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Diário das Sessões
N.° 195
ANO DE 1969
20 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.° 195, EM 19 DE MARÇO
Presidente: Ex.mo Sr. José Soares da Fonseca
Secretários: Ex.mos Srs
Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
SUMARIO: — O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 11 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. — Foi aprovado o Diário das Sessões n.° 170.
Deu-se conta do expediente.
Foi recebido na Mesa, remetido pela Presidência do Conselho, e em cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Diário do Governo n.° 65, 1.ª série, inserindo o Decreto-Lei n.° 48 912.
O Sr. Presidente informou estarem na Mesa os elementos requeridos pelo Sr. Deputado Cortes Simões, nas sessões de 18 de Dezembro de 1968 e 14 de Março corrente, à Secretaria de Estado do Comércio. Foram entregues àquele Sr. Deputada.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Duarte do Amaral, que se referiu a assuntos do interesse para o concelho de Guimarães; Leonardo Coimbra, acerca da inclusão do nome de Deus no prémio da Constituição Politica.
Ordem do dia. - Concluiu-se a discussão na generalidade da proposta de lei sobre a reorganização das Casas do Povo e previdência rural.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Dias das Neves e Veiga de Macedo.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 12 horas e 50 minutos. O Sr. Presidente: —Vai proceder-se à chamada. Eram 11 horas e 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
André Francisco Navarro.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Júlio de Castro Fernandes.
António dos Santos Martins Lima.
Arlindo Gonçalves Soares.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Gabriel Maurício Teixeira.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Horácio Brás da Silva.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
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Jorge Barros Duarte.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Rocha Calhorda.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Amorim de Sousa Meneses
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Eosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Raul Satúrio Pires.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Teófilo Lopes Frazão. Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente:—Estão presentes 57 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.
Eram 11 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Ponho em reclamação o Diário da,s Sessões n.° 170. Se nenhum de VV. Ex.as tiver qualquer rectificação a deduzir, considerá-lo-ei aprovado.
Pausa.
O Sr. Presidente: —Está aprovado. Deu-se conta âo seguinte
Expediente
Telegramas
Vários de apoio à intervenção do Sr. Deputado Armando Magalhães.
Vários de aplauso às palavras do Sr. Deputado Amaral Neto.
De apoio à intervenção do Sr. Deputado Nunes Barata. De aplauso às considerações do Sr. Deputado Coelho Jordão.
De aplauso às palavras dos Srs. Deputados Neto Miranda e Rocha Calhorda.
O Sr. Presidente: — Está na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.° do artigo 109.° da Constituição, o Diário do Governo n.°, 65, 1.ª série, de ontem, que insere o Decreto-Lei n.° 48 912, que estabelece novo regime para a concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar e revoga várias disposições legislativas.
Estão também na Mesa elementos fornecidos pela Secretaria de Estado do Comércio em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Cortes Simões,
nas sessões de 18 de Dezembro do ano findo e 14 de Março corrente.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Duarte do Amaral.
O Sr. Duarte do Amaral: — Sr. Presidente: E Guimarães um concelho característico, com a população de cerca de 116 mil almas. A cidade tem 31 mil habitantes e as vilas de Vizela e das Taipas devem ter à volta de 5 e 4 mil, respectivamente; o importante centro industrial de Pevidém, que ainda não é vila e devia sê-lo, está agora talvez com cerca de 5 mil almas; a povoação de São Torcato, que se acolhe ao célebre mosteiro, agrupará uma população de quase 2 mil pessoas, e uma nova povoação, a de Covas, está a formar-se à ilharga da cidade, decerto aí com 2 mil habitantes.
Quase todos estes centros, já caracterizadamente urbanos, apresentam acentuado carácter industrial, tendo Vizela e Taipas, além disso, grande interesse como estâncias termais e turísticas; turísticas são também as citânias de Sabroso e Briteiros, como o são a cidade, a formosíssima montanha da Penha e São Torcato. As três últimas são ainda importantes centros de piedade.
A população urbana do concelho andará, portanto, por perto dos 50 mil habitantes, se se juntarem todos estes aglomerados, que, de facto, devem classificar-se sob aquela designação. Em população, o concelho de Guimarães é ó quarto do País, depois de Lisboa, do Porto e de Vila Nova de Gaia; a cidade de Guimarães, dado não se ter feito uma política de centralização urbana, é apenas a sexta e vem, quanto a número de habitantes, depois de Lisboa, Porto, Coimbra, Setúbal e Braga. No entanto, a soma dos núcleos urbanos do concelho dá-lhe, como acabo de dizer, uma população da ordem dos 50 mil habitantes, igual, portanto, à de Setúbal.
15 pois esta a posição quanto ao número de habitantes, à forma como se distribuem e às características das povoações que existem ou já estão a formar-se.
Do ponto de vista económico já falei nesta sessão legislativa, indicando a VV. Ex.as alguns índices muito convincentes, segundo creio. Repeti-los-ei, embora pedindo desculpas: a importância económica do concelho ressalta fortemente, se se disser que paga de contribuição industrial (grupos A, B e C e adicionais) a importante verba de cerca de 23 mil contos, que é uma das maiores do , País e atinge 40 por cento da de todo o distrito de Braga; chega mesmo a ser maior que a de muitos distritos da metrópole, excedendo, por um lado, a do Algarve e, por outro, a soma da contribuição de alguns distritos associados, como, por exemplo, a dos distritos de Viana do Castelo e de Vila Real.
Do ponto de vista agrícola, verifica-se que o índice, bem elucidativo, da contribuição predial rústica nos mostra que o concelho de Guimarães é o primeiro de todos os de Entre Douro e Alinho.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — também deveras significativo que a verba principal da contribuição predial relativa ao concelho de que falo se situe em sexto lugar, depois da de Lisboa, do Porto, de Coimbra, do Funchal e de Setúbal, mas quase a par com este último e muito acima da dos importantíssimos concelhos de Aveiro, de Braga ou de Évora.
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Estes índices são todos extraídos do censo de 1960, mas julgo que, apesar das circunstâncias desfavoráveis, os de Guimarães se mostrarão no ano que vem muito mais expressivos ainda e demonstram já, e exuberantemente, tanto do ponto de vista urbano como do industrial e agrícola, a extraordinária posição daquele concelho no conjunto da metrópole lusitana.
Outro índice curioso é o que resulta da comparação do tráfego médio diário verificado em 1965 nos postos de contagem montados nos percursos compreendidos entre as principais terras da região.
Esses números dão-nos uma visão esclarecedora complementar das anteriores: efectivamente, no sentido de Braga ou a partir daquela linda cidade movimentam-se todos os dias qualquer coisa como 9600 veículos; não obstante Guimarães não ser sede da vida religiosa do Arcebispado nem administrativa do distrito, circularão na direcção de Guimarães cerca de 9060 veículos, isto é, apenas menos 540 do que para Braga.
O traço com que se escrevem estes números será mais vigoroso ainda se se disser que o trânsito entre os principais centros comerciais e industriais da região, isto é, com q Porto, Vila Nova de Famalicão e Santo Tirso, e vice--versa, se concentra fortemente sobre Guimarães, com 5 mil veículos por dia, ao passo que a Braga só correspondem, para a mesma zona e no mesmo período, à volta de 3200.
Verifica-se, por consequência, que Guimarães, no conjunto das suas realidades e potencialidades, não só se situa ao nível das cidades capitais de distrito, como tem população e desenvolvimento superiores a grande parte delas.
Dirijo agora as minhas considerações, Sr. Presidente, no sentido de demonstrar que a vida de Guimarães se encontra desequilibrada por falta de instituições. Aquela terra, não obstante a sua população superior e o desenvolvimento económico que nela se verifica, vive em grandes dificuldades e tem merecido, sob aquele prisma, menos atenção do que as capitais de distrito e até do que as sedes de alguns concelhos muito menos importantes. Esse desequilíbrio manifesta-se não só em detrimento próprio, como no de toda a região, que, debaixo de tantos aspectos, sempre andou ligada a Guimarães e se estende dali até às formosas terras de Basto.
Temos, não há dúvida., a nossa rede de escolas primárias, aliás insuficiente e deficiente, um liceu e uma escola comercial e industrial, uma biblioteca pública, um museu de iniciativa particular e dois do Estado, um dos quais é palácio presidencial; possuímos 31 monumentos nacionais e de interesse público (só Lisboa e Évora têm mais), 8 instituições de assistência particular e o Dispensário do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos. E a cidade de Guimarães sede de um círculo judicial e tem uma delegação do Tribunal do Trabalho de Braga.
E que mais? Pois mais nenhuma instituição ali existe, exceptuadas as que florescem em qualquer pequeno concelho. No meu tempo de estudante, extinto já o seminário liceu, funcionavam ainda: a Colegiada, o Regimento de Infantaria n.° 20, um distrito de recrutamento e reserva e um serviço do extinto Ministério da Agricultura, que era dirigido pelo ilustre agrónomo e escritor vimaranense João da Mota Prego. A Colegiada não funciona há muito; do resto, tudo acabou ou foi transferido.
Convém agora indagar, para confronto: que deu entretanto o País — a Igreja e o Estado — às outras terras de Portugal, algumas com muito menor necessidade, . para manterem o seu equilíbrio social? Pois deu bispados, seminários, colégios, unidades militares e da Guarda Nacional Republicana, centros de recrutamento, escolas do magistério primário, serviços distritais vários, como os escolares, das estradas, da hidráulica, do trabalho e previdência, da urbanização, do desemprego, da assistência à família, de higiene social, do Fundo de Mão-de-obra, do Instituto Maternal, etc.
Mesmo em terras que não são capitais de distrito encontram-se, e muito bem: em Lamego, a sede de um bispado e um seminário-maior, uma unidade militar, um distrito de recrutamento, uma subdelegação do Instituto Nacional do Trabalho, uma administração florestal, a brigada técnica da V Região Agrícola; na Covilhã, pelo menos, uma unidade militar e a delegação do Instituto Nacional do Trabalho; em Tomar, a delegação do Instituto Nacional do Trabalho, uma unidade militar, o Quartel-General da 2.ª Região Militar; e em Elvas, várias delegações e instituições, entre as quais duas unidades militares e a Estação de Melhoramento de Plantas.
Depois de tantos anos de trabalho e de luta em prol da minha terra e região, vejo-me na necessidade de fazer o diagnóstico desta triste situação. Verifica-se que, em tudo o que depende apenas da iniciativa privada, Guimarães marca uma posição de destaque, pelo valor, inteligência, qualidades de trabalho e energia do seu povo. Em tudo o que depende da organização administrativa vigente, do Estado e mesmo da Igreja, a posição de Guimarães é de nítida inferioridade, de inconcebível abandono.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — E não sou só eu que o digo: têm-no afirmado os mais suspicazes observadores e ainda agora, num bem elaborado e elucidativo estudo sobre a «Determinação de zonas prioritárias de investimentos em promoção social», da autoria da Sr.ª D. Maria do Rosário Giraldes (publicado no n.° 12 da revista Informação Social, do Ministério da Saúde e Assistência), depois de se dizer que «a limitação de meios financeiros e humanos impõe a definição de prioridades para a realização de programas de promoção social», apresenta-se-nos a taxa de mortalidade infantil naquele concelho de 115,5 por mil, que é, se li bem, uma das três ou quatro piores da Metrópole e verdadeiramente escandalosa, e termina-se dizendo que os concelhos carecidos de maior acção de promoção social e onde se verifica uma situação mais crítica se encontram na parte norte do País e, entre eles, Guimarães, por o nível de industrialização atingido não ter sido acompanhado pelas devidas medidas de política.
