal, assim o fazendo constar de um dos respectivos considerandos».
«Há, pois, que dar rápida e eficaz solução ao problema criado, acatando tanto a orientação, que já destacámos, do comunicado do Governo, como os ensinamentos que resultam da recente decisão arbitrai.»
Termina por pedir ao presidente da Câmara a designação do mais próximo dia possível para que a direcção da Companhia possa ser recebida e fazer-lhe entrega em mão das suas propostas e respectiva justificação.
3. Em 12 de Julho, em nova carta para o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, a Carris lembra o pedido da sua carta de 4 de Julho e diz-lhe que os factos se precipitam e agravam, pois em 9 do mesmo mês a Companhia foi notificada, pelo Ministério das Corporações, do despacho ministerial aprovando a tabela dos salários mínimos, pelo que já na quarta-feira dia 10 teve de efectuar o pagamento dos salários do pessoal de conformidade com a decisão governamental.
«Encontra-se, por conseguinte, a já reconhecida como deficiente exploração a seu cargo agora ainda agravada com encargos que excedem os 150 contos diários, ou cerca de 4500 contos mensais, aos quais haverá que acrescer a avultadíssima quebra de receitas sofrida durante o período de não cobrança dos bilhetes aos utentes dos nossos serviços.»
Compreendendo que os múltiplos afazeres do presidente da Câmara não lhe tenham permitido satisfazer, durante todos estes dias, a sua solicitação, pede licença, no desejo de facilitar e fazer avançar a resolução do assunto, para apresentar a sua anunciada proposta:

a) Que se constitua uma comissão de estudos, com representantes da Câmara Municipal de Lisboa, do Ministério das Corporações e da Carris, sob a presidência do director-geral de Transportes Terrestres;
b) Que esta comissão tenha por objectivo proceder, com toda a brevidade possível, ao estudo do problema tarifário dos eléctricos e autocarros em toda a sua extensão e modalidades e de modo a conseguir, com o mínimo de sacrifícios e o máximo de benefícios para os respectivos utentes, um sistema de transporte colectivo com viabilidade financeira que acuda às soluções adoptadas;
c) Que para a conclusão dos trabalhos dessa comissão se fixe um prazo curto, nunca superior a 15 dias;
d) Que à comissão seja lícito requisitar os elementos de escrita e outros e convocar os técnicos que reputar útil ouvir;
e) Que as conclusões, pareceres ou resultados que esta comissão apresentar tenham o carácter de elementos ou informações aos quais nem concedente nem concessionária ficarão obrigados, mas que deverão servir de base às negociações directas a iniciar seguidamente entre ambas as aludidas entidades e a concluir num prazo máximo razoável a fixar por acordo.

Conclui: «o silêncio de V. Ex.ª significaria para nós que devemos apressar a apresentação da reclamação para elevação de tarifas prevista nos artigos 6 e seguintes do contrato de 28 de Março de 1922, a fim de que se sigam os respectivos termos».

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4. Entretanto, em 15 de Julho, o presidente da Câmara havia oficiado à Carris dizendo «que as relações com a Companhia só podiam decorrer nos termos das disposições contratuais em vigor, e, assim, com observância do que nelas se estabelece».
5. Em 17 de Julho de 1968 de novo a Carris oficia ao presidente da Câmara referindo que não lhe tinha sido dada a conhecer a decisão do presidente da Câmara acerca dos alvitres? d is cartas de 4 e 12 do corrente, pelo que pede licença para informar que nesta manhã (de 17) procedeu ao pagamento da segunda semana de salários, elevados nos termos do comunicado governamental e fixados no despacho do Ministério das Corporações de 6 do corrente.
Volta a lembrar o aumento de encargos anuais da ordem dos 50 000 contos e informa que tem estado a proceder ao estudo das alterações mínimas de tarifas indispensáveis para se alcançarem as providências necessárias à viabilidade financeira das soluções adoptadas.
Não esquece nesse estudo os princípios consignados na decisão arbitral proferida em Maio de 1967, com o voto dos digníssimos representantes da Câmara, «de que é certo não oferecer dúvida de que há que ter em consideração as tarifa:; de outros meios de transporte colectivo que a Companhia Carris emprega, os autocarros, pois que a exploração dos transportes em carros eléctricos é feita pela mesma entidade conjuntamente com os autocarros que explorar.
Por isso, na reclamação que se segue, e cuja justificação consta do documento anexo, abrange o custo dos transportes em eléctricos e nos autocarros, «embora seja inequívoco que há que decidir separadamente acerca de uns e outros».
E, embora à Câmara só assista o poder de deliberar sobre as tarifas dos eléctricos, pois a decisão sobre os autocarros pertence ao Ministério das Comunicações, dá-lhe conhecimento da proposta que nesta data submete à aprovação deste Ministério.
Nesta conformidade, apresenta, para os efeitos do estipulado entre a Câmara e a Companhia nos artigos 6 e seguintes do respectivo contrato de 28 de Maio de 1922, a proposta de aumento do preço das tarifas discriminadas em anexo, rogando a respectiva aprovação. (Nessa proposta a Carris prevê que. os encargos adicionais ascendam a 136 000 contos e as receitas adicionais a 133 000 contos, sendo 70 030 dos autocarros e 63 000 dos eléctricos.)
6. De facto, em ofício de 17 de Julho de 1968 a Carris, em carta Dará o Sr. Ministro das Comunicações, informa do pedido feito à Câmara quanto à elevação das tarifas dos eléctricos, no valor de 63 000 contos, e solicita àquele Ministro a aprovação das tarifas dos autocarros, no valor de 70 000 contos..
7. Em 23 de Julho de 1968 o Sr. Ministro das Comunicações designa uma comissão de peritos para avaliar a forma como tem evolucionado a situação financeira da Companhia e elaborar previsões dessa evolução para os próximos anos.
O estudo dessa comissão deverá encarar especialmente:

a) As contas de ganhos e perdas dos últimos cinco anos;
b) A evolução das suas principais rubricas relacionadas com o tráfego;
c) A evolução dos balanços no mesmo período e eventual valorização das acções em circulação;
d) A situação líquida e seus componentes.

8. Por despacho de 25 de Julho o Sr. Ministro das Comunicações determina à Direcção-Geral de Transportes Terrestres que faça, com a maior brevidade possível, a análise comparativa das tarifas de Lisboa, Porto, Coimbra e Barreiro, que figuram num dos anexos à carta da Carris de 17 de Julho corrente, tendo em conta o comprimento das zonas em cada uma das cidades de Lisboa e Porto.
9. Em 26 de Julho o Ministério informa a Carris acerca da constituição da comissão de peritos e diz-lhe que será indispensável que à Companhia ponha à disposição da comissão os elementos necessários (contabilidade e estatística) para a elaboração dos estudos.
10. Em carta de 29 de Julho a Carris acusa a recepção do ofício ministerial e comunica que se encontram desde já ao inteiro dispor dos componentes da comissão todos os elementos que entendam necessários à avaliação da sua actual situação e bem assim todos aqueles que lhes permitam previsões para os próximos anos. E acrescenta que o administrador-geral adjunto, Edward P. Stokes, se encarregará pessoalmente da prestação das informações ou esclarecimentos que a comissão pretenda obter.
11. Em 14 de Agosto o presidente da Câmara envia à Carris fotocópia da deliberação tomada pela Câmara em sua reunião desse mesmo dia.
A Câmara delibera não aprovar o aumento das tarifas proposto pela Carris em sua carta de 17 de Julho, por considerar que se encontram ainda em curso os estudos mandados elaborar por departamento oficial relacionados com a comportabilidade pela empresa concessionária do encargo resultante da recente elevação de salários, e por considerar ainda que o aumento foi solicitado com a alegação de se destinar a cobrir as despesas com o ajustamento salarial, bem como futuros encargos ainda não definidos.
12. Em 20 de Agosto a Companhia envia nova carta ao presidente da Câmara Municipal de Lisboa.
Insiste na apresentação da sua inadiável necessidade de receitas, diz quê o recurso ao crédito está limitado pela própria fragilidade económica da empresa, a tal ponto que é de admitir a impossibilidade financeira de se prover, pelo menos, aos encargos certos já verificados.
Diz que não recorre da decisão da Câmara de 14 do corrente, antes prefere apresentar novo pedido de revisão de tarifas, que visa a cobrir por agora sómente o encargo salarial certo, fazendo, porém, expressa reserva de, quando concluídas as negociações e estudos inerentes ao acordo colectivo de trabalho, formular então, e desde logo, o novo pedido de elevação das tarifas necessárias para a solvência dos respectivos encargos.
Nesse pedido prevê que os encargos adicionais ascendem a 55 000 contos e as receitas adicionais a 53 400 contos, sendo 24 920 contos dos eléctricos e 28 480 dos autocarros.
13. Também em 20 de Agosto escreve ao Sr. Ministro das Comunicações uma carta em que, resumindo os seus anteriores pedidos e razões, salienta que o recurso ao crédito, além de difícil, dada a conhecida fragilidade financeira da signatária, pode não consentir a elevação de responsabilidades dependentes de uma eventual cobertura a prazo indeterminado, vindo a cessar de um momento para o outro e colocando a concessionária na impossibilidade de conseguir fundos próprios para pagamento de encargos que de hora a hora se avolumam. No intuito de acudir a semelhante desastre, com prejuízos irreparáveis não só para os seus accionistas - aliás, em grande número portugueses -, mas principalmente para o público em geral, vê-se a Companhia requerente forçada à optar por uma única solução: solicitar neste momento a elevação mínima das tarifas, indispensável para cobertura dos encargos salariais certos, exigíveis dia a dia, e já computados pelo Governo na ordem dos 50 000

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contos, deixando para outra oportunidade (quando concluídos os estudos dos problemas inerentes ao acordo colectivo de trabalho e fixados os respectivos encargos anuais) a decisão sobre as providências necessárias à viabilidade financeira das soluções então adoptadas.
Neste intuito pede licença para declarar, como efectivamente declara, sem efeito os pedidos globais que formulou em 17 de Julho, não só ao Ministério das Comunicações, como também à Câmara Municipal de Lisboa, substituindo-os pelos pedidos parciais que nesta data apresenta a uma e outra das mencionadas entidades.
Pede que o deferimento deste pedido seja dado com urgência e não fique dependente de investigações acerca da impossibilidade financeira da concessionária, visto já em Março de 1967 a comissão arbitrai ter reconhecido e decidido por unanimidade que a alteração das tarifas então aprovada se destinava apenas a cobrir encargos passados e de modo nenhum podia servir de base a quaisquer novos pedidos de elevação de salários do seu pessoal.
Terminava insistindo por uma decisão rápida sobre esta grave situação.
14. Em 3 de Outubro de 1968 a comissão de peritos, nomeada em 23 de Julho para avaliar a situação financeira da Companhia (portanto 2 meses e 10 dias sobre a data da sua constituição), apresenta o seu relatório.
Nas condições finais desse trabalho, a comissão sente ter ficado, por várias razões que indica, ainda- longe do cabal esclarecimento das situações em análise.
Assim, tendo-lhe sido indicado o despacho ministerial, o conhecimento rigoroso da situação financeira da Carris e a avaliação da forma como essa situação tem evolucionado, a comissão observa que em 1899 a Carris arrendou a concessão a uma empresa inglesa, a Lisboa Electric Tramways. Daí o não poder ligar-se, com propriedade, à Carris a ideia de ter ou não ter lucros, uma vez que a exploração passou a ser feita por conta da L. E. T., nem observar-se a evolução do património próprio, nem tentar tirar-se quaisquer ilações a partir dos respectivos balanços ou relacionar os resultados da gestão com as possíveis oscilações do valor das acções da Carris, as quais nem sequer estavam cotadas na Bolsa.
Observa ainda que hoje a exploração principal de que se ocupa a Carris é o transporte em autocarros, cujo aumento tem sido proporcionado pelos meios resultantes da própria exploração do serviço, e, portanto, por autofinanciamento.
Os trabalhos da comissão basearam-se em documentação fornecida pela própria Carris, e nem toda a informação estatística e de contas desta Companhia lhe pareceu elaborada segundo critério uniforme ou insusceptível de correcção.
Faltando-lhe a possibilidade de efectuar, nos termos indicados no despacho da sua formação, as observações e medições na escrita e contas da Carris, tentou montar, a partir das contas da L. E. T., balanços e desenvolvimentos das suas contas de ganhos e perdas, com vista a interpretar a evolução sofrida de 1963 a 1967, mas, olhando à distância a que se encontram muitos dos elementos de informação das respectivas escrita e contas, designadamente os referentes aos critérios que, na sede em Londres, terão presidido à distribuição de certas verbas e à imputação de determinados encargos, afigura-se-lhe não ter chegado a resultados da máxima profundidade e rigor.
Afirma ainda que não teve a pretensão de conseguir um trabalho completo. E, assim, não faz a apreciação das contas sob o aspecto económico, apreciação que lhe permitiria detectar, por exemplo, a razão do déficit da L. E. T. em 1967, ano em que, todavia, se distribuiu um dividendo superior ao de 1966. Assim como também não fez o trabalho, que seria útil, de confronto de vários indicadores com os de outras organizações e explorações congéneres.
Por tudo isto a comissão considera-se insatisfeita.
Não obstante, tira doze conclusões, das quais convém referir aqui as seguintes:

a) As contas de exploração dos carros eléctricos mostram saldos negativos em todos os anos de 1963 a 1967; em contrapartida, as dos autocarros fecharam sempre com saldos positivos (3.ª e 4.ª conclusões);
b) No que se refere aos carros eléctricos, se bem que legal, merece sérios reparos a reavaliação do activo imobilizado efectuada em 1964, que levou ao empolamento do valor das reintegrações a partir desse ano e, consequentemente, a um aumento do custo da exploração de vários milhares de contos por ano. A verba destinada à reintegração do valor dos carros eléctricos relativa a 1967 foi de mais de 7774 contos que a de 1963, quando a verdade é que o número de eléctricos se reduziu entretanto de 23 unidades. Em consequência da reavaliação de 1964, os carros eléctricos beneficiaram de um aumento de valor de 115 577 contos, e sobre este valor ter-se-á passado a orientar o plano da respectiva amortização até ao termo da concessão, que é em Fevereiro de 1987 (5.ª conclusão) ;
c) As remunerações do pessoal têm-se situado sempre próximo dos mínimos contratuais;
d) A observação dos balanços da Carris não dá quaisquer indicações especiais sobre a situação financeira, uma vez que ela actua por conta da L. E. T., para a qual é globalmente transportado, no fim de cada ano, o valor das operações realizadas;
e) A L. E. T. com os resultados da exploração tem conseguido valorizar bastante o seu activo, o qual averba a existência de importantes valores, correspondentes a imobilizações brutas, a acções da Carris e de outras empresas suas subsidiárias, ao arrendamento da concessão, e outros, além dos representados por empréstimos, títulos de crédito e depósitos bancários.
Mostra-se igualmente, terem sido constituídas avultadas reservas, além de diversas provisões, que talvez mereçam revisão antes de se recorrer em exclusivo à elevação de tarifas para cobertura de novos encargos (9.º conclusão);
f) A situação financeira da L. E. T. evidencia bastante solidez (10.º conclusão);
g) Os indicadores da exploração permitem concluir que desde 1963 a receita média por passageiro transportado tem subido constantemente, mas não tanto como o custo médio do transporte, quer de cada passageiro, quer de cada quilómetro percorrido; e que o número de passageiros transportados por cada quilómetro se tem mantido praticamente constante, apenas com uma ligeira descida em 1962;
h) Prevê que, com os novos encargos, as contas de exploração da L. E. T. registem em 1968, 1969 e 1970 déficits, respectivamente, de 3000, 24 000 e 20 000 contos (12.ª conclusão).

15. Em 24 de Novembro o Ministro das Comunicações despacha sobre o relatório da comissão de estudo.

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Refere que o relatório foi imediatamente posto à disposição do presidente da comissão arbitrai e dada ordem para se entregarem cópias aos delegados da Câmara e da Carris na mesma comissão, o que se fez.
"Os valiosos elementos constantes do relatório e a sua análise, conjuntamente com os estudos de previsão de tráfego (receitam) e de previsão de despesas que os serviços deste Ministério farão em estreita ligação com o Exmo. Delegado do Governo, permitirão o estudo da evolução do problema tarifário com o suficiente conhecimento do problema que é indispensável."
Louva e dissolve a comissão.
16. Em fins de Novembro (o requerimento não está datado, mas os. documentos a ele anexos trazem a data de 21 de Novembro de 1968) a Companhia requer a aprovação do aumento de tarifas, no montante de 113 000 contos, explicando o fim desse aumento:

A totalidade das receitas previstas para as tarifas relativas a autocarros e eléctricos é a necessária para cobrir os nossos encargos, definitivamente apurados, de 113 000 contos, ou sejam: 58 000 + 15 000+30 000+10 000, respectivamente destinados a fazer face:

Aos encargos salariais já existentes;
Aos benefícios sociais a conceder a partir de 1 de Janeiro de 1969;
Aos futuros encargos provenientes da revisão do acordo colectivo de trabalho; e A compensar, durante os próximos três anos, e à razão de 10 000 contos por ano, a exploração deficitária desde o dia 4 de Julho passado até ao fim do corrente ano.

