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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 7
ANO DE 1969 13 DE DEZEMBRO
X LEGISLATURA
SESSÃO N.º 7 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 12 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto
Secretário: Exmos. Srs. João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
João Bosco Soares Mota Amaral
Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário d«s Sessões, n.º 2, que insere a proposta de lei n.º 1/X (autorização das receitas e despesas para 1970).
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 11 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário, das Sessões, n.º 3.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Giesteira de Almeida apontou os principais problemas ultramarinos a que dedicará atenção no exercício do seu mandato.
Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1970.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Agostinho Cardoso, Silva Mendes, Gabriel Gonçalves e Leal de Oliveira.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 12 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: Vai proceder-se à chamada.
Eram 11 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Álvaro Filipe Barreto Lara.
Antão Santos da Cunha.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António Fernando Covas Lima.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Manuel Giesteira de Almeida.
Augusto Salazar Leite.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
Delfim Linhares de Andrade.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Feriando Augusto de Santos e Castro.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
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Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Henrique Veiga de Macedo.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João António Teixeira Canedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebermeister Mendes Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz. João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Augusto Correia.
José Adolfo Pinto Eliseu.
José da Costa Oliveira.
José Dias de Araújo Correia.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Vicente Abreu.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís António de Oliveira Ramos.
Luís Maria Teixeira Pinto.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Manuel Valente Sanches.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Bui de Moura Ramos.
Teodoro de Sousa Pedro.
Vasco Maria do Pereira Pinto Costa Ramos.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 86 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
11 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 3, que já foi distribuído aos Srs. Deputados.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como não há qualquer reclamação, considero-o aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Do Grémio da Lavoura de Monção, a apoiar a intervenção do Sr. Deputado António de Lacerda;
Do Grémio dos Industriais de Panificação de Lisboa, a pedir protecção para os industriais de panificação;
De vários professores do ciclo preparatório, protestando contra a baixa de categoria por eles sofrida no recente aumento de vencimentos do funcionalismo público.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Giesteira de Almeida.
O Sr. Giesteira de Almeida: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No momento em que acabo de saber, por carta recebida de Nova Iorque, da Deputada por Moçambique Dr.a Custódia Lopes, que no Palácio de Vidro, onde funciona uma assembleia com intuitos bem diferentes da nossa, somos alvo de ataques violentos devidos ao ódio tribal de alguns países africanos e à cobiça neocolonialista dos países comunistas e em que pelos jornais sei que um português renegado se conluia com o inimigo, seja-me permitido dirigir uma palavra ide saudação à Índia cativa, a Angola que nos serviu de exemplo, à Guiné tão dilacerada, às gentes do Norte de Moçambique tão atormentadas e, finalmente, a todos os territórios portugueses espalhados pelo Mundo, dos quais saliento muito justamente Cabo Verde e Macau, onde nunca deixou de flutuar a bandeira portuguesa, nem durante o Interregno, garantindo assim a continuidade da Pátria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Permita-me, Sr. Presidente, que lhe testemunhe a minha maior admiração pela limpidez das suas palavras no momento em que foi investido. Vejo-o com a dignidade e a grandeza daqueles que o antecederam e que eu me habituei a admirar.
A objectividade de V. Ex.ª garante-nos que está dentro do espírito da época.
Dois problemas me preocupam fundamentalmente:
O ultramar e o ensino, e neles os homens e as instituições.
É este, em esquema, o meu singelo programa.
Dentro deste espírito, seja-me permitido, Sr. Deputado Franco Nogueira, endereçar-lhe um especial cumprimento do maior respeito e admiração pela sua dignidade e coragem, pela verticalidade da sua opinião, quer aqui, quer em outras e graves ocasiões.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Recordo com a maior saudade a visita que V. Ex.ª nos fez em Lourenço Marques, onde procuramos levantar o expressivo padrão do mais alto nível da cultura portuguesa, a Universidade.
Foi V. Ex.ª de uma clareza cristalina. Pode haver quem não possa ou não queira entender a sua bela mensagem. Eu, porém, quero estar com V. Ex.ª, dizendo-lhe que não se podem discutir periodicamente as partes
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de um todo, embora haja, sim, que estudar as fórmulas pelas quais se deve processar a sua integração ou os métodos económicos e políticos que regem a sua administração.
Está tudo certo, Sr. Deputado.
A profunda marca ultramarina da nossa política não deixará nunca de influir nas resoluções desta digna Assembleia.
Na verdade, e no prosseguimento de um programa de verdadeira opção traçado pelo Presidente do Conselho e aprovado pelo eleitorado, estou certo de que esta Câmara nem por um momento deixará de ter presente a sua razão primeira de existir - a integridade nacional.
As várias posições tomadas até agora são disso salutar exemplo.
Habituado às lides universitárias, venho agora entrar neste hemiciclo onde se debatem os problemas cimeiros da política e da administração nacionais.
Para começar, permita-me, Sr. Presidente, salientar que a maior parte da população portuguesa só muito longínqua e resumidamente está presente nesta Assembleia.
Como Deputado pela gigantesca província de Moçambique, não posso deixar de lamentar a nossa reduzida representação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em política, como na vida, temos de ser coerentes.
Espero que se venham a corrigir certas anomalias que, com grande surpresa nossa, nem nesta época de renovação foram sequer apontadas.
Tomo a liberdade de salientar que cerca de 13 milhões do nosso povo estão ameaçados de liquidação total, e as empresas que a tentam processar podem ter aqui na metrópole as suas sucursais.
Estive atento durante a campanha eleitoral, e, perante a imensidão moçambicana, que cerca de 8 milhões de almas povoam, faz muita impressão a curteza de vistas e a pequenez de alma de muitos dos que na metrópole levantaram a sua voz. Ainda não deram conta de que Portugal é grande.
Não estranhareis certamente que, como novato, aproveite este período antes da ordem do dia para vincar a minha conduta, sumarizar o meu pensamento.
Estou aqui com a mesma noção de um dever a cumprir, como fazem os nossos camaradas que se batem na frente. Actuarei sempre com os olhos postos nos seus sacrifícios, de forma a honrá-los.
É dentro deste espírito e dos direitos que o Regimento nos confere que me permito chamar a atenção do Governo para o nível do vencimento e dos salários dos que labutam no ultramar.
Na verdade, o quase nivelamento que actualmente se verifica leva a que a metrópole se junte aos territórios que em África nos são vizinhos na concorrência que nos movem, roubando-nos os melhores técnicos.
Sem técnicos não há desenvolvimento, sem desenvolvimento não há povoamento e sem este não haverá segurança duradoura, nem paga para o sacrifício que a Nação está a fazer no ultramar.
Ultramar e juventude são duas realidades inseparáveis, direi mesmo, se me permitem, são as duas únicas razões da nossa existência livre.
Quanto ao primeiro, temos obrigações históricas a cumprir, realidades objectivas a defender e um brilhante futuro a construir.
Quanto à juventude, é preciso que lhe ofereçamos algo de muito nobre para que nos acredite. É indispensável aprender com ela a dar generosamente, evitando o habitual espírito de profundo egoísmo que caracteriza o adulto.
A juventude é a nossa maior riqueza.
Não se admirem, portanto, que tenha muitas vezes de levantar a minha voz em sua defesa.
É para mim um problema de família, e, como universitário, um problema da família universitária.
Os agregados humanos evoluem criando e elevando os seus órgãos comunitários.
Os homens emprestam a sua formação às instituições e estas garantem às sociedades humanas a sua continuidade.
É por isso que entendo que desprestigiar as instituições, sejam elas quais forem, não dignifica um governo, nem contribui para a felicidade do povo.
A título de exemplo, estou neste momento a lamentar o conteúdo do Decreto n.º 48 879, que tão duramente atingiu as Faculdades de Medicina na sua dignidade, especialmente com os seus dois primeiros artigos.
Como professor de uma Faculdade de Medicina, solidarizo-me com todos aqueles que, de uma forma ou de outra, exteriorizaram o seu protesto.
Este assunto não constitui tema de um aviso prévio, é antes uma tomada de posição, é uma definição de princípios para uma discussão que, estou certo, não deixará de ser levantada nesta Câmara.