As repercussões do que ficou dito no progresso individual dos portugueses daquelas terras e da respectiva região são deveras graves. Não se tem conseguido uma satisfação permanente e em aceitável ritmo mesmo das necessidades mais prementes, quanto mais das aspirações de Guimarães.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Isso deve-se, em primeiro lugar, a razões locais: dispersos, como já uma vez acentuei, os restos da aristocracia local, sem muitos elementos da Igreja, sem oficiais do Exército e funcionários de categoria que se agrupassem com os poucos, mas alguns muito distintos, elementos existentes, não tem Guimarães possibilidades de manter o seu antigo e alto nível cultural, que ainda há pouco tão alto subiu com Alberto Sampaio, Martins Sarmento e outros, nem de manter ou criar um núcleo capaz de administração local, que lhe assegure as vias do
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progresso e activa, permanente, austera e criteriosa actuação, que saiba apresentar os seus casos, pedindo e reclamando se for preciso.
Vozes: —Muito bem!
O Orador: — Assim, o progresso, quando se tem dado, é por surtos, se alguém, isoladamente ou quase, consegue fazer-se ouvir em Lisboa, para logo se cair na inanição normal, que leva o desânimo aos dirigentes naturais e atira a população para a descrença e íntima revolta.
Ora, Sr. Presidente, uma dessas acções provocadoras de um surto de progresso pude fazê-la eu, aqui em Lisboa, quando, tendo conseguido expor esta nossa vida tão mesquinha ao Doutor Salazar, consegui abrir o seu generoso espírito às nossas fortes razões. Logo um programa de nível capaz se concretizou e começou a ser cumprido. Por isso, e por tudo o mais, aqui lhe deixo a minha homenagem mais sentida; porque nos compreendeu e ajudou, daqui lhe dirijo, nesta hora de provação, um amigo e grato pensamento, associado aos mais ardentes votos de muitas melhoras.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Mas o que é estranho, embora não seja novo, é que passados alguns anos de belas realizações, que em todo o caso não chegaram para levantar Guimarães do atraso em que estava mergulhada, logo essa ajuda foi suspensa, abrupta e lamentavelmente. Procurarei mostrar que assim foi!
Criada pelo Decreto-Lei n.° 44 741, de 29 de Novembro de 1962, a Região Hospitalar, com sede em Guimarães e constituída pelos «concelhos limítrofes de Fafe, Celorico de Basto, Cabeceiras de Basto, Mondim de Basto, Felgueiras, Lousada e Paços de Ferreira» e informado pelos mais altos representantes dos Ministérios das Obras Públicas e da Saúde que a prioridade de construção do respectivo hospital o colocaria em quarto ou quinto lugar, logo o passaram em 1965 para décimo quinto, isto ó, para o fim da lista. E no entanto este hospital interessa a uma população de mais de 300 mil pessoas e a escassez de recursos hospitalares era e é tão grande que o citado decreto o reconheceu e que o próprio Chefe do Estado não pôde, nas visitas que fez ao Hospital da Misericórdia, entrar com a sua comitiva nas enfermarias, tal era o receio de que os soalhos caíssem.
Embora incluída no mesmo plano, encontra-se por fazer a obra de adaptação do Convento de Santa Clara a Paços do Concelho. O anteprojecto foi estudado pelo arquitecto Luís Benavente, depois de uma indicação do Doutor Salazar no sentido de se demolir o inestético barracão que desfeia a cidade e afronta o Paço dos Duques, tapando a vista da cidade antiga a quem se encontra naquele palácio.
O magnífico anteprojecto, que deveras encantava o anterior Chefe do Governo, estava a ser transformado em projecto, pensando-se adaptar as lindas madeiras das demolições da Igreja da Oliveira para decorar a parte mais nobre dos Paços do Concelho. O Ministério das Obras Públicas ponderava em 1966 os meios de se poder realizar rapidamente esta obra. Mas de então para cá nada se concretizou e faltam notícias do que se passa.
Pelo que respeita à Escola Comercial e Industrial, devo apenas dizer que, por conveniências do Ministério das Obras Públicas, entre as quais se cita a do aproveitamento de verbas, se resolveu construir uma escola que se previa estaria saturada dois anos depois de inaugurada, mas que na verdade já estava saturada no próprio dia da sua inauguração. Logo foi prometida a construção de um segundo edifício, que provavelmente seria destinado a escola comercial, ficando o actual para escola industrial. Não se cumpriu, porém, o prometido, com grave dano para o ensino da populosa região e para a cidade.
Das obras programadas para resolução dos problemas de trânsito, duas foram executadas: a primeira fase da rodovia de Covas ao Castanheiro, com a supressão de duas das três passagens de nível, e a remodelação do centro da cidade. Passados tantos anos, o problema está ainda sem solução, visto não se terem efectuado a segunda e terceira fases da rodovia — do Castanheiro à estrada de Braga e desta à E. N. n.° 101, de Guimarães a Amarante, com a supressão da terceira passagem de nível — nem a abertura de uma projectada avenida ligando esta rodovia ao centro da cidade.
Com estas construções e com a da estação de camionagem, incluída no Plano de Fomento, o problema do trânsito dentro da cidade e o das estradas que dela partem estaria resolvido: por enquanto é complicadíssimo e em muitos anos nada se fez de novo.
E falo agora, Sr. Presidente, de um dos casos que mais prejudicam e ofendem a população vimaranense: pouco depois das revoluções do 28 de Maio e do 7 de Fevereiro, Guimarães assistiu, dolorida, à transferência do Regimento de Infantaria n.° 20 e, depois, à do Batalhão de Metralhadoras n.° 2. Os argumentos dados terão sido o de a unidade de Guimarães não ter aderido ao 28 de Maio e o de se ter revoltado no 7 de Fevereiro. Só com Guimarães isto sucede: uma terra castigada por um facto de que a população não teve a menor culpa!
As nossas reclamações foram-se sumindo nos gabinetes e repartições, até que o Doutor Salazar, quando ocupou a pasta da Guerra, prometeu resolver o assunto e finalmente, em 3 de Agosto de 1956, já lá vão doze anos e meio, foi publicado no Diário do Governo n.° 164, 1.ª série, o Decreto n.° 40 724, que colocou de novo em Guimarães uma unidade militar: desta vez o Regimento de Cavalaria n.° 6.
A Câmara Municipal, por indicação do Estado, comprou praticamente metade do terreno escolhido pela CANIE, com a área de 82 000 m2, para que as obras pudessem começar rapidamente, e a sua primeira parte chegou a ser adjudicada, mas um despacho mandou suspendê-la. Porquê? Disse-se então que era para não aumentar muito o volume das obras dos quartéis, devendo fazer-se o de Cavalaria n.° 6 logo a seguir. A verdade é que depois muitos outros trabalhos se empreenderam, outros se estão a fazer e outros ainda em projecto, mas do quartel de Guimarães ninguém fala e ó preciso cumprir o que está citado no decreto-lei e respeitar a palavra pessoal do Doutor Salazar.
Do Instituto Comercial e Industrial nada sabemos, mas, pedido por nós há tanto tempo, espera-se que agora seja construído em Guimarães.
Resta, Sr. Presidente — para não alongar o rosário, pois o programa era vasto, sobretudo depois dos despachos relativos às visitas do ilustre Ministro Arantes e Oliveira —, resta, dizia eu, falar da Região de Turismo.
Pedimo-la também há mais de dez anos. Diligências, reuniões e promessas não faltaram. A Serra da Estrela, a Ilha da Madeira, Ponta Delgada, Angra do Heroísmo e o Marão obtiveram despacho. Guimarães não. Guimarães não tem merecido o interesse de quem tem mandado no turismo. E não por falta de conhecimento dos problemas e da forma de os resolver.
A mesma coisa se passa com os hotéis.
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Disse aqui noutro dia:
... O problema hoteleiro, no meu concelho, é deveras complexo, visto que há o caso da cidade, com a sua intensa actividade comercial e industrial, com os seus altos valores artísticos e as suas tradições, e o da Penha, que lhe está muito ligado.
Há também, e por outro lado, os problemas de Vizela e das Taipas, magníficas e lindíssimas estâncias termais. Em Vizela o assunto não está bem resolvido relativamente à sua categoria, mas há, em todo o caso, um hotel bastante aceitável; nas Taipas o caso carecerá ainda de mais urgente solução.
Quanto à cidade de Guimarães e à Penha, o problema poderá pôr-se assim: são precisos um hotel na Penha ou em Guimarães e uma pousada em Guimarães ou na Penha. Ou ainda a meio do caminho.
E claro que iríamos por partes. Convidámos para visitar Guimarães e estudar connosco o assunto todos os Secretários Nacionais da Informação e Turismo, desde António Ferro, e mesmo um membro do Governo. Admire V. Ex.ª, Sr. Presidente, a nossa persistência. Todos compreenderam o problema e prometeram resolver o assunto, mas nunca nos tocou a esmola de uma simples pousada.
Em Outubro de 1965 o Doutor Salazar escrevia assim num despacho sobre utilidade turística, de que me mandou cópia:
... Não esquecer que o problema de Guimarães não fica resolvido com este pequeno estabelecimento. Infelizmente não há em Guimarães nem hotéis nem restaurantes capazes, sendo que a cidade se presta a um grande desenvolvimento de turismo, ao menos de visitantes.
Aqui há um ano e tal, então, o Ministério das Obras Públicas informou de que iria adaptar a pousada um belo monumento, que precisa de ser salvo, como se fez com os Lóios, de Évora, e se pretende fazer agora com outros monumentos.
Rejubilámos com o facto, mas pouco tempo durou a nossa alegria, pois parece ter-se dado primazia a pousadas noutros sítios, e à pousada de Guimarães sucedeu-lhe como ao hospital e ao quartel: passou para o fim da lista.
Sr. Presidente: Ao afirmar aqui que a terra de Guimarães até à revolução liberal nunca dependeu de qualquer terra vizinha, não vou ressuscitar velhas querelas da Colegiada nem, sobretudo, os acontecimentos dos últimos tempos da Monarquia, que levaram ' à criação de um regime administrativo especial para aquele concelho.
Depois de haver enunciado as nossas dificuldades e enumerado as nossas queixas, tenho de concluir que o regime administrativo a que estamos sujeitos não nos convém, pois, na parte que lhe compete, não nos dá a necessária posição nem nos garante o progresso que merecemos.
Os Governos, de há anos a esta parte, não conseguem compensar a supremacia das capitais de distrito: não são a vida e os homens com os seus problemas reais que atraem a sua atenção, é apenas a ficção de uma divisão administrativa que pesa. Os governadores civis, até agora, e durante estes anos todos, livres de especiais complicações políticas, transformaram-se de magistrados administrativos que são, por isso mesmo com funções políticas, numa espécie de superpresidentes de todas as câmaras do seu distrito. Reúnem-se com elas para apreciarem os assuntos em conjunto, não podendo deixar, naturalmente, de dar primazia aos problemas das sedes de distrito. E esta espanholização da nossa vida local, com predomínio absoluto das capitais, está bem clara na actuação do dia a dia e bem expressa, por exemplo, nas conclusões do Congresso da Liga dos Antigos Graduados de 1966:
No caminho da sucessiva revisão do sistema administrativo local, impõe-se reforçar o papel do distrito como autarquia, estruturando adequadamente os seus órgãos sob a égide do princípio da eficácia e ampliando, simultaneamente, a base da sua representação.
Verifica-se, não há dúvida, que esta ó a realidade e se acentua cada vez mais o desenho dos distritos como autarquias, tomando para as suas capitais os mais avultados melhoramentos e as mais importantes delegações do Governo, mesmo nos casos em que, como sucede no meu, o concelho é, sob múltiplos aspectos, mais importante que o da sede do distrito.
De tudo resulta claramente que só há para este fenómeno uma porta de saída: a criação de novos distritos. De resto, a nossa organização está envelhecida e não atende, como no caso de Guimarães, nem aos fenómenos de sempre, nem ao desenvolvimento das regiões.