17. Em 26 lê Novembro a Direcção-Geral de Transportes Terrestres dá parecer sobre aquele requerimento da Carris.
Admite cotio fundamentado o pedido de aumento de 113 000 contos, mas entende que o esquema tarifário proposto por aquela Companhia não lhe parece o mais racional.
Sugere parti os eléctricos dois sistemas, um dos quais, segundo ela mais aconselhável, seria para 1 e 2 zonas 1$ e para £ e mais zonas l$50. (Este sistema, que é inferior ao proposto pela Carris, foi mais tarde aprovado pela comissão arbitral.)
Para os autocarros sugere o seguinte esquema: para 1 zona, 1$; para 2 zonas, l$50; para 3 zonas, 2$; para 4 zonas, 2$i>0; e para 5 ou mais zonas, 3$. (Foi este o esquema mais tarde aprovado por despacho ministerial, e é superior em $50 ao pedido pela Carris para 4 e 5 zonas.)
Termina por afirmar que, no caso de qualquer dos sistemas merecer o acordo ministerial, o defenderia na comissão arbitrai ou ali eventualmente o proporia. 18. Na mesma data, 26 de Novembro, o Ministro das Comunicações oficia ao presidente da Câmara Municipal de Lisboa.
Diz que, em face dos estudos da comissão nomeada para avaliar da situação financeira da Companhia, da indicação dada pelo Ministro das Corporações quanto ao montante de s encargos sociais resultantes do acordo colectivo de trabalho em negociação e ainda da informação do delegado do Governo junto da Companhia, carece esta de um regime tarifário que lhe permita realizar um aumento de receita de 113 000 contos, aumento esse que resulta de verbas devidamente apuradas (as mesmas que a Companhia já indicara e nós transcrevemos no n.º 16).
Informa que, feito pelo delegado do Governo o estudo da forma como foi determinado pela Carris o montante das novas receitas de que carece, foi aquele de parecer que as previsões das receitas e despesas estão em condições de ser aceitas, pelo que se justifica um ajustamento de tarifas.
Decide, por isso, aceitar a revisão do esquema tarifário, como único meio possível para a resolução do assunto, uma vez que no momento presente não será possível isentar a Companhia de impostos nem encarar a concessão de qualquer subsídio, nem possivelmente à Câmara dispensar as receitas que obtém da Carris.
Indica o sistema tarifário proposto pela Direcção-Geral de Transportes Terrestres para os autocarros (o que descrevemos no n.º 17), sistema esse que merece o seu acordo.
Quanto aos eléctricos, olhando ao parecer da comissão arbitrai, que entendeu não dever pronunciar-se enquanto não fosse conhecida a decisão deste Ministério sobre as tarifas dos autocarros, visto a economia da empresa dever ser considerada no seu todo, os serviços haviam estudado o assunto e apresentado dois sistemas. Desses dois sistemas, o que tinha a preferência do Ministro era o que descrevemos no n.º 17, por não sobrecarregar o maior número de passageiros transportados.
Solicita o parecer urgente da Câmara para as tarifas dos autocarros, visto que os trabalhos da comissão arbitrai de tarifas (estava-se no dia 26) devem concluir-se no dia 30 e estão pendentes do conhecimento das novas tarifas que o Ministério venha a aprovar para os autocarros.
19. Em 27 de Novembro dá entrada formal o relatório do delegado do Governo, que nele faz a análise minuciosa dos encargos da exploração e a previsão do tráfego, esta com vista a determinar o montante das receitas. Baseia-se em quadros e mapas, extraídos - segundo afirma - da contabilidade e registos da Carris, sob a sua orientação e por ele verificados. Apresenta, primeiro, o seguinte esquema das despesas para o ano de 1969:

contos
Déficit previsto para 1968 pela Carris, repartido por três anos ........................................... 10 000
Encargos salariais e respectivos encargos sociais (Caixa de Previdência e Fundo de Desemprego) para 1969, incluindo os 20$ de aumento de 4 de Julho de 1968 . 312 304
Encargos salariais adicionais (diuturnidades, subsídios de férias e antecipação para a 1 hora da manhã do regime de sete horas diárias) ............... 15 116
Encargos sociais do acordo colectivo de trabalho ........ 30 000
Encargos gerais de exploração:

Eléctricos .................................... 26 000
Autocarros .................................... 76 600
Comuns a eléctricos e autocarros .............. 16 850
______________ 119 450

Amortizações e previsão para substituição do activo imobilizado ..................................... 20 300
Dividendo da Lisboa Electric Traimvay, Ltd. (6 por cento líquido de impostos) ...................... 8 600
_____________
Total .................. 515 770
_____________

Neste capítulo das despesas foram integralmente admitidos os encargos de 113 000 contos pedidos pela Carris, incluindo, portanto, os 30 000 que a hão-de onerar quando entrar em vigor o novo acordo colectivo de trabalho.

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Chamo também a atenção dos Srs. Deputados para a verba de 20 300 contos, destinada a amortizações, e para a de 8600 contos, destinada a dividendos.
Quanto a receitas, apresenta o Sr. Delegado do Governo o seguinte resumo:

contos
Eléctricos - líquido de impostos e percentagem
para a Câmara Municipal ........................... 185 268
Autocarros - idem ................................. 324 756
Elevador do Carmo ................................. 900
Receitas diversas (publicidade, etc.) ............. 7 500
Juros a receber em Londres, menos despegas na sede. 1 500
_______________
Total .................. 519 924
_______________

Estas receitas estimou-as o delegado do Governo com base na previsão do tráfego, com quebras, nos eléctricos, de 15 por cento nos passageiros de 2 zonas, de 10 por cento nos de 3 zonas, de 5 por cento nos- de 4 zonas e quase 50 por sento nas assinaturas; e, nos autocarros, de 10 por cento nos passageiros de 2 e 3 zonas, 5 por cento nos de 4 zonas e 25 por cento nas assinaturas.
Observo também que o cômputo destas receitas foi feito a partir dos preços pedidos pela Carris, os quais vieram a ser diminuídos, quanto aos eléctricos, pela comissão arbitrai e aumentados, quanto aos autocarros, pelo despacho ministerial, num resultado negativo, da ordem dos 15 000 contos, no conjunto das duas modalidades de transporte.
Confrontando os dois resumos das despesas e receitas, o saldo positivo, na estimativa do Sr. Delegado do Governo, seria de 4154 contos; porém, olhando à alteração que sofreu o esquema tarifário proposto pela Carris, haverá, observadas que sejam as previsões do relatório, um saldo negativo de cerca de 10 000 contos.
20. Em 6 de Dezembro o presidente da Câmara responde ao Ministro das Comunicações.
Ouviu a vereação da Câmara em reunião de estudo, onde foram examinados o ofício do Ministro e os relatórios nele citados.
Apesar de todos esses elementos, a Câmara chegou à conclusão de que ainda não está completado o estudo da questão e, portanto, devidamente esclarecido o problema da impossibilidade de a Companhia suportar os novos encargos com o pessoal. Cita, em defesa deste ponto de vista, alguns passos do relatório da comissão nomeada em Julho, especialmente a 9.ª e a 12.ª conclusões, que atrás referimos (ver n.º 14, no fim).
Observa que o sistema tarifário indicado no ofício ministerial para os autocarros excede, nas 4 e 5 zonas, o pedido da Companhia.
Observa também que, se as tarifas entrarem em vigor em 1 de Janeiro próximo, a Carris beneficiará de receitas destinadas a cobrir encargos provenientes do novo acordo colectivo de trabalho antes de este entrar em vigor.
Sente a preocupação de ver agravado o custo de vida da população com as novas tarifas e não está convencida da necessidade de tão largo sacrifício. De resto, a concessionária dispõe de valores contabilizados, obtidos com a exploração, que ultrapassam a margem de segurança indispensável nos anos futuros.
Reflecte que entre a importância de cerca de 75 000 contos, que, na pior das hipóteses que descreve, seria o déficit provável em 1969, e aquela de 113 000 contos, que a Companhia prevê, há uma grande diferença.
Conclui com o parecer de que as tarifas indicadas no ofício ministerial carecem de revisão.
21. Em 9 de Dezembro exarava o Sr. Ministro das Comunicações o seu despacho de actualização das tarifas sobre o requerimento da Carris de 26 de Novembro.
Ponderadas devidamente todas as peças do processo, não lhe ficavam dúvidas sobre a necessidade do aumento das tarifas. As observações da Câmara Municipal não alteravam a opinião que sobre o problema havia formado na generalidade e na especialidade, pois estava-se numa posição em que se conheciam a situação da empresa e os encargos que ela tinha de suportar.
Não pode encarar-se a hipótese de subsidiar a Carris nem considerar-se que a Câmara possa prescindir da percentagem da receita de exploração que lhe cabe e em 1969 atingirá cerca de 43 000 contos.
Os receios da Câmara quanto à eventual utilização pela concessionária, em benefício próprio, dos aumentos previstos não têm qualquer fundamento, pois a própria empresa declarou expressamente que não os utilizará senão para os fins consignados. A Carris só poderá aplicar os saldos resultantes dos aumentos tarifários em benefício do pessoal ou de reequipamento, de harmonia com despacho expresso do Ministro das Comunicações para cada caso.
Dá, portanto, o seu acordo à proposta da Direcção-Geral de Transportes Terrestres, pelo que as tarifas dos autocarros passarão a ser as seguintes, a partir de 1 de Janeiro de 1969: 1 zona, 1$; 2 zonas, l$50; 3 zonas, 2$; 4 zonas, 2$50; 5 e mais zonas, 3$.
Este esquema - acentua - tem a intenção de manter e até melhorar o preço dos transportes para as zonas mais periféricas da cidade, onde residem normalmente as pessoas de mais fracos recursos económicos, bem como a de manter o preço dos transportes dos pequenos percursos (l zona), que grande número de pessoas são obrigadas a fazer com mais frequência no centro da cidade e em certos bairros que têm uma vida própria relativamente intensa.
Finalmente, em face da complexidade da situação actual da concessionária, julga oportuno recomendar à Câmara que encare a possibilidade da revisão do contrato de concessão com a Carris, o que, aliás, esta Companhia propôs formalmente apresentando há cinco anos a minuta de um novo contrato e que não teve qualquer andamento; ou, mesmo, que encare a possibilidade do resgate da concessão antes do seu termo, orientação que permitiria a reestruturação de todo o sistema de transportes públicos de Lisboa, com uma solução digna do nosso tempo e da qual resultariam benefícios de toda a ordem para o público. O Governo dará todo o apoio possível a esta orientação, pela importância nacional de que tal problema se reveste.
22. No dia seguinte, 10 de Dezembro, reúne-se a comissão arbitral de tarifas.
Montando os novos encargos da Carris - pondera, entre outras coisas, a comissão - a 113 000 contos e prevendo-se que da actualização das tarifas dos autocarros, determinada por despacho ministerial da véspera, resulte o aumento anual da receita da ordem dos 89 000 contos, decide para os eléctricos o seguinte: continuam sem alteração as tarifas de 1$ para 1 ou 2 zonas; eleva de 1$ para l$50 as tarifas de 3 e mais zonas.
O acórdão foi votado pela maioria de um voto: a favor, o presidente da comissão e os dois representantes da Carris, e contra, os dois representantes da Câmara.
Com esta decisão ficava encerrada a questão no aspecto processual.
Como VV. Ex.ªs terão notado na descrição que acabei de fazer, a Câmara Municipal de Lisboa, nesta questão,

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recusou-se sempre a aceitar os pedidos da Carris, ao passo que o Ministério procedeu de outra forma.
Qual a razão desta diferença de atitudes?
Forque é que a Câmara não aceitou as propostas de aumento de te rifas e as aceitou o Ministério?
A razão está em que as duas entidades partiram de bases diferentes, e assim necessariamente tinham de ser diferentes os caminhos e os termos finais.
A Câmara baseou-se, para as suas deliberações, no relatório da comissão de peritos nomeada pelo Ministro das Comunicações em 23 de Julho de 1968 e o Ministério partiu, para a sua decisão, do relatório do delegado do Governo junto da Carris.
Ora, realmente, partindo do relatório da comissão de peritos era difícil tirar uma deliberação favorável à Carris, visto que as conclusões desse relatório alimentavam as dúvidas da Câmara sobre a exactidão dos aumentos tarifários que a Companhia propunha ou pedia; pelo contrário, partindo do relatório do delegado do Governo, era fácil tirar uma conclusão favorável ao pedido da Carris, e daí as decisões do Ministro das Comunicações e da comissão arbitral.
Todavia, seria possível, mesmo seguindo os trilhos indicados pelo relatório do delegado do Governo, chegar a outra solução? Acho que sim.
Diz-se nesse relatório que, para se estabelecer um esquema tarifário, é preciso o conhecimento, tanto quanto possível exacto, dos encargos de exploração conjugado com uma previsão cuidadosa do tráfego. De facto, é necessário calcular o número de passageiros para se poder fixar um preço ao transporte e assim obter as receitas indispensáveis à vida da empresa.
Neste caso da Carris foi feita essa previsão do tráfego, e pode dizer-se que é nela que reside quase toda a delicadeza do problema.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - No relatório indica-se que, a manterem-se os preços antigos, o número de passageiros nos eléctricos seria de 177,4 milhões e nos autocarros de 204 milhões; mas prevê-se que, com as novas tarifas, aqueles números desçam nos eléctricos de 177,4 milhões para 160 milhões e nos autocarros de 204 milhões para 192 milhões. Estas quebras estimou-as o técnico responsável com base na experiência da própria Carris, quando dos aumentos de 1962 e 1967 nos eléctricos, e ainda com base numa fórmula citada na Reme n.º 2-1968 da U. I. T. P. (New York City Transit Authority).
Simplesmente, o que é que se verifica? Verifica-se que, nos anos aportados de 1962 e 1967, em que houve aumentos de tarifas dos eléctricos, o número de passageiros aumentou consideràvelmente, passando de 128,4 milhões em 1961, pari, 137,7 milhões em 1962 e para 147,1 milhões em 1967, e de 178 milhões em 1966 para 185,7 em 1967. Como nos autocarros (em que não houve então agravamento cê tarifas) se deu um aumento ainda maior de passageiros, custa aceitar a hipótese pessimista da retracção ou quebra do tráfego, pelo menos nas proporções indicadas no relatório.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E que ilação se pode tirar desta previsão menos pessimista? A ilação que se pode tirar é só esta: se o número de passageiros se mantiver equivalente ao previsto para os preços antigos, a Carris registará uma receita bastante superior à orçamentada no relatório, e, assim, para seu equilíbrio orçamental em 1969 ela careceria de uma verba bastante inferior aos 113 000 contos, que é a quanto montam os novos encargos. Por consequência, a elevação das tarifas ter-se-ia situado talvez em metade ou pouco mais do aumento que sofreram, isto é, em vez de atingir a média geral de 30 por cento, ficaria pelos 15 ou 20 por cento, percentagens de agravamento menos impressionantes, porque mais condizentes com as restantes flechas da subida do custo de vida. E esta é para mim a conclusão máxima.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - O Sr. Ministro das Comunicações teve a percepção nítida desta hipótese menos pessimista, pois, por um lado, acautelou no seu despacho que os saldos eventualmente resultantes do aumento tarifário devem ser aplicados em benefício do pessoal ou do equipamento e, por outro, previu no seu comunicado de 10 de Janeiro último um possível abaixamento de tarifas. Diga-se desde já que esta segunda solução é a que se me afigura mais justa, pois os superavits obtidos do público, uma vez satisfeitos os benefícios salariais que originaram toda esta questão, devem reverter para benefício do próprio público e o equipamento fazer-se à custa doutros recursos.
É com esta esperança que termino a minha intervenção, acrescentando ainda que sou dos que defendem o alvitre do resgate, e o mais urgente possível, da concessão. Faltam 18 anos para o termo do contrato, e Lisboa não pode esperar tantos anos por uma reorganização dos transportes colectivos à altura da sua categoria e do nosso tempo.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Horácio Silva: - Muito embora sob o risco de poder ser-me atribuída a pretensão de «meter foice em seara alheia», a verdade é que é mesmo para me ocupar de problemas da nossa marinha mercante que realizo esta intervenção na Assembleia Nacional. E suponho válidas as razões: em primeiro lugar, porque não se me afigura legítimo terem-se como «seara alheia» para qualquer português consciente das suas responsabilidades - muito menos para um membro desta Câmara e menos ainda para um Deputado pelo ultramar - os problemas da marinha mercante nacional. E também porque as implicações desses problemas são de toda a ordem: económicas, sociais e políticas. Implicações muito sérias, pois que a magnitude de todas elas entronca afinal na defesa, na integridade, na própria sobrevivência da Nação.

O Sr. Veiga de Macedo: - Muito bem!