A Universidade está em crise e com ela o País em perigo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Perdoe-me V. Ex.ª o tom das minhas palavras, mas habituei-me desde longa data a imprimir-lhes a vivacidade, a realidade de quem julga seguir os rectos caminhos da verdade e imagina estar inibido de um espírito de missão.
Ao exprimir assim as minhas opiniões não me julgo depositário da verdade, move-
-me antes o sincero, desejo de contribuir para o estudo dos caminhos que a ela conduzem.
A este propósito, assistimos no mundo de hoje a movimentos que pretendem tudo destruir para reconstruir sobre os escombros.
Fala-se muito de revolução, pois já não se acredita na evolução.
Contudo, quer queiramos, quer não, não somos uma mutação biopsicológica do homem, mas representamos uma espécie em evolução, forçosamente apoiada na experiência das gerações antecedentes e, portanto, seguindo um processo evolutivo que, do ponto de vista biológico ou psicológico, só pode considerar a revolução como um mero incidente sem significado representativo.
Como preconizou um dos nossos maiores, de quem aprendi a lição, procurarei usar a linguagem simples da verdade, no prosseguimento de uma política de verdade, contra outra de segredo e de mentira.
Durante estes últimos anos, em que, por imperativo de consciência, vivi para a saúde e segurança dos que combatem em África, vi muitos doentes, alguns mutilados, mas todos tendo marcas na carne e na alma da dureza da batalha.
Alguns podiam ser vossos filhos, e Deus permita que se os meus ou os vossos tiverem a honra de se bater pela Pátria regressem imunes.
Numa terra onde tudo cumpre o dever, julgo que a Universidade em Moçambique tem sabido integrar-se no
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lugar que lhe compete nesta luta que, com as forças armadas à frente, todos têm de travar.
Cá estou de novo a falar do ultramar.
Perdoem-me a insistência, mas tem que ser.
Conferiram-nos um mandato para o defender e espera-se de nós que tratemos o ultramar mais nas realizações e nas reformas de que carece do que em inflamadas palavras, por vezes até sem fé.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Termino, Sr. Presidente, fazendo uma prece para que Deus nos ilumine e nos ajude a encontrar o melhor caminho para garantirmos a grandeza e a continuidade da Pátria.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vamos passar à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1970.
Tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Cardoso.
O Sr. Agostinho Cardoso:-Sr. Presidente: Companheiro de V. Ex.ª desde há oito anos nesta Assembleia, honro-me por tê-lo como Presidente na actual legislatura.
Não veio V. Ex.ª nem de um alto cargo do Estado, nem de uma cátedra universitária. Foi nesta Assembleia, essencialmente como Deputado, que a sua longa carreira de homem público se impôs, pela extrema correcção das suas atitudes, pela seriedade, competência e nível com que sempre versou o tema das suas intervenções e ainda por certo corajoso e ainda justo inconformismo, perante a Administração ou o Governo, que per vezes elas revestiram.
Tem assim hoje a Assembleia na sua presidência alguém que pelo seu passado é estruturalmente um parlamentar.
Sr. Presidente: Na introdução da Lei de Meios referem-se as judiciosas razões pelas quais o Governo, ao invés dos últimos anos, não mencionou providências sobre o funcionalismo. É que o milhão e meio de contos despendido na recente melhoria de vencimentos e a entrada em funcionamento da Assistência na Doença aos Servidores do Estado -importante benefício e apoio para os funcionários públicos e administrativos- representam o possível e volumoso contributo orçamental já decidido para o ano de 1970 neste sector.
E não é louvaminha afirmar que na actual conjuntura financeira esta dupla decisão do Governo em tão pouco espaço de tempo é altamente significativa do seu interesse pela situação económica do referido funcionalismo.
Só desejo que o civismo dos sectores comercial e industrial do País e as possíveis disposições disciplinadoras dos preços e do custo de vida impeçam uma indesejável redução do aumento de capacidade de compra que deste benefício resultará. Vem este, aliás, bem expresso na Lei de Meios como um dos objectivos imediatos da nossa política económica - contrariar a subida de preços.
Não esqueço também que é intenção do Governo alargar os benefícios da A. D. S. E. ao agregado familiar do funcionalismo, aproximando-o neste aspecto das regalias já obtidas pela Previdência. Formulo votos de que as possibilidades financeiras permitam esta ampliação de benefícios para 1971 e ainda de que os funcionários aposentados possam ver melhoradas as suas pensões de reforma.
Diz-se ainda na referida introdução à Lei de Meios:
Espera-se que este esforço, notável, sem dúvida, permita, em relação com as reestruturações de quadros que se impõem, o desejável aumento de produtividade dos serviços públicos. Ficaram deste modo criadas as condições para a perfeita conciliação dos três momentos do problema: remunerações, reestrutura de quadros, produtividade dos serviços.
É de apoiar-se firmemente o Governo nesta definição de interligar os três factores referidos. Com efeito, se ao funcionalismo é de dar razão quanto à necessidade de progressiva melhoria económica, não só através da remuneração, mas sobretudo do apoio na saúde, na educação e na habitação, tem a comunidade o direito de esperar o aumento de produtividade dos serviços na qualidade e intensidade do trabalho, condicionadas estas pela reestruturação dos referidos serviços, actualizando-se as técnicas, mas contando-se com a formação, interesse e civismo do pessoal. E adentro desta estruturação, não será certamente de desprezar para já a disciplina e sobriedade no recrutamento de pessoal adventício, a inspecção educadora com permanência ao funcionamento dos serviços e autarquias e a redução do pessoal dos escalões inferiores, condição primordial para uma remuneração que aproxime mais este sector dos escalões superiores. A reforma administrativa, que já se iniciou, afinal, através de resoluções e medidas parcelares, mas eficazes, será basilar na coordenação das soluções dos três «momentos» sintetizados na frase que citei.
Mas, Sr. Presidente, a minha intervenção de hoje tem dois modestos objectivos:
Sugerir ao Governo prioridade para um pormenor específico no sector da saúde e educação e insistir na urgência de concretizar-se, sector por sector, o planeamento regional do arquipélago da Madeira -que me elegeu-, em moldes práticos e objectivos, ordenados a uma subsequente e próxima execução.
Procurarei ser breve, fugindo a pormenores técnicos, que sempre os achei supérfluos e pouco pertinentes numa Assembleia essencialmente política como esta.
Não esquecerei também que o estilo de intervenção parlamentar mais útil no nosso tempo parece ser o de sóbria exposição ao Governo, em que sugiram soluções práticas, se esbocem críticas pertinentes e justas, se formulem interrogações sobre a posição de determinados problemas - mas sempre em ordem a poder esperar--se uma resposta ou um entendimento compreensivo.
No primeiro ponto da minha intervenção pretendo sugerir ao Governo a criação, tão urgente quanto possível, de uma escola superior de estomatologia ou medicina dentária, problema limitado e parcelar, que se situa num sector duplamente prioritário - saúde e educação - e que suponho enquadrável em 1970 na capacidade orçamental do Estado.
Em 10 de Março de 1962, quando intervim na discussão do Estatuto da Saúde e Assistência, afirmei nesta tribuna:
Desejo salientar um aspecto sanitário um pouco esquecido no nosso país: a higiene dentária de crian-
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ças, adolescentes e adultos, um dos índices de nível cívico sanitário da população de que em França, há anos, se fez porta-voz a Liga Nacional de Propaganda de Higiene Dentária daquele país.
São numerosas as doenças e sofrimentos físicos originados pelo deficiente estado sanitário dos dentes, como é índice de subevolução de um país a impossibilidade de tratamento, prótese e correcção de defeitos e deformidades dentárias de muitos dos seus cidadãos, sobretudo dos jovens, e que nada haja no campo da higiene dentária quanto às crianças das escolas.
É confrangedor, entre nós, até estèticamente, o espectáculo de jovens e mulheres com deformações e falta de dentes incisivos e caninos, que os tiveram de extrair, como única solução económica para uma cárie adiantada ou uma dor persistente e insuportável.
E isto, volto a acentuar, sobretudo nas áreas rurais.