Como é preciso criar Lisboa-Maior e o Porto-Maior, também será necessário com certeza criar novos distritos, podendo os actuais ser facilmente compensados. E no caso de Guimarães, com a vantagem de fazer progredir mais rapidamente toda a vasta região que lhe está ligada, de equilibrar a vida não só do concelho sede, mas também a da zona que vai até Basto, de permitir a melhor solução dos problemas internos de Guimarães e de nos deixar melhorar as nossas relações com Braga, admirando então — sem amargura — o seu progresso magnífico.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: -E não se diga que as distâncias são curtas. Já o eram durante toda a vida de Portugal em que Guimarães foi independente. Mas, para além disso, é preciso ter a consciência de que os problemas postos por uma população numerosa e muito trabalhadora, justamente porque respeitam a valores humanos, não se medem aos palmos: o que está em causa é uma ponderação de realidades políticas e de conveniências administrativas novas, e não a perpetuação da simetria de um desenho cartográfico ou a repartição geométrica de uma quilometragem.
Vozes:— Muito bem!
O Orador:.—¦ Sr. Presidente: Portugal não quererá assistir à deterioração da personalidade de Guimarães, cujo nome é sagrado e jamais poderá ser absorvido.
Vozes: — Muito bem, muito bem! 0 orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Leonardo Coimbra: — Sr. Presidente: O verdadeiro e fundamental tema da história é a luta do homem em torno de Deus e dos eternos valores do espírito.
Dois são os caminhos que se oferecem ao homem: afirmar-se na exaltação do seu poder autónomo e no desprezo de Deus, e por essa via caminhar para a sua destruição espiritual e mesmo física; ou renunciar ao orgulho e egoísmo e abrir-se a Deus e ao seu amor, construindo-se segundo a sua imagem e semelhança, único modo autêntico de ser.
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Se as potências do mundo dessacralizado e puramente terreno erguem a bandeira do ateísmo materialista e autónomo contra a mensagem de eternidade do cristianismo, proclamando a terra como único e efémero teatro do impotente destino dos homens, às nações crentes cabe a afirmação oposta, da absoluta transcendência de Deus e a plena dependência do destino histórico e temporal das pátrias como matrizes do eterno reino dos céus.
Vozes:—Muito bem!
O Orador: — Com estas palavras quero chamar a atenção desta Assembleia para a grave responsabilidade que sobre ela pesa de assumir uma atitude coerente com a geratriz espiritual da nossa história.
Em 1951, pela primeira vez, e mais tarde em 1959, foi proposta a esta Assembleia a inclusão do Santo Nome de Deus no proémio da Constituição Portuguesa.
Em face do alto sentido desse compromisso espiritual não satisfeito, e na possibilidade de uma próxima revisão da Constituição, sinto o premente dever, perante a minha própria consciência e a alma profundamente crente de um povo sempre guiado pela Fé, de fazer ecoar mais um vigoroso apelo para que tão definitivo e transcendente motivo de empenhamento histórico seja de novo considerado e aceite.
Vozes:—Muito bem!
O Orador: — Não somos um povo qualquer, sem história e sem missão. Todos estamos vinculados a uma história com as suas implicações e exigências singulares.
Por trás de nós ergue-se uma imensa e gloriosa epopeia espiritual a que devemos fidelidade sem rotura, pois toda a nossa história ó um fundo sulco rasgado no mundo das realidades espirituais, como trajectória de um astro arrastado na órbita de Deus. E a resposta humana desta dialéctica existencial das relações humano-divinas não ó indiferente para o encadeamento da história.
Vozes:— Muito bem!
O Orador: — Na batalha com os Amalacitas, quando Moisés erguia os braços para Deus a vitória pendia para os soldados de Israel, e quando, por momentos, seus braços cansados repousavam a vitória deslocava-se para as forças inimigas (Êxodo, XVII).
Esta narração bíblica significa, objectivamente, o poder misterioso, mas autêntico, da resposta de Deus à invocação humana.
E na já longa caminhada. histórica que se dilatou por terras ignotas e temerosos oceanos, o Nome de Deus sempre pairou, sobre os santos, guerreiros e heróis que forjaram a Pátria, como misterioso e dinamizador pólo de atracção.
E não representará para nós esse compromisso existencial uma imperiosa obrigação de empenhamento total nos difíceis e perigosos dias que vivemos?
Na origem da criação e do universo não se encontram as forças cegas do acaso conduzindo a humanidade, através de todas as contradições, carências e conflitos, a um fim inútil e sem sentido. Essa é a visão de uma humanidade sem esperança para além dos frágeis horizontes da história temporal.
Pelo contrário, Cristo pela Encarnação veio viver o amor de Deus entre nós e dizer-nos que Deus é, essencialmente, amor e santidade e que na origem do imenso acto evolutivo se encontra uma bondade suprema, uma caridade viva, difusiva e transcendente, que nos comunica o seu próprio ser e a sua vida, para ser por nós, homens, plenamente partilhada.
Criado primeiro em natureza, o homem é chamado a realizar-se, pela liberdade, em vida espiritual e à imagem de Deus, enquanto constrói o mundo em que se situa o seu destino.
E desse movimento fecundo e criador resulta a história, num entrecruzamento de livres decisões e do destino.
A história ó o caminho rasgado pelas livres decisões do homem em resposta às resistências e desafios do universo.
E como diz Paul Ricoeur, em Histoire et Véríté, «... os próprios povos têm uma personalidade que pode também perder-se ou salvar-se». E relevamos esta afirmação como essencial, porque nos recorda que os povos também têm o seu destino, pois, como diz o Apocalipse, as próprias nações serão julgadas à luz de Deus (XXI, 24).
Tudo na criação converge para a afirmação do espírito; tudo na ordem do espírito se orienta para a consciência e para a vida moral, de que o grande foco no mundo é a Igreja, como corpo da humanidade unida a Cristo, em renovada criação espiritual, e «abrigo e matriz do novo universo», em gestação.
Assim se compreende, como diz o filósofo Le Senne, que «a razão da história não está tanto nos acontecimentos que a constituem diante da análise como no 'valor com que gera a eternidade». Por isso todo o progresso e a evolução valem na medida em que criam autênticos valores morais e espirituais, que convergem para Cristo como seu acabamento último, Ele, que ó o Princípio e o Fim, o Alfa e o Ómega (Apocalipse, XXII, 13) da vida das almas e do destino dos povos e nações.
Como diz ainda o historiador H. Butterfield, em Cristianismo e História:
Os temas que interessam na história são os que conduzem à formação de pessoas humanas..., os valores mais altos que conhecemos na terra... A finalidade da história humana ó essencialmente criar e plasmar as almas, formar personalidades, ainda que tenham de passar pelo fogo... E se queremos colocar a história na sua verdadeira luz, ó preciso dizer que cada geração — na realidade, cada indivíduo — não existe senão para glorificar Deus, e que um dos mais graves perigos desta vida é subordinar a pessoa humana à produção, ao Estado, à própria civilização, a tudo, excepto à glória divina.
Toda a filosofia e teologia da história convergem para mostrar que a história vale, e deve ser julgada, não pelos seus resultados técnicos, mas pela capacidade de' criar personalidades autênticas e um universo de realidades espirituais e morais. Numa palavra, a verdadeira história é aquela pela qual Deus forma neste mundo almas eternas destinadas ao seu Reino, e os laços profundos devem ser os da adesão e do amor, ousado e criador, entre Deus e os homens.
Ora a nossa história singular, densa de sentido cristão e sempre polarizada por ideais superiores, embora pecadora num mundo inacabado e imaturo, obriga-nos a conduzir, até um acabamento lógico e perfeito, a longa gesta da sua tradição cristã.
E o perfeito acabamento e acordo implica uma total consagração e adesão, não só dos homens como das próprias nações, a Deus, fonte primeira e suprema do ser e do agir e raiz de todo o poder e de toda a autoridade na terra.
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Contra esta realidade fundamental, os argumentos humanos esboroam-se à luz de uma justa análise, como o calor do sol e o ímpeto dos ventos fazem desmoronar as neves das alturas.
Perante a grandeza do sentido da invocação, que significa pensar que não devemos associar o nome de Deus com as realidades sociais e políticas deste mundo sombrio e pecador?
Recordarei que, se Deus é transcendente, é igualmente imanente à história e que, pela Encarnação, Cristo assumiu a criação inteira para iniciar o Eeino de Deus nas realidades deste mundo, na misteriosa medida em que a vontade de Deus, através da colaboração humana, se insere nas estruturas terrenas.
O grande mistério de amor, que é a paixão e morte de Cristo, repete-se ao infinito na morte dos mártires e santos . ou na aceitação heróica da morte de cada homem que também sabe morrer amando. E este oceano para onde convergem todos os fios dispersos da vida de cada um de nós é o oceano infinito de um Deus que é caridade.
Assim, os dois reinos estão profundamente enlaçados no amor e nada, a não ser a deliberada rebelião espiritual, os poderá separar licitamente.
E se Cristo disse a Pilatos: «o meu reino não é deste mundo», foi no sentido temporal e político, pois que pelas parábolas do grão de mostarda e do fermento marcou bem que o reino se inaugura e cresce, na ordem do espírito e da caridade, nas próprias estruturas terrestres.
Na realidade, tudo se ordena para a transformação progressiva do reino deste mundo no reino dos céus, para além da morte dos homens e do desaparecimento dos povos sorvidos no turbilhão do tempo.
E se a vida das pátrias e nações é transitória e vale como sementeira de almas imortais, porque excluir da própria estrutura jurídica das nações a explícita dependência de Deus, como pólo último e supremo de todos os caminhos e destinos?
Como diz S. Paulo: «Todo o poder vem de Deus».
E porque somos representantes de uma nação que sempre aceitou essa verdade, ao ser revista a sua lei fundamental julgamos perfeitamente justo e adequado que, no seu pórtico, se invoque o nome de Deus como fonte de toda a ordem e paz. E essa atitude ó exigida inteiramente pela lógica do nosso passado e até pela doutrina informadora do Estado Português.
A diversidade de crenças, relacionada com a nossa condição multirracial, também se não opõe, porque as numerosas correntes ascensionais de religiosidade humana, desde o animismo às religiões superiores, se movem para o mesmo oceano divino, seja qual for o seu modo de conhecimento e de expressão. Todos os homens que assumem uma atitude religiosa naturalmente reconhecem e aceitam os direitos de Deus sobre as pessoas e sobre as sociedades.
Também a América do Norte possui diversas raças e crenças e, entretanto, não se "deteve em promulgar o Dia Nacional da Oração. E a Inglaterra, enquanto os possuiu, não se coibiu igualmente de fazer entoar em todos os seus Domínios o conhecido hino Deus salve a Rainha, durante as cerimónias oficiais e públicas.
Ora a afirmação de fé religiosa, a ser incluída, como tantos portugueses desejariam, no preâmbulo da Constituição, é uma afirmação de largo sentido teísta, sem envolver carácter confessional, pelo que em nada pode ferir a liberdade dos milhões de crentes das outras religiões, sendo mesmo muito menos restrita do que as disposições contidas nos artigos 45.° e 43.°, § 3.°, da Constituição, em que se aceita a religião católica como a religião da Nação Portuguesa. Se considerarmos os textos referidos, temos de concluir que a invocação do nome de Deus já se encontra implicitamente contida na Constituição, e agora somente uma exigência de lógica requer a sua objectiva proclamação. A omissão tem o significado de um movimento inacabado, ou de um caminho que existe mas a nada conduz.
Como vagas ao assalto da falésia, rolaram gerações sobre gerações, lutando para criar um destino histórico de inspiração cristã.
Debruçado, um dia, sobre as vetustas muralhas de um esquecido e solitário castelo, erguido sobre vasta panorâmica — um dos muitos que jazem como cansadas e inúteis sentinelas adormecidas sobre os dorsos de majestosas serranias —, senti o marulhar distante da torrente fecunda e heróica de vidas já vividas e que se deram ao imenso esforço de construir uma nação cristã.