O Orador: - Não serão muitos os tratadistas que entre nós se têm ocupado da nossa política do mar, ou não conhecerei eu muitos. Mas conheço alguns que o são da mais pura água, entre os quais - e além do insigne marinheiro que é, desde há onze anos, o venerando Chefe do Estado - outros ilustres marinheiros (alguns deles com assento nesta Câmara) e distintos economistas e jornalistas que às coisas do mar, designadamente à causa da marinha mercante portuguesa, têm dado ao longo dos anos o melhor de si mesmos em clarividência que os prestigia e em patriótica devoção.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não darei decerto novidade a ninguém se disser que, não obstante havermos sido no passado - um passado de que em igual grandeza e significado nenhum outro povo pode orgulhar-se - a po-

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tência naval que realizou o prestígio dos Descobrimentos, estávamos reduzidos, no começo da segunda metade do século XIX, à ultima e bem deprimente expressão: não possuíamos um único veleiro sequer na carreira regular para o ultramar português! E foi, para justa ufania desta Casa, um parlamentar, o visconde de Castelões, quem, na sessão de 13 de Janeiro de 1851, propôs, para isso, a aquisição de dois navios de 1200 t, aquisição que a anemia do erário público malogrou, tornando-a impossível.
A proposta não foi, porém, má semente lançada à terra. De algum modo terá sido considerada: um navio de guerra foi duas vezes ao ultramar com um intervalo de três meses ... E a semente germinaria dois anos mais tarde na fundação da Companhia Luso-Brasileira; na tentativa, em 1854, da que seria a Companhia Real Portuguesa de Navegação; e na Companhia União Mercantil, que veio a falir estrondosamente.
Há cem anos exactos (1868) a situação era do género de se sujeitar o Estado à vergonha de ter de pagar onerosos subsídios a armadores britânicos para uma viagem mensal entre Lisboa e os portos de Angola! Mas foi nesse mesmo ano de 1868 que em tal domínio, decerto sob o acicate de tão desairosa e triste queda, se iniciou, com o estabelecimento da Empresa Lusitana e, mais tarde, da Insulana, a marcha firme até à fundação, em 1881, da Empresa Nacional de Navegação (actual Companhia Nacional de Navegação) e a marcha até aos nossos dias, apesar do fracasso, em 1892, da Mala Real Portuguesa, fundada quatro anos antes.
Ao iniciar-se o presente século já Portugal dispunha de uma pequena marinha mercante - 46 navios, com 57 mil toneladas. Pouquíssimo, decerto, tão pouco que nos não libertava, dez ou quinze anos depois, de ter de enviar tropas para o ultramar em navios estrangeiros 1 Mas alguma coisa era para quem, cinquenta anos antes, se encontrava no zero absoluto. E com a requisição e depois apresamento dos 72 navios alemães, com um quarto de milhão de toneladas, que se encontravam em portos nacionais quando a Alemanha Imperial nos declarou guerra, houve ocasião única de constituirmos definitivamente uma frota mercante capaz de resistir às nossas crises cíclicas, pelas suas possibilidades de renovação permanente com os seus próprios resultados.
Mas o que sucedeu então veio a ser, de facto, bem amarga, se não trágica, desilusão. Sob o império da desorientação, da desordem política do tempo e da irresponsabilidade consequente, a empresa denominada Transportes Marítimos do Estado deu, na sua acção, provas do que foi, na verdade, um formidável caos, no qual tudo se afundou vergonhosamente, no desastre perecendo a própria frota - cujos restos foram vendidos em hasta pública -, a frota que poderia ser o início da renovação da nossa marinha mercante e a relativa compensação material da nossa intervenção na guerra.
Assim chegámos a 1926, através de muitas vicissitudes, que todos conhecem. Entretanto fundara-se em 1919 a Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes - que viria a ser a maior armadora portuguesa nos nossos dias - e em 1922 a Companhia Colonial de Navegação, outra grande armadora também, esta por iniciativa com origem, que não deixarei de sublinhar, numa cidade angolana - Benguela. Quando rebentou a II Grande Guerra, o mundo dispunha de cerca de 30 mil navios, com 70 milhões de toneladas brutas, dos quais só uma ínfima parte - menos de 1/2 por cento - era constituída, por barcos portugueses, que iam envelhecendo cada vez mais, lamentavelmente, sem as indispensáveis substituições sequer para a dúzia de navios que na guerra - na guerra em que não estávamos directamente envolvidos - nos foram afundados de 1940 a 1943. Era assim inevitável que voltassem a erguer-se no nosso horizonte naval os riscos de colapso e as ansiedades e angústias dos mais esclarecidos. Foi quando surgiu o famoso - e salvador - Despacho n.º 100, subscrito pelo então Ministro da Marinha, contra-almirante Américo Tomás.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Não tomarei o precioso tempo desta Assembleia a expor o que significa para a Nação uma frota mercante suficiente e eficiente, capaz de a servir como se impõe na sua vida económica e no seu desenvolvimento e, sobretudo, capaz de lhe assegurar o transporte dos meios logísticos e de sobrevivência em eventualidades que seria criminoso deixarmos de prever.
Isso ficou dito de forma lapidar, por vezes com ressonâncias do bronze, nos célebres Despachos n.º 100, de 1945, e n.º 50, de 1955, pelo antigo Ministro da Marinha Sr. Almirante Américo Tomás; também em vários despachos do seu sucessor naquele alto cargo, Sr. Almirante Quintanilha Mendonça Dias, e ainda, nesta Câmara, em sucessivas intervenções, plenas de ensinamentos, do Sr. Almirante Jerónimo Jorge. E afigura-se-me de toda a justiça não omitir nestes apontamentos a batalha há longos anos travada pelo Sr. Deputado Almirante Henrique Tenreiro em prol das pescas nacionais e seu armamento e, no âmbito e tribuna de que dispõe, pelo economista e antigo capitão da marinha mercante Sr. Dr. Ramos de Sousa e ainda pelo jornalista Maurício de Oliveira na sua obra jornalística e de escritor.
Apenas lamentarei, como todos VV. Ex.ªs, que a renovação da nossa marinha mercante, promovida de 1945 a 1955, não tenha sido continuada como se impunha e contemplada como era indispensável no I e no II Planos de Fomento - decerto por ter sido atribuída preferência a outras prioridades também prementes -, e no Plano Intercalar, certamente porque o não permitiu a larga soma de encargos com a luta que nos é movida no ultramar. E a dramática consequência é que, longe de havermos atingido a meta de 60 por cento de o nosso comércio marítimo se realizar em navios sob pavilhão nacional, estamos, de facto, a distanciar-nos cada vez mais dos 33 por cento em que nos encontrávamos há 15 anos atrás!
É certo que a Nação possuía há 15 anos 327 navios diversos, com pouco mais de 550 000 t brutas, e agora disporá de maior tonelagem - 775 000 - num mundo em que a marinha mercante vai a caminho dos 200 milhões de toneladas. Mas certíssimo é também que, enquanto em 1954 só um terço dos nossos navios de comércio tinha mais de 25 anos (idade em que os navios são de exploração deficiente, quando não ruinosa), o número de barcos envelhecidos ou obsoletos é agora de dois terços e dentro de muito breves anos atingirá os 78 por cento. Isto significará o recurso cada vez maior à navegação estrangeira, a qual, aliás, quando ela assim o entender - e sabe-se quanto está sujeita a inelutáveis pressões políticas -, poderá faltar-nos quando nos fizer maior falta.
Por mais que deseje atenuar as tintas carregadas que nos oferece o panorama da nossa marinha mercante, a verdade é não ser possível abstrair-nos do facto de o comércio da metrópole com as províncias ultramarinas e com o estrangeiro ter de se efectuar por mar em 99 por cento dos casos, o que sem dúvida nos impõe de forma

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imperativa não consintamos se perca o espírito do mar, que nos recorreu no mundo e na história o carácter e a grandeza da Pátria, antes lutemos afincadamente pela sua revivescência, pois dela depende algo de tão alto como é o futuro da própria Nação.

Vozes: -Muito bem!

O Orador:- -Já no nosso ultramar, designadamente em Angola, se começam a sentir sérias dificuldades de transportes marítimos de longo curso, cada vez maiores de ano para ano, por faltas de praça em navios nacionais para as suas exportações, destinadas quer à metrópole, quer ao estrangeiro, com os prejuízos de toda a ordem, comerciais e cambiais, que o facto implica, não se devendo esquecer entre essas implicações as de carácter social e político que lhe estão associadas e são por de mais evidentes.
Têm chegado ao Governo, enviadas pelas associações económicas angolanas, entre as quais citarei a de Benguela, reclamações tão justificadas que não puderam deixar de ser acolhidas pelo Ministério do Ultramar e pelo Ministério da Marinha. Estes Ministérios, honra lhes seja, tiveram de determinar no mês findo que a Junta da Marinha Mercante possa e afinal deva - pois estão ameaçados interesses vitais mais que legítimos das nossas províncias ultramarinas - autorizar o transporte de cargas, em navios estrangeiros, entre portos portugueses, enquanto se mar tiver a triste situação que acabei de expor.
São estas, pira já - e várias outras podem advir -, as consequências, que eram previsíveis e foram inevitáveis, de não haver sido continuada nos níveis necessários, durante a vigência dos três Planos de Fomento anteriores, a renovação da marinha mercante, em boa hora pleiteada e superiormente promovida de colaboração com os armadores tradicionais, na década de 1945 a 1955, pelo Ministro da Marinha, almirante Américo Tomás.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Não desejo seja por essa nota sombria que termine esta minha intervenção, a qual, como as anteriores que tenho trazido a esta Câmara, se inspira, construtivamente, no corajoso espírito, bem português, de luta contra a adversidade, espírito indomável de desafio às tarefas difíceis - às ciclópicas tarefas - que tanto nos distingue no mundo. Aquilo que se não fez a tempo e horas e nos evitaria o amargor deste momento vai fazer-se. Mais: já começou de facto a fazer-se. A renovação dl marinha mercante, que o interesse nacional impõe, começou já efectivamente, embora ainda tão ténue e tão lenta que mal se afirma. Começou, a partir de 1958, com a construção de 4 navios-tanques, com o total de mais de 160 000 t, havendo já notícia da construção de outro navio-tanque, este de 80 000 t; começou também com a inserção no III Plano de Fomento em curso do programa de construção de 37 novas unidades, programa para o qual se prevê o investimento de 6 400 000 contos, dos quais 5 200 000 por autofinanciamento privado e crédito através dos estaleiros de construção naval, 600 000 contos do mercado financeiro e 600 000 do Orçamento Geral do Estado.
Pode e deve acrescentar-se - para as salientar aqui, como é de justiça - que das aquisições por autofinanciamento já uma importante empresa armadora realizou as de três navios: - o Beira, o Nacala e o Quelimane -, enquanto outro mandou construir nos estaleiros de Viana do Castelo os cargueiros Lobito e Porto e já firmou com os mesmos estaleiros contrato para construção de outro navio do mesmo tipo do Porto.
Pouco é ainda, decerto, mas é já de novo um começo. Ponto é que o Estado cumpra agora com firmeza, no que lhe compete, a execução daquilo a que se obrigou no III Plano de Fomento quanto à marinha mercante, isto é, a satisfação integral e oportuna do financiamento que se propôs, o qual é equivalente apenas a 10 por cento do programa de renovação. E que ponha, como é de esperar, toda a sua influência ao serviço da causa junto dos estaleiros portugueses da Margueira, para que intensifiquem a sua acção de construção naval; e junto dos de Viana do Castelo, Aveiro, Figueira da Foz e Lobito, para que, sob a sugestão de encomendas de alguns daqueles 37 navios previstos no III Plano de Fomento, ampliem as suas carreiras e assim possam intensificar também a sua acção construtora, prestando - com o fomento do trabalho e, portanto, dos empregos e com a poupança de divisas - a colaboração que é legítimo esperar deles na obra, eminentemente nacional, de renovação da nossa marinha mercante.
Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Agostinho Cardoso: - Sr. Presidente: Há pouco mais de uma semana efectuou a sua primeira visita de trabalho à ilha da Madeira o Sr. Ministro das Comunicações, Eng.º Canto Moniz.
Situado a pouco mais de uma hora de voo de Lisboa, o Funchal é quase um arrabaldeda capital, como agora ali sé diz, ligado a esta por duas carreiras diárias nos confortáveis aviões da TAP.
Começa assim a ser habitual vir-se da Madeira a Lisboa tratar dos problemas de interesse regional, ou ir-se lá observá-los no ambiente próprio.
Todavia, esta visita ministerial revelou-se de especial importância, que me interessa sublinhar nesta tribuna.
Em primeiro lugar, da percepção local de um número relativamente elevado de assuntos dependentes da sua pasta pôde o Ministro tomar decisões, no sentido de acelerar a realização de várias obras de real projecção no distrito, e dar orientação definitiva a outras, no sentido de uma próxima efectivação.
Entre as primeiras, refira-se o prolongamento da avenida marginal, e entre as segundas, a iluminação dos obstáculos de aproximação do aeroporto de Santa Catarina, permitindo a sua utilização durante a noite.
Salientou o próprio Ministro o significado da sua visita de trabalho, ao afirmar que ela:

... se integrava na linha de rumo lançada pelo Presidente do Conselho com vista a dinamizar a administração pública, acelerando-se, tanto quanto possível, a administração pública do Estado, procurando-se dar satisfação, tão rapidamente quanto possível, aos anseios das populações, e não perdendo tempo nos estudos e nas medidas que a resolução de tantos e tão importantes problemas exigem.

O segundo aspecto, porventura o mais importante da visita do Sr. Eng.º Canto Moniz à Madeira, acha-se concretizado nestas palavras que ali pronunciou:

Consegui, meus senhores, conjugar esta minha visita à Madeira com a realização de reuniões de estudo com os três colegas da Bélgica, da Alemanha Federal e da Itália, especialistas desses países sobre

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problemas importantes, como já disse, para as comunicações internacionais, e fi-lo com uma dupla intenção: a primeira foi a de proporcionar aos nossos amigos daqueles três países um ambiente de trabalho fora do comum, como é este cenário precioso no qual nos encontramos - a Madeira; a segunda intenção foi a de chamar a atenção para os Madeirenses, para as grandes possibilidades que esta ilha tem, para nela se realizarem congressos e conferências deste e de mais alto nível, que podem e devem trazer para aqui muitos amigos de outros países e assim poder-se-á fomentar ainda mais o interesse pelas belezas desta linda terra.
Na realidade, a Madeira pode perfeitamente equiparar-se, em qualificação, a estâncias de recreio como Montreux, Lucarno, etc., que têm tradicionalmente sido escolhidas para a realização deste tipo de actividades no domínio da cooperação internacional.

Estas palavras indicam o caminho aos madeirenses para um tipo de turismo que muito importa à propaganda da ilha: o turismo das conferências, congressos, reuniões internacionais.
Mas a iniciativa do Ministro constitui um exemplo que a Madeira espera ver cultivado, com mais frequência do que até aqui, por outros departamentos do Estado, organismos ou individualidades que possam intervir no acolhimento e programação de congressos e outras reuniões internacionais que se realizem no nosso país.
Sr. Presidente: Não desejo que esta legislatura termine sem deixar aqui mais uma palavra - breve apontamento que seja - em prol do meu distrito e das soluções que se impõem para os seus problemas.
Esse apontamento será uma nota à margem da intervenção que há dias o Sr. Deputado Rui Vieira realizou nesta Assembleia, a qual constituiu uma interessante e actualizada síntese da problemática económica da Madeira, das suas perspectivas e soluções.
Tudo o que disse quanto às taxas cobradas na Alfândega do Funchal destinadas a entidades locais e onerando a entrada e saída de produtos e o que afirmou quanto aos sectores sacarino, vitícola, pecuário, de lacticínios, banana e turismo constituem um depoimento válido e pertinente acerca da situação económica do distrito, a qual exige estudos e providências específicas e imediatas, sem o que as suas condições no presente e o seu desenvolvimento no futuro podem correr graves riscos.
Na realidade, a Madeira, com o duplo condicionamento da sua insularização e pletora populacional, não compensável por suficientes perspectivas de industrialização, constitui uma unidade regional, cujas características económico-geográficas a colocam numa posição de excepcional prioridade para um estudo de conjunto da sua situação sócio-económica.
Pode um dos objectivos desse estudo - o de curto prazo - localizar-se naqueles aspectos que podem, quanto a realizações, ser abrangidos pela segunda fase do actual Plano de Fomento.
Há, todavia, um objectivo mais profundo, embora menos imediato: o estudo multissectorial das suas actividades, de cuja coordenação resulte o planeamento integral desta região, donde possa partir-se para realizações de conjunto, racionais, dimensionais e eficientes.
Distrito autónomo, com órgãos privativos dotados de receitas próprias, constitui uma pequena unidade económica bem definida, a braços com problemas específicos como os dos seus bordados, dos seus vinhos, do seu turismo, alguns dos quais nada têm de comum com o resto da metrópole.
Assim, será pouco pertinente qualquer preocupação de afinar o ritmo desses estudos e desse planeamento pelo das outras regiões metropolitanas, sob pretexto de uma hipotética imparcialidade em relação a todas.
A agudeza de certos problemas da Madeira, como o da agricultura, da emigração, do turismo, etc., impõe que se a ajude a conduzir o seu integral planeamento regional em ordem a poder racionalmente aplicar, escalonados no tempo, as receitas e o potencial dos seus diversos sectores.
Há dois pontos da intervenção do Sr. Deputado Rui Vieira que desejo apoiar veementemente. O primeiro refere-se à uniformização de preços do cimento e do ferro em relação ao continente, como providência imediata à crise grave da construção civil que se desenha nitidamente na ilha.
Se os preços da gasolina e dos óleos para abastecimento da navegação são praticamente uniformes para toda a metrópole, se a Madeira, em 1967, com as 84 372 t de consumo de cimento, absorve, em relação a 1 814 093 t que consumiu toda a metrópole, 1,9 por cento do consumo total (16 739 contos e 955 554 contos, respectivamente;, é de pôr-se esta medida como apoio de emergência paralelo ao que outros sectores do País têm obtido em circunstâncias similares. Escandaloso assim que o cimento custe mais 80 por cento à venda ao público na Madeira do que no continente.
O outro ponto é o aceleramento do estudo sobre a livre circulação de mercadorias entre o continente e as ilhas, enquadrável no conceito do espaço comum português e preâmbulo da velha aspiração madeirense do porto franco.
Não se ignora que as receitas cobradas na Alfândega do Funchal têm de obter compensação, pela cobrança doutras, de idêntico valor, sob forma diferente, como não se ignora que alguma repercussão possam estas medidas ter sobre a organização administrativa da ilha; desapareceria todavia a barreira alfandegária, como lá se diz, e a oneração directa dos produtos de importação e exportação. Interessava, por múltiplas razões, que estes dois problemas entrassem em franca solução ainda no corrente ano.
E se passar de relance sobre cada sector económico, eu direi que se impõe a organização da viticultura paralelamente ao que se fez em relação aos lacticínios, o estudo da simplificação do circuito comercial da banana, por forma que se reduza a saliente distância entre o seu custo junto do produtor e aquele a que chega ao público no continente, e ainda que ao lado da banana ultramarina seja coordenada a sua colocação nos mercados de exportação, em ordem a prevenir-se erradas concorrências ou futuras crises de qualquer dos dois sectores.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Acrescente-se a isto o estudo comparativo dos factores que oneram na origem os dois produtos, entre os quais os encargos com a previdência em relação à Madeira.
A floricultura, que já se representou em 1967 na exportação expressivamente, pode atingir maiores volumes, estimulando-se e programando-se simultaneamente a sua produção em cultura doméstica e industrializada e fomentando-se mais a sua expansão pêlo melhor conhecimento dos mercados e mais larga utilização do transporte aéreo.
Na pecuária e nos lacticínios há que aguardar os resultados das excepcionais e benéficas medidas de fomento