Segundo os elementos colhidos no Anuário Estatístico de 1967, havia nos 22 distritos da metrópole um total de 74 odontologistas e 422 médicos estomatologistas localizados irregularmente, em grande maioria, nas áreas urbanas. Correspondem estes números à média de 1 profissional por 20 000 habitantes. Bem diferente é a situação noutros países mais evoluídos. A África do Sul tem cerca de 1500 dentistas. A França, no fim de 1967, tinha 1 dentista para 2700 habitantes (18500 dentistas). Na Inglaterra há, na área de Londres, 1 dentista para cerca de 2850 habitantes e no País de Gales 1 para 6430 habitantes; na Alemanha, em 1968, havia 30 880 dentistas. A Rússia tem 75 000 dentistas, dos quais 45 000 são estomatologistas.
Os Estados Unidos têm 48 escolas dentárias. O Canadá tinha, em 1967, 6532 dentistas e o Governo atribui 5000 dólares ao dentista que se estabeleça em determinadas regiões onde há carência desses profissionais. O Japão tem 1 dentista para 2750 habitantes.
Os números seguintes, também extraídos do Anuário Estatístico de 1967, dão a nota da irregular distribuição pela nossa metrópole dos profissionais deste sector:
O distrito de Castelo Branco, com 320 000 habitantes, tinha nesse ano 11 estomatologistas, e o de Bragança, com 244 000 habitantes, apenas 3; o de Coimbra, com 443 000 habitantes, 28 médicos estomatologistas e 3 odontologistas, e Faro, com 315 000 habitantes, apenas 6 estomatologistas e 2 odontologistas; Angra do Heroísmo, para os 103 000 habitantes, tinha 1 só estomatologista, Vila Real, 4, para 339 000 habitantes, e o distrito de Lisboa, com uma população calculada de 1 540 000 habitantes em 1967, centralizava 161 estomatologistas e 48 odontologistas, ou seja, mais de metade de todos os profissionais da metrópole.
A situação em Portugal, neste sector da saúde, é, em resumo, a seguinte:
1) Insuficientíssima assistência sanitária às populações, sobretudo nas áreas rurais, por insuficiente número de profissionais. Repito: 1 profissional, em média, por 20 000 habitantes, se estivessem distribuídos irregularmente pelo País. A verdade, porém, é que mais de metade concentra-se em Lisboa e a quase totalidade dos restantes, nas cidades;
2) Dois graus diferentes de profissionais: os odontologistas (não médicos), categoria que tende a desaparecer; os médicos estomatologistas que possuem os sete anos do curso de Medicina e três anos de especialização, feita por meio de prática não dirigida em serviços hospitalares, visto não haver ensino oficial desta especialidade no nosso país. Somos, de resto, o único da Europa que não possui uma escola superior de estomatologia onde se efectue este ensino. Todos os outros países possuem-nas há, pelo menos, quinze anos. No começo de 1969 realizou-se em Lisboa o 6.º Congresso Internacional, e 4.º Nacional, de Estomatologia, coincidindo com o cinquentenário da Sociedade Portuguesa de Estomatologia.
A partir dele, alguns estudos prévios se fizeram, em ligação com a Faculdade de Medicina de Lisboa, no sentido de se criar o ensino oficial de estomatologia, a nível universitário, em Portugal.
A solução do problema seria, possivelmente, a criação, junto de cada Faculdade de Medicina, de uma escola superior de estomatologia, que diplomaria estomatologistas. Estes teriam um curso de seis anos, aproximadamente. A primeira parte corresponderia às cadeiras básicas de Medicina, professadas em fase provisória na própria Faculdade, e uma segunda parte, à especialização.
Obtinha-se, assim, por um lado, a instituição do ensino oficial de estomatologia no nosso país e incrementava-se o aumento de profissionais de nível médico neste sector, criando um curso de seis anos, isto é, com menos quatro do que a actual especialização.
Pede-se ao Governo para promover a legislação necessária à criação, já em 1970, deste ensino oficial de nível universitário, ou seja, da primeira escola superior de estomatologia, possivelmente junto à Faculdade de Medicina de Lisboa, regulando-se a possibilidade de acesso à mesma, na devida oportunidade, dos alunos actualmente matriculados nos primeiros anos de todas as Faculdades de Medicina. Seria de atribuir a estas escolas posição fomentadora e orientadora da higiene dentária do nosso país, directamente ou através da fundação de associações benévolas.
Sr. Presidente: O segundo ponto da minha intervenção pretende resumir as razões da urgência na promoção do planeamento regional do arquipélago da Madeira, a executar segundo um escalonamento de prioridades sectoriais.
A correcção dos desequilíbrios regionais de desenvolvimento constitui um dos três objectivos fundamentais do III Plano de Fomento.
O Governo pretende «tomar iniciativas importantes no domínio da política regional no decurso do próximo ano» e dedica-lhe um capítulo no relatório e outro no texto da proposta de lei, enunciando as linhas gerais de orientação deste sector, isto é, da promoção de um melhor equilíbrio regional. Segue nessas linhas gerais os objectivos do Plano de Fomento quando se refere ao equilíbrio da rede urbana, à expansão descentralizada dos serviços e à progressiva especialização da agricultura regional. E insiste na necessidade de se criar condições para que a iniciativa privada se insira na mesma linha de orientação, criando-se um sistema de incentivos de localização regional e atribuindo grande importância às comissões regionais do planeamento. Os artigos 23.º, 24.º e 25.º concretizam esta política regional, incidindo, sobretudo, nas infra-estruturas regionais.
Ora o arquipélago da Madeira é, Sr. Presidente, uma das regiões onde se torna mais saliente o desequilíbrio regional no desenvolvimento, em relação às suas potencialidades turísticas e às suas características, que assim se resumem:
Pletora populacional numa região dificilmente industrializável e isolada pelo mar;
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Agricultura pobre e primitiva em propriedade multifragmentada;
Grandes potencialidades turísticas e uma emigração que tende a tornar-se improdutiva.
Estas características dão-lhe jus a prioridade nas iniciativas do Governo quanto a política de desenvolvimento regional formulada na Lei de Meios para 1970, mas a realização prática dessa prioridade não pode efectivar-se em grande escala sem a formulação de um planeamento regional concreto e executável, em que se defina, dimensione, situe e fixe limites para cada sector, se estabeleça prioridades de estudo e execução, se avalie os investimentos necessários e destes o volume que deve competir aos órgãos locais e aquele que é de pedir concretamente ao Estado.
Este planeamento concreto que não se limite a vagas sugestões qualitativas; ordenado para uma execução seguida e consecutiva, obriga a um efectivo comando local, à coordenação bem disciplinada das actividades a nível distrital e a uma estreita ligação com os departamentos do Estado, em ordem a poderem, ser tomadas as decisões finais pelo Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos.
O recente Decreto-Lei n.º 48 905, que regula a constituição e funcionamento das comissões consultivas regionais, se for posto ràpidamente em execução e dadas as estas comissões possibilidades de actuação persistente e intensiva e de estruturar grupos de trabalho, produzindo em idênticas condições e a bom ritmo, constituirá um grande passo para a efectivação do planeamento regional da Madeira. Aproveito a oportunidade para dizer que não se entende à primeira vista a pertinência das razões que levaram a atribuir às ilhas adjacentes diferente orientação em relação ao continente quanto à designação dos vogais da comissão consultiva, ainda que se não lhes aplique integralmente as disposições do n.º 2 do artigo 2.º do decreto a que me estou referindo.
Desta planificação regional do arquipélago da Madeira poderá então partir-se para o desenvolvimento das infra-estruturas orientadas em grande parte - que não totalmente - para o turismo, indústria essa já em desenvolvimento e possível de atingir largas proporções.
Nessas infra-estruturas é de incluir-se o porto franco como epílogo natural da livre circulação de mercadorias entre as ilhas e o continente, a sistematização da agricultura, a sua mecanização parcial e as opções a nível local entre ela e a pecuária, a pesca, a educação e o bem-estar rural, adentro das normas especificadas na Lei de Meios.
Há sectores e aspectos para os quais se está em condições de pedir o apoio orçamental do Estado para a Madeira em 1970, ou seja, apoio aos seus órgãos locais de execução. Sem dúvida que ele será pedido e continuará a ser dado.