A sombra da cruz se moveram velas, lanças e arados, e a nós, herdeiros de uma fecunda corrente histórica, pertence a inadiável imposição de realizar o acabamento lógico de tão funda e viva tradição, sem o que a nossa história ficará truncada e espiritualmente inacabada.
Ê que nós representamos, no dramático clima de pânico e catástrofe do mundo actual, os responsáveis depositários de uma maravilhosa tradição que exige um acabamento coerente e perfeito. E o fecho de abóbada desta catedral viva, que é o destino de um povo gerado desde as origens em Cristo, somente poderá ser realizado pela invocação do nome de Deus na Constituição pela qual se regem os destinos de um povo consciente do sentido espiritual da sua missão histórica.
De relance, olhemos as cumeadas espirituais da nossa história.
Desde os aureolados e misteriosos acontecimentos de Cárquere e Ourique, no dealbar da Nação, com o seu nimbo de sonho e de ideal, toda a nossa maravilhosa história tem sido uma longa tessitura de iniciativas de inspiração cristã, de que o erguer dos padrões, por desvendados e remotos horizontes, foi o símbolo vivo e criador. E esse mergulhar de proas e arados no mundo longínquo e ignoto arrastou consigo um irrecusável compromisso e empenhamento.
Sempre a Nação Portuguesa acreditou em Deus e confessou a sua Fé como seiva dinamizadora e fecundo impulso espiritual dos seus empreendimentos.
D. Afonso Henriques acolheu-se à protecção de Roma, proclamando assim as raízes cristãs do Estado Português.
D. João IV, depois de Portugal ter recuperado a sua soberania, consagrou o reino à Virgem, que proclamou sua Padroeira para sempre.
D. João V obteve, por sua vez, de Roma, para Portugal, o título de Nação Fidelíssima, o que implica incondicional adesão às exigências da Fé.
Se consultarmos a Colecção da Legislação antiga e moderna do Reino de Portugal encontramos várias vezes, nas Ordenações régias, a invocação do Nome de Deus.
Múltiplas são as referências desde as primeiras Ordenações até à Constituição Política da Monarquia decretada pelas Cortes Gerais em 1821.
A nossa primeira Constituição Política, promulgada por D. João VI, em 1822, inicia-se não com a invocação genérica do Nome de Deus, mas sim da Santíssima Trindade.
O próprio movimento das Descobertas envolvia na origem, segundo o cronista Gomes Eanes de Azurara, uma razão que transcendia o condicionalismo económico e político da época. Segundo ele o Infante foi impelido pelo
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«grande desejo que havia de acrescentar em a Santa Pé de Nosso Senhor Jesus Cristo, e trazer a ela todas as almas que se quisessem salvar ...».
As Concordatas celebradas entre a Santa Sé e Portugal, sendo a mais recente a de 1940, contêm a invocação preambular do Nome de Deus, o que se reveste de decisivo significado por se tratar de instrumentos de direito internacional que o Governo ratificou.
Portugal é talvez o único país que faz votar uma verba orçamental para as Missões. O ensino religioso é obrigatório e essa deliberação implica também um compromisso que transcende a própria esfera da Igreja e entra na vivência do Estado.
Se nos debruçarmos sobre o roteiro da imagem peregrina da Virgem pelas terras e gentes lusíadas espalhadas pelo mundo, colhemos uma viva imagem do profundo sentimento religioso que anima a alma colectiva da Nação.
E, assim, se a nossa poderosa tradição histórica, por algum tempo quebrada, foi restituída ao rumo primeiro da sua linha ancestral pelo Governo da Nação, que a tantas consagrações religiosas se tem associado — em Fátima e outros momentos de projecção nacional, como a consagração do Monumento Nacional a Cristo-Rei - , não se percebe porque não chegou ainda o momento de se realizar o acabamento lógico da geratriz espiritual da nossa história, pela consagração do Nome de Deus como fecho de abóbada de todo um sistema de valores pelos quais se rege uma nação cristã.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — De todas estas densas e expressivas realidades resulta um compromisso espiritual profundo e conclusões inadiáveis.
Constituímos uma nação com mais obrigações espirituais do que muitas outras e, entretanto, são numerosos os países e estados que invocam o Nome de Deus nas suas Constituições.
Pelo menos dezasseis países o fazem, dos quais lembrarei somente o nosso irmão Brasil, cuja Constituição, aprovada em 26 de Setembro de 1946, se inicia com este preâmbulo: «Nós, os representantes do Povo Brasileiro, reunidos, sob a invocação de Deus, em Assembleia Constituinte ...».
Igualmente as Constituições de quarenta e dois estados da União Americana invocam o Nome de Deus.
Países como a Argentina e a Irlanda, de todos os continentes e matizes, invocam o Nome de Deus nas suas Constituições Políticas. Igualmente encontramos oficializado no Brasil, nas Filipinas e na América do Norte — instituído pelo Presidente Johnson em 1967 — o Dia da Oração Nacional, o que constitui o reconhecimento oficial e público da soberania de Deus sobre os povos e as nações. A inclusão do Nome de Deus nas Constituições não é o resultado de razões políticas, mas sim a consequência de um imperativo da consciência religiosa colectiva. Deus não ó invocado para servir de tutor de uma política, mas sim para subordinar um sistema hierárquico e gravitacional de todos os valores humanos e sociais à fonte primeira e oceano último em que se estabilizam e subsistem todas as realidades do tempo e da eternidade.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Se Deus, para a nossa tradição cristã, é fonte universal do poder, da moral, da justiça e de todo o bem, porque não há-de a própria Constituição reconhecê-lo com coerência indesmentível e lúcida coragem?
Num país profundamente crente, a ausência da invocação constitui uma lacuna profunda e um inacabamento e incoerência intrínseca, pelo que a Constituição se mantém incompleta enquanto permanecer essa situação. E lei que haja um crucifixo em cada escola. Como poderemos ter Cristo na parede e esquecer Deus na Constituição?
«Não discutimos Deus», afirmou um dia Salazar num dos seus discursos fundamentais.
Resta agora que seja situado o seu Nome na Constituição como fonte primordial e fundamento último de todo o direito e de toda a moral.
Vozes: —Muito bem!
O Orador: — Como diz o filósofo Vladimir Soloviev:
A aparição em Cristo do homem novo espiritual é o centro da história universal ... O mundo antigo gravitava para o homem espiritual, o mundo moderno gravita para a espiritualização da humanidade, quer dizer, para o momento em que Cristo tiver transformado toda a humanidade à sua imagem (Filipenses, III, 21).
Essa finalidade é perseguida por duas vias: a do aperfeiçoamento moral pessoal e a da melhoria das relações sociais.
Ora estas relações, concluo, são as relações de justiça e amor que devem existir não só entre os homens, como ainda dos homens para com Deus, na plenitude das suas implicações e exigências.
Num mundo cada vez mais dramaticamente dividido, por Deus e contra Deus, a neutralidade é impossível.
Para as nações, assim como para os destinos pessoais, a vida exige uma opção inevitável, porque não escolher a favor é já ter escolhido contra.
Vivemos uma época de opções decisivas em que alguns dos estados mais poderosos da terra, com os seus numerosos satélites, se apresentam sob formas totalitárias e se divinizam a si próprios. E essa atitude de autonomia total e arbitrária impõe aos estados de inspiração e raízes cristãs a improtergável obrigação de também se comprometerem na afirmação decisiva da Fé que os inspira.
Vozes: —Muito bem!
O Orador: — Sr. Presidente: Envolvido num áspero desafio da história, a que a Nação tem respondido decidida e corajosamente, chegou o momento de Portugal afirmar, à face do tempo e da eternidade, a sua inquebrantável Fé cristã:
Aquela Fé criadora que foi a seiva fecunda da sua
história poderosa e singular; Razão do sangue derramado por inumeráveis santos,
missionários e heróis de todos os tempos, brotados
do povo como explosões sublimes da sua alma
crente;
Fé que, como torrente de lava impetuosa, soergue a alma colectiva da Pátria na sua incontida caminhada para o Deus de caridade que é o infinito oceano onde terminam os inumeráveis destinos dos homens e dos povos.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Presidente: — Como não está presente o Sr. Deputado José Alberto de Carvalho, que estava inscrito para o período de antes da ordem do dia, vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: — Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre a reorganização das Casas do Povo e a previdência rural.
Tem a palavra o Sr. Deputado Dias das Neves.
O Sr. Dias das Neves: — Sr. Presidente: Desejo que as minhas primeiras palavras sejam de homenagem ao ilustre Presidente desta Assembleia Nacional, que a doença afastou do nosso convívio e para quem formulo ardentes votos do mais rápido restabelecimento.
Depois desejo cumprimentar V. Ex.ª pela maneira criteriosa e inteligente como superiormente tem dirigido os trabalhos desta Câmara, numa confirmação total do valor e das mais altas qualidades já reveladas no exercício de todas as, funções públicas que lhe foram confiadas.
Srs. Deputados: Porque é a primeira vez que subo a esta tribuna na presente sessão legislativa, e porque sinto ser imperativo da minha consciência de homem e de patriota, permitam VV. Ex.as que, antes de entrar propriamente no assunto em discussão, me detenha em algumas considerações para expressar o meu sentir perante o que considero o acontecimento mais importante da história contemporânea do nosso País, o afastamento da chefia do Governo, por motivo de grave doença, de S. Ex.ª o Presidente Salazar.
A história, Srs. Deputados, é feita pelos povos, que, pela sua acção, marcam no universo do tempo o sulco do seu próprio caminho, qual rio que na natureza marca o seu leito, indiferente aos ventos que sopram da direita ou da esquerda.
Ao traçar o seu leito, os rios, na sua força natural e bruta, vencem todos os obstáculos que se lhes apresentam, derrubando-os ou desviando-se, serpenteando aqui, caindo acolá, até atingirem a sua foz.
Os povos, possuidores também da sua força, que ó natural, mas acima de tudo espiritual, vencem os obstáculos, torneando-os, eliminando-os, conduzidos normalmente por homens cuja inteligência, vontade e espírito os impõem como condutores. Esses condutores são aqueles que na história figuram como santos, como heróis, como mártires e como génios.
Todos têm valido, especialmente, e continuarão a valer, quanto a mim, não pelo que de bom ou de mau fizeram em proveito próprio, mas por aquilo que de si próprios foram capazes de dar aos outros.
A História de Portugal é, toda ela, numa confirmação das palavras que acabo de proferir, uma extensa galeria de homens que, esquecendo-se de si próprios, tudo deram ao povo português e à nossa Pátria.
Quando um salto brusco da vida dos portugueses, um obstáculo, impedia o livre correr da História de Portugal no leito que há oito séculos iniciara, um homem surgiu, com um espírito lúcido, uma vontade forte, e à luz de princípios que encontrava os melhores venceu o obstáculo e iniciou de novo o caminho, dando início à Revolução Nacional.
Na realização constante de coerências entre os princípios e a acção indispensável, Salazar acabou por encarnar a própria Revolução e pôde conduzir o País na evolução para uma prosperidade e uma grandeza a que pelo seu passado histórico tinha direito.
Salazar foi o condutor iluminado que tirou o povo português da escuridão de uma vida sem glória, em que se afundara, e o elevou ao nível das nações, com que sempre emparelhou na condução dos destinos do mundo.
Alguém com muito mais autoridade, responsabilidade e competência do que eu, modesto deputado, lhe chamou homem de génio, que ficará a assinalar na História de Portugal a presença de mais um Homem com letra maiúscula.
Ao vê-lo partir, de consciência limpa e dever cumprido, carvalho forte da serra, que os ventos não conseguiram torcer, e que só a doença grave venceu, a mim, como português, cabe-me, desta tribuna, o imperativo de um agradecimento do que fez pela nossa pátria, num preito de homenagem profunda ao homem, ao governante e ao génio que Deus um dia colocou no caminho da nossa história, para que fosse grandiosa e digna. E faço-o com a alma aberta e o coração dorido, com a emoção de quem perde um ente querido.