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recentemente promovidas pelo Governo, sem que deixe de continuar a progredir-se na assistência sanitária e higiene do gado e no estudo das forragens e rações alimentares.
Impressiona, no sector piscícola, a subida vertiginosa de preços no marcado interno e a rarefacção do produto, com repercussão na alimentação das populações e no custo de vida, que tanto se tem agravado na Madeira nos últimos tempos Impõem-se o estudo e as medidas que o Sr. Deputado Rui Vieira refere, como interessa também averiguar se há qualquer sintoma de retracção na faina da pesca que só traduza e provoque, em parte, a subida de preços. Caminha que, com carácter transitório ou definitivo, a I. G A. estendesse à Madeira, nas presentes circunstâncias, a sua actuação.
Na indústria de bordados, importa pôr o problema da necessidade ou ião de rever-se a sua estrutura. Aí, como no estudo das possibilidades de instalação de novas indústrias, e no sectcr «informação» em seu aspecto industrial, embora sejam pequenas as possibilidades que a Madeira neste campo apresenta, seria de concretizar-se, na actual conjuntura, o apoio já prometido e testemunhado pelo Banco de Fomento Nacional.
A mancha negra da colónia, não há dúvida de que pode caminhar para uma metódica solução, através de financiamentos da Junta de Colonização Interna, para que cada colono possa ter acesso à propriedade perfeita, pelo processo simples utilizado antes de 1967 e sem os entraves criados, quando se a quis enquadrar adentro das normas da Lei de Melhoramentos Agrícolas.
Só a Junta da Colonização Interna, que tantos serviços tem prestado à Madeira, pode ser autorizada pelo Governo a seguir o sistema que tão bons resultados deu na aquisição das terras colonizadas na freguesia de Ponta Delgada -, só ala pode, dizia, solucionar, pouco a pouco e eficazmente, D problema da colónia.
O emparcelamento, a exploração comunitária e a mecanização da agricultura - que esta última parece ir caminhar agora a mais acelerados ritmos - constituem outros motivos de atenção.
E por último, Sr. Presidente, uma breve referência ao turismo, de que tantas vezes me tenho ocupado nesta Assembleia.
Estou cada vez mais convencido de que o turismo, indústria certamente original, não é mais fugaz nem mais contingente do que as outras indústrias. Tem, como elas, mas não mais do que elas, as suas crises de procura, de concorrência internacional, e as perturbações internacionais, económicas ou monetárias, atingem-na como às outras também. O que há é de cuidar sensatamente das dimensões da oferta em relação à procura, do estudo da rentabilidade das iniciativas e do seu tempo de amortização, da adaptação progressiva às modalidades e variantes da referida procura, do ritmo de desenvolvimento para se atingirem níveis suficientes de concorrência, da orientação e eficiência da propaganda nos mercados de exportação.
Tudo isto exactamente como em qualquer outra indústria.
O turismo nu Madeira passa por um perigoso período de estagnação, de que importa sair.
E se continuo a dizer que é de cuidar-se do afluxo directo de turistas por via aérea, sobretudo quando vindos de países pouco próximos, a exemplo do que já começou a fazer-se com Faro, e se continuo a afirmar que uma estância turística de características insulares não pode desenvolver-se através de uma única carreira de aviões que a ligue à capital do País, se continuo a invocar o caso das Canárias e das Baleares, devo insistir em que neste momento ganhou prioridade o fomento hoteleiro e que, sem se trazer a capacidade hoteleira das duas mil e tantas camas para o dobro ou o triplo, a nossa indústria turística continuará nas proporções de um modesto artesanato, para o qual não é possível dimensionar-se uma propaganda e uma comercialização suficientes. Insuficiente afluxo de capitais- de fora, protelamentos burocráticos aos que ali querem fixar-se, insuficiente informação e assistência aos empreendimentos hoteleiros, insuficiente ritmo nas iniciativas, desde a aquisição do terreno e o anteprojecto até à exploração e cobertura do hotel, eis vários factores que retardam o rápido desenvolvimento do sector hoteleiro nesta região prioritária, de turismo nacional, hoje assim oficialmente definida e que no passado foi, neste aspecto, precursora das outras regiões em Portugal. E paro aqui, Sr. Presidente, nesta minha última intervenção, pedindo que seja revista a actualidade turística madeirense, no sentido de se impulsionar a única indústria
possível de atingir proporções importantes na Madeira.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pais Ribeiro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados Em presença da necessidade, que se verifica, de reduzir no tempo as intervenções a efectuar nesta Assembleia, limito-me a apresentar resumidamente um assunto que, pela sua premência e pela importância vital de que se reveste para a região de Vila Real, mereceria uma explanação demorada e atenta.
Trata-se de apreciar a situação difícil e carenciada com que luta actualmente a viticultura do Douro e que só uma política agrária criteriosa, adaptada à região e às técnicas modernas, poderá eficazmente levar a cabo.
Manifesta carácter de verdade insofismável no dia de hoje a interdependência que se patenteia entre o binómio homem-solo, que mutuamente se refere e se penetra.
Tanto a agronomia como a biologia se debruçam sobre os problemas da terra, tomada a consciência de que o homem é um reflexo do solo. Na realidade, são múltiplas as incidências tanto técnicas e económicas, como morais e sociais, que o desconhecimento ou o abandono deste princípio continuadamente suscitam.
Se, por um lado, o homem condiciona e regula a produção do solo, também este. seja pela natureza e qualidade dos seus produtos, seja pela abundância ou escassez dos mesmos, determina a vida do homem.
Adaptar a produção à estrutura geológica e à constituição dos terrenos, fomentar o seu desenvolvimento adequado e perfeito, quer fornecendo ao solo as substâncias indispensáveis para a sua fertilidade e para a sua reconstução, quer prestando-lhe assistência clarividente e atenta constitui o á-bê-cê, a base, sobre que terá de apoiar-se lodo aquele que planifique ou oriente qualquer exploração agrícola, se pretende obter uma rentabilidade que, sendo optima, não ocasione a debilidade do solo nem atinja as qualidades intrínsecas dos produtos.
Pela sua própria estrutura, grande parte do solo do distrito de Vila Real precisa, para se desentranhar nos frutos que é susceptível de fornecer - os seus preciosos vinhos -, de um trabalho não só esclarecido, mas árduo e constante.
Para, porém, dar resposta eficaz e condigna a esta exigência, que múltiplos factores determinam, debate-se a lavoura desta região com variadíssimos problemas, entre os quais avultam, além dos condicionalismos climáticos adversos, o êxodo rural e a falta de mecanização agrícola.

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Efectivamente, processa-se aqui, a passos largos, a emigração do camponês, com todas as suas desastrosas consequências, tanto económicas como morais e sociais.
No desejo - lícito, afinal - de alcançarem um nível de vida mais desafogado e mais digno do que aquele que lhes poderiam proporcionar os ultrapassados esquemas de exploração do seu torrão natal, largos contingentes populacionais abandonam anualmente o nosso distrito.
Assim - mais claramente e a título elucidativo -, diremos que daqui partiram, unicamente no ano de 1967, 3646 pessoas, excluindo o número das que emigraram clandestinamente.
A mecanização agrícola, factor de modernização e fonte de dinamismo, além de elemento de intensificação das culturas e de acréscimo de produtividade das mesmas, podia suprir e até, de certo modo, obstar - pela valorização do trabalho que ocasiona - a tão acentuado quão nefasto êxodo, que, aliás, se verifica a ritmo crescente. Porém, as largas dificuldades que se opõem à mecanização no nosso país dizem respeito não só à divisão da propriedade e à falta de técnicos, mas, mais vincadamente ainda, à morfologia e estrutura dos solos. É justamente este último aspecto que na região do Douro se manifesta insuperável, impossibilitando uma mecanização eficiente e profícua.
Realmente, o alcantilado das encostas onde frutificam os vinhedos, cuja plantação se orienta segundo as curvas de nível, é obstáculo que as máquinas actualmente utilizadas não logram ainda superar.
A negatividade destas circunstâncias torna impiedosa e dura a agricultura da região, onde o lavrador vê continuamente subir o preço de granjeio e manter-se quase inalterável, desde há anos, o preço de venda do produto.
Este desequilíbrio manifesto evidencia-se claramente se observarmos que nos últimos dez anos os salários aumentaram mais de 150 por cento, enquanto os preços dos produtos de venda permaneceram numa quase perfeita imobilidade.
Este vincado desparalelismo, acrescido, em sentido desfavorável, de outros encargos, torna angustiante e embaraçosa a situação do viticultor, que dia a dia vai asfixiando, presa de uma agricultura deficiente e ruinosa.
Urge, pois, despertar a atenção dos responsáveis para este desolador estado de coisas, não sendo compreensível nem justificável que na época que atravessamos se não estabeleça diálogo autêntico e construtivo entre as entidades a quem cabe defender os interesses regionais e o respectivo Ministério, numa busca de soluções apropriadas e viáveis.
Seria altamente significativo que o Ministério da Economia, primeiramente, contactasse e ouvisse a próprio lavoura duriense - que muitas vezes, mercê da premência da situação em que se encontra, o tem tentado, sem qualquer êxito -, para sómente em seguida, criteriosamente, ponderar e apreciar o alcance e validez das suas pretensões.
Assim o exige a excelência do produto desta região, que se afirma único no mundo - o vinho generoso -, bem como a alta qualidade dos vinhos de mesa, de características excepcionais.
Exige-o ainda o desenvolvimento sócio-económico do distrito, dentro daquele espírito de renovação que o III Plano de Fomento estabelece e preconiza.
Se nem sempre têm sido escutados os anseios ou atendidas as necessidades imperiosas da lavoura do Douro, medidas há, contudo, que se impõe adoptar para um reajustamento equitativo e, assim, actuante e benéfico.
Uma conveniente e vantajosa utilização das potencialidades da região forçosamente terá de visar os meios e as acções susceptíveis de conduzir a um conjunto harmónico das diversas estruturas.
Para uma política válida de viticultura há que apreciar os problemas sob uma óptica ao mesmo tempo «técnico-económica e demográfico qualitativa», sem deixar de focar também uma justa e adequada comercialização.
É credora a lavoura do Douro de toda a atenção e boa vontade das entidades superiores, pois os seus produtos constituem fonte de receita apreciável para a economia nacional.
A região demarcada do vinho generoso, abrangendo apenas parte de dez concelhos, produziu, em 1968, 60 467 pipas de vinho beneficiado, tendo a exportação atingido, nesse ano, 33 149 073 l, no valor de 535 675 304$, quantia que bem traduz e claramente patenteia uma rentabilidade eloquente para a economia do País, tendo em conta a pequena área que a determina.
Num sumário exame retrospectivo e para uma conscienciosa elucidação, apreciemos os dados correspondentes II produção média anual de vinho generoso nos últimos dez anos:

Nos primeiros cinco anos (1959-1963), 42 166 pipas;
E nos restantes cinco anos (1964-1968), 56 143 pipas.

Apreciemos também os dados referentes à exportação nos últimos três anos, que passamos a citar:

Em 1966, 31 416 011 l, no valor de 491 475 941$;
Em 1967, 30 078 506 l, no valor de 472 888 848$;
Em 1968, 33 149 073 l, no valor de 535 675 304$.

Estas cifras, altamente expressivas, não libertam, porém, o lavrador de se defrontar com um maré magnum de dificuldades, já que não existe correspondência entre aquelas e o preço por que vende o seu produto.
Torna-se, desta forma, indispensável a actualização do preço dos mostos dos vinhos generosos, especialmente no referente ao preço mínimo, o qual é, normalmente, admitido como preço único. Importa, assim, que este seja compensador e corresponda aos pesados encargos que o granjeio exige. A ilustrar tal necessidade está o facto surpreendente de em 1968 ter sido atribuído ao mosto de melhor qualidade o preço de 2900$ a pipa, quando já no ano anterior algumas firmas haviam pago entre 3000$ e 3200$ os 550 1.
Atingindo, porém, a produção normal da região do Douro 200 000 a 230 000 pipas de vinho anuais, constata-se que, excluídas as 60 000 pipas de mosto autorizado para benefício, resta um excedente de mais de 150000 pipas de vinho, das quais se poderia apurar, mercê de uma triagem conveniente, larga litragem de um excelente vinho de mesa, susceptível de concorrer com os seus congéneres mais categorizados. A restante produção, que, em função do grau de acidez, do excesso de produção, da minguada riqueza alcoólica, da abundância de castas de inferior qualidade e da estrutura geológica do terreno, se torna imprópria para consumo, constituiria um terceiro tipo de vinho, que não deixaria de contribuir também, grandemente, para a promoção e desenvolvimento do Douro, visto ser susceptível de, em certa medida, auto-abastecer a região da aguardente necessária para a beneficiação dos vinhos generosos.
Tal medida estimularia não só a preparação de vinhos qualitativamente superiores, mas promoveria igualmente uma maior expansão do produto, assim como a sua consequente e progressiva remuneração.