Sr. Presidente: Termino já a minha intervenção. Limitei-me a dois pontos concretos, um de nível nacional e outro de natureza regional, em ordem a pedir ao Governo o seu enquadramento orçamental no ano de 1970, ao qual se destina a lei de meios cuja proposta estamos discutindo.
Mas, por ter deliberadamente estabelecido estes limites sem ir até à apreciação das linhas gerais, como o têm feito brilhantemente outros Sr. Deputados, nem por isso deixo de salientar o que esta proposta de modo positivo me impressionou na sua contextura, quanto ao traçado das grandes orientações a seguir na actividade financeira, quanto à hierarquia atribuída aos grandes problemas nacionais e quanto à definição das linhas gerais da nossa política económica.
E ainda quanto às disposições firmes que garantem a defesa do ultramar, ou seja, da integridade do território nacional, princípio para mim indiscutível e que vi bem nitidamente referendado pelo povo no último acto eleitoral.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Silva Mendes: - Sr. Presidente: Ao cumprimentar V. Ex.ª não sigo apenas uma tradição de há muito estabelecida nesta Câmara, mas satisfaço um dever de consciência, pois ao longo destes vinte anos, no ardor da minha mocidade, admirei sempre o entusiasmo que V. Ex.ª punha nas suas tão justas e pertinentes intervenções.
E, mercê desse facto, o nome do actual Presidente desta Assembleia passou a ser sinónimo de defensor da causa pública, pois a isenção com que discutia os problemas situava-se sempre no campo dos interesses da grei.
Perdoe, Sr. Presidente, se na maneira de falar singela de um homem do Alentejo, pouco habituado ao rendilhado e à subtileza da linguagem dos salões, eu não souber exprimir todo o respeito que lhe devo e toda a minha admiração, mas, para além das palavras, há uma identificação de sentimentos entre Alentejanos e Ribatejanos, fundida no amor à terra que nos viu nascer, cimentada pelo mesmo ideal de portuguesismo, alicerçada no respeito à Pátria dos nossos maiores, que nos ajuda a melhor nos compreendermos.
Por estas razões, sentirá V. Ex.ª a sinceridade do meu respeito e o alto apreço pelas suas qualidades de carácter, de inteligência e pelo seu prestígio
Srs. Deputados: Convosco vou viver quatro anos que espero sejam de intensa actividade na apreciação e rectificação das linhas mestras que irão dar rumo aos nossos destinos de portugueses, e por isso mesmo não quero deixar de vos dirigir uma palavra de muita consideração:
Que ao longo do nosso mandato, nos momentos de aceitação ou de rejeição de diferentes pontos de vista, não nos separe nunca o respeito que devemos aos que nos elegeram, confiados que estavam no nosso espírito de bem servir.
Ao subir as escadas de acesso a esta tribuna senti todo o peso da responsabilidade que sobre os nossos ombros impende neste momento, pois no contacto que nos foi dado estabelecer durante o último período eleitoral com os nossos eleitores bem sentimos como eram justos muitos dos seus anseios e principalmente como era gritante a injustiça de alguns casos que nos foram apresentados.
Sabemos que o eleitorado, ao usar do seu direito de voto, perante uma opção que lhe foi posta, quis manifestar o seu apoio e a sua confiança no Governo de Marcelo Caetano, tão certo está de que o Sr. Presidente do Conselho, na hora grave em que vivemos, é capaz de levar a porto de salvamento a barca da governação em que navegamos. E a prova máxima da veracidade da minha afirmação encontrei-a numa lista que entrou numa das urnas da secção de voto do meu concelho, onde alguém, pouco afeito ao uso da caneca, escreveu em letra mal desenhada e incerta, por baixo dos nomes dos candidatos a Deputados: «Eu voto por Marcelo Caetano.»
Assim considero a função do meu mandato, exercendo os direitos e os deveres que a lei estabelece aos Deputados, com isenção, trazendo à Assembleia, em nome dos que me elegeram, o que esperam e solicitam do Governo a que preside o homem por quem eles optaram.
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O interpretar desse sentir me trouxe a esta tribuna.
Na proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1970, no final da p. 76, quando se refere às regalias a prestar pela Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado, escreveu-se:
Não se mostra, assim, necessário incluir qualquer preceito sobre a matéria, pois se não pode deixar de esperar que o normal funcionamento do Instituto tenha, como consequência natural, o progressivo aperfeiçoamento na prestação dos benefícios.
A prática porém é diferente da teoria ali expressa, e se não, vejamos:
Em 27 de Abril de 1963 foi aprovado o Decreto-Lei n.º 45 002, que concedia aos servidores do Estado assistência na doença, aspiração de há muitos anos, tornada realidade após um período de tempo de tal forma longo que alguns já duvidavam da sua execução.
Mas apareceu, acusando a fraqueza de quem dá os primeiros passos, incertos e titubeantes, mas que, em síntese, significavam o alvorecer de uma esperança.
Para os que dela beneficiavam, e cujo número se conta por milhares, era a primeira pedra de um edifício que se queria seguro e firme, e por isso só a pouco e pouco poderia ser erguido.
A primeira circular dos serviços que teria a seu cargo dar cumprimento à lei foi datada de 5 de Maio de 1965 e dava as normas necessárias para a inscrição dos beneficiários.
A segunda, de Outubro do mesmo ano, embora distanciada dois anos do aludido decreto-lei, dava corpo à sua execução.
Nela se reconhecia o direito ao internamento, em enfermaria e quartos semiprivados e de l.ª e 2.ª classes, dos servidores do Estado, consoante a sua categoria e consequente vencimento, e se determinava a comparticipação dos mesmos servidores no pagamento dos encargos daí resultantes.
Como era necessário ir mais além, e depois de um interregno de quatro anos, em Outubro do corrente ano é alargada a assistência para além do internamento, tornando-a extensiva a regime ambulatório e domiciliário, em todas as modalidades - medicina, cirurgia, obstetrícia, especialidades médicas e cirúrgicas e ainda, em regra, o fornecimento de próteses.
Poderíamos dizer que estávamos a andar devagar, pois a família do beneficiário ainda não era considerada, mas que caminhávamos em frente, se nessa mesma circular se não tivesse introduzido uma alteração que, pràticamente, vem privar muitos e muitos funcionários do benefício antes concedido.
É que, se em Outubro de 1965 a A. D. S. E. reconhecia o direito de internamento aos serventuários, em face das suas remunerações (certamente porque teve em consideração a actual situação das instalações hospitalares), a de Outubro de 1969 só aceita os encargos se o beneficiário for internado em enfermaria, qualquer que seja a sua categoria, tornando bem claro que a escolha do quarto particular constitui sempre opção do beneficiário, sendo, portanto, da sua exclusiva responsabilidade não só o acréscimo dos encargos, diferenças de diárias e de serviços, mas também a de honorários dos médicos.
Muitos sabem, e alguns até talvez por amarga experiência, como são deficientes as instalações de uma grande parte dos nossos hospitais, e principalmente das suas enfermarias, apesar de toda a boa vontade do Sr. Ministro da Saúde e Assistência e dos serviços dele dependentes, e que esta deliberação da A.D.S.E. outro significado prático não teve senão o de alijar a responsabilidade da assistência a muitos dos seus beneficiários.
É certo que se pode aduzir que o esquema de assistência agora publicado está mais perto daquela que se pratica em muitos países estrangeiros, mas não se percam de vista as diferentes condições de vida e compare-se igualmente a concepção das instalações hospitalares existentes nesses países.
Todos sabem como estão empobrecidos os quadros qualificados ou especializados dos nossos serviços públicos, e uma das razões que decerto não deixará de exercer influência sobre este estado de coisas é precisamente a falta de um seguro social que os ponha a coberto de dificuldades em caso de longa incapacidade temporária ou permanente, já que, não sendo os seus ordenados suficientes para fazer frente aos encargos do dia a dia, muito menos possibilitam um amealhar que os ajude a encarar, sem apreensões, essas horas que, por certo, um dia lhes baterão à porta.