Mas cabe-me igualmente a obrigação de, como homem que um dia aderiu a princípios que considera validamente capazes de realizar o bem comum de todos os portugueses, manifestar a minha satisfação por poder verificar que ao Homem sucede outro Homem; que a si mesmo se chamou homem comum, não porque o seja, pois que não será nunca comum um homem da envergadura moral, intelectual e política do Presidente Marcello Caetano, mas que se chamou assim apenas para, também ele, pôr em destaque a extraordinária figura de Salazar, numa demonstração da alta virtude da humildade, que ó o calibre superior pelo qual se aferem os grandes homens.
Quando naquela noite S. Ex.ª o Presidente da República anunciou, com uma dignidade repassada de emoção, a substituição que era necessário fazer, por todos nós — pela Nação inteira, creio eu — passou um ardente sentimento de admiração e de agradecimento, que por mim quero transformar na mais profunda homenagem ao mais alto magistrado da Nação, e ao indicar o nome de Marcello Caetano todos devem ter sentido que uma nova era se iniciava para Portugal.
E, na concessão da minha parte no crédito que S. Ex." o Presidente do Conselho já pediu à Nação, quero produzir aqui um voto de confiança por verificar que a presença do Presidente Marcello Caetano na chefia do Governo, as palavras que já pronunciou e a acção que já desenvolveu realizam uma coerência que é garantia segura de que a Revolução Nacional, iniciada numa alvorada política que em todos os dias e em todos os momentos queremos renovada, vai continuar.
Srs. Deputados: No relatório que antecede o Decreto--Lei n.° 23 618, de 1 de Março de 1938, podemos ler a certa altura:
O Decreto-Lei n.° 23 051, que criou as Casas do Povo, instituições de cooperação social e organização profissional não diferenciada, veio certamente corresponder às necessidades das nossas populações rurais, por definir uma fórmula de associação que se adapta intimamente às suas características presentes.
Na realidade assim acontecia, pois não podemos esquecer que no sector agrícola, como de resto em qualquer outro sector da produção, a associação é uma exigência de ordem vital.
Mais de trinta anos passados — e após uma série de diplomas e regulamentos, a proposta de lei agora em discussão, com o seu duplo objectivo: reforma da estrutura das Casas do Povo e das suas federações, e a extensão gradual dos esquemas de previdência social aplicáveis aos
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trabalhadores agrícolas, em ordem à sua integração no regime das caixas sindicais de previdência —, vimos encontrar a mesma linha de orientação e coerência ao pretender que estes organismos realizem de forma mais adequada os seus fins institucionais, adaptando-se aos novos condicionalismos da nossa vida rural.
Assim, a reorganização das estruturas das Casas do Povo, realizada numa linha de coerência com os princípios corporativos que orientam a nossa economia, corresponde a um imperativo de ordem nacional, com vista à valorização humana de uma população que é ainda hoje o suporte mais importante da nossa economia e que importa defender, para que se não acentuem desequilíbrios perigosos já existentes.
Nestes trinta anos profundas transformações se deram no mundo rural português e um profundo mal-estar se estabeleceu, de modo a fazer sentir a necessidade de uma política de revigoramento total da nossa agricultura.
Porém, numa agricultura como a nossa, assente numa propriedade fraccionada até à pulverização nalgumas regiões do País, com um baixíssimo índice de produtividade, como consequência do baixo nível cultural do trabalhador do campo e da rotina de processos, assente na ignorância e aversão por novos métodos e novas culturas, e da inexistência de empresas familiares com viabilidade económica, não é possível lançar as bases de uma política agrícola sem o justo receio de que não passe de mais um sonho, a esfumar-se no acordar das realidades.
A uma assimetria sectorial acentuada, que, arrastando consigo, para além do normal transplantar, os trabalhadores rurais para os sectores secundário e terciário, arrastamento benéfico quando corresponde às exigências normais de um desenvolvimento económico, arrasta igualmente e em avalancha uma população que se vai aglomerar junto dos centros urbanos, num verdadeiro «urbanismo mórbido», já que ao deslocamento geográfico não corresponde um deslocamento profissional, acresce ainda uma assimetria dentro do próprio sector, fomentadora dos maiores desequilíbrios, que tornam difícil realizar qualquer iniciativa com vista a melhorar as suas próprias condições.
Assim, a agricultura assiste impotente à saída de toda a sua mão-de-obra mais válida, quer pela mobilização da juventude que, servindo em África na defesa da soberania da Nação, regressa com horizontes mais vastos e procura melhores situações, quer pelo forte contingente de emigração para o estrangeiro, numa verdadeira sangria do seu capital humano, o mais valioso de qualquer sector.
A esta sangria de população, que nem sequer é — e infelizmente não ó — imposta por uma mecanização, que se impõe com vista a uma maior produtividade, há que pôr-se por todos os meios um tampão que obste ao escoamento das populações, de tal forma que está transformando num deserto largas faixas de território nacional, destruindo ao mesmo tempo todo o vasto repositório das mais belas tradições portuguesas e dos caracteres da raça, que se transmitem em ancestralidade e que correm o risco de serem pouco menos do que motivos de museus etnográficos.
Impõe-se, pois, uma política de ordenamento rural e urbano que permita suster na sua região um caudal humano que em torrente se lança nas grandes cidades, com todas as consequências de ordem económica, política, social e religiosa.
Ora é neste campo, creio eu, que podemos situar com êxito as funções de cooperação social das Casas do Povo, que se definem na base I da proposta de lei, dado que têm em vista o desenvolvimento integral das comunidades e a promoção cultural, moral e profissional dos seus associados.
Na medida em que o desenvolvimento do sector agrário deve ser promovido pelos próprios interessados, a presente proposta de lei, ao repor no verdadeiro plano os fins de cooperação social, o alargamento da previdência e a regulamentação de uma função representativa a nível nacional, está criando as condições de consciencialização para uma acção do próprio sector dos trabalhadores agrícolas da qual é lícito aguardar os melhores resultados.
A expressão «cooperação social» alcança aqui o seu verdadeiro significado, como característica essencial dos fins das Casas do Povo, do desenvolvimento da comunidade e da promoção social das populações rurais, pela elevação do nível económico, profissional, moral e cultural dos seus membros mais desprotegidos: trabalhadores rurais de modestas categorias e produtores agrícolas em situação equiparável.
No magnífico e bem elaborado parecer da Câmara Corporativa sobre este capítulo da cooperação social, finalidade principal das Casas do Povo, aquele a que se dá maior relevo na proposta, esta Câmara faz uma cuidadosa apreciação das actividades a realizar, designadamente nas suas modalidades de promoção cultural e formação profissional, em ordem a uma eficaz promoção social dos trabalhadores rurais e a sua integração no progresso da economia agrária.
Aqui gostaria de fazer dois pequenos apontamentos: o primeiro no campo da formação profissional, para afirmar uma vez mais nesta Câmara a necessidade de uma íntima e eficiente colaboração entre os Ministérios das Corporações e da Educação Nacional.
No relatório do Parecer das Contas Gerais do Estado de 1967, neste capítulo da agricultura, encontramos na p. x uma referência à necessidade deste esforço de coordenação quando se diz: «Há certamente organismos e esforços a mais, mal situados nalguns casos, e falta, sem dúvida, uma coordenação eficaz que una tantas e tão boas intenções».
Tem o Ministério da Educação Nacional, através da sua Direcção-geral do Ensino Técnico Profissional, desenvolvido um notável esforço ¦ no sentido da formação agrícola das populações rurais, criando e mantendo cursos de aprendizagem agrícola, cujo número vem diminuindo todos os anos por falta de interesse e por falta de apoio.
Assim, no ano lectivo de 1965-1966 havia a funcionar 250 cursos, com cerca de 3500 alunos. Nos anos lectivos seguintes o movimento foi como segue:
Em 1966-1967 funcionaram apenas 230 cursos;
Em 1967-1968 funcionaram apenas 175 cursos;
Em 1968-1969 funcionaram apenas 153 cursos, com pouco mais de 1500 alunos.
Estes cursos, assentando na 4.ª classe da instrução primária, constituíam uma extensão da escolaridade obrigatória e constam de uma parte de cultura geral e outra parte profissional. Ora foi sempre na realização da parte profissional que estes cursos encontraram dificuldades, por falta de apoio dos organismos representativos da lavoura.
Estabelecida agora a escolaridade obrigatória para seis anos, importa desde já começar a pensar no esquema de articulação destes cursos com a escolaridade obrigatória, para evitar perdas de tempo a resolver um problema que é urgente, ou para se não entrar no campo das improvisações perigosas e provocadoras de desinteresse.
Os alunos depois da 6.ª classe, com 12 ou 13 anos de idade, estão já dentro de um nível psicológico de interesses, que lhes permite melhor assimilar uma formação
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profissional, desde que lhes garanta regalias iguais às dos outros sectores.
O outro aspecto que desejo aqui focar é o aspecto da mentalização dos trabalhadores rurais, que é urgente e necessário fazer no sentido de se não sentirem diminuídos em relação aos homens das cidades, e sobretudo as suas elites, que, já tão reduzidas, tendem a desaparecer se lhes não criarmos condições de sobrevivência.
Torna-se necessário despertar nos trabalhadores e pequenos proprietários rurais a consciência da sua missão e das suas responsabilidades sociais, económicas, culturais, morais e religiosas. E necessário que o agricultor, consciente da sua dignidade e dos deveres que dizem respeito à sua profissão, se sinta estimulado a melhorar as suas condições de vida e de trabalho.
E certo que os problemas de qualquer sector da vida económica devem ser resolvidos pelo próprio sector; todavia, dada a escassez de valores na maior parte das freguesias rurais, sem um trabalho de mentalização exterior não será possível vencer a inércia do sector agrícola.
Essa mentalização tem de ser feita com medidas e campanhas de promoção social eficazes, levadas a efeito pelas Casas do Povo, mas não dispensa, quanto a nós, a presença de brigadas técnicas e equipas de trabalho, que hão-de ter por missão o estudo e a dinamização, em termos de economia agrícola moderna, da vida rural de determinada região. Não podemos continuar à mercê do esforço, da abnegação e do espírito de sacrifício de um ou dois «carolas», que, desaparecendo, comprometem quase sempre a continuidade da obra que importa realizar.
Além disso, todos sabemos como o meio rural é pouco permeável à informação e à inovação, e será, portanto, a assistência técnica, a demonstração e o impulso de uma equipa vivificadora que podem promover essa melhoria.
Não basta escrever na lei as finalidades e os propósitos, pois todos sabemos como o Diário do Governo é um longo e bem ordenado arquivo de finalidades e bons propósitos. O fundamental ó a execução da lei, que não pode ser dissociada dos condicionalismos das estruturas locais e gerais, e que o País e o meio em que se aplica são realidades que têm de ser consideradas.
De 1934 a 1940 constituíram-se 400 Casas do Povo, das quais mais de 150 com caixas de previdência organizadas, destinadas a conceder pequenos subsídios por doença, morte, nascimento de um filho, etc; de 1940 a 1963 criaram-se mais 216 Casas do Povo, o que dá uma média de 9 por ano; de 1963 a 1967 aumentaram 28 Casas do Povo, o que dá uma média de 5,6 por ano; também se verifica que de 1963 a 1967, embora tenham aumentado 28 Casas do Povo, diminuiu em 5500 o número de sócios efectivos.
Também as 644 Casas existentes cobrem apenas 30 por cento das freguesias rurais do continente e ilhas adjacentes, cobrindo uma percentagem um pouco mais elevada de trabalhadores subordinados.
As medidas agora propostas hão-de certamente dinamizar a constituição de mais outras, mas a cobertura total do País por Casas do Povo implica um esforço e um espírito de iniciativa que já não encontramos nas freguesias rurais, pelo que deve surgir do exterior.