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Como os generosos, também os vinhos de mesa carecem de uma correspondente actualização de preços, competindo às entidades regionais que militam pelo progresso da viticultura Io Douro propor uma valorização justa e adequada, à qual as entidades superiores deverão dar inteira concordância, já que. tais preços são conscienciosa e fundamentalmente alicerçados num conhecimento profundo P válido do movimento vitivinícola da região.
Baseia-se esta nossa afirmação em factos processados nos dois ú timos anos: estabeleceu a Casa do Douro o preço médio anual de 1525$ a pipa para vinhos até 0,5 de acidez e 11 graus de riqueza alcoólica, enquanto os vinhos em iguais condições foram transaccionados no comércio pé o preço de 1800$ a pipa 1.
Na sequência de uma política de desanuviamento das condições desfavoráveis em que se debate o lavrador duriense e que tanto o oprimem está também, sem dúvida, a abolição do imposto de 5 por cento destinado ao Fundo de Conservação de Stocks. Não significa esta afirmação que os stocks não representem, quanto a nós, um dos aspectos imprescindíveis na luta eficaz a favor da estabilização dos preços e valorização dos produtos, mas não nos parece equitativo que sejam os lavradores, sobre cujos ombros impende já a taxa anual de produção, quem deva suportar tal encargo. Alguns haverá para quem, depois de solucionadas todas as despesas, seria alentadora uma margem de 5 por cento de lucro.
Continuando na senda de apontar os factores opressivos que acentuadamente traumatizam o lavrador, devemos frisar as exageradas exigências do Decreto n.º 46 256, de 19 de Março de 1955, no referente ao compasso exigido para as plantações e replantações de vinho.
Constando o que no Ministério da Economia se acha em estudo nota legislação sobre o assunto, chamamos a atenção de quem de direito para a complexidade do problema. Sendo a mecanização factor indispensável para o progresso, indispensável se torna, claro está, um alargamento do compasso das vinhas que possibilite a sua execução. Contudo, também não deixa de ser premente que se atenda às condições orográficas da região e se limite tal exigência - sobretudo na zona demarcada do vinho generoso - onde elevada percentagem da área é mecanizável e onde tal compasso constitui encargo incomportável, em presença do preço astronómico da surriba.
Julgo não exagerar afirmando que. enquanto em qualquer região vinícola a plantação de mil pés de vinho não excede 10 000$, na região específica do vinho do Porto atinge, mesmo com os compassos antigos, a importância de mais de 25 000$.
Há ainda que ter em consideração a desigualdade acentuadíssima que se verifica entre a quantidade de produção de igual número de pés nas zonas de vinho generoso e nas de vinho de mesa.
Pretendem estas modestas sugestões contribuir para uma promoção do Douro que possibilite uma era de renovação e progresso. Porém, além destes factores, outros há, agentes de dinamismo e desenvolvimento, capazes de oferecer à região um futuro promissor. Avulta, entre eles a acção sobremaneira fecunda das adegas cooperativas, meio único susceptível de transformar o ultrapassado tipo de exploração agrícola individual e em circuito fechado numa agricultura de conjunto, onde a comunidade se torne consciente e participante em colectivização de interesses e esforços.
Não é já desconhecido no Douro este tipo de instituições, algumas delas funcionando até em moldes francamente satisfatórios; simplesmente o seu número é tão reduzido que presentemente apenas cobre cerca de 15 por cento da produção vinícola. Ora, para um enquadramento eficiente, embora sem pretender atingir o óptimo dos 100 por cento, é aconselhável que a sua expansão abranja uma percentagem da produção muito mais elevada.
Em presença dos largos benefícios sócio-económicos que as adegas cooperativas podem proporcionar e do seu limitado número existente, no Douro, impõe-se não só o desenvolvimento do espírito associativo da população, em ordem à criação de novas unidades, mas ainda o indispensável interesse do Estado num vasto auxílio em crédito e apoio financeiro, semelhante, aliás, ao que vem prestando - e muito bem - a outras regiões do País.
Só desta forma será viável às adegas cooperativas obterem uma orgânica que englobe todos os sectores correspondentes às complexas exigências que um perfeito funcionamento lhes determina.
Competem-lhes, como é evidente e a sua capacidade funcional exige, instalações o apetrechamento adequados não só a uma laboração eficiente, mas até à possibilidade da criação de stocks que assegurem o abastecimento normal e regular das entidades consumidoras.
Também uma assistência directiva u administrativa de provada competência o uma especializada assistência enológica que, para além das suas múltiplas atribuições, promova a preparação de tipos de vinho de características definidas são elementos essenciais de que não podem prescindir as adegas cooperativas para cabalmente corresponderem à sua finalidade.
A criação destas unidades em toda a sua plenitude e a subsequente união que se deve processar entre elas daria origem a uma autêntica cadeia cooperativa do mais elevado alcance económico c social para a região duriense e constituiria terapêutica específica capaz de impulsionar o seu desenvolvimento.
Sr. Presidente: Que o Governo haja por bem debruçar-se sobre a- necessidade instante das justas pretensões que aqui trouxemos.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Magalhães Sousa: - Sr. Presidenta: Vou falar mais uma vez dos Açores. Não para me referir às suas excepcionais belezas naturais, tão pouco conhecidas do mundo e mesmo dos portugueses, mas para salientar, mais uma vez, alguns aspectos da realidade açoriana que passam despercebidos à maioria dos seus visitantes, que de lá trazem uma recordação de beleza e de progresso. De beleza, porque a paisagem deslumbra; de progresso, porque o avaliam pelas realizações materiais, das quais, porém, a maioria da população não está em condições de usufruir.
A maior parte da população açoriana vive mal, dos fracos rendimentos do trabalho dos assalariados agrícolas, dos pescadores e dos operários não especializados. E este viver mal, no distrito de Ponta Delgada, onde se comprime mais de metade da população açoriana, traduz-se, não raro, em níveis de miséria. Nas ilhas de S. Miguel e de Santa Maria o problema mais angustiante do trabalhador rural ou do pescador, que constituem a grande maioria

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da população activa, é o de não terem em casa pão para sustentar as bocas a seu cargo. Ouvem falar nas dificuldades criadas aos empresários e aos patrões pela elevação dos salários devida à, forte emigração que se está a verificar. Mas, afinal, a vida continua dura para eles - jornaleiros e pescadores - e os salários continuam a não chegar para viver.
Vem isto para dizer, Sr. Presidente, que os Açores estão a atravessar grave crise - no programa de execução para 1968 do Plano de Fomento em vigor este arquipélago é considerado como uma das regiões críticas da metrópole. Os baixos níveis de vida da população rural são sintoma evidente desta realidade, mais gritante no distrito de Ponta Delgada, onde, como já tive ocasião de afirmar, a par dos mais altos padrões de rendimento, se situam os mais baixos níveis de vida de todo o arquipélago.
E não se diga, Sr. Presidente, que a emigração tem vindo a alterar profundamente este estado de coisas. Muito embora a rarefacção da mão-de-obra, motivada pela emigração, venha determinando alguma elevação de salários, estes ainda se situam, por via de regra, em níveis bastante baixos. Os salários agrícolas dos homens do distrito de Ponta Delgada, aqueles que afectam a maior parte da população activa, oscilaram durante o ano de 1967, consoante o mês ou a espécie de trabalho, entre 25$ e 50$ (valores médios), verificando-se este último valor apenas nos meses de Setembro, Outubro e Novembro. E no primeiro semestre de 1968 não ultrapassaram os 30$, quando em igual período do ano anterior tinham atingido 40$. (Os valores citados foram-nos fornecidos pela delegação de Ponta Delgada do Instituto Nacional de Estatística.)
Os Açores constituem uma das regiões críticas da metrópole. E o Governo tem consciência desta realidade. Por essa razão, já em 1961 promoveu estudos em ordem à elaboração de um plano de valorização do arquipélago. Os anos foram passando e. não houve maneira ainda de fazer sair à luz do dia, ao menos, uma análise clara e objectiva da realidade económica e social do arquipélago. Mas o Governo continuou atento e determinou que, mesmo antes de concluída a análise minuciosa da vida económica e social dos Açores, fossem encarados determinados problemas de base, cuja solução constitui suporte indiscutível ao desenvolvimento económico daquela região. Assim:

Está em vias de ser definida a política aérea dos Açores, estando já aprovado, em princípio, o esquema de ligações destas ilhas com o exterior;
Estão em franco andamento as obras integradas na infra-estrutura aeronáutica do arquipélago;
Está a ser objecto de estudo intensivo e profundo o problema dos entraves à livre circulação de mercadorias no interior dos Açores, e entre este arquipélago, o da Madeira e o continente português;
Foram definidas orientações gerais que servirão de base ao estudo e definição de uma política de transportes para o arquipélago dos Açores, ao planeamento, por um grupo de especialistas, da exploração dos transportes marítimos do arquipélago e à revisão das condições de exploração das empresas que servem aquela região, tudo a levar a efeito por força, do programa de execução do III Plano de Fomento para o corrente ano;
Está criada a comissão para a revisão do Plano Portuário dos Açores;
Vão ser criados postos do Instituto de Biologia Marítima no arquipélago, com vista a estudos relacionados com a pesca;
A solução do problema de electrificação do distrito de Ponta Delgada também está incluída no programa deste ano do III Plano de Fomento.

Pode dizer-se, pois, Sr. Presidente, que o Governo está a encarar com especial interesse os problemas dos Açores, consciente de que aquelas ilhas constituem uma região crítica no contexto metropolitano. Não podemos, portanto, regatear-lhe o nosso apreço, pois, em justiça, lhe é devido.
Mas temos de dizer também que a solução destes problemas de natureza infra-estrutural, muito embora se não discuta a sua necessidade urgente, por constituir o suporte indispensável ao desenvolvimento económico-social do arquipélago, não vem resolver ainda os problemas angustiosos do dia-a-dia da maior parte da população dos Açores.
É evidente que os frutos do desenvolvimento económico e social têm de ser precedidos da infra-estrutura de suporte ao arranque do processo daquele desenvolvimento. Mas a população dos Açores já ouve dizer há quase oito anos que se está a preparar um plano para os Açores, do qual espera, naturalmente, ver resolvidos os seus problemas comezinhos, tais como os de comer o suficiente e abrigar o corpo do frio e da chuva. E o que é certo é que ainda não viu resultado algum daqueles estudos. E, talvez com uma certa razão, começa a ficar cansada de esperar.
Urge, pois, Sr. Presidente, concluir a análise à vida económica e social dos Açores, já há alguns anos iniciada, como pressuposto indispensável ao estudo e definição de um modelo de desenvolvimento daquela região.
A maior parte da população açoriana vive esmagada pela estrutura de produção onde está integrada. Participa mais no esforço e sacrifício que ela exige do que dos benefícios que ela proporciona.
Um modelo de desenvolvimento dos Açores não pode assentar na existência de mão-de-obra barata, já porque ela se situa a níveis bastante abaixo do razoável, já porque o próprio objectivo de desenvolvimento deve ser, em última análise, a promoção social de toda a população.
Não há dúvida de que para distribuir riqueza é preciso, em primeiro lugar, criá-la. E isso exige sacrifício. Mas no caso dos Açores, uma das regiões críticas da metrópole, o progresso de crescimento tem de desenrolar-se por meio de uma mais equitativa repartição de sacrifícios e de benefícios, mesmo em prejuízo do ritmo de crescimento. Não vá acontecer que caibam os sacrifícios aos já sacrificados e os benefícios aos já beneficiados.
O problema situa-se no campo de grandes opções de uma política regional de desenvolvimento. E, antes de mais, é preciso estudar, formular hipóteses. É o que se está a fazer quanto aos Açores, mas com muita lentidão.
Queria, pois, Sr. Presidente, dirigir daqui, mais uma vez, o meu apelo ao Governo para que promova a urgente conclusão dos trabalhos preparatórios do planeamento açoriano, iniciados vai para oito anos. E mais, que o arquipélago dos Açores seja considerado como uma região prioritária para efeitos da acção regional que urge iniciar, orientando-a fundamentalmente no sentido da elevação do nível de vida das classes menos protegidas, das quais não é legítimo exigir mais sacrifícios, em nome de um progresso do qual tão pouco vem beneficiando.
E estou seguro de que o meu apelo será atendido, pois as providências que o Governo já tomou em ordem à solução de alguns problemas básicos dos Açores - e aos quais me referi - dizem da especial atenção que está a

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merecer-lhe a região açoriana, uma das regiões críticas da metrópole portuguesa. Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Santos. Bessa: -Sr. Presidente: Não é novidade para V. Ex.ª nem para ninguém desta Casa o meu interesse pelos problemas da saúde pública. Por via dele, da ideia que formo do valor do capital humano da vida da Nação e da importância da saúde pública na sua valorização, volto hoje ao mesmo tema, desta vez para chamar a atenção do Governo e especialmente dos Srs. Ministros da Saúde e Assistência e da Educação Nacional para um sério problema que atinge o País inteiro.
Impõem-mo is funções que exerço na direcção clínica de um centro c e saúde e assistência materno-infantil, as que me foram atribuídas no docência de uma cadeira de Clínica Pediátrica e na de outra da Escola Nacional de Saúde Pública e exigem-no as minhas obrigações dentro desta Assembleia.
O problema de que hoje me ocupo é a toxoplasmose, doença que, a despeito da difusão da sua forma adquirida e da gravidade da sua forma congénita, não mereceu ainda o interesse das nossas autoridades sanitárias nem da grande maioria dos médicos e dos médicos veterinários. É devida a um parasita - um protozoário - que infesta quase todos os animais domésticos, que se alberga nos mamíferos, nas aves e nos roedores e que se transmite ao homem com frequência, embora por mecanismo que aguarda demonstração. É imenso este reservatório de parasitas que rodeia o homem e que é fonte permanente da sua contaminação.
Está provado que o cão, infestado de toxoplasma, elimina as suas formas vegetativas pela saliva, pela urina e pelas fezes, donde a suspeita de que este companheiro fiel do homem seja fonte importante de infecção humana.
Sabe-se também que o «canibalismo» entre os animais (se assim me posso exprimir ...) há-de constituir uma das razões de tão forte disseminação entre eles. E todos aceitam que os quistos dos animais parasitados e que servem para a alimentação humana hão-de ter papel relevante nessa transmissão ao homem.
Mas ignora-se a importância relativa do simples contacto, da conspurcação dos alimentos por dejectos (rato) o mesmo ria possível transmissão por um agente vector.
Vem de 1908 de há mais de sessenta anos, o conhecimento do seu agente, que se ficou devendo a um italiano radicado no Brasil e que trabalhava no gabinete de bacteriologia do Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo e a dois franceses que, alguns meses mais tarde, fizeram igual descoberta em Tunes, onde trabalhavam. É um género de parasita cuja classificação tem sido objecto de numerosos trabalhos, de entre os quais é justo salientar os dos portugueses Carlos França e Ildefonso Borges.
Só alguns anos depois da descoberta do agente foi possível estabelecer acordo sobre a sua designação - o toxoplasma gondii -, em homenagem ao roedor tunisino onde foi descoberto: o gundi.
Bastantes anos se passaram sobre esta descoberta sem que a infestação humana suscitasse qualquer interesse. Nos últimos vinte e cinco anos, porém, esse interesse tem-se verificado em ritmo acelerado, traduzido pelas publicações dos clínicos e pelos trabalhos de investigação dos homens do laboratório. Esse entusiasmo atingiu Portugal, onde, lia poucos anos o assunto serviu para uma notável tese do doutoramento na Faculdade de Medicina de Lisboa.
Através dos trabalhos para a sua elaboração, foi-nos revelada a importância que este problema sanitário tem também entre nós. Em 1965 havia 75 por cento de indivíduos de ambos os sexos que tinham sido já contaminados pela toxoplasmose, quer remota, quer recentemente.
Podemos dizer, como o afirma um grande pediatra de Viena de Áustria, que a toxoplasmose é um problema da medicina moderna. E ele é tão importante que o Prof. Paulo Tolentino, de Génova, pôde afirmar, há cerca de dois anos, em Portugal, nas 5.ªs Jornadas da nossa activa Sociedade de Pediatria, que a toxoplasmose era hoje uma doença social. Os seus problemas - clínicos, laboratoriais e sanitários - estão na ordem do dia em muitos países da Europa e das Américas. Em poucos anos passámos da mais absoluta ignorância da doença para a concepção de uma possível calamidade social, como afirmou o ilustre mestre genovês.
Este salto brusco não se observou com nenhuma das outras doenças infecto-contagiosas. Sabe-se hoje que é a mais difundida da todas as protozooses humanas - tão espalhada como as doenças eruptivas das crianças (christaens). Atinge o mundo inteiro, ressalva feita da região polar árctica.
Em todos os grupos humanos e em todos os continentes a pesquisa de anticorpos específicos tem revelado taxas com significado estatístico em 45 a 85 por cento dos adultos, o que significa que mais de metade da população mundial está parasitada pelo toxoplasma gondii.
Em França já desde há anos se vêm fazendo inquéritos prospectivos nas grávidas, por causa das graves consequências da toxoplasmose congénita. Começaram nas Maternidades Pinard e Baudelocq e são actualmente conduzidos com a colaboração dos serviços de protecção material e infantil da Caísse de Sécurité Sociale da região parisiense.
Actualmente, pelo que respeita à doença congénita, o inquérito abrange várias maternidades. Poupo VV. Ex.ªs à maçada dos números que têm sido publicados, mas não devo deixar de dizer que no inquérito do Hospital de São Vicente de Paulo, que abrangeu milhares de grávidas, 83,6 por cento mostravam-se já infectadas e que 16,3 por cento não tinham anticorpos específicos. Estas, ao contrário do que possa julgar-se, são as que representam maior perigo para a descendência, por poderem parasitar-se pouco antes ou durante a gravidez e esta coincidir, portanto, com a fase aguda da doença, com a sua fase de parasitemia.
Sabe-se hoje - desde 1950, 1951 e 1952 -, sem sombra de dúvida, que as formas vegetativas do toxoplasma podem atravessar a placenta - a demonstração foi feita nos animais e nos humanos.
A frequência com que surge a toxoplasmose congénita pode cifrar-se em 1 a 2 por mil dos nascimentos (Couvreur, 1952). Embora a forma inaparente seja a mais frequente, as crianças que a sofrem são candidatas a uma ulterior corio-retinite. Efectivamente, há pouco mais de oito anos, em 1960, em Baltimore, efectuou-se um simpósio e nele se afirmou a importância da etiologia toxoplás-mica de muitas formas de afecção ocular dos adultos por corio-retinite ou uveítes anteriores, derivadas da forma congénita ou da forma ganglionar adquirida.
Além das crianças que se perdem por morte fetal, em consequência do contágio intra-uterino da toxoplasmose, teremos de contar com 200 a 400, em cada ano, portadoras dessa doença (se aqui se passar o que se verificou nas investigações feitas em Paris), já que todos os anos temos cerca de 200 000 nascimentos.

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Para Tbalhammer, o pediatra vienense há pouco citado, essas crianças podem nascer numa destas três situações, dependentes do momento da infecção e da gravidade do processo:

a) Na fase de generalização da doença (forma muito rara);
b) Na fase de encefalite activa;
c) Com manifestações pós-encefalíticas.