Aqui a razão da minha intervenção, pois não me parece nem legítima nem humana a atitude da A. D. S. E., retirando uma regalia que quatro anos antes havia tido por bem conceder aos seus beneficiários, e tantos foram os que dela usufruíram, numa altura em que a vida se torna mais difícil.
á pouco foi publicada a nova tabela de vencimentos dos funcionários do Estado e todos sabemos como ela ficou aquém do que muitos esperavam, como se desfizeram ilusões e como se manteve para alguns o seu viver precário, dada a subida vertiginosa do custo de vida.
Aceitamos, porque sabemos que não foi possível ir mais além, por não o permitir o erário nacional e porque temos esperança de que as novas reformas tributárias preconizadas na presente Lei de Meios e a Reforma Administrativa anunciada possibilitem ajudar a resolver este tormentoso problema, que afecta milhares de famílias, mas, por amor de Deus, não se cavem mais fundas as dificuldades de quem há muito tempo espera e ordeiramente confia que lhes seja feita justiça.
Podemos afirmar, em face dos elementos de que dispomos, que a A. D. S. E., quando começou a dar execução à doutrina da circular de Outubro de 1965, pretendeu pôr em prática tabelas e princípios que dificilmente poderiam ser aceites pelos hospitais e pelos médicos que neles prestam serviço.
Daí resultou um sem-número de atritos, muitos dos quais estão ainda hoje por resolver e que terão como cenário final o tribunal. Essa divergência estendeu-se à Direcção-Geral dos Hospitais, pois as doutrinas e interpretações de uns e outros eram totalmente diferentes, dado que a A. D. S. E., se, por um lado, procurou fazer assistência, por outro, quis fugir, em parte, aos encargos que daí forçosamente teriam de advir.
O divórcio foi tal que para lhe pôr termo seguiu agora o caminho que lhe pareceu mais fácil, acabar com as regalias concedidas e que eram o pomo da discórdia, em vez de encontrar uma solução que a todos satisfizesse.
Aceitamos que se tenha de caminhar devagar, mas não aceitamos que se retroceda.
E o problema, que o havia, era fácil de resolver, pois bastava, por exemplo, pôr em prática o regulamento que norteia os Serviços Sociais do Ministério da Justiça, estabelecendo as suas tabelas de pagamento aos hospitais e aos médicos.
Na verdade, se compararmos as regalias concedidas aos servidores do Estado pela A. D. S. E. com as que igualmente são concedidas pelos Serviços Sociais do Ministério da Justiça aos mesmos servidores seus depen-
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dentes, concluiremos que, se estas não são de mais, aquelas são flagrantemente insuficientes.
Desde pequenos que nos dizem que a Pátria é a mãe de todos nós, mas parece que no momento e em mais casos do que seria para desejar muitos estão a ser tratados como enteados.
A minha afirmação tem raízes na diferença de tratamento que está a ser dada a funcionários das mesmas categorias, mas que trabalham em Ministérios diferentes ou, às vezes, até em serviços diversos dos mesmos Ministérios.
Considerando o que acabo de expor, peço que seja recomendada a suspensão da execução da doutrina expressa na circular da A. D. S. E. n.º 2/69, de 1 de Outubro do ano em curso, e que sejam mandadas inscrever verbas que possibilitem aos serviços conceder as regalias que antes haviam sido concedidas aos funcionários públicos, extensivas também aos administrativos.
Termino, Sr. Presidente, formulando um voto, e este é o de que, se a sala ao lado daquela em que nos encontramos passou à história, conhecida pelo nome de Sala dos Passos Perdidos, V. Ex.ª nos ajude para que esta não fique conhecida na X Legislatura da Assembleia Nacional, a primeira a que preside, por Sala das Palavras Perdidas, pois não foi a isso que viemos.
E, posto isto, dou na generalidade a minha inteira concordância e aprovação à proposta de lei de meios em discussão.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Gabriel Gonçalves:-Sr. Presidente: Aprendi ser norma desta Casa o Deputado iniciar a sua primeira intervenção saudando o Presidente da Assembleia.
Aprendi, mas, de qualquer modo, nunca desprezaria a oportunidade de afirmar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, o meu mais elevado apreço e o meu mais vincado respeito. Respeito pela independência, aprumo moral e desejo de bem servir, que ninguém ousa discutir em V. Ex.ª. Apreço pela inteligência e perfeita preparação em variadíssimos campos, entre os quais, e não o faço por deformação profissional, não resisto à tentação de salientar aquele que mais intensamente vivo - a silvicultura -, sector a que V. Exa,, desde sempre, tem dispensado especial predilecção e que tanto tem beneficiado da preparação apontada.
Aos Srs. Deputados, as minhas saudações e o propósito sincero da mais franca e leal colaboração.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não tendo ainda esquecido, e confio em Deus que não o esquecerei até ao fim do meu mandato, o ambiente em que decorreu o último acto eleitoral, as «queixas justas», tantas vezes apresentadas, os reparos vivos e bem sentidos, tão frequentemente expressos na linguagem tão simples e rude como sincera do povo anónimo do meu círculo, não tendo esquecido tudo isso, repito, compreender-se-á que, consciente da responsabilidade assumida, me tivesse debruçado sobre a proposta de autorização de receitas e despesas que estamos discutindo, muito mais preocupado com o seu espírito do que com a sua forma, muito mais interessado nos caminhos esboçados para a solução dos vários e concretos problemas que interessem à economia nacional e à do meu círculo do que com o cumprimento de preceitos a que a forte especialização e competência de outros obriga a muito maior susceptibilidade.
Por tal, foi-me fácil prontamente aderir ao carácter orientador programático, do preâmbulo da mesma, muito embora compreenda, e por o compreender aceitasse, alguns autorizados reparos.
Compreender-se-á, insisto, a quase ansiedade com que procurei encontrar nas linhas orientadoras do citado preâmbulo motivos de fundamentadas esperanças, ou, com mais optimismo, e eu quero ser sempre optimista, certezas que permitam a satisfação das queixas ou clamores ouvidos no decorrer da tão acesa e agitada luta eleitoral, a qual se revestiu de aspectos indiscutivelmente inusitados.
Entre estes, aponto como mais relevantes dois apenas:
O primeiro, a indiscutível e decisiva influência da personalidade do Prof. Marcelo Caetano, sem a qual, alguns de nós, estaríamos agora apenas preocupados com as nossas ocupações normais.
O segundo, a certeza de que o eleitorado, votando no Presidente do Conselho, através das nossas pessoas, exige total correspondência na confiança depositada.
Penso que poucas vezes um Deputado assumiu as suas funções tão responsabilizado e tão sujeito a implacável julgamento por parte daqueles mesmos que o levaram à posição presente.
Que Deus nos ajude, se não for possível melhor, a obter a absolvição.
Por tudo, nas considerações que irei fazendo, sobressairá o desejo de corresponder a quem confiou em mim, não por regionalismo tacanho, por esquecimento da perspectiva nacional que nunca deverá abandonar a visão do Deputado, mas antes pela obrigação sempre imposta de lutar pelo mais necessário, e o círculo que tenho a honra de representar nesta Assembleia e, de uma forma mais geral, todos os pertencentes à zona sul, encontram-se em tão primária fase de desenvolvimento que permitiu, a reputado economista, classificar o espaço que os enquadra de região «sombra».
Ao ler, no preâmbulo da proposta, preâmbulo que me fez bem compreender o que um simples articulado parcialmente me ocultaria, que é «necessário um esforço intenso de lançamento e apoio dos programas de investimentos públicos e privados, por forma a permitir sensível aceleração do processo de crescimento económico», e que tal aceleração se tornava possível com rigoroso respeito do equilíbrio financeiro, e continuando a conceder, como se impõe e aplaudo, indiscutível prioridade aos encargos com a defesa nacional, eu, confesso, iniciei uma caminhada de esperança, que se manteve ou intensificou ao longo da leitura e estudo de toda a proposta.
E, talvez responsabilidade da minha incipiente deputação, sempre, julguei nela encontrar interesse mais intenso do que o habitual pelas zonas mais sacrificadas do País.
Ressalto algumas disposições.