Srs. Deputados: No relatório do Decreto-Lei n.° 30 710, de 29 de Agosto de 1940, podemos ler:
Mais de uma vez se tem reconhecido revelarem-se as Casas do Povo o instrumento capaz de converter em sadia realidade a aspiração de previdência da gente do campo, aliás limitada à modéstia dos seus hábitos e das suas condições de vida.
Ganharam portanto as Casas do Povo direito indiscutível de verem reformada a. sua estrutura de previdência para resolução dos problemas que embaraçavam ainda a sua acção, de modo que possam receber definitivamente o encargo de assegurar aos trabalhadores rurais ou equiparados os benefícios da previdência compatíveis com o seu nível de vida e com a resistência da nossa economia agrícola.
Neste decreto-lei se determinava em seguida, a par de outras medidas, a inscrição obrigatória de todas as pessoas nas condições de poderem ser sócios efectivos e se estabelecia um esquema de previdência a realizar pelas Casas do Povo.
Ora a proposta presente vem reafirmar o direito acima conferido ao considerar as Casas do Povo um instrumento imprescindível de um programa de realização da previdência social no sector agrícola e ao fazer o alargamento do âmbito dó seguro social a todos os trabalhadores rurais ou equiparados e o estabelecimento do regime de abono de família para, os descendentes dos trabalhadores dos campos.
Todos sentimos como é indispensável, como é justo, como é imperativo de uma justiça social, que aos trabalhadores que vivem da e na agricultura sejam consentidas iguais oportunidades, iguais regalias e iguais direitos que aos dos sectores secundário e terciário.
Sentimos mesmo que sem esta igualdade não se faz uma equitativa distribuição de riqueza e assim a agricultura continuaria a ser a «irmã mais desfavorecida».
O movimento crescente de urbanismo e de emigração tem provocado transtornos na estrutura moral e social da família rural, tornando absolutamente necessário apressar a política de protecção à família dos trabalhadores do campo, de forma que estimule o seu apego à terra e lhes ofereça modalidades de vida fecunda e verdadeiramente humana.
A extensão da previdência social não só ao trabalhador rural, mas também aos trabalhadores agrícolas de menores recursos, em situação económica e social equiparada, numa tentativa, a todos os títulos louvável, do início do alargamento do seguro social ou equiparado, é uma medida do maior alcance social e constitui uma poderosa e verdadeira alavanca de elevação do nível da dignidade humana destes trabalhadores.
A concessão de abono de família aos descendentes ou equiparados de todos os trabalhadores rurais por conta de outrem, residentes na área das Casas do Povo, constitui inovação da presente proposta de lei, devida e merecidamente realçada no relatório, que merece a nossa mais viva aprovação, na medida em que significa justa equiparação aos trabalhadores dos outros sectores, por um lado, e esboça a realização do salário familiar, que importa estabelecer, pelo outro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A presente proposta de lei, para além do seu enquadramento no plano nacional, é toda ela, na sua economia, um valioso e sério documento de doutrina social, que bem pode ser situado num quadro mais geral de economia mundial.
A luz de um verdadeiro sentimento cristão refulge em toda a proposta, quando verificamos que todas as medidas preconizadas são repassadas de um interesse e desejo de dignificação da vida humana, sobrepondo este a todos os interesses de ordem económica e política.
Na realidade, o nosso problema não é diferente do dos outros países e, contudo, este passo decisivo constitui uma manifestação de preocupação e um desejo de resolução de um dos problemas mais graves do nosso país, que
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coloca a presente proposta de lei verdadeiramente enquadrada nos problemas do nosso tempo e a que nenhum de nós pode ficar indiferente.
Por isso, desta tribuna, desejo felicitar o Governo pela oportunidade da proposta, pelo seu enquadramento no plano de desenvolvimento económico moderno, entendido no sentido da valorização humana e da dignificação do homem, e dou à mesma a minha aprovação na generalidade.
Vozes: — Muito bem, muito bem! 0 orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Veiga de Macedo: —Sr. Presidente: Depois de, no decorrer deste debate, me ter referido à evolução e à obra das Casas do Povo e aos aspectos que mais se prendem com as suas funções de cooperação social e de representação profissional, bem como às perspectivas que se abrem à sua acção, passo a apreciar o terceiro elemento do conceito orgânico daquelas instituições, na definição que a proposta de lei em análise preconiza, para de seguida me pronunciar sobre os novos planos de aperfeiçoamento e expansão da previdência nos meios rurais.
Casas do Povo e previdência social. — Ao definir os elementos estruturais das Casas do Povo, a proposta de lei que ora se discute qualifica-as também como instituições de previdência. Não se afasta, assim, neste ponto, da Lei n.° 2115, que as engloba, juntamente com as caixas sindicais e as Casas dos Pescadores, na l.ª categoria das instituições de previdência, «fundamentalmente destinadas a proteger os trabalhadores de conta de outrem».
Essa lei é, porém, clara ao consagrar a política da inclusão dos trabalhadores inscritos nas Casas do Povo na organização geral da previdência, para o efeito de - beneficiarem de uma ou mais modalidades de seguro do esquema das caixas regionais e da Caixa Nacional de Pensões, mediante o pagamento das contribuições correspondentes.
Porque esta finalidade de fundo não pode alcançar-se plenamente em poucos anos, dadas as dificuldades inerentes à integração dos trabalhadores agrícolas nas caixas (que tem de ser progressiva), a lei não deixou de manter,
entre os fins institucionais das Casas do Povo, objectivos de previdência, designadamente os da acção médico-social, assistência materno-infantil e protecção na invalidez.
E estabeleceu, de modo expresso, que
os trabalhadores rurais ou equiparados ainda não abrangidos pelas Casas do Povo consideram-se, para este efeito, incluídos no âmbito das Casas do Povo da região às quais incumbe assegurar a realização dos fins da previdência.
Prescreveu ainda o mesmo diploma que se actuasse com a possível urgência no sentido de se desenvolver e generalizar a protecção social dos trabalhadores rurais e suas famílias.
Não vindo ao caso tentar agora explicar o facto de não se ter dado, entretanto, execução a esse preceito, quero salientar que a tendência decorrente dos textos legais e do pensamento da proposta em apreço é a de transferir das Casas do Povo para as caixas as funções de previdência. No relatório da proposta, esta ideia ressalta nítida ao delinearem-se as fases do desenvolvimento e aperfeiçoamento da previdência dos trabalhadores agrícolas.
Para já, a gestão do regime especial do abono de família é entregue às caixas regionais, o mesmo acontecendo em relação à previdência de expressivo grupo de trabalhadores especializados ou permanentes ao serviço de entidades agrícolas.
Estas considerações de carácter geral assumem interesse, porque conduzem à demonstração da necessidade de alterar alguns preceitos da proposta de lei no sentido de os harmonizar entre si.
Ao acentuar-se o sentido da evolução das Casas do Povo, neste domínio da previdência, estou longe de admitir que, em muitos casos, elas possam deixar de ser instrumentos do aperfeiçoamento, da expansão e da execução dos seguros sociais obrigatórios. Sempre que nisso se reconheça vantagem, as caixas devem, como ó pensamento da proposta de lei, manter íntimas relações com aqueles organismos periféricos da nossa estrutura corporativa e estabelecer com eles, em regime de reciprocidade, acordos de cooperação. Não há dúvida de que, se assim se proceder, as Casas do Povo poderão ver, em diversos aspectos, acrescidas as suas tarefas e aumentado o seu prestígio.
Haja em vista os actuais acordos de cooperação médico-social que nas zonas populacionais marcadamente agrícolas bem poderiam, como está a verificar-se agora, assegurar, ao menos a título transitório, assistência clínica aos beneficiários das caixas. Não é outra a orientação consagrada na Lei n.° 2115, cuja base XXVII preceitua que «as instituições de 1.ª e 2.ª categorias cooperarão entre si na organização da assistência médico-social aos trabalhadores e na protecção às suas famílias, sem prejuízo do disposto no n.° 2 da base viu», para o que «entre umas e outras serão celebrados acordos para a utilização recíproca dos serviços em tudo o que interesse às suas finalidades».
O conteúdo desta base é o mesmo que o Governo já em 1957, na correspondente proposta de lei, que então me foi dado subscrever, pretendia ver consagrado, quanto à «cooperação que as caixas regionais de previdência deveriam prestar às Casas do Povo e suas federações».
O texto proposto pelo Governo foi alterado pela Assembleia, em obediência à ideia que, mais tarde, na qualidade de presidente da comissão de trabalho, previdência e assistência social, aqui exprimi, nos termos seguintes:
A razão de ser da proposta de alteração do texto da Câmara Corporativa, em tudo coincidente com a do Governo, reside na preocupação de alargar ao maior número possível de instituições a regra da coordenação das actividades. E, contudo, evidente que esta cooperação há-de ser particularmente necessária, no domínio da acção médico-social, entre as caixas regionais de previdência e abono de família e as Casas do Povo e suas federações. E este um dos pensamentos mais salientes da proposta do Governo, do parecer da Câmara Corporativa e, como se patenteou já por forma inequívoca, desta Assembleia.
Esta cooperação não deve, porém, obedecer a esquemas rígidos, pois em numerosos casos hão-de ser as caixas a prestar, nos seus postos clínicos ou outros centros de acção social, assistência aos trabalhadores abrangidos pelas Casas do Povo, até porque estas não devem ser sobrecarregadas com serviços complexos e especializados, que, por vezes, nem sequer podem dispersar-se por motivos de ordem técnica ou financeira.
A este respeito é bem realista a proposta de lei quando impõe às Casas do Povo, naturalmente dispensadas de realizar o seguro de acidentes de trabalho dos rurais,
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a cooperação efectiva com as caixas, em termos a estabelecer, para a cobertura deste risco social.
E já que o fio das minhas considerações me levou ao problema da cobertura dos riscos de acidentes de trabalho, ouso pedir a atenção da Câmara para a. discussão vivíssima aqui travada precisamente quando se, votou a base XLIII, n.° 2, da Lei n.° 2127, de 3 de Agosto de 1965. Esta base previu que o seguro dos trabalhadores rurais ou equiparados, em relação aos quais as entidades patronais não efectuem a transferência da responsabilidade por acidentes ou doenças profissionais, ficará a cargo de instituições de previdência obrigatória.
Tendo feito então o meu depoimento, limito-me agora a dizer que as instituições de previdência encontrarão as maiores dificuldades se vier a dar-se, generalizadamente, preferência ao segundo termo da alternativa que esse preceito consagra, ao prever uma solução que em relação à Lei n.° 2115 tem de considerar-se facultativa e transitória.
A cobertura do risco por tais instituições, apenas relativamente aos trabalhadores agrícolas cujas entidades patronais não hajam transferido a responsabilidade inerente para as companhias seguradoras, constitui um encargo injusto e extremamente gravoso, que um ilustre deputado considerou «a porção danosa e ingrata de tal seguro» e que outro, não menos ilustre, apodou de «osso sem carne».
Congratulo-me, ao menos, por ver que a proposta de lei em apreço, ao definir as atribuições das Casas do Povo, adopta uma fórmula reveladora de não ter sido tomada posição sobre um problema que não comporta apenas necessariamente a modalidade de solução parcial da Lei n.° 2127, porque continuam em vigor, como orientação geral, as normas da Lei n.° 2115, mais consentâneas com este alto e indiscutível pensamento de que «um regime de protecção social, tornado coactivo pelo Estado, não deve constituir objectivo do comércio de seguros».
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Os novos programas da previdência rural. — A proposta de lei submetida pelo Governo a esta Assembleia tem em vista reforçar os esquemas dos benefícios a conceder pelas Casas do Povo aos sócios efectivos em colaboração com as caixas de previdência, e integrar nestas, desde já:
1.° Os trabalhadores de conta de outrem de profissões agrícolas que exijam particular grau de especialização;
2.º Os trabalhadores ao serviço de explorações agrícolas no exercício de profissões comuns a. outras actividades;
3.° Os trabalhadores permanentes das cooperativas e das empresas agrícolas dotadas de capacidade económica.