Com elas vem o cortejo das inferiorizações: do atraso do desenvolvimento psicomotor, da idiotia, das convulsões, das paralisias, da hidrocefalia, da microcefalia, do deficit visual, etc., para só me ater às mais importantes. Quer dizer, a toxoplasmose origina mortes fetais e de crianças, determina baixos pesos de nascimentos, leva à cegueira e à invalidez!
Porque trago este assunto à Assembleia Nacional? Para dizer que estamos num dos raros países da Europa em que não existe o apetrechamento técnico necessário para a concretização etiológica do diagnóstico clínico dos casos suspeitos de toxoplasmose, embora tenhamos cerca de 75 por cento da nossa população infestada; e no qual não nos é possível averiguar quais as grávidas que podem correr o risco de se contaminarem próximo da sua gravidez ou em plena gestação. Estamos, neste campo, mais de vinte anos atrasados da França.
O Prof. Lelong montou o seu laboratório da toxoplasmose, no Hospital de São Vicente de Paulo, em 1948, pouco depois de terem sido publicados os primeiros casos de toxoplasmose humana. E, como este, outros se construíram na- Europa e nas Américas.
O primeiro caso português data de 1951 e pôde, ter conformação anátomo-patológica. A nossa casuística é paupérrima por causa das condições em que se encontra o nosso equipamento a tal respeito. Se é certo que nos custa afirmar tal estado, mais nos custa ter de verificar que há cerca de dois anos tudo esteve pronto para se montar uma unidade laboratorial destinada ao estudo e ao diagnóstico da toxoplasmose no nosso país: havia a promessa do equipamento pela benemérita Fundação Gulbenkian, havia dinheiro cedido pelo Ministério das Obras Públicas para adaptar determinada área do piso I das doenças infecto-contagiosas do Hospital de Santa Maria e havia pessoal competente para assegurar o seu funcionamento!
Porque não se fez? Segundo julgo, porque nunca foi dada resposta - ou não foi oportunamente - a um pedido formal e bem justificado apresentado à direcção clínica do Hospital de Santa Maria pulo ilustre director do serviço da clínica de infecto-contagiosas do mesmo hospital.
Sr. Presidente: Não posso calar o meu desgosto por verificar que tenham sido possíveis casos como este. Nem me posso conformar com a ideia de que um assunto de tão alta importância sanitária continuo a ser protelado, como se fona de somenos importância.
Apelo por isso para o Governo, e especialmente para SS. Exas. os Ministros da- Saúde e Assistência e da Educação Nacional, para que se. recupere o tempo perdido, fazendo o mais rapidamente possível a instalação prevista para o Hospital de Santa Maria.
E como não faz sentido que na Escola Nacional da Saúde Pública e de Medicina Tropical, onde existe uma cadeira de Protozoologia e onde este assunto deve ser ensinado aos futuros sanitaristas, se não disponha dos meio? técnicos necessários para o diagnóstico e investigação que este problema sanitário reclama, peço que ela seja igualmente dotada com um laboratório para tais fins. É indispensável e é urgente.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai iniciar-se a discussão na generalidade da proposta de lei sobre a reorganização das Casas do Povo e a previdência rural.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Macedo.

O Sr. Veiga de Macedo: - Sr. Presidente: Um escol - uma obra -. A primeira palavra que me acode é de apreço pelo escol de dirigentes que, de 1933 até hoje. mais directamente se debruçou sobre os problemas sociais e mais intensamente se empenhou na melhoria das condições de vida dos trabalhadores.
Ao apreciar ia proposta de lei sobre as Casas do Povo e a previdência dos rurais, domina-me um sentimento de alta consideração que envolve os que ocuparam os cargos de Subsecretário de Estado e de Ministro das Corporações, excluído, é bem de ver, quem, de 1955 a 1961, teve o privilégio de beneficiar do esforço e da obra dos seus predecessores e de sor guardião do espírito social da revolução corporativa. E por isso evoco aqui a personalidade e a acção do embaixador Teotónio Pereira, do Dr. Rebelo de Andrade - que Deus foi servido chamar à Sua presença -, do conselheiro Trigo de Negreiros, do Dr. Castro Fernandes, do Dr. Mota Veiga e do Dr. Soares da Fonseca, e curvo-me ainda perante a nobilíssima figura do Presidente Salazar, que a todos sempre orientou com inexcedível clarividência.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Reconhecer, exaltar e agradecer os serviços prestados ao País e o mérito de quem os prestou, com ser imperativo que não consente escusa ou esquecimento, é também motivo de íntima satisfação para quantos possuem capacidade de admirar o valor dos homens e das suas realizações.
Também por isto, nesta hora em que se dá novo passo em frente, tornado possível graças a oportuna e corajosa decisão do Governo e à experiência colhida e a avanços registado?, há que render calorosa- homenagem e protestar o mais respeitoso e vivo reconhecimento ao Sr. Presidente do Conselho por na sua memorável mensagem de 27 de Novembro do ano findo, ter anunciado a esta Assembleia - e através dela ao País - reformas do maior interesse para a elevação do teor de vida das populações rurais.
Saudemos ainda o Sr. Ministro das Corporações e Previdência Social por ter decidido elaborar a notável proposta de lei em debate, acrescentando com isso a série de importantes iniciativas que regista a sua gerência na pasta.
Essência dos princípios - Renovação dos métodos. - A estas palavras prévias desejo aditar uma outra, destinada a traduzir o grande, embaraço que experimento ao pronunciar-me sobre a orgânica corporativa da vida rural e sobre os esquemas de previdência para os trabalhadores do campo.
Não obstante ter vivido de perto, por pendor de espírito e por dever do cargo, estes problemas, durante mais

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de vinte anos de apaixonada actividade, não são pequenas nem poucas as dúvidas que me assaltam, de novo ou pela primeira vez, ao apreciar a proposta agora submetida à Câmara. Dir-se-ia que este mesmo diploma, a par das opções sérias que faz, também reflecte, na formulação das normas, a complexidade dos numerosos problemas que naturalmente se deparam a quem pretenda enfrentá-los. Compreendo bem as limitações, os condicionamentos e os obstáculos, desde os de ordem política e técnica aos de índole económica, e financeira, que sujeitam ou afectam a definição, a revisão ou a actualização dos programas relacionados cem o trabalho ou a cobertura dos riscos sociais no mundo rural.
Todos de acordo na imperiosa necessidade de melhorar o padrão de vida dos meios agrícolas, topamos, a cada passo, com realidades humanas e sociais e com hábitos e maneiras do ver e reagir que não encontram paralelo nos sectores do comércio e da indústria e nos centros fabris e urbanos. Não obedece esta observação a um propósito de crítica. Se obedecesse, também eu seria por ela abrangido, pois temo bem que, ou por força das reais e bruscas modificações que estão a operar-se na vida e na mentalidade dos rurais, ou por evolução do meu próprio espírito, visione agora, para asses problemas, soluções nem sempre idênticas às que formulei ou executei desde que, há trinta anos, entrei para o Instituto Nacional do Trabalho e Previdência.
As Casas do Povo foram defendidas, em princípio, por todos nós, coiro centros comunitários de cooperação social, como organismos corporativos primários ou de representação profissional e como instituições de previdência. A proposta eu debate tenta manter, embora com algumas significativas roturas de fundo, decorrentes, aliás, da orientação consagrada na lei da reforma da previdência, essa- tríplice missão das Casas do Povo. Mas é de admitir que os seus autores, perante as dificuldades encontradas para conciliar tantos interesses e tendências em conflito, tenham ponderado já novas fórmulas de acção ou de representação que acodem naturalmente ao espírito e vêm sendo apontadas cada vez mais para solução dos problemas pendentes. Daí, talvez, que a proposta se não apresente com «carácter transicional» apenas no domínio da previdência, mas ainda em outros em que se move, com maior ou menor facilidade, à busca dos melhores resultados.
Há, efectivamente, duas forças que estão a acentuar-se cada vez mais: primeiro, à justíssima aspiração e premente necessidade de uma previdência obrigatória, generalizada e com esquemas de benefícios aceitáveis que tenda a equiparar os a trabalhadores rurais aos do comércio e da indústria, o que conduzirá à concentração nas mesmas instituições das tarefas da, cobertura dos riscos sociais: depois, a vantagem iniludível de assegurar, de modo efectivo e autêntico, a representação profissional dos trabalhadores do campo, numa altura em que estes se mostram mais instruídos e mais interessados pelos seus problemas e em que diversos factores de todos conhecidos os põem em contacto com o que se vai passando no País e no estrangeiro.
Estes factos acabarão por converter as Casas do Povo, exclusiva ou predominantemente, em centros de cooperação comunitária, sem prejuízo de relações estreitas com as instituições de segurança social e com uma organização sindical dos rufais de tipo idêntico à dos restantes trabalhadores?
Formulo por ora a pergunta, admitindo que esta simples perspectiva repugne a muitos espíritos habituados, como o meu próprio, à concepção tradicional da orgânica das Casas do Povo e da multiplicidade e dissemelhança dos seus fins.
Mas a vida tem leis que inexorávelmente se impõem mais cedo ou mais tarde. E é no terreno das estruturas e dos métodos que as instituições, uma vez escolhidos os princípios essenciais da sua acção, têm de renovar-se e adaptar-se, para não correrem o risco de ancilosarem ou desaparecerem.
Sr. Presidente: - Evolução das Casas do Povo. -Começarei por uma breve referência aos mais importantes diplomas relacionados com as Casas do Povo. Obedecerei a um critério cronológico, que não foi o adoptado pelo Governo no sintético relatório da sua proposta de lei, nem o seguido pela Câmara Corporativa no seu longo parecer, mas que permitirá apreender mais facilmente as fases e o sentido da evolução da política da integração corporativa das actividades rurais. Aliás, alguns Srs. Deputados pediram-me precisamente que, na minha intervenção, esboçasse uma panorâmica geral das providências tomadas pelo Governo, desde 1933 até agora, neste domínio da política social.
Em 23 de Setembro de 1983, o Decreto-Lei n.º 23 051 previu a «criação, em todas as freguesias rurais, de organismos de cooperação social, denominados Casas do Povo», tendo-lhes atribuído funções de previdência e assistência, de instrução e cultura e ainda de colaboração em obras do utilidade comum destinadas são progresso local. Para :i realização dos fins de previdência, o diploma admitiu também a criação de mutualidades entre os sócios efectivos, as quais ficaram abrangidas pelos preceitos aplicáveis às associações de socorros mútuos.
Em 1 de Março do ano seguinte, foi publicado o Decreto-Lei n.º 23 618, que veio permitir «a criação de Casas do Povo em localidades que, não sendo freguesias rurais, reunam, todavia, condições que tornem recomendável a existência daquelas instituições».
Quatro anos depois, o Decreto-Lei n.º 28 859, de 18 do Julho de 1938, conferia às Casas do Povo funções de representação dos trabalhadores rurais, bem como as de estudo e defesa dos interesses destes nos aspectos moral, económico e social.
Em 1940, a 23 de Setembro, o Decreto-Lei n.º 30 710, da iniciativa do Subsecretário Trigo de Negreiros, haveria de extinguir as mutualidades adstritas às Casas do Povo, passando estas a exercer directamente a acção de providência dos trabalhadores do campo. Estabeleceu-se assim o princípio do seguro social obrigatório nos meios rurais, cuja execução foi confiada às Casas do Povo.
O mesmo diploma trouxe outras inovações de interesse, entre as quais as referentes ao reforço das disponibilidades do Fundo Comum das Casas do Povo e à classificação dos sócios em efectivos, contribuintes o protectores.
Cinco anos volvidos, na gerência do Subsecretário de Estado das Corporações, Dr. Castro Fernandes, o Decreto-Lei n.º 34 373, de 10 do Janeiro de 1945, cria a Junta Central das Casas do Povo, à qual ficou a competir a orientação e coordenação destes organismos, de modo a «constituir nelas os centros naturais da vida rural, núcleos de convívio e de cooperação, através dos quais se exerçam as múltiplas atribuições do domínio da previdência e assistência, dos melhoramentos locais, da defesa dos interesses do trabalho, da educação e do aproveitamento dos tempos livres».
A Junta logo iniciou o seu labor e, mau grado as dificuldades de toda a ordem que teve de vencer, realizou uma obra meritória. Convém não esquecer que os primeiros anos da sua existência coincidem com o agitado período do pós-guerra, que haveria, por circunstâncias conhe-

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cidas, de determinar atrasos e desvios na consolidação e ampliação da organização corporativa.
Em 1955, funcionavam, apesar de tudo, cerca de quinhentas Casas do Povo, das instituídas desde 1933. De 1955 ao final de 1961, puderam criar-se mais 106 e de então para cá mais 56. Por outro lado, nos anos de 1958 e 1959, instituíram-se as 19 federações existentes. Para este recrudescimento da expansão das Casas do Povo concorreram diversas providências, entre as quais é de salientar a própria criação da Corporação da Lavoura, pelo Decreto n.º 41 287, de 23 de Setembro de 1957, promulgado ao abrigo do Estatuto Jurídico das Corporações, ou seja da Lei n.º 2086, de 22 de Agosto de 1956.
Anote-se que também em 23 de Setembro de 1957 se publicou o Decreto-Lei n.º 41 286, que tornou possível a criação das federações das Casas do Povo e definiu o seu regime jurídico.
O trabalho rural ficou assim com representação assegurada na Corporação, merecendo ser recordado o que então me foi dado escrever no relatório do diploma que instituiu a Corporação da Lavoura:

De desejar seria que a representação do trabalho agrícola nas Casas do Povo e suas federações e na Corporação da Lavoura fosse sempre assumida pelos trabalhadores rurais. Circunstâncias bem conhecidas obstam a isso, ao menos por ora. Confia-se, porém, em que os representantes das federações e das Casas do Povo na Corporação nunca esqueçam a natureza específica e o imperativo social do seu mandato.

O diploma sobre as federações das Casas do Povo, que foi precedido de consulta à Câmara Corporativa, conferiu àqueles organismos as atribuições de coordenar a actividade das Casas do Povo, promover o alargamento da sua rede, estabelecer acordos de cooperação com outras entidades, colaborar na criação e desenvolvimento dos serviços sociais corporativos e do trabalho, tomar a iniciativa na construção de casas ou na beneficiação destas, celebrar convenções colectivas e estudar os problemas relativos ao trabalho agrícola.
Estas últimas atribuições devem ser assinaladas para mostrar que ao contrário do referido pela Câmara Corporativa no seu parecer, o exercício da função de representação profissional dos trabalhadores rurais não constitui inovação da proposta de lei em apreço, uma vez que essa missão já estava praticamente confiada às federações desde 1957, como, aliás, noutro passo do parecer a mesma Câmara reconhece.
Deu-se então às federações a faculdade de desenvolverem acção não apenas coordenadora e complementar, mas também supletiva das actividades normais das Casas do Povo. Desta forma, ficou aberta às federações a possibilidades de promoverem a assistência médico-social em regiões rurais que, por não disporem de Casas do Povo, estavam privadas de tal assistência.
Igualmente se revestiu de grande importância o preceito do mesmo diploma que autorizou a concessão às Casas do Povo, em ordem à protecção e defesa da família e ao fomento habitacional nos meios rurais, de comparticipações pelo Fundo Nacional do Abono de Família, cujos preceitos reguladores foram recentemente condensados e actualizados, como se impunha, pelo Decreto-Lei n.º 48 588, de 23 de Setembro de 1968. Até ao presente, as importâncias que, em nome do princípio da compensação dos encargos e da solidariedade no mundo do trabalho, reverteram, através desse Fundo, em benefício dos rurais atingem cerca de 60 000 contos.
Ainda no ano de 1957, a Lei n.º 2085, de 22 de Agosto, instituiu o Plano de Formação Social e Corporativa, que desde então tem sido a base fundamental de quase toda a acção de investigação, de formação e de divulgação do Ministério das Corporações. Essa acção tem sido largamente benéfica pura as Casas do Povo em muitos aspectos das suas finalidades, desde os da cultura, pelo livro e pelos meios audiovisuais, aos de formação corporativa, suciai e profissional.
A criação, por aquele mesmo Plano, do Serviço Social Corporativo (ou de comunidade) visou ainda o aperfeiçoamento e a expansão das Casas do Povo.
No preâmbulo da proposta de lei de que resultou o Plano, salientou-se que «com a criação destes centros de serviço social nas Casas do Povo havia, além do mais, a intenção de contrariar a tendência para instalar, ao lado delas ou contra elas, instituições de raízes mais ou menos estranhas, que esvaziam de conteúdo ou duplicam a acção dos organismos corporativos rurais de cooperação social».
No mesmo ano de 1957, foi criada, por despacho ministerial, a Comissão Coordenadora dos Serviços Médicos das Caixas de Previdência e das Casas do Povo, cuja acção logo se fez sentir, a ponto de, a 19 de Março do ano seguinte, se ter podido celebrar o primeiro acordo de base entre a Federação de Caixas de Previdência - Serviços Médico-Sociais e a Junta Central das Casas do Povo.
Como então só disse, havia o propósito de permitir no futuro mais estreita ligação entre o desenvolvido sistema dos seguros sociais dos trabalhadores fabris e os ainda modestos esquemas da previdência dos rurais e de aproximar, na medida do aconselhável e do conveniente, aquelas duas estruturas, bem como os benefícios delas decorrentes.
A fundação das caixas regionais de previdência, a que se procedeu pouco depois em todo o território metropolitano, obedeceu ao mesmo, propósito. Então se dizia já que, embora não pudesse prever-se o momento em que se tornaria viável a cobertura coordenada e integral dos riscos da doença de todos os trabalhadores, tinha o maior interesse a definição de novos rumos e o lançamento dos caboucos de uma previdência generalizada, de modo a abranger os rurais.
Até ao presente, celebraram-se 390 acordos, em consequência dessa acção coordenadora. Por força deles, as Casas do Povo intervenientes nos acordos, além de terem melhorado a assistência- aos trabalhadores rurais e seus associados, colaboram na- assistência médico-social a mais de 500 mil beneficiários das caixas. Estas pagaram, por isso, às Casas do Povo, até há pouco, mais de 130000 contos, sem incluir os subsídios, da ordem dos 30 000 contos, concedidos- através do Fundo Nacional de Abono de Família para apetrechamento dos serviços clínicos.
Algumas Casas do Povo preferiram deixar às caixas a prestação de serviços clínicos, o que conseguiram tam bem por acordos de cooperação, para elas muito vantajosos. Esta solução, que- mais tarde foi expressamente prevista na base XXVII da Lei n.º 2115, afigura-se preferível sempre que o número de beneficiários das caixas residentes nas áreas das Casas do Povo seja expressivo e ainda em diversas outras circunstâncias já evidenciadas pela experiência.
Embora pareça que não tem ligação com o assunto, deve salientar-se, como o faz a Câmara Corporativa, o interesse da política relacionada com ia celebração de convenções entre Portugal e diversos países destinadas à protecção dos trabalhadores migrantes e seus familiares.