Assim, na alínea c) do artigo 3.º, onde se enuncia o propósito de «fomentar um melhor equilíbrio regional no processo de desenvolvimento da economia nacional», e no artigo 17.º, onde se prevê a concessão de «adequados incentivos a empreendimentos privados» e a «participação do Estado ou de empresas públicas na criação de inovas unidades produtivas» ou ainda a «iniciativa da realização directa, pelo sector público, de outros empreendimentos», eu concluí ser admissível a esperança de estarem próximos melhores dias para o Sul, para toda a faixa interior, para o País.
A doutrina deste último artigo tem para a Nação, e de uma forma particular para o Alentejo e zonas interiores, a acentuada vantagem de permitir que o Estado, na missão supletiva que lhe cabe, incentive, promova ou crie as unidades produtivas que se tornem necessárias ao crescimento económico regional.
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De resto, tal proceder foi há muito adoptado pelo Estado Espanhol, o qual, por intermédio do Instituto Nacional de Indústrias, criou unidades produtivas sempre que as considerou indispensáveis e o sector privado, por razões muitas vezes legítimas, se não mostrava interessado.
Posso exemplificar com a fábrica de celulose de Huelva, criada e dirigida pelo citado Instituto com o fim de consumir uma espécie pouco apetecida pela indústria - a Eucalyptus rostrata -, unidade que labora conjuntamente essa espécie e a Eucalyptus globulus, nas percentagens, respectivamente, de 30 e 70 por cento.
Por ser património do Estado, conforma-se mais fàcilmente com os maiores gastos de cloro, com a maior corrosão das caldeiras, com a maior e mais demorada concentração de lixívia, com os menores rendimentos celulósicos e a pior qualidade de pasta obtida com tal mistura. Mas dessa conformação, de uma mais modesta rentabilidade, resulta a valorização de um produto que existe e que permite o aproveitamento florestal de vastas zonas em opções mais favoráveis.
Não poderia a disposição em causa possibilitar o arranque de unidades celulósicas que aproveitassem as centenas de milhares de toneladas de material lenhoso obtido anualmente dos montados de sobro e azinho, até agora votado à sorte inglória de material combustível, transaccionado a preços aviltantes e por tal conducentes ao cada vez mais generalizado abandono, quando não supressão, dos montados?
Não será desejável tal proceder no caso de não se concretizarem realizações do tipo previsto para o concelho de Odemira, para onde foi oficialmente autorizada a instalação de uma unidade integrada de pasta semi-química e de cartão canelado, que obrigatoriamente utilizará a madeira de sobreiro na maior percentagem técnica e econòmicamente viável?
Não se poderá, por tal processo, criar no Alentejo uma unidade de secagem e estabilização que apoie o aproveitamento da madeira de azinho no fabrico de mobiliário, sem a qual tal indústria, apesar das favoráveis perspectivas de aceitação nalguns mercados europeus, nunca ultrapassará a fase artesanal? Ou ainda todo um dispositivo industrial, como o de Granada, que incentivou a populicultura regional até níveis antes imprevisíveis, quase inacreditáveis, ao passo que entre nós, e especialmente no Sul, a falta de apoio industrial anulou praticamente a sua expansão?
Nesta matéria muito mais poderia dizer se não receasse importunar a Câmara e ser mais justamente acusado de desvio sectorial. Mas, de qualquer modo, penso ter valido a pena a exemplificação como testemunho das dificuldades de um ordenamento capaz, de uma desejável reconversão, sem o apoio de um dispositivo de transformação, que justifique econòmicamente as soluções técnicas encontradas.
Por último, apenas a afirmação de que, convicto partidário de um mínimo de intervenção, não posso deixar de sublinhar e aplaudir a forma verdadeiramente supletiva por que esta função é encarada no pressuposto do esgotamento de todas as possibilidades de entrega ao sector privado dos investimentos em causa, e que o Estado, quando compelido a tomar a iniciativa, deverá, logo que assegurada a rentabilidade do empreendimento, transferi-lo, por forma adequada, para o sector privado e aproveitar o capital recuperado para novos investimentos.
No artigo 19.º enuncia-se toda uma variada gama de investimentos, cuja prioridade aceito, entre os quais me permito salientar os que se referem a investimentos humanos, dado o facto de o simples acréscimo de bens e serviços, sem a correlativa e indispensável promoção técnica, cultural e social, nunca bastar à consecução de uma sociedade mais harmónica ou, o que é o mesmo, mais cristã.
Igualmente o artigo 21.º providencia em relação a diversos aspectos da política económica sectorial, e nele realçarei a alínea d), que procura estimular a constituição de agrupamentos de exportadores e a fusão de empresas exportadoras, proceder que, a meu ver, poderá fortemente contribuir para eliminar a desenfreada concorrência na exportação de alguns produtos de grande interesse nacional, concorrência que os respectivos sectores pagam e de que os mercados internacionais beneficiam. É exemplo a cortiça, mas todos nós sabemos que o mal se alarga a muitos outros.
Todo o artigo 22.º respeita à valorização da nossa agricultura e foca aspectos que poucos discutem e muitos consideram imprescindíveis para o franco desenvolvimento do sector. Na verdade, não é possível crer que, sem um ordenamento agrário que progressivamente conduza ao indispensável ajustamento entre as utilizações e as correspondentes potencialidades edafo-climáticas e sem decisões políticas que assegurem rentabilidade às soluções técnicas adoptadas, não é possível crer, dizia, se processem alterações favoráveis ao crescimento económico sectorial.
Finalmente, e neste aspecto desejava centrar a minha intervenção, merecem o meu mais entusiástico apoio os rumos definidos no que à política regional respeita.
E como poderia ser diferente a minha posição, representando Évora nesta Assembleia, pólo de crescimento da vastíssima zona sul, Évora, que, desde 1963, tão forte preocupação manifesta pelo desenvolvimento regional, procurando, desde então, mobilizar todos os seus recursos com vista ao estabelecimento de uma política que coordene, planifique e dinamize a economia de todo o Sul, no desejo sempre presente de superar o seu subdesenvolvimento e criar defesas em relação à zona de Lisboa, que impiedosamente lhe continua captando as potencialidades humanas, materiais e financeiras de que ainda dispõe.
Tal preocupação foi afirmada nos últimos anos por um sem-número de sessões de trabalho, de conferências e iniciativas várias, nas quais têm activamente participado os elementos mais válidos das várias actividades sectoriais, e tudo dinamizado pela Junta Distrital de Évora, com a prestimosa colaboração das Juntas Distritais de Portalegre e de Beja, do Gabinete de Estudos do Banco de Fomento, do Secretariado Nacional da Informação, da Comissão Mista de Cooperação Económica Luso-Alemã, da Comissão Mista Luso-Holandesa, dos serviços oficiais e de numerosos organismos, entre os quais, mais recentemente, mas de forma inexcedível, há que salientar o Instituto de Estudos Superiores de Évora.
Este tremendo esforço foi bem reconhecido na introdução do II Plano de Fomento, no capítulo dedicado ao planeamento regional, no qual se referem as iniciativas das Juntas Distritais de Évora e Portalegre, ao ser afirmado «que o Governo, com o objectivo de coordenar todas estas acções (Decreto-Lei n.º 46 909, de 19 de Março de 1966), entendeu que era aconselhável dar os primeiros passos no sentido do estabelecimento de uma orgânica administrativa adequada à realização dos indispensáveis estudos de base, à conveniente articulação entre o serviço central de planeamento, os órgãos dos diversos Ministérios e os interesses locais, e à definição das linhas orientadoras dos convenientes programas de fomento regional».
Toda esta incansável acção foi culminada, em Março de 1969, com a realização, em Évora, no grandioso e vetusto edifício da antiga Universidade, actualmente ser-
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vindo de liceu, do I Encontro sobre Desenvolvimento Regional da Região-Plano Sul, no qual foram apresentadas 126 comunicações versando todos os ramos que ao mesmo crescimento mais interessavam.
Por tudo, dizia, não poder ser outra a minha posição - a de franco aplauso à doutrina inserta em todos os artigos d» proposta que, de algum modo, interessam a política regional.