Preceitua, ao mesmo tempo, a concessão de abono de família, em regime especial, aos trabalhadores agrícolas subordinados, prevendo também a extensão deste benefício, nas zonas onde não existam Casas do Povo, aos trabalhadores permanentes da agricultura, silvicultura e pecuária.
Em segunda fase, estes esquemas serão ampliados, nas diversas regiões rurais, de modo que o regime geral abranja outras profissões ou trabalhadores permanentes de outras empresas, assim integradas nas caixas. Será também alargado o regime especial do abono de família a todas as zonas, mesmo àquelas onde não funcionem
Casas do Povo, sem prejuízo de se activar a expansão destes organismos e melhorar a sua assistência médica e farmacêutica.
A fase final coincidirá com a plena integração dos trabalhadores agrícolas no sistema da previdência.
Fórmulas diferentes poderiam ter sido escolhidas quanto à preferência a dar às várias modalidades de acção social da previdência.
Anote-se que traduz modificação importante do pensamento até há poucos anos dominante na matéria a preferência que se manifesta agora pelo abono de família. Atribuía-se, na verdade, mais relevância, para os meios rurais, à cobertura generalizada do risco de invalidez, à melhoria da assistência médica e à criação de serviços de protecção social, como os infantários, os centros de educação infantil, as obras de formação profissional e familiar e outras.
A prioridade dada a estas modalidades baseava-se em razões de diversa índole, entre as quais: a natureza e premência de certas necessidades; a falta de protecção aos velhos e inválidos, cujo número aumenta percentualmente de modo crescente por causas conhecidas; as elevadas taxas de mortalidade infantil, que exigem uma acção enérgica através de infantários e de assistência eficaz às mães e às crianças; as vantagens de serviços de índole educativa e da fixação no campo de um numeroso escol de agentes sociais e pedagógicos; a rentabilidade social mais acentuada e mais prolongada de esquemas confinados mais aos benefícios em espécie do que às prestações em dinheiro; e ainda a circunstância de a subida constante dos salários agrícolas tornar menos expressivo o abono de família.
A questão deslocou-se, porém, ultimamente, por motivos de diversa ordem, para outro plano e, a partir de certa altura, a aspiração do abono de família por tal maneira se radicou e generalizou que se torna agora difícil deixar de ir ao encontro dela.
O Governo assim o compreendeu, e importa reconhecer que, ao definir o novo rumo, o fez com firmeza e espírito resoluto, dando com isso a todos a garantia de levar a bom termo a tarefa a que meteu ombros.
E quem recusará a sua colaboração a uma iniciativa imposta por exigências tão fortes e indeclináveis?
Responsabilidades da produção e do trabalho agrícola. — Terão de assumir, antes de mais, especiais responsabilidades as entidades políticas e administrativas, os dirigentes corporativos e ainda os proprietários, designadamente os mais influentes, para que, nesta caminhada de verdadeira promoção humana, sejam vencidos os obstáculos que o espírito rotineiro, a falta de compreensão e a ignorância hão-de levantar, como já o fizeram, aquando da campanha nacional contra o analfabetismo, ao considerarem a cultura como privilégio de poucos e a instrução generalizada como perigo social.
Por toda a parte se clama contra o êxodo rural, que, apesar dos sérios inconvenientes que apresenta, não deixa também, como aqui o salientei já, de ter algumas repercussões favoráveis.
São constantes e, por vezes, patéticos os pedidos de providências rápidas e eficazes que, ao menos, esbatam os contrastes entre as regiões agrícolas e os centros fabris e entre a situação dos trabalhadores da terra e os das restantes actividades.
Oxalá não saiam agora, deste coro de reclamantes, vozes a malsinar as intenções do Governo e a descobrir inconvenientes de ordem económica ou política nos programas sociais propostos para resolver problemas de extrema gravidade.
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Se a segurança social custa dinheiro, ela é também instrumento de justiça e factor de desenvolvimento económico mais rápido e harmónico. Para que ela se efective hão-de contribuir, dentro das suas possibilidades, os próprios trabalhadores rurais, não sendo de admitir se mantenham as actuais quotas simbólicas cobradas pelas Casas do Povo.
E hão-de pagar também o que for justo e se contiver dentro dos limites das precárias disponibilidades da economia agrária os proprietários rurais que, estando a suportar, por virtude de escassez da mão-de-obra, aumentos salariais continuados, mau caminho seguirão se não colaborarem nos esforços tendentes a fixar no campo os trabalhadores activos indispensáveis à manutenção e ao progresso das suas explorações.
Assiste-se nos meios agrícolas a uma forte redução dos grupos populacionais activos, que só teria vantagens se não se registasse, como está a acontecer, de modo brusco e quase de rotura, com todo o seu cortejo de perturbações e distorções. A lei da oferta e da procura, que, apesar de todas as tentativas para a disciplinar ou integrar na linha da defesa dos valores humanos, funcionou, durante muitos anos, no mundo do trabalho rural, em favor exclusivo dos produtores agrícolas, actua agora noutro sentido, o que, a par dos sérios inconvenientes que envolve, não deixará, ao menos, de contribuir para levar muitos espíritos a aceitarem, embora forçadamente, os princípios da justiça social.
A subida de salários dos trabalhadores do campo tem-se mantido nos últimos anos e não dá sinais de estancar. E provável que acompanhe o decréscimo da nossa população agrícola activa, que já deve andar por pouco mais de 30 por cento da correspondente população das restantes actividades.
Se os programas da previdência, por si, não podem afastar o mal, a verdade é que sem eles, e por mais profundas que sejam as iniciativas do fomento económico, o problema persistirá e os trabalhadores continuarão a procurar outras actividades em que os riscos sociais e as contingências da vida estejam cobertos por um sistema que, sem se substituir em tudo à pessoa e à família, instaure um clima de relativa tranquilidade e segurança quanto ao futuro.
Cooperação da organização geral da previdência — Seu alcance e seus limites. — Como até agora o vêm já a fazer, as caixas de previdência continuarão a cooperar na protecção aos trabalhadores agrícolas e aprestam-se para reforçar o seu contributo, em nome do princípio de solidariedade nacional e fiéis ao método da compensação de encargos que está na base do sistema.
Mas esta solidariedade não pode ir tão longe que comprometa os esquemas de benefícios em vigor. Por outro lado, a compensação financeira tem as suas regras e os seus limites, assente, como é, na igualdade de contribuições e de regalias. Se umas e outras divergem nos vários sectores intervenientes na compensação, esta não pode nem deve funcionar, a não ser num regime de estrita proporcionalidade. De contrário, o sistema deixa de ser o que é, para se converter num processo de mera atribuição de comparticipações que pode comprometer a estabilidade dos fundos que o alimentam.
Ainda há dias, o Sr. Ministro das Corporações afirmou publicamente que «dos 20,5 por cento dos salários que, em geral, patrões e trabalhadores descontam para a previdência, destinam-se ao abono de família 7 por cento, dos quais já estavam a ser consumidos 5,8 por cento em 1967. Isto revela que já então nos encontrávamos perto do sistema de repartição, sistema que neste momento deve estar praticamente alcançado, depois da unificação do abono pelo escalão mais alto, em 1968», durante o qual os encargos com esta modalidade atingiram quase um milhão e meio de contos.
Em Janeiro de 1967, o mesmo ilustre membro do Governo referiu que «as capitações das receitas da previdência aumentaram, entre 1960 e 1965, apenas de 24 por cento, enquanto que as capitações das despesas com prestações cresceram, em idêntico período, 55 por cento, isto é, mais do dobro do que aquelas. No mesmo espaço de tempo, enquanto as receitas totais subiram 87 por cento, as despesas com prestações experimentaram a elevação espectacular de 134 por cento».
E, no esclarecimento recentemente enviado à Assembleia, afirmou ainda:
Em 1965 as pensões pagas absorviam 43 por cento das receitas a esse fim destinadas; em 1966 as pensões passaram a absorver 72,7 por cento; e actualmente 83 por cento. Isto mostra a progressão com que o crescimento das despesas com o pagamento das pensões de invalidez e velhice se está a verificar, despesas que em breve absorverão a totalidade das receitas a esse fim destinadas.
Ninguém contestará que os sectores da indústria e do comércio e a colectividade em geral devem cooperar na elevação dos meios agrícolas. Dever de justiça, esta solidariedade promana também de uma exigência ligada ao próprio progresso nacional, já que este só se alcança em pleno se for harmónico, ordenado e global em todos os aspectos económicos, sociais e culturais.
Aceito, contudo, que, a título transitório, possa imprimir-se um impulso mais vivo a determinadas modalidades de acção. Foi o que se deu com o avanço da previdência. Sem ele não vejo como poderíamos estar hoje aqui a discutir a proposta de lei que nos ocupa.
Vozes: —Muito bem!
O Orador: — Isto é exacto na medida em que o êxito e a força da previdência garantem e estimulam a integração, no seu âmbito, dos trabalhadores do campo e até na medida em que, mais porventura do que os seus recursos, são as suas estruturas que, pela sua dimensão ou extensão, pelo seu grau de aperfeiçoamento e pela sua eficiência, tornam possível o alargamento, em novos moldes, do seguro social e do abono de família aos rurais.
Na verdade, não são tanto o desenvolvimento e as realizações das Casas do Povo, mas sim ou principalmente o nível técnico e administrativo, os métodos e a rede das caixas que possibilitam encarar, em plano geral, a previdência e o abono de família dos trabalhadores da terra.
Sei que as actividades agrícolas, pela sua debilidade, não desfrutam do relativo desafogo de outras, mas não ignoro que há numerosíssimos pequenos industriais e comerciantes que, sem terem recebido quaisquer benefícios sociais, suportam há bastantes anos o pesado sacrifício de contribuírem, com mais de 15 por cento dos ordenados e salários, para a instauração do regime da previdência. Nem me esqueço de que, a par da grande legião de proprietários agrícolas em precárias e, tantas vezes, em angustiosas condições, outros há, infelizmente em muito menor número, que têm podido, graças a diversas circunstâncias, equilibrar as suas explorações e dar testemunho de um padrão de vida bem mais elevado do que o da grande maioria dos contribuintes das caixas.
Vozes: — Muito bem!
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O Orador: — Para eliminar esta injustiça não pode cair-se noutra, levando aqueles pequenos comerciantes e industriais, bem como os operários abrangidos pelas caixas, muitos dos quais auferindo salários mais baixos do que os dos trabalhadores agrícolas de várias regiões, a substituir, nos encargos, pura e simplesmente, outras entidades mais favorecidas e com mais seguras disponibilidades e influências.
A -posição do Estado. — Neste pendor, cabe salientar o especial alcance da afirmação feita no preâmbulo do documento em debate, de que «o interesse nacional do sistema proposto . . . e a própria situação da economia agrícola justificam e impõem um substancial reforço de . receitas exteriores, além da crescente participação da organização geral da previdência».
E sabido que as instituições de previdência, além de aliviarem as responsabilidades da assistência pública na sua função supletiva, vêm financiando o Estado, no que também têm interesse, com a tomada anual de títulos da dívida pública, num montante muito expressivo. Além disso, pagam diversas contribuições. Só de imposto complementar presumo que contribuem com importâncias que devem andar à volta das duas dezenas de milhares de contos por ano, para não falar noutros encargos que, justificados na altura em que foram estabelecidos, conviria fossem agora passando para outras entidades mais apropriadas.
A propósito, quero, uma vez mais, sugerir que a Caixa Geral de Depósitos deixe de cobrar — o que se me afigura incompreensível — a taxa de 1/2 Por cento sobre contribuições provindas dos ordenados e salários que nela são obrigatoriamente entregues com destino às instituições de previdência.