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A primeira destas convenções foi assinada com a França, em 16 de Novembro de 1957, e outras se celebraram até ao presente com este e outros países em matéria de segurança social.
Estas convenções, se têm sido particularmente vantajosas para nós, impõem-nos obrigações que só podem cumprir-se com o aperfeiçoamento e a extensão dos esquemas da previdência e dos seus serviços, sobretudo nos meios rurais.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Para se avaliar do interesse dessas convenções bastará referir, reproduzindo o que consta do parecer da Câmara Corporativa, que pela Caixa Central de Segurança Social dos Trabalhadores Migrantes foram em 1968 pagos um Portugal, pelas instituições francesas, abonos de família a 207 686 familiares de 59 750 trabalhadores ocupados naquele país, estando incluídos nesse número 14 335 descendentes de 4518 trabalhadores abrangidos em França pelo regime dos seguros sociais agrícolas. No mesmo ano. estiveram inscritos, com direito a beneficiar em Portugal das prestações de assistência médica a cargo das cai cãs francesas, 51 244 familiares de 12 811 trabalhadores.
Os pagamentos de abono de família efectuados, em relação aos regimes da França e do Luxemburgo, por intermédio daquela nossa Caixa Central dos Migrantes, atingiu nesse ano cerca de 112 000 contos, o que é muito significativo, mesmo que se não tome em conta o pagamento no mesmo ano de cerca de 46 000 contos de pensões de velhice, invalidez e outras.
Cabe agora uma referência à Lei n.º 2092, de 9 de Abril de 1958, mais tarde actualizada e melhorada pelo Decreto-Lei n.º 43 186, de 23 de Setembro de 1960, a qual, além do mais que nela se contém sobre casas económicas e de renda económica, veio, pela primeira vez, abrir perspectivas ao fomento habitacional nas zonas rurais. Nela se previu a aplicação dos dinheiros da previdência na construção e habitações em regiões agrícolas, através de empréstimos destinados aos sócios efectivos das Casas do Povo; por meio de subsídios ou de empréstimos sem juro do F indo Nacional de Abono de Família. Até fins do último ano, foram concedidos empréstimos, em montante superior a 28 000 contos, a sócios das Casas do Povo para construção ou beneficiação das suas habitações. Com subsídios não reembolsáveis daquele Fundo construíram-se ou encontram-se em construção 573 moradias, no valor de 36 000 contos.
Não deve deixar de mencionar-se também a criação, em 23 de Setembro de 1960, da Federação de Caixas de Previdência - Obras Sociais, hoje Instituto de Obras Sociais, que, segundo os seus estatutos, ficou com a possibilidade de estender a sua acção aos meios rurais, mormente no que loca à instalação de colónias de férias para crianças e à admissão de trabalhadores nas casas de repouso, que lhe cumpre fundar e manter. E de prever que no domínio do serviço social, dos infantários e dos centros de educação infantil aquele Instituto preste relevantes serviços à população agrícola, analogamente ao que se verifica já quanto à concessão de bolsas de estudo para rurais, per força do despacho ministerial de 27 de Janeiro de 1967.
Particularmente relevante é, por outro lado, o despacho de 13 de Novembro de 1962, que fixou para todas as Casas do Povo. através dos subsídios do Fundo Nacional de Abono de Família, autorizados pelo citado Decreto-Lei n.º 41 286, de Setembro de 1957, um esquema mínimo relativo a assistência médica e à concessão de subsídios pecuniários por doença, por morte e invalidez, e ainda para medicamentos, para casamento e por nascimento de filhos.
Em 1964, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 45 771, instituem-se comissões corporativas nos diversos distritos, cuja importância será ocioso assinalar. Note-se que aquele diploma veio substituir, na intenção de proceder à remodelação das comissões corporativas, o Decreto-Lei n.º 43 179, de 23 de Setembro de 1960, que trouxe inovações de interesse, entre as quais a relativa à possibilidade de criação dessas comissões, até então limitada às convenções colectivas, através dos despachos ou portarias de regulamentação do trabalho, ou ainda por iniciativa ministerial sempre que as circunstâncias o aconselhassem. Deste modo, procurava-se estabelecer condições de resolução pacífica dos conflitos de trabalho nas diferentes actividades profissionais, «incluindo, como se acentuava no relatório daquele diploma, as de carácter agrícola, tão carecidas do encontro permanente dos proprietários e dos trabalhadores ...».
Estes elementos, se bem que muito incompletos, permitem uma ideia das diversas fases da política relativa a Casas do Povo. Tal evolução, nos aspectos da previdência, teve um momento alto nesta Assembleia aquando da votação, em 1962, da proposta de lei da reforma da previdência, a qual, apesar de enviada à Câmara Corporativa anos antes - em 27 de Maio de 1957 -, não perdera a oportunidade, como sublinha o Dr. Mário Roseira no seu notável livro Temas da Previdência.
Aí se diz que a demora da Câmara Corporativa em tomar posição sobre aquela proposta de lei «teve, além da utilidade de facultar uma visão de conjunto com os problemas da assistência social, o efeito de, entretanto, se ampliarem, nos limites do seu domínio próprio, as realizações da previdência, cujo desenvolvimento não retirou actualidade àquele diploma governamental por se haver produzido na orientação por este visada. O facto de o texto da proposta, nas suas linhas mestras, haver resistido a tão longo compasso de espera abona as suas virtualidades de previsão».
Na verdade, assume significado especial a aceitação pela Assembleia de um alvitre da Câmara Corporativa, no exaustivo e lúcido parecer relatado pelo Doutor Mota Veiga, e que, dando maior precisão e desenvolvimento à base XVIII da proposta de lei respectiva, veio obter consagração na base VIII, n.º 2, da Lei n.º 2115, cujo alcance se evidencia pela simples leitura:

Poderá ser autorizado ou determinado que os trabalhadores inscritos como sócios das Casas do Povo e das Casas dos Pescadores e as pessoas a estes equiparadas, bem como as pessoas que, sem dependência do entidades patronais, exercem profissões, serviços ou actividades, sejam incluídos nas caixas regionais de previdência o abono de família e ainda, cumulativamente, na Caixa Nacional de Pensões, para o efeito de beneficiarem de uma ou mais modalidades de seguro do esquema destas instituições, mediante o pagamento das contribuições correspondentes.

Quando, com outros Deputados, apresentei aqui a proposta de alteração que se traduziu nesse preceito, afirmou-se :

Esta orientação abre novas perspectivas à extensão dos seguros sociais aos trabalhadores do campo e aos pescadores e, se vier a ser executada convenientemente, como tudo indica ser de esperar, revestir-se-á

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do maior interesse social, embora a sua aplicação suscite problemas sérios de carácter financeiro e até de enquadramento.

Ora, é fundamentalmente a esta base da Lei n.º 2115 que a proposta de lei em análise pretende, no domínio da previdência, dar execução ou começo de execução.
Já no livro atrás referido, o Dr. Mário Roseira, que foi agora o relator do parecer da Câmara Corporativa -trabalho de real valor que muito a honra e a quem o elaborou -, escreveu que

a discussão da reforma da previdência na Assembleia Nacional pôs em relevo a expansividade natural das regalias sociais, cuja aplicação e garantia em favor de certos grupos tende forçosamente a objectivar-se como reivindicação de. outros sectores menos favorecidos.

E acrescenta:

Perante as perspectivas de expansão das instituições relativas aos trabalhadores subordinados do comércio, da indústria e dos serviços, logo foram formuladas as patentes necessidades de protecção de outros profissionais dos mesmos sectores e da generalidade dos trabalhadores de outras actividades, designadamente do nosso tão desfavorecido mundo rural.
Não faltam a essa exigência apoios do mais alto e autorizado valor doutrinário, que culminam em expressas orientações da Encíclica Mater et Magistra. A esta clara imposição do magistério pontifício correspondeu nitidamente a preocupação da Assembleia Nacional em imprimir ao desenvolvimento da organização das caixas de previdência a extensão dos seus benefícios aos sectores populacionais actualmente situados fora do respectivo campo de aplicação.

Creio que será grata a todos nós a justiça que, nestas expressivas palavras, se presta ao labor e ao espírito social da Assembleia.
Obra e vicissitudes das Casas do Povo. - Chegado a este ponto da minha intervenção, devo pronunciar-me sobre a questão de saber se as Casas do Povo se justificaram pela sua obra e se teria sido aconselhável seguir outros rumos na protecção dos trabalhadores do campo.
O preâmbulo da proposta de lei em apreciação é elucidativo na parte respeitante si acção das Casas do Povo nos últimos anos. Também o parecer da Câmara Corporativa contém elementos de indiscutível interesse. Por outro lado, já no relatório da proposta de lei de que resultou o Estatuto Jurídico das Corporações o Governo pôde, em 1956, dar testemunho da validade da acção das Casas do Povo. E não faltam muitos outros depoimentos no mesmo sentido.
No domínio da assistência médica, no amparo aos inválidos, na acção formativa, na educação familiar, na valorização do artesanato, na difusão da cultura, na cooperação social e na aproximação das classes, as Casas do Povo ergueram, dentro das suas possibilidades, obra digna de louvor. As populações rurais ao sul do Tejo foram, de modo especial, beneficiadas pela apertada rede das Casas do Povo dos distritos de Portalegre, Évora e Beja.
Importa, sobretudo, frisar que as Casas do Povo acautelaram - e só isso as justificaria - o princípio corporativo nos meios rurais ao impedir a aplicação de soluções repudiadas pela nossa política institucionalista.
Todos nós conhecemos as divergências que se registaram, e ainda hoje se registam, embora em menor grau, quanto ao modo de estruturar e efectivar a protecção aos trabalhadores. Já me referi nesta Assembleia, e antes disso no exercício de outras funções, ao problema, por cuja solução no sentido institucional sempre tenho pugnado.
Quando, por exemplo, me foi dado aprovar o plano da cobertura corporativa e sanitária do distrito de Bragança, para cuja execução se afectaram desde logo 30 000 contos pelo Fundo Nacional do Abono de Família, houve o propósito de ir ao encontro d u necessidades evidentes do meio rural nordestino e de, ao mesmo tempo, demonstrar que, através do seguro social realizado por instituições com autonomia jurídica e financeira, se pode garantir da melhor maneira uma protecção social eficaz.
Sinto-me sempre inclinado a chamar a atenção para o facto de os vários seguros das nossas caixas de previdência se mostrarem ligados entre si por fortes vínculos institucionais, administrativos e financeiros, e integrados num plano geral e harmónico de conjunto.
Se as caixas fossem despojadas de serviços sociais próprios, ficariam comprometidas na sua eficiência, na sua configuração natural e na sua personalidade.
Só quem não saiba o que é, por dentro, um sistema de seguros sociais como o nosso, ou quem esteja imbuído de deformação tecnocrática, ou ainda quem veja nas instituições meras repartições financiadoras e, nas contribuições sobro as remunerações, impostos paru o Estado, admitirá que a previdência possa desmembrar-se ou amputar-se em holocausto a concepções não adaptáveis às que têm inspirado e legitimado a nossa política social e corporativa.
Por mim, ontem como hoje, direi que deve partir-se não de um conceito de «saúde» empolado por elementos que o transcendem ou lhe são estranhos, mas de um conceito de «trabalho», pois é a este que importa ir buscar o húmus doutrinário para estabelecer os principais travejamentos orgânicos e para insuflar nestes a vida própria de instituições autónomas que auxiliem o Estado e com ele cooperem e o limitem também nas suas tendências para o gigantismo nos quadros e serviços públicos e para geométricas, grandiosas e frias planificações, tantas vezes atentatórias da iniciativa privada e da personalidade humana.
Por isso, a política de previdência e a do trabalho estão, entre nós, estreitamente ligadas à organização corporativa. Atente-se em que as instituições de previdência têm base e funcionamento corporativos. Isto se diz para evidenciar que foram os progressos registados na extensão e aperfeiçoamento das estruturas institucionais que impediram o triunfo de correntes de feição socialista, tanto ou mais perigosas nestes planos da acção social do que nos da economia.
Além disso, as Casas do Povo constituíram e constituem uma experiência que só desentranha em ensinamentos de toda a ordem, susceptíveis agora de serem aproveitados com inequívocas vantagens para a melhoria e para alargamento dos esquemas de seguro social à população campesina.
Com estas afirmações não pretendo, como é óbvio, significar que os rurais não careçam de mais eficiente e mais extensa protecção ou que as Casas do Povo não enfermem de deficiências muito sérias, aliás em grande parte devidas a circunstâncias que as transcendem, entre as quais devem referir-se a precariedade das receitas, a deformante e atrasada mentalidade de muitos desprovidos de espírito social e a hostilidade de certos sectores influenciados por soluções estatizantes experimentadas lá fora ou habituados a fórmulas que, embora necessárias no

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âmbito da supletividade, propiciam, mais do que «is dos seguros obrigatórios, o jogo das influências pessoais, dado o carácter aleatório dos auxílios a prestar, e não favorecera a segurança e bem-estar dos indivíduos e uma distribuição mais equitativa dos rendimentos.
Penso que as considerações até agora produzidas terão algum interesse para o debate em curso e facilitarão a análise que mo proponho fazer dos aspectos mais importantes da proposta de lei em apreço.
Casas do Povo - organismos de cooperação social. - Na economia da proposta de lei em discussão,

as Casas do Povo são organismos de cooperação social, dobadas de personalidade jurídica, que constituem o elemento primário da organização corporativa- e se destinam a colaborar no desenvolvimento económico-social e cultural das comunidades locais, bem como a assegurar a representação profissional e a defesa dos legítimos interesses de trabalhadores agrícolas e a realização da previdência social dos mesmos trabalhadores e dos demais residentes na sua área.

Comecemos por encarar as Casas do Povo como organismos do cooperação social, já assim definidos no diploma que, em 1933, autorizou a sua criação e lhes fixou o regime jurídico.
Sempre se procurou, na verdade, levar esses organismos a «realizar uma obra intensa e extensa de agregação social, constituindo-se em centros rurais de convívio e de cooperação solidária», para empregar as palavras do relatório do decreto-lei que, em 1945, criou a Junta Central das Casas do Povo.
Sobre esta finalidade essencial das Casas do Povo não tem havido qualquer discrepância. Pela minha parte, convenço-me cada vez mais de que o futuro das Casas do Povo há-de assentar muito no que puderem fazer neste campo das suas atribuições. A Casa do Povo é, e deve ser, antes de mais, um verdadeiro centro de acção social de comunidade. Nela, por isso, o serviço social tem papel de relevo a desempenhar.
Nas diversas definições legais das Casas do Povo. não só alude de medo expresso ao serviço social, cujo interesse, na verdade, só mais tarde foi reconhecido como instrumento imprescindível, não apenas nas empresas e nas entidades- com fins sociais, mas também nas comunidades. Mas ao serviço social havia já de referir-se o diploma que, em 1957, previu a criação das federações das Casas do Povo.
Com efeito, nele se prescrevo que são atribuições das federações, entre outras, a de fomentar a criação e o desenvolvimento do serviço social corporativo (serviço de comunidade) e do serviço social do trabalho (serviço de empresa ou do conjunto de empresas), previstos na Lei n.º 2085, de 17 de Agosto de 1966, que instituiu o Plano de Formação Social e Corporativa.
Na correspondente proposta de lei. afirmou-se que os serviços sociais corporativos das Casas do Povo deveriam assumir nitidamente o carácter específico de centros sociais de comunidade, abrangendo toda a população da área, promovendo a sua elevação moral, fomentando o espírito de só idariedade e de boa vizinhança e constituindo instrumentos activos contra as causas de desruralização. Esta missão devia cumprir-se no âmbito das Casas do Povo existentes o também no daquelas cuja fundação se torne necessária não apenas nas freguesias acentuadamente agrícolas, mas ainda noutras, onde menores ou maiores núcleos de trabalhadores rurais, por viverem um contacto com as populações fabris, sentem, mais o desfavor da sua situação e mais expostos se encontram a perniciosas influências.
O serviço social deve promover uma «ajuda à pessoa humana para que construa por si a sua própria vida», e constituir, como tive ensejo de em tempos dizer, o natural e imprescindível complemento da política social e corporativa, levando-a e prolongando-a até à comunidade local, à empresa, à família - à pessoa.
Já o Prof. Marcello Caetano, há mais de vinte anos, no seu notabilíssimo parecer sobre a proposta de lei do Estatuto da Assistência Social, lembrava que

não é preciso grande perspicácia ou conhecimento das realidades da vida moderna para observar quanto é difícil, a quem quer que se veja nos apuros de uma necessidade, saber a quem recorrer e como guiar os seus passos ... perante a existência de muitas autoridades, muitos serviços, muitos estabelecimentos, muitas competências especializadas, muita dispersão funcional.