Tudo está, e é esse o meu voto, que a política proposta seja concretizada com a urgência que se impõe. Se as condições financeiras, estabilidade da moeda, reservas cambiais e balança de pagamentos, suo favoráveis ao desenvolvimento económico, há que não esperar, porque regiões como a que represento, em fase primária de crescimento, para não traduzir o seu estúdio de evolução por expressão mais crua, não o podem consentir. O distrito de Évora, com fraquíssima cobertura industrial, com um pólo urbano vivendo à base da existência de funções terciárias tradicionais, pode e deve ser valorizado com o aproveitamento integral do seu potencial humano, o qual, com forte subutilização, continua, resignada e confiadamente, esperando por melhores dias.
«Procurar em tempo as soluções mais convenientes», afirmação recente e autorizada de S. Ex.ª o Subsecretário de Estado do Planeamento Económico, deverá ser palavra de ordem que evite esperas dilatadas, certamente conducentes a forte alteração das favoráveis condições presentes, na minha zona, em tudo o que respeita a potencialidades humanas.
Por firmemente acreditar numa cautelosa, prudente, mas segura, evolução no sentido por todos desejado e por a proposta em discussão decididamente apontar para essa evolução, merece-me, na generalidade, o meu voto concordante.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Leal de Oliveira: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: E com emoção e respeito que vou elevar a minha voz pela primeira vez perante VV. Ex.ªs - perante a Nação.
E com emoção e respeito que irei tecer algumas considerações nesta Sala onde ainda ecoam as vozes de tribunos ilustres e de portugueses de alto quilate.
E com emoção e respeito que falo perante VV. Ex.ªs, por sentir quão importante é para a Nação o resultado dos trabalhos da X Legislatura e as dificuldades da conjuntura por que passa o País.
Mas, Sr. Presidente e meus senhores, a timidez do debutante emocionado e vergado ao respeito que deve às paredes que o cercam e a todos VV. Ex.ªs é vencida pela força que lhe foi conferida pelo eleitorado que recentemente lhe entregou o mandato de Deputado da Nação pelo círculo de Faro e a incumbência de aqui o representar.
A minha voz ficará também mais clara e vibrante sempre que aqui falar, pois pretendo apresentar nesta Assembleia sómente problemas, situações e anseios do povo português inteiramente legítimos, mesmo que tais falas possam ocasionar melindres a terceiros.
Não quero, na verdade, enquanto durar o meu mandato, perder a força da razão; perder a confiança do meu eleitorado.
Como técnico de um organismo onde o económico e o social servem de directriz de trabalho, onde existe uma mística de dádiva total aos interesses colectivos e legítimos, particularmente os do sector agrário, fácil será, sem quebra de princípios e até de hábitos, prosseguir igual a mim próprio, agora num apostolado de maior dimensão.
Terei sempre, Sr. Presidente e prezados colegas, a máxima consideração pelas opiniões aqui apresentadas, pois estou certo de que elas representam o pensar honesto e interessado de VV. Ex.ªs, tendente à resolução dos problemas em equação, e não, pelo contrário, a voz de grupos de pressão, de proveitos inconfessáveis, egoístas ou até mesmo antiportugueses.
Estou certo, na verdade, de que a Nação Portuguesa escolheu, e bem, para esta legislatura Deputados que representam unicamente os interesses nacionais.
Parabéns a VV. Ex.ªs e parabéns ao eleitorado que em tão boa hora escolheu este elenco.
Desculpai-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta longa introdução.
Prometo desde já que as minhas próximas intervenções serão reduzidas ao essencial e essencialmente concretas e objectivas.
Sr. Presidente: Não quero prosseguir sem apresentar a V. Ex.ª os meus respeitosos cumprimentos e afirmar que muito apreciei a eleição de V. Ex.ª para a presidência desta alta Assembleia.
Tenho vindo a acompanhar, desde há muito, as intervenções de V. Ex.ª nesta Câmara, nomeadamente as que se ligaram ao sector agrário.
O tecnicismo, a verdade e o desassombro com que V. Ex.ª tem apresentado delicados problemas, as qualidades de carácter, firmeza de princípios e afabilidade de trato, permitem asseverar que a Assembleia Nacional, ao colocar V. Ex.ª no lugar que actualmente ocupa, praticou um acto de justiça.
V. Ex.ª poderá contar com os meus humildes préstimos, pois tenho a certeza de que, quando acompanhar V. Ex.ª, acompanharei causas justas.
Está em discussão a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1970, a chamada Lei de Meios.
Impõem-se algumas considerações, não obstante estar solidário ao parecer da Comissão de Economia, que muito objectivamente conseguiu reunir todas as opiniões de um heterogéneo, nas qualificado, grupo de Deputados, com uma única excepção para não fugir à regra.
Aproveito a ocasião para expressar ao Sr. Presidente da Comissão de Economia, Prof. Teixeira Pinto, ao relator do respectivo parecer, Prof. Almeida Garrett, e ao secretário da Comissão, Eng.º Correia da Cunha, os meus cumprimentos pela forma como conduziram os trabalhos.
A proposta de lei de meios para 1970 e o respectivo relatório vieram mais uma vez realçar as qualidades intelectuais e de saber de S. Ex.ª o Sr. Ministro das Finanças e da equipa altamente qualificada que S. Ex.ª dirige.
O relatório introdutório à proposta de lei, os pareceres da Câmara Corporativa, Comissão de Finanças e do Economia, assim como as inúmeras intervenções dos Srs. Deputados que se debruçaram sobre a ordem do dia, esgotaram os pontos essenciais da proposta de lei de meios para 1970, que eventualmente necessitariam de estudo mais pormenorizado.
Pouco há, por conseguinte, a apresentar a VV. Ex.ªs Todavia irei realçar certos pontos que me prenderam a atenção e que julgo terem reflexos importantes para o desenvolvimento das regiões onde estou mais vinculado - distritos de Faro e Beja - e até do próprio País.
Está o Governo empenhado numa política de investimento e de desenvolvimento acelerado, a fim de promover, pelo aumento da riqueza, de novos empregos, etc., uma vida económica e socialmente mais sã ao povo português.
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Para tanto, diagnosticados os desequilíbrios regionais existentes em Portugal estranguladores do desenvolvimento global do País, o Governo decidiu, e bem, que «os investimentos em infra-estruturas económico-sociais serão realizados tendo em vista as suas relações de complementaridade, as funções e hierarquia dos centros populacionais e o maior apoio que podem oferecer para a satisfação das necessidades de cada região».
A discriminação a que têm sido votadas largas parcelas do espaço português será certamente agora eliminada. Em contrapartida, nova óptica surgirá tendo em vista o aproveitamento integral das potencialidades económicas e humanas existentes em cada região.
Desta forma evitar-se-á, tanto quanto possível, a ocorrência de zonas subdesenvolvidas ou mais subdesenvolvidas no espaço português e, consequentemente, situações sócio-económicas e políticas negativas para as populações.
A existência de desertos é sempre nefasta e é para a desertificação que tendem as zonas diminuídas por qualquer razão em relação a outras mais dinâmicas. Se nada actuar em contrário será certo o enriquecimento progressivo das últimas e o empobrecimento das primeiras.
Meus Senhores: A ocorrência de desertos é sempre perigosa e, como afirmou Jules Milhau, deve sempre temer-se os desertos que se formam numa região, pois acabam sempre por constituir pesado encargo para a colectividade.
Infelizmente estão a criar-se desertos ao longo de todo o País, ao mesmo tempo que certas zonas do litoral se intumescem constituindo pólos urbanos e industriais de tamanho desequilibrado em relação à periferia, o que vem acelerar, e com grande intensidade, o movimento unívoco de pessoas e bens desta para aqueles pólos.
O Algarve e o Baixo Alentejo são exemplos de desequilíbrio regional.
O deserto alarga a sua superfície naquelas províncias. Toda a serra do Algarve, com forte predomínio no sotavento, e a região carbónica ao sul de Beja, com incidência nos concelhos de Mértola, Almodôvar e Castro Verde, estão a surgir, aos olhos dos que querem ver, como regiões em despovoamento; como futuros desertos do continente português.
A política, lançada pelo Governo, de desenvolvimento regional inserta no III Plano de Fomento, aprovada pela Assembleia Nacional em devido tempo, foi agora, na Lei de Meios, novamente referida.