E não é despiciendo este ónus, que em 1968 deve ter sido de cerca de 20 000 contos, sendo certo que foi de 11 118 em 1963, de 12 356 em 1964, de 14 723 em 1965, de 17 400 em 1966 e de 18 500 em 1967, o que perfaz, só nestes últimos seis anos, o pesado montante de 94 000 contos!
Em elucidativa publicação da Comissão da Política Social Rural, refere-se que, em França, na Itália e na Suíça, o Estado comparticipa largamente na efectivação dos seguros obrigatórios.
Em França, as prestações dos seguros sociais agrícolas são cobertas: por financiamentos directos do Estado; por contribuições dos agricultores (17 por cento sobre os salários, sendo 11,5 por cento a cargo das entidades patronais e 5,5 por cento a cargo dos trabalhadores); por quotizações técnicas e complementares, expressas em percentagem do rendimento cadastral, e outras de carácter individual (para o seguro-velhice), ou familiar (para o seguro-doença); por adicionais à contribuição predial rústica da ordem dos 16 por cento; e pela taxa de 5 por cento a pagar pelos patrões sobre os salários de trabalhadores não especificamente agrícolas ou ao serviço de organismos da lavoura.
Apesar disso e de os agricultores serem responsáveis pelo pagamento de taxas sobre certos produtos, o financiamento extraprofissional, assente principalmente nos recursos fiscais, nas subvenções do Estado e na contribuição do fundo de compensação das prestações familiares, atinge perto de dois terços dos encargos da previdência da população rural, cuja parte activa era em 1966 de cerca de 17 por cento da população activa total.
Não pretendo extrair, em toda a extensão, ilações deste apontamento, pois não pode comparar-se o condicionalismo da economia francesa com o nosso, nem sequer a preparação que, naquele país e entre nós, as populações possuem para aceitarem a previdência social.
Em Portugal, em que os elementos activos da agricultura metropolitana constituem uma parte ainda muito expressiva da população correspondente das actividades do comércio e da indústria, e em que o peso dos diminuídos físicos se tem acentuado nos meios rurais, haverá, todavia, por maioria de razão, que lançar mão de recursos exteriores para se poder realizar uma previdência razoável.
Sublinhe-se que no domínio estritamente económico
O Estado tem concedido vultosos auxílios à lavoura, embora com dizer isto não queira eu significar que são bastantes ou que não carecem de ser revistos e actualizados os critérios da sua atribuição por regiões, por produtos ou por explorações agrícolas.
Não me tendo sido possível obter nota dos auxílios provenientes da Secretaria de Estado do Comércio, e portanto, entre outros, do Fundo dos Abastecimentos, que, segundo penso, são os mais expressivos, posso esclarecer que a Junta de Colonização Interna, através da lei dos melhoramentos agrícolas, concedeu, de 1960 ao final de 1968, perto de 1 300 000 contos em empréstimos e cerca de 100 000 contos em subsídios, enquanto que por outros serviços se cederam gratuitamente, de 1964 até agora, plantas e sementes no valor de 12 000 contos e se prestaram benefícios da ordem dos 16 000 contos no tratamento de soutos e montados.
Quando for possível equiparar ao esforço oficial neste domínio o que ó reclamado pelos problemas sociais do sector rural ter-se-á dado um passo do mais alto significado humano e político.
1 Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Encargos com a previdência rural. Facilidade da sua previsão. — Uma previsão dos encargos relativos às reformas projectadas pelo Governo está feita no parecer da Câmara Corporativa. Embora possua também alguns elementos, não ouso sequer, dado o melindre da matéria, apresentar quaisquer cálculos.
Os dados estatísticos existentes são incompletos e nem sempre actualizados e as Casas do Povo, quer porque estão longe de abranger toda a população agrícola, quer porque a sua organização administrativa é modesta, não se encontram em condições de os fornecer ou de os recolher. Acresce que à dificuldade de enquadrar os trabalhadores das regiões rurais em categorias profissionais definidas se junta a mobilidade de grandes estratos da população agrícola, por virtude das correntes migratórias dirigidas para os centros urbanos e para países estrangeiros.
Há que contar, além disso, com fraudes no pagamento das quotizações ou contribuições e no recurso indevido aos benefícios, tanto mais que os sistemas de protecção social propostos para o meio rural são susceptíveis de estimular a inscrição dos que mais expressivas regalias podem receber da previdência e o retraimento daqueles que, feitas as contas de acordo com um critério assente na avaliação do proveito imediato, se esquivam a integrar-se nas Casas do Povo ou nas caixas ou nelas se inscrevem com base na declaração de remunerações inferiores às efectivamente percebidas.
Nota-se, além disso, uma tendência crescente e alarmante para abrandar ou não exercer mesmo a actividade fiscalizadora, para deixar passar em claro faltas e transgressões de toda a ordem e para se atribuírem regalias contra a letra expressa dos estatutos ou regulamentos.
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Tudo isto, e o mais que ficou por dizer, tem de ser tomado em consideração para se evitarem situações irremediáveis.
Vozes: —Muito bem!
O Orador: — Nem podem também menosprezar-se os encargos administrativos, que a pulverização de serviços, o aumento de quadros e a intervenção mista no funcionamento das actividades hão-de tornar extremamente volumosos.
A comissão do trabalho, previdência e assistência ponderou estes aspectos e nas alterações, que sugere, de algumas das bases da proposta de lei foi movida pela preocupação de reduzir ao mínimo as eventuais contingências e anomalias atrás apontadas.
O regime do abono de família e a acção médico-social, quando esta inclui o pagamento de subsídios por baixa, mostram-se particularmente propícios a fraudes se não se tomarem as adequadas providências preventivas e repressivas.
Tudo isto aconselha a que as estimativas se façam com todo o cuidado e com o possível rigor e se admitam, cautelosamente, coeficientes de segurança bastante largos, sem prejuízo de se proceder à revisão periódica das previsões de que se partiu. Mesmo assim, há que estar financeiramente preparado para surpresas.
Política social — Politica económica — Politica educativa. — Seria perigosa ilusão pensar que os problemas de fundo dos meios agrícolas se podem solucionar através da política social. Esta tem um papel muito relevante a desempenhar na melhoria do teor de vida das populações, mas há-de ser a política económica a criar as condições de base da valorização das comunidades regionais, coadjuvada, acompanhada e, por vezes, precedida de um conjunto de providências tendentes à elevação do nível educativo e social, ao estabelecimento de infra-estruturas indispensáveis, à revisão, em moldes objectivos e humanos, de institutos jurídicos de interesse fundamental e à actualização de normas legais disciplinadoras de diversas relações da vida rural.
Não estou a pensar em certas reformas agrárias ensaiadas noutros países, as quais, pelo irrealismo das soluções, pelo sentido socializante ou pela intenção demagógica, não podem servir a ninguém, a não ser pela experiência que proporcionam como elemento de estudo e reflexão. Mas daí a permanecer-se numa posição estática — abúlica ou deliberada — de ultraconservadorismo vai uma distância enorme.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — A economia cabe dizer, neste domínio, a palavra decisiva ao suscitar o aumento da produtividade e, portanto, da riqueza, como condição primeira do progresso; ao estimular e favorecer as explorações caracterizadas pela sua organização e eficiência — e só essas; ao promover o desenvolvimento coordenado e equilibrado das diferentes regiões; ao fomentar as reestruturações e as reconversões impostas ,pelo interesse geral, mas sem quebra do respeito devido à propriedade privada e aos direitos do trabalho.
Por outro lado, a política da educação deve ser orientada, cada vez mais, no sentido de conferir aos meios pequenos tudo o que a promoção cultural e a formação técnica exigem como base do desenvolvimento económico e social. Não foi outro o espírito que presidiu ao Plano de Educação Popular, que visou, de modo especial, as zonas de mais baixo índice de instrução. Ainda recentemente foram tomadas medidas legislativas de indiscutível projecção, que neste domínio remodelaram o ensino preparatório e prorrogaram a escolaridade obrigatória.
Há que render homenagem a quem promoveu este avanço decisivo, tornado agora possível porque anos antes se assegurou, por forma efectiva, a todas as crianças em idade escolar a instrução primária.
Pena foi se não tivesse aproveitado o ensejo para estabelecer, também nos dois anos seguintes à 4.ª classe, a completa unificação do ensino. Enveredou-se por caminho diferente, o que veio impedir, na altura própria, a completa equiparação, para efeitos do ensino obrigatório, das zonas rurais e dos centros urbanos.
Na verdade, o funcionamento nas nossas aldeias de escolas que ministram ensino pré-secundário de nível inferior ao ministrado em meios mais desenvolvidos anula, em parte, as vantagens inerentes a um sistema racional de obrigatoriedade de ensino e não dá a todos as mesmas possibilidades de acesso à cultura, o que não está certo nem é justo.
A conclusão a que pretendo chegar é esta: mesmo que a política social se desentranhasse em copiosos benefícios e por si só pudesse atenuar alguns aspectos negativos da situação das populações rurais, as questões mais profundas ficariam ainda por resolver — até porque muitas, independentemente das que dependem de circunstâncias externas, são, pela sua natureza e complexidade, de difícil e morosa resolução.
Como quer que seja, a proposta de lei em debate é, por si, iniciativa do mais vincado interesse nacional e bem merece, portanto, os aplausos e, mais do que isso, a decidida cooperação de todos — dos trabalhadores e das actividades do comércio e da indústria, através, sobretudo, da sua organização da previdência, e também da colectividade e do Estado.
Não cumprirá, por isso, o seu dever quem lance nos espíritos a desconfiança e a dúvida e quem, com seus actos ou palavras, perturbe ou incite a esquivarem-se às suas responsabilidades aqueles que mais podem beneficiar da política de ascensão social que a Assembleia vai, dentro de momentos, consagrar, a fim de corresponder à elevada missão que lhe pertence.
Vozes: —-Muito bem!
Q Orador: — E esta tarefa de formular a norma jurídica e de a enriquecer com os ditames de justiça — o mesmo é dizer: com os fundamentos da paz— não será das mais imperativas e das mais nobres?
Legislar com sabedoria e com coragem é lançar a boa semente à terra promissora da vida da grei. Semeemos bem e acompanhemos depois, solícita e amorosamente, a seara até à colheita, e não poderá dizer-se, como Jeremias: «Seminaverunt tritícum, et spinas messuenint»; ou como Isaías: «Expactata fst ut faceret uvas, jecit atitem spinas».
Levemos, pois, não espinhas, mas trigo e uvas aos menos favorecidos da fortuna, para que não lhes falte o pão de cada dia nem a alegria de viver.
Srs. Deputados: Se não quiserdes relevar-me o tempo que no melhor dos propósitos, vos ocupei, perdoai-me ao menos o latim ... já que o exemplo vem de cima. Não é verdade, Sr. Presidente?
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados: Está terminada a discussão na generalidade da proposta de lei sobre a reorganização das Casas do Povo e a previdência rural. Como
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20 DE MARÇO DE 1969
não foram apresentadas quaisquer questões prévias que tenha de submeter ao plenário, considero a proposta de lei aprovada na generalidade. Vou encerrar a sessão.
Logo à tarde haverá sessão, à hora regimental, 15 horas e 30 minutos precisas. A ordem do dia será a discussão na especialidade da proposta de lei cuja generalidade acabámos de discutir.
Está encerrada a sessão.
Eram 12 horas c 50 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Henriques de Araújo.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
James Pinto Buli.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José dos Santos Bessa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André da Silva Campos Neves.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Calheiros Lopes.
António José Braz Regueiro.
António Magro Borges de Araújo.
António Moreira Longo.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando José Perdigão.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Salazar Leite.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Fernando de Matos. Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Joaquim de Jesus Santos.
José Alberto de Carvalho.
José Coelho Jordão.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Pais Ribeiro.
José Pinheiro da Silva.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves.
Sinclética Soares Santos Torres.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
O Redactor — Luiz de Avillez.
IMPRENSA Nacional de Lisboa