Além disso, as instituições, sobretudo as de índole social ou corporativa, têm de humanizar as suas relações com todos os destinatários da acção que lhes cabe desenvolver, auscultando as suas necessidades e anseios, ouvindo-os, esclarecendo-os e ajudando-os a tomar consciência dos seus direitos e deveres. Compete-lhes também promover a instauração de condições que propiciem a elevação das comunidades locais em todos os seus aspectos. E este é um dos escopos que mais exigem acção esclarecida e viva que conquiste os espíritos e promova a ascensão dos núcleos populacionais de mais modestos recursos e concorra para contrariar as perigosas tendências da segregação na vida social e da desproletarização.
Assim sendo, as Casas do Povo, animadas e vivificadas pelo serviço social, deverão tender, e não apenas nos meios agrícolas, para abranger todas as pessoas que, por residirem na sua área, convém, por tudo, se unam na execução de tarefas comuns e num convívio aberto o congregador.
Ocorre-me, como exemplo, a Casa- do Povo de Santa Maria de Lamas, que, apesar de integrada numa zona marcadamente fabril, tem uma obra do maior alcance, na qual vêm participando não só muitos industriais como também operários, na sua categoria de sócios, pois são proprietários, embora modestos na maioria dos casos. E do referir que a Casa do Povo não presta directamente quaisquer serviços clínicos, pois estes estão entregues, por acordo, à, Federação de Caixas de Previdência, que possui na localidade um magnífico posto clínico.
Daí que seja de perguntar como uma Casa do Povo assim concebida, para só realizar plenamente, poderá ter como sócios as diferentes pessoas que vivem na sua área.
Penso que tenha sido para responder a isto que a proposta de lei, ao prever, nas Casas do Povo, além das categorias de sócio contribuinte (produtor agrícola) a de sócio efectivo (trabalhador), a de sócio protector, incluiu nesta ultima não apenas as entidades que concorram periodicamente para as receitas do organismo, mas também «aquelas que, como tal, sejam declaradas pelo Governo».
A Câmara Corporativa entendo, porém, que «a noção de sócio protector está ligada à voluntariedade da inscrição», pelo que esta qualificação não deverá, em caso algum ser imposta por decisão governamental.
Não vejo que possa contrariar-se, fundamentadamente, este ponto de vista da Câmara.
Como levar, pois, as pessoas que não sejam rurais, ou aquelas que não queiram ou precisem de beneficiar dos fundos de previdência, a tomar parte na vida das Casas do

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Povo, de modo a convertê-la em autêntico centro social de todos e não em organismo apenas dos proprietários ou trabalhadores agrícolas, que nem sempre representam a maioria da população residente na área?
Pense-se, por outro lado, na orientação da proposta de lei, expressa quanto ao seguro de doença e abono de família e implícita quanto aos outros seguros, no sentido de a cobertura dos riscos sociais ser feita gradualmente pelas caixas de previdência, bem como na manutenção, nas federações, dos poderes mais relevantes em matéria de representação profissional, e ver-se-á que esta evolução, por mais atribuições delegadas que se consignem às Casas do Povo, há-de deixar-lhes exclusiva ou predominantemente, como função mais natural e válida, a relativa à cooperação social.
Repare-se que, segundo a proposta de lei (base XXXVII), o próprio pessoal dos serviços administrativos e da acção médico-social e do abono de família, colocado nas sedes das Casas do Povo - e convirá ou tornar-se-á possível instalá-los sempre aí?! -, fica pertencendo aos quadros das caixas e dependentes destas. Nem doutro modo poderia deixar de ser, uma vez consagrado o princípio da progressiva integração dos rurais na previdência dos trabalhadores do comércio e da indústria. Nem tão-pouco se descortina como possa seguir-se rumo diferente quanto aos restantes seguros ou mesmo quanto às actividades complementares da previdência, chegada a altura da aproximação ou equiparação dos esquemas dos rurais aos dos restantes trabalhadores.
Daí que o acentuar do carácter das Casas do Povo como centros sociais de comunidade, mesmo admitindo a multiplicidade das suas funções, torne mais nítida a vantagem do seu funcionamento também em núcleos que não sejam agrícolas e postule a necessidade de nelas se integrarem, independentemente da actividade exercida e do nível cultural ou social, as diversas pessoas que residem na área do organismo.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Mas creio dever ser posto de parte, sem hesitações, o fácil recurso ao estabelecimento, por lei, da obrigatoriedade de inscrição de pessoas que não sejam proprietárias ou trabalhadores agrícolas ou equiparados, porque só estes, no rigor dos princípios e no plano das próprias conveniências, podem ser compelidos ao pagamento de quotas ou contribuições.
O problema de fundo é sempre o mesmo: o do prestígio da instituição, assente na obra que realiza e na categoria e simpatia daqueles que presidem aos seus destinos.
Aqui, entronca o problema dos dirigentes, tão raros, sobretudo nos meios rurais, ainda por cima mais empobrecidos, nos últimos anos, com a saída de elementos aproveitáveis que procuraram, e procuram, na emigração a melhoria das suas condições de vida.
Como sublinha o Doutor Sedas Nunes, em trabalho notável elaborado já em 1955, mas que, para além das concordâncias ou discordâncias que possa suscitar, contém reflexões e conclusões do maior valimento, algumas das quais, inaplicáveis na altura, começam agora a ter condições mais favoráveis à sua materialização, dada a evolução registada em muitos aspectos da vida portuguesa - como sublinha o Doutor Sedas Nunes, dizia, os meios rurais precisam, em regra, de uma estimulação exterior para se moverem, pelo que têm de receber d& fora as ideias e os impulsos inovadores, uma vez que os chefes locais só por excepção aparecem de geração espontânea: normalmente têm de ser «suscitados».
É assim por toda a parte. Entre nós, os órgãos do Plano de Formação Social e Corporativa e, em especial, o Instituto de Formação Social e Corporativa, cuja extraordinária acção sempre me apraz salientar desde que, há onze anos, iniciou o seu funcionamento, e as missões de Acção Social, também com um trabalho longo, árduo e da maior projecção, não esgotaram ainda todas as suas potencialidades. E bem poderão intensificar ainda mais a sua acção nos meios agrícolas e suscitar o aparecimento de dirigentes e elementos dispostos a consagrar-se à valorização das comunidades locais.
No mesmo sentido, afigura-se oportuno e necessário proceder à revisão geral dos problemas da formação de assistentes e auxiliares sociais e de outros agentes especializados, de modo a poder dispor-se de um escol que, além de numeroso, possa, pela sua preparação e vocação, dedicar-se em profundidade às tarefas da promoção humana, da aproximação das pessoas, do desenvolvimento comunitário, nomeadamente nas regiões com menores possibilidades e estímulos.
Não será também de pensar na preparação de técnicos de organização de comunidades, que lá fora vêm prestando assinalados serviços nos mais diversos aglomerados populacionais, principalmente na medida em que, consciencializando-os e interessando-os na formulação e na execução dos programas de acção a desenvolver, garantem a estes condições de êxito e de continuidade que de outro modo não alcançariam?
Casas do Povo c representação profissional. - Outro assunto que exige séria reflexão é o de saber como deverá efectivar-se a representação profissional dos trabalhadores da terra.
O problema tem sido muito debatido e para ele se apontam soluções divergentes. Discute-se, com efeito e com certo calor, se às Casas do Povo e às suas federações pode caber, a par de outros, o encargo da representação profissional, ou se é preferível assegurar esta representação através de organismos sindicais a que não correspondam outras atribuições diferentes das relativas à defesa dos interesses da classe e dos quais apenas sejam associados os trabalhadores agrícolas por conta de outrem.
A Câmara Corporativa, no seu Parecer n.º 42-VI, de 1956, sobre a proposta de lei do Estatuto Jurídico das Corporações, inclinou-se para a solução de as Casas do Povo «revestirem exclusivamente a qualidade de organismos de cooperação social e, portanto, sem competência representativa, restituindo-as à pureza da sua origem e retirando-lhes um carácter híbrido que em nada ajuda o seu progresso. Nesta hipótese, as federações que vierem a criar-se seriam apenas especificamente representativas da categoria profissional dos trabalhadores rurais».
Mais tarde, em 28 de Março de 1957, a mesma Câmara, no seu Parecer n.º 50-VI, sobre a proposta de lei das federações das Casas do Povo, ao mesmo tempo que sugeria que elas, sem prejuízo das demais atribuições, tivessem competência para estudar os problemas relativos ao trabalho agrícola e para celebrar convenções colectivas com as federações dos grémios da lavoura, pronunciava-se no sentido de as Casas do Povo continuarem a ser organismos de representação profissional. Mas admitia, se bem interpreto o parecer, que a modificação das condições sociais e culturais poderia vir a aconselhar, no futuro, outra solução. E a este propósito aludia «aos frutos, não longínquos, das medidas tomadas a favor da obrigatoriedade do ensino» e à instauração de um mais perfeito espírito social em consequência da execução do Plano de Formação Corporativa.
O tema vem ao meu espírito sempre que verifico interessarem a variados sectores da lavoura mais os problemas

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económicos do que os sociais. Não refiro isto com intenção de criticar seja quem Cor. Verifico um facto que, em larga medida, reputo natural. E quando se suscitam problemas de índole social, a tendência é para os encarar nos aspectos genéricos da previdência ou da assistência e não propriamente nos que mais se ligam com o trabalho dos homens, das mulheres e dos menores, na multiplicidade e complexidade das suas implicações, desde o horário e o salário às relações humanas, às férias, à prevenção de acidentes a doenças profissionais, ao emprego, etc.
Ao tomar, por dever de cargo, em 1956, a iniciativa da instituição das federações das Casas do Povo, depositei nelas grandes esperanças, que, infelizmente, não vieram a materializar-se com a amplitude prevista. Afirmo-o com mágoa, mas sem desprimor para a generalidade dos seus dirigentes, que lograram, por vezes, resultados positivos, mas não no campo de acção que mais interessava explorar, e que fora, afinal. o que mais pesara ao fomentar-se a criação desses organismos corporativos.
Com efeito, uma das principais determinantes de tal criação foi a de assegurar, nas zonas rurais que ainda estavam privadas de assistência médico-social por não terem Casas do Povo, essa assistência em condições aceitáveis. Deste modo se esperava ainda estimular a instalação, em ritmo vivo, de Casas do Povo em todas as regiões agrícolas.
Fosse por virtude de circunstâncias menos favoráveis verificadas em anos sucessivos de preocupações políticas e sociais, fosse pelo peso de condicionalismos locais insuperáveis, ou fosse ainda por quaisquer outros motivos, o certo é que as federações acabaram por se dedicar a outras actividades menos relevantes, algumas das quais, porventura, ir adequadas à sua finalidade.
Esta verificação, entre outras razões, levou-me a não hesitar na concordância que dei, com outros Deputados, ao parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei da reforma de previdência, na parte em que preconizava a progressiva integração dos trabalhadores rurais nas caixas. Dentro c o mesmo espírito, votarei agora as normas propostas pelo Governo tendentes à integração progressiva desses trabalhadores em tais instituições. Assim, as federações da;. Casas do Povo deixarão de ter competência no que respeita às actividades fundamentais ou complementares cia previdência, o que vai permitir-lhes consagrarem-se aos aspectos que mais as devem ocupar.
Também no domínio da representação profissional - e é o que mais interessa ao caso - as federações pouco puderam fazer, desde que, em 1957, lhes foram conferidas atribuições para estudar os problemas do trabalho agrícola e negociar convenções colectivas com os correspondentes organismos patronais.
Apesar disso, penso haver vantagem em anuir à proposta do Governo, na parte em que visa reforçar os poderes de representação profissional das federações das Casas do Povo. Será mais uma tentativa que, a não resultar, dará tempo a que se definam condições mais favoráveis à criação de sindicatos regionais, reunidos em federações, que, por sua vez, representem o trabalho agrícola, de r iodo autêntico, na Corporação da Lavoura, e nela, em paridade com as entidades patronais, façam ouvir a sua voz e prestem concurso válido à apreciação e resolução dos problemas económicos e sociais do mundo rural.
Também em relação às Casas «In Povo poderá dizer-se que, salvo raras excepções, não exerceram, na medida desejada, a representação dos trabalhadores rurais. Tem sido apontada como causa dessa deficiência a concentração, em tais organismos, de funções de diferente natureza, que não poucos consideram inconciliáveis, mormente no tocante à cooperação social e à representação profissional.
Acresce que esta representação envolve o estudo e sofre a incidência de aspectos que não se circunscrevem à área limitada da Casa do Povo, o que, além do mais, conduz a um enfraquecimento da acção sindical.
Por outro lado - diz-se ainda -, no âmbito local, é difícil para os dirigentes das Casas do Povo, uns proprietários e outros trabalhadores rurais, debaterem com à vontade e independência as questões do trabalho.
Apesar de tudo, a proposta de lei declara as Casas do Povo organismos de representação profissional.
Penso, todavia, que as atribuições na proposta de lei chamadas de representação profissional se não revestem, de facto, de tal natureza, ao contrário de algumas que, como as relativas à celebração de convenções colectivas de trabalho, se conferem às federações.
É certo que a proposta de lei prevê a criação nas Casas do Povo de comissões para a representação profissional, mas isso em nada altera o meu ponto de vista, dada a índole dessas atribuições, que são, além disso, meramente acessórias ou complementares.
A este respeito, a Câmara Corporativa entende que não são necessárias as comissões de representação profissional previstas na proposta de lei. «Tais comissões - diz a Câmara - seriam mesmo inconvenientes, reconduzindo ao plano dos organismos a colisão de funções que se pretende evitar».
Ora, não parece que esta afirmação tenha razão de ser, pois a autonomização ou sectorização, num órgão específico, de atribuições de interesse para a representação profissional pode concorrer para atenuar essa colisão, tanto mais que a elas só pertencerão trabalhadores agrícolas subordinados. Penso que, adentro da estrutura e da lógica interna da proposta de lei, nada se perde e alguma coisa se lucrará em manter as comissões de representação, as quais poderão, se forem constituídas apenas por trabalhadores da terra, dar cooperação útil às federações. Tudo está em que estas a queiram e saibam estimular. Será mais uma tentativa a fazer e que, quaisquer que sejam os resultados, se revestirá de interesse numa fase de nítida evolução daquele outro problema de fundo ligado à ideia de uma representação diferenciada de base sindical - que não sindicalista.
Vêm-me à memória, a propósito, as palavras que, em 1958, no desempenho de outras funções, dirigi aos proprietários rurais. Ao verificar que não se davam conta do alcance inerente à estrutura orgânica das Casas do Povo, emiti o voto de que tivessem bem presente no espírito este dilema:

Ou Casas do Povo ou sindicatos. Ou Casas do Povo activas e prestigiadas, onde proprietários e trabalhadores se encontrem e se compreendam, ou sindicatos onde apenas os trabalhadores, preparados ou não, tentem a defesa dos seus interesses.

Quando se força o caminho para aproximar, no domínio da previdência, os trabalhadores da terra aos do comércio e indústria, há-de também começar a pensar-se em dar-se-lhes a possibilidade de pies próprios se organizarem para a defesa dos seus interesses legítimos, não movidos pelo espírito de luta de classe, mas pelo propósito de cooperarem com as entidades patronais, tendo sempre um vista o bem comum.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - A Corporação da Lavoura, que não existia quando se criaram as Casas do Povo, muito poderá concorrer, agora que se encontra consolidada, para atenuar e eliminar, no plano superior e integrador em que se situa, as divergências e os conflitos que venham a surgir entre os organismos diferenciados primários ou intermédios.
Sr. Presidente: Nesta minha primeira intervenção suscitada pela proposta de lei relativa à reorganização das Casas do Povo e à previdência rural, alonguei-me bastante, apenas movido pelo propósito de levar ao conhecimento da Câmara algumas das conclusões a que cheguei, após haver estudado e reflectido, à luz dos ensinamentos de uma experiência de largos anos e também de novos elementos e perspectivas, problema de tamanha delicadeza e actualidade.
Admito que as considerações produzidas não tenham valimento nem interesse, mas seria para mim doloroso se nelas se não visse, ao menos, a melhor intenção de cooperar e de cumprir e ainda o esforço em que repousa este trabalho.
Quanto ao demais, suprirá, Srs. Deputados, o muito que a vossa inteligência abrange o pouco que eu, em tantas palavras, vos pude dizer.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas.

Srs. Deputados que entraram, durante a sessão:

Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Magro Borges de Araújo.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Alves Moreira.
Augusto Salazar Leite.
D. Custódia Lopes.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
James Pinto Bull.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Manuel da Costa.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sinclética Soares Santos Torres.
Tito de Castelo Branco Ar antes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Álvaro Santa Rita Vaz.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Moreira Longo.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando José Perdigão.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Joaquim de Jesus Santos.
José Guilherme Bato de Melo e Castro.
José Henriques Mouta.
José de Mira Nunes Mexia.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel João Correia.
Mário de Figueiredo.
Rogério Noel Peres Claro.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.

O REDACTOR - Januário Pinto.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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