O Governo está, na verdade, consciente da necessidade do desenvolvimento harmónico de todo o espaço português, para o que já tem todos os instrumentos legais, nomeadamente os que lhe serão confiadamente conferidos pela Assembleia Nacional ao aprovar a Lei de Meios agora em discussão.
Há que andar para a frente e em força.
Não há tempo a perder neste particular.
Não podemos deixar aumentai- os inconvenientes dos desequilíbrios regionais.
Com efeito, estes desequilíbrios têm-se materializado, como é do conhecimento geral, na existência de uma lavoura agonizante, de uma indústria incipiente e sem estímulos para normal crescimento e numa delapidação do capital humano por desenfreado, descontrolado e irreversível êxodo rural.
Srs. Deputados: Estou certo de que o ano de 1970 marcará o início de uma política de desenvolvimento regional eficiente. A macrocefalia da região de Lisboa e a desertificação da periferia irão certamente ser contrariadas em profundidade.
São estes, Sr. Presidente, os meus votos sobre esta matéria.
Outro ponto prendeu a minha atenção ao estudar a proposta da Lei de Meios.
Como VV. Ex.ªs muito bem sabem, a proposta em estudo tem como orientação geral:
O aceleramento do ritmo da formação do capital fixo em empreendimentos de reconhecido interesse para o progresso da economia nacional;
O incentivo e apoio da parte do Governo às transformações das estruturas económicas e financeiras das empresas portuguesas necessárias ao reforço da sua capacidade de concorrência em mercados progressivamente mais extensos e mais abertos;
O fomento de um melhor equilíbrio regional no processo de desenvolvimento da economia nacional;
E a manutenção da estabilidade financeira interna e a solvabilidade exterior da moeda portuguesa.
É ambicioso o programa do Governo. Mas é efectivamente necessário que seja cumprido para que Portugal possa ombrear-se com as nações mais evoluídas.
O sector privado irá certamente ser solicitado a forte esforço de adaptação a um ritmo de trabalho mais acelerado, mas o sector público, administrativo e técnico, será a base fundamental para que o arranque da economia portuguesa se dê com a vitalidade necessária.
Todavia, é infelizmente já lugar-comum dizer-se que a Administração necessita de reforma urgente e profunda. Diz-se que o próprio funcionalismo de reforma também precisa.
É um facto que não pode ser negado.
Como funcionário público e orgulhoso de tal qualidade não posso, no entanto, de não deixar de partilhar da opinião de que os serviços públicos necessitam de ampla reforma.
O próprio Governo está consciente do problema, razão por que está elaborando os estudos da Reforma Administrativa.
S. Exa. o Presidente do Conselho já várias vezes se tem referido ao andamento dos trabalhos e sempre que tem sido possível e oportuno tem promulgado diplomas que não são mais que trechos da referida Reforma.
Bem haja o Governo pela acção que está desenvolvendo neste particular, pois estou certo de que, se não houver adaptação dos serviços públicos às necessidades, o desenvolvimento económico e social que se projecta será afectado, uma vez que para a sua realização se pressupõe como fundamental uma máquina administrativa altamente eficiente e mentalizada.
Meus Senhores: Houve, infelizmente, um processo de degradação da Administração ao longo dos anos. O progresso tecnológico invadiu as empresas privadas, mas só penetrou muito incipientemente nos serviços estatais.
O funcionário público, à medida que a máquina administrativa se degradava, eu, melhor, não evoluía, via também aumentado, por insuficiência dos quadros e crescimento das solicitações do público, o trabalho diário e responsabilidades, ao mesmo tempo que verificava forte desfasamento salarial entre os empregados dos serviços públicos e os das empresas privadas.
A frustração, Srs. Deputados, invadiu insidiosamente o funcionalismo, o que provocou forte e conhecido êxodo para as actividades particulares, alarmente nos ultimes anos.
Só têm ficado nos quadros oficiais os funcionários menos ambiciosos, mais velhos, e consequentemente de difícil adaptação a novos hábitos de trabalho, e aqueles que auferem noutras actividades rendimentos suficientes para o seu agregado familiar.
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100 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 7
Não serão certamente os melhores aqueles que ficaram, mas posso afirmar a VV. Ex.ªs que muitos que ainda restam são aqueles que devotadamente se entregaram à causa pública. Há que reconhecê-los e honrá-los.
Felizmente, mais uma vez o Governo, chefiado por um homem, nunca é de mais afirmá-lo, altamente qualificado e à altura do momento, reviu recentemente a situação do funcionalismo público.
Os aumentos de vencimento que foram promulgados não solucionaram a situação do funcionário público, mas estou certo de que o Governo tem a plena consciência de ter atingido os limites do possível.
Desta forma, só passo ficar aguardando que num futuro próximo sejam promulgados os diplomas que refermem os serviços públicos de orgânica ainda não actualizada, adaptando-os às solicitações do momento presente, o que provocará, estou certo, alargamento dos quadros e consequente acesso dos funcionários a lugares mais bem remunerados.
Nessa altura certas alterações de letras ultimamente promulgadas e que têm provocado diferenciação de funcionários de iguais categorias, mas de serviços públicos diferentes, serão de certo ajustadas.
Gostaria ainda, Sr. Presidente, de chamar a atenção do Governo para o facto de existirem Ministérios, e até direcções-gerais do mesmo Ministerio, que facultam gratificações de chefia e outros onde tal modalidade de recompensa não existe. Tal discriminação deverá ser com urgência revista.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: A minha intervenção já vai longa, mas, ao terminar, ainda gostaria de afirmar a VV. Ex.ªs que o funcionário público que vê na sua função uma verdadeira missão totalmente dedicada ao bem público pretende não só a sua melhoria económica, e social, que está a ser na verdade levada a cabo pelo Governo, mas também a sua dignificação.
Para tanto é necessário dar-lhe melhores condições de trabalho - estou-me lembrando das péssimas instalações de algumas câmaras municipais, de repartições de finanças, de registos civis e prediais - e ao mesmo tempo necessário também é mentalizar o funcionário da alta missão que o Governo lhe confiou e cuja efectivação lhe exige.
Sr. Presidente e meus Senhores: Termino as minhas considerações afirmando que estou convicto de que o funcionalismo público, não obstante as condições em que pé encontra, irá mais uma vez responder positivamente às solicitações que lhe irão certamente fazer para a conveniente aplicação da política económico-social do Governo.
Ele sabe que de tal política depende a prosperidade do povo português.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continuará, dentro da mesma ordem do dia, na sessão da tarde, que se iniciará à hora regimental.
Conforme ontem informei VV. Ex.ªs, o debate na generalidade será encerrado na sessão desta tarde.
Está encerrada a sessão.
Eram 12 horas e 45 minutou.
Srs. deputados que entraram durante a sessão:
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
José Coelho Jordão.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Rogério Noel Peres Claro.
Teófilo Lopes Frazão.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Albino Soares; Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre José Linhares Furtado.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Augusto Domingues Correia.
Bento Benoliel Levy.
D. Custódia Lopes.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando David Laima.
Gustavo Neto Miranda.
James Pinto Bull.
João Pedro Miller Pinto Lemos Guerra.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Pedro Maria Anjos Pinto Leite.
José dos Santos Bessa.
José da Silva.
Leonardo Augusto Coimbra.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Marques da Silva Soares.
Prabacor Baú.
Rui Pontífice Sousa.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
O REDACTOR - Januário Pinto.
Propostas enviadas para a Mesa durante a sessão:
Proponho que à rubrica da alínea b) do artigo 19.º da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1970 seja dada a seguinte redacção:
b) «Educação de base, formação profissional, promoção social investigação.»
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 10 de Dezembro de 1969. - O Deputado, Rafael Ávila de Azevedo.
Proposta de alteração
Nos termos do artigo 37.º, § 2.º, do Regimento da Assembleia Nacional, proponho que as disposições do artigo 10.º, alínea a), n.º II, da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1970 sejam substituídas pelas seguintes:
II) A elevar para 200 000$ o limite a partir do qual os rendimentos do trabalho provenientes de acumulação de actividades profissionais ficam sujeitos a tributação adicional.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 11 de Dezembro de- 1969. - O Deputado, José da Silva.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA